O projeto secreto de einstein vitor alexandre chnee

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Vitor AlexandreChnee

O PROJETOSECRETO DE

EINSTEIN

LANDMARK, 2005

INTRODUÇÃO A Segunda Guerra Mundial sempre mefascinou. Em especial por eu ter váriosparentes que estiveram envolvidosdiretamente no conflito. Assim, sempreouvi muitas histórias a esse respeito.Por isso, resolvi fazer um tributo a umgrande cientista, meu ídolo AlbertEinstein, que em 2005 foi lembradodurante o Ano Mundial da Física,celebrado internacionalmente. Pois foi1905 o "Ano Miraculoso" de Einstein,em que ele elaborou três de suasprincipais teorias, entre elas a famosaTeoria Especial da Relatividade.

Einstein, que teve dificuldades paraaprender a falar, chegou até ser cogitadocomo deficiente mental. Concluiu sembrilhantismo o estudo secundáriocursando, apesar de ser judeu, um liceucatólico de Munique, Alemanha. Setivesse considerado os conselhos de umde seus professores, teria abandonado aescola. Com boas notas somente emmatemática, foi admitido, em 1896, noInstituto Politécnico de Zurique, onde segraduou com dificuldade em 1901.Einstein tentou ser professor, masconseguiu apenas um emprego noserviço federal de patentes em 1902, emBerna, na Suíça. No entanto, foi o queprecisava para tornar-se o cientista doséculo, à semelhança de Newton, outro

"mau" aluno. As muitas horas vagas queo modesto emprego lhe oferecia foramaproveitadas para refletir sobre osgrandes problemas da físicacontemporânea. De fato, em 1905 omundo tomou conhecimento de suaexistência e desde então o nome Einsteiné sinônimo de genialidade.Este livro é fruto de uma ampla pesquisae baseia-se em fatos reais, que podemser facilmente comprovados em fartaliteratura a respeito da Segunda GuerraMundial e também sobre Einstein. Nofinal do livro apresento uma série dereferências, incluindo sites que possueminteressante acervo fotográfico.

Aproveito para agradecer a meu pai,Igor, que infelizmente foi obrigado asofrer os horrores da guerra. Suaexperiência foi importante na revisão dolivro, dando mais conteúdo a ele.Gostaria também de agradecer a meusogro Dino Celani, que gentilmentecedeu parte do material que muitocontribuiu para esta obra.Agradeço a Fábio Cyrino pelassugestões e pelo apoio, sem os quais nãoteria terminado esta obra. Dedico esta obra a Rodrigo, Marina ePatrícia, que são a razão de minhaperseverança.

Vitor Alexandre Chnee

CAPÍTULO I

Há somente duas coisas infinitas,o Universo e a estupidez humana,mas eu não tenho tanta certezasobre a primeira.

Albert Einstein "Pelo amor de Deus, não!" - disse emdesespero o senhor Isaiah. Mas suasúplica não evitou que o punho fechadorasgasse o ar e acertasse em cheio a facede sua mulher, provocando um estalohorrível. Aquele som fez com que osenhor Isaiah contorcesse todo seu

corpo como se tivesse, ele mesmo,levado o soco.O senhor Isaiah, amarrado com cordasem uma cadeira, nada pôde fazer contraaquele ataque covarde. Com o soco, suamulher foi lançada sobre o sofá queestava bem à sua frente. Ela agoraestava deitada de bruços sobre o sofá eseus cabelos, já ralos, caíamdesarrumados em volta de sua cabeça. Osangue começava a sair de sua boca,mas principalmente do nariz."Que fiz eu?" - encheu-se de remorso osenhor Isaiah, pois sabia que aquilodevia-se à sua teimosia. "Estariamorta?" - lamentou-se em seuspensamentos.

Mas percebeu que ela se mexialevemente. Devagar, ela abriu os olhosazuis que ele tanto amava. Seu olharassustado suplicava por misericórdia.Sentindo um pequeno alívio, o senhorIsaiah soltou a respiração e tentavarelaxar quando escutou um berro:"Die Papiere!"O senhor Isaiah sabia exatamente dequais papéis aquele alemão bruto eenorme estava falando. Mas ele tambémhavia se comprometido com seu amigoAlbert, décadas antes, a não entregá-losa ninguém, jamais, a não ser ao próprioAlbert ou a um expresso enviado seu.O dia, aliás, não podia ter sido pior.Primeiro foram as terríveis notícias

ouvidas no início da noite sobre otorpedeamento de navios brasileiros narota para os Estados Unidos, com muitasmortes e perda de valiosas cargas. Orádio, única distração daqueles tempos,era ligado todas as noites logo apósescurecer. O casal Estelvich estavadistraído ouvindo um pouco de músicabrasileira quando, logo depois do jantar,a casa foi invadida por doisdesconhecidos que simplesmentearrebentaram a porta da frente. Doisalemães brutos que ele nunca havia vistoantes.Após bater nele, um deles socou suaamada esposa Sarah, com quem estavacasado há meio século. Aquilo foidemais para um casal idoso. Haviam

vindo para o Brasil logo depois daPrimeira Guerra Mundial comorefugiados. Estabeleceram-se no Rio deJaneiro, capital de um país que pareciaestar muito longe dos horrores daguerra. Mas, após pouco mais de duasdécadas de vida tranqüila, em maio de1942 algumas pessoas fizeram questãode trazer os horrores para perto. Muitoperto."Não me faça pedir de novo!" - berrou oalemão. Virou-se para o outro agente eordenou:"Bata nela de novo!"Antes mesmo que o agente pensasse emcumprir aquela ordem, uma voz cansada,porém decidida ecoou pela sala:

"Basta!" - suplicou finalmente o senhorIsaiah. Sem saída, pediu:"Chega de violência."A sessão de tortura havia durado poucomais de meia hora, uma eternidade paraum casal de idade avançada. A forçados golpes desferidos no senhor Isaiahfora sempre cuidadosamente controlada,pois era vital mantê-lo acordado. Masele era muito teimoso e possuía umaresistência excepcional. Não se dobraraàquilo nem às súplicas de sua mulherSarah, que não agüentava vê-lo apanhar.Ao ver que aquilo não surtia efeito etemendo desacordar o velho, mudaramde estratégia e resolveram expor osenhor Isaiah a algo ainda mais terrível.

De fato, bastou um único soco em suamulher para que ele resolvessecolaborar."Então nos entregue o que viemos buscare iremos embora imediatamente." - dissecom voz gélida o menor dos doisalemães, falando em um portuguêscarregado pelo sotaque. Era menor e nãose parecia tanto com um alemão, poistinha cabelos e olhos castanho escuro.Além disso, não tinha o mesmo porteatlético e arrogante do segundo homem.Talvez por isso mesmo a GeheimeStaats Polizei (Polícia Secreta doEstado), ou simplesmente Gestapo, ohavia enviado para o Rio de Janeiro,pois não chamaria tanto a atenção.

A Gestapo era um dos departamentos daSS ou Schutzstaffel (Esquadrão deProteção). A SS era uma extensaorganização paramilitar que pertencia aopartido nazista. Os nazistas tinham a SScomo uma unidade de elite, baseada naGuarda Pretoriana, com todo seupessoal selecionado com base emrequisitos ideológicos e raciais. A SS sediferenciava dos outros corpos militaresalemães com suas próprias insígnias,uniformes e patentes. As unidades decombate da SS chamavam-se Waffen-SSe provaram ser realmente eficazes, emmuitos casos ainda mais eficazes que opróprio exército regular, a Wehrmacht.A expansão da SS foi feita por Hímmler,que se baseou em modelos de outros

grupos organizados, tais como osCavaleiros Templários, a Ordem Jesuítae as Brigadas Negras Italianas.O outro alemão, com quase dois metrosde altura, não falava português. Eramuito branco, tinha olhos azuis, cabeloslouros e visivelmente era o chefe dadupla. Com certeza havia acabado dechegar à cidade, provavelmente enviadoem especial para aquela missão.O senhor Isaiah concordou com acabeça, bem devagar. Conseguiu movê-la apenas uma vez para cima e outrapara baixo. Seu moral estava baixo e jánão pensava mais em resistir.Um dos agentes, que parecia servir olíder, desamarrou o senhor Isaiah. Este

se levantou com muita dificuldade e,como quem vai a um funeral, começou acaminhar pela sala, arrastando os pés.Lançou um olhar grave a sua mulherSarah e percebeu que os olhos dela odesaprovavam, pois ela também sabiadas eventuais conseqüências daqueleato. Mesmo tendo jurado segredo, comos anos Isaiah acabou contando a ela oque guardava com tanto cuidado emcerto baú da casa. Mas, naquelemomento, não teve outra saída senãoentregar o conteúdo aos agressores - nãopoderia permitir que aquela violênciacontinuasse.O outro alemão, o maior dos dois e queparecia ser o líder, empurrou o senhorIsaiah para que este andasse mais

rápido. Com o empurrão o senhor Isaiah,velho e cansado de tudo aquilo,tropeçou em seu próprio pé e caiu nochão. Por sorte caiu no felpudo tapeteque estava por cima do assoalho demadeira e não se machucou. Tentouentão valorizar a cena ficando deitadono chão o quanto pôde. O agente não secomoveu com aquilo e, pegando nacintura da calça do senhor Isaiah, olevantou do chão deixando-o nahorizontal algumas dezenas decentímetros acima do solo. O senhorIsaiah movimentava seus braços epernas para manter o equilíbrio aomesmo tempo em que tentava se protegerde uma iminente queda. Ao ver aquilosua mulher se desesperou, pois também

pressentiu que o agente iria soltar seumarido, que certamente arrebentariaalguma coisa com o impacto no chão.Apesar de muito fraca, protestou:"Não!"O agente podia ser bruto, mascertamente não era burro. Percebeu quese fizesse aquilo talvez o velho ficasserealmente incapacitado de dar-lhe o queviera buscar. Para ele foi um gestopensado, mas para os demais foi umgesto inesperado. O fato é que, com aoutra mão, o agente empurrou as pernasdo senhor Isaiah, colocando-o naposição vertical. Certificou-se de que ovelho estava de pé e que não perderiaseu equilíbrio, e então o soltou.

Ao perceber o chão pressionando seuspés novamente, o senhor Isaiah sentiu-semuito aliviado. Olhou com o canto dosolhos para sua esposa e achou que elaagüentaria. Mas não havia muito o quefazer. Sabia que se tentasse algo assimde novo seria severamente castigado dealguma forma. Ficou sem opção e disse:"Preciso achar uma chave. Os papéisestão bem guardados. Mas sem a chavenão poderei pegá-los."A única resposta obtida foi um olharameaçador, claramente entendido pelosenhor Isaiah.O líder resolveu seguir o senhor Isaiah.Virou-se para o outro agente e ordenousecamente:

"Fique aqui e vigie-a.""Onde estariam os prometidos agentesamericanos?" - pensou ele enquantotentava retardar ao máximo a entregados papéis.

CAPÍTULO II

Coloque sua mão sobre um fogãoquente por um minuto e parecerácomo uma hora. Sente- se comuma moça bonita por uma hora eparecerá como um minuto. Isso érelatividade.Albert Einstein

Enquanto fingia procurar uma chave,para aliviar o nervosismo o senhorIsaiah recordava seu último encontrocom o amigo de tantos anos.

A senhora Sarah já o havia perdido devista, juntou suas forças e sentou-se nosofá com a cabeça para trás, na tentativade estancar o sangramento. O sangueparecia vir de dentro do nariz, quepoderia estar quebrado. O agente a seulado apenas assistia, impassível.O amigo Albert, em todo aquele tempo,nunca havia deixado de se correspondercom ele. Mas depois que o casalEstelvich deixou a Alemanha, porapenas uma vez, em maio de 1925,voltou a se encontrar com o queridoamigo. Com o pretexto de proferirpalestras científicas, Albert Einsteinfizera uma viagem para a América doSul.No entanto, é sabido que a viagem

serviu para inúmeros contatos comjudeus, alguns deles em segredo. Suamissão pessoal foi levantar fundos paraa causa sionista e mobilizar os judeuscontra o crescente movimento anti-semita europeu. Einstein foi um dospoucos judeus com visão suficiente parasaber que eles precisavam se organizarcontra os anti-semitas.Sua visita iniciou-se em 24 de marçopor Buenos Aires, na Argentina, ondeficou três semanas. Dali ele seguiu paraMontevidéu, no Uruguai, ondepermaneceu por uma semana e ministroutrês conferências em francês. DoUruguai ele partiu para o Brasil, parauma semana de permanência no Rio deJaneiro, onde também apresentou

conferências. No entanto, era sabido quea platéia em geral não estava preparadapara uma palestra científica. Naverdade, as pessoas iam às palestrasapenas para conhecer a celebridade deperto. Até mesmo várias criançascompareceram. Em relação às palestrasproferidas na América do Sul,Einstein chegou a comentar em seudiário:"As questões científicas eram tãoestúpidas que era difícil permanecersério."Estranhamente, no Rio de Janeiro eleacertou a programação apenas no dia dasua chegada. O próprio senhor Isaiah,líder local, o ajudou na programação e,

até onde se sabe, foi o grandearticulador para que Einstein viessetambém ao Brasil. Além doscompromissos sociais, incluindo umavisita ao presidente da República,Arthur Bernardes, Einstein fez duasconferências sobre a Teoria daRelatividade, no Clube de Engenharia ena Escola Politécnica do Rio de Janeiro,e também uma comunicação naAcademia Brasileira de Ciências.No Clube de Engenharia, por exemplo,encontrou o salão superlotado. Não porcientistas ou estudantes mas porembaixadores, generais do Exército erepresentantes dos ministros. Haviaalguns engenheiros, é verdade, masmuitos deles estavam acompanhados de

suas esposas e filhos. Não era umaplatéia apropriada para conferênciascientíficas. As pessoas estavam ali como objetivo de conhecer um astromundial.Naquela rápida visita ao Brasil, oilustre visitante esteve muito ocupado,mas reservou várias horas parareencontrar o amigo em cuja casa foitomar chá, no final daquela agradáveltarde de outono.O casal Isaiah e Sarah Estelvich malpodia conter a ansiedade pela chegadado ilustre visitante. Muitos anos haviamse passado desde o último encontro, nadespedida do casal na Alemanha. Naépoca Einstein já era famoso mas fezquestão de se despedir pessoalmente

dos amigos quando estes embarcaramem um vapor, no porto de Hamburgo.Em pé, na porta de sua casa, o casalestava de braços dados quando um carrooficial brasileiro parou em frente. Dedentro saiu um sujeito meiodesengonçado e com uma grandecabeleira. O casal caminhou em direçãoao visitante, encontrando-o ainda nacalçada. Os três abriram largos sorrisos,deram-se as mãos e trocaram gestos decarinho. Algumas lágrimas rolaram ecertamente foi o maior sorriso queEinstein deu em toda aquela viagem."Herr Isaiah, como vai?" - disse por fimo visitante, para quebrar o silêncioincômodo.

"Muito bem, querido amigo. Esta terra,com seu clima ameno, é uma bênçãopara nós." - respondeu polidamenteIsaiah."Realmente deve ser. Frau Sarah, asenhora parece que não envelheceu nemum dia desde nosso último encontro." -disse Einstein, virando-se para aelegante senhora que, com o elogio,mostrou brilho em seus olhos."O senhor é sempre muito gentil." -disse meio sem jeito a senhora Sarah.A seguir o senhor Isaiah convidou oamigo para entrar e caminharam os trêsjuntos para dentro da casa.Ao entrarem, o senhor Isaiah puxouEinstein um pouco de lado e comentou

com o velho camarada:"Herr Albert, há quanto tempo, hein?Parece que foi ontem quando nósestávamos na Alemanha, e depois emBerna." - disse o senhor Isaiah, com osolhos começando a marejar. Einsteinnão conseguiu responder e elecontinuou: "Mas o senhor não está comuma aparência muito boa. O que há? Vaidizer que já quer voltar para a Europa.""Não, não é nada disso. Estouaproveitando bem a viagem. Tenho feitoótimos contatos com cavalheiros aqui daAmérica do Sul. Estou muito surpre- socom o tamanho e grandiosidade de suagente. Mas acontece que ontem eu comium prato típico daqui que fizeramquestão que eu provasse. Protestei, não

queria fazer nenhum tipo de aventuragastronômica, mas não houve jeito.Acho que o nome do prato é vatapá compimenta. Não me recuperei ainda. Masisso passa."A senhora Sarah, olhando para omarido, sorriu levemente. Ela virou- sede novo para Einstein e disse:"Então vamos nos sentar e tomar umpouco de chá preto, o que vai ajudá- lonessa sua recuperação. Não seenvergonhe porque esse tipo dedesarranjo também acontece comfreqüência comigo ou com o senhorIsaiah. Mas, normalmente, quando fazmais calor. O senhor nem queira saber ocalor que faz aqui no verão. Veja queestamos no outono e a temperatura está

bastante agradável.""De fato, é bastante diferente daEuropa." - disse Einstein, soltando umleve, mas forçado sorriso."O senhor não gostaria de me dar seuchapéu?" - perguntou gentilmente asenhora Sarah.Einstein entregou o chapéu para asenhora Sarah, que foi pendurá-lo. Aomesmo tempo o senhor Isaiah conduziu ovisitante à sala de estar, onde puderamse sentar. Após se sentarem o senhorIsaiah, ansioso, disparou:"E quais as novidades da Europa? Osenhor sabe que aqui as notícias, quandochegam, nem sempre são muito corretas.Além do atraso, é claro."

"Os países europeus ainda estão serecuperando do trauma da GuerraMundial de alguns anos atrás. Aseconomias estão muito abaladas e odesemprego ainda é grande. Minhaimpressão é que ficará uma cicatriz quenunca sumirá.""Foi por causa desse mesmo trauma queeu e Sarah imigramos para cá. Aquiestamos longe das disputas européias.Esta terra pode ser atrasada, mas temsuas belezas e seu povo é muitohospitaleiro.""Então parece que vocês estão muitobem." - concluiu Einstein.O senhor Isaiah deu como respostaapenas um sorriso satisfeito. Achava

que, realmente, tinha acertado em sair daEuropa. Einstein então, de repente, ficoubastante sério e disse:"O pior de tudo, senhor Isaiah, é aperseguição que nós judeus enfrentamos.Em especial em nossa pátria, aAlemanha. E eu ainda mais, por assumiruma atitude pacifista. Um judeupacifista. É tudo o que os nacional-socialistas querem para alvo." - disse osenhor Albert com voz triste.O senhor Isaiah apenas acompanhou comatenção aquelas palavras. Ele, homeminstruído, sabia daquele tipo deproblema. Só não tinha idéia dagravidade que assumira. Os três fizeramalguns instantes de silêncio e o ar dasala ficou pesado. A ocasião era de

festa e, esperta, a senhora Sarah mudoude assunto rápido, lembrando um alegreacontecimento:"Ficamos sabendo de seu grandesucesso. Chegou a receber um PrêmioNobel. Isso não é para qualquer um.""Sim, é verdade. Mas há outroscientistas mundo afora que talvez omereçam tanto quanto eu." - respondeu omodesto Einstein.A senhora Sarah virou-se de novo paraseu marido e, outra vez, sorriulevemente."Mas o que está achando desta terralongínqua?" - perguntou o senhor Isaiah."É linda. O Rio de Janeiro é lindo. Umapaisagem deslumbrante como nunca vi

em outra parte do mundo. E o povo émuito hospitaleiro.""É o que achamos também.""Fiquei desapontado apenas com ogrande número de habitações imprópriasque se vê pela cidade. Existe miséria naEuropa, mas de algum modo ela édiferente dessa daqui. Talvez peloseuropeus serem mais instruídos, pareceque lá há uma saída." - disse Einstein."Se o senhor sair dos grandes centros,então ficará chocado de verdade. Amiséria do sertão é ainda pior. Além dafalta de recursos, ainda por cima há oproblema das enchentes e das secas. E osenhor tem razão quanto a instrução.Falando apenas do básico, não é difícil

encontrar pessoas que não conseguemescrever o próprio nome. Imagine entãotentar encontrar alguém que realmentetenha estudado.""É preciso fazer algo pelo povo maissofrido." - concluiu Einstein, como se oproblema também o afetasse."Sei que se o senhor quiser, o senhorconseguirá. Afinal, é teimoso como umapedra."Todos deram algumas gargalhadas. Osenhor Isaiah, espirituoso, tinha feitouma piada com o nome de Einstein, queem alemão quer dizer "uma pedra" ou "apedra" (cin Stein).De fato, no futuro Einstein se tornariaum socialista convicto, defendendo

aquela idéia abertamente. Com certeza avisão de pessoas vivendo em condiçõessubumanas na América do Sul e emoutras partes do mundo contribuiu paraseu posicionamento político.A senhora Sarah apenas ouvia aconversa e, subitamente, lembrou-se dachaleira no fogo da cozinha."Os senhores me desculpem, maspreciso ir até a cozinha ver se a águapara nosso chá já ferveu." - disse elagentilmente enquanto se levantava.Ambos os cavalheiros acompanharamseu movimento, levantando-seligeiramente das poltronas enquantoarqueavam o dorso. Em seguidasentaram de novo, olhando um para ooutro satisfeitos por reconhecerem um

semelhante.O senhor Albert havia trazido consigouma pasta volumosa, que estava em suasmãos. Aproveitando-se do momento emque a senhora Sarah esteve ausente dasala, virou-se para o amigo, mostrando apasta negra:"Preciso pedir-lhe um enorme favor.Mas se o que vou pedir-lhe estiver forade seu alcance, avise-me e entenderei.""Meu amigo, por ti faço e farei qualquercoisa." - respondeu gentilmente o senhorIsaiah."Aliás, já estava ficando bem curioso arespeito dessa pasta, que o senhor nãolarga um minuto." - aproveitou paraprovocar o amigo.

Einstein deu um sorriso forçado masvoltou a ficar sério rápido. Ele sabia dagravidade do problema."Muito obrigado por se colocar àdisposição tão prontamente. Para mim,sua amizade é de um enorme valor."Fez uma rápida pausa para respirarfundo e continuou:"Ocorre que esta pasta contémdocumentos sobre um trabalho científicoque desenvolvo há vários anos. Mas elanão pode mais ficar na Alemanha. Háperigosos boatos sobre este trabalho eas pesquisas que fiz em campo. Tenhofeito algumas perguntas e trocado idéiascom nossos antigos amigos e sei que osboatos estão partindo de nossos colegas

da Academia Olímpia.""Academia Olímpia! Há quanto temponão escuto esse nome ..." - emocionou-se o senhor Isaiah enquanto seus olhosbrilhavam."Mas e os boatos? São verdadeiros?" -perguntou o senhor Isaiah com certo arde camaradagem, como quem de fato jáconhecia a capacidade do amigo delonga data. A resposta foi exatamenteaquela que ele esperava."Temo que sim, meu amigo." - Einsteinrespondeu sorrindo, como quem ficousem graça. Uma de suas característicasera ser humilde em relação ao própriotrabalho. Fez uma breve pausa econtinuou:

"Mas tem mais. Tenho receio de quecaia em mãos erradas. No final daGuerra Mundial foi fundado naAlemanha, ainda em 1919, um partidochamado National SozialisticheDeutsche Arbeits Partei. O povo temassociado as primeiras sílabas deNational e de Sozialistiche formando apalavra Nazi. Seus participantes têmsido chamados, portanto, de nazistas.Com forte apelo popular, tudo indicaque nos próximos anos os nacional-socialistas vão crescer no país. Setomarem o poder, só Deus sabe o queacontecerá. E se utilizarem estes planos,poderão desenvolver em pouco tempouma potente arma que os tornariavirtualmente invencíveis."

"O que está me dizendo é horrível,Albert." - disse o senhor Isaiah,boquiaberto. E continuou:"O senhor, que se declara pacifista,projetou uma arma invencível?" Semprebem-humorado, Einstein respondeu:"Arma invencível é esse vatapá compimenta." Ambos riram bastante.Einstein, novamente sério, continuou,porque sabia que devia uma explicaçãomelhor:"Não é bem isso, meu caro Isaiah." -disse Albert pacientemente a seu amigo.Ele sabia que o amigo havia estudadociência por imposição de sua família.Mas a natureza prevaleceu e pouco apouco ele foi perdendo o interesse peloque estudara. O amigo então se dedicou

à religião, e portanto aquelas palavraspodiam ser mal interpretadas. Deveriahaver muito cuidado com elas."Isaiah, veja bem. Os planos que estãonesta pasta não têm cópia. Este estudoeu desenvolvi em segredo e trata-se deuma tecnologia que hoje ainda nãoexiste. Consegui comprovar emlaboratório muito do que desenvolvi nateoria e quase posso garantir que atecnologia é viável. Mas, se cair emmãos erradas, pode sim ser aplicadapara tornar-se uma arma terrível, quepor sua vez pode tornar invencível oexército que a desenvolver.""Entendo." - assentiu o senhor Isaiah,com a cabeça, bem devagar.

"Fique tranqüilo, Albert. Não vouquestionar seu projeto, pois entendoperfeitamente suas razões. Deixe aquisua pasta, este país está muito longe dosconflitos europeus e seu segredo ficaráseguro comigo. Se algum dia eu temerpor ele, entro em contato contigo paraque providencie o resgate de sua pasta."Percebendo a volta da senhora Sarah,mudaram rapidamente de assunto evoltaram a falar do tal vatapá compimenta. Ela entrou na sala com umabandeja com três xícaras e um bule.Deu uma xícara a cada um doscavalheiros e separou uma outra para simesma. Derramou a água quente dentroda xícara do convidado e, com um levee doce sorriso, perguntou apenas:

"Diga-me o quanto estiver bom, HerrEinstein."O ambiente era muito agradável. Asjanelas com cortinas brancas filtravamlevemente a luz do sol deixando oambiente claro e alegre naquele fim detarde. Não havia nenhum luxo ali, masos sofás e poltronas eram muitoconfortáveis. Espalhados pelo ambiente,havia inúmeros símbolos judaicos queconfirmavam o caráter religioso doanfitrião.Enquanto a senhora Sarah enchia asxícaras com água quente, a sala adquiriao odor característico do chá preto. Avisita continuou com muita cordialidadeentre os três amigos. Era muito bomrecordar os bons tempos da juventude. A

verdadeira amizade, Einstein sabia, eraaquela que vinha ainda dos bancosescolares. Agora que ele era umacelebridade, as pessoas se aproximavamdele apenas por interesse. Depois quefoi agraciado com o Prêmio Nobel,muito mais ainda pelo dinheiro. Estar alicom verdadeiros amigos era um prazerao qual ele já não estava maisacostumado. Entre eles, no entanto, opassado guardava alguns segredosdifíceis de ocultar.Einstein casou-se duas vezes. Aprimeira com a matemática SérviaMileva Maric (1875 -1948). Ela foi acolega, companheira e finalmenteconfidente de Einstein: o grau departicipação em suas descobertas é alvo

de controvérsias até hoje. Mileva nasceuem Titel, no seio de uma famílía servia.Durante seus primeiros anos nauniversidade ela foi aceita por NikolaTesla como estudante de matemática.Em 1986, entrou na Politécnica FederalSuíça como a única estudante do sexofeminino. No mesmo ano, Einsteininiciou ali seus estudos. Einstein eMaric se apaixonaram, tiveram umafilha, Lieserl, e se casaram em seis dejaneiro de 1903.Após o casamento, Mileva sacrificousuas metas profissionais, priorizando acarreira de Einstein. Ela entrou na vidade Einstein em um período crucial desuas conquistas científicas. Tiverammais dois filhos além de Lieserl, que

morreu ainda na infância, e sobre quemhá suspeitas de ter sido adotada. HansAlbert, o filho mais velho, tornou-seprofessor de engenharia hidráulica naUniversidade da Califórnia, Berkeley. Ooutro filho era psicótico, e Milevacuidou dele até sua morte, em 1948.Einstein admirava a independênciaintelectual e a ambição de Mileva.Disse, certa vez, que teve sorte em acharMileva, "uma criatura que é meu igual eque é forte e independente como eu sou".No entanto, eles se divorciaram em 14de fevereiro de 1919, após o crescentedesgaste do casamento. Talvez aindanão fosse a hora da "grande paixão".Como consolo, Mileva acabaria ficandocom o dinheiro que Einstein ganhou com

o Prêmio Nobel, em 1921.Einstein deixou Mileva por outramulher. Casou-se com sua prima Elsa,com quem viveu até sua morte em 1936.Elsa possuía uma beleza clássica e,segundo os historiadores, soube mantera vida privada de Einstein em perfeitaordem, mesmo antes de se casarem. Noentanto, ele teria comentado em 1952:"Até agora tudo bem. Eu sobrevivi àAlemanha nazista e a duas esposas."Einstein era dado a romances com seuscontatos femininos e alguns anos antesdo divórcio de Mileva, uma outramulher o abalou profundamente. O quenão é muito difundido é quem seriaaquela mulher. Mas os três que tomavam

chã naquela sala do Rio de Janeirosabiam muito bem quem ela era.

CAPÍTULO III Quem apresentou Sarah a Isaiah foi opróprio Einstein, logo após os temposde faculdade, ainda na Alemanha.Naquele tempo não havia nada entreeles, apenas uma sadia amizade. Masdespertou em Sarah um sentimento porEinstein que era diferente de simplesamizade. Da mesma maneira, no jovemIsaiah despertaria também o mesmo tipode sentimento por Sarah, e estavaformado o triângulo amoroso. Isaiah,ingenuamente ou talvez até por ser umgenuíno cavalheiro, fingia não saber queSarah havia tido um caso amoroso com

Einstein. Esperto, percebeu isso logonos primeiros olhares.Sarah, na verdade, havia se cansado delutar contra a dedicação excessiva deEinstein ao trabalho e às suas teorias.Era o ano de 1905, que depois seriaconsiderado o Ano Miraculoso deEinstein. Obcecado por suas novas erevolucionárias idéias, naquele ano suamente produtiva lançou três de suasprincipais teorias, entre vários outrostrabalhos. Aquilo foi demais para Sarah,totalmente deixada de lado por Einstein."Se ao menos fosse interesse por outramulher, eu poderia lutar por ele. Masnão posso fazer nada contra umfantasma." - ela se lamentou para umaamiga quando precisou desabafar.

Apaixonada e carente de atenção, Sarahnão conseguiu competir com o desafiointelectual de Einstein que, afinal decontas, ainda era um homem casadonaquela época. Ela ainda, vez por outra,se encontrava com Einstein, e tentavadesesperadamente despertar seuinteresse, fingindo estar desinteressada.Ao contrário do resto do mundo, Sarahera a única que não comemorou osucesso dos projetos de Einstein naqueleano. Foi aí que o jovem Isaiah percebeusua chance.Mas o destino pregou-lhe uma peça e fezcom que se apaixonasse perdidamentepor Sarah. A paixão da mulher que eleamava por Einstein começou aincomodá-lo e, com muita delicadeza,

soube pouco a pouco afastar-se doamigo. De fato, com os anos se viramcada vez menos. Então veio a PrimeiraGuerra Mundial e o útil uniu-se aoagradável: resolveram emigrar daAlemanha para um local distante.Alheio a tudo isso, Einstein apenas selamentaria da ausência dos dois amigos,e nos anos que se seguiram focaria cadavez mais seu trabalho, cujo sucesso teveinício no Ano Miraculoso, em 1905.No primeiro de três documentos,Einstein examinou o fenômenodescoberto por Max Planck de acordocom o qual a energia eletromagnéticaera emitida em quantidades discretas. Aenergia do quanta era diretamenteproporcional à freqüência da radiação.

Isso parecia contradizer a teoriaeletromagnética clássica, baseada nasequações de Maxwell, e as leistermodinâmicas, que admitiam queaquela energia eletromagnética consistiaem ondas que poderiam conter qualquerquantia pequena de energia. Einsteinutilizou a hipótese do quantum de Planckpara descrever a RadiaçãoEletromagnética da luz. Aliás, MaxPlanck formulou com sua lei o que seriao comportamento de corpos negros (emfísica um corpo negro é um objeto queabsorve toda a luz que cai sobre ele:nenhuma luz passa através dele, nem érefletida. Apesar do nome, corposnegros realmente emitem radiaçãotérmica, como a luz por exemplo). Não

seria justo deixar de mencionar que otermo corpo negro foi introduzido porGustav Kirchhoff ainda em 1862, e que aluz emitida por um corpo negro échamada de radiação de um corponegro. Essa teoria se tornaria maispopular ainda no século XX, com osburacos negros.O segundo trabalho de Einstein em 1905propôs o que é chamado hoje de TeoriaEspecial da Relatividade. Ele fundou anova teoria em uma re-interpretação doprincípio clássico da relatividade, istoé, que as leis da física devem ter amesma forma em qualquer referencial.Como uma segunda hipótesefundamental, Einstein assumiu que avelocidade da luz permanece constante

em todos os referenciais, como requer ateoria de Maxwell. No mesmo ano,Einstein mostrou como massa e energiasão equivalentes. Esse princípio émostrado pela fórmula E = mc2, ou seja,se multiplicarmos a massa de um corpoqualquer pela velocidade da luz aoquadrado, obteremos a energiaequivalente. Isso é de conhecimentogeral, ou pelo menos daqueles queprestaram um pouco de atenção às aulasde física no ensino médio. Mas o quepouca gente sabe é que, de acordo com ohistoriador de matemática UmbertoBartocci, da Universidade de Perugia, afamosa equação foi publicada dois anosantes por Olinto de Pretto, um industrialde Vicenza, Itália. No entanto isso não

costuma ser lembrado pois, mesmo queOlinto de Pretto tenha feito isso, foiEinstein quem conectou a fórmula com aTeoria da Relatividade. De qualquermodo a maioria dos cientistasconsiderou essa teoria apenas comomais uma curiosidade até a década de1930, quando os problemas de energiacomeçaram a rondar o globo. O petróleoera adotado como força motriz global,devido, entre outros fatores, àpopularização dos automóveis. Acrescente utilização dessa fonte deenergia por todos os níveis industriaisfoi mais rápida do que a capacidade decrescimento de sua produção. A palavraenergia começou a sair lentamente doslivros de física para ser inserida no

vocabulário popular. De fato, poucasdécadas depois já havia discussõessobre o assunto nos jornais. Hoje em diaa discussão é diária.Einstein não foi o primeiro a proportodos os componentes da TeoriaEspecial da Relatividade. Suacontribuição foi a de unificar as partesimportantes da mecânica clássica e ateoria eletrodinâmica de Maxwell.Alguns desavisados costumam dizer:"Einstein disse que tudo é relativo."Não é verdade, como já ditoanteriormente. Para seu trabalho, eleadmitiu que a velocidade da luz éconstante em qualquer ambiente. Aliás,muitos cientistas têm tentado quebrar

essa regra, mas sem sucesso até hoje.Einstein recebeu o Prêmio Nobel em1921, mas não por seu mais famosotrabalho, a Teoria da Relatividade. Porquestões políticas, a Academia Real deCiências da Suécia decidiu dar o prêmioa Einstein por um trabalho não tãopolêmico. Segundo a Academia,Einstein ganhou o prêmio por suaexplicação dos efeitos fotoelétricos epor "suas contribuições para a FísicaTeórica".O terceiro dos principais documentos deEinstein em 1905 foi sobre mecânicaestatística. O cientista estava mesmomuito a frente de seu tempo. Muitas desuas teorias só puderam sercomprovadas em laboratórios décadas

depois de formuladas. Esses foram ostrês trabalhos oficiais divulgados. Nãoexiste, entretanto, nenhuma estatísticasobre esboços ou trabalhos que Einstein,por conveniência, não tenha tornadooficiais. Mas sabe-se que não apenas em1905, mas por vários anos, Einsteintenha trabalhado sempre com muitoafinco.Cientista que começou a galgar a famamundial a partir daquele ano, Einsteinteve contato com vários expoentesmundiais, muitos cientistas como ele.Desse contato certamente surgiram boasidéias e talvez o que Einstein apresentoude melhor foi a enorme capacidade decatalisar idéias.Não se sabe exatamente o por que, se foi

o reencontro com Sarah ou se foi pordeixar tão pesado encargo com seupacífico amigo mas, após a visita enaquela mesma noite, Albert Einsteinteve uma crise nervosa. Apesar de serum homem discreto e apesar dadiscrição de sua comitiva, esse fatoacabou chegando à imprensa local. Estanoticiou seu problema durante a viagem,e que o obrigou a adiar a visita àCalifórnia, nos Estados Unidos. Essaspublicações podem ser encontradasainda hoje em fac-símiles de jornais daépoca.

CAPÍTULO IV Subitamente um berro fez com que osenhor Isaiah voltasse abruptamente àrealidade."Schnell!""Rápido!" - repetiu o alemão, agora emportuguês. Como se a mudança de línguapudesse fazer com que o velho andassemais rápido."Nós já passamos por aqui!" - berrounovamente o alemão."Desculpe-me, senhor. Minha memóriajá não é mais a mesma." - disseseriamente o senhor Isaiah.

O agente, resignado, apenas cerrou ospunhos, respirou fundo e resolveuaguardar mais um pouco.Porém na mesma velocidade que apaciência do agente alemão ia seesgotando, o senhor Isaiah tambémperdia a esperança de que algum agenteamericano chegasse a tempo à sua casa.Seu amigo Einstein manteve contato nosanos seguintes àquele encontro e dera-lhe seu novo endereço nos EstadosUnidos. Conforme o combinado, tãologo começou a Segunda GuerraMundial, o senhor Isaiah não achouprudente ficar com os planos de Einsteine escreveu a este, solicitando seuresgate.De fato, em 1939, Albert Einstein

escreveu para o presidente dos EstadosUnidos, o senhor Franklin DelanoRoosevelt. Já naquela época, prevendoo que ia acontecer, Einstein pediu pelaconstrução da bomba atômica, aindapouco mais do que uma teoria. Namesma carta, disponível em sites dainternet, percebe-se uma dúvida deEinstein. Ele não sabia se seria possíveltransportar a bomba via aérea, poistemia que o artefato fosse pesadodemais. Essa questão em especialintrigou Roosevelt e fez com queEinstein acabasse por revelar aopresidente americano detalhes de seuprojeto deixado catorze anos antes noRio de Janeiro, que poderia ajudar aresolver o problema. O projeto também

traria outras vantagens como transportarmais rápido e mais longe.Por considerarem o Brasil um localseguro e por não estarem diretamenteenvolvidos na guerra, os americanosdecidiram não fazer nada naquelemomento em relação aos documentos doRio de Janeiro. Além disso, não erapossível investir em dois projetos tãodistintos. Focariam a construção dabomba atômica ou o desenvolvimento doprojeto que estava no Rio de Janeiro.Não se sabe se foi apenas porproblemas com o orçamento ou se o fatode não haver uma cópia do projeto comEinstein também influenciou a decisãofinal. Mas após longos debates, o altocomando americano, com envolvimento

do próprio Roosevelt, decidiu que aarma a ser desenvolvida seria a bombaatômica e que o projeto no Rio deJaneiro teria que esperar. Como se sabehoje, o desenvolvimento da bombaatômica se tornou o super secretoProjeto Manhattan.O que chama a atenção, no entanto, é otempo decorrido entre a carta deEinstein e a primeira explosão atômica.Anos se passaram e hoje é consensoentre muitos historiadores que isso sedeve ao fato de que os americanos - eseus aliados - achavam que os alemãesestavam muito longe daquela bomba. Naverdade acreditavam que, devido aosproblemas técnicos e ao alto custo, osalemães nem deveriam estar

pesquisando tal arma. Isso, no entanto,durou até 1943, quando Niels Bohr fugiuda Dinamarca ocupada para a Inglaterrae contou aos aliados sobre um encontroque tivera com Heisenberg, líder dapesquisa atômica alemã. Segundo Bohrpôde entender, os alemães estavamfocados no desenvolvimento da bombaatômica e estariam sim próximos deobtê-la. Essa declaração teriahorrorizado os líderes aliados que,então, tornaram o Projeto Manhattanprioridade máxima.Mas o fato é que os cientistas alemãesinformaram o então responsável nazistapor armamentos, Albert Speer, que nãoteriam a bomba em menos de algunsanos. Speer, no verão de 1943, deu

permissão para o uso de núcleos deurânio em munição de núcleo resistente.Muito depois da guerra, apresentou emsua biografia: "A liberação por mim denossos estoques de urânio, de cerca demil e duzentas toneladas métricas,mostrava que não mais pensávamos emproduzir bombas atômicas".Mas Niels Bohr não sabia disso e, emsuas memórias - que até hoje não foramtotalmente liberadas por sua família -expõe uma mente atormentada comosendo indireta mas decisivamenteculpada pelas explosões atômicas.Com efeito, às 05h29m45s de 16 dejulho de 1945, em uma madrugadachuvosa, os Estados Unidos explodiramo primeiro artefato nuclear da história,

conhecido como Gadget. Aquele foi oobjetivo atingido pelo ProjetoManhattan, que visou desenvolver econstruir armas nucleares. JuliusOppenheimer dirigia um grupo decientistas americanos e de refugiadoseuropeus em Los Alamos, Novo México.Na ocasião, Oppenheimer citou umtrecho do Bhagavad Gita, quandoVishnu procura convencer o príncipe acumprir seu dever e para isso toma suaforma de muitos braços:'Agora, tornei-me a morte, o destruidordos mundos."Sobre o experimento em si,Oppenheimer disse ainda:"Esperamos até que a explosão

passasse, saímos do abrigo e depois eratudo muito solene. Sabíamos que omundo nunca mais seria o mesmo.Alguns riram, outros choraram. Muitospermaneceram calados."A bomba de Alamogordo era compostade duas pequenas bolas de plutônio,recobertas por níquel e em cujo centroestava um núcleo de berílio e urânio. Ospreparativos finais, que incluíam amontagem do núcleo de plutônio, nãoficaram prontos no prazo. Com isso aequipe foi obrigada a adiar o teste doconcorrido quatro de Julho - data daindependência dos Estados Unidos -para o dia doze de julho.A explosão experimental aconteceu nomeio do deserto do Novo México, a

cerca de cem quilômetros da cidade deAlamogordo. A região deserta erahabitada apenas por formigas eescorpiões.Sem dispor de dados antecedentes, oscientistas foram colocados a umadistância então considerada segura doepicentro da explosão, a trinta e doisquilômetros. Câmeras e instrumentos demedição, ligados por oitocentosquilômetros de fios e cabos, foramcolocados a distâncias variando de novea dezoito quilômetros do ponto daexplosão.O Projeto Manhattan foi considerado omais ambicioso projeto norte-americanodurante a Segunda Guerra. Seu auge foia explosão de Alamogordo. O projeto

levou esse nome por estar ligado aoDistrito de Engenharia de Manhattan doUS Army Corps of Engineers e porqueboa parte da pesquisa inicial foirealizada em New York. Esse projetolevou mais de seis anos e consumiu 1,8bilhões de dólares - agosto de 1945 /valor atualizado após cinqüenta anos -vinte bilhões de dólares - e teve 150 milpessoas envolvidas. O general LeslieGroves, do Army Corps of Engineers,que tinha sido o responsável pelaconstrução do edifício do Pentágono emWashington D.C., foi o comandantemilitar do projeto. O processo maisimportante, no entanto, foi desenvolvidodentro dos meios acadêmicos. NaUniversidade de Chicago, em Stagg

Field, outro célebre cientista, EnricoFermi, conseguiu executar uma reaçãocontrolada.Em relação ao projeto em si, antes demais nada, sabia-se que o programa deenriquecimento de urânio teria que serdesenvolvido primeiro, somente depoisdisso um artefato militar poderia serconfeccionado. O local para esseprocesso, que é baseado em difusãogasosa, foi Oak Ridge, no Tennessee,que utilizava a energia elétrica da TVA -Tennessee Valley Authority. Daí emdiante, foram vinte e sete meses até oteste, muito menos que os quatro anosavaliados inicialmente.A carga necessária de plutônio foi

produzida em Hanford, no estado deWashington. Com o sucesso dos testesem laboratório, a procura por um localapropriado de teste de campo finalmentecomeçou, em maio de 1944. Eranecessário um lugar plano, isolado ecom bom clima. Tal local deveria estara uma distância razoável de Los Alamos.Oito lugares em quatro estados do oesteamericano foram visitados. Um deles foio Vale de Jornada dei Muerto, queficava dentro da área da base deAlamogordo, no Novo México, queestava sob controle do governoamericano. Não apenas cientistas, masmulheres e crianças passaram a viverali. Ao sul de Los Alamos, uma área foiescolhida e denominada secretamente de

Trinity. A casa do rancho de GeorgeMcDonald foi reformada para ser olaboratório de campo. Uma torre pré-fabricada de aço foi levantada no pontozero do campo de Trinity. Para acionara bomba, havia explosivos e 32detonadores. A primeira bomba atômicada história tinha uma potência de 18,6toneladas de TNT. Isso quer dizer queuma única bomba atômica eqüivalia aessa quantidade de TNT se explodidaconjuntamente.Finalmente, em doze de julho, o teste decampo foi realizado.A torre de trinta metros de altura foivaporizada sob o efeito da explosão euma cratera de quatrocentos metros dediâmetro foi aberta. Dentro dela, surgiu

um material verde e transparente,resultado da fundição dos minerais. Asubstância foi chamada trinitita, emreferência ao ponto do deserto ondeocorreu a explosão.Muitos cientistas, após o teste emTrinity, firmaram um abaixo-assinadopedindo o engavetamento do projeto,como Niels Bohr e Joseph Rotblat.Einstein se retirou do projeto dizendo seopor ao uso bélico da energia nuclear.Em maio de 1946 Einstein tornou-se opresidente do Comitê de Vigilância dosCientistas Atômicos. Ele teria ditoainda:"Eu não sei com que armas a terceiraGuerra Mundial será lutada, mas

certamente a quarta Guerra Mundial serálutada com paus e pedras."Várias empresas privadas estiveramenvolvidas no desenvolvimento dessatecnologia e a saúde de trabalhadores ea preservação do meio ambiente nãoestavam entre as prioridades. Anos maistarde as conseqüências apareceram naforma de câncer de várias espécies.Em 1944, quando os aliados já haviamtomado a maioria dos territóriosocupados pelos nazistas, descobriramdocumentos que mostravam que osalemães tentaram realmente construir abomba, mas tomaram o rumo errado emsuas pesquisas.Três horas após o teste no deserto, o

navio Indianapolis deixou o porto deSão Francisco com destino aoarquipélago das Marianas, carregandooutro exemplar da bomba. O secretárioda Guerra, Henry Stimson, foi aoencontro de Truman, que assumira apresidência americana após a morte deRoosevelt, e seu secretário de EstadoJames Byrnes, que estavam em Potsdam,Alemanha, para se reunirem comWinston Churchill, primeiro ministroinglês, e Josef Stalin, líder da UniãoSoviética.Stimson comunicou o feito obtido ebuscou o uso diplomático da bomba,enquanto Byrnes preferiu o lançamentoda bomba para desestimular os russos e,ainda, obter a rendição incondicional

dos japoneses. Hoje se sabe que osecretário de Estado impôs sua vontade.Quando a bomba dos Estados Unidos foitestada, a Segunda Grande GuerraMundial já estava encerrada na Europa eo conflito se restringia ao Pacífico -forças aliadas contra o Japão. O campode provas foi transferido do deserto doNovo México para o arquipélago doJapão com a autorização do presidenteamericano Harry Truman, que assumiu apresidência após a morte de Roosevelt,em 24 de julho de 1945, conformedeclaração oficial do governoamericano. Assim, o mundo tomouconhecimento de uma nova armaoriginada nos laboratórios de pesquisanuclear, que abriu caminho para outras

pesquisas.A bomba Little Boy foi lançada sobreHiroshima - seis de agosto de 1945 -, eoutra bomba batizada de Fat Man, caiuem Nagasaki apenas alguns dias depois -nove de agosto de 1945.No caso das bombas lançadas sobre oJapão, ventos de 644 a 965 quilômetrospor hora e poeira foram sugados paracima, criando uma gigantesca nuvem emforma de cogumelo que espalhoumaterial radioativo por uma vasta áreaadjacente. Para se ter uma idéia doimpacto, um furacão de nivel cinco(nível mais alto) atinge ventos a partirde 250 quilômetros por hora.Até hoje nunca mais foram lançadas

bombas atômicas contra alvos civis oumilitares em nenhum outro lugar domundo.O resultado de ambos os lançamentosfoi o total aniquilamento das duascidades. Mas o uso da bomba atômicaera, afinal, apenas prático. Pois essemesmo efeito poderia ser conseguidocom um bombardeio maciço porcentenas de aeronaves, como já haviasido feito em algumas cidades naAlemanha até meses antes. No entanto,se acredita que o efeito psicológico dadestruição das duas cidades foi arendição incondicional do Império doJapão.O fato é que somente após o ataquejaponês a Pearl Harbor, em sete de

dezembro de 1941, que acarretou aentrada efetiva dos americanos naSegunda Guerra Mundial, o projetosecreto de Einstein tomou importânciapara o governo americano. Até então osamericanos davam apenas suportelogístico aos países atacados pelaAlemanha, notadamente para o ReinoUnido. Mas a entrada oficial dosEstados Unidos na guerra forçou seugoverno a procurar todas as alternativaspara vencer.Com o torpedeamento de naviosbrasileiros, no início de 1942, o senhorIsaiah entrou em pânico e enviou umacarta solicitando que seu amigo Albertdesse um jeito de mandar resgataraqueles documentos de qualquer

maneira. Não era possível que aAlemanha pusesse as mãos naquelespapéis. A alternativa seria queimar oprojeto, mas conforme seu amigo mesmohavia dito: "Não há cópia".Einstein repassou toda a ansiedade doamigo para o governo americano que,finalmente, resolveu resgatar o projeto.Em Washington o alarme foi dado e umamensagem criptografada (em código) foienviada para a embaixada americana noRio de Janeiro. A ordem era para quedois agentes fossem imediatamente paraa residência dos Estelvích com objetivode recuperar o projeto secreto deEinstein. A mensagem seria enviada ànoite, hora local do Rio de Janeiro, paraque houvesse tempo para que o senhor

Einstein telegrafasse para seu amigoavisando que os papéis seriamresgatados por agentes americanos.Instado a descrever o rádio e otelégrafo, o físico Albert Einsteinrespondeu: "Você sabe, o telégrafo écomo um gato comprido, muitocomprido. Você puxa seu rabo em NewYork e a cabeça mia em Los Angeles.Entende isso? E o rádio operaexatamente da mesma forma: você enviaos sinais aqui, eles os recebem lá. Aúnica diferença é que não existe o gato".

CAPÍTULO V Do outro lado do Atlântico, depois dedois anos de guerra, havia ficado claroaté mesmo para o orgulhoso Hitler quenão seria assim tão fácil vencer tantosinimigos. Sua política desistematicamente declarar guerra a quemse opusesse contra ele já tinha colocadoum grande número de países e recursoscontra seus ambiciosos sonhos dedominar o mundo. Ele então incumbiupessoalmente uma equipe especial daGestapo de equipar seus exércitos com oque houvesse de mais avançadotecnologícamente. Hitler sabia que o

único meio de derrotar tantos exércitosinimigos era com supremaciatecnológica. A essa equipe foram dadosacessos ilimitados à informação, erecursos também ilimitados paraconseguir seus objetivos. Não demoroumuito e um agente da equipe fez contatoem Zurique com o cientista alemãoJohannes Stark, um ardoroso nazista eferrenho anti-semita. Ele fora ganhadordo prêmio Nobel de 1919 e conheciamuito bem seu colega Albert Einstein.Com o tempo, devido ao posicionamentopolítico de Stark, naturalmente aamizade com Einstein desapareceu. Aguerra começou mais ou menos quandoStark estava se aposentando de suasatividades acadêmicas. Ao se aposentar

foi então trabalhar em um rentávelemprego, em um laboratório emEppenstat, próximo a Traunstein, naBavária. Foi ali que os agentes daGestapo o encontraram."Boa tarde, Herr Doctor JohannesStark." - cumprimentou respeitosamenteo agente da Gestapo.Stark nem se mexeu. Arrogante, estavaacostumado a homens que vinham falarcom ele, sempre para pedir algumacoisa. Muitas vezes apenas dinheiro.Rico e famoso, não tinha maispreocupações em sua vida. Trabalhavaapenas para "passar o tempo".Após uma breve pausa, um dos agentesapresentou a si mesmo e a seu colega:

"Sou o agente Gunther e este é o agenteWilhelm da Gestapo."Ao ouvir aquela palavra, "Gestapo", osolhos de Stark se iluminaram. Abriu umsorriso e disse de forma prestativa:"Boa tarde, senhores. Em que possoajudar?""Estamos em uma missão especial paraajudar o esforço de guerra do III Reich.Hitler nos convocou para quedescobríssemos com nossos cientistastecnologias, ou projetos de tecnologias,que possam ser desenvolvidas eutilizadas contra os inimigos doimpério.""Minha pesquisa não tem aplicaçãomilitar, infelizmente. Lamento não poder

ajudar o esforço de guerra.""Herr Doctor, estamos cientes de suaspesquisas." - disse Gunther, parasurpresa de Stark. Continuou:"Pedimos ao senhor que colabore comqualquer informação. Talvez algumcolega ou trabalho mais antigo quepossa nos ter escapado."Stark coçou os cabelos brancos poralguns instantes e um nome veio-lheinstantaneamente à cabeça:"Albert Einstein." - disse ele."Perdão Herr Stark?""Vou explicar. Sentem-se um momento.Anos atrás, o cientista judeu AlbertEinstein trabalhou secretamente aqui na

Alemanha em um projeto que poderia terincríveis usos militares. Mais do queisso, a posse daquele estudo dariaacesso a uma arma que poderia selar odestino da guerra.""Muito interessante, Herr Doctor. Éexatamente isso que estávamosprocurando. Continue, por favor.""No entanto, segundo soube, Einsteinentregou seus planos a um amigo paraguardar, e não há cópia."Os dois agentes da Gestapoentreolharam-se confusos até que umdeles perguntou, intrigado:"Então no que isso pode nos ajudar? Osenhor tem alguma idéia ou pista paraque nós possamos tentar localizar esse

projeto?""Pelo que ouvi, Einstein teriaencaminhado a única cópia a algumamigo íntimo. Um amigo de sua totalconfiança.""O senhor teria alguma idéia de quemseria esse amigo?""Certamente não sou eu!" - disse issosoltando uma gargalhada.Os agentes se entreolharam novamente,não entendendo bem o estranho senso dehumor do cientista, pois para eles oassunto era muito sério.Stark parou de rir e então coçounovamente os cabelos brancos, e outronome veio à sua cabeça. Um nome queele não ouvia nem dizia há muitos anos,

na verdade, há várias décadas:"Academia Olímpia.""Academia Olímpia?" - perguntounovamente o mesmo confuso agente."Sim, é uma associação que o próprioEinstein fundou. Dali saíram alguns deseus mais fiéis amigos. Não tenhodúvida alguma de que Einstein deixouseu projeto com alguém que pertenceu àAcademia Olímpia. E tem mais:naturalmente, devido a sua posiçãototalmente contrária a nós, eu procurariapor alguém que tenha, como o próprioEinstein, emigrado. É o que eu faria nolugar dele. Entregaria o projeto a alguémque estivesse o mais longe possível daAlemanha. Achem a pessoa e acharão o

projeto.""O senhor sabe onde podemos encontraressa Academia?""Não se trata de uma academiapropriamente dita. Era um grupo dediscussões formado por Einstein e seusamigos, entre eles Maurice Solovine eConrad Habicht. Desses nomes melembro bem, mas sei que havia outros.Einstein formou essa academia quandomorava em Berna, na Suíça. Segundosoube, as discussões ali foram muitoúteis para formular alguns de seusprincipais pensamentos e teorias.""Então o senhor acha que devemosprocurar esses dois homens? Talvez elesnos levem até outros participantes."

"Certamente é um começo." - respondeuStark."Em nome do III Reich, gostaríamos delhe agradecer imensamente.""Não há nada que eu não faça comprazer pelo sucesso ariano." - disseStark, com um brilho nos olhos.Os dois agentes colocaram-se de pé efizeram a saudação nazista para Stark.Este ia responder à saudação, mas dissede repente:"Esperem. Acho que tenho mais algumacoisa para ajudar. Dos tempos queEinstein e eu éramos amigos."Os dois agentes desfizeram a saudação eolharam um para o outro com cara de "o

que será?" enquanto Stark os deixavasozinhos no escritório.Após alguns minutos Stark voltou:"Vejam, a última carta que Einstein meescreveu. Não sei por que a guardei,mas agora tem uma validade muitogrande. O endereço de Einstein emBerna: Kramgasse-49."Desta vez a saudação nazista foirespondida com empolgação e os trêshomens se despediram.Os dois agentes, dali mesmo, partiramem direção da fronteira com o paísvizinho, a Suíça.

