O Que Ha Em Um Nome

32
253 Linguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 2009 O que há em um nome? O estado-da-arte da autonomia na aprendizagem de línguas Augusto César Luitgards Moura Filho Universidade de Brasília Resumo: O interesse em abordagens que envolvam a autonomia do aprendiz 1 na aprendizagem de línguas continuará a crescer devido à necessidade de reconhecer-se, cada vez mais, a importância das vozes e das escolhas dos aprendizes no processo de aprendizagem. Neste artigo, apresentamos, inicialmente, as origens históricas da aprendizagem autônoma, o desenvolvimento do conceito de autonomia e as implicações deste na aprendizagem de línguas estrangeiras. Em seguida, desenhamos um “estado-da-arte” desse princípio pedagógico. O texto aborda, também, questões relativas ao treinamento de aprendizes, aos papéis do professor e ao perfil do aprendiz autônomo como uma contribuição aos interessados em conhecer mais esse assunto. Palavras-chave: autonomia; auto-instrução; aprendizagem de língua estrangeira. La véritable autonomie n’est pás celle que mène à être seul, libre et indépendant. La véritable autonomie est celle qui vise à être responsable et solidaire. Hoffman-Gosset INTRODUÇÃO O dinamismo da chamada sociedade do conhecimento 2 (Jarvis et al., 2001) exige a busca de alternativas educacionais diferenciadas do tradicional modelo, que atribuía unicamente ao professor a responsabilidade pela aprendizagem, aponta a construção solidária do conhecimento por professores e alunos como algo inevitável e realça a importância de o aprendiz assumir papéis de destaque no seu processo de aprendizagem. Diante desse quadro, a autonomia na aprendizagem configura-se como uma abordagem altamente adequada. Por isso, este texto propõe-se a preencher eventuais lacunas no conhecimento de professores e 1 Para conferir fluidez à leitura do texto, optamos por usar o masculino genérico, com a ressalva de que as menções em tal gênero representam homens e mulheres. 2 Sociedade onde a criação, o compartilhamento e o uso do conhecimento são fatores indispensáveis à prosperidade e ao bem-estar das pessoas.

description

Linguística Aplicada

Transcript of O Que Ha Em Um Nome

253Augusto Csar Luitgards Moura FilhoLinguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 2009O que h em um nome? O estado-da-arteda autonomia na aprendizagem de lnguasAugusto Csar Luitgards Moura FilhoUniversidade de BrasliaResumo:Ointeresseemabordagensqueenvolvamaautonomiadoaprendiz1naaprendizagem de lnguas continuar a crescer devido necessidade de reconhecer-se, cadavez mais, a importncia das vozes e das escolhas dos aprendizes no processo de aprendizagem.Neste artigo, apresentamos, inicialmente, as origens histricas da aprendizagem autnoma,o desenvolvimento do conceito de autonomia e as implicaes deste na aprendizagem delnguasestrangeiras.Emseguida,desenhamosumestado-da-artedesseprincpiopedaggico. O texto aborda, tambm, questes relativas ao treinamento de aprendizes, aospapisdoprofessoreaoperfildoaprendizautnomocomoumacontribuioaosinteressados em conhecer mais esse assunto.Palavras-chave: autonomia; auto-instruo; aprendizagem de lngua estrangeira.La vritable autonomie nest ps celle que mne tre seul, libre et indpendant. La vritable autonomie est cellequi vise tre responsable et solidaire.Hoffman-GossetINTRODUOOdinamismodachamadasociedadedoconhecimento2(Jarvisetal.,2001)exigeabuscadealternativaseducacionaisdiferenciadas do tradicional modelo, que atribua unicamente aoprofessoraresponsabilidadepelaaprendizagem,apontaaconstruosolidriadoconhecimentoporprofessoresealunoscomo algo inevitvel e reala a importncia de o aprendiz assumirpapis de destaque no seu processo de aprendizagem. Diante dessequadro,aautonomianaaprendizagemconfigura-secomoumaabordagem altamente adequada. Por isso, este texto prope-se apreenchereventuaislacunasnoconhecimentodeprofessorese1Para conferir fluidez leitura do texto, optamos por usar o masculino genrico, coma ressalva de que as menes em tal gnero representam homens e mulheres.2Sociedade onde a criao, o compartilhamento e o uso do conhecimento so fatoresindispensveis prosperidade e ao bem-estar das pessoas.254 Linguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 2009O que h em um nome? O estado-da-arte da autonomiaaprendizes, apresentando um estado-da-arte dos estudos sobreo tema. Visa instrument-los quanto s possibilidades oferecidaspela autonomia na aprendizagem de lngua, aos conceitos atribudosautonomiapelosestudiososdotemaaolongodoprocessodeconstruo da base de conhecimentos sobre ela, s dimenses nelaenvolvidas,aotreinamentodeaprendizesparaaautonomia,ressignificao do papel do professor e s expectativas em torno doaprendiz autnomo.A AUTONOMIAA busca de autonomia na aprendizagem no um fenmenorecente. Segundo Macaro (1997, p.167), j no estudo dos clssicoseramempregadosprincpiosdeautonomiaparafacilitaramemorizao de longos trechos de poemas.Aautonomiatem,conformeMacaro(ibid.,p.167),suasorigens ligadas a vrias culturas e, como conseqncia, tem sidonomeada e interpretada de diferentes formas. O autor refere-se aelacomoaprendizagemindependente,aprendizagemflexveleaprendizagem centrada no aprendiz. Apesar de terem em comuma caracterstica da descentralizao do processo de aprendizagem,essesconceitosguardam,deacordocomMacaro(ibid.,p.167etseq.),diferenassignificativasentresi.Aaprendizagemindependente,porexemplo,baseia-senanecessidadededesenvolverem-seestratgiasdeaprendizagemdelongoprazo,que sero utilizadas pelo aprendiz, no presente ou no futuro, emsituaes em que no haja um professor. A aprendizagem flexvel,por sua vez, relaciona-se ao imperativo de o aluno alcanar umaampla variedade de resultados, tais como habilidades de tomadade iniciativa na aprendizagem, de estudo e de trato com informaes.Aaprendizagemcentradanoaprendiztemseusprincpiosnasteoriasdasdiferenasindividuaisdosaprendizesepropeumambientedeaprendizagemquesatisfaa,omaispossvel,essasdiferenas.BensoneVoller(1997,p.4)asseguramque,apesardeaautonomiapossuirrazeshistricastantonafilosofiaocidentalquanto na oriental, a vertente ocidental que exerce maior influnciasobreosestudosdosprocessosdeaprendizagemautnomadeidiomas. Da