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O PROINFÂNCIA: ENTRE A INTENÇÃO E O ATO O Proinfância: entre a intenção e o ato Este painel é um recorte da pesquisa desenvolvida pelo Grupo Educação Infantil e Políticas Públicas, com apoio do CNPq e Faperj (2011/2014) em sete unidades do Proinfância em funcionamento no RJ e teve como objetivo diagnosticar a situação da Educação Infantil nessas unidades e identificar como ocorre a implantação do programa em todos os seus aspectos: dos direitos das crianças, das práticas pedagógicas realizadas e dos impactos da política do governo federal, a partir desse programa, nas esferas municipais, incluindo a formação docente. Procedimentos metodológicos: (I) levantamento do número de alunos atendidos, critérios de matrícula, implantação, recursos humanos e materiais, proposta pedagógica e práticas desenvolvidas nas unidades; (II) observação participante nas unidades e (III) registro fotográfico dos espaços das unidades. O primeiro texto analisa o impacto do Proinfância na efetivação dos direitos das crianças em termos legislativos e a consecução dos seus resultados para as crianças. O segundo faz um diálogo das imagens fotográficas das unidades do Proinfância com as entrevistas com gestores, professores e observações das práticas, analisando as aproximações e distanciamentos das práticas com os documentos oficiais norteadores. O diálogo busca sustentação teórica em Walter Benjamin, inspirado na figura do colecionador. As imagens deixam vestígios sobre as concepções que norteiam as práticas dos professores. O último texto toma como base os fatores que estão sendo considerados e/ou desconsiderados nas formas de adequação e funcionamento dessas instituições pelas municipalidades. Muitas crianças ainda não têm acesso à Educação Infantil a falta de vagas nas redes, a dificuldade de locomoção, a pouca flexibilidade do atendimento, a oscilação do mercado de trabalho nas exigências de escolaridade dos pais são desafios apontados e que provocam (ou não) a busca de medidas alternativas, como, por exemplo, o Proinfância. Palavras-chave: Proinfância. Educação Infantil. Políticas e Práticas. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 8031 ISSN 2177-336X

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O PROINFÂNCIA: ENTRE A INTENÇÃO E O ATO

O Proinfância: entre a intenção e o ato Este painel é um recorte da pesquisa desenvolvida pelo

Grupo Educação Infantil e Políticas Públicas, com apoio do CNPq e Faperj (2011/2014) em

sete unidades do Proinfância em funcionamento no RJ e teve como objetivo diagnosticar a

situação da Educação Infantil nessas unidades e identificar como ocorre a implantação do

programa em todos os seus aspectos: dos direitos das crianças, das práticas pedagógicas

realizadas e dos impactos da política do governo federal, a partir desse programa, nas esferas

municipais, incluindo a formação docente. Procedimentos metodológicos: (I) levantamento do

número de alunos atendidos, critérios de matrícula, implantação, recursos humanos e

materiais, proposta pedagógica e práticas desenvolvidas nas unidades; (II) observação

participante nas unidades e (III) registro fotográfico dos espaços das unidades. O primeiro

texto analisa o impacto do Proinfância na efetivação dos direitos das crianças em termos

legislativos e a consecução dos seus resultados para as crianças. O segundo faz um diálogo

das imagens fotográficas das unidades do Proinfância com as entrevistas com gestores,

professores e observações das práticas, analisando as aproximações e distanciamentos das

práticas com os documentos oficiais norteadores. O diálogo busca sustentação teórica em

Walter Benjamin, inspirado na figura do colecionador. As imagens deixam vestígios sobre as

concepções que norteiam as práticas dos professores. O último texto toma como base os

fatores que estão sendo considerados e/ou desconsiderados nas formas de adequação e

funcionamento dessas instituições pelas municipalidades. Muitas crianças ainda não têm

acesso à Educação Infantil – a falta de vagas nas redes, a dificuldade de locomoção, a pouca

flexibilidade do atendimento, a oscilação do mercado de trabalho nas exigências de

escolaridade dos pais são desafios apontados e que provocam (ou não) a busca de medidas

alternativas, como, por exemplo, o Proinfância.

Palavras-chave: Proinfância. Educação Infantil. Políticas e Práticas.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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O PROINFÂNCIA E AS ESTRATÉGIAS MUNICIPAIS DE ATENDIMENTO A

CRIANÇAS DE 0 A 6 ANOS

Maria Fernanda Rezende Nunes - UNIRIO

Resumo

Neste trabalho busca-se fazer o diagnóstico da situação de sete unidades do Proinfância em

municípios do Rio de Janeiro, tomando como base os fatores que estão sendo considerados

e/ou desconsiderados nas formas de adequação e funcionamento dessas instituições. A

escolha desses municípios justifica-se pelo fato de as unidades já terem sido construídas e

estarem em funcionamento. Entende-se com Bonini e Panhoca (2011) que a gestão local

assume considerável relevância, definindo os contornos da política nacional nas

municipalidades. Tais contornos constituíram o mote da investigação. Muitas crianças ainda

não têm acesso à Educação Infantil – a falta de vagas nas redes, a dificuldade de locomoção, a

pouca flexibilidade do atendimento, a oscilação do mercado de trabalho nas exigências de

escolaridade dos pais são desafios apontados e que provocam (ou não) a busca de medidas

alternativas, como, por exemplo, o Proinfância. Os resultados deste estudo permitem

constatar, por um lado, que a eficácia da implantação desse Programa tem sido comprometida

pela escassez da estrutura organizacional. O princípio da liberdade de adesão,

paradoxalmente, se transforma numa camisa de força, o que propicia que os municípios

continuem executores da União, que controla, com sistemas avaliativos, seu desempenho,

ferindo o princípio que gerou a ação. Por outro, que a distribuição de cargos e funções nas

Secretarias enfraquece a política de Educação Infantil.

Palavras-chave: Educação Infantil, Proinfância, Políticas Municipais

Introdução

No período de 2010 a 2012, o Grupo de Pesquisa em Educação Infantil e Políticas

Públicas, com o apoio do CNPq, realizou uma pesquisa na Região Metropolitana do Estado

do Rio de Janeiro para identificar as estratégias de organização que os sistemas municipais de

ensino e as Secretarias Municipais de Educação (SME) vêm desenvolvendo para atender à

Educação Infantil no âmbito das unidades do Proinfância e sua adequação às condições de

vida das crianças. Nesse primeiro momento, foi investigada a implementação do Programa,

seus impactos e desafios na Região Metropolitana, escolhida por concentrar o maior

contingente da população do estado. Já na segunda etapa com o apoio da Faperj (2013—

2014), a pesquisa se estendeu aos sete municípios do estado que já possuem unidades do

Proinfância em funcionamento. Estes municípios estão distribuídos nas seguintes regiões:

Nesta etapa, a investigação se voltou para as práticas e para a organização dos espaços

e tempos com as crianças, procurando compreender uma série de questões que no âmbito

desse artigo são as seguintes: (i) como está situado o Proinfância no contexto das políticas

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municipais de educação? Quais os modos de implementação? (iii) como as unidades do

Proinfância estão integradas ao sistema de ensino —a meta está sendo cumprida?

Para tanto, buscamos fazer o diagnóstico da situação das unidades do Proinfância nos

municípios do Estado do Rio de Janeiro, tomando como base os fatores que estão sendo

considerados e/ou desconsiderados nas formas de adequação e funcionamento dessas

instituições. A escolha desses municípios justifica-se pelo fato de já terem construído suas

unidades. Entende-se, portanto, que a gestão local assume considerável relevância, definindo

os contornos da política nacional nas municipalidades. Tais contornos constituíram o mote da

investigação.

Como estratégia metodológica, optou-se pelos seguintes procedimentos: (I) le-

vantamento do número de alunos atendidos, critérios de matrícula, implantação, recursos

humanos e materiais, proposta pedagógica e práticas desenvolvidas nas unidades2; (II)

observação participante nas unidades e (III) registro fotográfico dos espaços das unidades.

Os elementos obtidos nas observações são oriundos de sete municípios do Estado do

Rio de Janeiro, situados nas seguintes regiões do Estado: Baixadas Litorâneas, Costa Verde,

Médio Paraíba 1, Médio Paraíba 2, Metropolitana, Noroeste Fluminense 1 e Noroeste

Fluminense 2.

O Proinfância e seus efeitos como política indutora no Estado do Rio de Janeiro

O Proinfância, formulado pelo MEC em convênio com os municípios e concebido

com base na premissa do regime de colaboração, tem por objetivo ―garantir o acesso de

crianças a creches e pré-escolas de Educação Infantil públicas, especialmente em Regiões

Metropolitanas, onde são registrados os maiores índices de população nesta faixa etária‖

(BRASIL, 2011). Nos últimos anos, o Programa tem se consolidado, no âmbito das políticas

educacionais, a partir dos Planos de Ações Articuladas dos Municípios – PAR. O PAR trata-

se de um plano de metas elaborado pelos municípios a partir de uma avaliação diagnóstica da

realidade educacional local, vinculado ao Plano de Desenvolvimento da Educação Básica –

PDE, que visa enfrentar estruturalmente as desigualdades de oportunidades educacionais, na

perspectiva de reduzir desigualdades sociais e regionais. A demanda consolidada neste Plano

é, hoje, o instrumento do regime de colaboração entre os entes federados.

Nessa via, é fundamental a visibilidade da Educação Infantil na avaliação diagnóstica,

para que, de fato, possa valer a visão sistêmica da Educação Básica postulada pelo PDE.

Numa rua de muitas vias, conjugam-se a demanda do PAR, as metas do PDE e a oferta de

projetos e programas do MEC no exercício de sua função colaborativa. Como consequência,

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há uma maior responsabilização dos entes federados em suas competências, exigindo

parcerias, compromissos mútuos e articulação entre programas e projetos para alavancar

processos.

É com este argumento que o Proinfância se delineia na agenda da política pública.

Voltado à construção e à melhoria das condições das instalações físicas das escolas públicas

de Educação Infantil, foi instituído pela Resolução nº. 6/2007, do Conselho Deliberativo do

Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE (BRASIL, 2007), a partir da

consideração de que a construção de creches e pré-escolas, bem como a compra de

equipamentos e mobiliário, são fundamentais para a melhoria da qualidade da educação.