CAPÍTULO VI Cercada por todos os lados - pelaspotências do Eixo ou por territóriosocupados por ela - a Suíça mesmo assimtentou manter sua tradicional política deneutralidade. Isso era um tanto difícilpor numerosas razões incluindo o fatobásico de que a maior parte dosalimentos e combustíveis tinha que serimportada por aquele país. Assim, emnove de agosto de 1940, a Alemanha e aSuíça assinaram um acordo comercialque garantiria o fornecimento para aSuíça de matéria-prima, incluindocarvão e ferro. Em retorno, a Suíça

concordou em permitir que os alemãestransitassem livremente através de seuterritório para trazer bens da Itália. Aferrovia suíça transportava carvão, açoe produtos agrícolas entre as potênciasdo eixo.A despeito de que os Aliados criaramuma lista negra contendo as firmas quenegociavam com o Eixo, a Suíça vendeupara o Eixo e seus aliados, entre outrosprodutos, instrumentos de precisão,fusíveis, relógios e relógios de precisão.E os bancos suíços, que ofereciam umrefúgio seguro e confiável paradepósitos estrangeiros, aumentaram seusfundos durante a guerra, recebendocarregamentos de ouro da Alemanharegularmente. Ouro este que, até hoje, é

alvo de polêmica.Havia também outras conexões com oEixo. De acordo com um historiador, aofinal de 1944 estimava-se que osinvestimentos e contas alemãs na Suíçatotalizavam nada menos que seiscentosbilhões de francos suíços.Em contas particulares estimava-se quehavia mais de quinhentos milhões defrancos suíços. Essas contas eram fáceisde acobertar uma vez que o Ato deSigilo permitia aos bancos suíços a nãodivulgação dos reais donos das contasnumeradas. Esse tão famoso sigilobancário suíço vem dos temposimediatamente anteriores à SegundaGuerra Mundial. Logo que os nazistassubiram ao poder baixaram uma lei que

proibia, sob pena de morte, quequalquer alemão tivesse contas nãodeclaradas no exterior. "Mesmo que nãopropositalmente", segundo a mesma lei.Ocorre que em 1934 a Alemanha nazistacondenou à morte três alemães quetinham contas na Suíça. As autoridadessuíças então decidiram que deviam terleis que garantissem o sigilo bancáriopara proteger correntistas suíços. Com aameaça de prisão para qualquerbanqueiro que violasse o sigilobancário, o governo suíço impôs ummecanismo de bloqueio contra aspretensas leis extraterritoriais de seusvizinhos fascistas. Isso protegeu osclientes e os banqueiros suíços, uma vezque nenhuma autoridade poderia forçá-

los a cometer um crime.Durante a guerra a Suíça foi o centro debatalhas de inteligência entre o Eixo eos Aliados. A contra-espionagem suíçaprendeu 387 espiões, a maioria suíços,mas incluindo cem alemães, que foramlevados a julgamento, e dos quaisdezessete foram executados.A Suíça, conhecida como tendo umalonga história humanitária e cercadapelo Eixo, era o paraíso para osrefugiados durante a guerra. Em maio de1945 existiam cento e quinze milrefugiados, pessoal militar eprisioneiros que haviam escapado daguerra em campos suíços. Juntando-setodos havia ao redor de quatrocentos milrefugiados e emigrantes que estavam ou

passaram pelo país.Após a tomada de poder por AdolfHitler em 1933, as expressões de ódiopor Einstein atingiram um novo patamar.Ele foi acusado pelo regime NacionalSocialista de criar "física judia" emcontraste com a "física alemã" ou físicaariana. Físicos nazistas - notadamenteganhadores do Prêmio Nobel, comoJohannes Stark e Philipp Lenard -continuaram a tentar desacreditar asteorias de Einstein e a incluir em umalista negra política os físicos alemães,incluindo os que os ensinaram - tal comoWerner Heisenberg. Einstein já tinha idopara os Estados Unidos, onde foi dada aele residência permanente. Ele aceitouum cargo no recém fundado Instituto de

Estudos Avançados em Princeton, noestado de New Jersey nos EstadosUnidos. Ele acabaria se tornandocidadão americano em 1940 apesar denunca ter renunciado à cidadania suíça.Ironicamente, Einstein não estariaseguro de perseguições políticas aoemigrar para os Estados Unidos. Ali eleteve estreito contato com comunistas e,por isso mesmo, foi alvo de extensainvestigação por parte do FBI, o serviçosecreto americano. Einstein foi membro,patrocinador ou afiliado de 34organizações comunistas entre 1937 e1954. Ele também foi presidentehonorário de três delas.O acesso à Suíça era muito fácil paraagentes alemães. Em Berna os agentes

da Gestapo Gunther e Wilhelm nãoperderam muito tempo. Lá descobriramalguns documentos que comprovavam aexistência da Academia Olímpia.Também puderam pegar a lista total departicipantes. Após algunsinterrogatórios, o nome do amigo deinfância de Einstein, Isaiah Estelvich,naturalmente se encaixou nas condiçõesprevistas por Stark. Ele foi apontado porvárias testemunhas como o "amigo fiel".Faltava apenas descobrir seu paradeiro.Os dois agentes enviaram para todos osescritórios e repartições do governoalemão, no mundo todo, uma ordemprioritária de busca por esse cidadão.Não demorou muito e uma repartição deemigração da Alemanha respondeu que

aquele homem e sua esposa Sarahhaviam emigrado para a América do Sulem 1920. Mais precisamente, partiramem um vapor para a cidade do Rio deJaneiro, então capital federal do Brasil.Mas as informações paravam aí. Nãohavia mais nenhum dado referente aIsaiah Estelvich ou sua mulher após oano de 1920. Por um ou dois dias oassunto ficou parado nas mesasburocráticas da Gestapo, mas pouco apouco galgou posições dentro daorganização até que o assunto fosseparar nas mãos do chefe daSchutzstaffel-Leibstandarte, a guardapessoal de Hitler, o temívelReichsführer Heinrich Himmler.

CAPÍTULO VII "Excelente!" - comemorou Himmler emseu escritório enquanto ajeitava aslentes redondas de seus óculos."Esse é um trabalho para nosso melhoragente." - calculou ele enquantoesfregava impacientemente seus dedossobre seu pequeno e bem cuidadobigode. Voltando-se para seu interfone,ordenou:"Fraulein Gertrude, localize e mandechamar aqui o coronel Franz von Wiesenimediatamente."Do mesmo aparelho voltou uma voz

abafada: "Sim, senhor."Após alguns minutos a mesma vozabafada quebrou novamente o silênciodo escritório:"Herr Himmler, o coronel encontra-seem missão na França, próximo dafronteira com a Alemanha. Pegará opróximo transporte e deverá seapresentar amanhã, assim que possível."Himmler não respondeu. Soltou umgrunhído que não podia ser ouvido naante-sala ocupada por sua secretária econformou-se em esperar mais um dia.Na verdade ele sabia que Von Wiesendevia estar em missão na França, poisseguia sua carreira de perto.Inicialmente foi uma sugestão do próprio

Hitler, mas com o tempo Himmlerencontrou em Von Wiesen um eficientecumpridor de ordens.Mas de fato, no dia seguinte,apresentava-se no escritório de Himmlerum alemão alto, loiro e de porte atlético.Que contraste em relação ao próprioHimmler que, de tão magro, emcomparação com o coronel Franz vonWiesen parecia até raquítico. Ao entrarele não disse nada. Colocou-se emposição de sentido e fez uma saudaçãonazista. Himmler não se levantou elimitou-se a responder sentado àsaudação. Mas os olhos de Himmlerbrilhavam atrás de seus óculos. Foidiretamente ao assunto:

"Franz, tenho uma missão muitoimportante. Quero que pegue umsubmarino e vá até o Rio de Janeiroresgatar importantes papéis a qualquercusto".Von Wiesen ficou confuso com tantasinformações sendo jogadas ao mesmotempo e perguntou:"Rio de Janeiro, Herr Himmler?""Sim, fica na América do Sul, na capitalfederal do Brasil.""Sem dúvida, Herr Himmler. Sei ondefica. Mas posso saber do que tratamesses papéis tão importantes?""São a chave para a nossa vitória, para avitória do III Reich."

Von Wiesen ainda não havia entendidopor quê um projeto tão relevante - se éque era tão importante assim - estariaem um país tão distante e tão semimportância."Desculpe, Herr Himmler. Nãocompreendo."Himmler, por outro lado, não tinha muitapaciência para explicar os detalhes. VonWiesen teria que deduzir muitas coisaspor conta própria."Einstein, Franz. É o projeto do próprioEinstein que nos permitirá desenvolveruma super arma."Von Wiesen, instruído, sabia exatamentequem era Einstein. Estava surpreso comtudo aquilo mas também estava ali para

seguir ordens. Enquanto Von Wiesententava desesperadamente colocar asidéias em ordem, Himmler apertounovamente o botão de seu interfone eordenou:"Fraulein Gertrude, chame o doutor."A mesma voz abafada e a mesmaresposta:"Sim, senhor."Himmler virou-se para Von Wiesen quecontinuava em posição de sentido, efinalmente convidou-o para se sentar.O doutor trabalhava naquele mesmoprédio e havia sido designado pelopróprio Himmler como gestor da buscapor novas tecnologias. Ao chamar Von

Wiesen, Himmler havia pedido a ele quepreparasse um dossiê sobre Einstein.Em questão de minutos entrou na sala umsenhor de meia-idade, cabelosligeiramente desarrumados e com óculosde lentes grossas. Não disse nada aoentrar, apenas fez uma saudação nazistasem muito entusiasmo e sem direção.Respondesse quem quisesse, e entãoninguém respondeu. Ele vestia umpesado sobretudo e, isto sim, chamou aatenção de Himmler que dissesecamente:"Doutor, não acredito que o senhorainda precise usar um casaco como esse.Estamos no meio da primavera e atemperatura está amena hoje."

"Desculpe, Herr Himmler. É o hábito.Minha família vem das montanhasalemãs mais altas, onde sempre háneve."Himmler, na verdade, não tinha o menorinteresse na explicação. Ele fazia istoporque achava que era seu dever chamara atenção de quem quer que fosse e porqualquer motivo. Demonstrou issomudando radicalmente de assunto:"Doutor, este é o coronel Franz vonWiesen, o homem que vai resgatar nossoprojeto." - disparou Himmler.O doutor esticou o braço em direção aVon Wiesen e entregou uma pasta para ocoronel, com vasta documentação. Odoutor resolveu, por conta própria, fazer

uma breve explicação sobre seuconteúdo:"Esta pasta contém tudo que pudemoslevantar sobre o cientista alemão AlbertEinstein e..."Nesse momento foi imediatamenteinterrompido por Himmler, queesmurrou sua mesa. Ele cuspia em vezde falar:"Ele não é alemão! É judeu!"Assustado com a reação de seu chefe, odoutor emendou:"Desculpe, Herr Himmler. O senhor temtoda razão. Eu quis dizer que temos todadocumentação desse cientista, desde ostempos que morava na Alemanha até suavida atual nos Estados Unidos, incluindo

sua passagem pela Suíça."Von Wiesen examinou por alto adocumentação enquanto Himmler já ointerrompia:"Isso é tudo, coronel. O senhor examineesses papéis depois, durante sua longaviagem. O senhor deve apresentar-seimediatamente neste porto."Von Wiesen recebeu das mãos deHimmler um papel em que estava escritoo nome de uma cidade costeira francesaque ele não conhecia: Lorient. Nomesmo papel estava também escrito:"Comando Naval Alemão. ComandanteRainer Winter."Ele imediatamente fechou a pasta e

levantou-se fazendo com que seu corponovamente se parecesse com uma tábua.Fez a saudação nazista para Himmlerque foi respondida, como sempre,impacientemente. Era outro cacoete deHimmler que queria sempre mostrar atodos que "o estavam atrapalhando".Como se isso ajudasse a mostrar suasuperioridade.Von Wiesen acenou com a cabeça para odoutor e saiu da sala. Himmler sorriusatisfeito enquanto dispensava também odoutor. Ele não via a hora de dar asboas novas para o próprio Hitler.

CAPÍTULO VIII No início de 1942 o Brasil rompeurelações diplomáticas com os países doEixo. No entanto, isso não fez a menordiferença no decorrer da guerra. OsEstados Unidos, por exemplo, nuncadeclararam guerra à Alemanha.Para o Brasil, que ainda não estava emguerra, o rompimento era uma formapolítica de protesto. Ao contrário do quemuitos pensam, não foram submarinosamericanos que afundaram naviosbrasileiros. Durante aquele ano o Brasilfoi duramente castigado. Vários naviosforam afundados por submarinos

alemães e por pelo menos um submarinoitaliano, o que causou a perda de muitasvidas e de valiosas cargas, normalmenteexportadas para países em guerra etambém para os Estados Unidos.Em 25 de abril de 1942 - em um portomilitar chamado Lorient, na Françaocupada pela Alemanha nazista - oUnterwasserboot U-162 fazia umamanutenção de rotina. O submarinohavia acabado de voltar de mais umavitoriosa missão e já estava quasepronto para retornar ao mar. Na sede doComando Naval, o capitão JürgenWattenberg entrou na sala docomandante para receber instruçõessobre a nova missão. Entrou, colocou-seem posição de sentido e fez continência

militar. O homem sentado do outro ladoda escrivaninha olhou para ele,respondeu à continência e disse, comvoz cansada:"Sente-se, Jürgen. O que você estápensando? Aqui não é a SS." - disse ocomandante Rainer Winter, quase emtom de deboche.O capitão Wattenberg abriu um levesorriso e sentou-se. Sabia que alisentado estava um verdadeiro militarmas que, acima disso, era seu amigopessoal. Velhos companheiros, haviamfeito carreiras similares na Marinhaalemã. Apenas por um golpe de sorte,justamente pelo comandante terafundado importantes navios ingleses, éque foi promovido. No entanto sabe-se

que nem sempre um bom homem de açãotorna-se um bom homem administrativo."Capitão, esta missão tem três objetivos,que passo agora para o senhor nãonecessariamente por ordem deimportância." - começou seu superior aexposição daquela nova missão."O primeiro é que o senhor, como é aregra, ataque quaisquer cargueiros quenão pertençam aos países do Eixo.Conceitualmente, o Alto ComandoMilitar estabeleceu que quem não estáao nosso lado é nosso inimigo.""Sim, senhor." - afirmou o capitão, paramostrar que havia entendido a ordem."Segundo: o senhor deverá estar nascoordenadas que lhe passo neste

documento. Ali o senhor vai seencontrar com um agente local daGestapo. Uma noite antes, o senhordeverá fazer contato para avisá-lo desua chegada.""Agente local da Gestapo?" - perguntouo capitão Wattenberg, enquanto davauma rápida olhada no documento com ascoordenadas. Ah ele leu:

"Latitude 22°59,50" S Longitude43°13'05" W."Não sabia exatamente onde era aqueleponto mas calculou corretamente:"Atlântico Sul."Depois de fazer a conta e rapidamente,voltou seus olhos para o chefe, que

continuava a falar:"Sim. Então, vamos para a terceiratarefa: o senhor levará consigo um outroagente, que vai desembarcar nascoordenadas que lhe passei."O capitão Wattenberg fez uma careta,mas estava habituado a levar consigopassageiros incômodos, agentes daGestapo."Tem mais uma coisa." - prosseguiu ocomandante."Ele é um coronel." - disse solenementeRainer."Um coronel!" - repetiu o capitão."Certamente dessa vez não será umamissão de rotina, estamos falando de

algo muito especial." - calculouWattenberg."Não tenho os dados da missão doagente, mas você está certo. Desejo-lhesorte e isso é tudo." - concluiu Rainer.O capitão Wattenberg levantou-se, olhoupara o amigo e adivinhou que ele nãoqueria apenas uma despedida formal.Fez uma respeitosa continência, e emseguida estendeu o braço para receber amão de seu amigo em um cumprimentoamigável. O comandante sabiaexatamente pelo que o capitão iriapassar e os perigos que teria queenfrentar. Literalmente, perigo de morte.Como rastilho de pólvora, a notícia seespalhou rápido entre a tripulação,

deixando todos ainda mais ansiosos doque de costume.Finalmente o barco foi liberado e seucapitão, Jürgen Wattenberg, foi chamadopara embarcar. Caminhando pelo píerele observou seu barco ancorado. Olhoucom admiração aquela maravilha daengenharia. Um barco que poderianavegar por baixo da água em umambiente extremamente hostil como ofundo do mar. Uma vez submersos,navegariam guiados apenas por sonar e,quanto mais fundo descessem, maisbaixas seriam as temperaturas enquantoa pressão externa tentaria implodir oaparelho. Enquanto caminhava, ocapitão olhou para seus homensperfilados no convés. Tinha muito

orgulho deles. A única coisa que oincomodava era o símbolo nazista. Eleera um militar, não um político. Faziaaquilo por amor à Alemanha e não porum partido. Mas suspirou fundo eapresentou-se para o embarque, trazendoconsigo o alvo de todas as curiosidades.Mas para frustração geral no U-162, ocoronel Franz von Wiesen não falavacom ninguém. Limitava-se a responderas respeitosas continências dos demaisocupantes da embarcação, inclusive à docapitão."Talvez esteja com medo de viajar desubmarino." - pensou um dos marujosenquanto abria um enigmático sorriso.O submarino saiu de Lorient no mesmo

dia. O coronel sabia da extremaimportância daquela missão, poderiasignificar a vitória ou a derrota daAlemanha nazista. Para o coronel,qualquer missão que não fosse a sua,seria secundária."Um verdadeiro atraso." - amargurou-se,ao pensar o quanto a viagem seria maisrápida se não precisassem se preocuparcom as outras embarcações.Mas o capitão Wattenberg estavaconsciente de que deveria torpedearqualquer navio que não pertencesse aaliados alemães. Não sendo aliada daAlemanha, a embarcação eraconsiderada inimiga. Por isso atrajetória não era a mais curta possível.O submarino faria uma curva em direção

ao Caribe, onde poderiam estar váriosnavios aliados, em especial cargueiroslevando matéria-prima da América doSul para os Estados Unidos.Quando o submarino iniciou a jornada, ocapitão pegou algumas plantas e separoua da América do Sul. Verificou ascoordenadas que havia recebido docomandante e procurou por seu destino.Uma coordenada completa é formadapor latitude - afastamento horizontal emrelação à linha do Equador - e por umalongitude - afastamento vertical emrelação ao meridiano de Greenwich.Tanto a latitude como a longitude sãoformadas por grau, minuto e segundo. Oconjunto desses números indica umponto muito preciso no globo terrestre.

Pelos graus e minutos o capitão concluiuque seu destino era próximo da costa doBrasil, mais precisamente no sudestedaquele país. Pegou outra carta denavegação, que mostrava com maisdetalhes a região. Considerando ossegundos nas coordenadas, assinaloucom precisão um X em seu mapa. Muitopróximo do ponto marcado havia terra eum nome latino chamou-lhe a atenção:"Leblon."

CAPÍTULO IX

Se você só sabe falar de assuntostécnicos usando termos técnicosé porque você não os entende.Albert Einstein

O capitão sabia do dever de procurar ede interceptar navios cargueiros ondeprovavelmente estivessem. Satisfeito,traçou a rota saindo do porto francêsocupado até o Caribe. Dali, rumariapara o destino de seu passageiro,descendo pela costa do Brasil até umponto marcado com X, no litoral da

cidade do Rio de Janeiro.O coronel, por sua vez, refletia sobresua missão que, apesar deimportantíssima, considerava fácildemais. Orgulhoso, imaginava por queum descendente de nobres alemães ealto oficial da Gestapo teria sidodesignado para "roubar papéis de umvelho judeu". No entanto, se havia umacoisa que ele jamais faria era questionaruma ordem. Nunca fez e não iriacomeçar agora. Apesar de ser comumum oficial da Gestapo acompanhar umamissão submarina, aquela era a primeiravez para o coronel Von Wiesen. Sem termuito que fazer, resolveu caminhar pelaembarcação para conhecer o submarinodo tipo IXC, que tinha a incrível

autonomia de quase vinte e cinco milquilômetros - 13.400 milhas náuticas -sem necessidade de reabastecimento.Isso permitia a essa classe desubmarinos permanecer várias semanasem missão.Dispondo de acesso livre a todos oscompartimentos, o coronel Von Wiesenresolveu ir em direção à popa. Ao entrarna casa das máquinas deparou-se com osmotores diesel MAN M9V40/46 quetrabalhavam fazendo um barulhoensurdecedor. O coronel passou porentre os motores que tinham cerca desete metros de comprimento e quasedois metros de altura cada um. Pelapassagem estreita ele podia sentir todo opoder dos potentes motores pela

vibração, barulho e calor que chegavamaté ele. Logo após a sala dos motoresdiesel ele entrou na sala dos motoreselétricos. Confuso por um instante, viu omaquinista de segunda classe WalterHolz e perguntou diretamente:"Diga-me uma coisa: para que servemos motores deste compartimento?"Muito feliz por ter sido alvo do maisalto oficial a bordo, o solícitomaquinista se esmerou em responder apergunta do coronel."Herr coronel, ocorre que somentepodemos utilizar os motores dieselquando estamos próximos da superfície.Neste momento, como não estamos emmissão de perseguição, utilizamos um

dos motores a diesel para movimentar ahélice e o outro para recarregar asbaterias dos motores elétricos. Quandosubmergimos, utilizamos os motoreselétricos para nos movimentar."O coronel então virou-se para os doismotores Siemens e exclamou:"Então é por isso que o submarino ésilencioso. Mas somente quandosubmerso.""Exatamente. Esses motores são muitoúteis especialmente por nos ajudar aescapar dos sonares inimigos." -concordou Holz. E continuou: "É umarelação de confiança. Apesar de osmotores a diesel serem mais rápidos,não podemos utilizá-los submersos. Os

motores elétricos têm somente a metadeda potência, mas não duram tanto devidoa carga limitada do grupo de baterias. Etemos que fazer todas as comutaçõesmanualmente.""Manualmente?" - surpreendeu-se ocoronel."Sim. A cada passagem temos que darpartida nos motores a serem usados apósengatar o conjunto no respectivo eixo dahélice."Holz percebeu que o coronel olhou parabaixo com olhar intrigado e não esperoupela pergunta."Aqui embaixo, coronel, há umamáquina sob o piso que cria água doce apartir da água do mar. É uma das

máquinas que mais necessitam demanutenção. Mas não preciso nem dizero quanto ela é vital.""Compreendo." - disse apenas ocoronel. Ele olhou para a popa e nãoprecisou dizer nada. O maquinistaimediatamente pôs-se o mais que pôdefora do caminho do coronel para deixá-lo à vontade.Sem falar nada o coronel deu então maisdois passos e entrou no últimocompartimento, a sala de torpedos depopa. O maquinista Holz, muitodesapontado, voltou a seus afazeres.Devido à superlotação do barco, essasala também era utilizada comodormitório por alguns marinheiros. Dois

deles, de folga, estavam sentados emuma das camas, jogando baralho. Aoperceberem a entrada do coronel, selevantaram imediatamente e esticaram ocorpo o máximo que puderam."A vontade." - disse ele simplesmente,sem olhar para os rostos dos marujos.Seu interesse era apenas o de conhecer obarco. Deu uma ligeira olhada noambiente e voltou pelo caminho de ondeveio, pois achou que pouco teria aaprender com aqueles dois rapazes. Osmarujos olharam um para o outro sementender bem a situação. Mas sentiram-se aliviados com a saída do coronel evoltaram a seu jogo.O coronel então passou novamente pelasala dos motores elétricos e pela sala

dos motores a diesel até chegarnovamente à sala de controle, na partecentral do submarino. Passou pordezenas de válvulas cuja utilidadepouco conhecia. Mais uma vez ele olhoupara a escada que dava acesso à torre,que, por sua vez, era a saída do barco.Continuou em direção à proa passandopela cabíne do capitão, que ficava à suaesquerda. Olhou rapidamente para adireita e viu os operadores na sala derádio e sonar, o centro nervoso dobarco. Entre eles estava aquilo que osaliados chamavam de Enigma. Parecia-se com uma máquina de escrevercomum. Ela foi patenteada por ArthurScherbius em 1918. A máquina Enigmaera eletromecânica, construída com

rotores, e era utilizada tanto paraencriptação como para a decriptação demensagens secretas. Foi usada de váriasformas na Europa a partir dos anos1920, em seu modelo inicial. A marinhaalemã interessou-se pela Enigma ecomprou alguns exemplares, adaptando-os ao seu uso em 1926. Essas primeirasmáquinas de uso militar denominavam-se Funkschlüssel C. Em 1928 o exércitoelaborou a sua própria versão, achamada Enigma G.A sua fama vem de ter sido adotada pelamaior parte das forças militares alemãsa partir de 1930, aproximadamente, jácom um modelo mais sofisticado eexclusivo. A facilidade de uso e asuposta indecifrabilidade do código

foram as principais razões para a suapopularidade. No entanto o código foidecifrado e a informação contida nasmensagens que ela não protegeu égeralmente tida como responsável pelofim da Segunda Guerra Mundial pelomenos um ano antes do que seria de seprever.Apesar da máquina ter uma fraquezacriptográfica, na prática foi acombinação com outros fatores quepermitiu a quebra do código. Erros deoperadores, falhas de procedimento e aocasional captura da máquina e de seulivro de códigos.Havia dois acessórios interessantes. Oprimeiro era uma espécie de impressora- Schreibmax - que podia ser acoplada

na Enigma e conseguia imprimir as vintee seis letras do alfabeto em um pequenopedaço de papel.Hoje, uma impressora acoplada a umdispositivo qualquer parece banal. Maspara a época isso foi um enorme avançocientífico. Mas seu resultado prático éque assim não era necessário umsegundo operador para ler as lâmpadasque indicavam a decriptação e escrevero texto compreensível. Isso eraespecialmente importante em umsubmarino.O outro interessante acessório era umpainel remoto com as lâmpadas do sinaldecriptado. Se a máquina fosse equipadacom esse acessório, seria possível o

operador não ficar sabendo do conteúdoda mensagem. Além disso o destinatáriopoderia ficar até mesmo em outra sala.Ao coronel, no entanto, poucointeressava aquela máquina e elecontinuou sua caminhada passando peloalojamento dos oficiais onde ele mesmoestava hospedado. A seguir passou pelaminúscula cozinha onde o cozinheirodizia ao oficial de mergulho de ondehavia retirado os últimos mantimentos.Isso era absolutamente necessário etinha que ser feito constantemente, casocontrário o submarino poderia nãorealizar suas manobras conformeprevisto. O coronel Von Wiesen haviaescutado que doze toneladas demantimentos haviam subido a bordo. Em

seu passeio ficou imaginando ondeconseguiram esconder tudo aquilo, maso fato é que cada fresta era utilizadapara o armazenamento de víveres,deixando muito pouco espaço paraobjetos pessoais. Continuou sua jornadapassando por outros alojamentos atéchegar finalmente na sala de torpedos deproa. Olhou para cada um dos deztorpedos imaginando se todos seriamutilizados. Alguns homens estavamdormindo ali mesmo, entre a comidapendurada no teto e os torpedos embaixodeles.A palavra torpedo vem do gêneroTorpedo, das raias elétricas da ordemTorpediniforme, que por sua vez vem dolatim torpere, que significa ficar

adormecido ou paralisado - raiaselétricas têm a forma de minas e não sãocomo os modernos torpedos.A primeira pessoa que utilizou o termotorpedo no mundo naval foi RobertFulton. Ele usou a palavra paradescrever a descarga da arma da popade seu submarino Nautilus entre 1800 e1805, para demonstrar que podiaafundar navios de guerra.O termo tornou-se genericamenteutilizado para referir-se a minas navais,desenvolvidas durante a Guerra CivilAmericana na década de 1860 porMatthew F. Maury, um almiranteconfederado - essas eram a que sereferia David Farragut quando ordenou aseus homens: "danem-se os torpedos,

velocidade máxima à frente". O usodessa palavra para se referir ao que nóshoje chamamos de minas durou até aPrimeira Guerra Mundial. Como foramdesenvolvidos torpedos auto-propulsados, então as minas ficaramsendo torpedos estacionários e, maistarde, apenas minas.Os primeiros protótipos de um torpedoautopropulsado foram criados por umcroata aposentado, o engenheiro navalIvan Lupis-Vukic, que serviu na Marinhaaustro-húngara. O desenho foiapresentado ao imperador Franz Joseph,na cidade portuária de Rijeka, em 1860.Robert Whitehead, engenheiro eempresário inglês, trabalhava no portode Trieste em projetos navais e, em

1864, Lupís fechou contrato com elepara aperfeiçoar a invenção. Dissoresultou o Minenschiff, o primeirotorpedo auto-propulsado da história,oficialmente apresentado para umacomissão da Marinha Imperial em 21 dedezembro de 1866.Após o governo decidir financiar ainvenção, Whitehead começou aconstrução da primeira fábrica detorpedos, em Rijeka. Em 1870 elesmelhoraram alguns dispositivos, fazendoo torpedo navegar até 914 metros. Poucomais de dez anos depois já exportavamseus torpedos para outros dez países. Otorpedo era empurrado por arcomprimido e Whitehead trabalhou paradesenvolver dispositivos mais

eficientes, chegando a velocidades cadavez maiores nos anos seguintes.O maior torpedo que Whiteheaddesenvolveu chegou a ter 5,80 metros e457 milímetros de diâmetro. Erageralmente construído com aço polido ea carga explosiva podia atingir noventaquilos. O ar era comprimido até noveMPa e acionava duas hélices com ummotor de três cilindros. Foi feito umconsiderável esforço no sentido de fazercom que o torpedo pudesse auto-corrigirseu curso e a profundidade.O navio Blanco Encalada foi o primeiroa ser afundado em ação militar por umtorpedo auto-propulsado, que foidisparado do navio Lynch durante a

Guerra Civil Chilena em 21 de abril de1891. Durante essa época o barcotorpedo inventado por John Ericssonganhou reconhecimento por suaeficiência, e os primeiros barcosdestruidores de torpedos (destróieres)foram construídos para contê-lo.Torpedos são comumente lançados dequatro maneiras: do convés de um naviona superfície; de um tubo de torpedosmontado tanto abaixo da linha d'água deum navio na superfície quanto em umsubmarino; de um avião ou helicóptero;como estágio final de um foguete - àsvezes chamado de torpedo assistido. Amaioria das Marinhas de Guerra temduas classes de pesos de torpedos:torpedos leves, que são primariamente

utilizados como arma de ataque a curtadistância, particularmente por aviões;torpedos pesados, que sãoparticularmente utilizados porsubmarinos.O coronel Von Wiesen respiroulongamente, frustrado por não ter maispara onde ir. Deu meia volta e reparou aporta do tubo número sete, aberta. Osmarinheiros chamavam assim o banheirode proa, fazendo alusão a ele comosendo uma arma ofensiva. Afinal, osdejetos dali eram bombeados para forado submarino manualmente. Isso, noentanto, impedia seu uso em grandesprofundidades, pois a pressão externatornaria impossível a operação. Ou seja,a partir de trinta metros de

profundidade, os ocupantes do barcoteriam que deixar seus dejetosprovisoriamente em baldes até que umaprofundidade menor fosse alcançada epermitisse utilizar a bomba novamente.De certa maneira o coronel admiravaaqueles cinqüenta homens. Estavamconfinados em um espaço reduzidíssimo,por dias a fio, cercados pelo ambienteextremamente hostil do fundo do mar.Mas ele mesmo sentia-se muitoincomodado naquela situação e issoestava externado em sua expressãofacial. Procurava lembrar-se daquelapalavra complicada, que reflete aansiedade que as pessoas têm em locaisapertados, quando um jovem tenenteparou diante dele. Desinibido e como se

adivinhasse no que o coronel estavapensando, exclamou apenas o tenente:"Claustrofobia."O coronel fez cara de espanto. Ia passaruma reprimenda, mas, intrigado,aguardou explicações. O tenente entãocontinuou:"É natural que as pessoas se sintamassim na primeira vez em que entram emum submarino. Elas normalmente achamque são claustrofóbicas. Mas fiquetranqüilo que se o senhor sofressemesmo dessa doença não teria ficadoaqui dentro nem por cinco minutos. Jáestamos navegando por várias horas,então está provado que é apenasdesconforto. Vai passar."

O tenente julgou que assim faria umimportante amigo. Mas estava muitoenganado. O coronel apenas fechou acara, virou-se e saiu do compartimentosem nada dizer. Frustrado, o tenentevoltou a suas tarefas.O barco ia rasgando a água do mar emprofundidade de rastreamento dasuperfície por sonar, ainda próximo dacosta francesa. O clima a bordo eranormal e os homens tentavam seguir comsuas tarefas rotineiras, apesar dapresença daquele homem arrogante, e amissão prosseguiu até que o operador desonar, alarmado, chamou a atenção docapitão."Capitão, contato do sonar!"

O capitão Wattenberg e seu imediatoforam imediatamente até o sonar paraacompanhar mais de perto o que estavaacontecendo."Direção?" - perguntou o capitão."Um-zero-zero!" - respondeu o operadordo sonar. Após uma curta pausa,completou, sem esperar que seu capitãoperguntasse:"Aproximando-se velozmente!"Segundo sua experiência esse sinalindicava grande possibilidade de sériaameaça, ou seja, poderia ser umdestróier.Ao contrário dos japoneses, queutilizaram o submarino como arma dedefesa, os alemães a utilizaram como

arma de ataque. Empreitada de altíssimorisco, dos cerca de quarenta mil homensque saíram em missões submarinas,apenas dez mil voltaram. Por issomesmo o sangue de todos gelou quandoo capitão voltou correndo em direção aoposto de comando. Confirmando seutemor, ele gritou: "Alarm!"

CAPÍTULO X

Em meio às dificuldades surgemas oportunidades.Albert Einstein

Sem condições de tiro e com o destróiervindo direto para cima do submarino,imediatamente o capitão ordenousubmersão máxima."Submergir! Rápido!" - foram as ordensrepassadas e repetidas por todo osubmarino. Tudo o que o coronelconseguiu fazer foi arregalar bem osolhos e tomar muito cuidado para não

atrapalhar ninguém.Alguns homens abriam e fechavamregistros freneticamente fazendo comque o ar escapasse das laterais dosubmarino, tornando seu volume efetivomenor. Da mesma maneira quandoexpiramos ao flutuar em uma piscina,isso fez com que em segundos osubmarino já estivesse afundando naágua. O piloto forçou o manche parafrente, o que empurrou a popa para cimae fez com que o submarino se inclinassepara o fundo. Com os motores elétricosjá engatados e em velocidade máxima, osubmarino dirigiu-se rapidamente paraas profundezas do oceano. O mesmooceano que, apesar de hostil, serviria deabrigo.

"Cento e cinqüenta metros." - avisou oimediato."Estabilizar o submarino." - ordenou ocapitão."Estabilizar o submarino." - repetiu oimediato para o piloto.O piloto puxou o manche do barco parafazer com que esse voltasse para aposição horizontal.Após uma curta pausa, o capitãoordenou:"Silêncio total."Até que as ordens fossem cumpridas osubmarino ainda desceu alguns metros,aproximando-se de sua profundidademáxima de projeto.

"Submarino em posição horizontal." -disse o piloto."Submarino na horizontal, capitão." -repetiu o imediato, ao conferir oposicionamento da embarcação.Na superfície, não muito longe dali, osbatimentos cardíacos do capitãoWilliam Shepard aumentavam sem pararno DD-427 USS Hilary P. Jones. Onavio de guerra era um destróieramericano da classe Benson. O capitãotinha experiência suficiente para saberque um ataque a um submarino somenteo destruiria se fosse extremamentepreciso. O efeito hidráulico chamadomartelo de água, criado por uma cargade profundidade de trezentas libras,destruiria o submarino apenas se

detonada até dez metros do casco. Entredez e trinta metros de distância sódanificaria o casco do submarino e, apartir de trinta metros de distância, omáximo que conseguiria era dar umgrande susto nos seus tripulantes.Ocorre que, no começo da guerra, osamericanos não dispunham de um bomdispositivo para atacar submarinos e,para economizar tempo, resolveramutilizar o modelo britânico denominadoMark 6. Este dispositivo tinha umelemento fusível por profundidade quedetonava a carga quando ela atingia umaprofundidade pré-definida. Era preciso,portanto, que o artefato fosse calibradocom informações passadas pelooperador do sonar imediatamente antes

de ser atirado ao mar. Naturalmente, seo submarino se deslocasse, ainda queapenas na vertical, após o lançamento dacarga de profundidade, dificilmente eleseria atingido com seriedade, devido aotempo que a carga levaria para chegaraté ele. O truque era lançar váriascargas com ajustes de profundidadediferentes, na esperança de que umadelas explodisse perto o suficiente dosubmarino.O esforço de guerra americano haviamelhorado o dispositivo de disparo e ocomando naval havia ordenado que oDD-427 testasse o recém lançadomodelo Mark 8. Esse novo modelo,dotado de impulso magnético, somentedispararia quando próximo a uma grande

superfície metálica submersa, ou seja,muito provavelmente um submarino. ODD-427 ainda não havia entrado emcombate desde que saíra de seu porto eestava com todas as cem cargas abordo.As cargas de profundidade levavamentre cinqüenta e setenta e cincosegundos para afundar duzentos metros,a profundidade máxima de projetoconhecida dos submarinos alemães.Esse tempo parece pouco, mas foisuficiente para uma última manobra doU-162, para que se posicionasse fora daárea de perigo. Pelo menos para fugirdas cargas de profundidade até entãoconhecidas.O capitão Wattenberg também sabia queera vital manter o ruído da cavitação

formada pelo movimento da hélíce naágua em um nível inaudível pelossonares da superfície. Para tanto,deveria haver um perfeito controle davelocidade da embarcação que nãopoderia ultrapassar os cinco nós. Assimque o submarino se posicionouhorizontalmente, o capitão Wattenbergordenou:"Piloto, manter a velocidade em cinconós!""Cinco nós." - confirmou o piloto, paramostrar ao capitão que entendera aordem.Acostumados com as cargas quedetonavam a esmo, os homens nosubmarino estavam se sentindo cada vez

mais seguros. Até mesmo o coronel, quenão sabia de todos esses detalhes, foi secontaminado pela tranqüilidade dosdemais e começou a relaxar."Capitão, cargas de profundidade estãosendo lançadas." - informou o operadordo sonar."Qual o curso do destróier?" - perguntouo capitão."Continua vindo rapidamente em nossadireção. Provavelmente passará porcima de nós." - respondeu o operador dosonar.O capitão ouviu todas aquelasinformações, mas estava realmenteconfiante que as cargas lançadas não osatingiriam e não ordenou qualquer

alteração de curso ou de profundidade.Apesar de todo o sangue frio, no entanto,os segundos que se seguiram pareciamuma eternidade.Mas onde estavam as cargas que odestróier havia lançado? Por que não seescutava o estrondo de sua explosão naprofundidade anterior?Mal sabiam os alemães que as Mark 8estavam esperando contato para detonar.Procuravam o casco metálico do barcopara fazer contato. De fato, não demoroumuito e uma grande explosão foiviolentamente sentida a estibordo,chacoalhando todo o submarino.Felizmente a carga explodiu a cerca detrinta e cinco metros do casco e não foi

suficiente para danificá-lo.A um princípio de vozes quecomeçavam a se alarmar, o capitãodisse com voz enérgica:"Silêncio!"Muito surpreso com o acontecido, ocapitão Wattenberg ordenou que osubmarino fosse ainda mais fundo,atingindo a profundidade de duzentosmetros, a maior profundidade que ele jáhavia estado com o barco e que tambémera a profundidade de projeto. Ou seja,o submarino não era projetado para irainda mais fundo. Sem saber da novaarma americana, achou que estariadefinitivamente seguro tão fundo.Mas as cargas continuaram sua busca, e

uma nova explosão sacudiu mais umavez todo o submarino, agora abombordo. Os homens esforçavam-se aomáximo para controlar o pânico e ocapitão estava realmente confuso. Mas,inteligente, não acreditou que se tratasseapenas de sorte e rapidamente concluiuque só podia se tratar de uma nova arma.No entanto não poderia fazer a menoridéia de qual seria seu princípiotecnológico. Pensando rápido, concluiuque o único lugar onde talvez houvesseuma chance de escapar era onde osperseguidores jamais pensariam que elepudesse ir.

CAPÍTULO XI "Piloto, avante cinco nós!" - ordenou ocapitão Wattenberg."Avante cinco nós." - respondeu opiloto."Submergir."Assim que deu a ordem, todos na sala decomando olharam espantados para ocapitão. Ninguém duvidava de que elesoubesse que jã estavam naprofundidade máxima de projeto dosubmarino e estavam confusos. Sentindoa hesitação, o capitão achou queprecisava reforçar a ordem com uma

sucinta explicação."Submergir! Rápido! É o único lugaronde os malditos não vão nos procurar!"- disparou o capitão."Rápido!" - ordenou ele novamente paraque não houvesse mais dúvidas quanto aemergência da situação.Em não sendo o submarino umademocracia, os marujos rapidamenteobedeceram e um dos oficiais na sala decomando leu em voz alta as marcas dopressostato, que indicavam aprofundidade em metros do submarino."Duzentos e cinco metros... Duzentos edez metros..."Leu as medidas até atingir duzentos ecinqüenta metros. Os homens em pânico

sentiam o aumento da pressão nosouvidos. Alguns estalos metálicospodiam ser ouvidos ao longo dosubmarino. Será que agüentaria?Ao chegar a duzentos e cinqüentametros, no entanto, o capitão ordenouestabilização. Ele também não tinhacomo ter certeza até que profundidadeir. Mas o fato é que a excelenteengenharia náutica alemã fez barcosexcepcionais. O submarino estavaagüentando e era perfeitamenteoperacional.O capitão ordenou novamente paradatotal e silêncio absoluto. Agora nadamais poderiam fazer a não ser esperar.Com os nervos a flor da pele, todos nasala de comando suavam frio. Os

sentidos aguçados e o batimentoacelerado mantinham todos em estado dealerta máximo.De fato, as explosões cessaram. Ocapitão Wattenberg acertara a estratégiae sabia que haveria muito que contar aocomando naval alemão e faria isso naprimeira oportunidade. Mas bem antesdisso ainda havia o desafio de escapardo navio inimigo.O operador do sonar anunciou que oaparelho indicava que o destróier estavaandando em círculos na superfície, aliperto. O capitão consultou o relógio ecalculou que estava próximo do poente."Logo estará escuro." - pensou. Naescuridão da noite ele poderia tentar

uma outra manobra arriscada. Massomente se fosse necessário. A idéia eraemergir rapidamente e, uma vez nasuperfície, tentar acertar o destróier comum torpedo. Manobra de altíssimo riscoque declararia a sua posição.Ninguém, no entanto, prestava atençãonele. Estavam todos atentos ao operadordo sonar, esperando que este finalmentedesse alguma boa notícia. Mas ela nãovinha.Os minutos iam passando até que,finalmente, o operador do sonardeclarou:"O destróier está se afastando.""Confirme." - ordenou o capitão.Mais alguns segundos e o operador

repetiu a mesma declaração:"O destróier está se afastando, senhor."Os marinheiros olharam um para osoutros. Alguns sorriam, uns poucossoltaram uma ou duas lágrimas, mas amaioria ficou apenas imersa em umgrave silêncio. Todos, afinal, sabiam operigo por que tinham passado."Dessa vez foi por muito pouco." -avaliou o capitão, olhando para o chão.Levantou os olhos, que encontraram osde seu imediato olhando para ele.Ambos estavam serenos e o longo temposervindo juntos fazia com que seentendessem mesmo sem dizer umapalavra.Alívio geral, restava agora saber se o

submarino iria responderadequadamente aos comandos e seconseguiria emergir sem problemas.Após não haver mais sinal algum dodestróier o capitão deu a tão esperadaordem:"Emergir."O comando foi repetido várias vezes e,imediatamente, os homens reagiram emovimentaram os registros queliberavam o ar comprimido de seustanques que, por sua vez, movimentandoas câmaras internas do submarino,aumentavam seu volume. Como umbalão que infla, isso aumentou suacapacidade de flutuação.Os instantes que se seguiram foram

novamente de muita apreensão. Um dosmarinheiros chegou a morder os lábiosquando o registro que movimentavachegou ao final de seu curso e travou.Mas, finalmente, o submarino saiu dainércia e começou a subir bemlentamente.Com um leve sorriso satisfeito,Wattenberg quebrou o silêncio:"Piloto, avançar cinco nós." - ordenou ocapitão."Cinco nós." - respondeu o piloto.O submarino começou a deslizar àfrente, o que permitiu que a proa fosselevantada e que a trajetória para cimafosse acelerada.Sem conseguir segurar a emoção, o

capitão finalmente exclamou comorgulho para que todos a sua voltaescutassem:"Que máquina espetacular!"De fato, ideologias à parte, o povoalemão construiu e continua a construiralgumas das melhores máquinas domundo.

CAPÍTULO XII Ao chegar à superfície já era noite. Omar estava calmo e o capitão permitiuque os homens saíssem para o convéspara respirar um pouco de ar puro.Haviam passado momentos de extrematensão e ele sabia que era necessáriaalguma descontração antes deprosseguirem com a missão. Na verdadeaté mesmo o inabalável coronel VonWiesen estava desesperado para sair.Aproveitaram bem o ar fresco da noitesem, no entanto, deixar de vasculhar ohorizonte. Alguns homens, de tãoestressados, simplesmente jogaram-se

sobre o convés. Naquele momento nãohaveria ordem que os fizessem se mexer.Alguns, instintivamente, abriram acamisa para que o ar fresco da noite lhesbatesse no peito. Aquilo, acima de tudo,lhes dizia que ainda estavam vivos.Mas felizmente não havia sinal dodestróier ou de qualquer outraembarcação. Seguro de que todosrespiravam normalmente de novo, ocapitão ordenou que voltassem a seuspostos. Apenas uma pequena equipe devigilância continuou no convés."Capitão, a equipe de manutençãoinforma que terminou uma verificaçãocompleta do funcionamento dosubmarino." - disse o imediato.

"E qual o resultado?" - perguntou ocapitão Wattenberg."Totalmente operacional e pronto paranavegar novamente." - disse o imediatocom um tom satisfeito."Ótimo trabalho. Preparar para colocaro submarino em movimento.""Sim, senhor."A equipe de manutenção fez umaverificação completa do funcionamentoda embarcação e às 23h declarou quetudo funcionava perfeitamente. Estavam,portanto, prontos para navegarnovamente.Retomaram imediatamente a rotaoriginal para o Caribe navegando nasuperfície, para utilização dos motores

diesel e recarga das baterias.Não houve mais incidentes e, em seudiário de bordo, o capitão Wattenberganotou, no dia 27 de abril de 1942:"Fizemos contato com um navio inimigoainda próximo da costa francesa. Eraprovavelmente um destróier aliado. Elenos atacou com cargas de profundidadeque têm uma nova tecnologia, pois elasnos perseguiram, explodindo somentequando conseguiram nos detectar. Foium milagre termos escapado e devemosisso à excepcional resistência mecânicado submarino. Chegamos a umaprofundidade nunca tentada antes:duzentos e cinqüenta metros."Ele simplesmente não conseguia

acreditar no que escrevia. Se não tivessetestemunhado, realmente não acreditaria.Continuou com suas anotações de praxee ao terminar, releu novamente tudo oque escrevera e deu um profundosuspiro de alívio."Estamos vivos." - pensou ele.Mas os dias iam passando até que já erao primeiro dia de maio e o U-162 jáestava bem longe de seu porto deorigem. Na verdade nunca havia estadotão longe e aproximava-se do Caribe,onde faria uma curva para o sul eacompanharia a costa brasileira emdireção ao Rio de Janeiro.Distraído com seus pensamentos, ocoronel vez por outra relembrava a fuga

do destróier. Ele sabia que haviaentrado em pânico, mas forçava aquelaslembranças para que ficassem cada vezmais para trás. Era seu modo de agir,pois assim não permitia que qualquerexperiência abalasse sua confiança. Masmal sabia que um novo acontecimentomostraria que ele seria marcado parasempre com aquele episódio traumático.Estava deitado em sua cama e assustou-se tanto com uma campainha repentinaque chegou a bater a cabeça em umaferragem. Ele desconfiou corretamentepois aquele ruído agudo anunciava umabatalha imediata. Imaginou se não seriaoutro destróier e se teriam que passarpor todo aquele sofrimento novamente.O coronel, com a cabeça ainda dolorida,

pegou seu quepe e seguiu para a sala decontrole. Lá, encontrou os eficientesmarinheiros já nos respectivos postos."O que foi, capitão?" - perguntou elediretamente."Nosso sonar detectou um navio, Herrcoronel." - respondeu calmamente ocapitão Wattenberg. O coronel olhou emvolta e viu que todos, na verdade,estavam muito calmos. Sentiu-seincomodado com aquilo, como setivesse sido excluído do grupo.Instintivamente percebeu que os demaissabiam de alguma coisa que ele mesmonão sabia."Destróier?" - perguntou o coronel,tentando disfarçar a apreensão.

"Certamente não." - respondeu comsegurança o capitão.O coronel sentiu-se aliviado mas nãopodia deixar de colocar sua sempreincômoda opinião."Então é um atraso." - disselaconicamente o coronel."Não vai demorar, coronel. É um naviosomente, segundo o sonar.Provavelmente um cargueiro. Masprecisamos estar seguros."Era preciso saber rapidamente e comprecisão de que navio se tratava."Periscópio!" - ordenou imediatamente ocapitão.Sem esperar o término da subida do

olho mágico, o capitão já estava juntodele. Ao escutar as travas de segurançase armando, levantou as manoplas decomando do periscópío e procuroufreneticamente pelo navio que o sonarhavia detectado.Alguns segundos se passaram enquanto osegundo motor diesel era engatado paraque agora também fosse utilizado nacaçada. Além dos motores diesel seescutava apenas o ruído intermitente dosonar. Aquilo, no entanto, parecia umaeternidade para os ansiosos tripulantes."Cargueiro a vapor!" - exclamou ocapitão, para alívio geral.Os marinheiros ficaram um pouco maisrelaxados, com exceção dos que

ocupavam a sala de comando. Estescontinuaram tensos pois sabiamexatamente o que iria acontecer a seguir."Preparar tubo número um!" - ordenou ocapitão, sem soltar o periscópío."Preparar tubo número um!" - repetiu emseguida o imediato no sistema de som dosubmarino.Da sala de torpedos veio nova repetiçãoda ordem, deixando claro seuentendimento.Após alguns instantes podia-se ouvir oruído de água e ar se chocando. O tubonúmero um estava sendo alagado.O capitão era quem deveria calcular avelocidade e direção do submarino paraque o lançamento do torpedo tivesse a

melhor chance de sucesso possível. Foio que fez com rapidez e precisão:"Curso dois-um-zero!" - ordenou."Curso dois-um-zero!" - repetiu o piloto.Com esse curso o submarinoaproximava-se do cargueiro porestibordo, quase a 45° da proa. Umângulo perfeito para o tiro.Pelo sistema de som do submarino veiouma mensagem da sala de torpedos:"Número um preparado!"A mesma mensagem foi repetida peloimediato para o capitão, que não saírado períscópio.O U-162 já havia se colocado emposição de tiro. Mais alguns instantes e

ouviu-se a esperada ordem final dadapelo capitão:"Disparar número um!"Novamente o imediato repetiu a ordempelo sistema de som e o operador dasala de torpedos apertou um botão, quefechou um circuito elétrico. Isso fez comque a bateria na cauda do torpedocomeçasse a movimentar o motorelétrico que, por sua vez, iria girar ahélice do torpedo, empurrando-o nomesmo curso do submarino.Alguns oficiais da sala de comando seentreolharam, tomando o cuidado de, noentanto, não deixar transparecer para ocoronel da Gestapo sua opinião.Achavam que o capitão havia sido

displicente em atirar apenas um torpedo.Mas o capitão queria economizartorpedos e, além disso, não precisava demais do que um torpedo para afundar umnavio desarmado.Seguiram-se momentos de apreensão atéque o oficial do sonar do submarinoanunciou:"Explosão no navio."Wattenberg ouviu perfeitamente amensagem, mas não estava alegre. Haviaacompanhado a trajetória do torpedopelo periscópio e percebeu que o tironão havia sido em cheio. O torpedocaprichosamente havia se desviado eatingido a extremidade frontal do navio,a proa. O navio, um cargueiro a vapor

de 6.692 toneladas, poderia até mesmonão afundar.Enquanto isso, no cargueiro, osmarinheiros corriam de um lado para ooutro na tentativa frenética de estancaros vazamentos. Com o estrondo, ocapitão Raul Francisco havia ordenadoa parada total dos motores. Era precisoavaliar a situação antes de prosseguir.Todos os sete tripulantes já vestiam seuscoletes salva-vidas e as bombas desucção de água do porão já trabalhavama toda velocidade. Ao largo eram quasevisíveis as ilhas de Trinidad e Tobago.Enquanto informações desencontradaschegavam, alguém gritou:"Capitão! Estibordo!"

O capitão do navio virou-se e, semesboçar surpresa, observou uma manchaescura que destoava do azul intenso domar profundo. Ela veio em direção aeles, rasgando as ondas e espirrandoágua para os lados, deixando atrás de sium rastro esbranquiçado. Ao chegarmais perto foi possível perceber que eraa torre de um submarino. Um instantemais, quando a torre já estava bempróxima, uma cruz vermelha com aspontas quebradas tornou-se visível,estampada no lado que dava para onavio. Era uma suástica e isso explicavacompletamente a inesperada explosão.No submarino, por sua vez, seu capitãonão conseguiu entender o nome donavio, escrito em uma língua que não

compreendia. Apenas soletrou,utilizando o alfabeto fonético alemão,aquele nome estranho para os registros:"P-A-R-N-A-H-Y-B-A. Bandeirabrasileira." - disse ele.Seu imediato repetiu letra por letra, bemcomo o nome daquele país latino, eanotou os dados no diário de bordo.Finalmente anotou a data: 1o de maio de1942."Vamos levá-lo imediatamente a pique!"- ordenou o coronel Von Wiesen. "Nãotemos mais tempo a perder!"Ao escutar aquela ordem, o capitãoWattenberg estremeceu. Virou-selentamente na direção da popa dosubmarino, ainda segurando as manoplas

do periscópio. Olhou para baixo,refletindo. Hesitou por alguns instantes,pois temia parecer incompetente aooficial da Gestapo. Isso seria sua ruínaou traria grande sofrimento para suafamília, na Alemanha. Mas suaobrigação como militar falou mais alto.Virou-se novamente para a proa eordenou:"Emersão total!""Ignorar a última ordem. Capitão, deixe-me ver esse navio." - disse gelidamenteo coronel.O capitão, visivelmente contrariado,afastou-se do periscópio. O coronelolhou pelo visor e disse com arrogância:"O navio está em chamas, não percebe?

Vamos mandar outro torpedo, liquidá-loe ir embora."Todos se viraram para o capitão que,por sua vez, virou-se para o coronel.Por um instante ficaram confusos emdecidir a quem obedecer."Coronel..." - disse Wattenberg logoapós respirar fundo. Sabia que tinha quese manter calmo e respeitoso, pois nãohavia outro jeito. Então, finalizou:"Sei que temos uma missão a cumprir evamos cumpri-la. No entanto, há homenscivis ali e pretendo deixá-los partir.""Já perdemos tempo demais, exijo que arota para o Rio de Janeiro seja retomadao mais rapidamente possível." - disseVon Wiesen sem alterar o tom de voz.

Olhou firme e diretamente para os olhosdo capitão do submarino. O capitãoWattenberg era mais velho que ocoronel e sabia que era a última palavraa bordo mas não podia simplesmenteimpor-se ao representante da Gestapo."Herr coronel, apenas peço que o senhorimagine que a situação poderia serinversa. Poderíamos estar sob fogoinimigo e com o barco avariado. É umaimportante questão de reciprocidade.Prometo que não vai levar mais do quealguns minutos."Ninguém na sala de comando acreditounaquela cena. Teria o capitãoWattenberg ficado louco? Como poderiaele querer contrariar o coronel? Mas,para espanto geral, parece que aquelas

palavras e o recente episódio com odestróier surtiram algum efeito. Ocoronel Von Wiesen apenas assentiucom a cabeça e o capitão Wattenbergconfirmou sua ordem de emersão total.Ao terminar a emersão, ele ordenou aoimediato:"Imediato! Mobilize a equipe de tiro! Apostos com o canhão!"O imediato ordenou que quatro outroshomens subissem com ele imediatamentepara o convés e os cinco homens,incluindo o imediato, que era ocomandante de tiro, subiram a escada datorre de comando. Dos cinco homens,três tinham a função de transportar amunição de seu alojamento. Da torre de

comando desceram para o convés até ocanhão e em segundos colocaram a armaem condição de disparo. Uma boaequipe conseguia disparar entre quinze edezoito projéteis por minuto e aquelaequipe no convés, sabia Wattenberg, erauma delas.Ao ver que o canhão de cento e cincomilímetros agora apontava para o seunavio, o capitão Raul Franciscoentendeu a situação e não pensou duasvezes. Ordenou que os homens parassemqualquer atividade de recuperação daembarcação e que abandonassemimediatamente o navio."Abandonar o navio! Abandonar onavio!" - foi a mensagem gritada aosquatro ventos por toda a tripulação.

Ninguém hesitou e todos correram paraos botes salva-vidas, que forambaixados para a água às pressas.Enquanto isso o capitão Wattenberg saiupara a torre externa do submarino e,assim que se certificou que suatripulação estava a salvo, mandou abrirfogo.A equipe de tiro fez inúmeros disparoscontra o casco de aço do navio, o quefez com que a entrada de água seacelerasse. Em minutos aquele naviocheio de produtos como café, cacau,mamona e algodão iniciou sua últimajornada em direção ao fundo do oceano.Simultaneamente o capitão Wattenbergordenou imersão e foi olhar peloperiscópío para apenas certificar-se que

afundara mais um navio. Em sua carreiracomo capitão do U-162 Wattenbergafundaria catorze navios totalizando82.027 toneladas.Ironicamente o submarino U-162voltaria ao Caribe em setembro paraoutra missão. Wattenberg gostava deatracar seu barco no fundo arenosopróximo das ilhas durante o dia, paradescanso e reparos. Em uma dessasvezes acabou surpreendido por trêsdestróieres britânicos, que afundaram osubmarino.Apenas dois homens morreram. Agrande maioria da tripulação se salvou,mas foi capturada pelos naviosbritânicos como prisioneiros de guerra.No entanto, por estarem próximos aos

Estados Unidos, os britânicos deixaramos marinheiros presos em camposamericanos. Entre eles estava o capitãoJürgen Wattenberg, que protagonizouuma fuga em massa da prisão ainda emsolo americano. Mas a prisão ficava nomeio do deserto, o que obrigou oshomens a desistirem da fuga e pedirempara retornar ao campo. Obstinado,Wattenberg foi o último a ceder quando,por fim, também pediu para retornarpara o campo.O capitão Wattenberg ainda viveriamuitos anos e voltou para sua cidadenatal, Lübeck, onde prosperou com suafamília. Chegou a ser o primeiroexecutivo de uma cervejaria local, ondese aposentou. Morreria somente em

1995, aos noventa e quatro anos deidade e em paz.