leitura de Esch (1996, p.46-47), depreendemos que, na255Augusto Csar Luitgards Moura FilhoLinguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 2009vertenteoriental,aautonomiaenvolvesoluescoletivaseadependncia mtua entre os aprendizes, enquanto que, na vertenteocidental, ela enfatizada sob a perspectiva oposta.Na sociedade contempornea, o incremento da investigaosobre a autonomia como um objetivo educacional relaciona-se smudanas ocorridas no sculo XX, em Cincias Sociais, Filosofia,Psicologia e Cincia Poltica. Pemberton (1996, p.1) afirma que ointeresse em desenvolver a autonomia na aprendizagem de lnguasest presente, em menor ou maior grau, nos currculos de vriospases.Segundooautor,essatendnciarelaciona-seaosmaisvariados fatores: mudanas operadas na filosofia da educao, nateoriadaaprendizagemdelnguasenasconvicespolticas;adaptao s rpidas transformaes ocorridas na educao, nascomunicaes e no mercado de trabalho; o reconhecimento de queaprenderaaprenderagoramaisimportantedoqueoconhecimento;easoportunidadesdisponibilizadaspelosdesenvolvimentos tecnolgicos para expandir o acesso educaoe, ao mesmo tempo, cortar custos.Gremmo(1995,p.152)nomeiaumasriedefatorestidoscomoresponsveispeloaumentodeinteressenovnculoentreautonomia e objetivo educacional:1) os movimentos pelos direitos das minorias;2)osmovimentosdereaocontraobehaviorismonaMedicina, poltica, msica, poesia, Psicologia, Educao, Filosofiae Lingstica;3)aemergnciadaautonomiacomoumainspiraoeducacional, exercendo influncia direta na educao de adultosna Europa;4) os desenvolvimentos tecnolgicos, que contriburam paraa difuso da autonomia e do auto-acesso;5) a crescente internacionalizao ocorrida desde a SegundaGuerra Mundial;6)aexistnciadediferentesnecessidadesdosaprendizesadultos,quedemandamprogramaseducacionaisflexveis,comvariados graus de foco no aprendiz e na autodireo;7)acomercializaodemuitasalternativasdematerialdidtico, associada ao movimento de intensificao dos direitos doconsumidor, alando os aprendizes condio de consumidores,que fazem escolhas seletivas no mercado;256 Linguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 2009O que h em um nome? O estado-da-arte da autonomia8)oaumentodaspopulaesescolareuniversitria,encorajando o desenvolvimento de novas estruturas educacionaispara se lidar com grandes nmeros de aprendizes. Algumas formasde aprendizagem autodirigida, com suporte institucional na formade aconselhamento e centros de auto-acesso, foram consideradasimportantes.A origem da associao entre autonomia e aprendizagem deidiomas,talcomoaconhecemosatualmente,situa-se,segundoBenson (2001, p. 8), no Projeto Lngua Moderna da Europa (EuropesModern Language Project), iniciado em 1971. Uma das iniciativasdesse projeto foi a criao do Centro de Pesquisas e de Aplicaesem Lnguas Estrangeiras (Centre de Recherches et dApplicationsen Langues CRAPEL), cujo fundador, Yves Chlon, considerado,conforme Benson, o pai da autonomia na aprendizagem de lnguas.Aps a morte prematura de Chlon, a liderana do CRAPEL ficoucomHenriHolec,quepermanececomofiguraproeminentenocampodaAutonomia.FoiHolecqueproduziu,em1981,umrelatrioparaoConselhoEuropeu,documentofundadordaassociao entre autonomia e aprendizagem de lnguas.O que dizem as definiesOs estudos um tanto quanto recentes sobre autonomia naaprendizagemdeidiomasaindacarecemdemaioresdebatestericos. Uma das caractersticas dessa carncia constatvel nasdefinies de autonomia disseminadas por pesquisadores.SegundoBensoneVoller(1997,p.1-2),aexpressoautonomia de aprendizagem tem sido utilizada, no mnimo, nasseguintes acepes:1)situaesnasquaisoaprendizestudatotalmenteporconta prpria;2)conjuntodehabilidadesquepodemseraprendidaseaplicadas na aprendizagem autodirigida;3)capacidadeinataquesuprimidapelaeducaoinstitucionalizada;4) exerccio da responsabilidade pelos aprendizes por suaprpria aprendizagem;5) direito dos aprendizes de determinarem a direo de suaprpria aprendizagem.257Augusto Csar Luitgards Moura FilhoLinguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 2009Vejamos algumas dessas definies:[...] autonomia a habilidade de uma pessoa para assumir a suaprpria aprendizagem. (Holec, 1981, p. 3);[...] a idia fundamental em autonomia a de que o aprendiz podecriar seu prprio mundo sem sujeitar-se vontade alheia. (Young,1986, p.19);[...] autonomia descreve a situao na qual o aprendiz totalmenteresponsvel por todas as decises relacionadas com a aprendizageme com a implementao dessas decises. Na autonomia total, nohenvolvimentodeumprofessoroudeumainstituioeoaprendiz,tambm,independentedematerialpreparadoespecialmente para ele. (Dickinson, 1987, p.11);[...] autonomia um estado de constantes mudanas que possui, aqualquerhora,umestadodeequilbrioentreomximoauto-desenvolvimento e interdependncia humana. (Allwright, 1990,p.12);[...] autonomia a capacidade para distanciamento, reflexo crtica,tomada de deciso e independncia de aes. (Little, 1991, p.4);[...] autonomia na aprendizagem , essencialmente, uma questode atitude diante da aprendizagem (Dickinson, 1994, p 4);[...]autonomia,invariavelmente,aproblematizaodepapissociaiserelaesdepoder.Oprocessodeautonomianaaprendizagem,necessariamente,atransformaodoaprendizem um ser social. Em outras palavras, a autonomia transforma noapenasosindivduos,elatransforma,tambm,assituaeseestruturas sociais das quais eles so participantes; (Benson, 1996,p.34);[...]autonomiaopontoemqueosaprendizesdemonstramhabilidadeparausarumconjuntodetticasparaassumirocontrole da aprendizagem. (Cotterall, 1995, p.195);[...]autonomiaahabilidadedeoaprendizassumiraresponsabilidade por sua aprendizagem e , tambm, a habilidadedetomarparasiaresponsabilidadepelaescolhadeobjetivos,contedo,promoo,mtodosetcnicasdeaprendizagem.,tambm, uma habilidade de tornar-se responsvel pelos passos eritmo da aprendizagem e pela avaliao desse processo. (Macaro,1997, p.168);258 Linguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 2009O que h em um nome? O estado-da-arte da autonomia[...]aautonomiabaseadanoprincpiodequeosaprendizesdevemassumiromximoderesponsabilidadeecontrolesobreseus prprios estilos de aprendizagem e estgios fora das restriesda sala de aula tradicional (Johnson; Johnson, 1999, p. 25);[...]autonomiaacapacidadedealgumcontrolarsuaprpriaaprendizagem. (Benson, 2001, p.47);[...] autonomia uma atitude que demonstra que o aluno assumiuresponsabilidadeprpriaporseuprocessodeaprendizagem.