Os projetos arquitetônicos do Proinfância são definidos em três tipos de projetos (A, B

ou C), com as seguintes características1: (i) tipo A: especificações propostas pelo proponente;

(ii) tipo B: escola de Educação Infantil com capacidade de atendimento de 240 crianças com

até cinco anos de idade, em dois turnos, ou 120 crianças em turno integral. A estrutura conta

com oito salas pedagógicas, sala de informática, secretaria, pátio coberto, cozinha, refeitório,

sanitário, fraldário, entre outros ambientes, todos adaptados para pessoas com deficiência; (iii)

tipo C: tem capacidade de atender 120 crianças, em dois turnos, ou 60 em turno integral.

Possui quatro salas pedagógicas e os demais espaços são iguais ao modelo arquitetônico do

tipo B.

Para compreender o Proinfância como uma nova institucionalidade, é necessário não

apenas situar o Programa no contexto das políticas públicas de educação no Brasil,

considerando os atores envolvidos neste campo, mas também observar e acompanhar as

estratégias municipais adotadas.

Os dados disponibilizados pelo FNDE (2012) indicam os desafios que se impõem à

execução dos convênios pelas municipalidades para a construção das creches e pré-escolas –

apenas cerca de metade das obras financiadas pelo Proinfância conseguiram em dois anos

chegar à fase de finalização e solicitar recursos para compra de mobiliário e equipamentos.

Observa-se que a gestão de recursos públicos é uma questão administrativa complexa, pois no

caminho entre a descentralização dos recursos e a conclusão das obras há ainda muitos

entraves que merecem ser levantados e pesquisados para subsidiar a formulação das políticas

sociais.

Até o ano de 2013, apesar dos desafios para a implantação dos convênios pelas

municipalidades, havia, no Estado do Rio de Janeiro, 7 municípios com 8 unidades do

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Proinfância em funcionamento. Este número ainda é pequeno, frente aos 7.421

estabelecimentos de Educação Infantil de todo o Estado registrados pelo Censo Escolar de

2013, mas já é o suficiente para investigarmos quais os possíveis efeitos desta política

indutora de expansão do acesso a creches e pré-escolas da rede pública nos municípios em

que este Programa foi implementado.

O primeiro ponto de destaque é o fato de que as matrículas das unidades do

Proinfância passaram a representar, praticamente, um em cada dez matrículas de toda a rede

de Educação Infantil em um curto espaço de tempo. Curto porque a maioria destas unidades

só entraram em funcionamento no ano de 2012 e algumas apenas em 2013.

Gráfico 1 – Evolução dos Estabelecimentos e do Número de Matrículas dos

Municípios com unidade do Proinfância no Estado do Rio de Janeiro*

194 194

0 8

2010 2013

Número Total de Estabelecimentos de Educação Infantil

Proinfância

Demais

10.728 11.684

0

1.110

2010 2013

Número Total de Matrículas na Educação Infantil

Proinfância

Demais

* Dados referentes à modalidade regular de ensino dos 7 municípios do Estado do Rio de Janeiro que tinham ao

menos uma unidade do Proinfância em funcionamento até 2013.

Fonte: Censo Escolar.

Outra questão relevante quando se observa a expansão da rede é a verificação de que,

das 2.066 novas matrículas criadas para a Educação Infantil entre 2010 e 2013, o Proinfância

contribuiu com 1.110 matrículas, representando 54% de todo o incremento deste período. Se

olharmos apenas pela perspectiva da rede pública, o Programa foi responsável por duas de

cada três novas matrículas desta amostra.

Tabela 1 – Expansão da Rede em Número de Matrículas dos Municípios com unidade do

Proinfância no Estado do Rio de Janeiro*

2010 2013 2013 vs 2010Proporção da

Variação

Rede Pública (Proinfância) 0 1.110 1.110 54%

Rede Pública (outros) 7.144 7.723 579 28%

Rede Privada 3.584 3.961 377 18%

Total 10.728 12.794 2.066 100%

* Dados referentes à modalidade regular de ensino dos 7 municípios do Estado do Rio de Janeiro que tinham ao

menos uma unidade do Proinfância em funcionamento até 2013.

Fonte: Censo Escolar.

Como a expansão ocorreu principalmente a partir das novas matrículas geradas pelo

Programa Proinfância, já era de se esperar que houvesse uma boa representatividade destas

unidades no atendimento à Educação Infantil na rede pública. Porém, em algumas localidades,

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este atendimento chegou a 37%, no caso de creches, e a até 19%, no caso de pré-escolas de

toda a rede pública, como se pode ver em mais detalhes na tabela a seguir.

Tabela 2 – Representatividade do Proinfância em relação à Rede Pública dos Municípios

com unidades do Programa no Rio de Janeiro*

MunicípioTipo do

Estabelecimento

Proporção

Creche

Proporção

Pré-escola

Proporção

Total

Número Total

de Matrículas

Município Baixadas Litorânea Proinfância 20% 5% 11% 345

Outros 80% 95% 89% 2.889

Total 100% 100% 100% 3.234

Município Costa Verde Proinfância 10% 7% 8% 189

Outros 90% 93% 92% 2.195

Total 100% 100% 100% 2.384

Município Médio Paraíba 1 Proinfância 37% 0% 16% 93

Outros 63% 100% 84% 475

Total 100% 100% 100% 568

Município Médio Paraíba 2 Proinfância 31% 19% 25% 107

Outros 69% 81% 75% 318

Total 100% 100% 100% 425

Município Metropolitana Proinfância 37% 4% 15% 149

Outros 63% 96% 85% 850

Total 100% 100% 100% 999

Município Noroeste Fluminense 1 Proinfância 25% 11% 17% 137

Outros 75% 89% 83% 649

Total 100% 100% 100% 786

Município Noroeste Fluminense 2 Proinfância 23% 17% 21% 90

Outros 77% 83% 79% 347

Total 100% 100% 100% 437

Total dos 7 municípios Proinfância 23% 7% 13% 1.110

Outros 77% 93% 87% 7.723

Total 100% 100% 100% 8.833

* Dados referentes à modalidade regular de ensino dos 7 municípios do Estado do Rio de Janeiro que tinham ao

menos uma unidade do Proinfância em funcionamento até 2013.

Fonte: Censo Escolar.

Estes dados preliminares mostram que o Proinfância, como política indutora de

expansão do acesso de crianças a creches e pré-escolas da rede pública, teve efeitos positivos

nos municípios em que houve a sua efetiva implantação. O que podemos nos perguntar e

apurar em estudos futuros é sobre o quanto ainda estamos longe de uma política pública capaz

de atender a toda a demanda por democratização como uma meta de acesso aos cidadãos de 0

a 5 anos de idade, como demonstrado na tabela abaixo.

Tabela 3 – Desafio da Meta 1 do PNE/2014 para a Educação Infantil

Totais dos 7 municípios analisados até 3 anos 4 e 5 anos Total

a) População Infantil no ano de 2010 (1) 19.743 10.611 30.354

Creche Pré-Escola Total

b) Matrículas totais (rede pública e privada) em 2010 (2) 3.652 7.076 10.728

c) Meta 1 de atendimento do PNE/2014 50% 100%

c.1) matrículas necessárias para atender a população (base 2010) 9.872 10.611 20.483

d) Matrículas totais (rede pública e privada) em 2013 (2) 4.639 8.155 12.794

e) Novas matrículas necessárias para os próximos anos 5.233 2.456 7.689

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7 Fontes: (1) Censo Demográfico do IBGE; (2) Censo Escolar.

Apesar de o PNE/2014, em sua Meta 1, fazer clara referência ao Proinfância e da

constatação de que o Programa foi capaz de abrir 1.110 novas matrículas nas regiões

analisadas, o desafio ainda é muito grande. Por exemplo, se quisermos atender a todas as

crianças de 4 e 5 anos e a pelo menos metade das crianças de até 3 anos, precisaremos de mais

7.689 novas matrículas, ou, em outras palavras, sete vezes mais do que o resultado obtido

com as unidades já implementadas.

Desafios e perspectivas da implantação do Proinfância no Rio de Janeiro

Inicialmente, os dados disponibilizados pelo FNDE, em março de 2012, indicavam

que 40% dos municípios do Estado do Rio de Janeiro fizeram adesão ao Proinfância.

Contudo, na aplicação do questionário voltado aos dirigentes municipais junto aos

representantes municipais em um encontro promovido pelo Ministério da Educação/MEC, ao

final do mesmo ano, o número total dos que aderiram ao Programa cresceu para 54%.

A polissemia da palavra ―adesão‖ indica diferentes vertentes de análise, desde uma

postura favorável a uma ideia até o ato pelo qual uma pessoa, instituição ou Estado, antes

alheio a um processo, passa a participar deste por consentimento próprio. Esta gama de

variáveis se revela nos discursos e nas ações dos governos municipais que aceitam participar,

mas não levam a frente esta ideia; querem participar, mas são impedidos devido a problemas

técnico-burocráticos que obstaculizam que a ação de construção seja levada adiante; ou ainda

aqueles que ignoram o Programa pela falta de decisão ou vontade política de alavancar as

creches e pré-escolas no município, entre outras. Percebe-se, assim, que a competência

técnica e a disponibilidade financeira nem sempre são os motivos que levam a não

participação.

Diante deste cenário cabe recorrer ao conceito clássico de política pública que

explicita o leque de opções e ações implicadas no termo adesão: decisões e análises sobre

política pública implicam responder às seguintes questões: quem ganha o quê, por quê e que

diferença faz (LASWELL, 1958).

Dos municípios que aderiram, em novembro de 2012, a situação encontrada em

relação ao Proinfância foi bastante diferenciada: ―em planejamento‖, ―em processo de

licitação‖, ―paralisado‖, ―em execução‖ e ―concluída‖. Dos municípios que ―aderiram‖, 68%

participaram da aplicação do questionário voltado aos dirigentes municipais, que também

contou com a participação de 4 municípios que ―não aderiram‖, situação bastante

representativa para se pensar os desafios na implantação deste programa.

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No Estado do Rio de Janeiro temos 92 municípios, dos quais 37 aderiram ao Programa

(em um total de 94 construções previstas) e, de acordo com o Sistema do MEC, apenas 6

municípios possuíam essas unidades em funcionamento, totalizando 7 construções (ressalta-se

que mesmo nestes municípios há previsão de outras unidades que estão em uma das fases

elencadas).

Como a pesquisa teve a participação de municípios que ―não aderiram‖, foi possível

inferir os motivos que nortearam a não adesão. Os respondentes tiveram a clareza de

informar, que na maior parte das vezes, há um desinteresse da própria gestão municipal. As

poucas informações a que tem acesso o setor pedagógico das Secretarias de Educação

(público-alvo do encontro mencionado) também foram citadas.