CAPÍTULO XIII Após o incidente com o cargueirobrasileiro, o capitão Wattenberg oroupara que não encontrassem mais nenhumnavio em seu caminho. Queria livrar-seo mais rápido possível daquela cargaindesejável e não poderia enfrentarnovamente o coronel da Gestapo alipresente. Ordenou velocidade máximade cruzeiro e, efetivamente, fez o menortrajeto possível em direção ao Rio deJaneiro.Quanto mais seguia para o sul, mais osubmarino se distanciava da zona deconflito. Ali não havia nenhum país

oficialmente em guerra com o Eixo eseria muito difícil cruzar com quaisquerinimigos. Para passar o tempo osmarinheiros se ocupavam de suas tarefase o único que não tinha o que fazer era opróprio coronel."Capitão Wattenberg!" - disse ele derepente, chegando por trás do capitão,que estava absorto em seu trabalho."Sim, Herr coronel. Em que possoajudar?"A vontade do coronel era dizer queprecisava de alguma atividade, lazer,qualquer coisa que ocupasse seu tempo.Mas novamente o orgulho o freou, pois ocapitão poderia dar-lhe uma atividadepara a qual ele não estava apto, o que

poderia ser motivo de zombaria do restoda tripulação. Respirou fundo e dissesimplesmente:"O que está fazendo?"O capitão Wattenberg, esperto, entendeuimediatamente o que se passava. Noentanto ficou surpreso com essa buscapor ajuda. Não esperava isso do oficialda Gestapo. Achou que este pegaria umde seus poucos livros para ler, mesmosem pedir permissão. Esforçou-se paranão rir e respondeu:"Estou conferindo nossa rota, coronel."Apenas aguardou, pois já sabia qualseria a próxima pergunta."E como o senhor faz isso, capitão?" -

perguntou o entediado coronel."Em primeiro lugar precisamos traçar arota desejada em um mapa. Não épossível sair navegando mar afora semsaber exatamente para onde vamos.""Sim, continue.""Veja aqui a rota traçada. O senhorsabe, naturalmente, qual é nossodestino.""Sim, a cidade do Rio de Janeiro.""Exato. Observe aqui no mapa, próximoa ela o nosso destino está marcado comum X, que representa exatamente ascoordenadas que me foram passadaspelo Comando Naval.""Sim, claro." - assentiu o coronel.

"Mas essa é a rota que vamos percorrer.Perguntei como o senhor a confere, poistenho certeza que tem de fazer issoregularmente." - disse Von Wiesen comarrogância."Já ia chegar lá, coronel. Observe quecolocamos um papel transparente emcima do mapa onde traçamos a rotapercorrida que pode, em muitos casos,ser diferente da rota desejada outraçada.""E como o senhor desenha a rotapercorrida?""É simples, na verdade. Como arepresentação da rota é feita em umplano, simplificamos o movimento emduas coordenadas. Aí basta saber a

velocidade e direção em que navegamose então é possível calcular com um bomgrau de precisão a nossa posição atual.""Realmente é simples." - disse agoracom desdém o coronel após entender oque se passava. De repente aquela tarefapareceu fácil demais para ele."Bem, na verdade não é tão simples.Temos que, vez por outra, fazer algumascorreções.""Correções? Como assim?" - ficounovamente intrigado o coronel."Naturalmente, há desvios,principalmente se realizarmos muitosmovimentos verticais durante anavegação. A velocidade no plano jánão seria a mesma."

"Sim, compreendo. E como se fazemessas correções?""Com um astrolábio.""Astrolábio?" - repetiu o coronel VonWiesen apertando os olhos. Já ouvirafalar naquele instrumento, mas não sabiaexatamente o que era."Sim, um aparelho que podemos utilizarpara calcular nossa posição utilizando,por exemplo, o sol como referência.Daqui a pouco, ao meio-dia, farei umamedição. O senhor gostaria de meacompanhar, coronel?""Bem, talvez. Agora vou deixá-lotrabalhar. Talvez depois."O coronel virou-se e voltou ao seu leito.Ele não podia admitir que o capitão

fosse ensiná-lo. Vítima de seu próprioorgulho, somente poderia ficar em seuleito.O capitão, esperto, percebeu que aquele"talvez" queria dizer "não". Ao meio-dia, de fato, ele fez a medição e corrigiua posição. Sozinho.Com o barulho monótono dos motoresdiesel e o leve balanço do submarino, ocoronel deixou-se embalar e quasedormiu. No entanto, dormir, para ele,tinha ficado muito difícil após o traumacom o destróier. Estava quase semprealerta, esperando outro ataque, apesarde saber, conscientemente, que estavamem águas mais pacíficas.A única saída para o coronel era deixar

que seus pensamentos o levassem paralonge. Para trás no tempo, e para aEuropa - era sua fuga preferida. Eledeitava-se em seu leito fechando osolhos e fazia voltar para sua mente asfrescas recordações dos primeiros anosda guerra. Foi ali que ele teve a maiordecepção de sua vida.

CAPÍTULO XIV Assim que a França foi ocupada VonWiesen foi enviado para lá pela Gestapopara assumir o departamento A2. AGestapo podia ser formada pelos pioresbandidos, mas, convenhamos, era muitobem organizada. Era dividida nosseguintes departamentos:

Departamento A (Inimigos)Comunistas (A1)Contra-sabotagem (A2)Reacionários e Liberais (A3)Assassinatos (A4)

Departamento B (Seitas eIgrejas)Católicos (B1)Protestantes (B2)Maçonaria (B3)Judeus (B4) Departamento C (AssuntosAdministrativos e do Partido)Era o escritório administrativocentral da Gestapo, responsávelpor todo o pessoal e arquivo. Departamento D (TerritóriosOcupados)Oponentes ao Regime (D1)

Igrejas e Seitas (D2)Territórios do Oeste (D4)Contra-espionagem (D5)Alienados (D6) Departamento E (Contra-Inteligência)Dentro do Reich (E1)Formação Policial (E2)No Oeste (E3)Na Escandinávia (E4)No Leste (E5)No Sul (E6) Departamento F (Polícia deFronteira e Alfandegária)

Os guardas de fronteira da Alemanharespondiam diretamente para a Gestapoem um esforço para se manter estritocontrole de imigração e emigração, ouseja, para e do Reich. Após o início daSegunda Guerra Mundial, o escritório dePolícia de Fronteiras perdeu muito desua autoridade para os militaresalemães, que patrulhavam as fronteirasda Alemanha e os territórios ocupadoscomo parte de esforços para conter umainvasão aliada.O coronel estava, portanto, onde queria:na ação. Era responsável por toda aatividade de contra-sabotagem naFrança ocupada.A expressão Resistência Francesavulgarizou-se a ponto de se pensar que

se tratava de uma única organização.Isso não é verdade. Para se ter umaidéia, basta ver abaixo uma lista parcialdos numerosos grupos de resistênciafranceses:

Agir Armée Secrète (ExércitoSecreto) - grupo de resistênciagaullista. Bureau d'Opérations Aériennes(BOA) - serviço que realizavaoperações aéreas clandestinas nonordeste da França.

Ceux de la Resistance. Ceux de la Liberation. Chantiers de la Jeunesse ouCampos da Juventude - em 1940o general de La Porte du Theilrecrutou jovens militares queviviam na estrada após a derrota.O general usou isso comodesculpa para manter certosemblante de padrão militar. AGestapo o prendeu em quatro dejaneiro de 1944. Combat - desse grupo participou

o filósofo Jean-Paul Sartre, quese tornaria muito famoso. Suaatividade principal era editar umjornal clandestino que fomentavaa resistência. Combat Zone Nord. Comitê d'Action Socialiste(CAS). Comitê Départemental deLiberation (CDL). Comitê Français de laLibération Nationak (CFLN). Comitê de Liberation du Cinema

Français. Compagnons de la France(Companheiros da França) -grupo de ex-soldados que seformou na França de Vichy. Confrerie Notre-Dame. Défense de la France. Francs-Tireurs et Partisans(Français) (FTP ou FTPF). Francs-Tireurs et Partisans dela Main d'Oeuvre Immigrée(FTP-MOI).

Francs-Tireur Left. Front National (FN) ouNational Front. Interallié. Liberation-Nord. Liberation-Sud. Musée de L'Homme. Organisation Civil et Militaire(OCM).

Organisation de la Résistance de1'Armêe (ORA) - giraudista, istoé, composta por apoiadores dogeneral francês Henri Giraud.François Mitterrand juntou-se aesse grupo em 1943.

Era agosto de 1940 e a França acabarade se render. Von Wiesen foiimediatamente enviado a Paris paraorganizar um departamento no escritóriolocal da Gestapo. Ele era responsávelpor um dos mais requisitadosdepartamentos, pois os franceses iriamse especializar cada vez mais emsabotagem. Nunca chegaram a seintimidar com as ameaças e efetivasretaliações dos alemães.

Alguns meses se passaram até que VonWiesen organizasse seu departamento.Naturalmente requisitou alguns agentesda Alemanha para ajudá-lo. Pouco antesdo fim de 1940, Von Wiesen resolveuele mesmo chefiar uma missão. Preparouum grupo de agentes para investigar, alimesmo em Paris, informações sobre umdos numerosos grupos de resistência quese formariam: o Chantiers de laJeunesse.Von Wiesen e sua equipe seguiram paraa rue de L'Université, próximo de ondeo rio Sena faz sua curva, na capitalfrancesa. O telefonema de um estudantede origem alemã contou que em um dosprédios próximos da esquina com a rueMalar haveria uma reunião de estudantes

universitários para tramar sabotagenscontra o exército de ocupação alemã.O clima já estava bastante frio naquelefim de outono de 1940. O inverno já seaproximava e seria, naquele ano,especialmente frio para o povo francês.Von Wiesen ordenou a seus homens quese espalhassem pelas proximidades daesquina indicada. Não queria que umgrupo reunido chamasse a atenção. Eleescolheu três dos mais jovens e morenosde seus agentes para que tentassempassar despercebidos no meio deestudantes universitários. O combinadoera que o estudante delator usaria umcasaco vermelho e ficaria parado emfrente ao prédio alvo, por volta das 16hdaquela tarde, na mesma hora em que

havia sido marcada a reunião dosestudantes que tomavam parte do gruporebelde.De fato, na hora marcada o rapazapareceu caminhando tranqüilamentepor uma das ruas próximas e continuouno mesmo passo até parar em frente aum prédio de arquitetura antiga, maselegante.Os quatro agentes espalhados aospoucos se reuniram. Von Wiesen parouem frente ao rapaz, que estava tranqüilo.Estendeu sua mão esquerda em sinal decumprimento, que foi respondido emseguida. Era o sinal.O rapaz de vermelho chamava-se Jean eabriu uma das folhas da porta do prédio,

para entrar. Von Wiesen, afoito, tentouabrir a outra folha que, no entanto,estava trancada para diminuir a entradado frio no prédio.Os cinco rapazes entraram quase em filaindiana e parecia de fato uma linha deestudantes. O porteiro reconheceu Jean,indicando que ele já havia estado aliantes. Eles se cumprimentaram emfrancês, o que não foi compreendidopelos demais, mas que também não tinhaa menor importância."São todos meus colegas e estãocomigo." - disse o rapaz de vermelho."Sim, está bem." - respondeu o porteiro.Os agentes acenaram com a cabeça parao porteiro que estava apenas

preocupado em não passar frio demais.Acenando, mostrou que queria que osrapazes se apressassem e entrassem logopara poder fechar a folha da porta queestava aberta. Tinha esperança queassim deixaria o frio do lado de fora.Ainda na mesma formação, seguiramJean escada acima até o segundo andar.Lá procuraram o apartamento 22 e, aochegar a porta, Von Wiesen esticou seuforte braço para a frente impedindo Jeande seguir em frente."É aqui?" - perguntou."Sim." - respondeu Jean em alemão.Von Wiesen olhou para os demaisagentes e acenou com a cabeça. Não erapreciso dizer mais nada e todos sacaram

suas armas que estiveram bemescondidas até então.Ao ver as armas o rapaz de repenteentendeu a gravidade da situação. Porum instante arrependeu-se,principalmente por temer por suaprópria vida."E se alguma bala perdida me atingir?" -preocupou-se em seus pensamentos.Von Wiesen, que ainda impedia apassagem de Jean, agora o empurravapara trás para que os agentes tomassemlugar à frente da porta. Olhou novamentepara o grupo para certificar-se de quetodos empunhavam suas armas.Von Wiesen deu um passo para trás ecom um chute arrebentou a porta, que

bateu na parede do pequeno hall deentrada com enorme estrondo.Ah dentro havia realmente um pequenogrupo de estudantes que, atentos,perceberam imediatamente a cilada.

CAPÍTULO XV Enquanto os agentes invadiamempurrando ou quebrando os móveis dasala, os estudantes ali reunidos tentavamdesesperadamente fugir pela porta maispróxima.Von Wiesen sabia, assim, como seusagentes, que era importante capturar osestudantes com vida para interrogatório.As armas só seriam usadas em últimocaso. Um bom interrogatório certamenterenderia frutos junto a seus superiores e,mesmo que isso não acontecesse,serviria de base para novas buscas. Eassim o ciclo poderia continuar

indefinidamente, o que garantiriapromoção para todos.Ali na sala havia apenas quatroestudantes, um para cada agente. Não foidifícil para os agentes treinados agarraras presas. Os gritos de desespero e demóveis que se quebravam não demoroua cessar. Aplicando força física, osagentes imobilizaram rapidamente osestudantes. Mas, até ah, o prejuízo eramínimo. Além dos poucos móveisquebrados, tudo o que se podia perceberera uma ou outra queixa de hematoma.No entanto certamente o prejuízo nãopararia ali. Disso, todos na sala sabiam.Os quatro estudantes foram colocadosjuntos, ajoelhados no meio da sala.Formavam um círculo e estavam

voltados para o centro. Estavamcercados pelos agentes e pelo próprioVon Wiesen, o que tornava a fugapraticamente impossível naquelemomento."Alguém é voluntário para iniciarmos ointerrogatório?" - perguntou Von Wiesencom olhar imparcial.Ele falava em alemão e tudo que diziaera traduzido imediatamente para ofrancês por Jean.Ao perceber que os estudantes estavamapavorados, Von Wiesen concluiu quesua pergunta não teria resposta. Osestudantes estavam vestidos de maneiramuito parecida, com casacos e boinasidênticos, como se fosse um uniforme

informal. Von Wiesen escolheu um delesao acaso, o que estava mais próximo, eo agarrou pelo colarinho tirando-o domeio da sala. Levou-o para um quarto aolado juntamente com Jean e fechou aporta atrás de si.A cada som de pancada seguia-se umgemido e os três estudantes que alificaram estremeciam. Não sabiamexatamente o que estava acontecendo noquarto ao lado mas tinham certeza deque não era nada bom. Mas aquilo nãodurou muito tempo, apenas algunsminutos. Ficou claro para todos que orapaz cedera e que já estava contandotudo que sabia. O que também não eramuito.A reunião, afinal, não era assim tão

importante. Era ilegal, é claro, pois osjovens estavam ali para trocar idéias ese organizar para fazer algo em umfuturo próximo. Mas não tinham armasnem planos, apenas uma vaga idéia doque poderiam fazer.Alguns minutos mais tarde e Von Wiesenreapareceu, arrastando o rapaz consigo.O rapaz estava mais assustado do quedolorido e Von Wiesen vinha com um armuito satisfeito. Jean havia permanecidona sala de interrogatório esperandopelo próximo candidato.Von Wiesen realmente queria mais.Jogou o rapaz de volta para o círculocentral e pensou em qual dos outros trêsseria o próximo. Olhou para os

estudantes e escolheu o menor deles.Quando o puxou pela gola do casaco,esbarrou na boina, que caiu no chão.Várias coisas aconteceram quase aomesmo tempo. Enquanto Von Wiesensoltava o casaco e, surpreso, dava meiopasso para trás, os cabelos longosdaquele rebelde caíram por sobre osombros. Na verdade, ele era uma lindamoça. Seu nome era Marie, tinha olhos ecabelos negros, que contrastavam com apele muito branca. Ao contrário dosoutros, no entanto, ela não parecia termedo. Ao ser descoberta, passou aencarar desafiadoramente Von Wiesencom seus lindos olhos, o que fez comque ele, por um instante, ficasse semação.

"Herr Von Wiesen, o senhor deseja queeu continue o interrogatório?" -perguntou um de seus ansiososassistentes, querendo mostrar serviçopara o chefe."Não é necessário." - respondeu ele,esforçando-se para voltar a seconcentrar na missão.Pegou a moça pelo colarinho novamentee foi para o quarto ao lado, a sala deinterrogatório. Ao entrar, Mariedisparou um monte de frases para Jean,em francês, e o coronel não pôdeentender. Percebeu que Jean ficou muitocontrariado e não conseguia responderpara a moça. Toda vez que ele tentavafalar ela o cortava. Von Wiesen ficou

surpreso com a situação e, uma vezmais, por um momento ficou sem ação.Quando, no entanto, ia tomar algumaatitude, para sua total surpresa a moçavirou-se para ele e disse em alemão:"Não é necessário intérprete. Eu aprendialemão com esse traidor.""Karl!" - berrou Von Wiesen de ondeestava.Imediatamente entrou um de seus agentesno quarto."Sim, senhor!""Vá com Jean e interrogue os outros doisrebeldes em outra sala qualquer. Essamoça fala alemão e eu vou interrogá-lasozinho."

"Sim, senhor!"Assim que Jean saiu e a porta se fechou,Von Wiesen olhou de novo para a moça,que o olhava com ar fulminante. Sabiaque ela seria uma pessoa muito difícil eresolveu apenas olhar para ela eaguardar. Assim, se passaram váriosminutos sem que ninguém dissesse umapalavra. Vez por outra escutavam algumruído que vinha de outro aposento doapartamento, o que deixava Marie muitoapreensiva. Mas a estratégia de VonWiesen dera certo e a moça começou abaixar a guarda. Von Wiesen, esperto,percebeu e finalmente quebrou osilêncio:"Qual é seu nome?" - perguntou elegentilmente.

A moça surpreendeu-se com a pergunta.Não esperava esse tipo de tratamento erespondeu apenas:"Marie.""Sente-se, Marie."Marie já estava mesmo cansada de ficarde pé e não hesitou em sentar na camaque estava no quarto. Von Wiesen, porsua vez, pegou uma cadeira que estavaao lado e sentou-se, nem muito longenem muito perto dela. O suficiente paraalcançá-la com seu braço caso elatentasse algo. Após sentar, continuou:"Marie, você sabe qual a gravidade doseu ato?"Von Wiesen percebeu que os lindosolhos da moça se arregalaram. Será que

ela não sabia disso? Mas não esperouresposta e fez outra pergunta, ainda maisassustadora, o que fez com que tambéma boca de Marie se abrisse ligeiramente:"Você sabia que eu posso matar todosvocês a pretexto de serem inimigos doReích? Sem julgamento, aqui e agora?"Realmente ela não parecia saberexatamente as possíveis conseqüênciasde seus atos. Mas após breve pausa, eleinesperadamente disse:"Não vou fazer isso, não se preocupe.Mas não esperava que uma moça tãolinda como você fizesse parte de umjogo tão sujo como esse."Marie, sentindo-se provocada,finalmente resolveu quebrar o silêncio

mostrando que, além de muito bonita,era também muito inteligente:"Se fôssemos nós quem tivéssemosinvadido seu país, talvez fosse o senhorquem estivesse participando de algumgrupo de resistência, na Alemanha. Nãoé um jogo sujo, isso é tudo o quepodemos fazer no momento."Von Wiesen ia responder alguma coisaquando alguém bateu na porta."Entre!" - disse ele."Herr Von Wiesen, terminamos com osoutros dois, eles apenas confirmaram ahistória do primeiro.""Muito bem, leve-os presos para acentral e preencha os relatórios. Eu voujá, atrás de vocês."

O jovem Karl pensou em perguntaralguma coisa sobre a moça mas achoumelhor não dizer nada e simplesmenteobedecer."Sim, senhor!" - disse Karl enquantofazia a saudação nazista.Von Wiesen, sem se levantar, respondeua saudação.Marie, a princípio, ficou ainda maisassustada ao ficar sozinha com aqueleagente da Gestapo. Achou que morreriaah mesmo ou que sofreria alguma torturahorrorosa. Mas em vez disso ficou muitosurpresa pois estava sendo tratada comuma estranha cordialidade por aquelehomem atraente.

A conversa manteve-se por algum tempoem filosofia política, em que cada umdeles defendia seu lado. Vez por outraum ou outro sorriso começou a apareceraté que a conversa passou a serrealmente cordial, quase agradável, e jádurava mais de meia hora. Marie jáestava mais descontraída e aliviada.Mas essa sensação só durou até que VonWiesen dissesse:"Marie, não sei o que fazer com você. Ocerto seria te levar presa para a centralda Gestapo onde você, no mínimo, seriafichada. Lá provavelmente você ficariapresa por tempo indeterminado."Enquanto dizia isso percebeu que Marieficava cada vez mais nervosa até queuma lágrima saiu de seus olhos.

Von Wiesen, surpreso consigo mesmo,ao ver aquela lágrima sentiu algodiferente. Aquela cena o incomodou.Instintivamente ele esticou a mão e, comuma delicadeza que nem ele mesmosabia que tinha, com um dos dedos tiroua lágrima do rosto de Marie.Por alguns instantes ficaram apenasolhando um para o outro sem se darrealmente conta daquela situaçãoinsólita. Von Wiesen se levantoudevagar e com os dois braços fez comque Marie também se levantasse. Ela,mesmo de pé, não chegava a altura dosombros dele. Von Wiesen deu um passoà frente e como Marie não recuou, ele aabraçou carinhosamente. Aquilo tudoera simplesmente mais forte do que ele e

o beijo foi inevitável.Então ele disse repentinamente:"Preciso ir à central ou alguém virá paracá para saber o que está acontecendo."Ela olhava para ele com olharsuplicante, pois não tinha idéia do queiria acontecer."O que ele vai fazer comigo, então?" -preocupava-se ela.Mas após uma breve pausa Von Wiesencomeçou a esboçar uma proposta queela jamais pensou em escutar:"Você precisa me prometer que não vainunca mais se reunir com esse tipo degente. Isso é importante. Você tem queentender que nunca mais deverá fazê-lo

novamente. Prometa e eu vou deixá-laem paz. Você tem que deixar de ser umamaqui."Ela sorriu levemente e perguntou:"O senhor sabe de onde vem a palavramaqui?"Von Wiesen ficou muito surpreso com apergunta e ia zangar-se com ela, poisestava falando sério. Esperta, Mariepercebeu e, antes que ele dissessealguma coisa, explicou:"É importante o senhor saber do que setrata para que eu possa fazer qualquertipo de promessa."Após uma breve pausa, o coronel disseapenas:

"Maquis são os rebeldes franceses.""É verdade, o termo se generalizou. Masperguntei se o senhor sabe de onde vema palavra."O silêncio que se seguiu fez Marieconcluir que ele não sabia."Originalmente a palavra significava umplanalto do sudeste da França eCórsega, que era coberto por densavegetação. É o tipo de terreno ondegrupos armados de resistência seescondiam. Os membros daquelesgrupos eram chamados de maquisards.Aí foi só abreviar."Von Wiesen comentou com ironia:"Obrigado pela aula de história. Mas o

que isso tem a ver com a promessa queestou te pedindo?""O senhor acha que eu me pareço comalguém que ficaria se escondendo nomatagal?""Claro que não.""Então, não se preocupe. Maqui eu nãosou."Ele fez outra pausa. Não queria serenrolado e o assunto era sério. Só haviaum jeito de deixá-la ir e ele pediunovamente:"Marie, você vai ter que me prometer oque pedi. Não fique me contandohistórias"."E o que você vai dizer aos seus

colegas? Eles me viram aqui." -raciocinou ela."Isso não importa, provavelmente voudizer que você de alguma formaconseguiu me enganar e fugiu. Ninguémvai ousar me contestar, sou eu quemassina e aprova os relatórios."Após mais alguns instantes elafinalmente disse, abaixando a cabeça:"Está bem, eu prometo.""Então está feito. Agora preciso ir.Adeus."Von Wiesen já se virava para ir emboraquando Marie levantou a cabeçanovamente, com ar agradecido, e disse:"Espere."

Ele parou por um instante e ela pegoucarinhosamente sua mão. Agradeceu damelhor maneira que conseguiu, dando-lhe um outro beijo.Ao descolar seus lábios dos dela ele afitou por um instante, confuso. Elapercebeu que precisava ajudá-lo a tomaruma decisão e disse finalmente:"Adeus."

CAPÍTULO XVI Von Wiesen tinha razão. O apartamentonão era longe da central da Gestapo emParis e o percurso podia ser feito a pé.No meio do caminho de volta para acentral ele encontrou Karl e outro agenteque já voltavam ao apartamento para vero que se passava.Ao vê-lo sozinho, Karl, surpreso,perguntou diretamente:"Onde está a moça, senhor? O queaconteceu?""Ela fugiu." - disse ele secamente,tentando não demonstrar qualquer

emoção."Fugiu?" - perguntou o incrédulo Karl,que parecia querer continuar acaminhada em direção ao apartamento.Von Wiesen então parou, pegou seubraço com firmeza e repetiu, olhandoameaçador para os olhos do assustadoKarl:"Ela fugiu. Você duvida de minhapalavra?"Karl engoliu em seco e percebeu abesteira que estava fazendo.Rapidamente respondeu:"Não, senhor!"Os agentes continuaram até a central daGestapo, onde Von Wiesen assinou os

relatórios de confissão dos outros trêsinfelizes rapazes. Eles também disseramque o quarto participante do grupo haviafugido e que "não foi identificado".No dia seguinte uma força inexplicávelfez com que Von Wiesen se encontrasseparado de frente para a porta aindasemi-destruída do apartamento deMarie. Ele, para sua própria surpresa,estava nervoso. Respirou fundo e bateuna porta gentilmente, temeroso porterminar de destruí-la. Não demoroumuito e Marie apareceu, agora usandoum vestido justo que deixava perceberoutras qualidades que no dia anteriorVon Wiesen não havia percebido. Issosó o deixou ainda mais nervoso. "Olá.Não esperava você por aqui

novamente." - disse ela com um lindosorriso."Eu também não esperava voltar. Passeiaqui só para saber se está tudo bem comvocê." - disse ele, sem jeito."Comigo está tudo bem, graças a você.O prejuízo afinal foi pequeno, sómaterial. Meus colegas da faculdade éque ficaram muito assustados. Nãoquerem nem saber de passar aqui porperto.""Vou consertar para você o quequebramos."- disse ele,inesperadamente.Ela riu e disse:"Não precisa. Eu dou um jeito. Sempredei."

Após uma breve pausa, em que VonWiesen respondeu ao sorriso da melhormaneira que conseguiu, ela fez umconvite:"Não quer entrar?" - aproveitando asituação, ainda brincou:"Dessa vez eu estou convidando, nãoprecisa quebrar nada."Von Wiesen estava cada vez maisencantado. Claro que aceitou o convite ede fato ele aceitaria muitos outrosconvites até que a paixão fizesse comque se arriscasse a ir com ela até algumacidade do interior onde dificilmentepoderiam ser reconhecidos. Na verdade,quem os visse ali acharia tratar-seapenas de um casal apaixonado. Com

ela Von Wiesen começou a olhar a suavida de uma maneira diferente. Antes eleera o primeiro a sair disparando em suasmissões, sempre à frente de qualquerdestacamento, militar ou não. Agora jánão se arriscava tanto nas missões, tinhaum motivo para voltar. O namoroparecia ir muito bem."Só não consegui fazer você gostar devinho." - disse ela gentilmente."Desculpe, Marie, mas essa bebida nãome vai bem. Prefiro cerveja. Sepossível, cerveja alemã, é claro, porquea francesa é horrorosa."Ele dizia isso apenas para provocá-la, eela sabia. Ambos riam, fugindo umpouco da realidade. Quase que

invariavelmente seus encontrosacabavam em algum tipo de discussãopolítica."Vocês estão cegos. Iludidos por umtirano." - disse ela certa vez."Claro que não. Foi Hítler quem colocouordem na casa. Graças a ele a Alemanhaé o gigante de hoje.""Como disse, vocês estão cegos. E aliberdade? Nem mesmo vocês alemãesainda a têm.""Não diga bobagem, podemos fazer oque quisermos.""Mesmo?" - disse ela com ironia.Ele fez uma pausa e completou:"Desde que não vá contra o Estado."

"Desde que não vá contra as idéiasditatoriais de seu chefe.""Não é verdade. Nós temos leis. OEstado está acima do próprio Führer."Ela riu discretamente e continuou:"Leis que ele mesmo fez ou que atendemsomente aos princípios dele."Como sempre, Von Wiesen sabia queaquela discussão não daria em nada etermínou-a como sempre: com umcarinhoso beijo nos lábios que nãoqueriam calar. Mas calaram.Após duas semanas de encontros quasediários ele finalmente fez um convitediferente:"Você gostaria de ir até o meu

apartamento?"Ela esforçou-se para não demonstraransiedade. Fez uma pequena pausa erespondeu sem exaltação, da maneiramais discreta possível:"Sim."O apartamento de Von Wiesen tambémnão era muito longe, mas ficava em umaárea da cidade que Marie jamaissonharia em ir desacompanhada. Elenaturalmente morava na área maisprotegida de Paris, onde havia guardasmilitares alemães a cada esquina e emcada ponto estratégico. Era ondemoravam os líderes da ocupação alemã.Os encontros continuaram a acontecer noapartamento dele, mas era necessário

que os dois fossem para lá juntos até queela já tivesse tornado seu rosto familiarnas redondezas. Não demorou muito eaté o porteiro do prédio onde VonWiesen morava já sabia exatamentequem era aquela bonita moça francesa:"a amante do coronel".Após mais algum tempo ela ganhouconfiança para andar sozinha por ali ecomeçou a fazer pequenas surpresas quesó encantavam cada vez mais a VonWiesen. Quando ele chegava dotrabalho, muitas vezes encontrava ojantar pronto. Às vezes tambémencontrava a doce Marie o esperando, oque era muito melhor. Certa sensação deque talvez fosse melhor não morar maissozinho começou a despertar nele.

O relacionamento parecia ir cada vezmelhor e Von Wiesen procurava nãopensar no que aquilo se transformariacom o curso da guerra. Achava que comsua influência poderia continuar com arelação indefinidamente. Pela primeiravez na sua vida estava apaixonado equeria aproveitar tudo de bom queaquilo representava. Queria aproveitarsua vida.Até que um dia foi chamado para o queparecia ser mais uma missão de rotina.Não iria com sua equipe. Comorepresentante da Gestapo, iria junto commilitares do exército regular para umainspeção de rotina em um dos bairrosparisienses."Suspeita de sabotagem." - dizia o

relatório."Esse é meu departamento." - eleadmitiu, para convencer a si próprio deque tinha um dever a cumprir.Contrariado, juntou-se aos demaismilitares em seus próprios veículos edirigiram-se para o local apontado norelatório da inteligência alemã.Ao se aproximarem do local, no entanto,um dos militares disse que aquela regiãoera perigosa e que na semana anteriorhaviam sido alvo de intenso tiroteio.Acharam melhor terminar o trajeto a pée desceram dos carros.De fato, não caminharam mais do queum quarteirão e um tiro passou raspandopor um dos soldados. Imediatamente

todos se abrigaram. Von Wiesen sacousua pistola Walther e acompanhoucuidadosamente o avanço dos soldados.Não demorou muito e encontraram afonte dos disparos para a qualrevidaram.Von Wiesen, esperto, percebeu que umataque frontal seria custoso e talvezpermitisse que os rebeldes fugissem."É preciso prendê-los parainterrogatório." - calculou ele.Ordenou a dois soldados mais próximosque o acompanhassem e deu a volta paratentar surpreender os rebeldes."Enquanto o grosso do destacamentoenfrentar o grupo de frente eles ficarãodistraídos." - planejou.

Bem, seu plano de fato funcionou. Mas oresultado não foi exatamente o que eleesperava.

CAPÍTULO XVII Ao se aproximar das pessoas quedisparavam, percebeu que uma delas erabem menor que as demais. Além dissotinha cabelos compridos e de uma corque ele conhecia bem.Von Wiesen desejou por um instantevoltar de onde veio. Mas não houvetempo. Um dos rapazes do grupopercebeu a aproximação de Von Wiesene de dois soldados e abriu fogo contraeles, imediatamente respondido. Seguiu-se uma gritaria em alemão e em francês.Um rebelde e um soldado alemãocaíram, mas após poucos segundos o

grupo rebelde inteiro se rendeu.Von Wiesen estava com muito receio dese aproximar do grupo. Um ou outroestava caído, ferido ou talvez até morto.Mas havia uma figura que ainda estavade pé exibindo uma postura orgulhosaque lhe era familiar.Com o grupo principal de soldados seaproximando, Von Wiesen não tinhasaída e avançou também. Deu algunspassos apenas para confirmar o quetemia. Aquele pequeno, mas valentecombatente, era sua amada Marie.Von Wiesen tentava pensar rápido masnão encontrava solução. Sabia que apena por aquele ato era o fuzilamento,puro e simples. Provavelmente, se ele

permitisse, seria feito ali mesmo. Estavadesesperado. Queria fazer alguma coisa,apesar de saber que a culpa era só dela.Afinal, ela havia prometido parar defazer aquilo. Por que não havia faladocom ele? Como ajudá-la sem secomprometer também? Em seusdesesperados pensamentos chegou acontar mentalmente o número de homensali para ver se tinha balas para todos."Estou louco?" - desesperou-se. "Matartodo o destacamento?"Enquanto pensava no que fazer ossoldados cercaram o grupo de rebeldesverificando que já não havia mais armascom eles. Com seus rifles foramempurrando os vencidos contra umaparede, para que ficassem de frente para

ela. Um dos soldados arrancoubrutalmente uma pasta das mãos deMarie. Von Wiesen instintivamente iaprotestar quando percebeu a idiotice queseria aquele gesto. Conteve-se e tentouapenas seguir o que acontecia.Mesmo afastado percebeu que Marie jáo notara. Ela, no entanto, mantinha-seséria e cabisbaixa. Ele procurou osolhos dela com os seus, mas não teveresposta. Distraído por alguns instantes,um alemão com voz nervosa o chamouabruptamente para a realidade:"Senhor, veja o que achamos na pasta!"Von Wiesen bateu os olhos nos papéis edepois tentou olhar para Marienovamente. Ela continuava cabisbaixa,

de frente para a parede. Horrorizado,voltou lentamente os olhos para osdocumentos.Olhou novamente para os papéis e agoranão conseguia mais tirar os olhos deles.Viu a figura da águia alemã e conformelia, ficava vermelho de tão enfurecido,pois eram documentos secretos daGestapo. Não sabia se Marie os tinhatirado de seu próprio apartamento ou dealgum outro agente, pois tinha acessolivre àquela área restrita. Mas isso nãoimportava mais pois o brilhante Franzvon Wiesen havia sido enganado. Muitomais do que isso, havia sido traído."Muito bem, soldado." - dissegelidamente para o homem a seu lado.

Afastou-o para passar e caminhoudiretamente em direção a Marie. Ela nãoconseguiu olhar em seus olhos,envergonhada. Talvez, se tivesse feitoisso ele não teria ido até o fim. Mas, nafrente de todos, sem dizer uma palavra,obrigou-a a ajoelhar-se ali mesmo ondeestava. Apontou sua pistola para acabeça dela e, sem pensar, disparou.Ficou com o braço estendido por algunsminutos até perceber que estavamordendo os próprios lábios. Guardou apistola, respirou fundo e olhou para ossoldados ao redor, que o olhavamespantados. Virou-se para o líder militarque estava próximo e disse, sem alteraro tom de voz:"Mate a todos."

Ele não esperou pelo resultado de suaordem. Virou-se e saiu dali andandorapidamente. Não queria que ninguémvisse as lágrimas que desciam porsuaface. Foi a primeira e última vez navida que chorou por alguém.

CAPÍTULO XVIII Após alguns dias Von Wiesen voltou aotrabalho. Ele disse que estivera doentedevido ao excepcional frio que fazia eninguém duvidou. Voltou como se nadade anormal tivesse acontecido. Mas, pordentro, a mudança foi enorme. Dali pordiante jamais tornaria a se apaixonar porninguém e viveria sempre sozinho.Tornar-se-ia uma máquina deassassinatos e, de fato, um dos agentescom maiores resultados na Françaocupada. Franz von Wiesen seria umnome temido até mesmo dentro daprópria Gestapo.

Absorto em seus pensamentos, assimpassou os dias. Não sentia emoçãoalguma, tudo o que viveu com a moçafrancesa já era coisa de um passadomorto e enterrado. A memória daquelesdias servia para ele como um lembrete.Apenas para reforçar seuposicionamento e determinação.Afinal, em quatro de maio de 1942,pouco antes das 4h da manhã, o capitãoWattenberg quebrou finalmente amonotonia do ruído de velocidadeconstante dos motores:"Parada total dos motores.""Parada total dos motores." - repetiu oimediato, no sistema de som dosubmarino.

Em instantes voltou dos falantes amesma mensagem, vinda da sala dasmáquinas, e o submarino reduziudrasticamente a velocidade até que opiloto comunicasse:"Velocidade zero, capitão.""Sonar, verifique se há algum contato nasuperfície.""Nenhum contato, capitão."Virando-se para a cabine do rádio,ordenou com calma:"Operador do rádio, passe umamensagem criptografada para nossonavio espião nas docas do Rio deJaneiro, diga para entrar em contato comnosso agente local. O agente deve estarno ponto de encontro na próxima noite."

Com a parada alguns tripulantespuderam subir rápido ao convés pararespirar ar puro.Transmitida a mensagem, o capitãoordenou que imediatamente retomassemseu curso.Apenas algumas horas depois o capitãoWattenberg refez novamente os cálculose ordenou que diminuíssem avelocidade. O coronel estava em suacama e, ao perceber a mudança no ruídodos motores novamente, deu um salto efoi como um raio procurar o capitão."Por que estamos diminuindo? Jáchegamos?""Não, coronel, nós ainda não

chegamos." - respondeu polidamente ocapitão. Mas antes mesmo que eletentasse explicar o motivo de sua ordem,o coronel o interrompeu bruscamente:"Como 'não chegamos'? Por quediminuímos a marcha? Minhas ordensforam bem claras e específicas!"Impassível e pacientemente o capitãoWattenberg explicou:"Coronel, acontece que refiz os cálculose, no ritmo que estávamos indo,chegaríamos ao ponto de encontromuitas horas antes do combinado, muitoprovavelmente ainda de dia. Com a novavelocidade chegaremos esta noite, deuma a duas horas antes do horáriocombinado. Ou seja, entre duas e três

horas da manhã."Ao ouvir a explicação o coronel sentiu-se embaraçado. Ele, teimoso, ainda nãohavia aprendido que podia confiarnaqueles homens, em especial em seucompetente capitão. Contrariado, pelaprimeira e única vez na viagem foiobrigado a ceder:"Muito bem, coronel. Continue com seutrabalho."Por fim e para alívio geral, namadrugada de 5 de maio o submarinochegou ao ponto marcado no mapa denavegação. Uma vez mais o capitãoordenou parada total. Conforme previrao capitão, chegaram com uma hora deantecedência. Agora só precisavam

aguardar até às 4h.No horário combinado, um dos oficiaissaiu para o convés com uma lanterna episcou uma seqüência determinada delampejos em direção à praia ali perto,que quase podia ser vista, apesar dapouca luz da madrugada.Imediatamente recebeu outra seqüênciade lampejos e disse em direção aointerior do barco:"Contato realizado. Chamem o coronel.""Sim, senhor!" - respondeu uma vozabafada que veio de dentro dosubmarino.O coronel guardou seus poucospertences em uma sacola e subiu rápidoa escada que dava para a escotilha. Em

cima o capitão já o aguardava. Ocoronel juntou-se ao pequeno grupo natorre e aguardaram mais alguns minutosaté que um pequeno barco a remoencostasse no casco.Ali, na torre do submarino com ocapitão e alguns oficiais, pela primeiravez em muitos anos o coronel realmentedesejou dizer algumas palavras. Jamaisse desculparia por qualquer coisa quetivesse feito, mas sentiu a necessidadede dirigir alguma palavra cortês àtripulação. Mas o hábito e o orgulhoimpediram que fizesse isso. Despediu-sefriamente com uma saudação nazista,que foi mecanicamente respondida, edesceu para o convés. De lã, em umpulo, desceu para o bote. O homem no

bote recebeu-o com a saudação nazista.Em seguida o coronel ouviu apenas umnome dito por uma voz sem brilho:"Agente Herbert Schmidt."Ao ver o agente Schmidt, o coronelficou extremamente desapontado e,como de costume, deixou que isso fosseclaramente percebido, torcendo o narizpara aquele que o saudou. Isso sóaumentou ainda mais o nervosismo doagente Schmidt, que se atrapalhou comos remos, fazendo com que um delescaísse na água e o outro batesse nocasco do submarino.Os poucos tripulantes no convés dosubmarino mal conseguiram segurar oriso enquanto o pobre agente Schmidt

tentava retomar o controle da situação.Ao mesmo tempo o coronel começava aesbugalhar os olhos enquanto a pele deseu rosto tornava-se vermelha. Quandoele estava para berrar com o agente, estefinalmente começou a remar e a darimpulso para a pequena embarcação,deixando pequenos redemoinhos paratrás, feitos pelos remos na água. Opequeno bote se afastou lentamente dosubmarino enquanto alguns tripulantesmontavam guarda no convés. Mas agorao que todos sentiam era pena daqueledesajeitado marinheiro, pois sabiammuito bem com quem ele estava semetendo.Quando o bote se afastou do submarino,o capitão Wattenberg, sentindo-se

aliviado, ordenou:"Preparar para submergir."A seguir ele ouviu sua ordem serrepetida por várias vozes diferentesdentro do barco enquanto caminhavapara a escotilha ainda totalmente aberta.Desceu a escada e sentiu o corpo pesarquando deixou o último degrau.Os tripulantes que ainda estavam noconvés entraram rápido, mas emsilêncio, e o último deles, o imediato,fechou e lacrou a escotilha. Uma vez ládentro, informou o capitão:"Pronto para submergir, capitão.""Submergir." - ordenou com voz cansadao capitão. Sentia como se um pesoenorme houvesse sido tirado de seus

ombros. Olhou ao redor e percebeu emtodos o mesmo sentimento. Quis dizeralgo reconfortante mas não sabiaexatamente o quê, então disse apenas:"Senhores, essa parte de nossa missãoestá cumprida. Voltemos agora àcaçada."Ele passou o comando para seu imediatoe foi para sua cabine. Vez por outracruzava com algum marujo que faziaquestão de sorrir para ele. Todossabiam que a atitude fria, rápida e acimade tudo precisa de seu capitão era o queos manteve vivos até então. Contavamcom que isso não se modificasse e quepudessem voltar para casa em breve.Ninguém ali tinha dúvida quanto ao realperigo a que estavam constantemente

expostos e muitos enxergavam aquilocomo uma família onde o capitão era opai de todos.Mas, afinal, ele era acima de tudohumano. A tensão por que passara comos acontecimentos dos últimos dias foiacima de quaisquer limites. Com a saídado coronel do submarino, rapidamente ocapitão se sentiu desmoronar. Ele tinhaque sair da vista de todos o mais rápidopossível pois sabia que não podiatransparecer qualquer fraqueza oupoderia pôr a perder o controle sobre atripulação. Antes de cair exausto eadormecer, ainda lançou um pensamentoem direção ao bote que, ele sabia,estava em algum lugar ali próximo, nasuperfície:

"Cada qual com seu destino e com suamissão."

CAPÍTULO XIX O atrapalhado Schmidt conduzia o boteem um curso errático em direção à praiaenquanto o coronel tentava se acalmar.Afinal, o coronel sabia que precisavacontar com aquele homem, pois eleconhecia a cidade e, principalmente, alíngua latina, que lhe era totalmenteestranha.Aos poucos as fracas luzes que vinhamda praia ficaram mais e mais fortes e jáera possível identificar algumasconstruções. O som monótono do baterdos remos na água só era menos irritanteque a ofegante respiração de Schmidt.

Para o coronel, ficar restrito a umespaço tão pequeno quanto aquele comum homem que ele julgava ser muitoinferior a si era ainda pior do que ficarconfinado por semanas dentro dosubmarino. Percebendo a inquietaçãocrescente do coronel, Schmidt resolveuquebrar o silêncio:"Fez boa viagem, Herr coronel?""Tanto quanto se pode esperar ficandoconfinado em um submarino." -respondeu gelidamente o coronel.Apesar de jamais deixar issotransparecer, afinal de contas o coroneltambém era humano. Como todos datripulação do submarino, passou pormaus bocados e estava exausto. Aquele

passeio de bote no final da madrugadatinha um efeito sonífero difícil decombater. Na verdade era muito difícilpara ele sequer manter os olhos abertos.Estava, em seu íntimo, implorando paraSchmidt calar a boca e apenas cumprirsua tarefa. Orgulhoso, só não iria deixarisso claro. Por isso mesmo Schmidt quiscontinuar a conversa:"Mas agora o senhor pode respirar umpouco de ar puro. Deve estar aliviado,não?"O coronel quis protestar, mostrar que umhomem como ele jamais teria umsentimento como aquele. Pensou emdizer alguma grosseria para pôr aquelehomem inferior em seu devido lugar.Mas, inebriado pelo cansaço, optou

simplesmente em não dizer mais nada.Indiferente a situação, Schmidt insistiu:"Pois é, coronel. Eu mesmo nunca andeide submarino. Deve ser muitointeressante, não?"O coronel resolveu então colocar um fimnaquilo e perguntou diretamente, paratestar o sigilo da missão:"Você sabe sobre o que é a missão?""Não, senhor. Sei apenas que é arespeito de um casal de judeus quedevem morar aqui no Rio de Janeiro."Mas ao ouvir a resposta o coroneldespertou subitamente e gelou."Como assim 'devem' morar? Você nãotem o endereço?" - o coronel já fazia

seus olhos saltarem, fulminando o pobreSchmidt."Mas, coronel, ninguém me pediu parafazer nada. Apenas fui informado que umcasal de judeus havia emigrado para cá,nada mais. Recebi ordens vindasdiretamente de Berlim, dizendo que oSenhor viria para cá e que eu deveriaprestar-lhe toda a assistência." -Schmidt respondeu, diminuindo avelocidade das remadas, como queesperando uma ordem para regressarpara mar aberto. O coronel refletiarápido sobre a situação enquantoSchmidt, de boca aberta, observava obarco quase parar."Por que está parando? Continue aremar, rápido. Já vai amanhecer e

alguém pode nos ver!" - berrou ocoronel.Schmidt voltou a remar, mais rápido doque antes. A pequena barriga que atéentão estava escondida sob o paletóagora era bem visível. O atléticocoronel comparou-a a sua própriacondição física aumentando ainda mais asuperioridade que julgava ter emrelação àquele pobre homem.Mas o fato é que o coronel sabia quenão havia volta. Sabia que a missão eravital e que não poderia voltar a menosque estivesse em posse dos papéis. Sóque agora havia uma dificuldade a mais,algo que poderia ter sido adiantado se oagente local tivesse sido melhorconduzido. Além disso ele sabia que

Schmidt, pelo menos dessa falha, nãopodia ser culpado, e descarregar suafrustração em cima dele de nadaadiantaria. Resignado, resolveu quemandaria Schmidt descobrir o endereçodo judeu logo pela manhã, que já estavapróxima. Afinal, seria um bom pretextopara poder dormir e preparar-se para oresgate dos papéis de Einstein, o que,esperava ele, seria uma missão muitosimples.No entanto ele não fazia idéia dasenormes dificuldades que estavam porvir.

CAPÍTULO XX Ao chegar à praia, Schmidt tratou depuxar o bote para perto de algunsarbustos distantes da água. O sonolentocoronel apenas observava, segurandoseus pertences, e não prestou atenção noque Schmidt fazia, ficando ligeiramenteafastado. Assim ele não percebeu quedepois de colocar o barco em umaposição segura, Schmidt ainda deu doispassos em direção da rua. Com o restode forças que tinha, o coronel consultoudiscretamente seu relógio e fez umsimples cálculo de subtração. Concluiuque a viagem de barco levara quarenta

minutos. Além disso, apenas pensava natarefa que ia dar a Schmidt assim queele voltasse.Schmidt voltou em alguns minutos, aindaesbaforido, arrumando a roupa. Chegoucom passos rápidos, dizendo:"Pronto coronel, nossa embarcação estásegura. Ninguém vai mexer nela.Podemos ir para nossa base agora."Sem dizer nada, o coronel começou acaminhar junto a Schmidt, seguindo-o deperto e carregando seus poucospertences. Schmidt andava fazendo umalto som com a respiração, pois estavaextenuado com o esforço. Como decostume, o coronel disse de repente:"Schmidt, quero que hoje mesmo você

descubra o paradeiro do judeu. Quero omáximo de informação possível, poishoje à noite vamos resolver isso. Nãoadmito nenhuma falha. Trabalho somentecom cem por cento de certeza nosucesso.""Sim, Herr coronel. De fato estivepensando no caso e sei onde conseguir ainformação.""Ótimo. Isso é muito importante. Amissão toda é muito importante.""Do que se trata tudo isso, coronel?Vamos 'visitar' um judeu que há anosveio da Alemanha?" - perguntou ocurioso Schmidt."Apenas faça o que mandei. Outra horaeu explico do que se trata." - respondeu

secamente o coronel.O sol já começava a aparecer, dando umcolorido cada vez mais forte àsredondezas. Depois de muitos dias, eraa primeira vez que o coronel pisava emterra firme e por isso andavacambaleante como se fosse um velholobo do mar. Schmidt não percebeu queisso era passageiro e chegou até apensar que o coronel tivesse algumproblema nas pernas. Não comentounada diretamente mas achou melhortentar ser mais prestativo:"Coronel, o senhor não gostaria que eucarregasse suas coisas?""Claro que não. São artigos edocumentos pessoais. Nisso só eu ponho

a mão." - respondeu o coronel, comosempre com grosseria. Aliás, ele era otipo de homem que jamais pedia ajuda aninguém.Schmidt, em um raro momento delucidez, decidiu que não iria maisperguntar, apenas responder.Continuaram andando pela areia atéchegar à rua que acompanhava a orlamarítima. Do outro lado da rua haviavárias casas pintadas de coresdiferentes, o que clava um ar alegre àpaisagem. Dali podia-se ver algumasruas que saíam em sentido perpendicularda orla. Havia vários bares erestaurantes, deixando claro que era umaárea de lazer para os habitantes dolugar. Aquilo a princípio incomodou um

pouco o coronel, mas ele desconsiderouo fato por achar que não fosse tãorelevante. Para o coronel, que jáestivera nas maiores cidades européias,o aspecto daquilo tudo não passava deuma pequena vila.Alguns passos mais e finalmentechegaram à base, na verdade umpequeno sobrado a beira mar. Mesmodentro da casa o cheiro forte do mar eraevidente. A primeira coisa que ocoronel fez foi passar o dedo em cimada mesa. Observou em seu dedo umapoeira branca e já ia chamar a atençãode Schmidt, mas este, percebendo aiminente bronca, se adiantou:"É sal, coronel. O vento trazconstantemente do mar e não há limpeza

diária que contenha essa invasão. Masprecisamos de uma base com estalocalização, bem próxima do mar, paranos comunicarmos com nossos navios esubmarinos."Como de costume, o coronel nãorespondeu nada, apenas pediu para verseus aposentos.Schmidt indicou as escadas e ambossubiram. Ao chegar em cima, Schmidtapontou a primeira porta dizendo que aliera seu quarto. Apontou a última portado pequeno corredor, dizendo que aliera o banheiro. Finalmente apontou aporta do meio como sendo o quarto ondeo coronel ficaria hospedado. Aopassarem pela porta do quarto deSchmidt, que estava aberta, o coronel,

como já esperava, pode observar abagunça em que se encontrava. A camaestava desfeita e havia roupas jogadaspara todo o lado."Há alguma mulher que venha aqui fazerlimpeza?" - perguntou o coronelrepentinamente."Sim, coronel. Hoje é dia de ela viraqui." - Schmidt respondeu ao mesmotempo em que, embaraçado, fechou aporta de seu quarto."Dispense-a e mande-a vir só napróxima semana. Invente algumadesculpa. Não quero ninguém aqui atéque eu me vã, com a missão cumprida."- ordenou o coronel."Sim, Herr coronel." - respondeu

Schmidt, obediente. Mas o incorrigívelSchmidt, talvez por ter aquela vontadeirremediável que alguns alemães têm deviver alegremente, arriscou:"Nem mesmo uma companhia femininapara o senhor?"Na verdade, ao mesmo tempo em quefazia a pergunta, também já searrependia."Que idiota." - pensou de si mesmo."Agora é que o coronel vai acabarcomigo de vez."Mas, para sua total surpresa, o coronelparou na frente da porta de seu quartopor um instante antes de entrar e virou-se para ele com um sorriso maroto:"Sim. Traga quando voltar... Uma

prostituta sem qualquer relacionamento.Agora, não quero mais ser perturbado."Enquanto o coronel entrava no quarto,Schmidt completou:"Coronel, o senhor vai encontrar roupaslimpas no armário de seu quarto,inclusive sapatos e um chapéu."A exaustão fez com que o coronelestivesse com a guarda baixa. Então elefez algo que realmente não combinavacom seu modo de ser e que deixariaSchmidt ainda iludido por algum tempo."Obrigado." - agradeceu mecanicamenteo coronel.Schmidt então fez a saudação nazista emfrente da porta do quarto do coronel, que

já havia entrado. O coronel fez que nãoviu a saudação para não ter querespondê-la e fechou a porta na cara doespantado Schmidt."Ora, até que ele é humano sim. Quemsabe não consigo fazer uma importanteamizade que me ajude a limpar meuserros do passado, a sair daqui e voltarpara a Alemanha."Sorrindo, desceu as escadas. Pegoualgum dinheiro e, a passos rápidos, foipegar seu carro. Os agentes alemães,para não levantarem suspeitas,procuravam não utilizar carros alemães.A base alemã no Rio de Janeiro tinha umStudebaker 1938, comprado de segundamão de um rico comerciante local.

Schmidt, ao entrar no carro, sabia que sóhavia um lugar para onde pudesse irnaquele momento.

CAPÍTULO XXI Schmidt dirigiu o mais rápido que pôdee foi para Niterói, então capital doestado do Rio dejaneiro. Precisavachegar até a Ilha das Flores, para ondeos imigrantes que chegavam ao porto doRio de Janeiro eram transferidos eficavam de quarentena.Em janeiro de 1877 foi aberto oprimeiro livro de registro deestrangeiros da Ilha das Flores, emNiterói, pertencente ao então Império doBrasil. Essa hospedaria era o maiorcentro de convergência de imigrantespara o Brasil. Apesar das hospedarias

terem sido criadas para evitar adeserção dos imigrantes, os livros deregistros da Ilha das Flores, de 1873 a1910, mostram que a maioria dosimigrantes se dirigia para outros Estadosou para a Capital Federal.Na hospedaria da Ilha das Flores osimigrantes eram registrados, recebiamprovisões que deveriam bastar para oprimeiro ano e eram encaminhados paraseu destino. As provisões constavam decarne seca e farinha, que muitosimigrantes não conheciam e chegavam apensar que fosse queijo ralado. Aoreceber as provisões, alguns chegavam,a dizer para o oficial de imigração,espantados: "Como vamos comer solade sapato e pau ralado?" Ao chegar à

hospedaria Schmidt procurou com osolhos algum representante oficial daimigração. Não precisou procurar muitoe achou um rapaz que parecia sersolícito e foi logo dizendo:"Meu rapaz, preciso procurar umparente que chegou ao Brasil anos atrás.Perdemos contato e me disseram queaqui os senhores poderiam me ajudar."Ouvindo o forte sotaque daquele homem,o rapaz acreditou firmemente na históriae indicou a sala de registros, onde elepoderia obter alguma informação. Asala, no entanto, estava ainda fechada."O senhor aguarde um pouco que arepartição já vai abrir." - respondeupolidamente o rapaz.

"Obrigado." - disse Schmidt.Sem opção, Schmidt resolveu andar umpouco por ali. Afastou-se da recepção e,sem saber, caminhou em direção aorefeitório que ficava adjacente àcozinha. Ah sentiu um forte cheiro defeijão sendo cozido. Não podendo maisseguir caminho, retornou por onde tinhavindo. Ao se aproximar do mesmorapaz, não se conteve e comentou:"Que cheiro forte de feijão, logo cedo!""Já estamos preparando o almoço denossos hóspedes imigrantes. São muitaspessoas e precisamos começar cedo.""Entendo. Mas e amanhã? Qual será oprato?" - continuou a perguntar o curiosoSchmidt.