(Miccoli, 2005, p.32);[...] autonomia um sistema scio-cognitivo complexo, sujeito arestries internas e externas. Ela se manifesta em diferentes grausdeindependnciaecontrolesobreoprprioprocessodeaprendizagem,envolvendocapacidades,habilidades,atitudes,desejos,tomadasdedeciso,escolhas,eavaliaotantocomoaprendiz de lngua ou como seu usurio, dentro ou fora da sala deaula. (Paiva, 2005).Depreendemosqueasinmerasacepesdeautonomiadecorremdofatonotriodeelaenvolver,porexemplo,acomplexidadeinerenteaosaspectosafetivo,cognitivo,metacognitivoesocialqueaintegram.Aexistnciadetantasdefinies para uma mesma expresso e o fato de algumas delasprivilegiarem uns aspectos da autonomia em detrimento de outrosmotivaram alguns pesquisadores a propor contradefinies e, comisso, contriburam compreenso do fenmeno.Little (1991, p.3) afirma que autonomia:1) no auto-instruo ou aprendizagem sem professor;2) no envolve o banimento das intervenes ou iniciativasdo professor no processo de aprendizagem;3) no algo que os professores fazem para os alunos;4) no um comportamento nico facilmente identificado;5) no um estado estvel que, alcanado pelos aprendizes,dura para sempre.Dickinson(1994,p.3-4)apresenta,tambm,algumascontradefinies de autonomia de aprendizagem:1) autonomia no licena para comportamentos irrestritos.Ela s faz sentido se operar inserida em uma estrutura organizada.Por exemplo: os aprendizes adultos so livres para freqentar ounoaescola,masseelesafreqentarem,devemaceitaras259Augusto Csar Luitgards Moura FilhoLinguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 2009convenes do ambiente e os papis e direitos de todos os atoressociais envolvidos no contexto;2)autonomianobasicamenteumaquestodeespaofsico de aprendizagem. Por exemplo: freqentemente a autonomiavistacomoumaquestolimitadacolocaodoaprendizemisolamento ou em um centro de auto-acesso, pressupondo que oespao fsico determinante na definio de autonomia;3) autonomia no uma ameaa ao emprego dos professores.Aosprofessorescabemnovasfunes,dentreelasestimularosaprendizes e exercer o papel de consultor, apoiando a aprendizagemdos alunos.Ao defender o ponto de vista segundo o qual, devido nossacondiodeseressociais,nossaindependnciaestsemprerelacionadadependncia,enossacondioessencialdeinterdependncia,Little(1990,p.7)contribuicommaisumacontradefinio de autonomia, ao afirmar que o isolamento total caractersticaprincipaledeterminantedoautismoenodaautonomia.A reviso dessas definies e contradefinies de autonomiaconduzaoestudodeLittlewood(1999),oqualdestacaqueosconceitos de autonomia no Ocidente (associando-a, por exemplo, independncia,auto-suficinciaeliberdadedeinterfernciasexternas) tm embasado pesquisadores a sugerirem que os processosautnomosdeaprendizagemtmpoucarelevnciaemcertasculturas. Aps mapear alguns esteretipos, Littlewood esclarece oquolimitadassoalgumasgeneralizaesfeitasarespeitodeaprendizesasiticoseocidentais,asquais,porisso,devemserencaradas com ceticismo. O autor prope buscar-se uma definiodeautonomiacommenosmarcasculturais,quenospossibilitedescobrirnoesteretipos,mastendnciasoupadresgeraisexistentes em diferentes grupos de aprendizes inseridos nas maisdiversas culturas. Particularmente, discordamos dessa proposta,pois consideramos que todo comportamento traz marcas culturaisindelveis.Uma definio culturalmente dependenteAs leituras que realizamos fizeram-nos entender que no hcomo expurgar a influncia dos aspectos culturais sobre a autonomia260 Linguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 2009O que h em um nome? O estado-da-arte da autonomiada aprendizagem e que eticamente reprovvel impor modelosdessamodalidadedeaprendizagemqueafrontemosvalores,crenaseatitudesdosaprendizes.Essevnculoentreculturaeautonomia mostra-se mais evidente quando o examinamos luzdas mltiplas dimenses da autonomia, apresentadas a seguir.As dimenses da autonomiaOutracontribuioimportanteagregadabasedeconhecimentos sobre autonomia na aprendizagem de lnguas aidentificao de trs verses de autonomia realizada por Benson(1997, p.18-34). Essas trs dimenses (tcnica, psicolgica e poltica)relacionam-se,grossomodo,comastrsabordagensdoconhecimento e da aprendizagem mais significativas nas cinciashumanasesociais:oPositivismo,3oConstrutivismo4eaTeoriaCrtica.5Na autonomia tcnica, a aprendizagem da lngua ocorre forade contextos educacionais formais e sem o auxlio de um professor.Segundo Benson (ibid., p.19), nessa verso, a autonomia vista emtermos de situaes nas quais o aprendiz obrigado a assumir aresponsabilidade sobre sua aprendizagem. Seu objetivo principalmuniciaroaprendizcomhabilidadesetcnicasdequeelenecessite para lidar com as situaes que venham a surgir duranteo processo de aprendizagem.A autonomia psicolgica identificada com a capacidadequepermite,aoaprendiz,assumirnveismaioresderesponsabilidade por sua aprendizagem. De acordo com Benson(ibid.,p.19),nessaverso,aautonomiaentendidacomoumatransformao interior, que pode ser apoiada por uma autonomiasituacional, sem se tornar dependente dela.Benson(ibid.,p.19)identificaaautonomiapolticacomocontrole exercido pelo aprendiz sobre os processos e contedos deaprendizagem.Nessaverso,opontoaltoaidentificaodascondies estruturais que permitem, ao aprendiz, controlar tantosua aprendizagem quanto o contexto no qual ela esteja inserida.3Segundo o Positivismo, a linguagem uma representao direta da realidade objetiva.4No Construtivismo, o conhecimento visto como construo de significados.5ParaaTeoriaCrtica,aaprendizagemumprocessodeengajamentonocontextosocial, que acarreta possibilidades de ao poltica e de mudana societria.261Augusto Csar Luitgards Moura FilhoLinguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 2009Aps apresentar suas trs modalidades de autonomia, Benson(ibid. p.32) assume ser mais identificado com o que define comoverso explicitamente poltica de autonomia apoiada pelas teoriascrticas de conhecimento e aprendizagem. Segundo o autor, essanoo expandida da autonomia poltica permite