O Que e a Justica Segundo Kelsen

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O QUE A JUSTIA, SEGUNDO KELSEN

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O QUE A JUSTIA, SEGUNDO KELSEN

1. O QUE JUSTIA? um breve histrico do tema.

Pilatos pergunta a Jesus, o que a verdade? Ele no responde. Ele veio para dar testemunho da justia.

E esta pergunta persegue a humanidade: o que a justia?Nunca encontrar uma resposta definitiva; dever apenas tentar perguntar melhor.

A JUSTIA COMO UM PROBLEMA DE RESOLUO DE CONFLITOS DE INTERESSES OU DE VALORES.1. Todo homem busca a felicidade. No podendo encontr-la sozinho, busca-a na sociedade.

O justo feliz, o injusto infeliz. O que a felicidade?

2. A felicidade de um pode entrar em conflito com a felicidade de outro. Dois rapazes, por exemplo, gostam da mesma garota. Um ter que renunciar, s o outro ser feliz. Nenhuma ordem social poder solucionar este problema de uma forma justa, de maneira que ambos possam ser felizes. A natureza tambm no justa: a um d sade, a outro, doena; a um, inteligncia, a outro, poucas luzes. Nenhuma ordem social poder compensar totalmente as injustias da natureza.

3. Se a justia felicidade, ento uma ordem social justa impossvel, enquanto justia significar felicidade individual. Uma ordem social justa aquela que procurar proporcionar a maior felicidade possvel ao maior nmero possvel de pessoas, num sentido objetivo-coletivo, ou seja, entendendo por felicidade a satisfao de certas necessidades reconhecidas como tais pela autoridade social - o legislador -, como a necessidade de alimentao, vesturio, moradia e equivalentes.

4. preciso tambm uma metamorfose no conceito de liberdade individual (como ausncia de controle ou de governo). O conceito de liberdade deve aceitar a importncia de uma forma especial de governo. Liberdade deve significar: governo pela maioria, se necessrio contra a minoria de sujeitos governados. Portanto, justia se torna o princpio que garante a felicidade individual de todos em ordem social que protege interesses reconhecidos como dignos dessa proteo pela maioria dos subordinados a essa ordem. (Aqui, eu perguntaria: dessa forma que se justifica, por exemplo, o extermnio nazista dos judeus, homossexuais, ciganos etc., porque a maioria queria isso e, portanto, sustentava um governo que pensava e agia assim?)

5. Mas, quais interesses humanos tm esse valor e qual a hierarquia desses valores? No h soluo racional para o conflito. A soluo est no mbito da emoes, possuindo um carter subjetivo e, portanto, relativo.

HIERARQUIA DE VALORES6. Um exemplo: Posso matar, em estado de guerra? Se o valor maior for a vida, no; se o valor maior for a honra da nao, sim. No a razo que resolve o conflito de interesses.

7. O conflito se resolve na hierarquia de valores, que subjetiva, vlida para quem julga. Nas cincias naturais, fazemos juzos de realidade (os metais se expandem sob a ao do calor); nas cincias humanas, fazemos juzos de valor.

8. O valor maior o planejamento da economia, para o bem da maioria, ou a livre iniciativa? A deciso valorativa.

9. O mdico revela ou no ao paciente que sua doena terminal? Se o seu valor maior for o apego verdade, sim; se seu valor maior for a compaixo, no.

10. Para Plato, s o justo feliz. E justo, aquele que se comporta de acordo com a lei. O governo precisa convencer o cidado disso, mesmo que fosse mentira, seno ningum obedeceria s leis e teramos o caos, pior do que tudo.

11. A resposta a todas as questes acima apresentadas depender de um juzo de valor que depende de quem julga e que, portanto, subjetivo e relativo.

A JUSTIA COMO UM PROBLEMA DE JUSTIFICAO DO COMPORTAMENTO HUMANO.