"Feijão.""Como assim? É feijão todo dia?""Sim, senhor. É barato, prático ealimenta. Raramente oferecemos outrotipo de refeição aos imigrantes.""Deve ser um choque cultural. Nenhumdeles está acostumado a isso.""Não sei dizer, senhor. Eu, por exemplo,gosto muito!" - respondeu o jovem,satisfeito."Isso, porque o senhor nasceu aqui. Eu,por outro lado, não gosto desse prato enão consigo compreender essafascinação brasileira por feijão."O rapaz fez cara de espanto, como sealguém tivesse dito algo inconcebível.

Mas o fato é que por muitos e muitosanos o prato do dia e da noite seriaexatamente este: feijão.Nesse momento ouviram um estalo demetal seguido por rangido de madeira. Asala de registros estava aberta.Imediatamente Schmidt esqueceu-se dofeijão e passou pela porta da repartição.Não havia filas e ele seria o primeiro aser atendido naquela manhã.Schmidt chegou até o balcão deatendimento e observou atrás do balcãovárias filas de estantes de madeiraempilhadas com livros de registro."Bom dia." - disse o funcionário darepartição.

"Bom dia. Preciso muito de sua ajuda,se for possível. Procuro por um parenteque entrou no país anos atrás. Disseram-me que aqui obteria a informação de quepreciso.""Claro. É aqui sim. O senhor preenchaeste formulário e me entregue. Voltepara buscar a informação semana quevem.""Não. O senhor não entendeu. É umaemergência e eu preciso dessainformação ainda hoje.""Sinto muito, não posso fazer nada. Osenhor preencha este formulário, porfavor."Schmidt, incrédulo, pegou o papel e umlápis olhando para o funcionário, cuja

feição mostrava total indiferença pelodesespero daquele homem. Schmidt nãopercebeu, mas sentia na pele justamenteo que homens como ele faziam com osoutros. Muito nervoso, preencheu todosos dados dando a si mesmo o sobrenomeque estava procurando, para nãolevantar suspeitas.Com as mãos tremendo e com expressãode súplica, chamou novamente oatendente:"Já preenchi o formulário. Mas o senhorprecisa me ajudar. Realmente precisodessa informação ainda hoje. É caso devida ou morte."O funcionário percebeu a ansiedade e odesespero saltarem dos poros daquele

homem, mas continuou impassível:"Como eu disse, o prazo normal é deuma semana." Mas recebeu o papel econtinuou a olhar para Schmidt.Finalmente Schmidt percebeu que, claro,havia uma alternativa. Certificou-se deque não havia mais ninguém na sala esugeriu em voz baixa:"Talvez com uma pequena contribuiçãoeu consiga diminuir esse prazo." Ofuncionário inclinou-se no balcãosorrindo levemente: "Sim, senhor.Assim será possível diminuir o prazo.Aguarde aqui mesmo, por favor."Schmidt quase teve um ataque cardíacosó de imaginar o que aconteceria casovoltasse para a base sem a informação.

Na verdade, provavelmente nem voltariapois sabia que o coronel seriaimplacável. Foi um dos raros momentosque Schmidt ficou muito aliviado pornão estar na Alemanha. Ele sabia quetrocar informação por gratificação, lá,seria muito difícil de acontecer.O sol estava cada vez mais alto einvadiu o recinto pela janela semcortinas. O sol, batendo nos móveis demadeira, iluminava agradavelmente oambiente. A adrenalina de Schmidt iavoltando a níveis normais e ele sentiuum enorme prazer em estar ali. Sentiuque estava cumprindo sua missão e suaesperança em voltar para a Alemanhacrescia novamente.Apesar de estarem apenas duas pessoas

na sala, devido ao material ali guardado,uma pequena poeira estava suspensa noar. A luz do sol batia nas partículassuspensas, tornando-a visíveis. Cadapartícula tornava-se brilhante, dandocerto ar mágico à sala. Schmidt sentia-setão bem que até afrouxou o paletó.No entanto, com o passar dos minutos,Schmidt voltou a ficar nervoso."E se ele não encontrar nada? E se osdados estiverem incorretos ouincompletos?" - preocupava-se ele.Outras pessoas entraram na sala ealguém comunicou que um grupo deimigrantes estava para chegar, para serregistrado. Schmidt sabia que ofuncionário seria requisitado e que seu

trabalho especial teria que serinterrompido. Mais alguns minutos sepassaram e ainda não havia sinal dofuncionário.De fato, chegou um grupo de imigrantese a recepção estava cheia de gentefalando em várias línguas diferentes. Umjovem rapaz tentava, em vão, manter aspessoas em fila.Schmidt já estava constrangido, poissabia que ninguém era atendido por suacausa. Além disso, como faria o negóciocom tanta gente em volta?Ele já não sabia mais onde colocar asmãos. Ora colocava no balcão, ora nosbolsos, ora ficava apenas de braçoscruzados. Estava desesperado de novo.

Após quase uma hora de espera,finalmente o funcionário reapareceu.Andava com calma e, ao se aproximardo balcão, bateu com toda força em umacampainha metálica, fazendo um barulhoensurdecedor em toda a sala."Quietos! Quietos!" - berrou ele derepente. "Façam silêncio até serematendidos ou vão ficar de pé aí o diainteiro!"Ele berrou aquelas palavras sabendoque certamente a grande maioria ali nãoentendia nenhuma delas. Mas sua açãoenérgica teve o efeito desejado e todosficaram em silêncio.Schmidt ficou atônito. Arregalou osolhos e, assustado, ficou sem ação

alguma. O funcionário da repartiçãorecompôs-se, virou para ele e dissecalmamente:"A informação que o senhor queria eunão consegui encontrar."Schmidt gelou e quase chorou alimesmo, na frente de todos, pois estavaem pânico.

CAPÍTULO XXII O funcionário da repartição estavaimpassível e não percebeu o redemoinhode emoções que corriam por dentro deSchmidt. Sem alterar um músculo daface, ele disse:"O nome estava escrito errado. O senhorme escreveu Isaiah Estelvich e algumimbecil registrou como IsaiahEsteuvitche. Muitos que trabalham aquitêm a mania de aportuguesar os nomesdos imigrantes. Por isso há inúmerasversões do mesmo nome no Brasil."Schmidt, aliviado, não sabia se ria ou se

agora chorava de uma vez. Nãoconseguia dizer uma palavra e, parapiorar, o funcionário olhava para ele,esperando que dissesse algo. Schmidt serecompôs e, quase gaguejando,perguntou: "E o endereço? O senhorconseguiu o endereço?" "Veja, escrevi oendereço de destino neste papel. Fica nacapital federal." Aquilo foi demais paraSchmidt e lágrimas escorreram por suasfaces. Ele não conseguia dizer umapalavra, mas, afinal, aquela cena serviupara confirmar quaisquer suspeitas quepudesse ter levantado. O funcionárioachou que, realmente, tratava-se dealgum relacionamento familiar. Semmaiores receios, ele esticou o braço emdireção a Schmidt, entregando o papel

com o endereço desejado. Schmidtsegurou o papel, mas não conseguiutrazê-lo para si. Olhou então para ofuncionário que, por sua vez, olhava fixopara os olhos de Schmidt, com o mesmosorriso de antes.Súbito, Schmidt lembrou-se do negóciomas, assustado, olhou ao redor e viu quea maioria das pessoas observava comatenção o que ele e o funcionário faziam.Voltou a encarar o funcionário comolhar de súplica, para que este lhedissesse o que fazer. Ele entendeu edisse:"Pode me dar o dinheiro agora."Schmidt não acreditou no que ouviu masnão ousou contrariar aquele que se

colocava acima de tudo e de todos.Pensou apenas em terminar aquela etapade sua missão. Soltou o papel eprocurou por sua carteira. Abriu-a,retirou algumas notas e, da maneira maisdiscreta possível, mostrou-as para ofuncionário. Este, ao ver as notas, torceuo nariz e fez um leve "não" com acabeça. Schmidt, desesperado, pegourápido mais algumas notas e mostrou omaço. O funcionário moveu a cabeça delado, com uma expressão de "Fazer oquê?" e, finalmente, colocou o papelcom o endereço no balcão, largando-oali.Schmidt, então, com vergonha de ergueros olhos, colocou o dinheiro em cima dobalcão. Pegou o papel e saiu da sala o

mais rápido que pôde. Sentia-se muitoembaraçado, mas, acima de tudo,aliviado. Ao sair da sala lançou umrápido olhar e percebeu que ofuncionário guardou o dinheiro no bolsocom calma e, com olhar superior,mandou chamar o primeiro da fila.Schmidt precisava respirar. Ali fora jáse sentiu menos envergonhado poisjulgou que as pessoas ali não tivessempresenciado aquele, digamos, agrado.Reencontrou o rapaz fardado e pediu porum pouco de água. O rapaz indicou acozinha onde Schmidt já estivera antes.Passou pela sala de refeições e chegou aum pequeno balcão. Debruçou-se ali edisse em voz alta:"Olá! Tem alguém aí?"

De dentro, uma voz feminina respondeusecamente:"O horário de refeições ainda nãocomeçou.""A senhora não entende, não estouhospedado aqui.""Com esse sotaque? Não me engana.Volte mais tarde."Schmidt, com pressa, não tinha tempo aperder, e pensando rápido disparou:"A senhora vai me dar um copo d'águaou preciso chamar o diretor dainstituição?""O senhor não precisa ficar nervoso.Tome logo sua água." - respondeu amesma voz de antes.

Por fim apareceu um rosto negro eredondo, cujos cabelos estavam presospor um lenço branco.Schmidt queria rir, mas conteve-se.Pegou o copo e engoliu a água de uma sóvez. A água fresca descendo por suagarganta causou um efeito imediato dealívio. Recolocou o copo no balcão,virou-se e foi embora sem ver a caretaque a senhora fez para ele enquanto seafastava.Antes de iniciar sua volta para a capitalfederal, Schmidt pegou o papel e olhouo endereço escrito ali. Pensou poralguns instantes e exclamou, confiante:"Eu sei onde fica."

CAPÍTULO XXIII Schmidt se dirigiu com rapidez nadireção oposta, agora para o centro dacapital federal, a cidade do Riodejaneiro. Ele precisava certificar-se deque o endereço que tinha em mãos eraválido e que o judeu ainda morava lá."Mesmo após tantos anos?" -preocupou-se.Mas se não fosse lá verificar e, à noite,levasse o coronel direto para aqueleendereço e não encontrassem nada,sabia que seria ele a sofrer as pioresconseqüências. Além disso, otimista

como sempre, achava que ao certo seriaelogiado por ter reconhecido o terreno.Algo em seu íntimo, no entanto, diziaque aquele endereço estava correto. Eraapenas intuição, mas isso fez com querelaxasse um pouco enquanto dirigia e,pelo caminho, a Alemanha voltou a ficarmais próxima nos seus pensamentos.Para ajudar a descontrair, deixou-selevar pelos pensamentos e lembrou desua mulher e de suas duas filhaspequenas. Sua mulher, ao contrário dele,era loira e de olhos azuis. A mãe deSchmidt também era assim, e suas duasfilhas puxaram à mãe e à avó paterna.Imaginou como elas estariam e o quefaziam naquele momento, pois era noitena Alemanha.

"Estão na segurança de nosso lar, emDresden." - confortava-se ele.Por hora, pelo menos, ele estava certo.Mas isso não seria por muito tempo.Ainda naquele mês de maio de 1942, osbritânicos lançariam um maciço ataqueaéreo à cidade alemã de Colônia,utilizando mil aviões. Esse evento dariainício a uma série de outrosbombardeios maciços cujo efeito foi, empoucos anos, a total devastação daAlemanha, em especial das regiõesindustriais. Nem mesmo a sua queridaDresden seria poupada, sendo quasevarrida do mapa. Estima-se que, com osbombardeios aliados, noventa por centoda cidade tenha virado ruína.Dresden, a capital do estado alemão da

Saxônia, foi bombardeada pela RealForça Aérea Britânica (RAF) e pelaForça Aérea dos Estados Unidos(USAAF) entre 13 e 15 de fevereiro de1945, três meses antes do fim daSegunda Guerra Mundial na Europa. Obombardeio a Dresden continuacontroverso mesmo sessenta anosdepois.O Secretário de Estado do Ar, sirArchibald Sinclair, respondeu aChurchill da seguinte forma, em 27 dejaneiro de 1945:"Em reposta ao clamor por ataques naprodução petrolífera do inimigo e outrosalvos aprovados, todos os meiosdisponíveis deverão ser direcionados

contra Berlim, Dresden, Chemnitz eLeipzig ou contra outras cidades, ondeum bombardeio maciço não irá destruirapenas as comunicações vitais para aevacuação do leste, mas também iráinterromper a movimentação de tropasvindas do oeste."O objetivo era acelerar o avançosoviético, vinclo do leste. No entanto,Dresden ficou inteira destruída,inclusive a estação de trem. Mas osistema de estradas de ferro voltou afuncionar poucos dias depois.O bombardeio seguia um método padrãona época: jogar grande quantidade debombas com alto teor explosivo, pararemover telhados e coberturas dosprédios. Em seguida, atirar dispositivos

incendiários, para iniciar a queima doprédio. Então mais bombas explosivaseram lançadas, para impedir o serviçodos bombeiros. A tática funcionava,criando uma auto-sustentada tempestadede fogo, com temperaturas atingindopicos acima de 1.500 graus Celsius.Depois que toda a área desejada pegavafogo, o ar acima dela ficavaextremamente quente e subia rápido. Oar mais frio das redondezas no nível dosolo era então sugado direto para o meiodo incêndio, puxando as pessoas para lá.Elas não tinham nenhuma chance.O impacto devastador desse bombardeionunca poderá ser avaliado comprecisão, pois em Dresden estavamcentenas de milhares de refugiados,

sobretudo civis que fugiam da guerra noleste europeu. Mas algumas estatísticasapontam que, dos 28.410 edifícios daárea central da cidade, 24.866 foramdestruídos. Uma área de quinzequilômetros quadrados foi totalmentedestruída, incluindo catorze mil lares,setenta e duas escolas, vinte e doishospitais, dezoito igrejas, cinco teatros,cinqüenta bancos e companhias deseguros, trinta e uma lojas dedepartamento, trinta e um grandes hotéise sessenta e dois prédiosadministrativos. O número preciso demortos ficará para sempredesconhecido, mas historiadores falamentre vinte e cinco e sessenta mil.Apenas um prédio permanece em ruínas

em Dresden, a Frauenkirche (Igreja deNossa Senhora), que chegou a ser aigreja protestante mais importante daAlemanha. Suas ruínas foram deixadasintocadas como um lembrete dadestruição da guerra: uma pilha depedras. Naturalmente isso tambémeconomizou um bom dinheiro emrestaurações para a extinta AlemanhaOriental. Tanto é que, só após areunificação, foi decidido reconstruir aigreja. A enorme tarefa iniciou em 1992,com a remoção das peças uma por uma,que foram comparadas com um modelovirtual da igreja para determinar onde seencaixariam. Uma a uma foramcuidadosamente etiquetadas conformesua posição. As pedras foram alinhadas

em prateleiras e pintadas com tintaamarela, indicando do que se trata.Algumas deverão ficar nas prateleiraspor dez anos ou mais. O objetivo éreinaugurar a Frauenkirche em 2006, noaniversário de oitocentos anos deDresden. Mas como em todas as demaisconstruções bombardeadas, a maioriadas pedras desapareceu. Outras estãomuito danificadas para serem utilizadasnovamente e terão que ser substituídaspor novas. Ironicamente, a Inglaterra, umdos países aliados que bombardeou acidade, agora oferece a nova cruz daigreja. Será que isso apagará osressentimentos?Mas tudo isso estava muito longe deSchmidt naquele momento. Seu único

conforto era deixar que seuspensamentos o transportassem para lá.Recordou os últimos momentos com suafamília, antes de ser forçado a embarcarnaquela missão para uma terra tãodistante. A noite, na véspera doembarque, contou para as filhas ahistória de Branca de Neve. Estahistória, recolhida da memória popularalemã, foi compilada pelos IrmãosGrimm. Lembrou da expressão assustadaque suas filhas pequenas assumiam todavez que ele mencionava a bruxa. Riulevemente consigo mesmo e as lágrimasjá rolavam em sua face. Antes queprovocasse um acidente, teve que pegarum lenço e secá-las para poder enxergaro caminho. Tudo e todos que ele amava

ficaram para trás no tempo e no espaço.A única pessoa que poderia aliviar umpouco sua saudade era um homemhorrível que ele nem agüentava olhar.Preferia mil vezes a companhia dealgum local que, via de regra, sempre otratava com afeto, mesmo que tivesseacabado de conhecê-lo.As ruas passavam e Schmidt olhavamecanicamente para elas. Sabia ondeestava indo e já se acostumara com ocaminho. Não era preciso pensar muito,apenas seguir. Estava absorto em seuspensamentos quando, de repente, ouviuum estrondo e o carro se desgovernou,obrigando seu motorista a diminuir deimediato a velocidade.Schmidt encostou o carro da melhor

maneira que conseguiu. Teve um maupressentimento quanto ao novo problemaque surgiu ao descer do carro. Olhourápido em volta e percebeu que estavaem uma região habitada, com diversascasas populares. Deu a volta no carro e,olhando para o lado direito, viu que opneu estava furado.

CAPÍTULO XXIV Schmidt, ao ver o pneu furado, soltou umimpropério, mas isso não ajudou emnada pois o pneu continuou do mesmojeito, como se estivesse rindo de seudesespero. Essa sensação fez com queficasse ainda mais zangado e ele deu umforte chute no pneu inútil. Mas não haviaalternativa. Tinha que trocar o pneu omais rápido possível.Schmidt abriu o porta-malas para pegaras ferramentas e o sobressalente. Noentanto, para chegar até eles teve queretirar uma cesta de palha, que colocoude lado, no chão. Pegou o macaco, tirou

o paletó e o chapéu e começou alevantar o automóvel. Focado no quefazia, não percebeu que um garoto que atudo assistira se aproximava. Muitocurioso como qualquer garoto de suaidade, foi direto em direção à cesta queestava no chão. Ele viu Schmidttrabalhar, mas, desinibido, ao mesmotempo em que abria a cesta, perguntou:"O senhor vai pescar?"Schmidt, ao ver a cena, ficou de súbitohorrorizado e berrou, enquanto largavaas ferramentas, que fizeram enormebarulho ao bater no chão. Largou o quefazia e correu enfurecido em direçãoàquele menino: "Largue isso! O quepensa que está fazendo?"O menino, muito espantado, soltou a

tampa da cesta, que fez um som abafadoao fechar. Levantou-se rápido, dando umpasso para trás, e disse:"Desculpe, senhor, não fiz por mal Sóqueria ver que tipo de anzol o senhorusa para pescar.""Isso não é para pescar!" - disseSchmidt sem pensar, enquanto pegava acesta no colo do menino."Não? E por que tem tanto material depesca?" - continuou o garoto com muitacuriosidade.Schmidt não sabia o que responder etambém não queria mais perder tempocom aquilo:"Vá para casa, menino, e me deixe empaz!"

O menino, confuso e contrariado, achouque era melhor seguir a orientação dadae foi embora. Schmidt olhou para acesta, agora aninhada em seu colo, epensou consigo mesmo:"Que besteira que eu fiz."Mas não havia tempo para se lamentar.Olhou para o relógio, viu as horas esoltou novo impropério. Rápido, mascom cuidado, colocou a cesta de novono chão, agora bem perto de si, paraevitar curiosos. Terminou de trocar opneu, guardou as ferramentas e o pneufurado no porta-malas. Ali achou umtrapo que usou para limpar as mãos. Porcima de tudo, recolocou a cestacuidadosamente no mesmo lugar que

estava antes. Fechou o porta-malas,vestiu paletó e chapéu e, apressado,religou o carro para, finalmente, retomarseu curso.Um pouco mais calmo agora, Schmidtverificou onde estava, para se orientar.Conferiu de memória que estava nadireção certa. Relaxando, pensou denovo na cesta e em seu preciosoconteúdo. Balançando a cabeça de umlado para o outro, repetiu para simesmo, como se isso fosse reconfortá-lo:"Que besteira que eu fiz."Mas não havia tempo para pensar nissoagora, pois alguma coisa chamou suaatenção.

"O bairro dos judeus ..." - verificou ele.Schmidt precisava chegar à rua FreiCaneca, no centro do Rio de Janeiro.Era próxima à rua Tenente Possolo,onde fica até hoje aquele que foi oprincipal templo judeu na cidade. Emsuas ruas próximas viviam, naquelaépoca, centenas de famílias judias, atéque o centro da cidade tornou-seimpróprio para residências e elasmudaram principalmente para a ZonaSul da cidade.Ele dirigiu em direção ao Campo deSantana e pegou a rua Regente Feijó,que é travessa da rua Frei Caneca. Aochegar próximo a seu destino, Schmidtprocurou um local seguro e estacionou oStudebaker. Não queria que ninguém da

casa o visse e nem mesmo a seu carro.Sabia que, se fosse o local certo,voltaria com aquela mesma conduçãohoras mais tarde. Fechou o carro econtinuou tranqüilo o trajeto a pé.Procurando ser o mais discreto possível,andou pela rua e conferiu a numeraçãodas casas até chegar ao número 81."Ótimo! O endereço está validado." -pensou consigo mesmo.Mas mal comemorou e outra vez gelou.Logo acima da placa com o número dacasa havia outra placa com os dizeres:Pensão Israel"Claro! Só podiam ter enviado o judeupara uma pensão de judeus. Onde mais?"- raciocinava ele muito preocupado.

Tomado por profundo desânimo, masuma vez que já estava lá, resolveu irmais a fundo na questão. Mas eraaltamente improvável que seu alvoestivesse morando ali por tantos anos.Uma vez mais aproveitaria seu fortesotaque e se faria passar por judeu. Aoentrar na pensão encontrou um senhoridoso no balcão, que já o recebia comum leve sorriso, provavelmente porreconhecer um estrangeiro na fisionomiadaquele que entrava."Boa tarde, senhor. Em que posso ajudá-lo?" - disse, com sotaque carregado, osenhor atrás do balcão."Esse sotaque eu conheço. Ele só podeser um imigrante alemão." - raciocinouSchmidt.

"Boa tarde." - respondeu ele, com omelhor de seu sotaque e um grandesorriso para mostrar-se simpático. Otempo, no entanto, passava implacável, eSchmidt completou rápido:"Procuro por um parente que veio daAlemanha anos atrás. Talvez o senhorpossa me ajudar a encontrá-lo. Estive naIlha das Flores e me indicaram o seuendereço.""Meu amigo, por aqui já passaramcentenas, talvez milhares de pessoas. Éa pensão que geralmente indicam parajudeus que vêm da Alemanha. Temos atéum acordo com o governo e muitosimigrantes são enviados para cá, diretoda Ilha das Flores. Geralmente nãoficam muito tempo por aqui, apenas

algumas semanas até que consigam seestabilizar. Aí conseguem uma moradiafixa e se mudam. Mas se seu parentechegou há pouco tempo, talvez eu merecorde."Schmidt percebeu que o homem estavabem informado em relação àprocedência de seus clientes. Masestava cada vez mais desanimado e, jáesperando uma resposta negativa,comentou:"Na verdade meu parente chegou aoBrasil em 1920, há vinte e dois anosatrás."O velho no balcão não conseguiu seconter e soltou uma grande gargalhada.Mas olhando para Schmidt, percebeu

que o assunto era grave e se recompôsrápido, dizendo:"Desculpe, mas não é possível que eume lembre. No entanto, é muito provávelque ele ainda more nas redondezas.Talvez o senhor tenha sorte se procuraraqui por perto, perguntando emestabelecimentos comerciais.""Eu não tenho tempo, é uma questão devida ou morte." - disse Schmidt, commuita seriedade.O velho, agora envergonhado por suagargalhada, ficou também bastante sérioe perguntou:"Diga-me o nome da pessoa que osenhor procura. Vamos ver se consigomais alguma informação."

"Estelvich, Isaiah. E sua mulher, Sarah."Após pensar por alguns instantes, ovelho respondeu:"Eu só conheço um Estelvich, mas nãosei seu primeiro nome. Também nãoposso garantir que tenha passado poresta pensão, pois honestamente não melembro agora. Não apenas pelo númerode pessoas que passaram por aqui, masminha idade avançada já levou parte deminha memória."O velho fez uma breve pausa pararespirar enquanto Schmidt olhava paraele como um cão que fora abandonadopelo dono. Ele simplesmente não sabia oque dizer e esperava algum tipo demilagre. O velho coçou a cabeça,

apertando os olhos e os lábios. Pareciarealmente que tentava se lembrar dealgo, e disse:"No entanto, apesar de eu mesmo nãoser religioso, sei que há um rabinochamado Estelvich. Será a mesmapessoa?"Os olhos de Schmidt voltaram a brilhar,cheios de esperança:"E o senhor sabe onde posso encontrá-lo?""Claro!" - respondeu o velho com umlargo sorriso.Schmidt, de tão excitado, começou aesfregar as mãos."O senhor deve ir à rua Tenente

Possolo, aqui perto. Procure no templo.Mas não hoje, porque o templo já estáfechado."Schmidt ficou sério de novo:"O senhor não entende, precisoencontrar meu parente ainda hoje. Émuito importante."O velho fez uma careta, e depois outradiferente, e disse por final:"Espere um pouco. Vou até a sala dealmoço perguntar para um amigo que fazsua refeição aqui."O velho virou de costas e entrou atésumir. Schmidt estava ansioso, mastranqüilo ao mesmo tempo. Sabia queestava fazendo o que podia para cumprir

a missão. Após alguns intermináveisinstantes, o velho voltou com um largosorriso:"Como eu suspeitava, ele mora aquiperto sim. Acho que o senhor podecaminhar até lá."O velho então andou em direção aSchmidt, pegando-o pelo braço egentilmente conduziu-o para fora:"Veja." - disse o velho, esticando obraço na direção da rua."O senhor vá por ali até a rua Mem deSá. Ele mora nessa rua, esquina com arua Frei Caneca. Meu amigo não sabe onúmero, mas disse que é uma casa comgrade de ferro." - explicou o velho.Schmidt disse um gélido "Obrigado." e,

levantando ligeiramente seu chapéu, deuas costas para o velho, saindo apressadona direção apontada. Não havia maistempo a perder.Andando a passos rápidos e na trajetóriamais reta que conseguiu fazer, vez poroutra Schmidt esbarrava em algumtranseunte que vinha na direção oposta.Não parou por nada e, sempre que oesbarrão ocorria, recebia uma caretaque nem mesmo via de tão apressado.Quando afinal chegou à esquinadesejada, olhou em volta e viu que defato havia uma casa com portão de ferro.Andou sem parar até passar em frenteàquela casa. Agora só precisava tercerteza de quem morava ali. Schmidtparou na esquina próxima, de onde

podia observar a casa. Ele precisava deum plano."E se eu mexer na correspondência?" -raciocinava Schmidt quando de repente,para sua surpresa, a porta da frente seabriu. Para seu espanto, uma jovemnegra saiu da casa - não era o queesperava. Apreensivo, Schmidtcontinuou a observar enquanto ela saíapela porta e caminhava tranqüila emdireção ao portão da rua. Próximo doportão, no entanto, ela parou e virou-se,olhando para a porta da casa. Schmidtolhou para o mesmo ponto e observouque ela falava com alguém ali dentro,mas no entanto ele não conseguiu verquem era. Schmidt resolveu andar denovo na direção oposta à que tinha

vindo, e passar mais uma vez em frenteda casa. Quando estava quase chegando,conseguiu ainda escutar um "Até logo", ea porta já se fechava. Olhou rápido, atempo de perceber que dentro da casaestava uma senhora bem branca e deidade avançada. A porta fechou e amoça negra começou a caminhar muitopróximo a ele. Vestia-se de uma formasimples e ficou claro que ela eraempregada da casa.Schmidt precisava ter certeza absoluta earriscou:"A senhorita trabalha para osEstelvich?"A moça virou-se assustada para aquelehomem que ela não sabia quem era e

temeu em responder. Schmidt abriu omais largo sorriso que conseguiu elevantou seu chapéu, tentando mostrar-sesimpático. Então ela disse:"O senhor tem o mesmo sotaque que afamília para a qual eu trabalho."Desembaraçada, continuou:"E até se parece bastante." - disse issorindo discretamente."Vocês são tão branquinhos...""É que eu sou da colônia, entende?Freqüentamos a mesma sinagoga.""Sim, o senhor Isaiah é muito religioso.Faz orações mesmo em casa.""Eu sei, meu pai é muito amigo dele eme diz sempre: 'Benjamin, você deve

seguir o exemplo de meu querido amigo,o rabino Isaiah. Reze bastante que seráum homem melhor.'"A moça sentia-se cada vez mais segura econfortável com a inesperada companhiaem sua caminhada. As evidências erammuito fortes, mas ainda não havia acerteza absoluta. Schmidt, no entanto,não sabia mais o que dizer e começava aficar impaciente. A moça entãoperguntou:"Qual o seu nome todo, senhor?Mandarei lembranças suas a meuspatrões.""Benjamim Goldman." - disse Schmidt"Ótimo. O senhor Isaiah Estelvich vaigostar muito de saber. Adeus." - disse

ela ao mudar de direção para atravessara rua.Schmidt parou de andar de repente edisse apenas:"Adeus."Com um leve sorriso nos lábios, voltousua direção para onde estacionara ocarro. Aquela parte da missão estavacumprida. Bem cumprida.

CAPÍTULO XXV Agora Schmidt precisava se concentrarem sua tarefa especial. Dirigiu pelaavenida Rodrigues Alves em direção àpraça Mauá. No caminho, animou- seuma vez mais por achar que fazia umfavor íntimo, de camaradas, e que porcerto seria retribuído. Sempre quepassava pelo Arco da Lapa, construçãoque mais parecia um aqueduto romano,aquilo de alguma forma o fazia lembrarde sua própria terra, repleta de castelosmedievais. Inevitavelmente ospensamentos correram para sua terra epara o que ele fazia ali no Rio de

Janeiro."Uma punição." - lamentou-se.A Schmidt havia sido dada uma missãomuito simples na Polônia recémocupada. Logo após a invasão que deuinício à guerra, ele deveria ajudar astropas da SS a levantar os nomes dosprincipais líderes locais. No entanto,sentindo-se livre por estar longe decasa, não agüentou a tentação da vodka,que ali era abundante. No dia e horamarcados, em que deveria juntar-se auma força tarefa, simplesmente nãoapareceu. Horas depois foi encontradobêbado por um amigo, que tentou ajudá-lo a abafar o caso. Mas seus superioresnão aceitaram as explicações e oenviaram para aquela localidade

longínqua, propositalmente sem afamília."Fui um tolo." - reconheceu tardiamente.Ainda com os pensamentos longe notempo e no espaço, ele percebeu que seaproximava de seu destino, e diminuiu amarcha. Encontrou um local adequado ediscreto e estacionou próximo da praçaMauá."Se há um lugar onde posso arrumar umabonita moça para o coronel, o lugar éaqui, próximo das docas." - raciocinouele.Schmidt começou a caminhar por alisem saber com exatidão qual destinotomar. Mas como previra, não demoroumuito e, de fato, encontrou algumas

moças reunidas. Elas aparentavam sersimples, mas estavam bem arrumadas.No entanto, os olhares insinuantes einsistentes não deixavam dúvidas quantoàs intenções delas. Schmidt chegou bempróximo, pois queria ser o mais discretopossível."Boa tarde." - disse ele polidamente."Boa tarde." - responderam algumas,quase ao mesmo tempo.Schmidt buscou com os olhos a queestivesse mais bem vestida. Era umamoça atraente, pele branca, cabeloscastanhos ondulados e olhos tambémcastanhos. Estava com um vestidomarrom claro, sapato de salto alto e comum pequeno chapéu colocado de lado.

Schmidt se dirigiu direto para ela:"A senhorita está livre?"A moça, percebendo o sotaque, ficoumuito interessada."Para um cavalheiro como o senhor,claro que estou.""Na verdade não é para mim, é para umamigo meu."Ao dizer isso ele percebeu que a moçafez certo ar de preocupação. Moçaexperiente, achou que poderia ser umtruque. Schmidt, esperto, percebeu ecompletou rápido:"É um amigo muito importante. Chegouhoje do exterior e não fala português,por isso pediu que eu viesse em lugar

dele."A moça ainda estava um poucodesconfiada, mas afinal a história faziasentido. E aquele homem ali, pelosotaque e aparência, de certo eraestrangeiro, o que dava maistranqüilidade para ela, que afinalconcordou. Os estrangeiros eram maisconfiáveis pois dificilmente searriscavam a se meter em confusão.Além disso, em geral deixavam boasgorjetas. Em alguns casos, eram opassaporte para uma vida melhor.Combinaram o preço e Schmidt indicoua direção a caminhar."Meu automóvel está logo ali." - disseele, gentil, à moça.

CAPÍTULO XXVI A tarde avançava quando afinal Schmidtretornou à base. Achou melhor deixar amoça esperando no carro e entrou nacasa, ávido por falar com o coronel. Aoentrar na casa, encontrou o coronel nacozinha, comendo algo."Boa tarde, Herr coronel." - Schmidtnão esperou pela resposta aocumprimento, pois sabia ser algo quenão viria. Continuou, enquanto o coronelolhava fixo nos seus olhos, mastigando:"Tenho boas notícias. Localizei oendereço do judeu e já fiz o

reconhecimento do terreno. Estive lápessoalmente."Schmidt fez uma pausa esperando algumtipo de elogio. Mas em vez disso veiouma pergunta seca, com o coronel aindamastigando: "Você foi visto?""Claro que não, coronel." - respondeuSchmidt com polidez. Será que agora oelogio viria?Após alguns instantes o coronelterminou de engolir e ordenou:"Prepare-se. Vamos lá logo apósanoitecer." Schmidt ficou muitodesapontado, mas aí se lembrou dopresente. "Coronel, conforme o senhorme pediu, trouxe uma visita." O coronellevantou as sobrancelhas, interessado.

Perguntou, como se não lembrasse dopedido, dando o menor valor possívelao presente: "Que visita?""A moça, coronel. Lembra-se? O senhorme pediu pouco antes de deitar-se.""Ah sim. Está aí? Vamos ver como elaé." - disse o coronel, disfarçando ointeresse repentino.Schmidt, animado outra vez, correu parafora e foi chamar a moça, que aindaesperava dentro do carro. O coronelseguiu-o até a porta e de lá ficouobservando. Quando a moça saiu docarro, ele a olhou de longe, parado, comas mãos nos bolsos. Após algunsinstantes fez um gesto positivo com acabeça para Schmidt.

"A senhorita agora deve entrar e agradara meu amigo. Eu vou dar uma volta edaqui a uma hora retorno. Pode ficartranqüila, está tudo bem."A moça assentiu com a cabeça ecomeçou sua caminhada sensual emdireção à porta da frente da casa. Ocoronel não tirava os olhos dela sem, noentanto, mudar a expressão facial nemtirar as mãos dos bolsos da calça.Enquanto a moça entrava na casa,Schmidt ficou parado ao lado do carro,olhando para o coronel. Esperava pelomenos um gesto ou um leve sorriso deagradecimento. Em vez disso, o coronelsimplesmente virou as costas e entrou,batendo a porta atrás de si.

"Maldito arrogante." - pensou Schmidtconsigo mesmo.Sem ter o que fazer, Schmidt foi até umrestaurante ali próximo, aonde iahabitualmente. Sentou-se e ficou com oolhar perdido no espaço. Enquanto issoo garçom, que já o conhecia, aproximou-se:"Boa tarde, senhor. O de sempre?""Sim." - respondeu o desanimadoSchmidt. Ele tinha esperança de que acerveja o fizesse se sentir melhor. Sabiaque tinha feito um bom trabalho e que amissão era muito importante, devido apatente do oficial que haviam mandado.Achou-se injustiçado e que merecia pelomenos um cumprimento. Mas, daquela

geladeira ambulante, por certo viriatudo, menos isso. Sabia que por maisque se esforçasse não teriareconhecimento. Entre um gole e outrode cerveja, decidiu então que apenascumpriria ordens, nada mais. Para ele, aAlemanha era agora uma imagemnebulosa. Não tinha a menor idéia dequando poderia voltar. O dia havia sidotenso e, naquele momento descontraído,a saudade da família apertou seucoração novamente. Desconsolado comsua situação, curvou-se sobre a mesa.Ali mesmo, na mesa do restaurante,começou a chorar.

CAPÍTULO XXVII Uma hora depois, com o dia já indoembora, Schmidt estava de volta à base.Esperava que a moça tivesse controladoo tempo e que estivesse para ir embora.De fato, a porta abriu pouco depois deele voltar. Dali saiu a moça com amesma tranqüilidade com que haviaentrado e, atrás dela, Schmidt pôde vero coronel com ar satisfeito."Obrigado, senhorita. Aqui está odinheiro que combinamos e mais algumpara a senhorita voltar ao centro dacidade. Não vou poder acompanhá-la,sinto muito."

A moça recebeu o dinheiro e agradeceucom um leve sorriso. Saiu pelo portãoda frente e quando Schmidt virou-separa o coronel, esteja estava com armuito sério de novo. Ordenou comsecura:"Vamos sair daqui a pouco para pegaros papéis. Que esteja tudo pronto."Após alguns instantes, completou:"Mostre-me onde esconde o rádio."Schmidt apontou as escadas e ambossubiram. Lá em cima mostrou oaparelho, que estava bem escondido noseu quarto, cuja janela dava para o mar.O coronel ligou o aparelho apenas paracertificar-se de que funcionava, poispretendia usá-lo naquela mesma noite,

para avisar o submarino para resgatá-lo.Ele colocou o fio na tomada elétrica e aseguir empurrou a chave. Em instantes,com a escuridão do quarto, foi fácilperceber que as válvulas incandesciam ejá se ouvia alguma estática. No entanto,quando moveu o botão do volume, oaparelho soltou um forte estalo e asválvulas se apagaram. O coronel gritouum impropério:

"Scheiβe!"Schmidt, que estava atrás dele, relutouem dizer algo. Por certo qualquer coisaque dissesse seria motivo para o coroneldescarregar a raiva nele. Mas para suagrande surpresa o próprio coronelcomentou com frieza:

"Deve ser o sal marinho. Ele penetra emtudo e deve ter fechado um curto-circuito. O rádio queimou e não vamosconsertá-lo a tempo."O coronel disse isso e colocou uma dasmãos na testa, fazendo um gesto negativocom a cabeça. Schmidt, no entanto, sabiaqual seria a alternativa, mas não quisdizer nada de imediato. Gostou de ver ocoronel sofrendo e, em segredo, sevingava dele. Mas o coronel, esperto,sabia exatamente qual era a alternativa:"Vou fazer a transmissão do navioespião que está nas docas. Imagino quevocê saiba qual é e como chegar lárápido."Schmidt, surpreso e contrariado, disse

apenas:"Sim, senhor. É o navio espanholMajorca."Schmidt cobriu o rádio de novo evoltou-se para a porta. Tinha todo oroteiro daquela noite gravado em suamente. Sérios e trocando o mínimo depalavras, ele e o coronel verificaram sesuas armas estavam carregadas ecolocaram-nas em posição segura,embaixo do paletó. Para quem os via,pareciam apenas uma dupla deestrangeiros civis vestidos com roupasda época: paletó e chapéu. Mas erammuito mais do que isso, eram doisagentes da Gestapo treinados paramatar.

Ao sair da casa, Schmidt apagou asluzes e certificou-se de que a baseestava segura, com portas e janelas bemfechadas. A dupla entrou no carro com afraca luz pública. Alguns pássaros aliperto faziam seu último e solitário cantodo dia. A maré baixara e as ondas,pequenas naquela hora, mal podiam serouvidas. As ruas ficaram desertas bemrápido, pois eram mal iluminadas e amaioria das pessoas não possuía carro,tendo que fazer grande parte de seustrajetos a pé.Naquele Studebaker, no entanto, aescuridão da noite era muito bem-vinda.Isso ajudaria os agentes em uma parteimportante e fundamental da missão: osigilo.

CAPÍTULOXXVIII

John Wíslow olhou para o relógio naparede onde os dois ponteiros formavamum ângulo de 180 graus: eram 18h naembaixada americana no Rio de Janeiroe ele, cansado de sua jornada diária,pensou em fazer uma pausa. Olhou parao calendário na parede, com umaimagem da estátua da Liberdade, e fixouos olhos para o número cinco."Cinco de maio." - pensou. "Falta poucopara minhas férias agora."

Ele era o agente encarregado dasegurança e sempre ficava até maistarde, à noite, por precaução. OsEstados Unidos haviam entrado naguerra e vários procedimentos haviamsido atualizados, inclusive os códigosde criptografia com os quais eleprecisava se familiarizar com rapidez.Por isso conferia com freqüência asmensagens criptografadas recebidaspela embaixada. Naquele dia haviaalgumas notas sobre eventuaissubmarinos inimigos na costa do Brasile uma ou outra notícia sobre os avançosjaponeses. Após uma hora decifrandotudo aquilo, levantou-se e foi tomar umcafé. Antes, no entanto, tomou o cuidadode recolocar as tabelas de criptografia

de novo no cofre, como mandava oprocedimento. Naquela hora o silênciojá era absoluto na embaixada e Johnpodia ouvir todos os ruídos. Jápassavam das 19h horas quando, da salade café, ele ouviu o telégrafo automáticocomeçar a trabalhar. Uma novamensagem saía do aparelho. Apesar dejá estarem no meio do outono, a noiteera morna e a bebida quente era tomadadevagar. Ele terminou seu café nomesmo momento em que o aparelhoparou de cuspir a mensagem. Colocou axícara na pequena pia, virou-se ecaminhou em direção a sala dotelégrafo. John retirou a fita da máquinae ficou seriamente em dúvida se deixavapara decifrar a mensagem na manhã

seguinte. Já estava cansado e queria irpara casa. No entanto, zeloso, resolveuabrir de novo o cofre e retirar as tabelasde criptografia mais uma vez.Era sem dúvida uma mensagem muitodiferente das que ele costumava receber.Falava de uma missão muito importante,que era o resgate de uma pasta comdocumentos especiais. O endereçoestava claro, ficava no centro da cidadee havia um alerta: irem em dupla e deimediato.John não pensou duas vezes e foiacordar seu colega Vincent no mesmoinstante. Ele faria o turno da madrugadasubstituindo John. Por ter horáriosdiferentes, Vincent preferia dormir naprópria embaixada.

"What?" - reclamou. Com o excepcionalcalor daquela tarde tinha sido muitodifícil para ele pegar no sono. Vinha doestado de Washington e estavaacostumado ao frio. Quando o tempoestava quente daquele jeito, nãoconseguia dormir mais do que poucashoras. De fato, despertar não foi fácil."Vincent!" - chamou John, impaciente. -"Temos uma missão muito importante acumprir. Apronte-se e me encontre nasaída principal em cinco minutos!" -ordenou John. "No caminho explico doque se trata." - John virou-se e foi cuidardo transporte.Vincent levantou-se mecanicamente e foilavar o rosto. Ele olhou para o espelho e

viu um homem de meia idade,descabelado e com olheiras. Malconseguia abrir os olhos. Abriu a águada torneira e lavou freneticamente orosto tentando espantar o sono. Enxugou-se, penteou o cabelo e, olhando de novopara o espelho, respirou bem fundocontemplando o mesmo rosto de antes.Sem muitos recursos, apenas tomou umgole do café que John havia esquentadopouco antes e estava pronto no tempo elocais combinados.John não esperou Vincent fechar a portapor completo e já saiu arrancando com ocarro pela avenida Presidente Wilson.Dali, seguiu veloz pelas ruas do centrodo Rio de Janeiro. Ele tinha pressa. Nocaminho explicou em resumo a

importante missão que os esperava."Trouxe sua arma?" - perguntou John."Claro, John. Eu jamais saio sem ela daembaixada." - respondeu Vincent comoquem fazia aquilo pela milésima vez.Não tendo idéia se estaria sendoesperado por agentes inimigos, muitomenos por quantos, John resolveu seguiro protocolo de segurança e estacionouseu Ford a duas quadras do local dedestino. Ele e Vincent terminariam otrajeto a pé.

CAPÍTULO XXIX O coronel Von Wiesen e o agente localSchmidt da Gestapo estavam resolutosem recuperar os papéis para aAlemanha."Coronel." - disse o agente, chamando-ode lado. "Esse velho judeu está nosfazendo de bobos. Acho que devíamosretomar o procedimento com a velha." -disse rápido, em alemão e com vozbaixa, para evitar que o casal de idososouvisse.Esperto, o senhor Isaiah mesmo de longeentendeu o que se passava. Temendo que

sua esposa sofresse novo golpe dissepor fim:"Faz muito tempo que aqueles papéisestão guardados. Mas agora me lembreionde estão." - falou o senhor Isaiahpausadamente, sem levantar os olhos dagaveta em que fingia procurar umachave.Ele virou-se e, sem saída, caminhoupara as escadas do velho sobrado. Doprimeiro degrau, lançou um olhar para amulher. Percebeu na resposta dela odesespero e aquilo lhe deu arrepios.Mas o coronel da Gestapo já estavacolado nele e o empurrou escada acima.O senhor Isaiah se desequilibrou echocou-se contra um dos quadros naparede, retratando sua família, que caiu

no chão. Com o canto dos olhos eleainda viu o alemão pisar de propósitono quadro, estraçalhando-o. Apóschegarem ao andar superior,caminharam pelo corredor e entraram noprimeiro quarto à direita. O coronelpercebeu, no momento em que entraramno quarto, que não era um quarto dedormir, pois não havia camas nele. Alihavia alguns armários e um velho baúencostado em um dos cantos do quarto.O coronel Von Wiesen abriu os olhos omáximo possível para tentar preverqualquer surpresa. Mas o senhor Isaiahjá havia se dado por vencido. Perdera aesperança de qualquer ajuda e ia,realmente, entregar os papéis.Ele se ajoelhou na frente do baú e

retirou do bolso um molho de chaves.Escolheu a menor de todas e, quando iaabrir o baú, o molho de chaves escapoudas mãos cansadas e caiu no piso demadeira fazendo enorme estrondo.Irritado, o coronel agarrou o senhorIsaiah pelo colarinho e forçou-lhe acabeça contra o chão para que elepegasse de imediato o molho de chaves.Tremendo, o senhor Isaiah usou suasúltimas forças para levantar o molho eacertar a chave. Separou de novo amenor de todas, que se encaixou comperfeição na fechadura do baú. Quandoo senhor Isaiah abriu o baú, o coronelempurrou-o para o lado para enxergar oconteúdo. Viu dois montes de papéisvelhos e, sem saber o que retirar,

agarrou o senhor Isaiah de novo pelocolarinho, dessa vez inclinando-o emdireção às pilhas de papel. Olhoufixamente os olhos do assustado velho enão precisou dizer nada. De imediato osenhor Isaiah começou a procurar osdocumentos. Ele retirava os papéis umatrás do outro e os colocava no chão, aseu lado. Terminou o primeiro montesem encontrar o que procurava. Temiaque a memória o tivesse traído, o quepor certo seria punido com severidadepelo coronel, que bufava ao seu lado.De joelhos, partiu de pronto para asegunda pilha, rezando para encontrar oque precisava ser encontrado.Quando começou a retirar as primeirasfolhas, viu uma pasta negra mais ou

menos no meio da pilha e, aliviado, desúbito lembrou que era exatamenteaquilo que procurava. Afastou rápidomais algumas folhas de papel queestavam no topo da pilha e, por fim,retirou uma velha pasta preta de dentrodo baú. Sem olhar para cima, esticou obraço e entregou a pasta ao ansiosocoronel.Ali mesmo, de pé, o coronel abriu apasta para conferir. Dentro da pasta ospapéis estavam soltos. Ao abrir a pastacom pressa, o coronel quase os derrubouno chão. Com rapidez ele recolocou ospapéis na pasta e a segurou comcuidado.Ele, homem da nobreza alemã, haviaestudado nas melhores escolas de

Heidelberg. Mesmo assim tevedificuldade de entender do que setratava. O que aquilo queria dizer?Seriam de fato os papéis que vierabuscar? Viu um desenho feito à mão dealgo que parecia uma aeronave. Para seuespanto, o motor parecia estar na caudae, no entanto, não tinha hélices. Alémdisso, também não parecia haver lugarpara o piloto."Como isso vai voar?" - perguntava-se.Ficou assombrado com o que leu eentendeu de imediato a grandeza e aimportância daqueles papéis: "Essemotor deve transportar seu própriooxidante, o que lhe permite operar naausência de um suprimento de ar."

"Em outras palavras, seja lá qual for opropulsor, não é o tipo de motor acombustão que todo avião usa."Na linha de baixo, o texto continuava:"Possibilidade de levar grandes cargasmais rápido e mais longe". Viu tambémuma referência à terceira lei de Newton:"para cada ação há uma reação igual eoposta". Por fim, em uma das folhas, viua inconfundível assinatura: AlbertEinstein.Naturalmente não havia tempo para fazerum estudo minucioso dos papéis, mas asprimeiras folhas fizeram-no concluir:"Não resta a menor dúvida!" - pensouele. "Os papéis são estes mesmos. Este éo projeto secreto de Einstein".

Ele fechou a pasta com cuidado e olhoupara o senhor Isaiah, que ainda estavade joelhos no mesmo lugar.Talvez o coronel tenha ficado nervosoou ansioso ao extremo com toda alentidão do idoso, talvez ele fosseapenas mau. Ou quem sabe ambas ascoisas. Mas o fato é que nuncasaberemos o que fez com que ele entãoretirasse lentamente sua pistola WaltherP38 de dentro do casaco. Não sepreocupou nem em colocar umsilenciador, e atirou a queima roupa.

CAPÍTULO XXX A alguns quarteirões dali, doisamericanos caminhavam apressados emdireção à residência dos Estelvich. Osom abafado de um tiro fez com que osdois parassem por um momento eolhassem um para o outro. Sem nadadizer, partiram em disparada em direçãoao endereço que tinham em mãos. Aovirarem a esquina, pararam apenas porum instante para conferir na placa seaquela era a rua Mem de Sá. Olhando aoredor, perceberam que a rua estavadeserta e saíram freneticamenteconferindo os números das casas para

encontrar aquele que buscavam. Essepequeno atraso, no entanto, permitiu aosagentes alemães saírem andandocalmamente pelas ruas desertas dacidade.Alguns instantes depois os americanosviram a porta entreaberta de um velhosobrado e pressentiram que o pioracontecera. Preventivamente sacaramsuas Colt 45 e correram pelo pequenojardim da casa até a porta. Ao entrar, sedepararam com uma senhora que searrastava pelo chão da casa em direçãoda escada que levava para o andarsuperior. Atrás de si havia um rastro desangue. Horrorizados com a cena, osdois homens guardaram as pistolas ecorreram em direção a ela. Ao vê-los

ela lançou um olhar de desespero."Mam." - disse um deles com sotaquecarregado. "Somos agentes do governoamericano. A senhora está segura agora.O que aconteceu?"Aquela palavra, "segura", doeu mais doque o soco que havia levado. Ela jápressentia que a notícia que iria receberseria a pior de sua vida. Ela apontou asescadas e pediu que alguém fosse verseu marido imediatamente.Enquanto Vincent subia as escadas Johnajudou-a delicadamente a sentar-se. Elaestava com hemorragia devido ao socoque levara. O sangramento era forte eabundante e ela já estava fraca. Johnpreparou um torniquete com seu próprio

lenço para tentar estancar a hemorragia.Na casa agora em silêncio, se ouviaapenas o ruído constante do relógio deparede.Instantes depois, Vincent desceu asescadas. Parou no mesmo degrau onde asenhora Sarah havia dado seu últimoolhar para o marido. De lá, ele fez umgesto de negação com a cabeça e asenhora Sarah pôs-se a chorar, poisentendeu imediatamente que perdera seuquerido companheiro de tantos anos."Mam." - disse John com delicadeza."Eu sei que a senhora passa por ummomento terrível e já vamos levá-lapara o hospital. Mas nós precisamossaber quem fez isso, agora."

A senhora Sarah, com um esforçotremendo, conseguiu controlar sua dor.Confusa ainda, disse pausadamentealgumas frases desconexas:"Torturaram Isaiah até o limite de suasforças... Alemão... Também falavaportuguês... Meu querido Isaiah estámorto agora ..."Ela parou de falar e esforçou-senovamente para não chorar enquantoJohn lançava um olhar desolado paraVincent. Aquela senhora, além de tudo,lembrava de alguma forma sua própriamãe que estava nos Estados Unidos. Asenhora Sarah apenas soluçou econtinuou no mesmo ritmo lento:"A tática não estava funcionando e o

alvo passou a ser eu. Meu pobre Isaiahnão suportou olhar e concordou ementregar os papéis. Hoje pela manhãrecebemos um telefonema de Einsteindizendo que vocês iriam chegar. Entãomeu marido procurou atrasar a entregados papéis para ver se dava tempo devocês chegarem."Nova pausa. Os americanosmantiveram-se em respeitoso silêncioaté que a senhora Sarah voltasse a falar:"Não deu tempo... Por muito pouco...""De tanta pressa me deixaram aquijogada, apenas para morrer. Perdão,senhores, mas eu realmente não me sintonada bem.""Senhora Sarah, apenas peço que a

senhora descreva o alemão que falavaportuguês. Qualquer coisa de que asenhora lembre nos ajudará.""Cabelos escuros, baixo."Pouco antes de desmaiar, ela confirmouque o alemão carregava uma pastavolumosa e negra ao sair. Aquelasenhora com seu sotaque carregado eainda por cima falando sem clareza nãoconseguiu dizer para os americanosquantos agentes alemães participaram daação. Essa aparente falha poderia nãoter muita importância mas o fato é queacabaria trazendo sérios transtornospara a perseguição que os americanosiriam organizar.

CAPÍTULO XXXI De onde estavam até as docas no portodo Rio dejaneiro era um pulo. Sehouvesse tempo, poder-se-ia até ir a pé.Mas não era o caso. Todo minutocontava, pois havia horário para passara mensagem para o submarino. Alémdisso, em pouco tempo aquele localestaria repleto de policiais e se haviauma coisa que não podia acontecer eraesbarrar com eles mesmo que por acaso.Os alemães então pegaram o carro e, docentro, rumaram para o mesmo localonde Schmidt estivera naquela tarde. Eleestacionou o veículo próximo à praça

Mauá e, ao descer, o coronel fez questãode levar a pasta negra. Não a deixariasozinha um instante sequer, muito menosdentro de um carro estacionado à noiteem um lugar como aquele. Caminharamjuntos até as docas, a passos rápidos.Dado o horário e a falta de credencial,os dois alemães sabiam que seriambarrados, mas não houve dificuldade emconvencer a portaria a deixá-los entrar.Não estavam na Europa, bem sabiameles. Se havia alguma coisa que algumdinheiro conseguia fazer, era abrir umaporta. O próprio porteiro, agradecido,ainda indicou o local de atracação doMajorca.Ambos caminharam tranqüilos pelo

local, acompanhando a linha dos trilhosque os levaria até o navio espião, queera espanhol.De fato, a Espanha havia sido arrasadapor uma sangrenta guerra civil e nãotinha condições de se manifestar por umlado nem pelo outro no cenário Europeu.Os aliados fascistas de Franco, Hitler eMussolini, apoiaram os nacionalistas. ALuftwaffe - Força Aérea Alemã -bombardeou a cidadezinha de Guernicana região basca, o que foi um verdadeiromassacre. Esse episódio ficoumundialmente conhecido com o quadrode mesmo nome do pintor PabloPicasso. Mussolini, por sua vez, chegoua enviar setenta mil soldados italianospara a Espanha. Finalmente, em 1939,

depois de três anos de guerra civil naEspanha, o general Francisco Francotornou-se o caudilho daquele país. Aguerra civil espanhola é consideradahoje o prelúdio da Segunda GuerraMundial, por muitos anahstas. Um teatrode operações onde novas armas alemãspuderam ser testadas.Oficialmente, na Segunda GuerraMundial a Espanha era neutra. Noentanto havia uma dívida com os líderesfascistas que haviam ajudado na guerracivil. Essa dívida de Franco estavasendo cobrada e paga com uma discretaajuda militar espanhola, por meio daatuação da Divisão Azul no teatrooriental da guerra européia. Umadivisão formada por voluntários, ou

seja, não era o exército oficial espanhol.Esperto, foi a solução que Francoencontrou para agradar seussimpatizantes e ao mesmo tempo nãooficializar um apoio que poderia lhecustar o poder.Então regimentos de voluntários foramcriados em Madrid, Barcelona, Sevilha,Valência e todas as outras regiõesmetropolitanas. Em dois de julho de1941, os postos de recrutamento foramoficialmente fechados, com o número devoluntários tendo até mesmo superado amarca de uma divisão. A maior partedesses homens não era de voluntáriosinexperientes, mas, pelo contrário,muitos eram veteranos da guerra civil,acostumados com os rigores da vida

militar. Ou seja, homens com qualidademilitar que poderiam, e realmente forammuito úteis ao Reich. Com a divisãoagora formada, o seu comandante foianunciado como sendo o generalAugustin Munoz Grandes. Não sendomembros do exército espanhol, tiveramque improvisar um uniforme simbólicopara a divisão. Usaram uma boinavermelha do movimento carlista, acamisa azul do movimento falangista -que por fim deu o nome à unidade queficou conhecida como Divisão Azul - eas calças cáquis da Legião Estrangeiraespanhola. Esse uniforme era para serusado enquanto permanecessem naEspanha mas, antes de partirem,receberam o tradicional uniforme do

exército alemão, contendo um escudocom as cores nacionais espanholas e apalavra Espana na parte superior damanga direita.Como previsto, a atuação espanhola foitão importante que os alemães criaramuma condecoração específica para essescombatentes. A condecoração entreguepara os voluntários espanhóis erachamada de Erinnerungsmedaille fürdie Spanischen Freiwilligen' im Kampfgegen den Bolschewismus ou MedalhaComemorativa para VoluntáriosEspanhóis na Luta contra oBolchevismo. Conhecida popularmentecomo Medalha da Divisão Azul, ela foioficialmente instituída em três de janeirode 1944. Hitler, astuto, justificou sua

agressão contra a então União Soviéticacomo sendo sua luta contra o comunismoou contra o bolchevismo. Mas a verdadeé que estava desesperado pelas fontesde petróleo soviéticas que, até hoje, sãoum bem muito precioso dos países que aformavam. Hitler precisava conquistá-las a qualquer preço para poderalimentar sua máquina de guerra. Issofoi ainda mais necessário após suaderrota no norte africano, que frustrou oacesso a fontes do ouro negro, opetróleo. Hitler deu a desculpa da lutacontra o bolchevismo, mesmo que issofosse iludir seus próprios aliados, paradeclarar guerra aos soviéticos.Além da ajuda militar indireta, é claroque toda a informação sobre os aliados

que chegasse aos espanhóis eraimediatamente repassada para os paísesdo Eixo. O suporte aos seus espiõestambém foi inevitável. Por isso aquelenavio espanhol ancorado nas docas doporto do Rio de Janeiro era a tábua desalvação para a missão do coronel.A noite já ia avançada e o único somque se ouvia, além dos próprios passos,era o ranger dos cabos de amarraçãodos navios, que eram testadoscontinuamente pela força do movimentodos ventos e do mar."Está vendo o navio, Schmidt?" -perguntou o coronel."Não, senhor. O senhor sabe como é abandeira dele?" - perguntou

ingenuamente Schmidt.O coronel olhou para Schmidt comdesprezo e pensou em passar umareprimenda qualquer. Afinal, como elepoderia não conhecer a bandeira de umpaís amigo? Mas, cansado, disseapenas:"Procure por uma bandeira amarela evermelha."Mas ali, afinal, sentiam-se seguros eaquela caminhada a beira mar eraagradável. Os dois homens, no entanto,não baixaram a guarda. Continuarambastante atentos até chegar a seu naviode destino. Olhos e ouvidos bemabertos, estavam preparados paraqualquer tipo de ameaça.