a concepo devrios nveis de engajamento desde uma profunda conscientizaodocontextosocialnoqualocorraaaprendizagememqueoaprendiz esteja includo at o envolvimento direto em mudanassociaisepolticas.Deformasimilar,pode-se,segundoBenson,conceberreasdeatividadenasquaisaautonomiapodeserpromovida em diferentes nveis na escala de engajamento poltico,conforme ilustra a seguinte relao:1) interao autntica com a lngua-alvo e seus falantes;2)trabalhocooperativoemgrupoetomadadedecisescoletivas;3) participao em tarefas com resultados no-definidos;4)aprendizadosobrealngua-alvoesobreseucontextosocial;5) explorao de objetivos de aprendizagem sob os pontosde vista crtico e social;6) criticidade quanto a tarefas e materiais de aprendizagem;7) produo de tarefas e materiais pelos aprendizes;8) controle sobre o gerenciamento da aprendizagem;9) controle sobre o contedo da aprendizagem;10) controle dos recursos;11) discusso e crtica das normas da lngua-alvo.Comaresponsabilidadedeterpropostoessadivisodaautonomia em trs categorias, Benson (ibid. p.19) alerta para o fatodequeelasnoocorremdeformaestanquenosprocessosdeaprendizagem. O autor corrobora sua afirmao mencionando queamaioriadosprocessosdeaprendizagemautnomaenvolvecombinaes de caractersticas inerentes s trs categorias por eleapresentadas.Macaro(1997,p.170-171)propetrssubdivisesdaautonomia que so diferenciadas das trs verses propostas porBenson, conforme podemos observar a seguir:1)autonomiadecompetncialingstica,quepermite,aoaprendiz que detm um razovel domnio da lngua estrangeira,comunicar-se sem o auxlio de um falante mais competente;262 Linguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 2009O que h em um nome? O estado-da-arte da autonomia2) autonomia na competncia de aprendizagem de lnguas,queenvolveodesenvolvimentodoaprendiznosentidodeincrementarereproduzirashabilidadesdeaprendizagemdelnguas para muitas outras situaes, inclusive para uma terceiralngua;3)autonomiadeescolhaeao,caracterizadapelaflexibilizaodepapisemsaladeaula,oquedaosalunosaoportunidade de escolherem habilidades lingsticas compatveiscomseusinteresseseselecionaremasabordagensqueacharemconvenientes ao alcance de seus objetivos pessoais.Aolongodoprocessodeconstruodabasedeconhecimentossobreautonomiadaaprendizagememlnguasestrangeiras, foram nomeadas razes que, segundo vrios autores,justificam a insero de aprendizes em processos de autonomia.Dickinson (1987, p.19), por exemplo, indica cinco dessas razes:1) razes prticas;2) diferenas individuais entre os aprendizes;3) objetivos educacionais;4) motivao;5)necessidadedeaprendercomoaprenderlnguasestrangeiras.Little (1991, p.9-13) identifica o desejo de remover as barreirasexistentes entre a aprendizagem e os aspectos da vida prtica comouma das razes mais importantes para a difuso da autonomia naeducao de adultos. A necessidade de superao dessas mesmasbarreirasmencionadasporLittleumdosprincipaispilaresdaobra de Illich (1971), que uma das resistncias basilares constitudasnos ltimos anos s estruturas tradicionais da educao. SegundoIllich(apudLittle,1991,p.11),aautonomiadoaprendizoresultado lgico de qualquer iniciativa no sentido de tornar as salasde aula e os currculos genuinamente voltados para os interessesdos aprendizes. Para Illich, a educao , inescapavelmente, umprocessopolticoquetemduasvertentes:umapositivaeoutranegativa. A positiva caracteriza-se por ser um meio de dar liberdadeaos cidados para participarem plenamente da sociedade na qualestejaminseridos.Anegativacaracteriza-sepeloempregodasestruturas das barreiras identificadas com a educao tradicionalcomo instrumentos de opresso e manipulao.Cotteral (1995, p.219) retoma a taxinomia das razes propostapor Dickinson nos anos 1980, reclassificando-a da seguinte forma:263Augusto Csar Luitgards Moura FilhoLinguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 2009a) Razes filosficas: a crena de que os aprendizes tm o direitode fazer as escolhas relativas s suas aprendizagens: a necessidadede preparar os aprendizes para um futuro de mudanas rpidas,noqualaindependncianaaprendizagemservitalparaoperfeito funcionamento da sociedade;b) Razes pedaggicas: os aprendizes adultos tm demonstradoqueaprendemmaisefetivamentequandoelessoconsultadossobre dimenses tais como passos, seqncia, modo de instruoe contedos que esto estudando;c) Razes prticas: os aprendizes que esto envolvidos nas escolhasedecisesrelativasaaspectosdaaprendizagemso,provavelmente,osmaissegurosemseusprocessosdeaprendizagem.Benson e Voller (1997, p.6-7) contribuem para o inventriodas razes para implementao da autonomia na aprendizagemcom uma taxinomia que identifica trs tendncias relacionadas educaoemlnguas.Afirmamosautoresqueessastendnciasrefletem-se positivamente na defesa da autonomia do aprendiz:a)Individualizao:aaprendizagemautnomadeidiomastemsidoassociadacomaindividualizaoecomaidiadequeosaprendizestmseusprpriosestilosdeaprendizagem,suascapacidades e suas necessidades;b) Aprendizagem centrada no aprendiz: a aprendizagem centradano aprendiz caracterizada como um movimento distanciado doensinodelnguascomotransmissodeumconjuntodeconhecimentos (a lngua) e que prxima da aprendizagem delnguas como produo ativa de conhecimento. Simultaneamente,h uma tendncia de focar mais em mtodos de aprendizagem doque em mtodos de ensino;c) Crescente reconhecimento da natureza poltica da aprendizagemde lnguas: com esse reconhecimento, termos como ideologia eempoderamentopassamaintegrarovocabulriopadrodateoria da educao em lnguas.Nunan (1997, p.195) presta uma colaborao significativa aoentendimentodosprocessosenvolvendoaautonomiadaaprendizagemdelnguasestrangeirasaoidentificarnveisdeimplantao de autonomia do aprendiz, conforme expe o Quadro 1.264 Linguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 2009O que h em um nome? O estado-da-arte da autonomiaQuadro 1 Nveis de implementao da autonomia.Ao propor esses nveis de implementao da autonomia, oprprio autor (Nunan, op. cit.) esclarece que eles no so estanques,podendo haver ocorrncia simultnea dos cinco, e que tais nveisnotmumaseqnciargida.Empesquisadenossaautoria265Augusto Csar Luitgards Moura FilhoLinguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 