12. O fato de juzos de valor serem subjetivos, no significa que cada indivduo tenha, necessariamente, seu prprio sistema de valores. Em determinadas pocas ou lugares h concordncia coletiva a respeito de certos valores. So esses que se impem sociedade.

13. Os homens buscam justificar e racionalizar suas escolhas e sua conduta. E, assim, sua hierarquia de valores adquire um carter absoluto, para que ele encontre sentido nas suas aes.

14. A relao entre causa e efeito, meio e fim, ainda no est clara nas cincias humanas. Por isso, o legislador tem dificuldade ao escolher os meios para atingir os fins. Priso ou pena de morte (causa, meios) para diminuir a criminalidade (efeito, fim). A racionalizao a busca de um fim ltimo para dar significado s nossas aes.

15. Pergunta-se ainda: esse fim ltimo justificvel?

16. Nossa conscincia pode exigir uma justificao incondicional, absoluta. Por meios racionais, essa justificao no possvel.

17. A necessidade de justificao absoluta, contudo, parece ser mais forte que qualquer reflexo racional. Por isso, o homem busca na religio ou na metafsica essa justificao, isto , a justia absoluta... desloca-se para o mundo transcendental.PLATO E JESUS18. Para Plato, o que a justia? depende da resposta pergunta o que o BEM?. A resposta est no mundo das idias, das essncias verdadeiras. Mas, racionalmente, ningum consegue atingi-lo. uma sabedoria revelada a poucos, na vida mstica e que no conseguem transmiti-lo aos outros. o mistrio.

19. No possvel conhecer os mistrios de Deus de forma racional. Para Paulo Apstolo, a sabedoria deste mundo insensatez diante de Deus. Como compreender a palavra de Jesus de que devemos amar nossos inimigos, se Deus castiga no fogo eterno os pecadores? um mistrio da f (e no da razo).

AS FRMULAS VAZIAS DA JUSTIA20. Tentativas racionais de dar resposta pergunta o que justia? Uma delas: dar a cada um o que seu. Mas, o que seu? Onde encontrar essa resposta? Depende do que o ordenamento social reconhece como sendo seu ou de outro.

21. Outra tentativa: o bem, paga-se com o bem; o mal, com o mal. Mas, o que bom, o que mau? Pode-se basear no Direito, para se aplicar o princpio da retaliao. Mas, onde encontrar a justificao para a JUSTIA do Direito?

22. O princpio da retaliao pressupe o princpio da igualdade. Todos so iguais por natureza, devendo, portanto, serem tratados com igualdade, inclusive na retaliao. Contudo, os homens no so iguais, por natureza: adultos e crianas, loucos e sos... Que diferenas devem ser levadas em considerao: homens e mulheres, por exemplo? Esse princpio , portanto, vazio para determinar o contedo de uma ordem jurdica.

23. Pode-se dizer, ento, que se trata de igualdade perante a lei. Mas esse apenas o princpio da legalidade ou juridicidade. Quem me garante se essa ordem jurdica justa ou injusta?

24. Dar a cada um segundo o que produz? Marx questiona isso: os homens no iguais na sua capacidade de produo. Para Marx, justia significa cada um produza de acordo com suas capacidades e receba de acordo com suas necessidades. Qu necessidades? S uma ordem social positiva poder determinar isso. Ento a formulao seria a seguinte: cada um conforme suas capacidades, reconhecidas pela ordem social comunista; a cada um conforme suas necessidades, determinadas por essa mesma ordem.25. O que queres que te faam, faze-o tu tambm aos outros. Em outras palavras: no inflija dor ao outro, mas concede-lhe o prazer. No entanto, ocorre, com demasiada freqncia que um homem sinta prazer em provocar dor no outro. Que fazer com o violador dessa regra? No se poderia castigar ningum. Devo comportar-me de acordo com a expectativa do outro. Mas, como descobrir a expectativa do outro? Atravs do ordenamento social, jurdico? Mas, como justificar esse ordenamento jurdico? exatamente isso que queremos saber.