Ao chegarem à rampa de embarque, nãoencontraram nenhum segurança, apenasuma corrente impedia a passagem.Olhando para os lados os dois homenscertificaram-se de que não havianinguém por perto e pularam rápido acorrente. Conforme subiam a rampa, noentanto, sentiam-se cada vez maisseguros e sua guarda afinal começou abaixar.Chegando ao convés, perceberam quehavia uma única janela com luz, noconvés superior. Em voz baixa o coronelapontou na direção da luz e disse:"Vamos subir pela escada."Caminharam direto para a escada,passando por vários engradados de

madeira, o que fazia supor tratar-se deum navio cargueiro."Um perfeito disfarce." - chegou apensar o coronel.Ao chegar à escada estreita e quasevertical, o coronel subiu primeiro, comSchmidt logo atrás. O coronel subialentamente e com dificuldade, pois tinhaapenas uma mão para usar. Com a outra,não descuidava um momento de suapasta.Uma vez no convés superior,continuaram a caminhar na mesmaformação em direção à janela iluminadaque agora estava bem próxima. Nocaminho havia apenas um corredorescuro, na transversal, pelo qual

passaram e sem olhar, de tão confiantes.Portanto não viram que havia alguém ali.Estavam focados apenas em chegar até asala iluminada.Ao se aproximarem da porta que davaacesso ao ambiente iluminado, ouviramuma ordem em espanhol vir de trásdeles:"Alto!"O coronel não entendeu o que foi dito,mas o som enérgico da voz seguido pelosom familiar do destrave demetralhadora fez com que ele estancasseimediatamente.

CAPÍTULO XXXII Ao perceber a situação, o coronel virou-se para Schmidt e disse devagar: "Fiquecalmo. Precisamos resolver isto comtranqüilidade." Ao ouvir aquelaspalavras em alemão, subitamente oespanhol levantou o cano dametralhadora para cima."São alemães?" - perguntou ele emespanhol.Por falar português, Schmidt conseguiuse comunicar sem muita dificuldade."Si!" - respondeu ele.O espanhol abriu um leve sorriso e

exclamou, travando sua metralhadora:"Ermanos!"Schmidt logo se apresentou como sendoo agente local da Gestapo que havia secomunicado com o navio dias antes.O marinheiro ouviu toda a explicação deSchmidt. Virou-se em direção a salailuminada e gritou: "Capitán!"Da sala iluminada saiu um homem baixo,careca e barbudo, que usava umapequena boina para aquecer a cabeça.Apresentou-se como sendo o capitãoJosé Manuel, do cargueiro espanholMajorca, e convidou os dois alemães asair do relento.Apresentações feitas, o coronel Von

Wiesen foi direto ao ponto, tendoSchmidt como intérprete:"Capitão, peço que o senhor nos deixeusar o rádio de bordo agora, poispreciso passar uma mensagem para meutransporte às 24h de hoje. Como osenhor sabe, faltam poucos minutos paraesse horário.""Claro que sim. Basta que me sigam, porfavor." - respondeu o capitão,gentilmente.O capitão conduziu os dois alemãesdireto para a sala de rádio, que ficavano mesmo convés. Ao chegar lá,polidamente deixou que eles ficassem asós e que utilizassem "à vontade" seurádio.

Sem perder tempo, o coronel sintonizouna freqüência que sabia de cor eaguardou o horário exato para fazercontato.Germanicamente às 24h ele escutou umestalo nos alto-falantes de seu rádio. Aseguir, ouviu uma voz falar em alemão:"Ninho da águia para águia, câmbio." -chamou o operador de rádio do U-162.Ansioso, Von Wiesen não esperou umasegunda chamada:"Águia para ninho da águia, câmbio.""Qual a situação? Câmbio.""O pacote foi retirado. Câmbio.""Entendido, o pacote foi retirado." -repetiu a voz, confirmando que havia

entendido a mensagem."Procederemos ao embarque conformecombinado. Câmbio." - continuou ooperador de rádio do U-162."Entendido, embarque conformecombinado. Câmbio final e desligo." -encerrou o coronel.Aquele código significava que na noiteseguinte o U-162 estaria aguardandopara que Von Wiesen embarcasse com apasta. O embarque seria na hora maissegura, ou seja, às 4h da madrugada,exatamente no mesmo ponto onde elehavia sido deixado na noite anterior.Dali, rumariam para o porto de origem.Ao terminar a comunicação o coronel,satisfeito com a precisão da tripulação

do submarino, levantou-se e caminhoupara a porta. Schmidt estava em seucaminho e deu um passo atrás, semesperar qualquer palavra do coronel,que sequer olhou para seu rosto.Ambos afinal saíram da sala do rádio ese encontraram com o capitão JoséManuel e seu marinheiro, que aindasegurava a metralhadora.Cortês, o capitão convidou os doishomens para que o acompanhassem atésua cabine, onde poderiam tomar umcopo de vinho."Sim, capitão. Isso seria ótimo." -respondeu Schmidt, sem que o coronelpudesse entender. Aí virou para ocoronel e disse em alemão:

"Coronel, não podemos sair sem visitara cabine do capitão, pois isso seriaconsiderado extremamente descortês denossa parte. Lã, segundo o costumeespanhol, será oferecido algum tipo debebida que nós não devemos recusar."O coronel, um homem insociável, nãoentendia aquilo. Mas sabia queprecisava agradar aos espanhóis poispoderia precisar deles novamente. Nãodiscutiu e esforçou-se para fazer umaexpressão agradável.Os quatro homens seguiram para acabine do capitão onde este, com muitoorgulho, serviu quatro taças de sua únicagarrafa.A parte social daquela inesperada visita

ficou por conta de Schmidt que, é claro,de tanto elogiar a bebida acabouganhando mais uma taça. O coronel, porsua vez, permaneceu impassível eesforçou-se apenas a engolir aquelabebida sem engasgar.Afinal os homens se despediram e adupla alemã desembarcou do navio pararetornar ao carro.Os dois caminhavam tranqüilos, com aagradável sensação de fazerem o melhorpossível e, ao passar de novo pela praçaMauá, a princípio não notaram a moçaque percebeu naqueles dois homensrostos conhecidos.

CAPÍTULOXXXIII

A moça percebeu que os dois homensnão a viram e resolveu caminhar emdireção a eles pensando que talvezpudesse fazer outro programa, ganharmais algum dinheiro, uma boa gorjeta ouquem sabe finalmente mudar de vida.Sempre havia essa esperança em seuspensamentos.Schmidt foi o primeiro que percebeu aaproximação dela com o canto dosolhos. O coronel também percebeu, mas,por sua vez, não deu a menor atenção. A

moça, percebendo que seria ignorada eque os dois homens já se afastavam com.rapidez, disse em tom de desafio, semparar de andar:"Não me deram nenhuma gorjeta maiscedo e agora vão também me ignorar?Nunca vi estrangeiros tão sovinas."O coronel olhou na direção de ondevinham aquelas palavras que ele nãocompreendia. Olhou com desprezo e defato a ignorou, fingindo nem sequerreconhecer a mesma mulher com quemse deitara horas antes. Voltou seus olhospara seu destino, sem expressarqualquer emoção.Aquilo foi demais para ela. Indignada,apertou o passo e, ao se aproximar dos

dois homens, conseguiu segurar no braçodo coronel. Ela queria que ele parasse eque se virasse para ela. Sua idéia eraapelar, talvez fizesse um princípio deescândalo bem ali no meio da rua que ofizesse soltar algum dinheiro.O coronel parou por um breve instante eolhou para a mão que o impedia de selocomover. Não olhou para o rosto damoça e puxou o braço com violência aomesmo tempo em que se virava de novopara a direção do carro, e continuou acaminhar sem se abalar.Mas com o puxão a moça sedesequilibrou e caiu sentada no chão.Cheia de ódio, sua mão alcançou umapequena pedra e dali mesmo, do chão,ela a arremessou contra o coronel. Não

era para machucar, era apenas paramostrar sua indignação. De fato nãomachucou fisicamente, mas fez umenorme estrago nos brios de VonWiesen. Este imediatamente estancou evirou-se para a moça, dirigindo-lhe umolhar fulminante. Ela, esperta, selevantou rápido e seguiu na direçãooposta, sem olhar para trás, e voltou apassos rápidos para seu ponto.Schmidt apenas observou a cena e,atônito, ficou com a boca aberta. Pareciaesperar pela ordem que veio a seguir:"Liquide-a." - disse com frieza ocoronel.Schmidt tentou, em vão, negociar:"Mas coronel, ela não chegou a

machucar o senhor. Foi apenas umdesagravo.""Vai cumprir minha ordem ou terei eumesmo que executá-la?"Schmidt viu que o coronel falava sério.Muito contrariado, apenas confirmou:"Sim, senhor. Eu executo."Schmidt caminhou com calma emdireção ao grupo de moças enquanto ocoronel ficou parado, de pé, apenasobservando a cena. Ele foi direto falarcom a moça atrevida:"Preciso falar com a senhorita. Porfavor, me acompanhe." - disse eleesforçando-se para abrir um levesorriso.

Ela também sorriu e virou-se para suascolegas com um ar vitorioso. Achou queseu plano tinha dado certo.O coronel viu que os dois se separaramdo grupo e que a moça seguia Schmidtpara um beco mais escuro ali perto.Com certeza a moça pensou que ele lhedaria algum dinheiro. Ao entrar no beco,no entanto, Schmidt a prensou contra aparede, segurando-lhe a boca com forçacom uma de suas mãos para que ela nãofizesse nenhum barulho. Ao mesmotempo, com a outra mão pegou a facaque estava presa em sua cintura. Aoexpor a lâmina, o brilho fez com que amoça se desesperasse.Enquanto isso o coronel decidia entre iratrás de Schmidt ou ficar ali mesmo.

Inevitavelmente um sorriso sarcásticoapareceu em seus lábios. Sentia-seincrivelmente poderoso."Escute e escute bem o que vou dizer." -disse Schmidt para a moça cujos olhosjá ameaçavam saltar de tanto medo."Você deve caminhar o mais rápidopossível, para o outro lado. Se eu ou ocoronel nos encontrarmos com asenhorita de novo, a senhorita morre.Entendeu bem?"Com a boca tapada, a única coisa queela conseguiu fazer foi acenar de levecom a cabeça, apenas uma vez para cimae outra vez para baixo."Agora vou soltar-lhe a boca. Se asenhorita fizer qualquer barulho, mato-a

na hora."Schmidt soltou aos poucos a boca damoça cujos olhos ainda mostravam todoseu pavor. Assim que se sentiu livre elanão perdeu tempo e fez exatamente o queSchmidt mandou, sem qualquer barulho.Schmidt enfiou sua faca em um cachorromorto que estava ali no chão. Ao sair dobeco, percebeu os olhos ansiosos docoronel, que o fitavam. Sem perdertempo pegou seu lenço e encenou alimpeza de sua própria faca. Terminou alimpeza ao mesmo tempo em que seaproximava do coronel. Guardou a facae deixou, de propósito, a parte do lençomanchada de vermelho aparecendo nobolso da calça.

"Usou a faca, Schmidt." - disse ocoronel com o mesmo sorrisosarcástico. E ainda completou:"Não esperava que você tivesse tantosangue frio."Muito menos Schmidt. Mas, afinal,achou que a encenação, por ser com afaca, também teria um efeito secundáriototalmente inesperado: agradar ocoronel. Nem ele mesmo soube explicarporque optou pela faca. Poderia terusado a arma com silenciador, daria namesma. Mas aquilo estava encerrado.Schmidt, esperto, achou melhor nãodizer mais nada.Os dois terminaram a caminhada rápido,certificando-se de que ninguém os

observava ao entrarem no veículo.Schmidt ligou o carro e dirigiu diretopara a base. Ele não sabia se foi o efeitoda bebida ou se foi a missão quasecumprida, mas o fato é que o coronelnão o incomodou mais. Isso, por si só,foi um alívio.Enquanto dirigia, de súbito lembrou-sede quando esteve na Alemanha pelaúltima vez, vindo da Polônia. A ele foipermitido ficar um dia em sua casa para"pegar objetos pessoais para uma longaviagem". Ali, em uma última noite comsuas filhas, ele havia lido a história daBranca de Neve para elas. Agora sesentia como o caçador daquela história.Diferente do coronel, ele não precisavaser o personagem principal de nenhuma

história.Ainda mais importante do que poupar avida da moça, ele foi fazer a coisa que ocaçador fizera naquele conto paracrianças: enganar a rainha.

CAPÍTULOXXXIV

Ao chegar à base, Schmidt, que tomoudois copos de vinho e estava acordadodireto desde a madrugada do diaanterior, pediu licença para o coronel efoi dormir.O coronel, faminto, resolveu comeralguma coisa. Para o coronel VonWiesen, aquilo havia sido apenas maisuma missão. Já habituado a assassinatos,matar o velho judeu poucas horas antesnão lhe tiraria nem a fome e nem o sono.Foi até a cozinha e caçou algum

alimento que ainda pudesse serconsumido. Inseguro, optou apenas poraquilo que conhecia bem, como pão, porexemplo. Terminou a breve refeição e,já sonolento, olhou para a pasta negrapor alguns segundos. Ele não gostava decomer e deitar em seguida, entãoresolveu folhear um pouco aquelespapéis tão importantes. Afinal de contastambém estava muito curioso. Podia serum criminoso mas era extremamenteinteligente e achava que tinha condiçõesde entender um projeto, fosse qual fosse.Foi até a sala e ligou uma das luzespróximas à pequena poltrona. Quase nãohavia móveis na sala, apenas o mínimonecessário para dar certa aparência delar àquela casa. Não era para ser

confortável nem aconchegante, oobjetivo era apenas servir de fachadapara evitar perguntas desnecessárias deum vizinho ou até mesmo da faxineiraque vinha limpar a casa com freqüência.Sentou-se ali e abriu a pasta, esticandoas pernas, que ficaram cruzadas. Viunovamente os mesmos desenhos edizeres de antes e resolveu estudar umpouco mais o projeto para tentarentendê-lo. Percebeu então que aspáginas estavam numeradas e, comoquase tudo ali, os números estavamescritos a mão:"Ótimo, isso vai facilitar a minhaleitura." - raciocinou. Recostou-se napoltrona da maneira mais confortávelpossível e começou a folhear uma

primeira vez como se estivesse,mílítarmente, reconhecendo o terreno.Virava as páginas devagar, vez por outraparando os olhos em um ou outrodesenho, em uma ou outra fórmula.Alguns textos grifados lhe chamaram aatenção, como referências a Energia,Força, Carga e outros termos afins.Acompanhou os números da parteinferior das folhas: um, dois, três, atéchegar ao treze. Aproxima folha depoisdo treze, no entanto, estava numeradacom 31 e depois seguia novamente, massó com os números ímpares: 33, 35,37,... O coronel a princípio não seinquietou, tinha certeza que as folhasapenas mudaram de lugar,provavelmente quando ele quase as

deixou cair ao arrancá-las das mãos dovelho judeu. Afinal, a pasta era muitobem fechada e não seria possível quetivessem simplesmente caído no chãoem algum lugar qualquer. Além disso, apasta nunca saiu de sua vista depois queele a arrancou das mãos do velho Isaiah.Fez uma revisão mental dos percursosdaquela noite e, confiante, concluiu quenada havia se perdido no trajeto.O fato de apenas as folhas pares estarfaltando é que o inquietou, e teve ummau pressentimento. Começou a ficarnervoso e a folhear com velocidadecada vez maior. Chegou até o número 71e depois disso não havia mais números,apenas alguns desenhos em outras folhasavulsas que mais pareciam esboços.

Mais nervoso e mais desesperado ainda,voltou ao começo e conferiu tudo denovo.Ao chegar ao fim pela segunda vez,deixou-se cair, afundando pesadamentena poltrona:"Dezenas de páginas estão faltando!" -desesperou-se.Após alguns instantes, atônito, gritoucom todas as suas forças ao mesmotempo em que saltava da poltrona eficava de pé:"Nein!"

CAPÍTULO XXXV Von Wiesen começou a andar rápido esem rumo pela pequena sala. O fato éque o impossível acontecera: ele, que seachava o melhor e mais eficiente oficialda Gestapo, havia sido enganado e,ainda por cima, por um velho judeu.Espumando de raiva, demorou a serecompor. Mas após alguns minutos,percebeu que havia apenas uma saída:precisava voltar à casa dos Estelvich deimediato. Seria um risco enorme, poiscom certeza os policiais locais jáinvestigavam o assassinato do velho, ouaté mesmo talvez do casal, se a velha

também tivesse morrido. A essas horas,inclusive, talvez a polícia procurassepor ele e por seu ajudante, caso alguémos tivesse visto e passado sua descrição."E se a velha não morreu?" - preocupou-se."Muito pior, pois ela mesma pode terdado nossa descrição para a polícia." -concluiu."Ao chegar lá é quase certo que a casaestará cheia de policiais. Como fareipara entrar, pegar os papéis e sair semser visto? Preciso bolar um plano, masisso vou deixar para fazer no caminho."- raciocinou."E se a polícia estiver remexendo emtudo neste momento e descobrir os

papéis? O que farão com eles?" -desesperou-se de vez.Não havia alternativa e ele sabia quetinha que voltar para a casa dosEstelvich o mais rápido possível. Cadasegundo contava.De repente seus pensamentos focaramnaquela pessoa que ele desprezava eque, inesperadamente, tornou-se suaúnica esperança para ajudá-lo a concluira missão com êxito.Começou a subir as escadas correndo,saltando os degraus e berrando"Schmidt!", tudo ao mesmo tempo.Mas ao escancarar a porta do quarto deSchmidt encontrou-o roncandopesadamente. O coronel não pensou

duas vezes: pegou um dos lados dolençol e levantou-o abruptamente. Como movimento, Schmidt caiu no chão dooutro lado da cama, fazendo um enormeestrondo e, com a queda, finalmenteacordou assustado.Esforçando-se para focalizar o vulto quedava a volta na cama e vinha em suadireção, percebeu que era o coroneltransfigurado que estava ali, quase emcima dele. Schmidt ficou mudo de medo."O que será que eu fiz dessa vez?" -lamentou-se Schmidt.Mas em vez de receber uma reprimendaqualquer ou até mesmo sofrer algum tipode agressão física, o que ele viu foi umdesesperado coronel, como ainda não

tinha visto. No mesmo momento recebeuuma ordem que não compreendeu e quemais parecia uma súplica:"Rápido. Precisamos voltar para a casado velho judeu. Agora."

CAPÍTULOXXXVI

Schmidt, claro, não vacilou. Pôs-se depé de imediato e cambaleou até obanheiro, onde esfregou água com forçaem seu rosto. Voltou ao quarto e vestiurápido a mesma roupa que usara antes.Pegou sua arma e, de fato, não demoroumais do que dois minutos até estarpronto para levar o coronel de volta àcasa dos Estelvich.Ao sentarem no carro, Schmidt quaseteve pena do coronel. Percebeu que algode muito grave havia acontecido e temia

até perguntar. Mas não foi necessário,pois o próprio coronel, na tentativainconsciente de achar alguma desculpapara seu descuido, começou a contar aSchmidt o que havia acontecidoenquanto este dirigia. Aquilo pareciamais com um desabafo:"Eu tenho certeza de que não perdinenhuma folha. Você esteve comigo otempo todo. Teria percebido se algumafolha tivesse caído, certo?" - dizia comrapidez o coronel, muito nervoso."Sim, coronel. Não percebi nada. Comcerteza as folhas ficaram na casa. Maseu não subi, não sei o que havia lá emcima e o senhor não me contou nenhumdetalhe do que aconteceu lá dentro."

"Um baú. Armários. Chaves." - dizia ocoronel atropelando pensamentos epalavras sem mostrar a lógica de seuraciocínio.Sem poder dizer nada útil, Schmidtpensou o que significava aquela novavisita e de repente disse:"Coronel, o senhor sabe que o localdeve estar cheio de policiais agora,certo? O senhor tem idéia do risco devoltarmos para lá? Se a velha nãomorreu pode ser que ela tenha dado anossa descrição para a polícia. Tivemosque sair apressados pois o senhor nãoutilizou silenciador na sua pistola, estálembrado?" - Schmidt dizia tudo issomedindo o tom de suas palavras paraque não soasse como uma reprimenda.

Ele procurava, sim, ajudar.O coronel gelou. Sim, outro engano quecometera. De repente entendeu que haviaentrado confiante demais na missão porconsiderá-la muito fácil e quejustamente isso é que estava pondo tudoa perder. Decidiu com solenidadenaquele momento, embora tarde, quefaria tudo da melhor e mais perfeitamaneira para que nada desse errado.Para começar, pela primeira vezresolveu de fato escutar o que Schmidttinha a dizer. Não apenas ouvir, masprestar atenção. Afinal, dentre os dois, oque tinha melhor conhecimento do local,da terra, dos costumes e em especial dapolícia, era Schmidt."Diga o que você tem a dizer, Schmidt.

Só peço que seja útil para que eu possaentender a situação e pensar rápido emuma saída. Você tem razão, é possívelque a polícia local esteja lá. Tambémprecisamos de um bom plano para entrarde novo na casa e recuperar o restantedos papéis.""Coronel, o senhor sabe que o Brasilvive uma ditadura? Pois é, e o ditadorchama-se Getúlio Vargas e até poucotempo atrás se mostrava favorável aospaíses do Eixo. Ele encontra-se em umasituação estranha, pois é ditador destepaís e ao mesmo tempo é pressionadopelos americanos para entrar na guerrado lado dos Aliados. O que se diz narua, devido ao torpedeamento dosnavios cargueiros brasileiros, é que o

Brasil deve entrar do lado dos Aliados.Mas isso ainda é o que a boca populardiz. Poderia haver uma mudança deúltima hora."Schmidt fez uma breve pausa enquantodobrava uma esquina, e continuou:"Agora, o que mais me preocupa,coronel, são as temíveis prisõespolíticas. O senhor sabe tão bem quantoeu que toda ditadura tem esse tipo deprisão especial. Uma das mais famosase temidas é a prisão da Ilha Grande que,aliás, nem é tão longe daqui.""Se formos pegos e o Brasil declararguerra ao Eixo, é quase certo que nosmandarão para uma prisão desse tipo.Mas continue, o que você sabe sobre

elas?" - preocupou-se o coronel."Fiquei sabendo com um amigo localque o problema já começa com aalimentação: as refeições têm um poucode feijão negro, farinha e um pedaço decarne. Enfim, não dá para ahmentar e sepassa fome. Pior que isso, o queassombra é o aspecto da comida. Disseesse meu amigo que ao ver a comidapensa-se em vômito, em lata de lixo.Com freqüência pode-se achar atémesmo excrementos de rato misturadosna comida. O senhor já imaginou comeralgo horrível assim?"O coronel fez uma careta e torceu onariz só de imaginar. Schmidt apenasrespirou profundamente e prosseguiu:

"Na Ilha Grande foram instaladas duasprisões: a antiga, também conhecidacomo Lazareto ou do Abraão, era umapenitenciária comum, onde os presospermaneciam em suas celas durante todoo tempo. Já a de Dois Rios, a nova, éuma colônia penal. Ou seja, a princípioela era destinada a modificar os presosa partir do trabalho. A vida ficatotalmente separada do exterior. Jornaisnão entram ali sob hipótese alguma. Parao senhor ter uma idéia, de início o localfoi escolhido por seu isolamento. Paralá eram levados os imigrantes comdoenças infecto-contagiosas, emparticular a cólera. Então o local foipouco a pouco sendo transformado emprisão."

Schmidt fez uma rápida pausa econtinuou com ar sério: "Há ainda oproblema dos insetos. Em toda a IlhaGrande existe um pequeno mosquito quese chama borrachudo. São insetos quevoam não mais que um metro de altura.Onde eles picam, deixam um pontinhopreto. As pessoas ficam com os pésinchados em conseqüência das picadasdos insetos. Fugir, nem pensar: o mar alié conhecido por ser povoado por caçõese tubarões."Schmidt fez nova pausa para mudar amarcha do carro e prosseguiu:"Dizem que os carcereiros mandaramconstruir no pátio uma cerca de aramefarpado. Ali ficam os presos que nãosaem para trabalhar. Parecido com

nossos campos de concentração. Ascondições de vida são as piorespossíveis, e isso parece ser o propósitodo local: há apenas seis chuveiros paraa totalidade dos presos e não hásanitários. Contou-me esse meu amigoque ficou sabendo de um preso doenteque foi literalmente comido vivo pelasmoscas após uma operação enquantoestava desacordado pelos anestésicos.Faltam até mesmo desinfetantesbásicos."Schmidt fez outra pausa enquanto ocoronel ouvia em silêncio."Tem mais ainda. A tortura lá éinstitucionalizada. Eu poderia dizer queé um daqueles locais em que a puniçãolegal vem acompanhada dos castigos

extralegais. O que se diz desses doispresídios é que os presos não vão paralá para serem recuperados, mas sim paramorrer."Após a última frase, Schmidt diminuiu amarcha e parou o carro para estacioná-lo. Já estavam a dois quarteirões do seudestino e não seria prudente chegar maisperto de carro.O coronel a princípio não se mexeu e,inesperadamente, não fez nenhumcomentário."Tudo o que esse imbecil me disse sóserviu para reforçar a idéia de que nãoposso ser pego." - lamentou consigomesmo. "Como se eu não soubesse..."O coronel resolveu se concentrar em

como agir. Após mais alguns instantes,sacou sua arma e conferiu a munição.Com muita calma parafusou osilenciador no cano de sua pistoladizendo para si mesmo:"Dessa vez não haverá nenhuma falha."Recolocou-a debaixo do paletó,suspirou fundo e perguntou a Schmidt:"Onde estão as granadas?"

CAPÍTULOXXXVII

"Como?" - Schmidt não esperava essetipo de pergunta."As granadas, Schmidt. Onde estão?""O senhor pretende usar as granadasaqui na cidade?" - perguntou comespanto Schmidt."Não tenho tempo para explicar-lhe meuplano agora. Diga-me apenas onde vocêas guarda. Não vá me dizer que não astem ou que as perdeu.""Não, coronel. Estão no porta-malas do

carro, em uma embalagem camuflada esegura.""Traga uma para mim. Rápido."As granadas foram elementos ofensivose defensivos de extraordináriaaplicação. Seu tremendo poderexplosivo, aliado à facilidade detransporte e simplicidade do manejo,fizeram desse artefato uma das armaspreferidas pela infantaria. Nas mãos deum soldado hábil poderia demolir umreduto ou até mesmo destruir umacasamata. Sua carga consiste em pólvoragranulada; o corpo é fabricado comferro fundido. A superfície do corpo égeralmente granulada ou ranhurada parapermitir melhor dispersão dosestilhaços. O raio de ação cobre

algumas dezenas de metros, em geral deaté trinta metros.Schmidt desceu do automóvel e abriu oporta-malas. Lá, ele abriu uma cesta depalha onde estavam vários apetrechosde pesca: anzóis, linha etc. Tirou osapetrechos da cesta e viu um pequenoorifício em uma das laterais da chapa demadeira fina que cobria o fundo dacesta. O orifício era do diâmetro exatode um dedo. Ele enfiou seu dedo esuspendeu o fundo, que era falso. Alihavia seis granadas bemacondicionadas, separadas entre si poruma armação de madeira.Schmidt pegou uma delas, fechou tudonovamente e voltou para o assento domotorista. Sem dizer uma palavra,

simplesmente entregou a granada para ocoronel.Sem olhar para Schmidt o coronel disseapenas:"Não se preocupe, nenhum de nós vaiser preso. Além disso, você não vai. Seeu não voltar em uma hora vá embora erelate o que aconteceu a seus superioresem Berlim."Disse isso, saiu do carro e fechou aporta sem olhar para Schmidt. Este,aliviado e ainda com o sono atrasado,fechou os olhos e acomodou-se o melhorque pôde no banco do carro. Pegou nosono quase de imediato, sem se importarcom a adrenalina do coronel, queaumentava a cada passo que ele dava em

direção à casa dos Estelvich. Enquantoandava com passos firmes e decididos,procurava repassar o plano em suacabeça. Era como um autotreinamento,para que não esquecesse nenhuma etapa.Lembrava-se bem da planta da casa,pois era bom observador e atentou paradetalhes que poucas horas antes nãotinham importância, mas que agora eramvitais. A cerca baixa da frente da casa,por exemplo, permitiria que ele asaltasse sem dificuldade. Em suajornada pela casa também pôdeobservar que a porta dos fundos erafrágil e poderia ser facilmentearrombada caso estivesse trancada. E, omais importante de tudo, sabiaexatamente a qual quarto da casa se

dirigir e o que encontraria nele: um baúque conteria as folhas faltantes doprojeto de Einstein.Andou mais um quarteirão e, de ondeestava pôde ver na frente da casa umcarro de polícia. As luzes da casaestavam acesas e parecia haver mesmomovimento ali dentro. Realmente amissão parecia ser impossível mas eletinha que cumpri-la. Se fosse capturadoe morresse em uma prisão imunda aindaassim seria melhor do que voltar para aAlemanha e cair em desgraça por suaprópria incompetência."O nome de minha família ficaria sujo."- concluiu.Mas não era hora de se lamentar. As

glórias do passado em nada o ajudariam.Era o momento mais delicado de suavida, quando seria colocado sobprovação extrema. A arrogância foracolocada totalmente de lado e agora sópensava em cumprir a missãocorretamente. Bastava completá-la semheroísmo. Tinha um plano, naturalmente.Arriscado, é claro, mas tinha um plano.Precisava apenas de muita calma,coragem e frieza para executá-lo.Características que, afinal, ele tinha desobra. Pensou em sacar sua arma echegou a tocá-la com a mão."Não, ainda não é o momento." -raciocinou.Em vez disso, fechou bem o paletó econtinuou a caminhar com firmeza em

direção ao carro de polícia. Concluiuque dificilmente precisaria da arma. "Setudo der certo." - esperançou-se.Agora já estava exposto e poderia servisto caso alguém saísse da casa. Erahora do tudo ou nada.

CAPÍTULOXXXVIII

O lado do motorista do carro de políciaestava voltado para a rua. O coronelVon Wiesen então se aproximou dele,andando o mais curvado que pôde paraficar abrigado. Como suspeitava, ajanela do carro estava aberta. Agachou-se ali mesmo e pegou a granada queestava no bolso de sua calça. Retirou opino de segurança e empurrou a granadaentre o pneu e o solo, deixando a travalevemente presa. Levantou-se edebruçou-se na janela do veículo,

tomando muito cuidado para nãoencostar nele. Sabia que qualqueresbarrão poderia soltar a granada.Tateando o painel do carro, encontrouuma pequena chave do lado direito dovolante e mudou sua posição.Imediatamente a sirene do carrodisparou.Rápido como um raio o coronel correuem direção da lateral da casa, saltando agrade de ferro que dava para a rua.Correu alguns metros pelo jardim eencostou-se na parede da casa tomandocuidado para ficar nas sombras. Daícomeçou a caminhar cautelosamente emdireção ao fundo da casa no mesmoinstante que um dos policiais saía pelaporta da frente para verificar o que

acontecia. Ele podia ouvir gritos emportuguês dentro da casa. Imaginou quefossem os outros policiais querendosaber por que a sirene disparou.Chegou ao fundo da casa no mesmomomento em que o policial alcançou ocarro. O coronel permaneceu parado,ainda nas sombras, apenas aguardando.Quando o policial abriu a porta, omovimento do carro foi suficiente paraliberar a granada e a alavanca soltou-se.Entre sentar e desligar a sirene, opolicial levou em torno de doissegundos. Como a granada tinha tempode detonação de aproximadamentequatro segundos, ainda foi possívelouvir a sirene parar de tocar. Não maisque dois segundos depois, ouviu-se uma

enorme explosão vinda da frente dacasa.Com o enorme susto, todos os policiaisque estavam na casa largaram o queestavam fazendo e saíram desesperados,em disparada. O plano do coronelcomeçava a dar certo. Ao chegar àfrente da casa os policiais viram,horrorizados, o carro em chamas e o querestou do corpo de seu colega, jogadono meio da rua. Por alguns instantesficaram todos inertes sem saber o quefazer. Agora, suas tarefas na casaficariam esquecidas por um bom tempo.No mesmo momento o coronel forçou amaçaneta da porta dos fundos e lamentoupor estar trancada. Mas lembrou-se dafragilidade da porta e arriscou:

segurando a maçaneta com uma dasmãos, para que a porta não batessecontra a parede, bateu violentamentecom o ombro bem no meio dela. A açãofuncionou e a madeira da porta nãoresistiu ao impacto. A fechadura soltou-se o suficiente para fazer a lingüeta sairde sua posição e permitir abrir a porta.O barulho foi muito baixo e, como ocoronel estava segurando a maçaneta, defato não permitiu que a porta avançassesem controle.O coronel entrou na casa, afinal,tomando o cuidado de recolocar a portana posição original. De fato, com umolhar rápido, seria difícil perceber queela havia sido arrombada. Serviço deprofissional.

Enquanto os policiais se recuperavamdo choque para então tomar algumaatitude, o coronel já subia as escadas eentrava no mesmo quarto em que estevehoras antes. Tomou cuidado para saltaro degrau onde ainda estavam osestilhaços do quadro que ele mesmohavia pisado e quebrado. As luzesestavam acesas e ele tomou cuidadopara ficar sempre longe das janelas. Aoentrar no quarto viu o baú fechado e umagrande mancha de sangue já seco nochão, ao lado do corpo já sem vida dosenhor Isaiah.Ele ajoelhou-se de imediato ao lado dobaú e tentou abri-lo. Para seu desespero,no entanto, o baú estava trancado.Forçou uma ou duas vezes a fechadura

do baú, sem sucesso."Não será possível abrir dessamaneira." - lamentou.Então, observando melhor, viu que afechadura do baú estava manchada desangue e aquilo só confirmou suassuspeitas: realmente havia sidoenganado pelo senhor Isaiah que, em umúltimo gesto antes de morrer, trancara obaú."As chaves!" - pensou. "Preciso daschaves!"

CAPÍTULOXXXIX

Seus pensamentos corriam a umavelocidade alucinada enquanto o suorfrio já molhava sua testa. De ondeestava pôde escutar o som de vozesvindo da rua, mas não entendeu o quediziam. Não poderia sequer imaginar seou quando algum dos policiais iriaentrar de novo na casa.Olhou ao redor e não viu chave alguma.A primeira coisa que lhe ocorreu é quealguém poderia ter pego o molho de

chaves com um objetivo qualquer.Saiu daquele ambiente e prosseguiu peloestreito corredor, tomando o máximo decuidado com seus passos. Não podiadeixar que o piso rangesse edenunciasse sua presença. Foi até apróxima porta do corredor, que tambémestava aberta. Entrou ali e encontrou acama do casal desarrumada.Percorreu com o olhar os poucos móveisdo quarto. Apertando os olhos, comoreflexo da concentração, calculou ondeestariam as chaves.Não encontrou nada e, mais uma vez,seus pensamentos se voltaram para oesperto homem que jazia no quarto aolado.

"Só pode ser!" - concluiu consigomesmo.Voltou ao quarto anterior e se ajoelhoumais uma vez na frente do baú mas destavez voltando-se para o corpo que jaziaao seu lado. Levantou-o levemente comuma das mãos e percebeu algo quebrilhou levemente sob ele."Eu sabia que o velho ia dificultar aomáximo. Quase inconsciente, apóstrancar o baú ainda deixou o molho dechaves sob si." - raciocinou.Cuidadosamente Von Wiesen retirou omolho de chaves com a outra mão erecolocou o corpo na posição anterior."Qual era mesmo a chave?" - o coronelconcentrou-se o máximo que pôde nas

chaves, tentando lembrar com exatidãoqual foi utilizada, em vez de testar umapor uma e perder segundos preciosos."A menor!" - lembrou.Von Wiesen pegou a menor das chaves eintroduziu na fechadura do baú,encaixando-a com perfeição. Por fimconseguiu abrir o baú e pensou estarpróximo ao seu objetivo.Ele não sabia exatamente o queprocurava mas tinha uma boa noção,devido aos números que faltavam.Retirou os papéis encontrados,examinou- os com rapidez e os colocoufora do baú, empilhando-os no chão aoseu lado. Ele havia memorizado osnúmeros que faltavam e iniciou a busca

por papéis que contivessem numeraçãono rodapé da página.Para seu alívio não demorou muito eencontrou algumas folhas numeradas:14,15,16... e que, depois de 32, eramapenas números pares. Pelo tipo detexto, só poderiam ser as folhas queprocurava. Conferiu todos os números e,satisfeito, levantou-se para ir embora,pois estavam todas as folhas com ele.Largou tudo do jeito que estava e virou-se para a porta para ir embora. Foi entãoque deu de frente com um policialboquiaberto olhando direto para ele.

CAPÍTULO XL "Como está a senhora que trouxemos?" -perguntou o aflito agente americano auma enfermeira da Santa Casa deMisericórdia do Rio de Janeiro."Ela perdeu muito sangue. É parentesua?"Instintivamente, John pensou em suamãe."Não, ela não é parente minha. Mas souresponsável por ela e preciso saber seestá bem." - John escolhia com cuidadoas palavras. Não dominava o idioma,por isso precisava ter cautela para ser

entendido de forma correta."O senhor aguarde um instante que voufalar com o médico e já volto."John sabia que precisava voltar a seconcentrar em sua missão mas nãoconseguia deixar a senhora Sarah. Assimque chegaram ao hospital, John mandouVincent voltar para a embaixada econvocar uma equipe. Seu plano era iratrás da pasta negra.John sabia que levaria algum tempo paratodos chegarem à embaixada e por issoficou mais algum tempo no hospital.Além disso, ele teria que preencher ospapéis de internação pois era o únicoresponsável disponível.Afinal, ele sabia que se não tivesse

percorrido os dois últimos quarteirões apé tudo poderia ser diferente. A culpanão era dele, apenas seguiu as normas eprocedimentos com os quais foitreinado. Mas a visão daquela senhora,que lembrava muito sua própria mãe, oderrubara. Já havia fumado várioscigarros e só esperava uma notíciadefinitiva para ir embora. Enquantoesperava pela enfermeira, acendeu maisum.Nervoso John andava de um lado paraoutro na sala de espera do hospital, como cigarro aceso. Naquele tempo osmalefícios do fumo não eram tão clarose fumar era permitido até mesmo dentrode uma casa de saúde. A luz amareladadava um ar ainda mais triste ao

ambiente. O silêncio do poucomovimento noturno tornava o localrealmente lúgubre.De repente John ouviu um telefone tocar."Pronto Socorro da Santa Casa." -respondeu ao chamado um plantonistanoturno.Um breve instante de silêncio se seguiu."Como? Vítima de quê? Pode falar maisalto, por favor?"Outra pausa."Explosão em uma viatura policial?Quantas vítimas?"Breve pausa."Certo. Mandaremos uma ambulância de

imediato."John escutou o plantonista discar umnúmero e dizer:"Mande o motorista da ambulância aquiimediatamente. Ouve uma explosão emum carro policial com uma vítima fatal ehá também vários polícias em estado dechoque."John ouviu tudo aquilo sem emoção.Ouviu mas não prestou atenção,preocupado demais com a senhoraSarah. Se ela morresse seria mais umamorte em sua consciência. Sugava ocigarro com nervosismo, aspirandoprofundamente e depois soprando toda afumaça. Seus olhos se apertavam e vezpor outra ele passava a mão na testa.

De repente John escutou um ruído deporta se abrindo. Olhou de onde veio eviu a enfermeira caminhar em suadireção.Aflito, não esperou ela falar eperguntou:"Então, senhora, qual a situação?""Como disse ao senhor agora pouco, asenhora é idosa e perdeu muito sangue.Chegou aqui em estado de choque e,creia-me, se demorasse mais algunsminutos já chegaria com um quadroirreversível, muito provavelmente comparada cardíaca. Por isso, em primeirolugar quero tranqüilizá-lo, porque osenhor fez o que devia, e no temponecessário."

John arregalou cada vez mais os olhos,esperando uma má notícia. A enfermeirafez uma rápida pausa para respirar econtinuou:"Agora não há nada mais o quepossamos fazer. A paciente foimedicada e está estabilizada.""Como? Só isso? Vai ficar boa?""Na verdade é muito cedo para dizer.Pode ter havido algum dano interno quenão percebemos ainda. Ela recebeu umapancada muito forte. Durante aspróximas vinte e quatro horas, ficará emobservação, e esse é um período crítico.Se viver até lá então suas chancesaumentarão muito."Conformado, John se acalmou.

"Está bem, obrigado. Sei que vocêsfazem o melhor possível. Agora precisocuidar de assuntos urgentes. Adeus.""Adeus." - respondeu a enfermeiraenquanto observava aquele belo moçoestrangeiro virar-se e ir embora. Viu-oapagar o cigarro e jogá-lo na caixa deareia, perto da porta. Ali havia restos depelo menos uma dezena de cigarros.

CAPÍTULO XLI O coronel, pensando rápido, fez algoque não estava habituado. Abriu o maislargo e generoso sorriso que conseguiu.Desconfiado, o policial levou a mão àarma sem tirar os olhos daquele sujeitoestranho e enorme à sua frente. Já haviaestado naquele quarto antes e percebeude imediato que o estranho havia abertoe mexido nos papéis. Talvez fosseapenas algum ladrão, mas isso seriamuita coincidência, e o instinto o avisouque aquilo deveria ter ligação com oassassinato que investigavam. Com osdedos, o policial procurava o botão para

soltar a arma do coldre, enquanto faziauma série de perguntas ao estranho, massem obter resposta:"Quem é o senhor? Que faz aqui?"O coronel sabia o que iria acontecer, enão podia permitir. Seria preso, comtodas as conseqüências desagradáveis ehorrores inimagináveis que ele jáconhecia. Além de tudo isso, a missãojamais seria cumprida.Ainda sorrindo, o coronel colocou amão que segurava os papéis acima dacabeça, para chamar a atenção dopolicial. De fato, percebeu que opolicial desviou os olhos por uminstante, acompanhando o movimento.Sem vacilar, o coronel pegou a arma

com a outra mão e, em uma fração desegundo, mirou e atirou. O tiro foicerteiro e a bala perfurou a cabeça,entre os olhos do policial, que caiumorto ao mesmo tempo em que ocoronel desfazia o sorriso.Com calma, passou por cima do policialcaído na porta, torcendo para queninguém tivesse ouvido o baque docorpo no assoalho."Provavelmente os demais ainda estãolá fora tentando apagar o incêndio." -calculou corretamente.Desceu as escadas sem encontrarninguém. Vez por outra escutava algumavoz que parecia vir de fora da casa. Saiucom tranqüilidade pela porta dos fundos

e pulou o muro que dava para um terrenobaldio. Abrigado pela escuridão,caminhou a passos cada vez maisrápidos de volta para o carro.Ao entrar no carro, o coronel sentiu-seplenamente seguro e sentou-se no bancodo passageiro com um sorriso triunfante.Examinou uma vez mais os papéis econferiu a numeração com a que tinhaem sua memória. Agora estavam todoslá. Ao seu lado, Schmidt dormiaprofundamente. No entanto estava tãosatisfeito consigo mesmo que apenas deuum forte cutucão no agente para quedespertasse. Schmidt, ao ver o coronel,perguntou sonolento:"Está tudo certo?"

"Sim, está tudo certo. Vamos voltar paraa base, rápido."Schmidt ligou o carro e contornou a rua.Quando começou o caminho de voltanotou que na contramão vinha um outroveículo, em alta velocidade. Ao cruzarcom ele percebeu que era branco e quetinha uma sirene ligada. Em sua lateralestava escrito: "Santa Casa deMisericórdia".Ao chegarem de volta na base Schmidt,exausto e esgotado, mais uma vez pediulicença ao coronel e foi direto dormir. Ocoronel, por sua vez, pegou a pastanegra e remontou com cuidado todo oprojeto."Agora sim." - refletiu ele.

Levantou a pasta no ar, como um troféu.Faltava pouco agora. Tudo queprecisava fazer era ser cauteloso no diaseguinte e reembarcar no submarino.Uma vez com. a pasta, as ordens eramclaras: nenhum risco seria tomado edeveriam rumar diretamente de voltapara uma base alemã na Europa. Umavez lá a probabilidade de sucessoaumentaria e tudo o que ele teria quefazer seria levar os documentos até odestino final, no norte da Alemanha. Ocoronel então receberia todos os lourospor ser o principal responsável pelosucesso do Reich na guerra.Bastante aliviado, o coronel pôde voltarpara suas necessidades mais básicas. Aorelaxar, sentiu sono e fome.

"Primeiro, comer." - pensou ele.Foi até a cozinha comer algorapidamente. Seu plano era dormir omais que pudesse para estar plenamentedescansado para a noite seguinte. Nãotinha a menor intenção de sair de casa,para minimizar a chance de serdescoberto. Ao voltar da cozinha, pegoua pasta e levou-a consigo para o quarto.Colocou-a com cuidado em um ponto aoalcance da vista e das mãos. Tirou aroupa, deitou e fechou os olhos. Asituação era muito diferente daquela dehoras antes. Agora pensava apenas nasmedalhas e honrarias que iria receber aovoltar para Berlim. Essa sensação muitoagradável fez com que pegasse no sonocom rapidez. Isso, aliado à grande

tensão de antes, fez com que o sonofosse tão profundo que dormiria pormuitas horas como, de fato, ele queria.

CAPÍTULO XLII Ao contrário dos alemães, se havia umacoisa que os americanos não iriam fazerera descansar, muito menos dormir.Após conseguir socorro para a senhoraSarah, eles saíram pelas ruas próximasna tentativa de obter alguma pista doparadeiro dos agentes alemães. Mas nasruas desertas não havia ninguém paradar qualquer pista. Sem saída Johnmandou Vincent convocar uma equipe debusca. Pelo horário, teria que passar nacasa de algumas pessoas e depois iriapara a embaixada onde a equipe seencontraria com John.

Depois de sair do hospital certificando-se que havia feito o possível, John foidiretamente para a embaixada onde jáencontrou vários colegas o esperando.Chamou funcionários e agentes e reuniuuma pequena equipe que, com ele,somava oito pessoas."Senhoras e senhores, desculpemacordá-los no meio da noite mas asituação é gravíssima. Preciso de toda aajuda que puder obter. Esta noite podeser a diferença entre a vitória e a derrotapara os Aliados na guerra."Ao lançar aquela declaraçãobombástica, todos se entreolharam comos olhos arregalados. Ninguém jamaispoderia imaginar que algo assim tãoimportante pudesse acontecer naquele

local tão distante. Mas a seriedade deJohn não deixou dúvidas. Afinal, quemeventualmente estivesse ainda sonolentoacabou de acordar de vez.John explicou rapidamente a situação,contando sobre a mensagem telegrafadae sobre os eventos das últimas horas.Pediu então sugestões de como encontraros agentes alemães. Alguém sugeriu:"Por que não pedir ajuda à polícialocal?""Não podemos." - afirmou John. "Temoque com isso os alemães sejamafugentados. Precisamos encontrá-losem seu próprio esconderijo parapodermos recuperar a pasta que elesroubaram esta noite."

"John, creio que podemos delimitar aárea de busca." - disse uma moçagordinha de óculos."Como?" - perguntou ele intrigado."É certo que os documentos roubadosirão para a Alemanha por mar, não háoutro meio. É natural que os contatosentre o agente e a embarcação estãosendo feitos em segredo, de algum pontona praia que não chame muito aatenção.""Continue." - disse John."Nossa zona de busca fica entãolimitada à região costeira da cidade doRio de Janeiro, excluindo-se a regiãocentral, que é muito movimentada.""Sim, tem razão. Vamos pensar no norte

e no sul da cidade. Onde estrangeiroschamariam menos a atenção?""Só pode ser na Zona Sul da cidade." -argumentou um dos americanos, que erabem loiro. "Quando vou à Zona Norte,de vez em quando, sinto-me de fatocomo um estranho naquele lugar. Aspessoas me observam, pois chamo aatenção por ser diferente. Já na Zona Sulisso não é tão evidente.""Ok então." - disse John devagar. "Nãotemos tempo para cobrir os doisextremos da cidade. Vamos nosconcentrar apenas na Zona Sul, regiãocosteira. Digamos, a partir deCopacabana e até o Leblon. Vamostambém excluir os prédios deapartamento, por serem pontos de

grande circulação de pessoas. Vamospensar apenas em casas voltadas para omar." A seguir, John fez uma pequenapausa para refletir sobre suas própriaspalavras e disse, com voz mais alta:"Pessoal! O dia já vai amanhecer epreciso que todos vocês se empenhemem perguntar, se necessário de casa emcasa, sobre os dois estrangeiros,conforme a descrição que já passei avocês."Fez uma rápida pausa e continuou:"As duas moças estão dispensadas. Nãosei que tipo de gente vamos encontrar enão quero me arriscar."John então definiu as três duplas e asseparou por região de busca.

"Let's go!" - gritou ele. Em seguidatodos se levantaram e, dois a dois,entraram em seus carros Ford.

CAPÍTULO XLIII O dia já ia raiando quando os três carrosFord dos americanos chegaram às praiasda Zona Sul do Rio de Janeiro. Mesmohoje, antes das 6h da manhã, o trânsitoainda flui bem na cidade. Naquelamanhã de seis de maio de 1942, quandoos primeiros raios de soljá clareavam océu, os primeiros times já seposicionavam. Estacionaram os carrosna beira da praia mesmo, e começaram apé a caçada. De porta em porta, sempreem duplas, perguntavam pelos doisestrangeiros. A estratégia era dizer queprocuravam por turistas perdidos, e

pediam alguma informação que pudesselevá-los até eles. Mas as negativas, noentanto, se repetiam.Naquele momento, a luta era contra orelógio. Havia toda uma lógica naquelaperseguição e John sabia que poderiaencontrar os agentes alemães, sóprecisava de tempo. No entanto, tempoera um luxo de que ele não dispunha.Sabia que os alemães iriam aproveitar aprimeira chance para enviar osdocumentos para a Alemanha."Isso se já não o fizeram..." -preocupava-se ele.O tempo passava rápido, mas dezenasde casas já haviam sido visitadas.Algumas tinham que ser revisitadas,

pois nem sempre havia gente no local.John sabia que enquanto houvesse a luzdo dia, certamente os alemães nãoousariam escapar. Eles jamaisarriscariam perder a posse dospreciosos papéis."Sim, se ainda forem fazê-lo, será nestanoite, em alguma hora da madrugada. Ohorário germânico para esse tipo deação é às 4h," - raciocinou John. Eleconsultou seu próprio relógio ecalculou:"Temos agora menos de doze horas."John franzia a testa enquanto apertavaum lábio contra o outro. Seu parceiroVincent percebeu aquele movimento edisse:

"Não se preocupe, John. Vamosconseguir.""Não estou tão certo, temos muito poucotempo. As horas passam rápido e nemtemos certeza se o esconderijo dosalemães é por aqui mesmo. E, se for,pode ser que já tenham partido com apasta.""John, você está fazendo o melhorpossível.""Outra vez essa história de fazer omelhor possível" - lembrou-se daenfermeira no hospital."Você está errado, Vincent. O melhorpossível não é o suficiente. Veja o queaconteceu com o casal de velhos. Nóstemos que fazer o impossível!" -

desesperou-se John.O amigo e colega Vincent não se abalouapesar de saber que o que John dizia eraverdade. O que precisavam, na verdade,era de um milagre.Não muito longe dali, no entanto, ocoronel Von Wiesen acabara dedespertar. Seguro de si, consultou orelógio e não conseguiu acreditar noquanto havia dormido."Doze horas dormindo!" - espantou-seele. "Deve ser por tudo que passei nomaldito submarino e toda a tensão dessanoite. Mas finalmente relaxei com aposse dos documentos e acabeidormindo muitas horas. Agora sópreciso esperar um pouco mais."

Levantou-se para ir ao banheiro. Com ocanto dos olhos viu a porta aberta doquarto de Schmidt e também a camavazia."Foi dormir bem antes do que eu..." -raciocinou, apenas para se tranqüilizar.No entanto, ao sair do banheiro algo oincomodou. Na noite anterior, comoSchmidt dormira com a porta do quartoaberta, ele havia observado os objetospessoais dele no pequeno criado-mudodo lado da cama, até mesmo sua pistola.Não vendo mais os objetos pessoais deseu agente ele sentiu certa preocupação.Instintivamente procurou por sua própriapistola, mas lembrou que acabara deacordar e que ainda não se vestira.Voltou rápido ao seu quarto e conferiu

que o objeto mais importante de todos, apasta negra, estava ali intocado.Isso afinal o tranqüilizou. Mas resolveuficar alerta. A falta de seu companheironão era bom sinal. Conferiu sua arma elembrou-se que havia duas balasfaltando. Repôs a munição ecuidadosamente colocou-a no coldre oque o fez sentir-se seguro novamente.Faminto, terminou de se vestir e foi até acozinha procurar por alguma comida.

CAPÍTULO XLIV Não muito longe do esconderijo, ojovem agente alemão Herbert Schmidtestava em um pequeno e habitualrestaurante. Cansado de esperar ocoronel acordar, resolvera sair para daruma volta. Para enganar o forte calor,tomava uma bebida fria. E alcoólica,naturalmente.De repente ouviu uma voz familiarchamá-lo:"Herbert." - disse a senhorita MariaRita."Olá, meu bem. Há quanto tempo." -

respondeu ele com doçura. Nãoesperava encontrá-la ali naquelehorário. Ele havia conhecido Maria Ritaali mesmo, naquele restaurante, algumassemanas antes. Ela havia contado queera professora de línguas em uma escolaparticular e que havia percebido seusotaque ao ouvi-lo conversar com umgarçom. Chegara-se a ele alegando quegostaria de praticar um pouco a línguaalemã com um nativo e que seria umaótima oportunidade para ela se elepudesse dispor de algum tempo. Daamizade para o namoro foi um pulo e osdois já saíam juntos com algumafreqüência. Ele apenas estranhava que,mesmo após aquele tempo juntos, elasempre evitava falar sobre a escola

onde trabalhava.Sem perguntar nada ela sentou-se a seulado cruzando as pernas, o que levantoude leve seu vestido. Os longos cabelosnegros estavam presos, realçando aindamais sua pele bem branca. Maria Ritaera do tipo mignone e usava um vestidojusto com tons avermelhados,combinando com seu batom. Em outraspalavras, estava muito atraente."Está vindo da escola, meine Liebe?" -perguntou Herbert mostrando carinho."Não, hoje não houve aula." - respondeuela docemente."Ah, então é o dia perfeito para você memostrar sua escola." - provocou ele.