2009(MouraFilho,2005),observamosqueoparticipantedela,umaprendiz autnomo muito bem-sucedido, no vivenciou todos osnveis elencados por Nunan (op. cit.).A exemplo da comunidade internacional, o meio acadmiconacional tem mostrado, especialmente na ltima dcada do sculoXX, crescente interesse nos processos e atores sociais envolvidos naaprendizagem autnoma de ingls. A realizao de dois concorridoseventos que tiveram a aprendizagem autnoma como tema umindicador claro da importncia que os estudos sobre autonomiavm assumindo no Brasil. Em julho de 1993, em Porto Alegre (RS),ocorreu o XII Encontro Nacional de Professores Universitrios deLnguaInglesaENPULI,e,emagostode2002,oIIFrumInternacional de Ensino de Lnguas Estrangeiras FILE, em Pelotas(RS).OXIIENPULIdeuorigemaumlivro,publicadonoanoseguinte(Leffa,1994).Oencontrotevecomotnicadiscussessobre os principais aspectos tericos da autonomia do aprendiz, aspossibilidadesdecontribuiodatecnologiaaprendizagemautnoma, a competncia lingstica e os processos psicolgicos doaprendizindependente,idiassobretexto,discursoesugestesprticasparaodesenvolvimentodahabilidadedaescritaemlnguaestrangeira,osvriosaspectosenvolvidosnaleituraeadiversidade de experincias implicadas na aquisio de lnguas.AproduodoIIFILEfoiconsolidadaemumCDRom(Nicolaides,2002).Nocadernoderesumosdoevento(p.7),aComisso Organizadora afirma que, apesar da extrema relevnciadaautonomia,parecequeaimplementaodaaprendizagemautnoma ainda incipiente, o que exige, pois, reflexo e debate deforma a se buscarem as melhores formas de introduzir a autonomiano ensino de lnguas, adaptando-as ao contexto de aprendizagem.OIIFILEcontoucomapresenadeconferencistasbrasileiroseestrangeiros,e,napalestradeabertura,nasconferncias,nosminicursosenascomunicaes,pode-seobservaroaprofundamento terico dos tpicos abordados no XII ENPULI.Soexemplosdesseaprofundamentoaconfernciaapresentadapela professora Joan Rubin sobre maneiras de autogerenciamentona aprendizagem autnoma e o minicurso ministrado pelo professorHilrioBohnsobreaexignciadacooperaonaconstruodosaber lingstico.266 Linguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 2009O que h em um nome? O estado-da-arte da autonomiaO aumento do interesse acerca da aprendizagem autnomadeinglsnomeioacadmiconacionaltraduz-se,tambm,pelaabordagemdotemaemdissertaesdemestradoeemtesesdedoutoradodefendidasporpesquisadoresbrasileiros.Sorepresentativosdessasmodalidadesdeproduoacadmicaostrabalhos de Melo (2000), Souza (2003), Nicolaides (2003) e MouraFilho (2005).Melo (op. cit.) investiga, junto a alunos de um curso de inglsvia WEB, a percepo desses estudantes quanto contribuio queessa nova ferramenta pode oferecer aos processos de aprendizagem.Especificamente, interessa pesquisadora analisar como os alunoslidam com a autonomia que a Internet exige-lhes. Com o suportemetodolgicodeumestudodecasodecarterqualitativo,ficaevidenciado que a maioria dos alunos gostou de utilizar a Internetdurante o curso, mas nem todos souberam operar com os nveis deautonomia requisitados por ele.Souza (op. cit.) busca identificar como se d a conciliaoentre autonomia e colaborao em um contexto de aprendizagemem tandem6 mediado por computador. A realizao de um estudode caso de orientao qualitativa revelou que as divergncias noscontextos envolvendo os aprendizes impactaram a aprendizagem.Essaconstataoindicouqueamodalidadedeaprendizageminvestigadanocontemplainteiramenteoseventostpicosdeprojetos de telecolaborao em situao intercultural. A pesquisaconclui que, para superar o hiato cultural, necessrio que sejamagregadas,aoprocesso,asdimensessociaisinerentesaprendizagem de lnguas e que os aprendizes sejam sensibilizadose instrumentalizados para trabalhar com elas.Nicolaides (op. cit.) tem como contexto de sua pesquisa ocentro de auto-acesso da Universidade Catlica de Pelotas (RS).Nesse ambiente, a autora analisa o desenvolvimento da autonomiade nove futuros professores de ingls. Uma investigao de cunhoetnogrfico revela como esses atores definem suas metas no curso,de que forma concebem seus papis como aprendizes, como buscamsuasmetas,comopreferemtrabalhar(empares,emgruposouindividualmente), como enfrentam as dificuldades que emergemdurante o processo, como se avaliam e como se relacionam com as6Modalidade de aprendizagem que envolve o estabelecimento de parcerias bilngesentre falantes de lnguas distintas, sendo cada parceiro aprendiz da lngua do outro.267Augusto Csar Luitgards Moura FilhoLinguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 2009oportunidadesparaassumirresponsabilidadesobreaprpriaaprendizagem. A pesquisa salienta que, para identificarmos se umaprendiz ou no autnomo, necessrio considerarmos que aautonomia pode ocorrer em diferentes reas, tempos e nveis e queeladependedeumaamplagamadefatores,taiscomopersonalidade, questes culturais e crenas sedimentadas ao longodavidaescolar.Aconscientizaodessacomplexidadepodecapacitar o aprendiz a protagonizar seu processo de aquisio.MouraFilho(op.cit.)investigaosintervenientesnaaprendizagem autnoma de ingls e revela as possibilidades deconciliao entre essa alternativa pedaggica e a carreira profissionaldos aprendizes. A investigao, de carter qualitativo, ancora-senas bases de conhecimento sobre o bom aprendiz de lnguas, nosestilosdeaprendizagemenasestratgiasdeaprendizagem.Oestudo revela que, no caso do participante da pesquisa, os processosde autonomia na aprendizagem de ingls so vivenciados de formaintuitiva e no como decorrncia de planejamento desse participantee/ou de algum de seus professores. A pesquisa ressalta, ainda, aimportnciadaelaboraodeplanosdeestudo,daseleodemateriais didticos adequados e da escolha de bons instrumentosdeaferiodoprogressodosaprendizesnaaprendizagemautnoma.Oavanoalcanadopelaspesquisassobreautonomiaeodistanciamento entre, por exemplo, o estgio tecnolgico da pocadas primeiras definies e a atualidade demandam a reviso dabase de conhecimentos sobre o assunto. Um exemplo de respostaafinada com a nova necessidade foi apresentado por Paiva (2002a)durantepalestra7realizadaem2002,naaberturadoIIFrumInternacional de Ensino de Lnguas Estrangeiras, que aconteceuem Pelotas (RS).Paiva(op.cit.)tomadeemprstimodaFsicaanoodesistemas