KANT

26. Para Kant, a base o ordenamento jurdico est no imperativo categrico: Aja somente de acordo com a mxima que voc possa desejar que se transforme em lei geral. Em outras palavras, o comportamento humano bom e justo se for determinado por normas que o homem, ao agir, pode ou deve esperar que sejam obrigatrias para todos. Mas, quais so essas normas que podemos esperar e desejar que sejam obrigatrias para todos?

27. O imperativo categrico de um povo ou de uma poca no podem ser diferentes dos outros? Justamente isso que estamos querendo descobrir.

ARISTTELES

28. Descobre-se, segundo Aristteles, o conceito de Justia atravs do conceito de virtude. A virtude pode ser descoberta de forma racional, cientfica. Virtus in medio. A virtude um ponto eqidistante entre dois extremos de uma linha, a falta e o excesso. A coragem, por exemplo, est entre a covardia (escassez de valentia) e a temeridade (excesso de valentia). Mas, como definir os extremos para achar o meio. Os extremos j esto pr-definidos. Eu vou responder o que bom? atravs do conhecimento pr-determinado do que mau? Mas, justamente isso que estamos procurando. Bom aquilo que est de acordo com a ordem social vigente? Isso tautolgico!

29. A justia a maior das virtudes, para Aristteles. Comportamento justo o meio-termo entre praticar o injusto e sofrer o injusto. Eu vou definir justia apenas pela definio de injusto? Mas, fica a questo o que injusto? Vou encontrar resposta na ordem social vigente? Novamente tautolgico.

O DIREITO NATURAL30. Escola do Direito Natural, sculos XVII e XVIII, abandonada no sculo XIX, e retomada no sculo XX. A fonte do direito justo a natureza do homem, como ser dotado de razo. A natureza o legislador. Encontra-se a resposta na origem divina da natureza humana ou na prpria razo do homem. O dever-ser no pode derivar-se do ser (natureza), nem da razo, pois o dever-ser fruto da vontade. A razo humana pode compreender e descrever, no prescrever.

31. Os vrios adeptos da doutrina do Direito Natural deduziram princpios de justia extremamente diversos entre si. Por exemplo: Absolutismo de Hobbes e a Democracia de Locke. Pode-se comprovar tudo e, portanto, nada.

ABSOLUTISMO E RELATIVISMO32. Tm sido vos os esforos de encontrar uma fonte absoluta, inquestionvel para se definir o que justo ou injusto. Justia absoluta um ideal irracional. H apenas interesses humanos e esses so conflitantes. No h como resolv-los sem uma escolha prvia. Essa escolha depende de valores. Valores so relativos.

33. Qual a moral dessa justia relativista? Ela amoral? No. O princpio moral que fundamenta uma doutrina relativista de valores o princpio da tolerncia, no mbito de um ordenamento jurdico positivo, que garanta a paz entre os submetidos a essa justia, proibindo-lhes o uso de qualquer violncia, porm no lhes restringindo a manifestao pacfica de opinies.

34. Uma vez que democracia, de acordo com sua natureza mais profunda, significa liberdade e liberdade significa tolerncia, nenhuma outra forma de governo mais favorvel cincia que a democracia. A cincia s pode prosperar se for livre... nenhuma doutrina pode ser reprimida em nome da cincia, pois a alma da cincia a tolerncia.No consegui definir o que justia? Posso satisfazer-me apenas com a justia relativa que, para mim, a justia da liberdade, da paz, da democracia, da tolerncia.

Este trabalho apenas uma sntese de um captulo do livro de Kelsen para incio de estudos.

KELSEN, Hans. O que justia?: a justia, o direito e a poltica no espelho da cincia. Trad. Lus Carlos Borges. So Paulo: Martins Fontes, 1997. Captulo I, O que justia? , 1-25

Texto elaborado por Joo Virgilio Tagliavini www.virgilio.com.br