"Não, querido, a escola está fechada.""Fechada?" - perguntou ele incrédulo."Em dia de aula?"Ela abriu um sorriso delicado. Olhavarápido de um lado para o outro, vez poroutra levantando a sobrancelha. Suamente trabalhava para encontrar umaresposta adequada. Após algunsinstantes, ela respondeu, ante o olharinquisidor do namorado:"Você não sabia que fazemos testes deblack-out nas escolas do Rio deJaneiro? Pois é, hoje é a vez da nossaescola. Não podemos ir lá agora." - elajogou as palavras com a expectativa deque ele não acompanhasse as notícias.Envolveu as mãos dele nas suas,

gentilmente, torcendo para que aqueleinterrogatório chegasse logo ao fim."Ah, sim." - disse ele, orgulhoso eapreciando o gesto de carinho. Nãoqueria passar por desinformado. "Ostestes de black-out." - repetiu ele,contrariado.Levantou as mãos dela e as beijou. Comum leve sorriso, mostrou que queriamudar de assunto.O nome verdadeiro de Maria Rita eraBertha Loch. Americana de nascimento,sua mãe era brasileira e por issoaprendera português em casa, ainda nosEstados Unidos. Havia sido recrutadapelo serviço secreto americano paraagir no Brasil. Sua missão era contatar

quaisquer estrangeiros suspeitos ereportar. Ela havia vindo morar na ZonaSul do Rio de Janeiro com sua mãe, logoapós seu pai americano falecer decâncer nos Estados Unidos um ano antes.Até morrer seu pai trabalhou no OSS -Office of Strategic Services, que, em1947, viria a se tornar a CIA - Centralde Inteligência Americana - emWashington, e a convocação dela paraaquele tipo de serviço foi muito natural.Ao chegar ao Brasil, recebera uma listade nomes do serviço secreto americanode pessoas suspeitas. Herbert Schmidtera uma delas e, como havia sido vistopróximo de onde ela morava, foidefinido como alvo.Mas, até aquela manhã, não havia notado

nada de suspeito nele. Na verdade atéapreciava sua companhia, pois ele eramuito amável com ela. Parecia ser umverdadeiro cavalheiro alemão.Antes de se encontrar com Herbert, noentanto, havia passado na embaixadaamericana, como de hábito. Uma ou duasvezes por mês ela devia fazer uma visitapara preencher alguns relatórios.Simples rotina, que ela seguia comfidelidade. Naquele dia, no entanto,tomou um susto. Diferentemente detantas outras vezes, recebeu umamensagem em papel colorido queindicava ser assunto urgente. Tratava-sede um alerta de busca a um agentealemão. A descrição do agentecombinava perfeitamente com a de seu

namorado Herbert. Ela procurou deimediato pelo agente responsável,Mister John Wislow, mas soube que elehavia convocado todo o pessoaldisponível e rumado para as praias daZona Sul. Deixou então uma mensagemexpressa para que, caso ele telefonasse,que fosse encontrá-la em certorestaurante, pois sabia que Herbert eracliente costumeiro. Dirigiu-se para láem seguida.Herbert a todo instante a convidava paradar uma volta. Ele dizia que ali estavamuito quente e queria aproveitar a brisade final de tarde para andar pela praia.Por alguma razão estranha para Herbert,Maria Rita recusou o convite apesar de,sabia ele, que ela gostava de caminhar

pela praia. Assim passou-se mais umahora, e já anoitecia. Algumas luzes jápodiam ser vistas pela rua e logo aseguir o maître acendeu as lâmpadas dorestaurante onde estavam.Com o cair da noite, iam também porterra as esperanças de John. Ele sabiaque tudo ia ser muito mais difícil apartir daquele momento e que achar osalemães se tornaria uma tarefa cada vezmais complicada."Achar uma agulha no palheiro." -lamentava-se ele.Já estava cansado, pois estava acordadodesde o dia anterior. Portanto, quasetrinta e quatro horas sem dormir. Masisso não iria detê-lo. Resoluto, iria

parar somente se desmaiasse.Havia combinado com a equipe que às18h se reagrupariam. Na horacombinada todos estavam lá e asrespostas, para sua frustração, foramnegativas. Desanimado, resolveutelefonar para a embaixada, como exigiao protocolo.Afastou-se do grupo e procurou algumestabelecimento comercial com telefone,coisa rara naquele tempo. Caminhou poralgum tempo até encontrar um localaberto onde poderia telefonar. Assimsumiu da vista do pequeno grupo.O grupo também já começava adesanimar. Vincent e os demais estavammuito apreensivos com a situação.

Estavam todos muito nervosos e mesmoquem não fumava pegou um cigarro comVincent. Fumavam com nervosismo, semprestar atenção ao que faziam, com ospensamentos em suas famílias, temendopelo futuro. Ninguém ali poderia serconsiderado herói. Mas herói ou não,todos tinham pessoas que amavam e ospiores pensamentos ocupavam suasmentes. O medo era multiplicado pelodesconhecido. Não sabiam exatamentede que se tratava a tal pasta negra,apenas que aquilo poderia gerar umaarma terrível. O único conforto era verque havia um parceiro ao lado na mesmasituação. Apesar de o colega passar pordrama idêntico, aquilo era ironicamentetranqüilizador. O clima evidentemente

era de funeral mas para sua totalsurpresa, após alguns instantes o grupoviu John voltar correndo e com umsorriso radiante. Havia recebido orecado de Maria Rita, inclusive oendereço do restaurante, que não eralonge dali."That's it!" - exclamou ele. "Vamospegá-los. Leblon." - disse, como umaordem inquestionável.Imediatamente pegaram seus carros.John foi na frente, mostrando o caminho,e os outros dois Ford seguiam coladosnele.

CAPÍTULO XLV Realmente não demorou mais que algunsminutos para chegar até o restauranteque Bertha indicara. Apesar doinfortúnio da noite anterior, Johnresolveu fazer as coisas by the book, ouseja, de acordo com as normas. Assim,seguindo as normas, pararam os carros auma quadra do restaurante e terminaramo trajeto a pé. Todos portavam pistolasmas John pediu que apenas o pessoal emroupas civis entrasse no restaurante,para não levantar suspeitas, e foi o quefizeram. Dois deles, marinesuniformizados, esperaram nos carros.

Os quatro agentes americanos chegaramao restaurante a passos rápidos eofegantes. Subiram o pequeno degrau,passando pela porta entreaberta econvidativa que dava acesso a umpequeno hall de entrada.Assim que entraram no hall, o maîtreveio a seu encontro o que, por uminstante, impediu a passagem dos quatrohomens para a área onde se encontravamas mesas."Boa noite, cavalheiros. Desejam umamesa?" - ofereceu polidamente o maître.John, líder do grupo, respondeu:"Não obrigado, procuramos algunsamigos."

John pensou em dar a descrição do casale perguntar sobre eles, mas desistiu.Preferiu optar pela surpresa poiscertamente o maître faria questão deconduzir o grupo, o que poderiaatrapalhar a ação.O maître não estranhou pois estavamuito acostumado com a visita deestrangeiros ali. Mas ficou incomodadoquando os homens não pararam de andarenquanto falavam com ele. Na verdadepareceu que ele seria empurradoquando, educadamente, saiu do caminhoque aqueles quatro homens percorriam.Fez apenas uma careta e voltou paraseus afazeres."Esses americanos são mal-educados

mesmo. Nem deixaram seus chapéusaqui." - indignou-se o maître.Ao entrarem no ambiente do restaurante,as luzes do local já estavam acesas.Naquela hora elas davam um aspectoamarelado ao ambiente apesar dasimpecáveis toalhas de linho branco.Pelo aspecto do local podia-se ver quesua clientela era bastante selecionada. Ocheiro de comida no ar era agradávelmas o ambiente estava ligeiramenteesfumaçado, dando um clima sinistro àssombras. Algumas delas estavamestáticas e outras se moviam lentamente.Do fundo do salão vinha um somagradável. Era um pianista que tocavauma suave música popular brasileira.Os agentes então começaram a andar

vagarosamente por entre as mesas àprocura de um casal. Havia váriasmesas ocupadas com pessoas jantando e,vez por outra, era preciso parar para darpassagem a um ou outro garçom.Principalmente se ele viesse com umabandeja carregada de pratos ou bebidas.A última coisa que queriam era oestrondo de uma bandeja carregadacaindo ao chão.A respeito do casal que procuravam,todos conheciam a mulher e sabiamexatamente quem era. Portanto não seriadifícil identificar a dupla. Todo ocuidado era pouco e os nervos estavamà flor da pele. Nervosos, os agentestocavam constantemente a pistola porbaixo do paletó. Conferiam sua

localização, como se não soubessem queela estava exatamente lá.O pianista, atento a todos osmovimentos, foi o primeiro a perceberos homens que avançavam de maneiraorganizada. Instintivamente parou detocar e fixou seus olhos no agente queestava mais próximo dele. O agente,percebendo que aquela bruscainterrupção poderia frustrar a surpresa,abriu um sorriso e, com um gesto, pediuque o pianista voltasse a tocar. Este,mais aliviado, obedeceu mecanicamente.Afinal, poderia ser apenas mais umcliente.A cada passo dado, no entanto,aumentava a frustração. Passaram pelasmesas até chegar do outro lado do salão,

perto da entrada para a cozinha, onde sereagruparam. Vez por outra um delesolhava na direção da parede, não seconformavam que não havia mais paraonde ir. Olharam uns para os outros semsaber o que fazer.Ali dentro não havia sinal de Maria Ritaou de qualquer outro estrangeiro a nãoser os homens de John, que praguejouem voz baixa:"Shit!""Será que este é o local correto?" -perguntou Vincent."Sim, conferi o nome do local quandoentramos. Não pode haver nasredondezas outro restaurante com omesmo nome. Além disso, eu sei que

esta região faz parte da área de atuaçãode Bertha. Com certeza ela encontrounosso alvo. Não sei como, mas isso nãoimporta agora."Ficar ali dentro olhando um para o outronão ia adiantar nada. Voltaram pelomesmo caminho por onde entraram atéreencontrar o maître. Dessa vez Johndaria a descrição do casal queprocurava."Por favor, o senhor viu um casal queestava aqui agora há pouco? A mulher ébaixa, com cabelos negros, pele clara eolhos castanhos. Tem lábios grossos e émuito sensual." - ao mesmo tempo emque disse a última frase, instintivamentebaixou a voz, envergonhado. Os demaisali ao lado fingiram não terem ouvido

mas, afinal, todos concordavam que elaera assim mesmo.Como o maître ficou impassível, Johncontinuou pois tinha a descrição dadapela senhora Sarah:"O senhor que a acompanha tem cabelosescuros e é também de estatura baixa."O maître continuava impassível, apenasolhando os desesperados americanos.John, impaciente, disse:"Não é possível que o senhor não ostenha visto. Deve ter reparado nasenhorita ou no cavalheiro. Passarampor aqui agora há pouco."Após uma breve pausa John percebeuque o maître discretamente abrira uma

de suas mãos e, com a outra, movia doisdedos contra a palma da primeira mão.Enquanto fazia o gesto, olhava rápidopara os lados para certificar-se de queestava sendo discreto.Virando o rosto em direção a Vincent,John disse em inglês, tentando abafar aprópria voz:"Eu não acredito. Ele quer dinheiro.Vincent, você tem algum troco?""Sim, senhor."Vincent abriu a carteira e tirou algumasnotas. Entregou-as para John. Ele asrepassou com rapidez para o maître, quecontinuava a olhar para os lados,temendo que alguém visse aquela cena.Por fim, aproximou-se de John e disse

com ar imponente:"Sim, de fato vi o casal que o senhordescreve. Saíram não faz muito tempo ecaminharam naquela direção." - disseisso apontando o dedo de leve nadireção da rua. Não queria esticar obraço para não chamar a atenção. Disseisso e afastou-se rápido de John,fingindo voltar a seus afazeres.John virou-se para os colegas e deu aconhecida ordem:"Let's go!" - imediatamente todos osamericanos o seguiram.

CAPÍTULO XLVI A noite já havia caído e Bertha não tinhamais desculpas para dar a Herbert. Elejá estava desconfiado de tantasnegativas e ia abandoná-la sozinha norestaurante. Esperta, percebeu que nãopoderia perder o contato pois sabia queera a única ligação entre ele e os agentesamericanos. Como simples informante,não andava armada. Portanto nãopoderia obrigar Herbert a coisa alguma.Sua única arma era o interesse que oalemão nutria por ela.Ao final, sem opção, Bertha cedeu aoconvite e saíram dali, caminhando

juntos. Havia permitido que ele aacompanhasse até sua casa. Uma vez láteria que inventar alguma desculpa paraque entrasse, apesar de até então issonunca ter acontecido. Uma vez lá dentro,aproveitaria algum momento dedistração dele. Enquanto eleconversasse com a mãe dela, porexemplo, daria um jeito de ligar para aembaixada dos Estados Unidos. Planomuito simples e que tinha tudo para darcerto.Enquanto isso, tudo que John e suaequipe conseguiram no restaurante foique o maître apontasse a direção para aqual o casal seguiu. Ele não sabia se erao cansaço de tantas horas sem dormir ouse foram as más notícias que o abateram

de novo. Talvez ambas as coisas. Mas ofato é que a equipe foi obrigada a sedividir mais uma vez e ir atrás do casal.Um dos que conhecia bem a informanteera o próprio John. Na verdade, naembaixada comentava-se que havia algomais que simples companheirismoprofissional entre eles. Focado em suamissão, qualquer que fosse essesentimento, ele havia sido deixado delado. Para John agora só interessavaencontrar o casal.Em duplas, os americanos rapidamentese espalharam pelas ruas do bairro nadireção apontada pelo preocupadomaître. Além disto tudo queconseguiram saber foi que o homem

havia bebido uma generosa dose decerveja. Organizados, tomaram ocuidado de não percorrer o mesmocaminho duas vezes. John e sua duplacaminhavam por uma das ruas maispróximas à praia. Ele, por instinto,achou que o caminho que o casaltomaria seria o da casa de Bertha. Johna conhecia o suficiente para saber queaquilo era um movimento pensado.As horas, no entanto, não davam trégua.Já era próximo das 19h e o céu estavaquase totalmente negro."Uma noite sem lua." - refletiu John."Ainda pior, pois a visibilidade serámínima."Alguns minutos mais de caminhada e

John percebeu, na penumbra, um casalandando calmamente pela calçada. Ohomem parecia caminhar com um levecambalear de pernas. Por um instanteJohn sentiu novo desânimo, afinal umagente alemão nunca andaria daquelejeito. Mas em seguida lembrou-se deonde o casal estivera e da informaçãodada pelo maitre. Balbuciou para simesmo:"Beer. É o efeito da cerveja."Ao ver que o homem estava com um dosbraços na cintura da mulher, fez umacareta. Aquilo certamente o incomodara."Tem que ser eles!" - pensou.John segurou Vincent pelo braço paraque ambos diminuíssem a velocidade.

Não poderiam levantar qualquersuspeita até terem certeza de que aqueleera o alvo.Aproximaram-se cada vez mais devagardo casal a sua frente. Quando o casalpassou sob a fraca luz de um poste deiluminação pública, John pôde observarmelhor.Mesmo olhando pelas costas mas ajulgar pelo cabelo negro e pela altura,John já estava seguro de que a mulherera Bertha. O homem a acompanhá-la sópoderia ser o agente alemão. Quandoestavam a poucos passos do casal, essesaiu novamente da iluminação pública ecaminhou em direção ao breu. Comoagora John e Vincent é que estavam sobo poste de luz, ficaram por um instante

ofuscados e não perceberam que o casalhavia parado num ponto sem luz da rua.Herbert, certamente devido ao efeito dabebida, não notou a presença dos doishomens ali perto e tentou tirar um beijode sua Maria Rita, protegido pelapenumbra da rua mal iluminada. Ela,para não levantar qualquer suspeita,cedeu quando ele a puxou para perto desi. Ao entrar na mesma penumbra, Johnlevou um susto quando seus olhos seacostumaram com a escuridão. Nãohavia se preparado para aquele tipo decena. Sem perceber fixou os olhos nocasal deixando que qualquer um pudessenotar o quanto aquela cena significavapara ele.Herbert não tinha pressa pois sabia que

o coronel só precisaria dele demadrugada para remar o barco. Cansadoda arrogância dele, resolveu que omelhor era ficar longe o máximo quepudesse. Depois arrumaria umadesculpa qualquer para justificar suaausência com o que, naquele momento,também não estava nem um poucopreocupado.Quando Herbert estava para beijarMaria Rita, finalmente notou os doishomens vindo em sua direção. Observoupelo olhar de John que havia algoestranho ali. Apesar da penumbratambém conseguiu perceber, pelo tipofísico, que não eram brasileiros epressentiu a emboscada iminente.

CAPÍTULO XLVII Ao ouvir os tiros, a equipe deamericanos que estava espalhada por aliperto correu em direção a eles. Aochegarem ao local dos disparos, viramuma mulher de pé, dois homens no chãoe um terceiro de pé mas com o braçosobre um ferimento que fazia seuabdômen sangrar. A mulher estavavisivelmente chocada e tentava aliviar osofrimento do homem com o braço sobreo abdômen. Um dos homens no chão nãose mexia pois já estava morto.Ao perceber a aproximação dos doisagentes americanos, Schmidt havia

sacado sua Walther P38. Ao perceberemisso, John e Vincent fizeram a mesmacoisa, sacando suas pistolas Colt. Johnsabia da importância de manter oalemão vivo e hesitou por uma fração desegundo. Mas Vincent avançou e foialvejado por Schmidt, que lhe acertou ocoração, fazendo com que caísse paratrás, em cima de John. No entanto, atéaquele momento Schmidt nãodesconfiava de sua Maria Rita que,esperta, fingiu um desmaio e debruçou-se sobre ele. Com o outro americano jápartindo para cima dele, Schmidt jogou-a para o lado. Disparou mais uma vez,agora contra John, mas já não dispunhada mesma pontaria. A bala atíngiu-o noabdômen mas felizmente não acertou

nenhum órgão vital. Para manter Schmidtvivo, mas imóvel, John disparou emdireção às pernas. Schmidt caiu nomesmo instante. Ao cair soltou a arma,que John chutou para longe."Estou bem." - disse ele para a pálidaBertha.Ao ver aquela cena do chão, Schmidtentendeu tudo subitamente eempalideceu. Percebeu de imediato oquanto havia sido enganado. Tentou searrastar para pegar a arma de volta masde repente ouviu passos rápidos em suadireção. Os demais americanos jáchegavam e a situação finalmente estavasob controle. John pediu a dois agentesque retirassem Vincent do chão, rápido,e o escondessem na mala de um dos

carros. Vincent estava morto e a açãoteria que ser mantida no mais absolutosigilo. Os agentes obedeceram ecumpriram a ordem de imediato.Era preciso desocupar a rua semdemora, pois, nas casas, algumas luzesjá começavam a se acender. Um ou outromorador curioso tentava juntar coragempara ir ver do que se tratava toda aquelabarulheira.John pediu que o grupo levasse oalemão até a praia onde fariam ointerrogatório. Não iriam voltar àembaixada, tudo teria que ser resolvidoali mesmo, até porque agora ele tinhacerteza de que o esconderijo deveria serali perto.

Conforme arrastavam o agente pelapraia, o sangue do alemão manchava aareia branca de vermelho. Pararam emum ponto bem abrigado, longe dequalquer olhar curioso. O alemão soltouum gemido de dor ao ser largado nochão.Foi dado início ao interrogatório. Osamericanos, até então, não sabiam queaquele não era o ator principal. MasJohn estava confiante. Passava um poucodas 20h e ele julgou ter resolvido oproblema até mesmo com algumas horasde antecedência. Tudo que precisavamfazer era obrigar o alemão a dizer ondehavia escondido a pasta. Recuperariamos documentos e então todos iriam paraa embaixada americana. Demorasse o

tempo que fosse, pois a pasta não iria alugar algum sem aquele alemão. Bem,isso era o que John imaginava:"Uma vez com a pasta recuperada amissão estaria cumprida."Mas ao tentar relaxar, sentiu uma fortepontada onde a bala havia penetrado.Pegou o seu lenço já manchado com osangue da senhora Sarah e viu que seriainsuficiente. Pegou alguns lenços com osoutros agentes e colocou-os juntamentecom o seu sobre o ferimento. Emseguida retirou sua própria gravata eamarrou-a com força por cima doslenços criando um bom tampão. Logo osangramento estancou e ele sentiu-semais tranqüilo.

Não escolheu local e deitou-se no chãoali mesmo onde estava. Bertha, por suavez, não havia saído de perto dele desdeo incidente com os tiros. Ela também sesentou e ofereceu carinhosamente seucolo para que ele repousasse a cabeça.John aceitou de pronto. Não agüentavamais e deixou que outro agenteconduzisse o interrogatório. Suasúltimas recomendações foram:"Cuidem do ferimento e conduzam ointerrogatório com calma. Não há maispressa."Estava zonzo com tudo aquilo e faziamuitas horas que não dormia. Para fugirda dor, logo adormeceu no colo deBertha.

CAPÍTULO XLVIII O coronel Von Wiesen há muito haviadeixado de se preocupar com Schmidt.Sabia por que ele havia sido mandadopara aquele ponto longínquo. Apesar deinteligente e de ter estudado, Herbertnão conseguia livrar-se de seu vício debeber. Um amigo de Schmidt, oficial daGestapo, conseguiu que ele fossetransferido para aquela base remota. Alisua bebedeira dificilmente seria notada."Que irresponsável!" - exclamavaconsigo mesmo o coronel. "Abandonou amissão incompleta. Ao voltar para aAlemanha, vou enviar um outro agente

para cá para exterminá-lo. Esse Schmidtnão pode viver mais!" - concluiu odecidido coronel. Sabia que suaobrigação era colocar ordem acima detudo, mesmo que na mais remota casaalemã.Ele consultou seu relógio novamente epercebeu que já passava um pouco dameia-noite. Era a hora exata para umaúltima refeição. Apesar de a água domar ali não ser tão gelada como no norteda Alemanha, onde foi treinado, nãoqueria que nada desse errado.Principalmente uma vergonhosaindigestão. Por um lado sabia que deviase nutrir o melhor possível pois talvezfosse necessário nadar várias dezenasde metros caso houvesse alguma

dificuldade com o barco a remo. Poroutro lado sabia que se comesse muitoperto da hora de partir, aquilo poderialhe prejudicar.Ele então foi até a cozinha e fez umarefeição leve. Ao terminar tomou umaxícara de café quente para garantir que osono não o pegaria desprevenido.Voltou para seu quarto e pegou comorgulho a pasta, usando ambas as mãos,e ergueu-a no ar, como um troféu. Elehavia recebido ordens expressas paraser o único portador da pasta e deveriaentregá-la, ele mesmo, direto aodestinatário. Os dados de destinoestavam apenas em sua cabeça. Porironia, justamente por tanto pensar neles,achava que podia embaralhá-los. Com

receio de esquecer algum detalhe, pegouum lápis para registrar as informações.A capa da pasta, negra, não servia paraesse propósito. Abriu-a procurando umasuperfície branca. Olhou para a primeiracontracapa e decidiu que era perfeita.Escreveu com cuidado o nome de umalto oficial da Luftwaffe. Abaixo,escreveu o nome de uma pequena cidadedo interior da Alemanha e, como sefosse um tributo a sua pátria, escreveuDaitschland. Deu um sorriso satisfeito,fechou a pasta e começou a se prepararpara a partida. Dali por diante tomariaapenas água, e bem fervida. O coronelera, este sim, um perfeito soldadonazista, e seus superiores sabiam disso.Por isso haviam lhe confiado essa

importante missão. Se havia alguém quepodia cumpri-la esse alguém era ele.Tudo pelo Führer. Ele se levantou ecolocou-se diante do espelho. Com ocorpo rígido como uma tábua,orgulhoso, fez a saudação nazista parasua própria imagem no espelho.Terminou os preparativos guardandoalguns objetos em uma pequena sacola.Pegou a preciosa pasta negra, colocoudentro de uma embalagem impermeávele fechou com cuidado. Deu uma últimaolhada naquele local para o qual elejamais tencionaria voltar."Sentirei falta apenas do bom café. Bem,e da sensualidade da mulher brasileiratambém."

O coronel riu consigo mesmo. Estavamuito confiante. Ele havia passado o diatodo ali dentro pois estava bem cientedo grau de segurança que precisavaobter. Mas, agora, estava ansioso parasair. Apenas aguardava a hora exata.Quando consultou novamente seu relógioe viu que os dois ponteiros se juntaramem cima do número dois, resolveu queera hora."Duas horas e dez minutos. É a horacerta para que eu chegue com precisão ameu destino. O U-162 já deve estarposicionado."Girou a maçaneta da porta, abriu efechou com cuidado. Carregava em umadas mãos a pasta cuidadosamenteembalada e, na outra, uma pequena

sacola. Olhou para a pequena sacola epensou tranqüilo:"Plano B."Mais alguns passos e já caminhava pelarua deserta, em direção ao lado sul dapraia em que estava hospedado. Daquelelado da praia ele pretendia pegar o botepara encontrar-se com o submarino.Schmidt deveria ir com ele, é claro, masnão havia mais tempo para esperá-lo. Aidéia era abandonar o bote no mar.Caminhando com a escuridão da noitenão notou que, no lado norte da mesmapraia, um pequeno grupo de pessoasestava reunido.

CAPÍTULO XLIX Próximo das 3h da manhã, para surpresade todos, John acordou sobressaltado."Algo está errado!" - refletiu consigomesmo.Apoiou-se em um dos braços e girou ocorpo, de leve. Tentou se levantar paraenxergar melhor mas uma pontada pertodo estômago o fez recuar para o colomacio de Bertha.As pessoas ao seu redor pareciamtranqüilas, inclusive o impassívelprisioneiro. Afinal, por um instantetodos olharam para ele. Mas o olhar que

receberam de volta, no entanto, nãoparecia nada tranqüilo."O que foi? Achei que você iria dormira noite toda, John. É o ferimento que nãoo deixa dormir?" - perguntou Berthadocemente, apesar de cansada."Não é o ferimento, mas algo que não seencaixa. O alemão já disse algumacoisa?""Não disse muito, ele está o tempo todoevasivo. Mas não nos preocupamos poissabíamos que este interrogatório seriamuito longo. Seguimos suas ordensexpressas de ficar aqui até que ele nosdesse a informação que precisamos.Tivemos que fazer também uma pausapara tratar de seus ferimentos para que

não morresse com os sangramentos,conforme ordens suas.""Bertha, escute o que você mesma diz.Qual o interesse dele em alongar tudoisso? Ele já está totalmente dominado."Os americanos se entreolharamespantados sem entender bem onde Johnqueria chegar."Olhem bem para ele, está calmodemais. Não parece um agentecapturado. Isso só pode querer dizeruma coisa: que ele quer ganhar tempo.Só não sei por quê.""Tempo?" - perguntou Bertha."Sim! Para que outro agente fuja com apasta." - concluiu John de repente.

Talvez pelo horário avançado, pelanoite escura e por horas mal dormidas,as pessoas ali não acompanhavam Johncom a velocidade que ele precisava.John então reuniu suas forças, venceu ador e se levantou, pois sabia que elemesmo é quem teria que resolver asituação. Caminhou com dificuldadepara perto de Herbert e olhou-o fixo nosolhos. Após alguns instantes o alemãomexeu de leve um dos cantos da boca,para cima."Eu sabia! Ele esconde alguma coisa.Ele quer dar uma grande gargalhada detodos nós." - exclamou John balançandonegativamente a cabeça enquanto mordiaos lábios."Que horas são?" - perguntou ele,

olhando aflito ao redor. Buscava com osolhos alguém que estivesse tão acordadoquanto ele."São 3h05, senhor." - um dos agentesrespondeu por fim.John soltou um impropério e virou-se demodo brusco para Schmidt, encostandoseu rosto no dele. Com olhar ameaçadordisse:"Você vai me dizer agora onde está seucompanheiro. Leve-nos imediatamente aseu esconderijo."Schmidt sabia que tudo que precisavafazer era agüentar por mais algunsminutos. Havia entendido perfeitamentea hora que foi dita e fez seus próprioscálculos. A essa altura ele sabia que o

coronel já estava quase no barco a remoe, depois de embarcado, Schmidtpoderia levar os americanos a seuesconderijo. Ali, com certeza achariamapenas os restos de uma refeição feitapouco tempo antes, além de algumasroupas civis que, pelo tamanho, osamericanos saberiam que não poderiamser dele. Nada além disso que pudesseidentificar o segundo homem. Depoisdisso a guerra seria tranqüila para ele.Uma vez que não havia sido aprisionadopelos americanos em seu próprioterritório, nada poderiam fazer contraele. Quem sabe se até não o soltariam?John sabia que era preciso ser um atorautêntico e encenar a peça maisimportante de sua vida. Virou-se para

Schmidt e disse calmamente, com a vozmais gélida que conseguiu:"Quero que você acredite apenas emuma coisa: se não nos levar de imediatoa seu esconderijo, juro quepessoalmente te entrego à polícia local.Deixaremos o corpo de nosso agente quevocê matou em um local que elescertamente acharão, junto com sua arma.Você será preso por assassinato e ficaráem uma cadeia no Brasil por muitosanos. Eu cuidarei, em pessoa, para queisto aconteça."John afinal conseguiu o que queria eSchmidt gelou com a chantagem. Viu nosolhos de John que ele falava sério. Tudoo que podia fazer era torcer para que o

coronel já tivesse saído da casa e, semsaída, concordou em mostrar o caminhoaos americanos.Dois homens o carregavam enquantoJohn andava com dificuldade, abraçadoa Bertha. Eles caminharam algunsminutos na direção da outra ponta dapraia. Aproximaram-se de uma dascasas que davam de frente para o mar e,ao chegar bem em frente da porta,Schmidt, fingindo estar muitocontrariado, apontou para dentro comolhar resignado. Era uma disputa entredois atores."Aqui?" - perguntou John, desconfiado.Não podia acreditar que estivessem tãopróximos.

"Sim." - disse Schmidt, respirandoprofundamente. Estava esforçando-separa parecer triste.John sacou sua arma e mandou todos osagentes entrarem, ficando na rua apenascom Bertha. Apontava sua arma para oimobilizado Schmidt enquantoaguardava pelo retorno dos agentes.Os agentes sacaram suas pistolasenquanto entravam rapidamente nosobrado. Os minutos passavam e John,sendo o responsável pela missão,começou a suar frio. Mantinha um olhona porta da casa e outro em Schmidt.Esperava que a qualquer momentoalguém saísse dali com uma pasta negranas mãos e, então, tudo estariaresolvido. Mas ele não vinha.

Por fim um dos agentes voltou, acenandonegativamente com a cabeça. Da porta,gritou dizendo que a coisa maisimportante que haviam achado era umrádio. Este poderia facilmente secomunicar com navios ou submarinos naárea, mas que, no entanto, testaram oaparelho e descobriram que nãofuncionava.Por instinto, John achava mesmo queisso aconteceria e já se prepararamentalmente. Com o canto dos olhospercebeu o ar de indiferença de Schmidte disse com calma ao agente que saírada casa, propositalmente em português,ao perceber que os olhos de Schmidtsaltavam:"Pode levá-lo à polícia local. Vamos

entregá-lo por assassinato.""Não!" - protestou Schmidt. "Nóstínhamos um acordo.""Não tínhamos acordo algum." -respondeu John."Eu te ameacei e você me obedeceu, sóisso. Mas agora, se quiser um acordo,estou disposto a ouvir o que você tem adizer."Schmidt avaliou a situação comnervosismo. Se fosse entregue à polícialocal como assassino, passaria um bomtempo em alguma prisão brasileira. Oterror que iria sofrer não seriacomparável, no entanto, à vergonha queiria sentir quando - e se - voltasse umdia para a Alemanha. Como se já não

bastasse o problema de bebedeira,tentou imaginar o tamanho da vergonhaque seria ser preso pela polícia localcomo mero assassino. Uma desgraça quenão permitiria que ele voltasse a ver suafamília, talvez nunca mais. Além disso,o orgulhoso coronel achara que Schmidtnão teria capacidade de entender oprofundo significado daquela missão enão havia deixado claro sobre o quãovital era aquela pasta. Quando o coroneldisse a ele, secamente, que fizesseapenas tudo que ele mandasse, eleponderou: "Uma missão como outraqualquer, que vai coroar o vitoriosocoronel. Eu, por outro lado, voucontinuar aqui, esquecido".Para Schmidt isso naturalmente se

confirmou quando os dois entraram nacasa do velho casal. Ele raciocinou queuma coisa assim tão importante nãopoderia estar sob guarda de pessoas tãofrágeis. Limitou-se a cumprir friamenteas ordens do coronel e, na primeiraoportunidade, resolveu sair para "daruma volta" sozinho, quando poderiaalimentar seu pequeno vício. Naverdade já tinha desenvolvidoverdadeiro ódio por aquele homemarrogante que se julgava tão superior aele. Schmidt sentia muita saudade de suapátria e de sua família e a todastentativas de saber alguma novidade ocoronel respondera com monossílabos,indicando claramente que não iria sercordial. Isso, afinal, ajudaria a aliviar

um pouco a sua culpa. Ele sabia que eraquase certo que os agentes americanosmatariam o coronel em combate. Oupelo menos o prenderiam e o manteriampreso talvez até mesmo depois que aguerra acabasse. Se isso acontecesse,ele estaria salvo."Essa sem dúvida seria minha vingançamais saborosa. Eu mesmo não poderiater planejado melhor ..." - pensou ele.De qualquer modo um coronel daGestapo seria uma presa muitíssimointeressante. Na hora certa, quem sabe arevelação da patente do outro agente nãopoderia até elevar seu poder debarganha?John consultou o relógio. Eram 3h15 e

ele sabia que o tempo estava quaseesgotado, mas não podia deixar issotransparecer. Sua parte naquelaencenação exigia que se mantivessecalmo e frio. Mas quando ele já perdia apaciência e pensava em atirar na outraperna de Herbert, este por fim quebrou osilêncio:"Muito bem, tenho uma proposta.""Estou ouvindo." - respondeu John omais calmo que conseguiu."Sei o que vocês procuram e também seicom quem está. Na verdade, posso levarvocês até ele, mas em troca quero minhaliberdade e a total desvinculação com amorte do agente americano."Aquilo era tudo que John queria ouvir.

"Ok, de acordo. Leve-nos rápido até ele.Se não o acharmos, nosso acordo estádesfeito." - sentenciou John.Schmidt arregalou mais uma vez osolhos, pois agora era ele quem tinhapressa. Imediatamente apontou o ladosul da praia do Leblon. John pediu que oagente que havia saído da casa voltassepara chamar os demais.Assim que todos os agentes saíram dacasa, partiram na direção que Schmidtindicara. John seguiu abraçado a Berthae continuava a caminhar comdificuldade. Dois outros agentescarregavam Schmidt e as cinco pessoasmergulharam de novo na escuridão,deixando para trás o esconderijo queficou vazio mais uma vez.

CAPÍTULO L O coronel Von Wiesen consultou umaúltima vez o relógio. Já se sentia de todopreparado para a excursão até osubmarino. Vestido com uma roupa deborracha impermeável, olhou para suaimportante carga embalada com cuidadoem um saco, também impermeável. Eram3h20, a hora exata de lançar-se à águapara que, remando por quarenta minutos,estivesse o mais próximo possível doponto de encontro. Pelo fraco som quevinha do bater das ondas na areia dapraia ele sabia que o mar estava bemcalmo.

"Será tranqüilo." - ele avaliou.O pequeno barco havia ficadoescondido, desde a noite anterior, entrealguns arbustos cuja localização ocoronel memorizara. Naquele tempo,dificilmente alguém mexeria em umpequeno barco de madeira movido aremos lançado nas areias da praia doLeblon. Mas, para sua total surpresa,faltava alguma coisa ali Após algunsinstantes tateando no escuro, o coronelexasperou-se:"Os remos! Onde estão os remos?"Com ódio mortal de Schmidt, percebeuque havia cometido um engano em nãoter feito essa simples verificação comantecedência. Ele sabia que devia ter

verificado as condições do barco antesde pegá-lo para sua curta jornada.Schmidt não havia deixado os remosdentro do barco, como seria de seesperar. Talvez estivessem ali perto,mas naquela escuridão seria muitodifícil achá-los."Só poderia esperar isso daqueleincompetente! Vamos ao plano B." -resolveu o coronel, de imediato.Ele abriu a sacola que havia trazidoconsigo e despejou a seu lado, na areia,os objetos que estavam nela. Retirouuma fina corrente de alguns metros decomprimento e rapidamente conectouuma de suas pontas em sua própriacintura. Na outra ponta conectou oinvólucro impermeável da pasta. Calçou

também as grandes nadadeiras e umamáscara de mergulho que havia retiradoda sacola. No pulso esquerdo tinha umrelógio à prova d'água com visorfosforescente. No pulso direito, umabússola também á prova dágua, comvisor fosforescente.Já estava pronto para entrar na água enadar até o ponto de encontro. Era oplano B, caso houvesse algum problemacom o barco a remo. Calculou que haviatempo, desde que nadasse rápido.Com o tempo esgotado e para aliviar opeso que iria rebocar, não pensou duasvezes e caminhou de costas em direçãoao mar, rapidamente, abandonando tudoque não era essencial para sua jornada,inclusive sua preciosa Walther P38, que

atirou n'água para não deixar nenhumapista. Em suas mãos segurava a correnterecolhida, junto com a pasta negra emsua embalagem.Mas no exato momento em que começoua molhar os pés ele ouviu um ruídoestranho próximo dali. Não deuimportância quando sentiu a água subirpor dentro de sua roupa, molhando-lhe apele. A roupa de borracha vestida napraia, associada ao nervosismo domomento, havia elevado a temperaturado corpo do coronel. A águaligeiramente fria em suas pernas causouum pequeno choque. Para operações emáguas tropicais como as do Brasil,utiliza-se até hoje roupas de mergulhoditas molhadas. A água penetra entre a

roupa e a pele e fica aprisionada ali. Ocalor do próprio corpo esquenta a águatornando o mergulho confortável.Focado no seu retorno para o submarinoe distraído pela água que subia por suaspernas, foi com grande e desagradávelsurpresa que ele escutou alguém gritarem sua direção, da escuridão da praia:"Pare!"Não compreendeu aquela língua, masentendeu o tom de voz de comando. Ele,no entanto, resolveu ignorar a ordem,fosse qual fosse, e acelerou o mais quepôde sua entrada n'água. A segurançaestava a bem poucos metros.Mas não deu tempo. Instantes depois,escutou o barulho de um tiro de

advertência, que foi dado para o alto,em sua direção. O coronel não fazia amenor idéia de quem era aquela voz,mas teve os piores pressentimentos.Seus pensamentos, mais uma vez,recaíram sobre Schmidt, que era a únicapessoa no mundo que poderia achá-lo.Seu sangue ferveu de ódio e sua vontadeagora era de matá-lo com suas própriasmãos, o que com certeza faria se tivessea oportunidade.Aquelas pessoas já estavam muitopróximas e o coronel resolveu parar porum instante para avaliar a situação.Achou que seria muito arriscado fazerqualquer coisa e levar um tiro alimesmo. Mesmo se fosse apenas ferido,nesse caso a possibilidade de cumprir

sua missão ficaria muito reduzida.Sabendo que o coronel não entendiaportuguês e temeroso por não podercumprir sua parte no acordo, Schmidtgritou frases em alemão:"Coronel. Está acabado. Desista. Esteshomens vieram prendê-lo. Saia da águacom as mãos para cima."Os americanos olhavam para Schmidt navã tentativa de entender o que ele dizia.Mas mantiveram-se alerta.Apesar de não ser surpresa alguma, nadapodia ser mais desagradável do queouvir a voz daquele que o coronel jáconsiderava mais que um incompetente,um verdadeiro traidor. Se o coronelescapasse dessa, a sorte de Herbert

Schmidt já estaria selada. Todos,inclusive John, sabiam disso.Vendo que os americanos não haviamparado, e que dois agentes já avançavamvagarosa porém continuamente em suadireção, o coronel recuava de costaspara o mar, quase na mesma velocidade.Naquela escuridão e com as ondasbatendo em suas pernas era quaseimpossível que de fora d'água alguémpercebesse seus movimentos. Tudo queele precisava era de mais algunsminutos, tempo que levaria para atingir aprofundidade mínima para mergulhar.Então poderia arriscar uma fuga. Ocoronel estava em forma e sabia que seutempo de apnéia, mergulho sem respirar,era muito bom. Só precisava de uma

chance. A água já havia superado onível de seus joelhos e as pequenasondas batiam em suas coxas.Pensando rápido, resolveu começar umadiscussão com Schmidt, acusando-o detudo que fosse possível, em especial detraição.Schmidt, assustado, caiu na armadilha.Respondia às acusações defendendo-see acusando o coronel de arrogante,hipócrita e de outras coisas queinventava na hora. Os dois agentesamericanos, sem entender bem o que sepassava, pararam por um instante. Era olapso de tempo que o coronel precisava.Não havia parado de recuar e a águapassava da cintura.

Foi o suficiente para que o coronel seagachasse, enquanto Schmidt discursava,e sentisse seu peso diminuir. Sem fazerqualquer barulho, aspirou a maiorquantidade de ar que conseguiu e virou-se abruptamente em direção ao fundo,esticando de novo as pernas. Submergiuem instantes e começou a bater as pernasem desespero, afastando-se rápido dapraia.

CAPÍTULO LI As balas passavam ao redor do coronelVon Wiesen, cortando a água em linhareta. O som, que se propaga na águamuito mais rápido do que no ar, faziacom que parecesse que todas aquelasbalas passavam bem ao lado de seuouvido. O coronel acelerou o nado semno entanto largar a pasta. Pouco a poucoa freqüência dos tiros diminuiu atéparar. Sentindo-se seguro, ele afinalresolveu subir à superfície. Precisava dear desesperadamente.Ao encontrar a superfície, não soprou aágua de seu snorkel para não denunciar

sua posição. Apenas soltou-o de suaboca e deixou que a água descesse devolta para o mar, suavemente, enquantogirava seu próprio corpo em direção dapraia. Mantendo-se na superfície, comuma constante mas lenta batida depernas, o coronel buscou seusperseguidores com os olhos,freneticamente. No entanto ele já estavaa algumas dezenas de metros maradentro e percebeu que ninguém o haviaseguido. Aliviado, o coronel inspirou eexpirou com voracidade sem sepreocupar tanto em fazer ruído. Haviafeito enorme esforço e estava ofegante.Mas mesmo aquilo ainda foi insuficientepara que seu fôlego voltasse ao normal.Retirou a máscara com uma das mãos

enquanto segurava a preciosa pasta coma outra. No entanto, sabendo que nãopoderia perder mais um instante sequer,recolocou a máscara e o snorkel naboca. Deu as costas para a praia evoltou a nadar."O U-162 não vai esperar mais do quepoucos minutos pelo meu sinal. Devo meapressar." - raciocinou.Ele carregava uma pequena lanterna àprova d'água e, com ela, deveria fazerum sinal combinado, às 4h, para osubmarino. O U-162 se identificaria, emcódigo, e o coronel mais uma vezresponderia emitindo lampejos com sualanterna, informando a execução doemergencial plano B. O submarino entãoenviaria um bote para resgatá-lo.

A janela de tempo de espera combinada,no entanto, era de apenas quinzeminutos. Ou seja, o primeiro sinalpoderia ser recebido até às 4h15 ou ocoronel simplesmente perderia otransporte. O não comparecimento doagente indicaria ao submarino que houvealgum problema e que este deveriaaguardar novo contato via rádio, ecomeçaria tudo outra vez. Nesse caso ocoronel seria obrigado a nadar de voltae, muito pior que isso, ao chegar à praiateria que enfrentar desarmado os agentesamericanos, que poderiam estaresperando por ele."Nem pensar!" - afastou de si o coronelesses pensamentos. "Estarei lá!"

Como se tivesse dado uma ordem parasi mesmo, aumentou o ritmo de suaspernadas e ganhou um pouco mais develocidade.Mas calculou que ainda era pouco.Sabia que, para ganhar mais velocidade,precisava também de suas potentesbraçadas. Sabendo que agora estava emáguas mais profundas, esticou os braçospara trás e soltou a pasta lentamente, atécolocar as mãos na corrente que aprendia. Sem parar de nadar um instante,soltou a corrente com muito cuidado,mão após mão, até que ela ficassetotalmente esticada. Com as mãos livres,começou a dar braçadas. Após duas outrês braçadas já sentia o peso da pastapuxando-o para baixo e para trás.

Aumentou o ritmo das braçadas erebocou a pasta, cada vez mais para maraberto.De tempos em tempos conferia a rotaolhando para a bússola em um de seuspulsos. Ao olhar no outro pulso econferir novamente o relógio, estimousua posição e finalmente tranqüilizou-se:"Acho que estou no horário."

CAPÍTULO LII Nas areias da praia do Leblon o climaera de funeral para um pequeno grupo depessoas que olhava, incrédulo, para omar. Os americanos não podiamacreditar que, depois de tanto esforço,por tão pouco não conseguiram pôr asmãos no agente alemão. John era o maispreocupado de todos. Sabia dagravidade da situação e das terríveisconseqüências.Mas simplesmente não havia nada o quefazer. Essa era a única e inevitávelcerteza. O coronel alemão, todo depreto, era invisível na noite escura.

Além. disso, sem qualquer equipamentode mergulho, sair nadando a esmo seriatotalmente inútil.Ferido no corpo e na alma, não restou aJohn outra opção, exceto suspender acaçada. No entanto, precavido, virou-separa dois agentes e ordenou-lhes queficassem ali de plantão até o dia clarear,apenas para certificarem-se do óbvio:que o agente alemão escapara.Um profundo pesar abateu-se sobretodos até que o silêncio foi quebrado:"E quanto a mim?" - perguntou Schmidt.A total inutilidade daquele homem fezJohn de repente sentir náuseas."Larguem-no aqui." - disse ele apenas.

"Vocês não podem fazer isso!" -protestou Schmidt."Não podemos por quê?" - respondeuJohn.Após o inútil protesto de Schmidt, quemal podia arrastar-se, John completou:"Estou cumprindo minha parte noacordo. Estou te dando a liberdade.Sorte sua se não for pego pela polícialocal. Mas garanto que será bem pior sefor pego pela Gestapo."Aquelas palavras fizeram com queSchmidt sentisse a realidade mais durado que nunca. Sabia que estava só e quenão tinha tempo a perder. Rolou para olado e começou a arrastar-se em direçãoà rua, para a sua base. Ao mesmo tempo

os agentes americanos levantaram John eiam começar a andar em direção a seuscarros quando ouviram de novo aquelamesma voz insuportável:"Tenho outra proposta a fazer." - disseSchmidt.Muito surpreso, todo o grupo parou derepente."Continue." - disse John. "Espero quevalha a pena.""Todos nós sabemos que o coronelpartiu para embarcar em um submarinoalemão, que o levará de volta."Ninguém, em especial John, podiaacreditar no que ouvia. A coisa maisincrível que alguém jamais pensaria emouvir seria a traição de um agente da

Gestapo."Se me levarem até a rua eu mostro avocês onde tem um barco. Com elevocês poderão perseguir o coronel.""Coronel." - pensou John. "Os alemãestambém sabem que isso é muitoimportante. Por isso nós também temosurgência em recuperar os mesmospapéis." - concluiu ele."Negócio fechado!" - disse John."Levem-no para onde ele indicar." -ordenou a dois de seus agentes.Schmidt apontou em direção à moitaonde, sabia ele, estaria o barco. Ele nãosabia ainda porque o coronel haviaoptado pelo Plano B e, em seu íntimo,estava muito preocupado.

"Será que alguém teria roubado obarco?" - preocupava-se ele.Mas ao chegarem à moita encontraram obote exatamente onde ele havia deixado.Um dos americanos gritou:"Hei! Não há remos aqui!"Subitamente Schmidt lembrou-se quehavia retirado os remos do barco e queos colocara mais para cima, em direçãoà rua. Na escuridão da noite era muitodifícil enxergá-los. Mas isso tambémexplicava por que o coronel haviaoptado pelo Plano B."Não foi uma opção. Foi um motivo paraele me odiar ainda mais."Sem hesitar, disse para os agentes: .

"Procurem pelos remos um pouco maisna direção da rua."De fato, em instantes os americanosvoltaram com os dois remos. Semperder mais tempo, pegaram o barco e oarrastaram em direção ao mar. O botenão suportava muitas pessoas, entãoJohn, ferido, decidiu ficar com Bertha napraia, e ordenou que dois agentesfossem atrás do coronel.Enquanto o bote entrava rápido maradentro, John olhou para trás, emdireção à rua. Viu um homem mancandohorrivelmente, que quase se arrastavapela rua, e, inesperadamente, teve muitapena de Schmidt. Na verdade, depoisdaquele dia nunca mais se ouviu falar doagente Herbert Schmidt, da Gestapo.

CAPÍTULO LIII Enquanto nadava, o coronel Von Wiesenrelembrou sua juventude esportista.Havia sido campeão de natação europeuno início da década de 1930 e, naOlimpíada de 1936, em Berlim, haviarecebido medalha de ouro de Hitler, empessoa. Daí veio uma admiração mútuae um irrecusável convite para que oesportista e herói nacional Franz vonWiesen se tornasse oficial de confiançada polícia secreta de Hitler, a Gestapo.Ele fez pessoalmente a recomendação aHimmler.Inteligente, não demorou até que Von

Wiesen fosse promovido e, já no inícioda guerra, em 1939, devido a sua altaeficiência nas missões que lhe erampassadas, foi-lhe dada a patentehonorária da SS Standardtenführer -Líder de Regimento. Esta patentetambém era conhecida como Oberst, ou,conforme sua equivalência em outrosexércitos, coronel.No início de 1941, quando a Alemanhaparecia imbatível, foi-lhe feito umconvite para Alto Comissário da Políciae SS. Esses líderes eram oficiaisseniores do Partido Nazista, quecomandaram grandes unidades da SSdurante, e mesmo antes, da SegundaGuerra Mundial. Esse posto era um dosmais poderosos da Alemanha nazista e

respondia somente a Hitler ou Himmler.A seguir, a lista dos nomes maisimportantes da SS durante a guerra. Amaioria acabou morta na frente orientalou cometeu suicídio logo após a prisão.O "Von" no nome de muitos delessignifica origem nobre, assim como ocoronel Franz von Wiesen.

Comissário Supremo da Polícia eSS da Itália: Karl WolffAlto Comissário da Polícia e SSdo Elba: Udo von WoyrschAlto Comissário da Polícia e SSde Donau: Ernst KaltenbrunnerAlto Comissário da Polícia e SSda Bohemia: Karl Hermann

FrankAlto Comissário da Polícia e SSdo Norte da Rússia: FriedrichJecklenAlto Comissário da Polícia e SSdo Mar Negro: RichardHildebrandtAlto Comissário da Polícia e SSda Costa Adriática: Odilio G.GlobocnikAlto Comissário da Polícia e SSda Holanda: Hanns AlbinRauterAlto Comissário da Polícia e SSda Rússia Central: Erich vonDem BachAlto Comissário da Polícia e SS

da Polônia: Friedrich WilhelmKrügerLíder da Polícia e SS deVarsóvia: Jürgen StroopLíder da Polícia e SS daCracóvia: Julian Scherner

No entanto o coronel Franz von Wiesenrecusou o convite, pois queria continuarem ação. As missões que lhe erampassadas eram escolhidas a dedo, eforam todas cumpridas exemplarmente.Essa seria só mais uma.Após vários minutos nadando comenergia, o coronel precisava fazer umapausa. Consultou seu relógio, eram3h55. "Quase na hora." - raciocinou ele.

"Mas devo estar muito próximo do localcombinado. Vai dar certo."Após parar, a pasta afundou lentamentena água e em instantes ele sentiu-lhe opeso puxando-o para baixo. Paramanter-se à tona, precisou bater aspernas um pouco mais rápido. Apósmais alguns instantes, olhou para o pulsodireito. Conferiu a direção e percebeuque estava ligeiramente fora da rota.Corrigiu girando o corpo e começou abater as pernas de novo. No entanto, aogirar, a fina corrente que pendia sob eleenganchou-se caprichosamente napresilha de sua nadadeira direita.O coronel, extremamente focado emchegar ao ponto combinado, só percebeuo que aconteceu quando, ao dar uma

pernada com mais vigor, sentiu umpuxão na cintura. Parou de imediato,mas era tarde demais. A corrente separtira na fivela da nadadeira e a pastajá afundara. Desesperado, o coronel foio mais fundo que pôde, na mais absolutaescuridão, mas nada encontrou."Só há um jeito de resolver isso." -pensou, ao subir para respirar mais umavez. Consultou o relógio e percebeu quejá eram 4h05."O submarino é minha única esperança."- pensou o aflito coronel, paraconvencer a si mesmo a abandonar abusca.Sem perder mais tempo, pegou suapequena lanterna e enviou uma

seqüência de lampejos em código emdireção ao mar aberto. Quase que deimediato, bem próximo dali, outraseqüência de lampejos voltou em suadireção. Aliviado mas com pressa, ocoronel não esperou o bote chegar.Partiu nadando com velocidade nadireção de onde vieram os lampejos.Ao subir no convés do submarino, semfôlego, encontrou o conhecido capitãoWattenberg. Este, no entanto, olhou comsurpresa o coronel. Dirigiu umarespeitosa continência àquele homemcansado mas não resistiu em perguntar:"Coronel, o senhor não deveria trazerum pacote?"Espumando de raiva e sem rodeios, o

coronel respondeu apressado, mostrandoo pedaço de corrente que sobrara e queagora pendia de seu cinturão:"A corrente partiu-se. Preciso de suaajuda para resgatar o pacote.""Claro, coronel. De que o senhorprecisa?""Resgate manual.""Resgate manual?" - perguntoumecanicamente o capitão.Virando-se para o capitão, o coronelrosnou:"Agora! Rápido!"

CAPÍTULO LIV Um pouco mais calmo e lembrando-seda competência do capitão dosubmarino, o coronel achou queprecisava explicar a operação. Afinal,podia ser que surgisse alguma boa idéia."Capitão, nesta profundidade o sonarnão vai funcionar. E mesmo quefuncionasse, não detectaria um pacotetão pequeno. Preciso de todos os seusmergulhadores para fazer a busca e oresgate manual. O senhor conhece oprocedimento, não?""Sim, coronel, é claro que conheço. Vou

mandar chamar os homensimediatamente."O resgate manual é simples e engenhoso,como é ensinado até hoje em cursos demergulho. Uma dupla de mergulhadoresdesce até o fundo com um cabo, quepode medir vários metros. Um dosmergulhadores segura uma ponta docabo e posiciona-se junto ao outromergulhador. O mergulhador que está naponta do cabo realiza voltas ao redor doque está no centro, e que deve ficarimóvel. A cada volta completada, omergulhador do centro libera umabraçada de cabo. Assim, o mergulhadorem movimento realiza um percursopróximo a uma espiral ao redor dooutro, e cobre uma grande área no fundo.

Além disso, o cabo esticado entre elessempre pode enroscar no objetoprocurado.De imediato o capitão deu ordem paraque os mergulhadores se preparassem. Opróprio coronel queria voltar e sentou-se por alguns momentos para descansar.Ele estava seguro de que, com oprocedimento, a pasta seria recuperadapois tinha certeza da posição onde elaafundara. O mar estava calmo, com águamorna, e ali não era tão fundo para quemtinha equipamento de mergulho. Ocoronel estava de fato confiante.Quando os primeiros mergulhadores jáse apresentavam no convés, prontos paraentrar em ação, ouviram o ruído de umvelho motor diesel que se aproximava

em sua direção. O capitão ordenou que oartilheiro se preparasse para atirar como canhão de proa, e também ordenousilêncio absoluto na embarcação. Seriabem melhor se pudessem continuar aoperação em absoluto sigilo. Ah doconvés puderam notar uma luz fracavindo do barco. A luz refletia em doisvarões laterais que saíam em direçãoperpendicular ao barco."Barco pesqueiro." - comentou o capitãoWattenberg. "Está rebocando redes.Vamos aguardar ele passar, pois seriamuito arriscado mergulhar onde háredes.""Eu sei!" - respondeu o coronel, comaspereza.

Os minutos custaram a passar. O coronelVon Wiesen estava muito ansioso paravoltar à água mas sabia que antes deresolver o problema do barco que seaproximava, de fato isso não seriapossível. Mais alguns minutos eperceberam que o barco, afinal, passaraentre eles e a terra firme. Seguros de queo barco estava se afastando, osmergulhadores todos pularam na água. Ocoronel Von Wiesen mais uma vezconsultou o relógio e sabia que tinhampouco tempo. Já eram quase 5h e elestinham no máximo uma hora paratrabalhar. Mas, ele acreditava, seriatempo suficiente.No fundo plano de areia as duplastrabalhavam sem cessar, realizando o

procedimento de busca e resgate manualvárias vezes cada uma. Sem ter como secomunicar na escuridão do final damadrugada, o combinado era que todosfariam as buscas até que não houvessemais ar disponível nos tanques e sóentão retornariam ao barco. Osuprimento de ar, naquela profundidade,poderia durar cerca de uma hora.Tudo o que se via no fundo era oeventual facho de luz da lanternasubmarina de uma ou outra dupla quetrabalhava perto. O silêncio só eraquebrado pelo som do próprio ar que sesoltava e que, ganhando a liberdade,corria rápido para cima, em bolhas cadavez maiores, formando a figura de umcogumelo. No submarino mantinha-se

atenta vigilância ao sonar, e os ouvidosaguçados no convés, para qualquerpedido de ajuda. Ninguém dormia e aidéia era que o bote fosse de imediatoresgatar a dupla de mergulhadores assimque esta informasse que havia achado opacote. No entanto os minutos sepassavam e ninguém havia pedido obote.De repente um dos marinheiros noconvés chamou o capitão:

"Capitão, contato a estibordo, a 45o".Todos, inclusive o capitão Wattenberg,olharam naquela direção. Para seuabsoluto espanto, viram um bote que seaproximava com rapidez. Havia doishomens remando freneticamente.