complexos8 e aplica-a, como metfora, aos processos deaquisioeaoprpriofenmenodeaquisiodeumasegundalngua.OmodelopropostoporPaiva(2002b)temcomointervenientesospapisdesempenhadosporprofessoreseaprendizes,alegislaoeducacional,ocontextoeconmico,osmateriais didticos (inputs), o contexto sociopoltico e a tecnologia,7Humaversoempowerpointdaapresentao,disponvelem.268 Linguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 2009O que h em um nome? O estado-da-arte da autonomiacomportando a multiplicidade de arranjos dos diversos elementosdessesintervenientes.SegundoPaiva(2002b,p.46),ateoriadossistemas complexos pode explicar os seguintes fenmenos:a) um aprendiz permanece em equilbrio durante um certo tempo,e,derepente,aconteceumarpidamudana.Ouseja,naaprendizagem9temosperodosdeestabilidadeseguidosporexploses e mudana;b) as conexes so necessrias para que o sistema funcione, sejamelas cognitivas ou sociais;c) o seqenciamento de dificuldades lingsticas em um programade ensino de LE no fator determinante para sua aquisio, poisumadascaractersticasdeumsistemacomplexoaauto-organizao, ou seja, dentro da desordem h uma ordem;d) estmulos pequenos podem levar a conseqncias imprevisveis,drasticamente negativas ou positivas. Assim, em contextos formais,oprofessorpodenosativarmecanismosdeaprendizagem,atravs de pequenas atitudes, como criar barreiras intransponveis.Omapeamentoaquiapresentadosobreaproduoacadmicaquetratadaautonomianaaprendizagemdeumalnguaestrangeirailuminado,primordialmente,peloconceitoproposto por Paiva (2005). Este dialoga, entre outros aspectos quenos interessam, com as propostas de Little (1991, p. 4), para quema autonomia uma capacidade para o distanciamento, a reflexocrtica,atomadadedecisesedeaesindependentes,edeMacaro(1997,p.169),quepropeumaacepofuncionaldeautonomia, definindo-a como o desenvolvimento de potenciais noaprendiz que o capacitam a operar mais efetivamente e no apenasa reagir s dificuldades.As evidncias da complexidade dos processos envolvidosna aquisio da lngua inglesa realadas nas investigaes de Paiva(op.cit.)eaconseqentedefiniodeautonomiaviabilizamoestabelecimento de uma base de conhecimentos dinmica sobre otema. Dessa forma, fica minimizado o risco da obsolescncia a qualj alcanou alguns conceitos pioneiros da autonomia. O dinamismodo conceito proposto por Paiva (op. cit.) guarda profunda identidadecom a filosofia de Herclito (c. 540-480 a.C.), segundo a qual tudo8Sistemas complexos so aqueles caracterizados pela no-linearidade, imprevisibilidadede seus componentes, abertura, dinamicidade e capacidade de adaptao.9A autora utiliza os termos aquisio e aprendizagem indistintamente.269Augusto Csar Luitgards Moura FilhoLinguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 2009flui, tudo est em movimento e nada dura para sempre. Por essarazo,afirmavaopensador,nopodemosentrarduasvezesnomesmo rio, pois, quando entramos pela segunda vez nele, tanto elequanto ns j estamos mudados.10 Esse dinamismo viabiliza, porexemplo, que pesquisas envolvendo a autonomia sob o enfoquepropostoporPaiva(op.cit.)recebam,continuamente,novascontribuiesdasociedadedoconhecimentoepromovamconstantes rearranjos entre os intervenientes do processo.O TREINAMENTO DOS APRENDIZESA crescente valorizao da aprendizagem autnoma motivoualguns autores, a exemplo de Dickinson (1992), a investigarem e adefenderemotreinamentodeaprendizesparaqueelespossamusufruirosbenefciosdessemtodo.Apropsitodaexpressotreinamento de aprendizes, amplamente utilizada na bibliografiaespecializada sobre autonomia, cabe estabelecer diferenas entreelaeseucontraponto,aformaodoaprendiz.Aprimeiratipicamente positivista, envolve o domnio e a reproduo mecnica,nopossuivnculoscomteoriasqueaembasemdeformaconsistente,estanqueeignoraasdiferenasindividuaisdosaprendizes.Jasegundailuminadaporprincpiostericosdecorrentesdepesquisas,crtica,envolveexperimentao,reflexiva, contnua e atenta para as peculiaridades dos aprendizes.Feitoesseesclarecimento,podemosconstatarque,noraro,asduasexpressessoutilizadasindistintamente,inclusivepelosautores cujas colaboraes integram este artigo. Cabe-nos ressaltar,ainda,queaprimeiraexpressoeosprocessosnelaenvolvidosconstituemumdesservioaoprocessodeempoderamentodosaprendizes, almejado pela segunda.Benson (1995) informa que o atual interesse no treinamentodeaprendizesparaaautonomiaremontaaosanos1970.Posteriormente, o treinamento emergiu sob as seguintes formas:a) orientao sobre como aprender independentemente, geralmentecom o apoio de livros de auto-estudo ou de manuais elaboradospara aprendizes trabalhando no exterior. A orientao geralmenteprescritiva e no baseada em pesquisas;10Apud GAARDER,J.OmundodeSofia:romancedahistriadafilosofia.SoPaulo:Companhia das Letras, 1996.270 Linguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 2009O que h em um nome? O estado-da-arte da autonomiab) uso de mtodos e materiais norteado pelas bases de conhecimentosobre o bom aprendiz de lnguas, com a inteno de transmitirinsights sobre a observao de estratgias utilizadas por aprendizesde lnguas bem sucedidos. Essa abordagem tende a ser prescritivamasseus/suasdefensoresbuscamlegitim-ladeclarando-seamparadosporpesquisasrealizadasprincipalmentenareadepsicologia cognitiva;c) uso de materiais e mtodos mais abertos e adoo da expectativade os aprendizes experimentarem as estratgias e decidirem, porsi, quais so as mais adequadas aos seus perfis de aprendizes. Essaabordagemestancoradanavisodequenohumconjuntoespecficodeestratgiasquesejaadequadoparatodososindivduos;d)usodeabordagenssintticasbaseadasemumaamplavariedade de fontes;e)empregodeabordagensintegradas,quetratamoaprendizcomoparteintegrantedoprocessogeraldeaprendizagemdalngua;e)usodeabordagensauto-dirigidas.Osdefensoresdessaabordagemtendemasercticosquantopossibilidadedeoaprendizserensinadocomoaprenderepropemmetodologiasem que os prprios aprendizes treinem a si mesmos praticandoestratgiasdeaprendizagemauto-dirigidascomoauxliodemateriais de auto-acesso e aconselhamento.Segundo Benson (idem), essas seis formas de treinamento deaprendizesnosoindependentesumasdasoutras.Deacordocom esse autor (idem), os partidrios desse treinamento tm, aolongo dos anos, modificado