Quanto ao ano de adesão ao Programa, os dados mostram que o tempo despendido na

política de construção nem sempre está adequado às metas de atendimento estabelecidas a

curto e médio prazo.

Gráfico 2: Ano de adesão ao Proinfância, segundo os respondentes*

3

2

4

9

5

2007 2008 2009 2010 2011

Número de Adesões

* Obteve-se 11 respostas como ―Não Sabe/ Não respondeu/ Não tem certeza‖

Fonte: Enquete da pesquisa Políticas de Educação Infantil no Estado do Rio de Janeiro (2015)

O gráfico aponta que as adesões se iniciaram em 2007 e que no ano de 2010 nove

municípios tinham a intenção de construir unidades do Proinfância. Tendo em vista que estes

dados superam o número de unidades em funcionamento e que as eleições municipais de 2012

mudaram o rumo político de grande parte das municipalidades, que indagações podemos

fazer? O governo municipal tem a duração de quatro anos e entre o planejamento e a entrega

da obra do Programa, no panorama estudado, decorre um prazo superior ao mandato de um

prefeito, supondo-se que algumas municipalidades não tenham o empenho nesta execução.

Nas últimas eleições, por exemplo, houve a troca de 70% dos Secretários de Educação, a

manutenção de 12% e o retorno de 18% deles. Este fato traz à tona a ideia de que as

Secretarias de Educação são organizações burocráticas, de caráter público, marcadas por uma

hierarquia de cargos e de funções bastante diferenciadas.

Nas entrevistas, pode-se perceber o quanto os setores das administrações municipais

coabitam espaços, mas não se relacionam quanto às funções desempenhadas. Certamente, este

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padrão organizacional hierarquiza ações e funções em diferentes níveis de autoridade e em

diferentes setores. Segundo Oliveira e Alves (2002), ―a estrutura piramidal centraliza as

decisões maiores e descentraliza as decisões operativas, a execução. As decisões cruciais,

políticas, são tomadas no topo da organização de modo centralizado‖. (p. 11)

Neste sentido, os autores apontam que a formação das novas equipes, que vão

trabalhar na administração pública, deve atentar para o individualismo e a competitividade

presentes em grande parte das estruturas burocráticas de sociedades capitalistas e, em

especial, aquelas da administração de serviços públicos. Da mesma forma, é necessária a

atitude responsável com a coisa pública como adverte o filósofo Martin Buber, que pregava a

condição da responsabilidade ética da existência humana, do agir responsável, ou seja, o ato

de responder:

Respondemos ao momento, mas respondemos ao mesmo tempo por ele,

responsabilizamo-nos por ele. Uma realidade concreta do mundo, novamente

criada, foi-nos colocada nos braços; nós respondemos por ela. Um cão olhou

para ti, tu respondes pelo seu olhar; uma criança agarrou tua mão, tu

respondes pelo seu toque; uma multidão de homens move-se em torno de ti, tu

respondes pela sua miséria (2009, p. 50).

Para conhecer os principais desafios e impactos do Programa nos municípios do

Estado do Rio de Janeiro foi necessário agrupar as repostas por semelhança/diferença de

temas a fim de criar as categorias de análise. Vale ressaltar que nesta produção discursiva não

somos interlocutores desinteressados e passivos, como formula Bakhtin (1992), mas aqueles

que polemizam a partir dos diálogos construídos na sociedade.

Nossa fala, isto é, nossos enunciados estão repletos de palavras dos outros,

caracterizadas, em graus variáveis, pela alteridade ou pela assimilação, caracterizadas,

também em graus variáveis, por um emprego consciente e decalcado. As palavras dos outros

introduzem sua própria expressividade, seu tom valorativo, que assimilamos, reestruturamos,

modificamos (BAKHTIN, 1992, p. 314).

Em relação aos desafios apontados pelos respondentes foram organizadas 14 questões

destacadas, a seguir, pela ordem de relevância.

Do total dos respondentes 38% levantaram o atendimento das especificidades do

programa para a construção, destacando terrenos, espaço físico, padrões de medidas,

apropriação/desapropriação, escritura. Vale destacar que estes desafios se sobrepõem aos

demais;

A demora no trâmite do projeto, incluindo as dificuldades no lançamento das informações

no Simec2, além da falta de orientação do FNDE, foi apontada por 7% dos respondentes;

Disponibilização de Equipe Técnica de Engenharia e a falta de mão de obra – aspectos

destacados por 5% dos entrevistados;

2 Simec: Sistema Integrado de Monitoramento, Execução e Controle do MEC.

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Mudanças na estrutura política das Secretarias que refletem em alterações conceituais

de/na educação e no papel dos gestores, funcionários e comunidade (5%);

Descentralização das responsabilidades para o setor da Educação Infantil é um desafio na

implantação do Programa na medida em que as informações não são repassadas para o

setor de Educação Infantil que só é responsável ―pela parte pedagógica‖ como se as ações

políticas dela não fizessem parte (5%);

Respeito à modulação por turmas/enturmação – proposta do Programa que não está

adequada às concepções do município (5%);

Adaptação do Projeto Político Pedagógico do município ao Proinfância e, também, as

Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil - DCNEIs (5%);

Execução do projeto arquitetônico (3,4%)

Problemas de licitação e de contratação de empreiteiras (3,4%);

Contratação de funcionários, professores e auxiliares;

Disponibilidade de equipamentos, materiais pedagógicos e brinquedos;

Calendário letivo, uma vez que, em algumas localidades, ele difere daquele proposto para

as demais etapas de ensino;

Conscientização da comunidade;

Reestruturação da concepção de atendimento às crianças de 0 a 5 anos

Neste sentido, os desafios descritos pelos representantes municipais são exemplares

para a compreensão do processo de municipalização, bem como apontam importantes ajustes

para que a relação política de cooperação entre os entes federados se dê de forma menos

burocratizada e mais equânime e transparente. A divisão perpetrada pela maioria das

Secretarias entre o pedagógico e o político é outro fator que merece destaque, pois a

compreensão da política educacional se fragmenta nas formas de organização. Nas entrevistas

foi possível perceber que em alguns municípios o próprio Secretário de Educação fica

apartado do processo de disputa das prioridades municipais.

No que tange aos impactos da implantação do programa na política de Educação

Infantil do município elencamos, também, outros 14 temas, quais sejam:

Estruturação de Proposta Pedagógica e da Proposta Curricular de acordo com as

DCNEIs e com a concepção de Educação Infantil trazida por estes documentos (16%);

Ampliação da oferta de vagas na Educação Infantil (15%);

Melhoria da qualidade na Educação Infantil e do bem-estar das crianças (10%);

Melhoria na formação dos profissionais e a possibilidade da formação continuada;

Valorização do trabalho realizado na Educação Infantil;

Convocação do Ministério da Educação para a participação na reunião do Proinfância

em si já gera um impacto;

Atender áreas do município com grandes demandas e carências;

Parceria com a comunidade escolar e com as unidades de saúde e assistência trazem

impactos na forma de compreender a intersetorialidade;

Aumento de procura por vagas pela população;

Ampliação das discussões sobre a Educação Infantil em seus diversos aspectos, como

ambientes, afetos, práticas de cuidar e de educar;

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8040ISSN 2177-336X

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Ampliação do investimento financeiro pelo município na Educação Infantil;

Organização das turmas com professores e monitores;

Melhoria na aquisição de materiais didáticos;

Não houve identificação de impacto foi mencionado por 10% dos respondentes.

Vale ressaltar que 20% dos respondentes não quiseram opinar, fato que nos faz

indagar sobre a responsividade dos representantes municipais em face da política

implementada ou em implementação. Segundo Geraldi (2004), a responsividade é ―como se

realizam as respostas responsáveis‖ (p. 229). Assim, estes atos responsáveis podem ser

traduzidos pelos procedimentos que levam ou não os governantes a implementar políticas

demandadas pelos cidadãos, ou seja, as ações que afetam a natureza das decisões, as políticas

públicas e os seus resultados.

Considerações Finais

As políticas públicas carregam pistas e vozes de onde procedem e a quem se dirigem,

sendo, portanto, ―duplamente constituídas e duplamente constitutivas, uma vez que ao mesmo

tempo em que são constituídas são também constitutivas delas, num continuum de relações e

de tensões configuradas pelos atores sociais que participam do processo‖ (BONINI;

PANHOCA, 2011). Muitas crianças ainda não têm acesso à Educação Infantil – a falta de

vagas nas redes, a dificuldade de locomoção, a pouca flexibilidade do atendimento, a

oscilação do mercado de trabalho nas exigências de escolaridade dos pais são desafios

apontados em uma série de estudos e que provocam a busca de medidas alternativas, como,

por exemplo, o Proinfância.

Os resultados deste estudo permitem constatar, por um lado, que a eficácia da

implantação desse Programa tem sido comprometida pela escassez da estrutura

organizacional. O princípio da liberdade de adesão, paradoxalmente, se transforma numa

camisa de força, o que propicia que os municípios continuem executores da União, que

controla, com sistemas avaliativos, seu desempenho, ferindo o princípio que gerou a ação. Por

outro, que a distribuição de cargos e funções nas Secretarias enfraquece a política de

Educação Infantil.

O Programa promove a ampliação das vagas em creches e pré-escolas, como ficou

demonstrado na pesquisa, uma vez que os municípios utilizaram as unidades para a ampliação

do acesso e, em poucos casos, o remanejamento das crianças que eram atendidas em

instituições precárias. Contudo, será esta a condição para solucionar a exclusão? As realidades

municipais pesquisadas revelam um complexo caminho para a Educação Infantil: em face das

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eleições municipais do ano de 2012, que criavam incertezas nos cargos de confiança; pela

dificuldade de investimento; pela distância dos centros produtores de conhecimento; pela

precariedade das instalações das redes municipais. Nunes e Corsino (2013) definem assim as

complexidades municipais:

Aí reside o cerne do processo de transição local, o principal desafio da opção

brasileira pela estrutura federativa e pela municipalização da educação

básica, que tem consequências na política, pela ruptura na organização

hierarquizada e centralizada. Assim, se o município tem fragilidades ou

potencialidades, elas se projetam com maior ou menor intensidade na

política educacional de cunho universal ou residual. (NUNES e CORSINO,

2013, p.336)

Na pesquisa de campo, percebeu-se que as SMEs estão despreparadas para receber

pesquisadores, uma vez que sujeitos do mesmo órgão de atuação fornecem informações

conflitantes, assim como o fato de o Proinfância estar localizado ora na Secretaria Municipal

de Obras, ora na SME dificulta sua relação e execução em âmbito municipal. Verificou-se,

também, que os órgãos centrais não congregam as informações relacionadas ao quantitativo

de vagas disponíveis para o próximo ano, ficando essa informação e dinâmica sob

responsabilidade das unidades de Educação Infantil. Os integrantes da pesquisa foram

recebidos por diversos sujeitos, desde secretários de educação ou técnicos das SME até

diretores e coordenadores pedagógicos das unidades.