CAPÍTULO LV O capitão ordenou então que dessemarmas ao marujo que já estava no bote, eque seu imediato também descessearmado, para interceptar osdesconhecidos.Em segundos o bote alemão disparavaem direção ao americano. Dosubmarino, o que os homens podiamfazer era observar toda a cena que sepassava bem acima dos mergulhadores.Assim que os americanos viram osubmarino, pararam de remar e seagacharam, seguindo o instinto. Mas era

tarde: o bote alemão já vinha em suadireção. Aguardaram um pouco mais eabriram fogo.Os tiros passaram perto do alvo mas nãoferiram ninguém. No entanto, foi osuficiente para que os dois homens dobote alemão revidassem. Vendo a cenado convés, o capitão ordenou que omarujo em cima da torre do submarinotambém abrisse fogo com suaespingarda.A troca de tiros foi rápida, porémintensa. Após alguns momentos os tiroscessaram por completo e ouviu-seapenas o som do mar que, indiferente atudo aquilo, continuava batendo nocasco do submarino, sempre no mesmoritmo. Ambos os botes flutuavam, mas

aparentemente ninguém se mexia.O capitão Wattenberg ordenou cessarfogo e continuou a observar os botes emque não parecia haver movimento algum.Passaram-se alguns instantes até que, nobote alemão, o imediato se levantoudevagar, para observar melhor. De lá,gritou para o capitão:"Capitão, o marinheiro Werner estámorto."O capitão ficou chocado mas sabia queisso poderia acontecer, e gritou devolta:"E você? Está bem?""Sim, estou bem, capitão. Tive sorte.""E no outro bote?"

"Ninguém se mexe ali. Parece que estãomortos também. Peço permissão paraverificar, senhor."O capitão ouviu aquilo e pensou:"Homem de coragem. Sabe que podelevar um tiro de repente.""Está bem, permissão concedida. Mastome cuidado.""Sim, senhor."O imediato começou a remar comcautela, sempre olhando para o boteamericano. Aproximou-se o bastantepara ter certeza de que de fato os doishomens não se mexiam. Com a ponta daarma, empurrou um deles que, mesmoassim, não se mexeu. Mas quando fez amesma coisa com o segundo homem este

soltou um gemido."Capitão, um deles está vivo!" - gritouem direção ao submarino."Jogue as armas deles no mar.""Sim, senhor."O imediato, com dificuldade para seequilibrar no bote, pegou as armas dosdois americanos e as jogou no mar.O capitão passava por um dilema. Nãoqueria abandonar o homem ferido masnão poderia levá-lo consigo. Apósalguns instantes, gritou de novo emdireção aos botes:"Tente empurrar o bote na direção dapraia e volte para cá agora. Não traga oferido."

"Sim, senhor."O imediato cumpriu a ordem dada e oshomens do convés apenas observaram obote que se afastava do submarinodevagar. Ao se aproximar do convés,novo dilema se abateu sobre o capitão.O que fazer com Werner? Também nãopoderia levá-lo e não havia tempo paraum funeral completo.Mandou que seus homens no convésmontassem guarda de honra, fez umarápida prece ali mesmo em nome domarinheiro morto e ordenou que fossejogado ao mar. Sob a vista de todos, omarinheiro Werner afundou no mar, paranunca mais voltar.

CAPÍTULO LVI Como esperado, uma hora depois,devido ao esforço do início das buscas,algumas duplas já estavam com o ar nareserva e viram-se obrigadas a retornar.Os mergulhadores procuravam sua duplae, apontando a lanterna para si,passavam a mão espalmada em frente dagarganta, deixando claro que nãopoderiam continuar a busca.Os primeiros mergulhadores voltaramao barco quando o dia começou aclarear. As poucas estrelas da noiteescura já não podiam ser mais vistas e océu estava cada vez mais claro. A última

dupla a retornar foi, naturalmente, a emque estava o coronel, que insistiu nabusca até ficar sem ar e ter que fazeruma subida de emergência. Ao seaproximar do submarino, já com osprimeiros raios da manhã batendo nocasco, o coronel tinha a esperança deque alguém tivesse encontrado seuprecioso pacote. Mas ao chegar próximopercebeu que os homens no convéstambém tinham a mesma esperança emrelação a ele. Ao trocarem o mesmoolhar, todos compreenderam de imediatoa terrível situação. O coronel, semsaída, subiu ao submarino espumando deraiva. Arrancou o equipamento demergulho com força enquanto caminhavapara a escotilha de entrada. Percebeu o

bote cheio de sangue, o que o fezestancar. Virou-se para o capitãoWattenberg, que estava impassível comosempre, e perguntou:"O que aconteceu aqui?""Um marinheiro foi morto.""Morto? Como?" - de imediato ocoronel lembrou dos americanos."Um bote apareceu no meio daescuridão, vindo da direção da praia.Mas a situação está sob controle.Tivemos que nos defender, pois elesabriram fogo.""E onde está o outro bote? E atripulação?""Matamos um de seus ocupantes e

deixamos o outro muito ferido. Mandeideixar o bote à deriva. Não haviaopção."O sol saía e era cada vez menos segurocontinuar ali. O imediato, sempre útil,interrompeu a conversa:"Capitão, precisamos ir.""Coronel, entre por favor. Vamossubmergir, pois com a luz do dia nãopodemos ficar tão perto da costa."O coronel, contrariado, continuou seucurso em direção a escotilha. Ao chegarlá, atirou o equipamento de mergulhopara dentro e desceu a escada, saltandoos degraus. Ninguém teve coragem dedirigir-lhe a palavra. "Submergir!" -ordenou Wattenberg.

"Submergir!" - repetiu o imediato.Em minutos o submarino mergulhou emdireção à segurança. Dentro, o coroneldiscutia a situação com o capitãoenquanto o barco ganhava águas cadavez mais profundas.O capitão Wattenberg considerava amissão cumprida e queria voltar parauma base alemã. O coronel, entretanto,fez valer sua posição superior paraexigir que a busca continuasse napróxima noite. A tripulação ouviucalada, com respeito, toda a discussão, epercebeu que não haveria argumento.Teriam que ficar ali por perto de diapara poder voltar de madrugada econtinuar a busca. Todos estavam muitocansados pelo esforço e a frustração.

Foram dormir, contrariados, naesperança de conseguir recuperar oimportante pacote na noite seguinte, poisteriam mais tempo para a busca. Seriapossível recarregar os cilindros de arcomprimido e fazer vários mergulhos emseqüência. A estratégia estava traçada eapenas a tripulação essencial continuouacordada para manter o submarinonavegando.Na superfície, entretanto, um botecontinuava a ser levado pelas ondas emdireção à praia.

CAPÍTULO LVII John não podia mais suportar sua dor efoi obrigado a retornar à embaixadapara ser medicado. Pediu a Bertha que oacompanhasse e deixou seu últimoagente, Jerry, de prontidão na praia àespera de qualquer novidade. Ao chegarà embaixada ordenou que um outroagente, Mike, fosse ao Leblon eformasse dupla com Jerry. Afinal, esteera o procedimento: jamais alguémdeveria operar sozinho.Na praia do Leblon dois sonolentosagentes americanos estavam de pé eolhavam em direção ao mar. Vez por

outra um olhava para o outro, mas nãopodiam fazer muito mais do que issodevido à escuridão da noite. A únicacoisa a quebrar a monotonia do ruídograve das pequenas ondas era o acenderdos cigarros. Fumados quase que umatrás do outro, já havia uma grandequantidade de restos de cigarrosespalhados aos pés dos doisamericanos.O romper do dia os colocara maisdespertos mas ao mesmo tempo fez comque a realidade fosse mais presente.Apesar de não saberem dos exatosdetalhes do que havia no tal pacote, elessabiam que sua perda para os alemãesera gravíssima.John ordenou que os dois homens, Jerry

e Mike, ficassem esperando em pé oretorno do bote. O som de tiros vindosda escuridão havia deixado Jerry muitoapreensivo mas, uma vez mais, nãohavia nada a fazer a não ser esperar oraiar do dia. Assim que Mike chegou,Jerry o atualizou contando o ocorrido.Com a luz da manhã, de repente um dosagentes virou para o outro e chamou-lhea atenção:"Jerry! Olhe ali, na Unha do horizonte. Oque você acha que é aquilo?" - disseMike, muito surpreso com o que via.Jerry, um rapaz ruivo, filho deirlandeses, acompanhou a direçãoapontada pelo colega, mas manteve-secalmo.

"Aquilo destoa da paisagem. Umamancha bem grande contra o solnascente, não?" - comentou Jerry,apertando os olhos ofuscados pela luzsolar.Após alguns instantes, no entanto, elesperceberam que a tal mancha se movia eafundava lentamente. Em um últimomomento antes de sumir de vez no mar,perceberam que uma haste se levantoudireto para o céu. A haste caminhou poralguns instantes em cima da água até queela também desaparecesse."Um submarino!" - exclamou Jerry,atônito. Ele sabia com exatidão o queaquilo significava e que poderiaresumir-se em uma única palavra:esperança.

Jerry correu à procura de um telefone.Ligou para a embaixada."Embaixada dos Estados Unidos." -atendeu um marine."Eu preciso falar agora com o agenteJohn!" - disse Jerry, nervoso."Lamento, mas ele está sendomedicado." - respondeu o marine."Ainda?""Sim, é que não havia médico de plantãoe tivemos que localizar o doutor.""Ok, mas isso é uma emergência muitograve. E ele mesmo pediu que fosseinterrompido. Chame-o imediatamente."Contrariado, o marine respondeu:

"Ok, vou ver se ele pode atender.Aguarde."Do outro lado da linha, Jerry estavaimpaciente. Quis acender mais umcigarro, mas, ao pegar o maço, percebeuque estava vazio. Amassou-o comviolência e atirou-o o mais longe queconseguiu. Alguns minutos se passaramaté que uma voz fraca, mas familiar,disse:"Alô.""John, aqui fala o Jerry.""Sim, Jerry, continue.""Com o raiar do dia, o Mike e eu vimosuma mancha escura no horizonte quecom certeza era um submarino."

"Não é possível!" - comentou John. "Osalemães, sempre muito precisos, devemter tido algum problema grave. Osubmarino jamais ficaria ali por tantotempo sem um motivo importante." Semperder mais tempo, quis, ele mesmo, iraté o Leblon. O médico protestou masisso não teve a menor importância. Johnprecisava ir até lá. Vestiu de novo suacamisa ensangüentada. Procurou pelopaletó e chapéu, vestíndo-os comdificuldade devido ao ferimento e aocurativo. Ao sair da sala de atendimentomédico, deparou-se com Bertha. Osolhos dela fitaram os dele e a respostafoi instantânea. Por um momento Johnhesitou, diminuindo o ritmo. A calma damoça irradiou para ele, fazendo com que

parasse para respirar, aliviando aansiedade. Ela com certeza lhe faziabem e ele pediu-lhe, com carinho, quefosse com ele.Andaram com calma até o carro e John,como de costume, caminhou em direçãoa porta do motorista. Cansado, ferido esonolento, parou por um instante quandoabriu a porta e percebeu a idiotice queestava fazendo. Humilde, pediu a Berthaque dirigisse para ele e eles trocaram deposição. Bertha, inteligente eindependente, sabia dirigir há muitotempo, mesmo antes de vir para oBrasil. Observando a segurança dela aovolante John sentiu-se tranqüilo.Recostou-se no assento do carro ebaixou um pouco o chapéu até cobrir

parte do rosto. Em segundos estavadormindo.Bertha levou-o até o Leblon eestacionou o carro enquanto ele aindadormia. Não queria despertá-lo, massabia da gravidade da situação. Chegouo rosto perto do dele e, baixinho,chamou:"Acorde John, pois já chegamos."Ele acordou sobressaltado, quaseenvergonhado por ter dormido tãoprofundamente. Mas o descanso, apesarde breve, fez com que se sentisse com asenergias recobradas. Caminharamrápido em direção à praia, ondeencontraram Jerry e Mike no mesmoponto onde haviam estado de

madrugada.Com segurança, Jerry contou novamenteo que viu, apontando em direção ao maraberto, onde havia visto o submarinopela última vez. Tendo acesso adocumentos militares sigilosos Johncomentou:"Sei que não era um barco aliado, ontemmesmo conferi a lista de nossossubmarinos no Atlântico Sul. Então sópode ser inimigo."Ele só não fazia idéia do que poderia teracontecido ali depois que foi emborapara tratar de seus ferimentos. O grupoolhou para John, aguardando suasinstruções, mas ele pela primeira vezsimplesmente não sabia o que fazer, e

sentiu-se frustrado. Angustiado, esperouque alguém desse uma sugestãointeligente. O sol já estava forte e ocalor o seguia. De repente, um a um,puseram-se a observar um pequeno boteque parecia se aproximar da praia.Ninguém disse uma palavra por algunsminutos, pois era possível perceber pelomenos um corpo, e não havia qualquermovimento a bordo. John, temendo opior, ordenou a Mike e Jerry quetrouxessem o bote para a praia.Quando eles chegaram, as palavras queforam ditas somente confirmaram o queJohn já havia percebido em seus rostos."Perdi três agentes em uma única noite.Maldito seja aquele pacote e que afundeno meio do oceano!" - praguejou ele.

CAPÍTULO LVIII Perto dali, um pequeno barco demadeira dirigia-se para o humilde portode origem. Seu capitão, senhor JoséCarlos, tinha pressa. Apesar de estarcansado, assim como toda a tripulação,que passara a noite pescando no mar aolongo das praias da Zona Sul, ele queriair logo para casa. O barco era umdaqueles pesqueiros lentos que faziampesca de arrastão com redes. O casco dopequeno barco estava mal cuidado ecom a pintura descascando. Mal sepodia ler o nome, que fazia menção a umsanto. Diariamente aquele grupo de

camaradas saía no início da noite e iaaté a ponta da Urca. De lá, retornavapara o ponto de origem, tendo ao largoCopacabana, Ipanema e por fim oLeblon.O capitão José Carlos e sua tripulação,antes de voltar para o porto, pararamseu barco por um momento. Puxavam asredes para dentro, para guardá-las, eseparavam manualmente os camarões epeixes, que eram colocados em caixasali mesmo no convés. Alguns peixes,muito pequenos, eram jogados de voltapara o mar.Subitamente o senhor José Carlospercebeu algo muito diferente enrascadoem sua rede. De peixe, aquilo não tinhanada. Mas, como ele mesmo costumava

dizer:"Nunca se sabe o que o mar vai nostrazer."Daquela vez era um pacote de ummaterial que ele não conhecia, de cornegra. Pediu ajuda para um de seushomens pois o pacote estava muitoenrascado na rede e poderia parti-la, oque causaria um desagradável prejuízo.Eles mesmos faziam os reparos da rede,manualmente, usando grandes agulhaspara fazer as costuras.Intrigado, o senhor José Carlos separouo pacote, deixando-o no convés dobarco. Voltou para a sua atividade eajudou seus homens a terminarem decolocar o pescado nas respectivas

caixas. Olhou satisfeito para o resultadode seu trabalho, tentando avaliar o lucro."Vamos para o porto." - ordenou ele.Imediatamente seus homens puseram obarco em marcha de novo e rumaramsem mais nenhuma parada, direto paracasa. Ao chegar lá, desembarcaram ascaixas com peixes e camarões para ocais, e dali as transportaram para oarmazém resfriado. Um a um osmarinheiros pegaram suas coisas eforam embora descansar. O último adeixar o barco foi o capitão.Ele já ia embora quando lembrou doestranho pacote. Voltou ao barco parapegá-lo, limpou-o e resolveu levar paracasa consigo.

Já em casa, o senhor José manuseou opacote tentando entender em vão do quese tratava. Ele pegou alguma ferramentarústica e com muita dificuldadeconseguiu abrir aquilo. Lá dentroencontrou uma pasta intacta. Abriu apasta e, para sua decepção, viu algunsdesenhos e vários papéis em uma línguamuito estranha. Ao ver aquilo, perdeuimediatamente o interesse."A única coisa útil aqui é este pedaçode corrente. Material muito bom, nãoenferrujou na água."Para ele a pasta em si não tinha o menorvalor. Cansado, pôs a pasta embaixo dacama e foi dormir. Ele sabia que teriaque voltar ao mar naquela mesma noite ecomeçar tudo de novo, pois vivia da

pesca."Ah se fosse dinheiro..." - sonhou.Segundo alguns relatos, um submarinoapareceu noites seguidas ao largo dapraia do Leblon, durante o mês de maiode 1942. Durante o dia, na mesma praiado Leblon e naquela mesma época,muitos estrangeiros falando inglês foramvistos por ali. Eles vinham com homens-rã, que ficavam o dia todo procurandoalgo no mar em frente. O movimentodurou dias, talvez uma ou duas semanas,e finalmente cessou.A pasta, como se sabe, jamais foiencontrada pelos agentes alemães nempelos americanos.

CAPÍTULO LIX Algumas semanas depois, logo após omeio-dia, entrou na casa simples dosenhor José Carlos, a professoraLourdes, que acabara de voltar daescola estadual local. Viu que seumarido estava dormindo e, sabendo davida dura de pescador que ele levava,tomou cuidado para não fazer nenhumbarulho.Mas naquele dia ela resolveu fazer umalimpeza mais profunda na casa.Procurava com freqüência alguma tarefacaseira para se distrair enquantoesperava o marido acordar. Ao passar a

vassoura por baixo da cama, ficou muitosurpresa em bater em algo que ela,naturalmente, não sabia que estava ali.Devido ao pequeno barulho que fez,olhou de novo para seu marido que, noentanto, continuava a dormirprofundamente. Ele devia estar bemcansado. Com a própria vassoura, puxoupara si o objeto no qual bateu e,surpresa, viu que não era material depescaria. Era algo que ela jamais pensouachar debaixo da cama do senhor JoséCarlos.Ao pegar a pasta, chegou a ficarchocada ao ver aquela língua escrita,que ela também não entendia."Será que José Carlos voltou a estudar?"- pensou isso, mas em seguida riu

baixinho. Não acreditou que um homemsemi-analfabeto pudesse estudar umalíngua tão diferente sem antes aprender aprópria língua corretamente. Afinal, eraprofessora e entendia dessas coisas.Mas, esperta, pensou um pouco e,puxando pela memória, achou que sabiaquem poderia entender aquilo. Resolveuesperar seu marido despertar para falarcom ele sobre aquela misteriosa pasta.Ela, de tão curiosa, chegou a pensar emacordá-lo mas desistiu da idéia, poisteve pena.Próximo das quatro horas da tarde, JoséCarlos finalmente despertou sozinho."Olá, meu bem." - disse ela, com umleve sorriso.

"Olá, bom dia." - respondeu ele,sonolento.Sem disfarçar a curiosidade, elaperguntou diretamente:"O que é esta pasta negra que encontreiembaixo de nossa cama?"O senhor José esfregou os olhos e osapertou para focar o objeto. Após algunssegundos, disse sem emoção:"Lixo." - Desinteressado, levantou-se efoi até a cozinha. Lá, abriu a geladeira epegou algo para comer.A professora, por seu lado, seguiu atrásdele e continuou com as perguntas:"E por que você guardou 'lixo' embaixoda cama?"

Ele deu de ombros."Não sei, acho que não é lixo não.Importa-se se eu ficar com ela?" - pediua professora."Faça o que quiser." - respondeu elecalmamente.A professora Lourdes guardou comcuidado a pasta. Sabia que só poderiatratar do assunto no centro da cidade,aonde ia raramente. Mas no início dosegundo semestre, provavelmente nofinal de agosto, sabia que seriaconvocada para ir à Secretaria daEducação, para a reunião deplanejamento para o próximo ano.De fato, em julho ela recebeu uma cartada Secretaria chamando-a para a

reunião, que seria dia 25 do mêsseguinte.Na data marcada a professora Lourdespegou a pasta e tomou um ônibus emdireção ao centro da cidade. Ela iria àSecretaria da Educação e aproveitaria aviagem para resolver o problema dapasta. Aquela língua estranha, ela tinhacerteza, já havia visto em algum lugar.Sabia ela que vira algo parecido nocentro, próximo da área onde ficavam asembaixadas.

CAPÍTULO LX Após resolver seus assuntos naSecretaria da Educação, a professoraresolveu caminhar pelas ruas do centrodo Rio de Janeiro. Ela procurava umprédio específico que, no entanto, não selembrava bem qual era. Mas sabia quejá havia visto nele uma placa compalavras parecidas àquelas das páginasna pasta.Ela gostava muito de ir ao centro veraqueles prédios bonitos. Ia até lá sempreque podia, pois sabia que poderiapassar momentos muito agradáveis.Provavelmente, se tivesse dinheiro, teria

estudado arquitetura.Ela caminhava pelo bairro da Glória eresolveu subir a rua Benjamin Constant.Caminhou por algum tempo e logodepois entrou na rua Cândido Mendes.Caminhava observando os prédios umpor um. Sentia que estava cada vez maispróxima de seu objetivo. Finalmente, aopassar em frente ao prédio de número157, estancou de repente:"É aqui!" - pensou ela.Sem perder tempo, entrou no prédio. Umsenhor alto, loiro, de olhos azuis eusando óculos a recepcionou. Estesenhor havia acabado de chegar aoBrasil e sabia pouco o português. Paratreinar, gostava de ficar na porta para

conversar com os brasileiros, em seusmomentos de folga."Bom dia." - disse ele com fortesotaque."Bom dia." - respondeu ela com um levesorriso. Aquele calor humanosimplesmente encantava os estrangeiros.De fato, o funcionário não resistiu eretornou da mesma forma, sorrindotambém."Eu tenho esta pasta que queria mostrarao senhor."Ele não entendia bem o que ela queriamas respondeu polidamente:"Claro." - seu sotaque puxava bastantepelo erre.

Ele indicou com a mão para que ela seaproximasse de uma pequena mesa detrabalho próxima dali. Lá, ela mostrou apasta e abriu-a para que ele vissemelhor. Ele ajeitou os óculos eobservou, logo na contracapa, umendereço escrito a lápis. A caligrafiaera bem feita, o que chamou a atençãodo leitor. O nome de um país em guerrasaltou-lhe imediatamente aos olhos:Deutschland. Ele leu todo o endereço,inclusive o nome do destinatário, eolhou novamente para a professora, queestava ansiosa."O senhor pode me ajudar?""Claro." - disse ele novamente. Aspalavras, no entanto, lhe faltavam. Masele havia compreendido que ela queria

que a pasta chegasse àquele destinoescrito a lápis. De fato, sabia ele, naConferência do Rio de Janeiro, naqueleano de 1942, vinte e uma nações latino-americanas reconheceram no ataquejaponês a Pearl Harbour uma agressãoao continente e começaram a declararguerra ao Eixo. Instruído, acompanhavaos jornais e notícias diariamente, atémesmo para ajudar a aprender aquelalíngua tão diferente. As notícias semprevinham com algum comentário sobre umgaúcho que conquistou fama inigualávelna história do país: o senhor GetúlíoDornelles Vargas.Bem, não é possível falar de história doBrasil, especialmente no período daSegunda Guerra Mundial, sem falar em

Getúlio Vargas. Chuchu, Gê-Gê e tantosoutros apelidos, carinhosos ou não,dados por amigos e, é claro, pelosinimigos também. Vários livros e textosforam escritos sobre esse notávelpolítico e reconhecido nacionalista.Mas Getúlio é também conhecido pelafrase: "A lei, ora a lei.". Afinal, comopoderia um ex-ditador deposto ir aoCongresso e defender sua própriaditadura? Senador da República, foi oque fez, pois tinha o direito de falar natribuna.Anos antes havia sido promulgada aConstituição de 1937, criada por umaAssembléia Constituinte em plenaditadura. Mas a Carta de 1937,vulgarizada pelo nome de polaca,

conteria uma armadilha. O artigo 177permitia a remoção ou demissão dequalquer funcionário, mesmo que estetivesse conseguido o direito decontinuar na função por estabilidade portempo de serviço. Caso fosse dointeresse dos mandantes, o funcionárioseria desligado.O próprio Vargas foi funcionário pormais de quinze anos e, afinal, teriadireito a continuar em serviço.Então, no dia em que o poder julgouVargas desnecessário, aplicou contra eleo mesmo artigo 177 e ele foi desligado.Quase tudo que Vargas criou foiperdido. A conquista dos mercados paranossa nascente indústria, sobretudo

têxtil, seria interrompida. Pior do queisso, sofreria retrocesso. O superávitconseguido com as operaçõescomerciais durante o período da guerra,que chegou a seiscentos milhões dedólares-ouro, seriam desperdiçados emCadilacs e em sobras industriais daguerra. A usina de Volta Redondasobreviveria quase que por milagre.Volta Redonda é considerada por muitosautores a obra prima da capacidadepolítica de Getúlio Vargas e, portanto, éum capítulo à parte. Então vamos a ele.

CAPÍTULO LXI Pouca gente sabe, mas o Brasil tevepapel de suma importância na SegundaGuerra Mundial. Não apenas porfornecermos matéria-prima parafabricação de materiais essenciais parao esforço de guerra, nem tampouco poruma eventual participação direta noconflito, mas particularmente por termosuma localidade geográfica que tevepapel estratégico essencial: a ilha deFernando de Noronha.Getúlio percebeu logo a importância dailha que os Aliados queriam utilizarcomo trampolim para atacar o norte da

África. Ocorreu que a batalha do norteafricano visava o controle de poçospetrolíferos estratégicos, que poderiamalimentar a máquina de guerra de ambosos lados em conflito. Acreditava-se quequem conseguisse dominar o norteafricano, e consequentemente os poçosde petróleo, daria um fabuloso passopara vencer a guerra. Nos primeirosanos da guerra a raposa do deserto, oalemão Rommel, dominou todo o teatrode operações. Além disto a marinhaalemã também dominava oMediterrâneo, dificultando o suprimentoao exército de Montgomery. Os aliadosprecisavam de um ponto cie apoio e, nomapa, esse ponto era a ilha de Fernandode Noronha.

Somente era preciso escolher o preçoque o Brasil iria impor aos Aliados paraceder sua ilha estratégica.A usina siderúrgica de Volta Redonda,hoje conhecida como CompanhiaSiderúrgica Nacional, somente saiu dopapel graças a genialidade política deGetúlio Vargas.Esperto, em memorável discurso na naucapitânia brasileira, em 1940, declarouque era necessário "remover o entulhode idéias mortas". Os americanosentenderam isso como posicionamentodo governo brasileiro ao lado dasditaduras nazi-fascistas. Dessa maneiranão teriam sua tão necessária basemilitar do Atlântico Sul.

Roosevelt então acenou comfinanciamento e apoio logístico para aconstrução de nossa primeirasiderúrgica.Getúlio, por sua vez, enviou emissáriosà Alemanha, com o mesmo objetivo.Queria saber quais eram as condiçõesalemãs para que o Brasil entrasse naguerra ao seu lado. A Alemanha, quetambém via no Brasil um importanteparceiro, acenou com condições aindamelhores que as americanas, cobrandojuros mais baixos. A importância doBrasil, para os alemães, era constituiruma base de operações para seussubmarinos no Atlântico Sul. O litoralde Santa Catarina, além de ter umaimportante colônia alemã, também era

perfeito para esse fim.É importante ressaltar que mesmo dentrodo governo brasileiro haviasimpatizantes declarados da ditaduragermânica. Um deles era o próprioministro da Guerra, o senhor Dutra.Após o discurso de 1940, Rooseveltpressionou pessoalmente para que ausina brasileira se concretizasse. Oapoio brasileiro era fundamental eestratégico. Roosevelt, nesse processo,chegou a transpor a lei americana.No entanto o tempo passava e aquele atomostrou-se insuficiente. A indústriaamericana, focada no esforço de guerra,não tinha tempo para atender ao pedidode fabricação de peças de uma usina

siderúrgica em outro país.Roosevelt, em outro esforço pessoal,viajou até a cidade de Natal para acertardiretamente com Getúlio a concessão deuma base militar.Mais uma vez, para frustraçãobrasileira, a usina não saiu do papel.Já havia inclusive uma localidade para aconstrução da usina, Volta Redonda, noRio de Janeiro. Essa cidade adquiriu,posteriormente, o apelido de Cidade doAço.Vargas, partindo para o tudo ou nada,ordenou que seus emissários quevoltavam da Alemanha fizessem umaparada estratégica nos Estados Unidos.Lá espalharam que a ajuda alemã era

mais concreta e imediata e que, talvez ogoverno brasileiro iria se decidir pelolado alemão. Ao saber disso, Roosevelt,decidido, considerou a usina siderúrgicabrasileira também um esforço de guerra.A partir daí a indústria americana seriaobrigada a fabricar os componentes paraa siderúrgica brasileira.Essa foi a saída negociada para asituação e, até hoje, podem ser vistasestruturas da base americana na lindailha de Fernando de Noronha.Mergulhadores e turistas do mundo todopodem se hospedar em abrigosmontados pelo exército americano.O que não é divulgado é a saída nãonegociada. Já havia planos concretos deinvasão do Rio de Janeiro pelos

americanos caso o Brasil pendesse parao lado alemão.

CAPÍTULO LXII Getúlio Vargas, acima de tudo, foi umgrande nacionalista. Teve visãosuficiente para saber que era precisoproteger as riquezas nacionais deinteresses estrangeiros.Ao voltar ao poder nos braços do povo,ele colocou em prática alguns de seusmais ambiciosos planos. Entre outros, acriação da empresa Petróleo BrasileiroS.A. ou Petrobras.A criação dessa empresa atingiu emespecial o interesse das grandesmultinacionais americanas do petróleo,

que viam no Brasil enormespossibilidades de ganhos.Seus planos não paravam aí, havia aestatízação da energia elétrica atravésda Eletrobras e até mesmo a estatízaçãodos bancos.Isso, na visão dos monopóliosestrangeiros, tinha que parar.Em relação aos episódios queculminaram no suicídio de Getúlio, nãoé de se estranhar que há fortes indíciosde participação da CIA (serviço secretoamericano) no atentado a Lacerda.Quanto ao suicídio em si, foi a formaque um político racional encontrou parasair da vida honrosamente. Percebeu quenão poderia fazer frente às poderosas

forças internacionais que visavamenvolvê-lo, cada vez mais, em eventossórdidos.Voltando a 1942, o Brasil não foiexceção e, após o apoio logístico aosAliados, declarou guerra à Alemanha,em 22 de agosto, o que culminou noenvio de nossos soldados para lutar emsolo europeu. Hitler, ao tomarconhecimento da declaração de guerrabrasileira, teria dito:"A essas alturas, um Brasil a mais ou amenos não fará diferença."Talvez estivesse certo pois devia saber,já em 1942, que não teria chance devencer o mundo todo. Mas isso é outrahistória.

O motivo para o ingresso do Brasil naguerra naturalmente não foi otorpedeamento dos navios brasileiros.Isso foi apenas uma desculpa. OsEstados Unidos praticamente compraramo apoio brasileiro com a CompanhiaSiderúrgica Nacional - CSN, de VoltaRedonda, no Rio de Janeiro - e outrasobras de infra-estrutura, e com aliberação de crédito internacional.Com a declaração de guerra, ocorreu umcaso muito curioso, decorrente daapreensão do navio alemão Windhuk noporto brasileiro de Santos. Até aí nadademais, seria a atitude normal a fazer.Mas isso foi em 1942 e a guerra sóterminaria em 1945. O que fazer entãocom os prisioneiros? Outra informação

afastada do grande público é a de que,durante a Segunda Guerra Mundial, entre1942 e 1945, em duas cidadesbrasileiras, Pindamonhangaba eGuaratinguetá, existiram campos deconcentração. Ali ficaram prisioneirosos 244 alemães do navio de carga eturismo Windhuk - Canto do Vento. OWindhuk, aliás, foi considerado naépoca o maior transatlântico do mundo.Essa história o governo brasileiro tentouabafar por décadas. O Campo deConcentração de Pindamonhangabafuncionou onde hoje é a EstaçãoExperimental de Zootecnia.Nossos campos de concentração, em vezde torturas e câmaras de gás, forneciamaos prisioneiros de guerra jogos de

futebol e contatos com as moças locais.A maior conseqüência desses contatos éque três dos prisioneiros acabaram secasando com moças dePindamonhangaba. Vários outrosprisioneiros ficaram por aqui mesmo enão voltaram mais para a Europa.Houve até o caso de uma criança quenasceu em pleno campo deconcentração, que foi Carl Braak, em1944, em Pindamonhangaba.Sem dúvida esse é, entre tantos outros,um dos motivos pelos quais osestrangeiros adoram tanto esta terra.

CAPÍTULO LXIII "Seu nome, por favor." - perguntougentilmente aquele senhor para aprofessora, que estava no hall deentrada da embaixada tentando ler osfolhetos do quadro de avisos. Ela estavabem vestida e tinha o olhar curioso."Lourdes." - respondeu ela, virando-separa ele ao mesmo tempo em que abriaum leve sorriso. "Professora Lourdes daSilva".Finalmente o governo brasileiro sedecidira e, dias antes, havia declaradoguerra aos países do Eixo. Com a

declaração de guerra seria muito difícilou até mesmo impossível enviarcorrespondência diretamente do Brasilpara a Alemanha. Ainda por cima opacote era volumoso, talvez documentosimportantes que não poderiam serperdidos. Aquele senhor concluiu, então,que ela foi até ali pedir sua ajuda. Eleabriu a mão direita e fez um gesto, e elaentendeu que devia aguardar um instante.Ela sorriu novamente e virou-se para osfolhetos afixados. Realmente nãoentendia a língua mas achava divertidoficar observando as palavras.De fato não demorou mais do que um oudois minutos e ele voltou com o mesmosorriso de antes. Desta vez, no entanto,tinha um bloco de anotações e um lápis

nas mãos. Ele entregou o material para aprofessora, que olhou para ele semsaber direito o que fazer. Ele entãoespalmou novamente uma das mãos e,com a outra, fingiu que escrevia sobre aprimeira."Ah!" - exclamou ela docemente.Ela achou um pouco estranho que tivesseque anotar seu próprio nome, afinalestava apenas devolvendo uma pastaperdida. Mas pensou que talvez setratasse de algum procedimentoburocrático de praxe. Caprichou nacaligrafia e, orgulhosa, devolveu obloco para o simpático senhor."Esses estrangeiros são muitoorganizados." - pensou apenas.

A professora Lourdes, obtendo apenas"Claro!" como resposta, concluiu que apasta havia sido devolvida para seulegítimo dono."Afinal, foi para isso que eu vim." -pensou, satisfeita consigo mesma.Ao sair do prédio olhou novamente paratodos aqueles edifícios bonitos da rua,que lhe enchiam os olhos. Deu algunspassos e virou-se na direção da porta,por onde acabara de sair, para admirar obelo prédio da embaixada. Olhou paracima da porta de entrada e observouuma bandeira vermelha com uma grandecruz branca no centro. Não entendeuexatamente o que significava aquelabandeira, para ela o que importava eraque a língua escrita na placa externa e

nos papéis afixados no hall de entradado prédio era muito parecida com alíngua escrita nos papéis daquela pasta.Satisfeita por achar ter cumprido seudever, virou-se com um sorriso noslábios e dirigiu-se para o ponto deônibus. Naquele mesmo dia ela voltariapara sua simples, rotineira e, acima detudo, vida honesta.No dia seguinte, o solicito funcionárioda embaixada encaminhou a pasta, viamalote diplomático suíço. Corretíssimo,como todos os suíços são, não ousoumexer sequer em um dos papéis soltosali dentro. Apenas colocou a pasta emuma embalagem apropriada e reescreveuo endereço que julgou ser de destino.Após escrever cuidadosamente o

endereço de destino, virou a embalageme, no verso, copiou o nome que havia nobloco de notas, no espaço reservadopara o remetente, sem entenderexatamente o que queria dizerProfessora. Fluente em várias línguasdeduziu que era a profissão da moça.Virou novamente a embalagem e releu onome do destinatário: "CoronelWachtel". Este nome não lhe chamou aatenção. Ele achou que talvez se tratasseapenas de algum parente distante para oqual aquela gentil moça queria enviaraqueles papéis.Mas o nome da cidade ele não conheciae ficou intrigado. Era Peenemunde.

CAPÍTULO LXIV No final de 1942 o coronel Wachtel, daLuftwaffe, chefe do Flakregiment 155W, chegou a seu escritório, como faziatodas as manhãs, nas secretasinstalações em Peenemunde, pequenacidade no interior da Alemanha. Estavamuito tenso. Havia recebido ordemexpressa do alto comando alemão paraque colocasse em prática o projetopessoal de Hitler de retaliar os Aliados.Ocorre que com a supremacia aéreaalcançada pelos Aliados, osbombardeiros inimigos haviamconseguido alcançar o território alemão,

fazendo grandes estragos. Por essemotivo os nazistas batizaram suasterríveis armas de Armas de Represália,Vergdtungswaffe. Foram duas séries.Pegaram a primeira letra do nome emalemão e adicionaram um dígito,formando as conhecidas V-l e V-2. Asbombas V eram a arma-secreta que osnazistas esperavam para dar umareviravolta na Segunda Guerra. Mas,naquele início de inverno, o projetosimplesmente não andava e Wachteltemia por sua família, caso a Gestaporesolvesse fazer algum tipo de pressão.De tão tenso o coronel quase nãopercebeu a embalagem diferente emcima de sua mesa. Mas a chancela suíçachamou-lhe imediatamente a atenção.

"Uma correspondência que chegou pormalote diplomático suíço. O que será?"- perguntou-se o intrigado coronel.Virou o envelope e não entendeu aquelenome esquisito no remetente. Resolveusimplesmente ignorar essa informação.Ao abrir o envelope quase não acreditouno que viu. Era o esboço de um projetocompleto de motores a jatodesenvolvido pelo próprio Einstein."Incrível! A Gestapo havia me garantidoque eu receberia este projeto, mas jáhavia perdido as esperanças. Quantoatraso."Imediatamente ele convocou seu corpode engenheiros e cientistas para queestudassem as plantas.

Após alguns dias debatendo sobre oprojeto recém-chegado, os cientistas emilitares chegaram a uma conclusão:teriam que refazer todo seu trabalho eseguir em uma direção totalmentediferente de onde estavam. Na verdade,muito do trabalho que já tinhamdesenvolvido seria perdido e algunsmeses mais seriam necessários pararecuperar terreno.O coronel Wachtel gelou."Mais atraso." - lamentou-se ele. Derepente, um pensamento sinistro lheocorreu:"E se o plano for falso? Apareceu aquido nada, mesmo depois da Gestapo terme garantido que o plano estava

perdido."Sem hesitar, virou-se para sua secretáriaparticular:"Fraulein Helga, ligue imediatamentepara Berlim.""Com quem o senhor deseja falar, HerrWachtel?""Gestapo. Himmler."Himmler era o chefe supremo dapoderosíssima SS desde 20 de abril de1934, mas Fraulein Helga não hesitou eligou imediatamente. Sabia que asligações do coronel Wachtel seriamatendidas de imediato, pois Himmlerestava pessoalmente interessado noandamento do projeto que ali se

desenvolvia.De fato, não demorou muito e a ligaçãofoi completada:"Herr Himmler, como vai. Tenho umanotícia espetacular que pode mudar orumo da guerra."Himmler, do outro lado, não escondeusua ansiedade:"Depressa, diga-me. O projeto já estápronto? Quando vamos começar afabricar?""Não é bem isso. O senhor se lembra doprojeto de Einstein, que o senhor disseque receberia meses atrás, e que depoisme contou que havia se perdido?""Sim, mas o que isso tem a ver com

nossos planos?""É que o projeto chegou há poucos diasaté minhas mãos e tudo indica serverdadeiro."Seguiu-se um profundo silêncio do outrolado da linha. Elimmler tentava imaginarcomo aquilo seria possível. Emrespeito, o coronel Wachtel ficou emsilêncio até que Himmler comentasse:"O coronel que cuidou desse casochegou a enfrentar corte marcial. Mas osdepoimentos do capitão do submarinoque fez o transporte do oficial, relatandosobre um bote que o perseguiu, foidecisivo e nós o absolvemos. Naverdade, devido a sua ficha exemplarpor trabalhos anteriores, continuamos a

dar missões muito importantes para ele.Até hoje esse é seu único fracasso."Após mais uma breve pausa, Himmlerprosseguiu:"Só há uma pessoa no mundo quepoderia realmente dizer se esse projetoé o verdadeiro ou não e ela não vaicooperar, pois é o próprio Einstein. Masse há uma pessoa que poderia pelomenos dizer se é o projeto que estavacom o judeu no Brasil, esta pessoa éVon Wiesen."Mais uma rápida pausa para tomar adecisão e Himmler ordenou pelotelefone:"Coronel Wachtel, vou enviar VonWiesen imediatamente a Peenemunde.

Não execute nada até que ele valide oprojeto. Pode ser uma cilada da contra-espionagem dos Aliados."O coronel apenas assentiu e desligaram.Himmler apertou o botão do interfone echamou sua secretária."Localize imediatamente o coronelFranz von Wiesen."Em minutos ela retornou batendoeducadamente na porta."Entre!" - disse secamente Himmler. Aovê-la, levantou as sobrancelhas eperguntou:"E então?"Ela aproximou-se da mesa com um levesorriso, como quem sabia que daria uma

boa notícia ao chefe, e respondeu:"Von Wiesen chegou ontem à noite deParis, onde executou uma missão contraa resistência francesa. Está aqui mesmoem Berlim, no apartamento dele, paraalguns dias de folga.""Folga cancelada!" - disse Himmlersecamente.Himmler mandou chamar dois de seustenentes e mandou que fossem buscarimediatamente Von Wiesen em seuapartamento, onde vivia sozinho, nocentro da capital alemã.Von Wiesen sabia dos protocolos daGestapo e quando abriu a porta da frentee viu os dois agentes ali, pensou no pior.Bem, não eram 4h da manhã. Na

verdade, o sol acabara de aparecer, maso caso da pasta perdida nunca saiu desua cabeça e achava que, mais ou menosdia, o próprio Himmler talvez mudassede idéia quanto a sua inocência. Afinal,soube que logo após a corte marcial,tentaram por todos os meios achar oagente Schmidt, que era a única pessoaque poderia confirmar sua história. Hápouco soube que haviam desistido dabusca sem ter conseguido obter qualquerpista de seu paradeiro. Até mesmo ocontato com o capitão José Manuel, donavio espanhol Majorca, não foiconclusivo pois ele "achava" que tinhavisto uma pasta com um dos agentes."Talvez nem fosse negra." - ele teriadito.

Quando soube que fora o próprioHimmler que o mandara chamar, apenasjuntou todos os fatos e se preparoumentalmente para o encontro que viria.Do outro lado do Atlântico, certocientista tocava distraidamente seuviolino. Estava tranqüilo, em casa, comalguns amigos após o trabalho.

CAPÍTULO LXV

A descoberta da reação nuclearem cadeia não trouxenecessariamente nada de novosobre a destruição dahumanidade mais do que adescoberta dos fósforos.Albert Einstein

Albert Einstein era um amante da músicaclássica e gostava, ele mesmo, deimpressionar suas visitas tocando seuviolino. Naturalmente não era nenhumvirtuose, mas sabia alegrar o ambiente.

Enquanto tocava, reconheceu nos rostosque o cercavam várias históriassemelhantes à sua própria. Ocorre quedurante as duas primeiras décadas doséculo XX a Alemanha foi consideradaa Meca da ciência mundial. Para láacorriam todos que queriam estudar ouse firmar como cientistas. Havia queaprender alemão, tida na época como alíngua da ciência. Mesmo os cientistasjudeus comportaram-se como patriotasdurante a Primeira Guerra Mundial, oque fez com que a Alemanhaconseguisse estender a guerra por váriosanos. Estima-se que, sem o esforço doscientistas, a guerra não teria duradomais do que um ano. Entre outrosproblemas, simplesmente não havia

quantidade de explosivos suficiente paraas batalhas.No entanto, com a derrota alemã, osaliados infringiram ao país pesadasmultas e restrições, constantes noTratado de Versalhes. Por falta derecursos financeiros, mas,principalmente, devido a generalizadaperseguição aos judeus na Alemanha,muitos desses cientistas procuraram umnovo abrigo. O golpe mais duro nesseprocesso veio logo depois que osnazistas chegaram ao poder. No fim daprimeira semana de abril de 1933, onovo regime emitiu a Lei de Restauraçãodo Serviço Púbhco de Carreira -Gesetzzur Wiederherstellung desBerufsbeamtentums. Esta lei oficializou

a expulsão dos socialistas e dos não-arianos de seus empregos nofuncionalismo. O não-ariano eradefinido como a pessoa que tivesse umdos pais ou avós não-ariano - ou seja,incluía aqueles que tivessem a partir deum quarto de sangue judeu. Como osacadêmicos e membros dos institutos depesquisa eram funcionários públicos,cerca de mil professores universitários,muitos deles cientistas, incluindo 313catedráticos, foram demitidos.A perseguição continuou e houve alamentável noite da queima de livrosnão-arianos. Milhares de obras deautores, consagrados ou não, foramqueimadas ou destruídas em váriospontos da Alemanha. Aparentemente os

nazistas queriam apagar qualquer provade que um dia houve uma eliteintelectual não-ariana que contribuiu, emuito, para o engrandecimento do país.Em 1934, o Ministro da Educação,Bernhard Rust, perguntou ao veteranomatemático David Hilbert quantoGöttingen, antes um dos centrosmundiais de matemática, sofrerá após oafastamento dos matemáticos judeus. Aresposta foi: "Sofreu? Não sofreu,senhor Ministro. Não existe mais!"Já foi dito que "A religião é a causapara todas as guerras.". Ora, é claro quenão! A religião foi sempre utilizadapelos provocadores de guerra comodesculpa. Nesse caso, Hitler queria pora culpa de todos os males da Alemanha

nos não-arianos, que teriam seaproveitado dela e de seu povo.Mas acontece que a História é repleta deincontáveis "e se". Nesse casoimaginemos apenas por um momento queesse ato extremo não houvesse sidoexecutado, e que Hitler tivessepreservado os preciosos cientistas não-arianos. Teria a Alemanha chegado àbomba atômica primeiro? E, caso issotivesse acontecido, aí sim, é certo quenão haveria "e se": Hitler estavadisposto a utilizar quaisquer meios dedestruição para atingir seus inimigos, eteria utilizado a bomba atômica. A Grã-Bretanha e a então União Soviéticateriam sido varridas do mapa. OsEstados Unidos, em vista disso, seriam

forçados a assinar algum tipo dearmistício com a Alemanha, quecertamente acabaria dominando omundo. Este texto, leitor, certamenteseria escrito em alemão."Quero aniquilação total!" - teria ditoHitler certa vez a seus oficiais emrelação à Grã-Bretanha.E nada melhor para aniquilar do queuma bomba atômica. Comenta-se quealguns cientistas, como Heisenberg,cientes do perigo em potencial que seriauma bomba atômica nas mãos dosnazistas, teriam deliberadamenteatrasado as pesquisas até que fosse tardedemais para a Alemanha. É umapolêmica que, no entanto, perdura atéhoje e provavelmente jamais saberemos

a verdade com precisão.Mas então, felizmente, talvez, o expurgodos cientistas foi um sucesso. Tendo emvista todas as perseguições, apenas umaminoria muito teimosa ficou.Sabemos o destino lamentável dosjudeus e outros não-arianos queficaram.Muitos dos que saíram da Alemanha,afinal, foram parar nos Estados Unidos,e um punhado deles estava ali, naquelasala, ouvindo Einstein tocar seuinstrumento. Ele tocou mais uma músicae, ao terminar, um de seus novos amigosamericanos o provocou, perguntandoinformalmente: "Albert, você viu o quefez o cientista italiano?"

Einstein sabia exatamente de quecientista o amigo falava, mas não queriadar o braço a torcer:"Que cientista?" - perguntoudisplicentemente. "Enrico. EnricoFermi. Vai me dizer que não está a parde sua conquista?" "Quem?" - disseEinstein em tom zombeteiro. Todos alideram um pequeno sorriso pois sabiamque ele fazia um gracejo. Após umapequena pausa, disse, sem esperarresposta:"Enrico Fermi demonstrou emlaboratório, neste ano, uma reaçãoatômica em cadeia. Daí em diante, aconstrução da bomba atômica já não vaidepender tanto da ciência. Vai ser umproblema de tecnologia e de dinheiro,

especialmente para produzir etransformar o urânio comum emcombustível pois ele precisa serenriquecido com variedades mais rarasde urânio."Ao ouvir a explicação, todos ficaramsérios. Seus amigos ali, cientistas,sabiam exatamente do que Einsteinfalava, apenas não tinham certeza de queaquilo, afinal, estava tão próximo. Eleapenas não contara que tinha sido umdos catalisadores daquele processo,através de uma carta que escrevera aopresidente americano anos antes.Einstein, não dando muita importânciapara aquilo, voltou a tocar seuinstrumento. Vez por outra umconvidado tomava um gole de bebida,

principalmente para esconder onervosismo.Foi a própria guerra, então, que daria oempurrão final para a conquista daenergia nuclear. Em meados de 1942, osditadores Adolf Hitler, da Alemanha, eBenito Mussolini, da Itália, haviamdominado toda a Europa continental, daFrança à Polônia. E, para pôr um fimnaquilo, foi dado prioridade total aodesenvolvimento da bomba através doProjeto Manhattan.Ironicamente, naquele mesmo anotambém nascia o britânico StephenHawking, que seria um dos poucoshomens que ousaria e teria capacidadeintelectual para contradizer Einstein,embora décadas após sua morte. Para os

leigos, a mecânica quântica podeparecer um amontoado de conceitos queferem o bom senso: aquilo que oraparece ser uma partícula, comporta-secomo uma onda e vice-versa. Alémdesse aparente contra senso, há a perdadefinitiva do que restava da Físicaclássica. Após séculos de tranqüilidadecom as equações deterministas domovimento, os cientistas tiveram deencarar o terrível princípio da incerteza,formulado pelo físico alemão WernerHeisenberg (1901 -1976), segundo oqual é impossível determinarsimultaneamente a posição e avelocidade de uma partícula."Deus joga dados?" - teria perguntadoHeisenberg.

Apesar de ter contribuído para onascimento da mecânica quântica,Einstein jamais aceitou sua interpretaçãoprobabilística. Na Física clássica, todaquantidade física tem um valordeterminado. No mundo quântico, passaa vigorar a probabilidade."Deus não joga dados com o Universo."- disse Einstein.Hawking, que ocupa o mesmo posto deNewton na Universidade de Cambridge,rebate Einstein:"Deus joga dados, sim!"

CAPÍTULO LXVI "Filho da puta!" - berrou Himmlerquando Von Wiesen entrou em sua sala.Berrou e saiu andando em sua direção,com os braços esticados e as mãosabertas como se fossem agarrar seupescoço.Por uma fração de segundo Von Wiesenachou que iria morrer ali mesmo, na salado próprio Himmler. Passado o susto,percebeu que sua expressão facial, noentanto, não era de raiva. Mas VonWiesen não conseguia nem abrir a boca."Acharam a pasta!" - prosseguiu

Himmler. Ele viu que o coronel nãoentendia e repetiu, entusiástico: "Apasta!"Von Wiesen começava a achar que sabiado que Himmler falava mas ao mesmotempo, em seu íntimo, sabia que nãopoderia ser verdade. Estaria ele fazendoalgum tipo de brincadeira de mau gosto?"A pasta perdeu-se para sempre nooceano ..." - tentava recompor as idéias.Mas, como o coronel continuavaimpassível e o assunto era sigiloso,Himmler virou-se para os dois agentes eordenou secamente: "Saíam."Então, mais calmo, virou-se para VonWiesen e repetiu o que havia escutadopelo telefone no início daquela manhã:

"Coronel, a pasta chegou por despachodiplomático suíço diretamente até asmãos do coronel Wachtel, da Luftwaffe,conforme as ordens que havia dado avocê. Isso foi há dois dias e os nossoscientistas acreditam que ela sejaverdadeira. Quero que você vá láverificar, pois foi o único a vê-la comseus próprios olhos. Quero que me digase aquela pasta é a mesma que contém oprojeto secreto de Einstein.""Herr Himmler, com todo o respeito,não pode ser a mesma pasta." - disse oinseguro coronel.A insegurança irritou Himmler, quefechou a cara. A pasta tinha que serverdadeira. Para o bem da própria

Alemanha. Mas, mais calmo, ponderou:"Coronel, apenas vá até lá e faça suaanálise. Depois relate. Não vá via aérea,vá de trem, que é mais seguro. Temliberdade para usar o nosso trem. É só."Despediram-se formalmente com asaudação nazista.Von Wiesen, atônito, saiu cambaleanteda sala de Himmler. Estava chocado.Como poderia ser a mesma pasta? Comoteria chegado às mãos da pessoa corretase somente ele sabia quem ela era?Bem, essas perguntas não poderiam serrespondidas agora, talvez nunca. Aúnica coisa que importava era certificar-se sobre a autenticidade dosdocumentos, o que poderia garantir a

vitória nazista.Von Wiesen, ao sair do edifício sede daSS, sentiu o ar da manhã entrar em seuspulmões e isso o acalmou. Sabia separara emoção do trabalho o que, em outraspalavras, significava ser frio e preciso.Consultou o relógio e fez um rápidocálculo mental. Levaria uma ou duashoras para ir até sua casa e, em seguida,até a estação, para pegar o trem especialda SS. Com isso seria possível chegar aPeenemunde ainda naquele dia. Era umaviagem curta em direção ao norte daAlemanha, pois Peenemunde fica abeira mar.Ao chegar em casa, procurou em suaestante, no meio dos livros, um dossiê.

Era o dossiê sobre a vida de Einsteinque havia sido dado a ele quando estavapara embarcar no submarino para aAmérica do Sul meses atrás. A Gestapoqueria que ele soubesse o máximopossível sobre o homem que escrevera oprojeto."Pode ser útil." - calculou.Pegou mais alguns objetos pessoais edirigiu-se diretamente para a estação detrem.

CAPÍTULO LXVII O aparente movimento da paisagem, quepassava veloz pela janela do trem,incomodava Von Wiesen. Ele, porrespeito, não havia ocupado a amplacabine pessoal de Himmler, optando poruma das cabines que em geral eramutilizadas por um de seusacompanhantes. Aquele era um dos maismodernos e rápidos trens alemães daépoca, com certeza o melhor e maiseficiente transporte que alguém poderiautilizar. A eficiência comparava-seapenas a seu luxo. Mas luxo não era oque interessava no momento e Wiesen

apenas se concentrava, mais uma vez, napasta.Ele precisava ler e reler o dossiê váriasvezes para elaborar algum método quecomprovaria que o projeto eraverdadeiro. Então, puxou a cortina parabaixo, prendendo-a, o que impediu quese visse o que se passava lá fora.Von Wiesen folheou as páginas comatenção, absorvendo o contorno dacaligrafia de Einstein. Tentou simular acaligrafia peculiar, mas desistiu, poisachou que seria muito difícil alguémtentar copiá-la. Mas como ter certeza?Einstein tinha uma vida comum e pareciaser um homem comum, afinal de contas.Mas isso apenas por fora. Passou então

para os papéis científicos, aqueles querealmente poderiam conter algo único.Mas também seria preciso olhos muitoespeciais para enxergar.O coronel finalmente chegou ao capítuloque falava sobre as teorias. Além dosmuitos termos técnicos, havia algo alique não se encaixava: um desenho quenão parecia ser científico.Na parte central de uma folha havia arepresentação de uma cadeira, um sinalde igual e, do outro lado, o desenho doque parecia ser o globo terrestre. Mas oque isso poderia querer dizer? Ocapítulo era sobre a Teoria daRelatividade. O coronel, apesar deinstruído, pouco sabia sobre essa teoriamas sabia que Einstein havia afirmado

que a velocidade da luz é constante.Abaixo do desenho havia uma fórmula,que ele estudara na universidade: E =mc2.Resolveu fazer uma conta rápidamultiplicando trezentos mil por dois,que seria o c ao quadrado da fórmula, oua velocidade da luz ao quadrado.Adicionou um zero ao número que haviaobtido, porque estimou que uma cadeirapoderia ter dez quilos de massa. Onúmero resultante era absurdamentegrande e o coronel disse em voz alta:"Isso resolveria todo o problema deenergia do mundo!" Meditando umpouco mais sobre o assunto, viu quehavia, no entanto, uma dificuldade

enorme: acelerar a cadeira até avelocidade da luz."Mas isso é problema dos engenheiros.Einstein fez apenas uma previsãoteórica." - pensou consigo mesmo.Cansado e isolado, adormeceu até quealguém batesse na porta de sua cabine.Sentiu que o trem ainda andava e sabiaque não estava em seu destino. Ao abrira porta, deu de cara com um serviçal:"Herr coronel, vim saber se o senhorprecisa de alguma coisa." Olhou oserviçal de cima a baixo com cara depoucos amigos. O rapaz engoliu em secopercebendo que sua atitude não haviasido bem-vinda. Após alguns instantes ocoronel abriu bem os olhos e, com a

expressão mais séria e a voz mais gélidapossíveis, disse:"Escute bem, não quero ser interrompidoem hipótese alguma." Apavorado, orapaz apenas deu meia volta e afastou-sedali o mais rápido que pôde. Nãoconseguiu nem se desculpar pelaintromissão.Foi por esse motivo que ninguém veiochamá-lo quando o trem parou. Eleolhou o relógio e abriu a cortina de suajanela.Na estação do trem pôde verclaramente: "Peenemunde".