seus pontos de vista e, na seqncia,conduzido-osapontosconvergentese,emfunodoaprofundamento das pesquisas sobre treinamento de aprendizes,ospesquisadorestornam-semenosassertivosemrelaogeneralizao das estratgias de aprendizagem.Dickinson (1992, p.5-12) menciona que, no treinamento deaprendizes para a autonomia, cabe ao professor:1)valorizarqualqueresquemaouestratgiaqueosaprendizes adotem para potencializar a aprendizagem;2)fornecerestratgiasalternativasereconhecerqueaprendizes diferentes se beneficiam de diferentes estratgias;3) recomendar aos aprendizes que escolham estratgias quelhes sirvam melhor;271Augusto Csar Luitgards Moura FilhoLinguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 20094) auxiliar os aprendizes a organizarem seus processos deaprendizagem e recomendar-lhes que busquem o apoio de seus/suas colegas no processo de aprendizagem;5) informar os alunos sobre fatores que ajudam ou atrapalhamo aprendizado de lnguas;6)estimularosalunosacontrolaremosprogressosquerealizam na aprendizagem;7)treinarosaprendizesparateremconscinciadesuasprodues lingsticas.O aprofundamento das pesquisas relativas ao treinamentode aprendizes para a autonomia no impediu que se dirigissemcrticas a esse processo. Rees-Miller (1993 apud Benson, 1995), porexemplo,fezumasriederestriesaessetreinamento.Seusprincipaisalvosdecrticaeramafaltadeprovas,poca,daefetividadedotreinamentoedequeseriapossvelensinarasestratgiasaosaprendizes.Essasobjeesembasaram-se,principalmente, na tradio norte-americana sobre o bom aprendizde lnguas e o emprego de estratgias de aprendizagem.Benson (1995) critica o treinamento de aprendizes apontandoque os mtodos nele envolvidos posicionam os aprendizes em ummodelo de individualidade racional liberal-democrtico. Segundoesse autor, embora a verso de autonomia ensinada segundo umatica ocidental possa promover a independncia do aprendiz, elatem como subproduto a difuso de uma viso individualista daaprendizagem.Sobessatica,otreinamentodeaprendizesdesconectaoaprendizdoestudante,queumindivduoverdicoquevive,estudaetrabalhaemumcontextoreal.Oaprendiz aparece, geralmente, como um indivduo inteiramenteabstrato, que tem poucas preocupaes alm de aprender lnguas.Paraoautor,aneglignciacomrelaoaocontextosocialdaaprendizagem parece ajudar a socializar os estudantes com umaformadeaprendizagemdelnguasquedesconectadadoseupotencial de realizar mudanas pessoais e sociais.Benson(idem)prossegueafirmandoqueareconexodaaprendizagem com a vida tem sido o tema de maior relevncia emestudossobreindependnciadoaprendizeaprendizagemautnoma(Freire,1983;Illich,1971;Hammond;Collins,199l;Mezirow,1991).Segundooautor,essareconexodistingueaaprendizagem autnoma (na qual a autonomia concebida como272 Linguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 2009O que h em um nome? O estado-da-arte da autonomiauma precondio para que a aprendizagem seja significativa) daeducao ocidental liberal (na qual a aprendizagem interpretadacomo uma precondio para a autonomia). Conforme Benson, aaprendizagemautnomapodeserjustificadapoliticamentenamedida em que ela ajuda os estudantes a se tornarem participantescrticaesocialmenteconscientestantoemsuasprpriasvidasquanto nas vidas de outros atores/atrizes sociais. Essa postura positivamente significativa em uma sociedade onde os estudantesprecisam ser preparados, acima de tudo, para mudanas.Para ns, as crticas de Rees-Miller e Benson precisam serrelativizadas, pois os conceitos de autonomia e dos processos nelaenvolvidos avanam, continuamente, rumo a um posicionamentocrtico, mais sensvel s diferenas culturais e menos hegemnico.A superao do modelo de autonomia criticado pelos dois tericospassa por um processo de formao de professores mais afinadocom a diversidade dos aprendizes, que os habilitem a dar aulastanto em Hong Kong quanto em Braslia e a avaliar a conveninciade processos formativos para a aprendizagem autnoma.Entendemos que a dicotomia entre favorveis e contrriosaotreinamentoparaaautonomiaomotorparanovaseaprofundadasinvestigaessobreoassunto.Taldicotomiabeneficia, sobremaneira, os aprendizes, ao colocar a servio delesinformaes que podem potencializar seus esforos no sentido deaprender uma lngua estrangeira.Pesquisa realizada por Lee (1990) entre aprendizes de nveluniversitrioindicaqueaelaboraodeumprogramadeaprendizagem autodirigida de idiomas envolve a srie de fatoresapresentadaaseguir,aqualtida,peloautor,comocrucialaodesenvolvimento da autonomia.1) Voluntariedade: aprendizes que so coagidos a participardeumprogramadeaprendizagemauto-dirigidapodemnosebeneficiar tanto quanto um que participa voluntariamente;2) Direito escolha: o direito escolha implica que o aprendizpossa trabalhar no seu prprio ritmo, decidindo quanto a questestais como o qu, quando, como e com que freqncia eledeve estudar.3) Flexibilidade: envolve o direito de o aprendiz mudar suasopesdeaprendizagem(porexemplo,objetivos,contedos,processos de aprendizagem) de acordo com as necessidades e ointeresse dele.273Augusto Csar Luitgards Moura FilhoLinguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 20094) Apoio do professor: crucial que o professor estabelea umbom relacionamento com os aprendizes. Esse bom relacionamentopodeenvolveraajudaaosaprendizesparaqueformulemseusobjetivos de aprendizagem de forma mais clara, o fornecimento defeedbackeatitudesdeencorajamentoereforoaolongodaaprendizagem.5) Apoio de colegas: a autonomia do aprendiz, mais que um atoindividual, um ato social. Por esse carter social, que fatores taiscomo interao, negociao e colaborao so altamente relevantesao sucesso dos aprendizes.AosfatoresparaodesenvolvimentodeautonomiadosaprendizesdelnguasmencionadosporLee(idem),convmacrescentarem-seascondiesrequeridasparaalcan-la,atporque esses fatores so complementares. Segundo Holec (1981,p.7),paraoaprendiztornar-seautnomo,necessrioocumprimento das seguintes condies:a)primeiro,eletemqueterahabilidadedeincumbir-sedesuaaprendizagem; isto , tem que saber como tomar as decises queisso envolve;b)segundo,eletemqueestarinseridonumaestruturadeaprendizagem na qual o controle sobre os processos nela envolvidossejamdele,isto,eletenhaapossibilidadedeexercitarsuahabilidade de gesto.Entre