O Proinfância, de acordo com os resultados da pesquisa, efetivou seus objetivos, no

sentido de aumentar as vagas em creches e pré-escolas públicas nos municípios do Rio de

Janeiro e de estabelecer um referencial de qualidade para futuras construções voltadas ao

atendimento de crianças pequenas. O Programa contribui, ainda, para a concretude da Meta 1

do Plano Nacional de Educação.

Os impactos do Programa mostram que o processo de disputa e negociação dos

representantes do Estado na responsabilidade pela produção das políticas públicas não foi de

todo perdido. O material coletado permite constatar conquistas em nível macro – ampliação

do investimento financeiro, parceria com a comunidade escolar e com as unidades de saúde e

assistência, melhoria na formação dos profissionais e possibilidade de formação continuada –

e, também, no plano micro – estruturação de proposta pedagógica de acordo com as Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, entre outras. O Proinfância, em algumas

localidades, é a oportunidade para o início de novas práticas políticas e pedagógicas, mais

afetas às concepções vigentes. Ou seja, a possibilidade de a construção de creches e pré-

escolas, a partir das características e identidades institucionais, escolhas coletivas e

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particularidades pedagógicas, constituir o mote para a política de Educação Infantil de

qualidade no município.

Referências

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo, Martins Fontes, 1992.

BRASIL. Câmara de Deputados. Lei no. 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano

Nacional de Educação – PNE e dá outras providências. 2014.

BRASIL. Ministério da Educação. Decreto no. 6.094, de 24 de abril de 2007.

BRASIL. Ministério da Educação. Programa Nacional de Reestruturação e Aparelhagem

da Rede Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância), 2011.

BONINI, I.; PANHOCA L. M. Políticas públicas e responsividade. Encontro de Estudos

Bakhtinianos, 2011.

BUBER, M. Do diálogo e do dialógico. Tradução Marta. E. S. Queiroz e Regina Weinberg.

São Paulo: Perspectiva, 2009. (1ª. Ed. 1982).

LASWELL, H.D. Politics: who gets what, when, how. Cleveland, EUA: Meridian Books,

1958.

NUNES, M.F.R.; CORSINO, P. Políticas públicas universalistas e residualistas: os desafios

da Educação Infantil. In: ROCHA, E.; KRAME, S. (orgs). Educação Infantil: enfoques em

diálogo. Campinas/SP: Papirus, 2013.

NUNES, Maria Fernanda (coord). Relatório de Pesquisa: Políticas de Educação Infantil no

Estado do Rio de Janeiro: o programa PROINFÂNCIA e as estratégias municipais de

atendimento a crianças de 0 a 6 anos. (CNPq-Faperj 2011-2014).

OLIVEIRA, L. C. V; ALVES, M. L., A escolha de dirigentes escolares como mecanismo

instituinte da gestão democrática: caminhos e descaminhos, 25ª Reunião da Anped, Caxambu,

2002.

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8043ISSN 2177-336X

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DIREITO À EDUCAÇÃO INFANTIL E O PROINFÂNCIA NO RJ – DESAFIOS

Leandro Henrique de Jesus Tavares – UFRJ - CAPES

Resumo

Este trabalho é fruto da investigação ―Repercussões das Políticas de Educação Infantil no

Estado do Rio de Janeiro: o Programa Proinfância e as estratégias municipais de atendimento

a crianças de 0 a 6 anos‖, e de uma dissertação de mestrado. A pesquisa teve como mote o

diagnóstico da situação da Educação Infantil nas unidades, a identificação de como é

implementado o programa e sua realidade no estado do RJ. A metodologia da investigação do

grupo de pesquisa consistiu em entrevistas com roteiro semi-estruturado, incursões no campo,

análise documental e das entrevistas, com produção de um relatório final. A dissertação

pretendeu apresentar a visão das crianças sobre o direito à institucionalização, todavia, o

capítulo sobre o direito à educação será a base do texto. O direito à educação é fundamental a

todos os seres humanos e no Brasil é garantido pela legislação. A começar pela Constituição

Federal de 1988, passando pelo ECA (1990), pela atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional, Lei n° 9.394 de 1996 e pelos Planos Nacionais de Educação, em termos legislativos

a situação do país é bastante favorável, entretanto, com relação a efetivação desses direitos,

não é tão promissora. Bobbio (2004) problematiza essa questão da efetividade ao afirmar que

―um direito cujo reconhecimento e cuja efetiva proteção são adiados sine die, além de

confiados à vontade de sujeitos cuja obrigação de executar o ‗programa‘ é apenas- uma

obrigação moral. Muitas crianças ainda não têm acesso a EI – a falta de vagas nas redes, a

dificuldade de locomoção, a pouca flexibilidade do atendimento, a oscilação do mercado de

trabalho nas exigências de escolaridade dos pais são desafios apontados em uma série de

estudos e que provocam a busca de medidas alternativas, como, por exemplo, o Proinfância.

Palavras-chave: Direito, Educação Infantil, Proinfância.

Apresentação

na história da educação de nosso país foi construído um caminho para

chegar à criança em sua realidade e concretude histórica, social,

cultural, política, econômica, para atender às suas necessidades e,

finalmente, chegar a uma política pública de educação infantil como

direito da criança e dever do Estado, a sociedade e da família que deve

ser atendido com prioridade absoluta. (NUNES 2011, p. 9)

A democratização da Educação Infantil (EI) se configura como meta da sociedade brasileira e,

portanto, foco das políticas educacionais. É inegável que os novos marcos regulatórios incidem na

oferta e na qualidade do atendimento educacional, bem como nas estratégias de organização

desenvolvidas pelos sistemas de ensino para atender as etapas de competência municipal. Assim,

levando-se em conta que as ações empreendidas pelos governos municipais na efetivação do direito à

educação estão interligadas às disposições do governo federal, o objetivo deste trabalho é o de

compreender de que modo o direito das crianças è educação infantil se efetiva na vida das crianças,

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8044ISSN 2177-336X

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15 bem como a situação da EI e a repercussão do Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de

Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil – Proinfância, no Estado do Rio de

Janeiro.

O trabalho é fruto da investigação ―Repercussões das Políticas de Educação Infantil no

Estado do Rio de Janeiro: o Programa Proinfância e as estratégias municipais de atendimento

a crianças de 0 a 6 anos‖ e de uma dissertação.

De acordo com Leite Filho e Nunes (2013, p. 68)

Nem sempre se teve no Brasil uma legislação específica sobre a infância e a

educação das crianças pequenas, o que permite dizer que, por muitos

séculos, não se reconheceu o acesso às instituições de educação destinadas a

pré-escolares como um direito.

O Proinfância, formulado pelo MEC em convênio com os municípios, concebido com

base na premissa do regime de colaboração, tem por objetivo ―garantir o acesso de crianças a

creches e pré-escolas de Educação Infantil públicas, especialmente em Regiões

Metropolitanas, onde são registrados os maiores índices de população nesta faixa etária‖

(BRASIL, 2011). Nos últimos anos, o Programa tem se consolidado, no âmbito das políticas

educacionais, a partir dos Planos de Ações Articuladas dos Municípios – PAR. O PAR trata-

se de um plano de metas elaborado pelos municípios a partir de uma avaliação diagnóstica da

realidade educacional local, vinculado ao Plano de Desenvolvimento da Educação Básica –

PDE, que visa enfrentar estruturalmente as desigualdades de oportunidades educacionais na

perspectiva de reduzir desigualdades sociais e regionais. A demanda consolidada neste Plano

é hoje o instrumento do regime de colaboração entre os entes federados.

Nesta via, é fundamental a visibilidade da Educação Infantil na avaliação diagnóstica

para que de fato possa valer a visão sistêmica da Educação Básica postulada pelo PDE. Numa

rua de muitas vias, conjuga-se a demanda do PAR, as metas do PDE e a oferta de projetos e

programas do MEC no exercício de sua função colaborativa. Como consequência, há uma

maior responsabilização dos entes federados em suas competências, exigindo parcerias,

compromissos mútuos e articulação entre programas e projetos para alavancar processos.

É com este argumento que o Proinfância se delineia na agenda da política pública.

Voltado à construção e melhoria das condições das instalações físicas das escolas públicas de

Educação Infantil, foi instituído pela Resolução nº. 6/2007, do Conselho Deliberativo do

Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE (BRASIL, 2007), a partir da

consideração de que a construção de creches e pré-escolas, bem como a compra de

equipamentos e mobiliário, são fundamentais para a melhoria da qualidade da educação.

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Segundo o documento ―A educação infantil nos países do MERCOSUL: análise

comparativa da legislação‖, de 2013, que ficou a cargo de Vital Didonet e comparou as

legislações e seus desdobramentos em políticas públicas em cinco países da América do Sul,

neles incluído o Brasil,

em decorrência dos dispositivos da Constituição Federal, do ECA e da LDB,

o Estado brasileiro assumiu a educação infantil de zero a seis anos como

ação intrínseca e inseparável da educação básica, definindo a política

nacional de educação infantil, inserindo objetivos e metas de expansão e

melhoria da qualidade no plano nacional de educação, colocando-a na

composição do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação

Básica e Valorização do Magistério (Fundeb). A pré-escola, para crianças de

4 e 5 anos (ou 5 anos e onze meses, de acordo com a Resolução no 6/2010,

do Conselho Nacional de Educação) é obrigatória para as crianças e deve ser

universalizada até 2016, como determina a Emenda Constitucional no

59/2009 e dispõe a Lei no 12.796/2013. (MEC, 2013, p. 22)

O direito à educação é fundamental a todos os seres humanos e no Brasil é garantido

pela legislação. A começar pela Constituição Federal de 1988, passando pelo Estatuto da

Criança e do Adolescente (1990), pela atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,

Lei n° 9.394 de 1996 e pelos Planos Nacionais de Educação, em termos legislativos a situação

do país é bastante favorável, entretanto, com relação a efetivação desses direitos, não é tão

promissora. A efetividade do direito a educação é vital para o desenvolvimento econômico,

cultural e social da população e do país, pois se trata de um direito humano que deve ser

garantido pelo Estado para todas as pessoas, a começar pelas crianças de 0 a 6 anos.