CAPÍTULO LXVIII Tão logo chegou, Von Wiesen foidiretamente procurar o coronel Wachtel:"Boa noite Herr Wiesen. Não oesperava aqui senão amanhã pela manhã.Fez boa viagem?"Von Wiesen não respondeu e disparou:"Não há mais tempo a perder, coronel.Quero ver a pasta imediatamente." -disse secamente.O coronel Wachtel conduziu VonWiesen por uma série de corredoresestreitos até chegarem a uma sala cujoacesso era restrito. A entrada naquela

sala somente era permitida ao próprioWachtel e para os homens indicadosdiretamente por ele - alguns oficiais desua extrema confiança e uns poucoscientistas. Ali na porta havia umasentinela vinte e quatro horas por dia,sete dias por semana.Não foi preciso dizer nada. Ao percebera aproximação dos dois homens, asentinela tirou de sua cintura um molhode chaves, escolheu uma delas edestrancou a porta. Sem soltar amaçaneta, abriu a porta e colocou-se delado, em posição de sentido, até que osdois homens passassem. Tão logoentraram, a sentinela puxou a maçaneta,fechando a porta. Virou a chave para aposição anterior, trancando os dois

homens ali dentro. Impassível, asentinela voltou para a mesma posiçãoque estava antes.Lá dentro os dois homens encontraramum grupo de cientistas com rostoscansados e sonolentos mas ávidos pelasexplicações que, sabiam, somenteaquele homem que acabara de chegarpoderia dar-lhes.Von Wiesen estava mais ansioso do queos demais. Perguntava a si mesmoquantos daqueles homens sabiam de seufracasso. Instintivamente, o que ele maisqueria era que o projeto fosse falso. Porisso, em um primeiro momento ignorouos papéis do projeto e foi diretoprocurar uma prova que, sabia ele,poderia comprovar que o projeto era

falso. Abriu a capa da pasta negra e, noverso, o endereço escrito com suaprópria caligrafia, indicando o localonde ele estava agora."Incrível!" - exclamou em voz baixapara si mesmo, como se não houvessemais ninguém na sala."É verdadeiro? Como pôde certificar-setão rapidamente?" - perguntou ansioso ocoronel Wachtel.De repente Von Wiesen voltou para arealidade e percebeu que, afinal, aquilopoderia ser verdadeiro. Mas era precisotomar muito cuidado. Nada poderia serpior que atestar ser verdadeiro umprojeto que na verdade era falso. Asconseqüências seriam imprevisíveis.

Pensou um pouco e afinal dissecalmamente:"Posso dizer que pelo menos a capa éaquela que estava na casa do judeu. Vouexaminar os papéis um por um, agora.Para essa tarefa, preciso de silêncio ede tempo."Virando-se para o coronel Wachtel,pediu:"É melhor o senhor dispensar estescavalheiros, para que voltem amanhã.Não podem ajudar agora."Fez uma pequena pausa e continuou:"O senhor também, coronel."O coronel Wachtel, apesar decontrariado, achou melhor obedecer.

Despediu-se com frieza e saiu porúltimo.Von Wiesen começou a folhear aspáginas. Era para ele difícil aceitaraquela situação."Mas, e se forem verdadeiros? Podemfazer a diferença entre a vitória e aderrota para a Alemanha." - avaliou. Eisso foi o suficiente para que mudassede opinião. A única coisa que para eleestava acima de seu próprio orgulho eraa Alemanha, além do próprio Führer.O primeiro e mais fácil item a serconferido era a numeração dos papéis.Devido ao trauma por que passou, nuncase esqueceria dos números das folhas.Conferiu todas as folhas e,

aparentemente, a numeração era aquelamesma que ele havia memorizado.Apesar de agora desejar que os papéisfossem, afinal, verdadeiros, a estratégiaque adotaria seria presumir que osdocumentos eram falsos. Iria, portanto,tentar achar uma prova da falsificação.Von Wiesen espalhou os papéis pelagrande mesa de trabalho e abriu o dossiêque havia trazido consigo. Comparoucriteriosamente cada curva, reta edemais símbolos da caligrafiadesenhada nas folhas. Parecia de fato acaligrafia de Albert Einstein.De repente lembrou-se do velho judeuque o enganara e, muito pior do queisso, se lembrou de Marie, que o haviatraído.

Refletiu consigo mesmo:"Já basta ter sido enganado duas vezesem uma única guerra. Isso nãoacontecerá novamente. O próprioEinstein poderia estar envolvido nisso epoderia ter escrito um projeto falso comconseqüências desastrosas para nós." -ponderou.Mas, após horas de análise, tudo levavaa crer que o projeto era realmenteverdadeiro. Não havia qualquer indíciode falsidade.Vez por outra Von Wiesen levantava acabeça e puxava o pescoço para frente,com a mão, para aliviar a tensão e a dordo cansaço por ficar em uma únicaposição por tanto tempo. Procurou por

um pouco de café para espantar o sonomas o único que havia ali estava quasecongelado. Pensou em beber aquilomesmo assim mas estava receoso."Se isso me fizer mal, pode atrapalhar aminha tarefa." - avaliou.Por coincidência, a fechadura da portase abriu no mesmo momento e umserviçal entrou na sala dizendo:"Boa noite, coronel. Trouxe um poucode café fresco para o senhor."O coronel sabia que precisava parar poralguns instantes e aceitou a oferta. Pegouum pouco da bebida negra e voltouimediatamente ao trabalho.As horas passavam e ele, no entanto, nãoconseguia se decidir. Apesar de tudo,

Von Wiesen não se convencia de que oprojeto era verdadeiro. Como saber seaquilo estaria tecnicamente correto?Como ter certeza?"Somente se perdermos mesesconstruindo essa máquina ecomprovarmos sua eficiência." -assombrou-se ele. De repente lembroude uma frase que ele mesmo pensarahoras atrás."Mas isso é problema dos engenheiros.Einstein fez apenas uma previsãoteórica."Subitamente lembrou-se do desenho coma cadeira e o globo terrestre.Sobressaltado, começou a procurar comdesespero uma das folhas do projeto,

afastando todas as demais,aleatoriamente. Até que, por fim, pegouuma das folhas nas mãos e a aproximouda luz: não havia dúvida, era o mesmodesenho do dossiê.Procurou no dossiê o mesmo desenho ecolocou ambas as folhas lado a lado deforma a aproximar os desenhos.Percebeu que até o formato doscontinentes no pequeno globo eramparecidos. Estava confiante agora.Aquilo era algum tipo de marcaregistrada do cientista. Algo que elegostava de desenhar em seus projetoscomo se fosse, justamente, umcomprovante de autenticidade. Algo emque o próprio Einstein poderia pôr osolhos e saber de imediato se tinha sido

feito por ele."Como a caligrafia invertida deLeonardo Da Vinci..." - raciocinou VonWiesen.Satisfeito, guardou todos os papéisnovamente. A sala, fechada, nãopermitia que se visse o exterior. Qualnão foi sua surpresa ao sair e perceberque já era dia novamente.

CAPÍTULO LXIX Enfim, em janeiro de 1943 começaramos trabalhos de correção, baseados naprofunda análise do projeto de Einstein.Não demorou muito e os engenheiros ecientistas alemães perceberam seuspróprios erros, que puderam sercorrigidos com as valiosas informaçõescontidas no projeto encontrado.Após o término da correção do projetoinicial, foi necessário conseguirmatéria-prima para sua confecção, oque, pelo atual estágio da guerra, eraoutra tarefa muito difícil. Algunscomponentes como o cobre, por

exemplo, simplesmente não estavamdisponíveis. Após os testes, queduraram cerca de seis meses, em agostode 1943 os primeiros cem prisioneirosdo campo de Buchenwald foramtransferidos para trabalhar em uma novaobra. A infra-estrutura montada para afabricação e lançamento dessas armasfoi impressionante, mesmo para os diasde hoje. Foi construído um complexocom o nome de Dora, que na verdadeera um gigantesco túnel onde os alemãespoderiam trabalhar livres de aviões deespionagem e de bombardeiros. Alargura do túnel eqüivalia a dois camposde futebol. Esse complexo abrigava umamultidão de escravos, túneis paraentrada de suprimentos e matérias-

prima. Tinha nada menos do que vintequilômetros de extensão e trinta metrosde altura.Sessenta mil internos construíram etrabalharam no enorme túnel, entre 1943e 1945, para a produção das bombas V.Quase a metade morreu devido àscondições desfavoráveis do local. Ospresos tinham que se contentar com aração diária de apenas um pão e, comsorte, às vezes recebiam duas ou trêsbatatas.Albert Speer, arquiteto do Reich, éapontado hoje como tendo sido o homemque prolongou a guerra, já perdida,devido a sua eficiência no comando doMinistério dos Armamentos. Ele foi o

executor responsável por Dora.A história humana mostra que em geralsão necessários inúmeros fracassos atéque se consiga um sucesso. Com abomba voadora V-1 não foi diferente e,após inúmeras tentativas fracassadas,finalmente, pouco antes do amanhecer de13 de junho de 1944, uma grandeexplosão sacudiu o povoado deSwanscombe, no condado de Kent, acerca de 35 quilômetros de distância daestação central londrina de CharingCross.Os ingleses, já esperando as anunciadasarmas espetaculares, tinham váriospostos de observação ao longo da costa.Momentos antes da explosão o objeto

voador foi avistado vindo do Canal daMancha. Segundo a testemunha, separecia com um estranho avião cujasilhueta, no entanto, não se assemelhavaa nenhuma outra conhecida, seja dosaparelhos aliados ou inimigos.Relatos dos observadores civis quechegaram às autoridades britânicas,somado ao fato de não ter sidoencontrado sinal de restos humanos juntoaos destroços do aparelho, permitiramconcluir que se tratava de um avião nãotripulado.Naturalmente a notícia varreu a ilhabritânica de imediato e provocou pânicoem sua população. Nas semanasseguintes à explosão de Swanscombe,mais de um milhão de londrinos se

transferiram voluntariamente para ocampo. Além disso o governo, tambémformado por pessoas em pânico, fezevacuarem outras quase trezentas milpessoas. Nesse caso se tratavam demulheres com filhos pequenos e criançasem idade escolar.Na verdade a utilização das bombas V-1e V-2 foi mais espetacular do queeficiente. Muitos analistas estratégicosestimam haver uma aplicação indiretaimportantíssima para essas bombasvoadoras. Muita gente sabe que o finalda guerra foi adiado devido a essasbombas. Mas poucos sabem que issodeveu-se não a sua eficiência, mas emparticular ao medo que elas geraram.Temendo o que não podiam

compreender de todo, os Aliados foramobrigados a desviar milhares de saídasde seus bombardeiros para quedespejassem inacreditáveis cento etrinta mil toneladas de bombas sobrealvos ligados a esse projeto. Esseesforço poderia ter sido utilizado emoutros objetivos mais decisivos para ocurso da guerra. Os alemães, aliás,utilizaram essa vantagem de maneiramuito inteligente, deixando rampas quenão tinham qualquer utilidade expostaspropositalmente como alvo para osbombardeiros. Pode-se dizer semdúvida que a inteligência aliada foienganada pela alemã.Só que havia um problema especial asolucionar. Como criar uma barreira

contra essa nova arma? Não havianenhum armamento específico paraabater a bomba voadora, então osingleses elaboraram um complexosistema de defesa. Envolvia caças, quevoavam sobre o mar e, muitas vezes,conseguiam alcançar e destruir asbombas antes que elas alcançassem ooutro lado do Canal da Mancha.Passando pelos caças, as bombasvoadoras teriam que enfrentar ocinturão artilheiro, formado porcanhões ao longo da costa. E,finalmente, a arma mais engenhosa eraconstituída por uma barreira de globosque se erguiam nos arredores deLondres, com objetivo de fazer asbombas voadoras chocarem-se com eles

antes de atingirem a cidade.Mas o esforço de guerra alemãoconseguiu que as bombas V-1 entrassemem ritmo de produção em série emilhares delas foram fabricadas. Tanto éque há um consenso de que o total deprojéteis V-1 disparados contra a Grã-Bretanha chegou a cerca de nove mil.Por ser ainda uma tecnologia emdesenvolvimento, mais de dois mil sedesintegraram pouco depois dolançamento. Os observadores civisfizeram uma contagem precisa echegaram a um total de 6.725 V-lavistados na costa inglesa. O sistema dedefesa britânico abateu 3.463, quecaíram graças à ação dos caças, canhõesou barreiras de globos. Os pouco mais

de três mil restantes efetivamentealcançaram a região metropolitana deLondres. Apenas algumas dezenascaíram no campo ou em outras cidades.Curiosamente, no entanto, nem sempreera aconselhável que a defesa antiaéreabritânica abatesse uma bomba voadora.Não era raro que, quando a bombaseguia seu curso natural, caísse emcampos desabitados. Mas com ainterceptação, os destroços acabavamcaindo na região metropolitana,causando prejuízos diversos.Mas o fato é que a série V-l despertoupouco interesse devido a sua reduzidavelocidade e pequena altitudeoperacional. Como vimos, até mesmoum caça podia alcançá-la e abatê-la em

pleno vôo. No entanto, a série V-2,tecnologicamente mais avançada, chegoua ser considerada a "arma de guerra dofuturo".Por diversas fontes chegaraminformações sobre a nova ameaça.Deveria ser um foguete muito maior,mais potente, com mais carga explosivae impossível de ser abatido com osmecanismos disponíveis. Quando essasinformações chegaram às mãos docomitê britânico Crossbow, isso trouxemuita apreensão.O artefato que o marechal Hill teria deenfrentar agora poderia atingirvelocidade acima de três milquilômetros por hora, ou seja,supersônica.

Enquanto as V-l voavam quase nahorizontal e em velocidade lenta osuficiente para serem alcançadas, as V-2percorriam uma trajetória fortementeangular e em velocidade muito superiora qualquer caça da época.Para maior desespero do lado aliado, olançamento do foguete não requeriainstalações especiais. Bastava construiruma simples plataforma de cimento depoucos metros quadrados para apoiar oveículo vector - um caminhãoespecialmente construído com umdispositivo que permitia colocar ofoguete em posição vertical. Até hojepodem ser vistos dispositivos similaresem paradas militares. De acordo com asinformações conseguidas pela

inteligência, acreditava-se que aofensiva com dos foguetes V-2 pudessecomeçar em princípios de setembro de1944.Hill e seu Estado-maior previram que odispositivo de defesa testado com tãobons resultados contra a V-l resultariaem escassa ou nula eficiência diante daV-2.Em não sabendo como se defender, oúnico caminho a tomar pelos Aliados foio maciço bombardeio das instalaçõesnazistas, a fim de eliminar a novaameaça direto na fonte.

CAPÍTULO LXX Em dois de abril de 1945 o generalamericano Eisenhower, comandantesupremo aliado, recebeu a Diretiva1.067.0 foco da diretiva era não apenaspreservar o exército da destruição, mascapturar todos os planos, fotografias eprincipalmente dados relativos às novasarmas alemãs. A diretiva originou aOperação Paperclip, que esteve a cargodo serviço secreto norte-americano.Também no início de 1945 aConferência de Yalta dividiu aAlemanha em zonas de ocupação. Aomesmo tempo em que os Aliados

ocidentais confiscavam os documentosconforme a diretiva, na sua zona deocupação se executou uma pacientebusca pelos técnicos que haviam estadoenvolvidos com os projetos dasinstalações secretas de Peenemunde. Defato, poucos meses após o final daguerra, já trabalhavam nos EstadosUnidos pouco mais de cem cientistasalemães. Alguns deles, no entanto, foramreclamados pelos tribunais que julgaramos crimes de guerra nazistas. Devido aseu próprio interesse, o governoamericano os asilou e protegeu e, defato, centenas de técnicos e cientistaschegaram aos Estados Unidos logo apóso término da guerra.Em 1948 a Operação Paperclip logrou

colocar mais de mil e cem técnicos ecientistas germânicos para trabalhar nosEstados Unidos - um número enorme depessoas com um conhecimento bemespecífico. O objetivo principal, éclaro, foi desenvolver a fabricação defoguetes norte-americanos. Entre elesestava um jovem e brilhante cientistachamado Werner von Braun.Von Braun vinha da escola alemã quepregava a praticidade. Ou seja, para elenão bastava a teoria, tinha que ver seuresultado aplicado. O próprio cientistateria dito certa vez que:"A utilidade de uma descoberta nãopode ser apreciada claramente até queessa descoberta seja mesmo realizada.Ninguém pode imaginar o que o

programa espacial pode causar àhumanidade, assim como tampoucoIsabel, a Católica, podia imaginar qualseria o resultado da viagem deColombo."Von Braun acabou por se tornar o maisconhecido cientista envolvidodiretamente no projeto das bombas V.Com inteligência acima da média, foiestudante adiantado e, aos dezoito anos,já desenvolvia seus primeiros foguetes.Naturalmente, esses primeiros artefatoseram ainda rudimentares, masprecederam os gigantescos projéteis queVon Braun viria a projetar e construir nofuturo. Jovem prodígio, com apenasvinte anos foi nomeado chefe de estudosde projéteis-foguetes do exército

alemão. A guerra estourou e o absorveufazendo-o se envolver diretamente noprograma de bombas voadoras alemão.A primeira série, V-1, não causougrande impacto tecnológico. Mas a sérieseguinte, a temível V-2, alteraria emprofundidade os princípios clássicos daguerra. A sucessão tecnológica da sérieV-2 seria, em poucas décadas, osgigantescos foguetes Saturno doprograma espacial americano.Dedicado à pátria que o acolheu no pós-guerra, os Estados Unidos, Von Braunnão mediu esforços para manter aquelepaís à frente na corrida pela conquistado espaço.Um momento especialmente crucial, que

colocou sua competência em xeque, foiquando a Rússia, em 1957, colocou emórbita seu primeiro Sputnik. Naquelamesma noite, Von Braun jantava comNeil McElroy, secretário de Defesaamericano. Von Braun, provocado peloevento russo, pediu apenas liberdade deação e estimou um prazo: sessenta dias.Prometeu colocar em órbita um satéliteamericano no referido prazo.Quando pensamos na super potência emque se tornou os Estados Unidos, édifícil acreditar que Von Braun teve quesuperar enormes dificuldades. Mas ofato é que ele quase cumpriu suapromessa e, oitenta e quatro dias depoisdaquela noite, os Estados Unidoscolocaram em órbita seu primeiro

satélite. Von Braun não parou por aí;perseguiu, incansável, seus sonhos deadolescente: a conquista do espaço paraa Humanidade.Nos anos seguintes ao término da guerramilhares de documentos seriamexaminados minuciosamente, entre eleso projeto secreto de Einstein.A grande ironia disso tudo é que após otérmino da guerra os cientistas alemãesenvolvidos no projeto em Peenemundeforam levados aos Estados Unidos parase juntar aos americanos, inimigosrecentes, no desenvolvimento de seuspróprios mísseis e, mais tarde, noprograma espacial americano.Juntando-se a tecnologia nuclear

desenvolvida pelos cientistas do ladoamericano com a tecnologia depropulsão desenvolvida pelos cientistasdo lado alemão, se obteve os temíveismísseis nucleares intercontinentais.Muitas dessas armas ficam emsubmarinos que, submersos em missõesde três meses, são virtualmenteindestrutíveis.

CAPÍTULO LXXI A batalha por Berlim, entre abril e maio1945, pode não ter sido a batalha finalda Segunda Guerra Mundial na Europa,mas certamente foi conclusiva. Foi odesfecho da União Soviética que, tendoacabado com a iniciativa estratégica dosalemães após a batalha de Kursk, emjulho de 1943, empurrou os alemãespara fora da mãe Rússia. Na seqüênciacontinuou a empurrá-los para oeste, parafora da Europa Oriental. Em agosto de1944, os russos já tinham alcançado osarredores de Varsóvia, na Polônia, sem,no entanto, prestar nenhum auxílio ao

exército polonês enquanto este selevantava contra os alemães. Os russosdizimaram o centro do grupo do exércitoalemão em julho, e capturaramBucareste em 31 de agosto. Quase semdescanso, partiram para a ocupação daPrússia Oriental, da Pomerânia e dosestados bálticos. Na ofensiva reiniciadaem janeiro - o avanço das tropas do rioVístula ao rio Oder, os soviéticosaniquilaram as forças alemãs restantesna Polônia, embora o almirante alemãoKarl Dönitz tenha realizado a evacuaçãomarítima bem sucedida de dois milhõesde civis e do pessoal militar, fugindodas garras dos soviéticos.Para o premiê soviético Josef Stalin,Berlim era o prêmio principal e ele

temeu que o Exército Vermelho pudesseser batido na captura da cidade pelogrupo ocidental, formado pelo exércitodo marechal de campo BernardMontgomery. Este avançava rápido daHolanda para a Alemanha, pelo norte,depois que a resistência alemã no oestedesmoronou, mais ou menos após a falhada ofensiva de Ardennes, em dezembrode 1944. Isso foi revertido, entretanto,pela mudança de planos do generalDwight D. Eísenhower. Em setembro de1944, Eisenhower esboçou sua opiniãoem uma carta a dois de seus principaissubordinados, Montgomery e o generalOmar Bradley: "Berlim é o prêmioprincipal [...] Não há nenhuma dúvidaem minha mente de que nós devemos

concentrar todas nossas energias erecursos em uma pressão rápida aBerlim". Ele também teria escrito que "émeu desejo mover-me para Berlim pelarota mais direta e mais rápida possível".A estratégia de Eisenhower favoreciaum grande avanço frontal. Mas nãodefinia o que deveria acontecer quandoas forças aliadas tornassem a se reunir,criando outra vez uma frente unificada,próxima à área de Kassel.Montgomery emitiu as ordens de que,depois que o cerco do Ruhr estivessecompleto, os exércitos britânicos e dosEstados Unidos deveriam avançar comvelocidade máxima ao rio Elba, atravésde Hamburgo e de Magdeburg.

Eisenhower pretendia na verdadeconcentrar o avanço dos aliadosocidentais no centro, com Bradley, a fimde encontrarem os soviéticos ao redorde Dresden e ter a Alemanha cortada emduas. Subitamente, no entanto, Berlim setransformou em "nada mais do que umaposição geográfica. Minha finalidade édestruir as forças inimigas e seu poderde resistir", afirmou Eisenhower.Enquanto Montgomery estava ainda atrezentas milhas de Berlim, ossoviéticos, que tinham alcançado o rioOder, estavam a menos de cinqüentamilhas da cidade. Existia umapreocupação muito grande de que nãohouvesse nenhuma possibilidade dosalemães quebrarem o cerco, refazendo

uma linha defensiva coerente no centro.Ou que Hitler pudesse retirar-se paraBerghof, sua fortaleza, na cidade deBerchtesgaden, nas montanhas bávaras eaustríacas, o que poderia requerermuitos meses e grandes recursos parasua captura e conseqüente término daguerra. O que não é tão fácilcompreender, dada a insistência deEisenhower em que as operaçõesmilitares devem perseguir alvospolíticos - estratégia alinhada aopensamento de Clausewitz, segundo oqual "guerra é a continuação da políticado Estado por outros meios" - e dada aenorme importância política de Berlim,por que esse comandante optou por umareviravolta completa nos planos, e a

divulgou como não tendo nenhumsignificado, quando possuía o objetivomilitar de destruir a vontade do povoalemão, mediante a captura ou morte deAdolf Hitler?O fato é que os soviéticos ficaram àvontade para conduzir o cerco a Berlim.Stalin, por sua vez, tentava esconder oque planejava realmente: realçar oprestígio soviético e estabelecer odomínio comunista na Europa Oriental eCentral com a União Soviética sendo aprimeira nação aliada a entrar emBerlim.Isso, no entanto, foi uma tarefa bastanteárdua.Nunca saberemos exatamente quantos

morreram na Segunda Guerra Mundial.Mas ficará para a História o desprezodos líderes soviéticos pela vida humana.De forma lamentável, das dezenas demilhões de pessoas que perderam a vidanessa guerra, a nação que mais perdeufoi a soviética. Seus soldados muitasvezes eram enviados para a frente debatalha como uma massa humanadespreparada, que era morta às dezenasde milhares.A batalha por Berlim não foi exceção.

CAPÍTULO LXXII Em 25 de abril de 1945, Berlin estavacompletamente cercada. Hitler ordenouao general Wenck que marchasse com o12° Exército do Elba para Berhm.Wenck conseguiu chegar a Potsdamantes de encontrar a ofensiva soviéticaque, afinal, era muito forte. Elemobilizou seu pessoal, e mais trinta milsobreviventes do 9o Exército, e marchoupara o oeste com a esperança de render-se aos americanos.A situação na capital alemã era cada vezmais crítica. No entanto, os alemãesconseguiram mobilizar cerca de cem mil

soldados - incluindo a 56a DivisãoPanzer (Panzer Corps), reforçada pelasdivisões 18a Panzergrenadier e 11a SSNordland Panzergrenadier. Ocomandante da 11a SS era um velhoconhecido, o coronel Franz von Wiesen.A batalha por Berlim foi travada de ruaem rua. Mas as forças concentradas nacapital não foram páreo para as tropassoviéticas que a cercaram. A maioriados alemães era movida apenas pelodesespero, principalmente para não cairem mãos soviéticas.Uma das estratégias alemãs foi ocuparas três torres Flak, inicialmenteconstruídas para defender Berlim deataques aéreos. Em uma segunda fase,

essas torres foram utilizadas comoabrigo antiaéreo, e podiam abrigar atédezoito mil pessoas cada uma. Naterceira, desesperada e última fase,foram usadas, justamente por suasposições elevadas, para lançar fogo àsforças soviéticas, que avançavam. Duasdas três imponentes construções podemser vistas ainda hoje e contêm ascicatrizes da artilharia soviética. Umaestá em Friedrichshain Park e a outra,em Humbolthain, que foi melhorpreservada.Königstiger para os alemães, ouKingtiger para os americanos, oPzKpfw VI (Tiger II) foi de longe otanque mais formidável da SegundaGuerra Mundial, nos quesitos blindagem

e armamento. Equipado com o poderosocanhão KwK L/71, de 88 mm, e comblindagem máxima de 185 mm, o TigreII faria frente a qualquer tanque nos diasde hoje e não havia equivalente a ele nasfileiras aliadas. Porém, seu tamanho epeso tornavam-no um veículo lento edesajeitado, facilmente deixado paratrás em uma batalha de movimento.Excelente arma defensiva, eranecessário cerca de cinco Shermanspara destruí-la. O Tiger II teve umacurta temporada na Segunda GuerraMundial, entrando em serviço no outonode 1944 e permanecendo até o fim doconflito europeu, em 1945. Existemvários exemplares em museus dosEstados Unidos, Rússia e Inglaterra.

O Tiger II é impulsionado por um motorMaybach HL 230 P30 de doze cilindros,que produz 700 HP. Tem uma caixa deengrenagens com oito velocidades parafrente e quatro para ré. Possui noveconjuntos de rodas de cada lado,cobertas por uma lagarta, sendo cincoexternas e quatro internas. Na estrada,esse gigante atinge velocidade máximade 35 a 38 quilômetros por hora e, noscampos, reduz para dezessetequilômetros por hora. O alto consumo decombustível é um de seus problemasmais sérios. Consome quinhentos litrospara percorrer cem quilômetros, com oagravante de que, na época, ocombustível era um artigo muitoescasso. Portanto ele carregava 860

litros em sete tanques, o que dava umaautonomia de cento e dez a cento e vintequilômetros na estrada e de oitentaquilômetros no campo. O aparelhotambém necessita de constantemanutenção dado ao excessivo desgastedas peças. Sua tripulação era formadapor cinco homens - comandante,artilheiro, carregador, motorista eoperador de rádio, que também operavaa metralhadora frontal. Os tripulantesficavam conectados por um sistemainterno de telefonia, com exceção docarregador.O canhão principal do Tiger, de 88 mm,disparava projéteis a uma velocidade demil metros por segundo. Era altamentepreciso e apto a penetrar blindagens de

até 150 mm de espessura, em distânciasque poderiam exceder dois mil eduzentos metros. Uma vez que o tempode vôo do projétil durava, nessadistância, cerca de 2,2 segundos oumenos, a precisão e correção do tirocontra alvos que se moviam era o fatormais importante. Isso tornou esse pesadopredador ideal para abrir terreno, ondeele poderia combater tanques inimigos alonga distância antes mesmo que asarmas do inimigo tivessem alcance detiro.Ele tinha, no início, espaço paracarregar dezesseis projéteis na torre.Mais tarde, as laterais da torre foramalteradas, com aumento para 69 graus,passando a carregar seis projéteis

extras, totalizando vinte e dois. O pesodo tanque carregado para combatechegava a quase setenta toneladas.A torre tinha um grande contrapeso,devido ao longo cano do canhão. Esseespaço adicional, no entanto, era usadopara guardar munição, tornando otrabalho do carregador mais fácil. Tinhatrês escotilhas: a do comandante, comsete periscópios, que ficava do ladoesquerdo; a do carregador, do ladodireito; e uma escotilha de fuga, natraseira. Na torre ficavam três dos cincotripulantes. O comandante ficava no ladocentro-esquerdo, o atirador, abaixo e àfrente do comandante, e o carregador, àsua direita.Justamente por seu tamanho, apenas um

pequeno número de tanques Tigre foiutilizado na defesa de Berlim. Em umdeles estava o coronel Von Wiesen nocomando da ação. Dentro dele tambémestavam quatro homens dispostos aobedecerem, sem hesitar, as ordensdaquele que consideravam umverdadeiro mito. Nem mesmo ofracassado contra-ataque de 24 defevereiro, comandado diretamente porHeinrich Himmler e feito pelo recém-criado Grupo do Exército de Vístula,sequer arranhou sua fama. Os homensacreditavam nele. Por isso mesmoHimmler deu ao coronel Franz vonWiesen o comando da última defesaantes da fortaleza de Hitler.

CAPÍTULO LXXIII Em 30 de abril os sargentos soviéticosYegorov e Kantaria conseguiramcontornar, à sua maneira, o prédio doReichstag, o parlamento alemão, e, naparte traseira do edifício, encontraramuma escadaria que dava no telhado.Subiram a escadaria e, lá em cima,colocaram a bandeira soviética em ummastro, e este, em uma fenda apropriada.Assim a bandeira vermelha, às 22h50 de30 de abril 1945, pairou finalmentesobre o Reichstag, o alvo número 105do Exército Vermelho, econseqüentemente por Berlim. A

resistência alemã continuou forte,entretanto, até a manhã de dois de maio,quando finalmente cessou a luta noReichstag, com a rendição dos dois mile quinhentos defensores restantes àsforças soviéticas. A conquista foi ummarco importante e a imagem dabandeira soviética no topo do Reichstagé famosa no mundo inteiro.Nas ruas ainda, no entanto, a luta eraferrenha, quase que de prédio emprédio; muitas vezes era necessárioentrar nos prédios e caçar os franco-atiradores um a um. Hitler mandouposicionar quatro Tiger II próximo desua fortaleza, bem no centro de Berlim.Os tanques, apropriados para a defesa,cercaram-no apontando seus canhões

radíalmente em direção oposta aocentro. O combustível era mínimo mas aidéia era não se mover, ficariam ali omais próximo possível um do outro."Coronel, mensagem do rádio!" - disse ooperador, sem tirar uma das mãos dogatilho da metralhadora."Passe adiante." - respondeu o coronelpelo sistema interno de comunicação dotanque."A inteligência informa que foi vistamovimentação do inimigo a poucasquadras daqui, na direção norte. Muitamovimentação inimiga pela FrankfurterStrasse."O tanque de Von Wiesen estava viradopara o norte.

"Informe os demais Tiger para seprepararem para a luta.""Sim, senhor."De fato, o Portão de Brandenburg, queficava ali perto, foi sabiamenteescolhido como ponto de observação.Os nazistas julgaram corretamente queum marco histórico como aqueledificilmente seria alvo da artilhariainimiga. Em cima dele colocaram quatrohomens, cada um virado para um pontocardeal, para passar instruções via rádiopara as unidades ali embaixo. Muitosprédios já semi-destruídos ampliavamainda mais o raio de visão. As torresFlak estavam bem mais para oeste e nãoserviriam para esse propósito.

Até mesmo o carregador, que nãopossuía sistema de comunicação, estavaextremamente tenso. Ele não precisavade sistema de som, tudo o que tinha afazer era recarregar o sistema de tiro dotanque toda vez que este se esvaziasse.Todos sabiam que, afinal, chegara omomento. A Alemanha havia recuado atéo extremo, até onde não havia mais paraonde recuar. Muitos, até mesmo os daalta cúpula próxima a Hitler,questionavam-se por que não se rendiamde uma vez. Mas a ordem era sempre amesma:"Resistir!"Isso, quando não havia alguma outraordem irreal, tipo:

"Contra-atacar!"Muitas vezes as ordens eram dadas paradivisões que, de tão deterioradas, nãopodiam ser consideradas capazes, muitomenos, aptas para o serviço. Mas asordens continuavam a chegar mesmoassim.Várias unidades soviéticas seaproximavam, lenta mas continuamente,por diferentes direções. Pelo norte seaproximavam a 3a e 5a Unidades deChoque. Os soviéticos já sabiam quenenhum de seus carros de combate erapáreo para os poderosos Tigers aliplantados. Era preciso desenvolveroutra tática.O comandante olhou por um de seus

periscópios e pôde observar até mesmoalguma fumaça por trás dos prédios queainda teimavam em ficar de pé."Agora falta pouco." - pensou ele.Os soviéticos, cientes do longo alcancedos Tiger, posicionaram sua artilhariabem no meio da avenida, a cerca de doisquilômetros e meio dali. Realmente nãodemorou muito e os disparoscomeçaram. Mesmo de dentro do tanquese podia ouvir o som do disparo que, emsegundos, atingia os arredores.Observadores soviéticos passavam paraa artilharia a correção que deveria serfeita nos disparos para que pudessematingir os tanques.Von Wiesen percebeu imediatamente a

emboscada. Não poderiam ficar aliparados.

CAPÍTULOLXXIV

"Piloto, avançar. Parados aqui seremosalvos fáceis. Operador do rádio, passemensagem para os Tiger para nosseguirem!" - disparava ele suas ordens."Sim, Herr coronel!" - responderam osdois homens quase simultaneamente.O operador de rádio rapidamenteretornou ao coronel a confirmação deque os demais tanques receberam eentenderam as ordens.Vagarosamente os tanques se moveram

e, girando suas torres, apontavam todospara a mesma direção, norte."Abrir fogo quando houver contatovisual!" - ordenou Von Wiesen para seupequeno grupo de Tigers.Em questão de minutos, realmente já sepodia ver as peças de artilhariasoviéticas por entre alguns prédios. Ostanques abriram fogo de imediato elançaram seus precisos projéteis.De seu periscópio Von Wiesen pôdeobservar a destruição da peça deartilharia e viu alguns homens correndo.No entanto não houve tempo paraqualquer comemoração pois novasexplosões ocorriam em seu flancoesquerdo. Era a artilharia da 3a Unidade

de Choque que chegava pelo outro lado.Von Wiesen olhou para o lado e nãogostou do que viu. Um dos Tigers seincendiava. Ficaram agora três tanques,e ele estava no do meio. Ordenou aotanque à sua direita que continuasse amonitorar as tropas, que continuavam avir da Frankfurter Strasse, enquanto elee o tanque do flanco esquerdo girariam90o para a esquerda, para lutar contra anova ameaça que vinha da direção daavenida Muller Chaussee.Os tanques se comunicavamidentificando-se por números, bemvisíveis por um observador próximo. Osnúmeros eram pintados na carroceriados tanques. O tanque de seu flanco

esquerdo era o 252:"Tanque 252, abrir fogo!"Disparando juntos e com a precisão jáconhecida, colocaram aquela outra peçade artilharia imediatamente fora decombate.Ao olhar pelo periscópio atrás de si,avistou o tanque 331, que estava em seuflanco direito, e percebeu que estetambém já estava em dificuldades poisnova peça de artilharia fazia-lha frente.Von Wiesen ordenou que o 252continuasse a monitorar o movimentoque vinha da avenida Muller Chausseeenquanto ele mesmo girou sua torre emdireção à Frankfurter Strasse. Noentanto, era tarde. O 331 acabava de ser

atingido por um tiro certeiro da pesadaartilharia soviética.Von Wiesen, no entanto, não hesitou eordenou que abrissem fogo, o quetambém colocou fora de combate asegunda peça de artilharia daqueladireção.Antes de conferir novamente a situaçãodo 252, percebeu muita movimentaçãomilitar. Os soldados estavam cada vezmais próximos e já estavam quase aoalcance da metralhadora frontal.Dessa vez o alvo foi o 252, que tambémhavia sido vítima de um tiro certeiro daartilharia soviética e ardia em chamas.Von Wiesen, novamente, ordenou o tiroque colocou fora de operação a peça de

artilharia.Agora a situação era a seguinte: estavasozinho, mas as peças de artilhariaatacadas haviam bloqueado o acesso dasruas. Levaria algum tempo paradesbloquear e trazer outras peças. Oataque, agora, era com morteiroslançados pelos soldados soviéticos quese posicionaram próximo ao local.As explosões dos morteiros eramouvidas e sentidas, mas pouco podiamfazer contra o grande Tiger. Mas erammuitas as origens dos disparos e nãoseria possível atacar todos pois amunição era limitada. A opção foi nãoatacar os morteiros e aguardar por alvosmaiores.

Nisso, o operador de rádio anunciou:"Coronel, a sentinela avisa que umacoluna de tanques soviéticos seaproxima.""Direção?" - perguntou apenas VonWiesen."Estão vindo da Frankfurter Strasse."Já apontavam naquela direção. A únicaesperança era que os tanques chegassemum a um pois talvez não haveria espaçopara que passassem juntos. Se issoacontecesse não haveria chance de umtanque soviético os abater.De fato, após alguns minutos, o primeirotanque já era quase visível. Von Wiesenapontou para ele e, quase

simultaneamente ao ordenar "fogo", umaenorme explosão sentiu-se do ladodireito. O tanque foi sacudido e haviafumaça dentro dele. Espertos, ossoviéticos mandaram seus tanquesavançar por mais de uma rua. O cerco sefechara.Von Wiesen olhou para o lado e viu ooperador de rádio imóvel, sangrando nacabeça. Estava morto. Mas o valenteTiger continuava plenamenteoperacional e o restante da tripulaçãoestava ativa."Piloto, avançar!" - deu Von Wiesen suadesesperada ordem. Não podiam maisficar parados.No entanto essa pequena vantagem

desapareceu em seguida.O artilheiro, seguindo as ordens docoronel, moveu a torre para a direção deonde veio o último disparo e colocoufora de operação um dos tanquessoviéticos. Mas outro tiro foi recebidofrontalmente, matando o piloto. Comisso o tanque parou de imediato. Aindacom pleno poder de fogo, Von Wiesenmandou o artilheiro lançar novo projétil,dessa vez contra o primeiro tanque, queagora já estava totalmente visível.Implacável, bastou novamente apenasum tiro para colocar fora de operação otanque soviético.Nova explosão, agora sentida na partetraseira do veículo, que chegou abalançá-lo. Von Wiesen olhou em

direção ao carregador e, desolado,percebeu que este também estava morto.Ouvia apenas a estática do sistemainterno de comunicação, que vinha dofone de ouvido embutido em seucapacete. Sem opção, jogou o capacetepara o lado e deixou seu posto decomando, descendo para junto docarregador, que jazia no chão do Tiger.Espremeu-se o mais que pôde para, elepróprio, recarregar o canhão. Pisandosobre o corpo do carregador, com muitoesforço liberou o canhão para disparo egritou para o artilheiro eliminar mais umtanque soviético.Mais uma forte explosão sacudiu otanque e Von Wiesen percebeu fogo efumaça no local onde estivera sentado

instantes antes. O posto do comandantehavia se tornado um amontoado de ferroem brasa. Von Wiesen usou a escotilhado carregador para se orientar. Percebeuum tanque soviético aproximando-se eindicou sua direção para o artilheiro.Este tentou mover a torre, mas a últimaexplosão tinha danificado seu sistema degiro. O artilheiro olhou para o coronel eperguntou desesperado:"Que fazemos agora, coronel?"Este, com a frieza de sempre, apenasdisse:"Agora nós morremos."Outros tanques soviéticos que seaproximaram abriram fogo em conjuntoe várias explosões simultâneas

sacudiram violentamente o último dosvalentes Tiger. Em seguida os tiroscessaram e o que sobrou do tanquealemão era apenas um monte de ferroretorcido. Ali dentro estavam cincohomens mortos.

CAPÍTULO LXXV Após intensas batalhas travadas de ruaem rua e de prédio em prédio,finalmente a resistência alemã começoua se desintegrar na cidade inteira. Oexército vermelho se aproximou dachancelaria do Reich e doFührerbunker, a fortaleza do ditador.Hitler, cercado e sem possibilidade deretirada, resolveu tirar sua própria vida.Depois do que se sucedeu comMussolini, que teve seu corpopendurado de cabeça para baixo em umposto de gasolina qualquer paraexecração pública, Hitler exigiu que

após sua morte seu corpo fossedestruído. Afinal, isso era bem melhordo que ser capturado pelos enfurecidossoviéticos.Hitler nomeou o almirante Dönitz seusucessor e expulsou os outrora ferrenhosseguidores Göring e Himmler de seusescritórios. O primeiro, por tentarusurpar o poder, e o segundo, pormanifestar sentimentos pacifistas. Hitlernão permitiu nem uma coisa nem outra.Juntamente com Eva Braun, sua esposapor um dia, retirou-se a seu quarto noFührerbunker para cometer suicídio,após ditar sua vontade e testamentopolíticos. Até hoje é alvo de polêmica acausa exata da morte de ambos e o queaconteceu logo em seguida. O consenso

geral é o de que Hitler disparou umaarma contra si e Eva Braun fez uso deveneno. Seus corpos, conforme o desejode Hitler, foram imediatamentecremados fora do bunker.Goebbels, afinal, seguiu seu líder em 1o

de maio e também cometeu suicídio. Afortaleza ficou nas mãos de Weidling,que expediu uma ordem para o restantedos ocupantes: deveriam baixar suasarmas na manhã de 2 de maio. Paraminimizar as conseqüências, sinalizoucomo tal para o general Chuikov, quecercava o local. Estavam, pois, serendendo. Um número desconhecido derefugiados, incluindo civis e militares,saiu de Berlim em direção oeste, semprena esperança de se render para os

aliados ocidentais. Às 15h a artilhariasoviética cessou fogo de repente e,conforme testemunhas, o silênciorepentino foi "ensurdecedor". Mas aBatalha por Berlim estava terminada.É interessante notar que a guerra aindaduraria dias após a queda de Berlim emesmo após o suicídio de Hitler. Issodeveu-se, muito provavelmente, aelementos da SS infiltrados nosexércitos regulares, que ainda sonhavamcom uma reviravolta nosacontecimentos. Fizeram pressão pararesistir, até que a notícia da morte deHitler e da queda de Berlim se tornou deconhecimento geral.Dois dias após a queda de Berlim, às18h20 de 4 de maio de 1945, o general

E. Kinzel e o almirante H. G. vonFriedeburg assinaram os documentos derendição das forças alemãs na Holanda,nordeste da Alemanha, e de outrosterritórios fora da Alemanha, no quartelgeneral de Montgomery, em LüneburgHeath. Era a fase final da capitulação.O mesmo aconteceu três dias mais tarde,às 2h41 de 7 de maio de 1945, quando ogeneral Jodl, da Wehrmacht, o almiranteFriedeburg, da Kriégsmarine, e o majorOxenius, da Luftwaffe assinaram arendição alemã, diante de altasautoridades militares aliadas. Havia anecessidade de se dar o maior pesopossível à rendição.No dia seguinte o marechal-do-ar sir

Arthur Tedder, foi a Berhm juntamentecom o tenente-general Spaatz, para o atofinal de rendição. A cerimônia ocorreuno quartel general bielo-russo, ondeestavam ainda o marechal-de- campoKeitel, da Wehrmacht , o almiranteFreideburg, da Kreigsmarine, e ogeneral Stumpff, da Luftwaffe, quecompareceram perante o marechalZhukov, general de Lattre de Tassigny,Tedder e Spaatz. Todos assinaram osdocumentos de rendição às 0h28. Com arendição incondicional da Alemanhanazista, a parte européia da SegundaGuerra Mundial foi finalmente encerradaàs 23h01 de 8 de maio de 1945.Embora não tenha se passado muitotempo entre as várias assinaturas, isso

deixou uma importante brecha para quecentenas de milhares de soldadosalemães fizessem uma marchacontrolada para oeste para se render aosahados ocidentais. Além disso aKriégsmarine também pôde evacuarsuas posições no Báltico na mesmadireção.Os exércitos ahados exerceram seudireito de perseguição e perseguiram asforças alemãs, ocupando territórios bemapós a linha de demarcação. Essa linhahavia sido delimitada no Tratado deYalta e, para se ter uma idéia,Montgomery avançou por cerca de 45milhas - quase noventa quilômetros -enquanto Bradley, por aproximadamentecento e vinte e cinco milhas - quase

duzentos e quarenta quilômetros.No dia seguinte, depois de assinarem asrendições oficiais, Stalin insistiu naexecução imediata dos acordos de Yaltae exigiu a volta das tropas ocidentaispara trás da linha demarcada. A NKVD,agência soviética de inteligência, estavaem processo de eliminação de qualquerpossível oposição ao estabelecimentodo regime comunista na Europa doLeste, e os exércitos aliados ocidentaispoderiam ser um entrave nesseprocesso.Naquelas circunstâncias, Churchillescreveu, em 4 de junho, para o novopresidente dos Estados Unidos, HarryTruman, indicando que a retirada dosexércitos ocidentais para as linhas de

demarcação não deveria ser executadasem terem sido resolvidas váriasquestões entre as grandes potências.Alguns dias depois, o apreensivoChurchill se viu obrigado a escrevernovamente devido ao comportamentodas autoridades de ocupação na Áustriae à interferência das missões daspotências ocidentais. Truman ignorou osargumentos de Churchill e decidiu que oexército americano iniciaria sua retiradaem 21 de junho, enquanto os chefesmilitares fariam a ocupaçãoquadripartite de Berlim eestabeleceriam o acesso a ela porestrada, trem e ar. Em 15 de julho de1945, quando a conferência de Potsdamhavia começado, o Exército Vermelho já

tinha tomado posições avançadas.Vez por outra eu me deparo com algumsaudosista da extinta União Soviética,com alguém que se diz seguidor dadoutrina comunista ou, ainda, comalguém que é contra os regimes ditosocidentais. A eles faço apenas umapergunta: por que nunca ninguém tentoufugir da Alemanha Ocidental para aOriental, mas sempre o inverso?Se não puderem responder à minhapergunta, então deixo outra, maiscuriosa: por que o antigo nome daAlemanha Oriental era RepúblicaDemocrática Alemã?Churchill já previa o que aconteceria epor isso, em relação ao recuo forçado

dos exércitos aliados, disse:"Foi uma decisão fatal".

CAPÍTULOLXXVI

Se os fatos não se encaixam nateoria, mude os fatos.Albert Einstein

Segundo dizem, Einstein morreu triste.Alguns dizem que foi por ter contribuídodecisivamente com uma super arma quematou centenas de milhares deinocentes. Mas nada o deixou mais tristedo que a carta da senhora Sarah,recebida no final de 1942. Ali ela

contou que ficara hospitalizada porvárias semanas e, ainda pior, contoucomo seu marido havia sido brutalmentetratado e, por fim, assassinado. Einsteinsabia, claro, que a desnecessária mortede seu amigo Isaiah era culpa sua, e atéo final de seus dias não conseguiu seperdoar.Einstein, conforme suas ordensexpressas, foi cremado após a morte.Diz-se que junto a si também foramqueimados um ou mais de seus projetos,para os quais ele considerava que ahumanidade não estava preparada. Paraaumentar as suspeitas, suas cinzas foramcolocadas em local desconhecido.Seu cérebro foi preservado em umajarra pelo doutor Thomas Stoltz Harvey,

o patologista que executou a autópsia emEinstein. Harvey declarou:"Não encontrei nada incomum nocérebro".Mas em 1999, análises posteriores feitaspor uma equipe da UniversidadeMcMaster revelou a ausência doopérculo parietal. A natureza semanifestou e, para compensar o espaçovazio, fez com que o lobo parietal deEinstein fosse quinze por cento maior doque o normal. A região inferior parietalé responsável pelo raciocíniomatemático, cogníção espaço-visual epelo imaginário do movimento.Por alguns anos tudo isso foiclassificado como lenda e, com exceção

da morte de Einstein e da preservaçãode seu cérebro, tudo o mais foio f i c i a l m e n t e desmentido, porconveniência.Mas a maior lenda sobre Einstein temganhado muita repercussãorecentemente. Acontece que, durante aSegunda Guerra Mundial, foi conduzidauma experiência na base naval daFiladélfia. Em inglês, escreve-seFiladélfia com Ph, e a abreviação paraexperimento ou experiência écomumente adotada como X Daí essaexperiência ficou conhecida como PX.A experiência também foi conduzida nomar e, por pelo menos uma vez, sob avista do USS Andrew Furuseth, umnavio da marinha mercante, e de outros

navios de observação. O AndrewFuruseth é especialmente importanteporque um de seus marinheiros é a fonteda maior parte do material disponível nainternet, bem como outros textos e atémesmo documentários na televisão arespeito do PX.Carlos Allende escreveu uma série deestranhas cartas para o doutor Morris K.Jessup na década de 1950, nas quais dizele ter testemunhado pelo menos umadas diversas fases do ExperimentoFiladélfia.O Projeto Arco-íris foi, conformealegado, uma experiência conduzida emum pequeno navio da classe destróierdurante a Segunda Guerra Mundial, tantona base naval da Filadélfia quanto no

mar. O objetivo era fazer o navio setornar invisível à detecção inimiga. Hádivergências quanto ao real objetivo doprojeto, se apenas tornar o navioinvisível ao radar ou se realmentevisualmente invisível.De qualquer modo, se acredita que omecanismo envolvia a geração de umcampo magnético de força monstruosaao redor do navio, que causaria arefração ou a curvatura da luz ou dasondas de radar, efeito parecido ao deuma miragem criada pelo ar aquecidoem uma estrada, durante um dia muitoquente.Dizem que a experiência foi umcompleto sucesso.

Exceto por algo que não saiu como oprevisto. O navio teria desaparecidofisicamente por alguns instantes e depoisretornado. Eles queriam tirar o navio devista, mas tudo indica que, em vez disso,desmaterializaram e teletransportaram odestróier.Alega-se que o Experimento Filadélfiaera, parcialmente, uma investigação daTeoria Unificada da Gravitação eEletricidade, de Albert Einstein. E queessa teoria foi utilizada nodesenvolvimento de camuflagemeletrônica para navios no mar. Einstein,de fato, publicou sua Teoria Unificadaentre 1925 e 1927, após uma viagem denavio à América Latina. A primeirapublicação foi em alemão, em um jornal

científico, mas foi posteriormenteretirada por estar "incompleta".Essa pesquisa focou o uso de um intensocampo eletromagnético, formado paramascarar um navio contra projéteis queestivessem vindo em sua direção,principalmente torpedos pela água. Issofoi, posteriormente, estendido paraincluir um estudo para se criarinvisibilidade no radar por um camposimilar no ar, em vez de na água.A história começa em junho de 1943,com o USS Eldridge, destróier deescolta, sendo carregado com toneladasde equipamento eletrônico experimental.Isso incluiu, de acordo com uma fonte,dois enormes geradores de 75 KVAcada, montados onde estaria o canhão de

proa, distribuindo sua energia por quatroespirais magnéticas montadas no convésdo navio. Havia ainda mais uma série deequipamentos para conseguir gerar oscampos eletromagnéticos, que seriamcapazes de desviar a luz e as ondas derádio ao redor do navio, tornando-oassim invisível a observadoresinimigos.Às 9h do dia 22 de julho de 1943, aenergia dos geradores foi ligada e oscampos magnéticos começaram a seformar. Uma neblina esverdeada foivista envolvendo o navio devagar,bloqueando sua imagem. Então a próprianeblina desapareceu, levando o Eldridgecom ela, deixando apenas água paradaonde o navio estava ancorado momentos

antes.Oficiais de elite da Marinha e cientistasenvolvidos observaram atônitos seumaior triunfo: o navio e a tripulação nãoestavam apenas fora do radar, mas eramtambém invisíveis oticamente. Tudofuncionou como planejado, e cerca dequinze minutos depois eles ordenaramaos homens para que desligassem osgeradores. A neblina esverdeadalentamente reapareceu, e o Eldridgecomeçou a reaparecer, mas era evidenteque algo dera errado.Quando abordada pelo pessoal da costa,a tripulação no convés parecia estardesorientada e com náuseas. A Marinharemoveu a tripulação e logo em seguidaconseguiu sua reposição. A Marinha,

precavida, decidiu que apenasbuscariam invisibilidade contra radar eo equipamento foi alterado.No dia 28 de outubro de 1943, às 17h15,o teste final no Eldridge começou. Osgeradores de campo magnético foramligados novamente e o Eldridge ficouquase invisível aos olhos humanos.Percebia-se apenas uma tênue linha nocontorno do navio. Tudo esteve bem nosprimeiros segundos e então, em umofuscante flash azul, o naviodesapareceu completamente. Emsegundos, reapareceu milhas distante,em Norfolk, Virginia, onde foi visto porvários minutos. O Eldridge entãodesapareceu de Norfolk tãomisteriosamente quanto tinha chegado e

reapareceu novamente na base naval deFiladélfia. Só que, dessa vez, a maioriados marinheiros estava gravementedoente. Alguns deles simplesmentedesapareceram e nunca mais foram,vistos. Alguns enlouqueceram mas omais estranho de tudo é que cincohomens ficaram fundidos na estrutura demetal do navio.Os sobreviventes nunca mais foram osmesmos e foram descartados comomentalmente inúteis para o serviço, adespeito de sua real condição.Então, aquilo que começou como umaexperiência eletrônica de camuflagemterminou como o teletransporte acidentalde todo um navio e de sua tripulaçãopara uma localidade distante e posterior

retorno, tudo em questão de minutos.Apesar de tudo isso parecer fantástico,deve-se lembrar que, em 1940, umabomba atômica também parecia serfantástica.Esse é o projeto PX, como se conheceem nossos dias. Alguns detalhes têmsido acrescentados quando certas fontesdizem ter-se "lembrado de algo"acontecido durante sua própriaparticipação no projeto, após anos delavagem cerebral para remover taismemórias. Mais recentemente houvevárias reportagens sobre esse caso atémesmo em canais ditos sérios datelevisão.

CAPÍTULOLXXVII

O coronel Franz von Wiesen eracandidato certo ao julgamento de crimesnazistas, feito em Nuremberg após otérmino da guerra. No entanto, escapoupor ter sido morto em Berlim nosúltimos dias da guerra, em maio de1945, junto a outros fanáticos que aindalutavam desesperadamente pela cidade.Não houve, entretanto, julgamento paraos assim alegados crimes de guerra dospaíses aliados. Isso incluiria o ataque acivis - que já havia sido definido como

crime de guerra por leis internacionais -tais como os bombardeios de Dresden eTóquio, ou o Incidente Lacônia, quandosubmarinos com a Cruz Vermelha foramatacados, ou ainda os maus tratos aprisioneiros de guerra.A credibilidade dos julgamentos deNuremberg, entretanto, não foi afetada.Mas o espírito da época foi bemrefletido em Nuremberg: uma guerralonga, brutal e enormemente custosa foiganha, e o lado que perdeu não poderiaesperar simplesmente abandonar odesastre que eles mesmos criaram.Von Wiesen teria tido, afinal, mais umapunição exemplar dada pelos paísesaliados aos perdedores da guerra.Falando nisso, Johannes Stark, físico

nazista laureado com o Prêmio Nobel,que denunciara o projeto de Einstein aosagentes da Gestapo, foi levado ajulgamento no fim da guerra. Foideclarado culpado em julho de 1947,como "grande criminoso", e condenadoa quatro anos de trabalhos forçados,embora a sentença fosse suspensa maistarde. Morreu em 1957, em suapropriedade na Baviera.John Wislow casou-se com Bertha Lochem 18 de maio de 1946. Amboscontinuaram a trabalhar na embaixadados Estados Unidos no Rio de Janeiro eespecializaram-se como brasilianistas.Depois de fortes indícios de que teriamparticipado do movimento que culminouna queda e suicídio de Vargas, em 1954,

ambos deixaram, convenientemente, oserviço secreto no Rio de Janeiro evoltaram para os Estados Unidos.Curiosamente o casal foi mais uma vezdesignado para trabalhar na embaixadado Rio de Janeiro, no final de 1962,dessa vez apenas como civis. Mas apóso golpe de março de 1963, uma manobrapolítica fez com que eles fossemdefinitivamente aposentados do serviçopúblico. John foi trabalhar comconsultoria em segurança e Bertha foi,afinal, exercer de fato a profissão deprofessora de línguas.A senhora Sarah faleceu em paz nadécada de 1960 e está enterrada ao ladode seu marido no Rio de Janeiro. Nãotiveram filhos mas a comunidade judaica

brasileira, reconhecida, faz homenagensfreqüentes ao casal.A também professora Lourdes e seumarido, o pescador José Carlos, vivematé hoje na mesma casa. Quando aprofessora Lourdes voltou da cidade,contou a seu marido como resolverabem a questão da misteriosa pasta.Depois daquele dia nunca mais falaramnela. Ambos se aposentaram e vivemuma vida tranqüila. Vez por outra osenhor José Carlos, até hoje, ainda saipara pescar no mar com seus amigos.Quando vai comprar isca para apescaria, o vendedor utiliza jornal velhopara embrulhar camarão, a iscautilizada. Em uma dessas idas àpeixaria, o camarão veio embrulhado,

caprichosamente, com a foto de umsenhor com bigode e cabeleira brancos.O jornal era de algum mês do princípiode 2005 mas a foto era antiga, em pretoe branco, tirada há mais de cinqüentaanos antes. Embaixo da foto havia umnome: Albert Einstein. Curioso, o senhorJosé Carlos ajeitou os óculos - sim,agora precisava de óculos para enxergarde perto - e, orgulhoso, mostrou queaprendera a ler. Leu algumas linhassobre o homem da foto, que contavamter sido ele o "maior cientista do séculopassado" e que no ano corrente, 2005, éfeita a comemoração do "AnoMiraculoso de Einstein". Um poucofrustrado, o senhor José Carlos nãoentendeu direito o que o artigo falava

sobre Física mas entendeu bem aimportância daquele homem. Passou osdedos sobre a foto do jornal e pensouconsigo mesmo:"Este é o mais próximo que eu chegariade algo vindo de um homem tãoimportante como ele."

FIM