Ainda que o caminho para que a Educação Infantil tenha percorrido para atingir o

status que hoje possui (primeira etapa da Educação Básica) seja bastante longo, é a partir da

CF 1988 que a criança é vista como sujeito de diretos. Essa expressão é carregada de sentidos,

ao menos no plano teórico. Cada vez mais deve ser garantido que também o seja na prática.

De acordo com Leite Filho e Nunes (2013, p. 72)

(...) a Educação Infantil a partir da promulgação da Constituição de 1988

passou a ser direito da criança e a creche foi reconhecida, ao lado da pré-

escola, como instituição educacional. A Constituição não faz distinção de

função entre ambas, antes as unifica no conceito de Educação Infantil. Os

pais, já não apenas a mulher-mãe passaram a ter direito, como trabalhadores,

urbanos ou rurais, à educação de seus filhos. Conquistou-se, além disso, o

direito de a sociedade civil participar da elaboração das políticas de

educação infantil e do controle das ações governamentais nessa área.

Tal reflexão reitera o disposto na legislação educacional. Cabe o questionamento: o

direito é de quem? De fato, o alvo deve ser a criança, ainda que em muitas situações a mãe,

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sobretudo a trabalhadora, seja a destinatária desse direito. Isso vai de encontro ao previsto no

campo do direito e deve ser combatido.

Vale ressaltar que ainda que a educação infantil, sobretudo o atendimento em

creches, tenha surgido com o objetivo de atender às famílias menos favorecidas, cujos pais

necessitavam do cuidado, mais que da educação, atualmente é direito de todos, independente

de raça, cor, credo, situação econômica. Ao menos no plano teórico, todas as crianças devem

ter as mesmas oportunidades educativas.

Outra questão pode ser levantada, ou seja, quem deve garantir esse direito? O Estado

é responsável por oferecer educação infantil de qualidade a todos, sem distinção,

gratuitamente, bem como garantir que o cuidar e o educar sejam indissociáveis. Nesse

sentido, fica clara a importância da intencionalidade da ação pedagógica nesta etapa de

ensino, para que seja possível desenvolver as capacidades infantis.

O Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90, regulamentando o art. 227 da

Constituição Federal, ratifica a visão da criança e do adolescente apresentada pela CF e, por

sua vez, os considera merecedores de proteção no que tange aos direitos humanos.

De acordo com Amin (2014, p. 50)

Coroando a revolução constitucional que colocou o Brasil no seleto rol das

nações mais avançadas na defesa dos interesses infanto-juvenis, para as quais

crianças e jovens são sujeitos de direito, titulares de direitos fundamentais,

foi adotado o sistema garantista da doutrina da proteção integral.

Objetivando regulamentar e implementar o novo sistema, foi promulgada a

Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, de autoria do Senador Ronan Tito e da

Deputada Rita Camata3.

Segundo Amin (2014, p. 50) ―O Estatuto da Criança e do Adolescente resultou da

articulação de três vertentes: o movimento social, os agentes do campo jurídico e as políticas

públicas.‖ Em seu artigo 3º ficam expostos os direitos fundamentais inerentes à pessoa

humana, os quais a criança e o adolescente devem ter assegurados para que seja possível seu

―desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e

dignidade‖ (BRASIL, 1990). Para Nunes, (2011, p. 26) ―o ECA, de 1990 é que vai fazer a

revolução conceitual e criar os mecanismos operacionais para a implementação dos direitos

da criança no Brasil‖.

Essa Lei é importantíssima, pois revela o caráter protetivo às crianças e adolescentes

com relação aos direitos humanos. O ECA determina um sistema de elaboração e fiscalização

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de políticas públicas voltadas para a infância, visando impedir os desvios de verbas e

violações dos direitos das crianças, além de mudar o olhar para a ela, que passa a ser vista

como ser autônomo e portador de direitos. Apesar de ser uma lei avançada, é criticada pela

visão adultocêntrica na sua elaboração e universalizar demasiadamente os conceitos de

infância e família, por não contextualizar essa criança e esse adolescente à realidade

brasileira. (FERREIRA, 2000, p. 184).

O ECA ainda apresenta no Capítulo II, art. 136, inciso III, alínea ―a‖ a importante

atribuição do Conselho Tutelar de promover a execução de suas decisões, podendo ―requisitar

serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e

segurança‖. Se por um lado esse poder constitui uma garantia da vaga da criança na escola,

por outro configura um desserviço à qualidade da educação, uma vez que em geral, a

imposição da matrícula de uma criança na escola pode implicar a superlotação de uma sala de

aula cuja capacidade de atendimento já ultrapassou os limites.

O Direito à Educação Infantil

Parece tão simples afirmar que a educação é um direito de todos, que muitos sequer

podem preocupar-se em pensar no caminho trilhado para que tal declaração hoje pareça tão

banal. Entretanto, o direito à educação escolar é fruto de demandas constantes no seio da

sociedade.

Segundo Amin (2014, p. 49)

A intensa mobilização de organizações populares nacionais e de atores da

área da infância e juventude, acrescida da pressão de organismos

internacionais, como o Unicef, foi essencial para que o legislador

constituinte se tornasse sensível a uma causa já reconhecida como

primordial em diversos documentos internacionais, como a Declaração de

Genebra, de 1924; a Declaração Americana Sobre os Direitos Humanos

(Pacto de São José da Costa Rica, 1969) e Regras Mínimas das Nações

Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude – Regras

Mínimas de Beijing (Res. 40/33 da Assembleia Geral, de 29 de novembro

de 1985. A nova ordem rompeu, assim, com o já consolidado modelo da

situação irregular e adotou a doutrina da proteção integral.

De acordo com a Política Nacional de Educação Infantil (2006, p. 6) ―Um aspecto

importante na trajetória da educação das crianças de 0 a 6 anos, gerado pela sociedade, é a

pressão dos movimentos sociais organizados pela expansão e qualificação do atendimento‖.

(PNEI, 2006, p. 6) Esse movimento nem sempre é facilitado pelas instâncias de poder e são

fruto de embates sociais que visam a garanti-los. Para Cury (2002) ―esses direitos são também

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um produto dos processos sociais levados adiante pelos segmentos da classe trabalhadora, que

viram nele um meio de participação na vida econômica, social e política‖. (CURY, 2002, p.

253)

Cury (2002) afirma que vivemos novos desafios no mundo contemporâneo e a

cidadania também os enfrenta à medida que deve se reafirmar a todo instante, sem que se

esqueça da luta histórica que garantiu os direitos da cidadania. Afirma que a educação, como

um desses direitos e uma ―dimensão fundante da cidadania‖, nunca perderá sua atualidade no

debate. Diz ainda que em todo o mundo as legislações garantem o acesso à educação de seus

cidadãos. Assim, ―tal princípio é indispensável para políticas que visam à participação de

todos nos espaços sociais e políticos e, mesmo, para reinserção no mundo profissional‖.

(CURY, 2002, p. 246).

Não são poucos os documentos de caráter internacional, assinados por países

da Organização das Nações Unidas, que reconhecem e garantem esse acesso

a seus cidadãos. Tal é o caso do art. XXVI da Declaração Universal dos

Direitos do Homem, de 1948. Do mesmo assunto ocupam-se a Convenção

Relativa à Luta contra a Discriminação no Campo do Ensino, de 1960, e o

art. 13 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais,

de 1966. (CURY, 2002, p. 246).

O atendimento à Educação Infantil, entretanto, tem avançado bastante nos últimos

anos. Da creche e seu caráter assistencialista ao modelo pedagógico atual muito se discutiu e é

inegável que tenha havido evolução, uma vez que tanto crianças como adolescentes não mais

são vistos como simples objetos de ―proteção‖ e se tornam beneficiários da doutrina da

proteção integral, o que permite afirmar que, no plano do direito infantojuvenil, este é um

momento único da história brasileira. (AMIN, 2014, p. 43)

Bobbio problematiza essa questão da efetividade ao afirmar que ―um direito cujo

reconhecimento e cuja efetiva proteção são adiados sine die, além de confiados à vontade de

sujeitos cuja obrigação de executar o ‗programa‘ é apenas- uma obrigação moral ou, no

máximo, política, pode ainda ser chamado corretamente de ‗direito‘?‖. (BOBBIO, 2004, p.

72)

Fica claro, segundo a afirmação do autor, que não se trata apenas de discutir ou

exigir que constem nas leis os direitos se, de fato, não se tornam realidade na vida daqueles

aos quais se dirigem. De nada adianta haver leis avançadas, no que tange à Educação Infantil,

se na prática não há garantia dos direitos que prescrevem.

As leis não fazem a realidade, são, antes, motivadas por ela em vista de

valores e princípios que a sociedade quer ver conformando sua organização e

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moldando a vida coletiva. Em outras palavras, as leis representam marcos de

conquista de direitos. (MEC, 2013, p. 32)

Dessa maneira, a educação, como direito social, requer a atuação do Estado para a

garantia de sua efetividade e acesso a todos. Nesse sentido, Nunes (2011) afirma que há um

Sistema de Garantia de Direitos da criança e do adolescente em nosso país que cumpre esse

papel. Desse modo, tanto o Conselho Tutelar, os Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais

dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Ministério Público, bem como outras

organizações da sociedade, existem porque devem cuidar para que esses se efetivem, desde o

nascimento das crianças. (NUNES, 2011, p. 33).

Cabe ressaltar que ainda que haja uma Constituição garantindo os direitos, dos mais

básicos aos mais específicos, o funcionamento de mecanismos sociais que os garantam é mais

importante que os próprios direitos. Ainda Bobbio considera que

a existência de um direito, seja em sentido forte ou fraco, implica sempre a

existência de um sistema normativo, onde por "existência" deve entender-se

tanto o mero fator exterior de um direito histórico ou vigente quanto o

reconhecimento de um conjunto de normas como guia da própria ação. A

figura do direito tem como correlato a figura da obrigação. (BOBBIO, 2004,

p. 74)

Ainda que haja previsão legal e sejam instituídos Conselhos dedicados à fiscalização

do cumprimento das leis, a implantação do sistema de garantias é uma tarefa árdua que

requer dos operadores da área da infância e juventude muito trabalho e cobrança. (AMIN,

2014, p. 51)

O ensino deve ser gratuito em estabelecimentos oficiais, de qualidade e deve-se

garantir igual acesso a todos que o demandarem. De acordo com a emenda Constitucional n°

59 de 2009, dos 4 aos 17 anos.

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a

garantia de:

I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete)

anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a

ela não tiveram acesso na idade própria; (Redação dada pela Emenda

Constitucional nº 59, de 2009) (Vide Emenda Constitucional nº 59, de 2009)

IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos

de idade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

Políticas Públicas e o Proinfância

A lei máxima da educação, a LDB 1996, a respeito da EI trata do direito à Educação

e do dever do Estado, da configuração dos sistemas de ensino, da incumbência dos

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municípios, da oferta da EI em creches e pré-escolas, de sua organização, da educação

especial, dos profissionais da educação e de sua formação.

O direito à educação escolar é fruto de demandas constantes da sociedade, que

podem gerar as Políticas Públicas para atendê-las. Ou seja, os governos, de modo político e

articulando os apoios necessários, buscam satisfazer a essas demandas postas pelos diversos

atores sociais, de acordo com o interesse dos diferentes grupos, incluindo aquelas que os

agentes do sistema político formularem. (RUA, p. 3).

Para Leite Filho e Nunes (2013, p. 69)

A década de 1980 foi decisiva na formulação de uma consciência e de uma

nova postura em relação aos direitos das populações infantis e juvenis. No

âmbito específico da educação, é um período no qual a sociedade civil

organizada pauta a criança pequena e sua educação em suas reivindicações.

O lugar da criança também na política pública corrobora com a visão que permeia a

legislação nacional da atualidade, ou seja, de sujeito histórico, protagonista e cidadão, que

deve ter garantida a educação desde que nasce em instituições que assegurem o cuidar e o

educar indissociáveis e que possibilitem seu desenvolvimento integral, em seus múltiplos

aspectos (NUNES, 2011, p.9).

Mas o que são exatamente as Políticas Públicas? De acordo com Rua,

as políticas públicas (policies), por sua vez, são outputs, resultantes da

atividade política (politics): compreendem o conjunto das decisões e ações

relativas à alocação imperativa de valores. (...) Uma política pública

geralmente envolve mais do que uma decisão e requer diversas ações

estrategicamente selecionadas para implementar as decisões tomadas. (RUA,

p. 1).

Assim, a sociedade se organiza e realiza pressões para que sejam garantidos seus

direitos civis, políticos e sociais. As demandas educacionais são chamadas públicas dado seu

caráter de ―imperatividade‖. Ou seja, as decisões que emanam delas são revestidas de

autoridade soberana do poder público. (RUA, p. 2). No que tange à Educação Infantil, o

tratamento da criança como prioridade é fruto de luta e de mobilizações da sociedade em prol

da criança e da infância (LEITE FILHO e NUNES, 2013, p. 70).

Como já exposto, segundo a caracterização da EI como um direito da criança desde o

nascimento, de acordo com a LDB, para Nunes (2011) a EI ―vem-se tornando não só uma

demanda cada vez mais expressiva, um objeto explícito da política educacional e um dever

dos organismos governamentais, mas também um claro empenho de organizações da

sociedade civil.‖ (NUNES, 2011, p.15). Desse modo, não se modifica apenas a visão da

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criança, mas também, do papel do Estado para que a EI seja garantida a todos, a partir dos 4

anos de idade.

A PNEI (2006) determina que cabe ao Estado a formulação de políticas e a

implementação de programas, bem como viabilizar os recursos necessários com vistas a

garantir à criança o desenvolvimento integral complementando a ação da família. (PNEI,

2006, p. 5).

Apesar de o esforço legislativo garantindo o acesso e a permanência na escola, a

partir dos 4 anos, são necessária medidas práticas que efetivem esse direito. O Proinfância,

formulado pelo MEC em convênio com os municípios, surge com esse propósito, ou seja, tem

por objetivo ―garantir o acesso de crianças a creches e escolas de Educação Infantil públicas,

especialmente em Regiões Metropolitanas, onde são registrados os maiores índices de

população nesta faixa etária‖ (BRASIL, 2011).

Levando em conta dados selecionados do Censo Geográfico de 2010 e do Censo

Escolar 2010, sistematizados pelo Relatório de Pesquisa: ―A situação das cidades do estado

do Rio de Janeiro: primeiros resultados do Censo 2010‖4, é possível observar que o percentual

de atendimento em creche no estado do Rio de Janeiro em 2010 (19,22%) estava bem abaixo

da meta do Plano Nacional de Educação para 2010 (50%). Quase todo o atendimento em

creche está sob a responsabilidade dos municípios (10,88%) e das instituições privadas

(8,26%), dentre estas as comunitárias, filantrópicas e confessionais.

Com relação ao atendimento pré-escolar no estado do Rio de Janeiro, também levando

em conta os dados do Censo Demográfico e Censo Escolar 2010, observa-se que o percentual

de atendimento em pré-escola no estado do Rio de Janeiro (77,66%) está um pouco abaixo da

meta do Plano Nacional de Educação para 2010 (80%). Quase todo o atendimento em pré-

escola está sob a responsabilidade dos municípios (46,60%) e das instituições privadas

(30,84%), dentre estas as comunitárias, filantrópicas e confessionais.

Inicialmente, os dados disponibilizados pelo FNDE, em março de 2012, indicavam

que 40% dos municípios do ERJ fizeram adesão ao Proinfância. Contudo, na aplicação do

questionário dirigente junto aos representantes municipais num encontro promovido pelo

Ministério da Educação, ao final do mesmo ano, o número total dos que aderiram ao

Programa cresceu para 54%.

Considerações finais 4

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Podemos asseverar que em termos legislativos o Brasil já avançou bastante, pois

temos o reconhecimento da educação infantil como direito na Constituição Federal de 1988,

no Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, bem como na Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional de 1996. Todavia, temos que avançar no que diz respeito à garantia de que

esse direito à educação se efetive na prática e que não seja planejado para ocorrer sem

definição de prazos.

A satisfação com o marco legal avançado, no entanto, sofre um impacto

negativo diante do precário nível de cumprimento do direito para todas as

crianças à educação infantil de qualidade e do dever do Estado na sua

garantia. A realidade é instada a acompanhar o quadro legal, mas clama por

maior e urgente aproximação. O ideal estampado no conjunto de direitos da

criança, do dever da família, da sociedade e do Estado e formulado nas

políticas públicas de educação (infantil) está distante do que acontece no

―pátio da escola‖. (MEC, 2013, p. 31)

O que poderiam significar avanços neste campo seria a oferta de vagas nas creches e

pré-escolas, a formação adequada dos profissionais para atuarem na EI, dentre outros aspectos

igualmente importantes para assegurar não somente a educação, mas a sua qualidade.

Muitas crianças ainda não têm acesso a EI – a falta de vagas nas redes, a dificuldade

de locomoção, a pouca flexibilidade do atendimento, a oscilação do mercado de trabalho nas

exigências de escolaridade dos pais são desafios apontados em uma série de estudos e que

provocam a busca de medidas alternativas, como, por exemplo, o Proinfância.

Os resultados deste estudo permitem constatar, por um lado, que a eficácia da

implantação desse Programa, tem sido comprometida pela escassez da estrutura

organizacional. O princípio da liberdade de adesão, paradoxalmente, se transforma numa

camisa de força, o que propicia que os municípios continuem executores da União, que

controla, com sistemas avaliativos, seu desempenho, ferindo o princípio que gerou a ação.

Nota 1- A lei n. 8.069/90 é originária do Projeto de Lei n. 5.172/90, ao qual foi anexado o

projeto de Lei n.1.506/89, do Deputado Nelson Aguiar, de maior abrangência, ao qual

também foram apensados vários projetos de lei. São eles os de n. 1.765/89, 2.264/89,

2.742/89, 628/83, 75/87, 1.362/89, 2.079/89, 2.526/89, 2.584/89 e 3.142/89.

Nota 2 - SANTOS, Edson Cordeiro dos. A situação das cidades do estado do Rio de

Janeiro: primeiros resultados do Censo 2010. Rio de Janeiro: Solidariedade França-

Brasil/Grupo de Pesquisa Educação Infantil e Políticas Públicas-Unirio, 2012 (mimeo).

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RUA, Maria das Graças. Análises de Políticas Públicas: conceitos básicos. Disponível em:

< http://projetos.dieese.org.br/projetos/SUPROF/Analisepoliticaspublicas.PDF>. Acesso em

14 de agosto de

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Site FNDE. Disponível em <http://www.fnde.gov.br/programas/proinfancia/proinfancia-

apresentacao>. Acesso em 14 de agosto de 2014.

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O QUE REVELAM OS MURAIS DO PROINFÂNCIA SOBRE AS

PRÁTICAS DOS PROFESSORES?

Fernanda Bezerra de Almeida - Fundação Osório

Resumo

Este texto é um recorte da pesquisa desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa em Educação

Infantil e Políticas Públicas da Unirio, com apoio do CNPq e Faperj (2011/2014) em sete

unidades do Proinfância (Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos

para Rede Escolar Pública de Educação Infantil) em funcionamento no estado do Rio de

Janeiro. A pesquisa teve como objetivo diagnosticar a situação da Educação Infantil nas

unidades e identificar como ocorre a implantação do programa e sua realidade no estado. A

metodologia consistiu em um diálogo das imagens fotográficas dos murais, trabalhos expostos

e cartazes com as entrevistas com gestores, professores e observações das práticas. Este texto

analisa as imagens fotográficas dos murais das escolas e faz aproximações e distanciamentos

das práticas expressas nas imagens e os documentos oficiais norteadores, trazendo reflexões

sobre a necessidade de investimentos em políticas de formação continuada nos municípios,

em prol da qualidade no atendimento. O diálogo busca sustentação teórica em Walter

Benjamin, inspirado na figura do colecionador, que suscita um olhar sobre a singularidade

como possibilidade de apreensão da totalidade. A combinação das fotos das diferentes

unidades produz saberes sobre a realidade da Educação Infantil e deixa vestígios sobre as

concepções que norteiam as práticas dos professores. As imagens dos murais revelaram raras

produções de autoria das crianças, voltando-se para o aprendizado de letras e números e

apontando para um processo de escolarização precoce em curso, com rotinas que pouco

privilegiam as interações e brincadeiras, como previstos nos documentos oficiais de

referência. Pensar num atendimento de qualidade, que respeite as necessidades das crianças e

garanta sua participação e seu protagonismo, depende de investimentos em formação de

professores e gestores e valorização do trabalho da educação infantil e de seus profissionais.

Palavras-chave: Educação Infantil. Concepções e práticas. Políticas de formação

Introdução

As mudanças legais rumo à democratização do acesso e à melhoria da qualidade da

educação são resultantes de políticas públicas criadas para atender as demandas sociais, decorrentes

do processo de crescimento da população e desenvolvimento sócio-econômico.

―Uma política pública geralmente envolve mais do que uma decisão e

requer diversas ações estrategicamente selecionadas para implementar

as decisões tomadas‖ (RUA, p.1).

A constituição de 1988 trouxe autonomia aos municípios, que fazem parte de um

Sistema Educacional, os quais, para funcionar de forma eficiente, necessitam imprimir uma

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dinâmica de ações que integrem as esferas municipal, estadual e federal, num regime de

colaboração.

Pensar na educação de 0 a 5 anosi numa dinâmica de interações também entre

secretarias, gestores, coordenadores, professores, auxiliares, crianças e famílias, não é tarefa

fácil. São muitos os fatores que interferem no processo, gerando ambiguidades e tensões,

decorrentes da relação do todo com as partes, somados a investimentos financeiros,

determinação e envolvimento político-pedagógico, para que as iniciativas tenham

continuidade.

O Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede

Escolar Pública de Educação Infantil – Proinfância, formulado pelo MEC, é um programa

criado para atender à demanda de vagas na Educação Infantil, em convênio com os

municípios, tendo por objetivo ―garantir o acesso de crianças a creches e escolas de Educação

Infantil públicas, especialmente em Regiões Metropolitanas, onde são registrados os maiores

índices de população nesta faixa etária‖ (BRASIL, 2011, on line). Segundo o FNDE, esta

iniciativa é importante ―por considerar que a construção de creches e pré-escolas, bem como a

aquisição de equipamentos para a rede física escolar desse nível educacional, são

indispensáveis à melhoria da qualidade da educação‖. (ibid).

É com este argumento que o Proinfância se delineia na agenda da política pública.

Voltado à construção e melhoria das condições das instalações físicas das escolas públicas de

EI, foi instituído pela Resolução nº. 6, de 24/04/2007, do Conselho Deliberativo do Fundo

Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE (BRASIL, 2007), a partir da

consideração de que a construção de creches e pré-escolas, bem como a compra de

equipamentos e mobiliário, são fundamentais para a melhoria da qualidade da educação.

Com o objetivo de avaliar a implementação do Programa Proinfância, o Grupo de

Pesquisa de Educação Infantil e Políticas Públicas (EIPP), coordenado Profª. Dra. Maria

Fernanda Rezende Nunes, desenvolveu a pesquisa intitulada ―Repercussões das Políticas de

Educação Infantil no Estado do Rio de Janeiro: o programa PROINFÂNCIA e as estratégias

municipais de atendimento a crianças de 0 a 6 anos‖(2011-2014),ii identificando as estratégias

de organização que os sistemas municipais de ensino e as secretarias municipais de educação

vêm desenvolvendo para atender à educação infantil, no âmbito das unidades do Proinfância,

e sua adequação às condições de vida das crianças.

Na primeira etapa da pesquisa de campo do EIPP foi feita uma investigação da

implementação, funcionamento e ingresso de crianças no programa na Região Metropolitana

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do Estado, avaliando o impacto e os desafios por concentrar o maior contingente da população

do Estado. A segunda etapa da pesquisa de campo se estendeu a outras regiões do Estado do

Rio de Janeiro que já têm unidades do Proinfância em funcionamento. Nesta fase, a

investigação volta-se também para as práticas e organização dos espaços e tempos com as

crianças.

Este texto, baseado também na dissertação de Mestrado intitulada ― Leitura e Escrita:

vozes e imagens do Proinfância no Rio de Janeiro‖ faz um pequeno recorte da segunda etapa

da pesquisa institucionaliii, com o objetivo de conhecer a concepção de infância que norteia o

trabalho nas unidades do Proinfância do Estado e Região Metropolitana do Rio de Janeiro,

através das imagens dos murais pedagógicos e relatos dos atores, delineando as aproximações

e distanciamentos que estão presentes nas práticas e artefatos encontrados e nos documentos

oficiais orientadores, como: Diretrizes Curriculares para Educação Infantil (Brasil, 2010) e os

Indicadores de Qualidade para Educação Infantil. (MEC-2009).

A fotografia como caminho teórico-metodológico

Inspirado na figura do colecionador, de Walter Benjamin, foi utilizada uma coleção de

fotografias dos murais e trabalhos dos alunos como mediadores no processo de criação desta

narrativa, somados às entrevistas com os membros da secretarias, gestores e professores, que

formam outra coleção, o conjunto de vozes dos atores.

Sua analogia entre conhecimento e coleção faz da figura do colecionador uma

inspiração para o pesquisador, que na sua interação com o objeto de pesquisa, vive a rotina de

um colecionador, que reúne os eventos, as falas, as imagens, as informações, numa busca de

afinidades e significados, construindo e reconstruindo a história do seu objeto de pesquisa,

através dos fragmentos.

―...cada objeto, fragmento, ou insignificância contém o todo. A totalidade se

revela na singularidade e os estilhaços se compõem em imagens como as de

um caleidoscópio‖.( KRAMER, 2009, p.290)

As fotografias carregam informações e podem se constituir como mediadoras de um

diálogo, pois estão marcadas por quem as criou, pelo contexto em que foram produzidas,

pelas pessoas retratadas e pelo olhar do outro, no caso do pesquisador, gerando novos

significados. Neste diálogo, pode-se perceber detalhes que não tinham sido notados antes,

construindo-se novos sentidos e re-significando relações e práticas.

A utilização da fotografia no trabalho de campo, acrescida de entrevistas, possibilitou

uma intercessão entre as práticas expressas pelas imagens e as vozes de quem está

diretamente ou indiretamente relacionado com aquela realidade expressa na imagem. São

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fragmentos que, sob diferentes ângulos, revelam e ocultam, instigando o pensar e repensar das

práticas.

[...]a fotografia adquire, metodologicamente, um papel de significativa

relevância, uma vez que, de forma visível, apresenta-se como fragmento

recordado de uma realidade sempre mais ampla. Mesmo como fragmento, é,

em si uma totalidade‖. (RIBES, 2005, p. 42)

Na construção desta narrativa foi utilizado um grupo de fotografias do banco de dados

do grupo de pesquisa (EIPP) auferidas durante a pesquisa de campo realizada em 2013-2014,

em sete unidades do Proinfância do Estado do Rio de Janeiro.

No processo de escolha das fotografias, buscou-se primeiramente as semelhanças das

imagens das diferentes unidades, fazendo uma aproximação com os relatos das entrevistas.

Após este momento, aconteceu o processo descrito por Benjamin (2011a):

―[...] os episódios cotidianos em que se percebem conscientemente as

semelhanças, são apenas uma pequena fração dos inúmeros casos em que a

semelhança os determina, sem que se tenha disso consciência. As

semelhanças percebidas conscientemente [...] em comparação com as

incontáveis semelhanças das quais não temos consciência, ou que não são

percebidas de todo, são como a pequena ponta do iceberg, visível na

superfície do mar, em comparação com a poderosa massa submarina‖.

(p.109)

Com a coleção nas mãos, inicia-se o processo de ―leitura‖ das imagens e surge a

pergunta: É possível ler as imagens? As imagens permitem uma tradução?

O olhar sobre a fotografia caminha, primeiramente, em direção ao passado que se liga

ao presente pela via da imaginação e da subjetividade de quem olha, trazendo novos

significados àquela imagem.

―As imagens, assim como as histórias nos informam [...] Quando lemos

imagens, de qualquer tipo, sejam pintadas, esculpidas, fotografadas,

edificadas ou encenadas, atribuímos a elas o caráter temporal da narrativa.‖

(MANGEL, 2009, p.27)

No itinerário pelas sete unidades, em sete municípios do estado do RJ, o olhar foi

direcionado para os trabalhos expostos nos murais na intenção de construir hipóteses sobre a

concepção de infância e conhecimento que permeiam o trabalho dos professores e gestores

das unidades do Proinfância.

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Na passagem pelas unidades, realizou-se entrevistas com os professores, gestores e

auxiliares, no sentido de conhecer a organização e funcionamento de cada município,

registros fotográficos e observação das práticas nas salas. As imagens, conjugadas com os

depoimentos dos atores (a partir de suas experiências e práticas), entrevistas e observações

dos pesquisadores, através dos registros de campo, deram forma a esta narrativa, como um

álbum de retratos, cuja legenda reaviva a história dos acontecimentos.

As fotografias das unidades contam histórias vividas e trazem pistas sobre as práticas.

A análise das imagens, sob a lente do pesquisador, traz a legenda como parte essencial à

fotografia. ―Aqui deve intervir a legenda, introduzida a fotografia para favorecer a

literalização de todas as relações de vida e sem a qual qualquer construção fotográfica corre o

risco de permanecer vaga e aproximativa‖. (BENJAMIN, 2011a, p. 107)

O que dizem os murais sobre as práticas?

Os murais pedagógicos expressam o cotidiano vivido pelas crianças na escola, os

conhecimentos considerados importantes, a maneira de compartilhá-los, expressando o

projeto pedagógico da creche/escola.

Percorrendo as salas e os murais das sete unidades encontramos letras e números por toda parte, representados em cartazes feitos pelas professoras e letras emborrachadas presas nas paredes ou penduradas em forma de móbile, presentes nas turmas desde o berçário.

Foto 1 - sala de 4 a 5 anos Foto 2 – sala de 2 a 3 anos

Fonte: Banco e dados do EIPP Fonte: Banco e dados do EIPP

Foram vistas muitas folhas impressas, cadernos, com desenhos variados, para as crianças pintarem e fazerem exercícios grafo-motores de cobrir pontilhados e labirintos, com objetivo de preparação para a escrita.

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31 Foto 3 - exercícios Foto 4 – sala do berçário

Fonte: Banco e dados do EIPP Fonte: Banco e dados do EIPP Quando perguntadas sobre as práticas de leitura e a escrita desenvolvidas, a preocupação com

o sucesso escolar norteia o discurso:

―Utilizo as histórias e a partir delas, seleciono palavras para lançamento das letras do alfabeto‖(sic)

―É feito sempre com histórias e escrita de palavras e índices‖(sic), ―vou lendo e escrevendo,

simultaneamente. As crianças riscam. Há atividades de recorte e colagem de letras‖.(sic)

Foto 5 - mural de uma sala de 4/5 anos Foto 6 – mural de uma sala de 4/5 anos

Fonte: Banco e dados do EIPP Fonte: Banco e dados do EIPP

Além do trabalho de visualização do alfabeto e dos numerais, a maior parte das

escolas pesquisadas utiliza folhas impressas, com exercícios preparatórios para a escrita, ainda

subsistindo a concepção de que ler e escrever são habilidades conquistadas através de

exercícios de treino ortográfico e repetição de sons de letras.

Para isto, se expõe as crianças a uma infinidade de folhas impressas, afastando-a do

desenho, do faz de conta, da literatura, das artes plásticas e da brincadeira, que contribuem,

efetivamente, para o desenvolvimento da sua capacidade de expressão simbólica.

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De maneira descontextualizada e desprovida de sentido, as práticas

identificadas com os alfabetos[...] longe de contribuir para a formação das

crianças como leitoras, acentuam um trabalho pedagógico de treinamento,

instrução, escolarização de um objeto- escrita – que é cultural e social.

(KRAMER, NUNES e CORSINO, p.22, 2009)

Os murais das salas também obedecem a um padrão bem semelhante entre as escolas.

A presença do calendário, quadro de chamada por gênero, quadro de aniversariantes do mês e

cartazes com normas de convivência estão presentes em todas as escolas visitadas, variando

apenas, no formato e estilo. Muitos deles são padronizados e outros são feitos pelas

professoras.

O alfabeto tem um lugar de honra na arrumação dos murais e painéis. Normalmente

ficam em cima ou abaixo do quadro de giz ou quadro branco, e são, na maioria, letras

emborrachadas ou feitas em papel cartão. Os numerais também aparecem em cartazes e

números emborrachados, variando de 0 a 9 ou de 0 a 20. Os quadros brancos e de giz estão

em todas as salas, até das crianças menores. Os demais cartazes encontrados são relativos aos

projetos trabalhados e são confeccionados pelos adultos.

Foto 7 - quadro de chamada Foto 8 – mural de corredor

Fonte: Banco e dados do EIPP Fonte: Banco e dados do EIPP

Para decifrar as mensagens transmitidas pelas imagens, percebemos a presença

hegemônica do alfabeto e dos números nos murais, ocupando o espaço de outras

manifestações da linguagem. Este espaço é dividido com painéis elaborados pelos adultos e

figuras padronizadas, ora adquiridas por algum representante, ora reproduzidas pelos próprios

professores, na mesmice do tudo igual.

A presença de trabalhos que divulguem formas livres de comunicação e expressão de

sentimentos e da cultura infantil aparecem de forma muito tímida nos murais das escolas

pesquisadas.

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As Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (2010) apontam como

eixos norteadores da proposta curricular, as interações e a brincadeira, trazendo orientações

para as práticas, e diz que:

―Deve-se favorecer a imersão das crianças em diferentes linguagens e o

progressivo domínio de vários gêneros e formas de expressão: gestual,

verbal, plástica, dramática e musical‖ (p. 25)

Os trabalhos expostos nos murais dialogam com o expectador, valorizam a produção

da criança e desenvolvem sua percepção e olhar estético, já que ela também interage com a

produção do colega.

O registro a partir de imagens marca um momento importante e singular do

processo de ensino-aprendizagem: auxílio à memória, à sistematização, à

história ou ainda ilustração, adorno e enfeite. As imagens constituem o

próprio texto, que vibra, pulsa e diz sobre o mundo e a compreensão que

temos dele. (KRAMER, NUNES e CORSINO, 2009)

Uma escola sem trabalhos com autoria das crianças, nos murais, fica sem voz e,

calada, não narra para o outro o que foi vivido. Assim não deixa rastros do seu conhecimento

e do seu trabalho.

O grande desafio reside na adaptação dos Projetos Pedagógicos dos municípios às

Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (DCNEIs), num movimento de

reestruturação das concepções de atendimento de crianças de 0 a 5 anos, visto a prevalência

de práticas instrucionais nas unidades pesquisadas, voltadas para a preparação para o Ensino

Fundamental.

A organização dos espaços-tempo se configuram como primeiro passo no

planejamento das ações dos profissionais de creches e pré-escolas. Sua organização

acontecerá de acordo com as concepções de infância e de desenvolvimento infantil, valores e

crenças e objetivos do grupo de profissionais da escola. Assim sendo, o primeiro passo é

oferecer oportunidades para compartilhar, discutir e entender valores, ideias, conhecimentos e

experiências sobre a criança e suas especificidades, num planejamento participativo e

democrático, envolvendo todos os profissionais da escola.

Dialogando com os atores sobre formação e proposta pedagógica

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O roteiro de entrevistas com professores, auxiliares e gestores (diretores ou

coordenadores pedagógicos) foi elaborado com quatro blocos de perguntas: Bloco I –

Proposta Pedagógica e Planejamento, Bloco II – Cooperação e Troca com as Famílias, Bloco

III – Práticas e Interações e Bloco IV – Materiais, Espaços e Mobiliários, sendo os dois

últimos blocos destinados a observações dos pesquisadores. As entrevistas foram realizadas

no segundo semestre de 2013 e primeiro semestre de 2014, em visitas realizadas as unidades

do Proinfância no Estado do Rio de Janeiro.

Para fins deste estudo optou-se pela apresentação apenas de informações relativas à

Formação Continuada e Proposta Pedagógica dos municípios.

Em relação à Proposta Pedagógica, a maioria das unidades não tem uma proposta

pedagógica própria, utilizando a proposta da rede municipal que serve a todas as escolas de

Educação Infantil.

Existem municípios que os professores contam com uma coordenadora pedagógica e

em outros, a diretora exerce este papel. Os projetos chegam das secretarias de educação e os

professores fazem adaptações a sua realidade, são raros os relatos de participação na

elaboração destes projetos por parte dos gestores. As reuniões de planejamento variam

segundo a realidade de cada unidade e podem acontecer semanalmente, mensalmente, em

grupo ou individualmente. Um dos dificultadores apontados nas entrevistas é o fato dos

professores trabalharem em dois municípios, não havendo tempo para encontrar com seus

pares. Outra justificativa é o fato de não poder suspender o atendimento às crianças, ordem

dada pela própria secretaria de educação. Outro fato relevante é o fato das auxiliares não

participarem destas reuniões. A justificativa dada por alguns gestores é que elas precisam

ficar com as crianças para que possam se reunir com as professoras, pois o horário

estabelecido para planejamento dos professores não é coincidente, não garantindo o encontro

dos profissionais para uma discussão e elaboração coletiva. Sabe-se que quando os

profissionais não se reúnem é muito difícil construir uma identidade institucional.

Quanto aos Programas de Formação Continuada destaca-se que há eventualmente

cursos oferecidos pela secretaria, mas que ―raramente os professores podem participar‖

(Caderno de Campo, 4/11/2013). Tal relato evidencia a inexistência de uma política de

formação continuada organizada a fim de atender às questões do grupo de professores em

alguns municípios. Em apenas um dos municípios pesquisados, a Secretaria de Educação

promove palestras mensais e nos restantes estes encontros são eventuais.

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Considerações Finais

No diálogo das imagens e trechos das entrevistas, percebemos a urgência de

investimentos em formação continuada de professores e gestores para construção de um

espaço de estudo, discussão e reflexão sobre as práticas.

É fato que todas as crianças da educação infantil têm o direito à cultura oral e escrita,

mas estas devem acontecer com práticas de leitura literária, manuseio de livros e outros

suportes de texto, registros coletivos, trocas de experiências, acesso a diferentes linguagens,

teatro, artes, música, cinema, despertando o gosto pelas histórias e o desejo de aprender a ler e

escrever.

O que predominou durante a pesquisa, foram práticas de treinamento, com exercícios

de coordenação motora de cobrir pontilhados formando letras e números, cópias de palavras e

números, privilegiando o desenvolvimento motor. O alfabeto, presente desde o berçário, é

―trabalhado‖, em muitas unidades, letra a letra, com listas de palavras desenhadas pela

professora, de maneira descontextualizada e sem qualquer sentido para a criança.

Segundo Nunes, Kramer e Corsino (2009), ―práticas reais de leitura e escrita são

requisitos para formação do leitor‖. (p.215). As autoras trazem que a criança aprende sobre

leitura desde muito pequena e que é preciso propiciar oportunidades de leitura e escrita, num

processo rico em experiências significativas, com ― personagens, aventura, enredos em

desfechos alegres e tristes, situações engraçadas, irônicas, boas ou más ...‖. Através destas

narrativas, a criança não aprende somente elementos relacionados à aprendizagem de leitura e

escrita, mas se identifica, construindo significados para sua vida. Nos murais das unidades,

prevaleceu o trabalho do adulto, voltado para práticas educativas concernentes ao projeto que

estava sendo realizado, reduzindo as possibilidades das crianças criarem a partir do tema.

Pensar num atendimento de qualidade, que respeite as necessidades das crianças e

garanta sua participação e seu protagonismo, depende de investimentos em formação de

professores e gestores, valorização do trabalho da educação infantil e de seus profissionais,

discussões periódicas sobre a identidade, concepções e práticas de qualidade, com a

participação de todos, escola-família-comunidade, aquisição de materiais didático-

pedagógicos e livros de literatura, avaliando periodicamente o trabalho realizado, criando

parâmetros de qualidade nas unidades do Proinfância baseados em padrões nacionais.

São muitos os desafios para se alcançar um atendimento de qualidade para todas as

crianças, entretanto finalizo, trazendo um fragmento da letra da música de Milton Nascimento

e Wagner Tiso, que sintetiza a intenção desse trabalho de pesquisa:

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“Se muito vale o que já feito,

mais vale o que será.

E o que foi feito

É preciso conhecer para

melhor prosseguir”.

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Notas:

1 Inclusão de crianças de seis anos no Ensino Fundamental, que passa de oito para nove anos. (Brasil

2006a) e ampliação da escolaridade obrigatória e gratuita dos quatro aos dezessete anos, a partir de 2016. (Brasil,

2009b) 1 A pesquisa contou com o apoio do CNPq e Faperj.

1 ―Repercussões das Políticas de Educação Infantil no Estado do Rio de Janeiro: o programa PROINFÂNCIA e

as estratégias municipais de atendimento a crianças de 0 a 6 anos‖(2011-2014).

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