as vrias definies de autonomia apresentadas nestetrabalho, optamos por destacar aquela elaborada por Paiva (2005),por ela ter sido concebida de tal forma, que no corre o risco de setornar obsoleta, ao contrrio das demais. A definio proposta pelaautorapermite-nosagregarnovosintervenientesque,eventualmente, venham a surgir.PROFESSOR: UM PAPEL EM MUTAOOs avanos constatados nas pesquisas sobre autonomia naaprendizagemdelnguasestrangeirasevidenciarammutaesoperadas nos papis dos principais atores/atrizes envolvidos emprocessos de ensino-aprendizagem: os professores e os alunos. AsgrandestransformaessociaisocorridasnaModernidade,asquais,comonopoderiadeixardeacontecer,serefletemna274 Linguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 2009O que h em um nome? O estado-da-arte da autonomiaEducao,exigemumarevisodospapisdesempenhadoshistoricamente por aprendizes e professores.Nessa reviso, ficou evidente a necessidade de o professorromper com o modelo definido por Freire (1983), ao final dos anos1960, como educao bancria. Tal modelo pressupe o educadorcomo depositante de contedos nos educandos, que, supostamente,somerosrecipientesvazios.Deacordocomessaconcepo,quantomaiscontedosdepositaremseus/suasalunos,maiseficiente ser o/a professor/a. A superao desse modelo d-sequandoosprofessorestransformam-seeminstigadores,provocadores de busca, incentivadores dos alunos para a produoeapropriaodoconhecimentoeparceirosdosalunosnaco-construo da aprendizagem.Nocasoespecficodaaprendizagemdeumalnguaestrangeira, a adoo da abordagem comunicativa nos anos 1970desviou o foco at ento voltado para a apreenso de contedos, nosentidododesenvolvimentodecompetnciasehabilidadespromotoras de comunicao, e realou a necessidade de reviso dopapel do professor. A reviso dos papis de professores e alunos,mencionada anteriormente, de grande importncia na promooda aprendizagem autnoma. Segundo Benson e Voller (1997, p.93),essa reviso complexa, no podendo ser reduzida a uma simplesexpectativaemtornodocomportamentooudedistribuiodepoder.Osautoresprosseguemafirmandoque,paraquesejaviabilizada a aprendizagem autnoma, necessrio que professorese alunos conheam-se, saibam as expectativas que uns/umas tmem relao aos outros e que ambos estejam cientes de suas atitudesnos contextos institucional e social da aprendizagem.Little(1991,p.44)escrevequeodesenvolvimentodaautonomiadoaprendizdependecrucialmentedasiniciativastomadaspeloprofessorequeosaprendizesnosetornaroautnomos apenas se o professor assim o determinar. O relevante clarificar que tipo de iniciativa o professor deve ter e evidenciaras diferenas entre as novas iniciativas e as que as antecederam.Para o autor, o primeiro passo desse caminho a participao deprofessores e alunos na seleo dos contedos a serem abordadosnas aulas.De acordo com Sheerin (1997, p.63), um paradoxo que, naaprendizagem autnoma, quase todos os aprendizes precisem ser275Augusto Csar Luitgards Moura FilhoLinguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 2009preparados e apoiados por professores. Segundo a autora, antes deosaprendizesenvolverem-seemprocessosautnomosdeaprendizagem,necessrioquehajaumlevantamentodesuascarnciaspara,ento,seremestabelecidosobjetivos,planejadostrabalhoseselecionadosmateriais.Iniciadooprocessodeaprendizagem,oaprendizprecisadoapoiodoprofessorparaavaliar o progresso de sua aprendizagem, reanalisar as necessidadese estabelecer objetivos adicionais.Voller (1997, p.109) assinala as caractersticas do papel doprofessornaaprendizagemautnoma.Soelasopoderdenegociao, tanto com os aprendizes quanto com as instituiessociaisnasquaisoprocessodeaprendizagemestejainserido,aformacomooprofessorlidacomoprogramadocursoesuapostura,tantocomoparticipantequantocomofacilitadordoprocessodeaprendizagem,nasaladeaulaenasatividadesdeauto-aprendizagem.Dam (1990, p.23) afirma que, em situaes de aprendizagemautnomadeumalnguaestrangeira,cabeaoprofessoratuarcomo:a) informante dos vrios elementos do processo de aprendizagem(objetivos, atividades, materiais didticos e avaliao);b) debatedor e consultor no processo de aprendizagem;c) observador, analista;d) participante no processo de aprendizagem;e) mapeador do progresso do aluno em parceria com ele;f) co-responsvel pelo processo de aprendizagem.Para Holec (1981, p.24-25), em um sistema no qual o aprendizassume responsabilidade pela prpria aprendizagem, o professortemderedefinirseupapelafimdedarsuporteadequadoaoprocesso de aprendizagem. Nessa modalidade de aprendizagem,o professor ajudar o aluno a desenvolver sua habilidade em:1) definir objetivos de aprendizagem;2) definir contedos e progressos a serem feitos;3) escolher mtodos e tcnicas;4) monitorar os procedimentos de aprendizagem;5)avaliaroqueeletemaprendidoecomosedessaaprendizagem.276 Linguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 2009O que h em um nome? O estado-da-arte da autonomiaHolecacrescentaque,simultaneamenteaostpicosjmencionados,oaprendizdeverreconheceresuperaroscondicionamentosresultantesdaexperinciadeaprendizagemprvia que influenciam suas idias sobre a aprendizagem de umalngua estrangeira.Dickinson (1994, p.7-8) ratifica a importncia do papel doprofessornosprocessosenvolvendoaautonomiadoaprendiz.Nesse sentido, apresenta quatro sugestes que podem encorajar oaluno a ser mais independente:1) legitima a independncia na aprendizagem demonstrandoque ns, como professores, aprovamos e encorajamos os aprendizesnesse sentido;2)convenceoaprendizdequeelecapazdealcanaraautonomianaaprendizagemeapresenta-lhe,paratanto,experincias bem sucedidas de independncia;3) proporciona ao aprendiz oportunidades crescentes para oexerccio da independncia;4) ajuda o aprendiz a desenvolver tcnicas de aprendizagem(estratgias de aprendizagem) de tal forma que ele possa exercitarsua independncia.Combaseemseusestudos,BreeneMann(1997,p.145)deduziram trs atributos que devem ser trazidos pelos professorespara a interao com os alunos:1) auto-conscincia: essa conscincia inclui um senso crticopara observar quando o professor est ou no capacitado a agir deforma autnoma e de que formas as crenas dele sobre ensino eaprendizagem e, at mesmo, sua biografia podem influenciar suassuposies, percepes e prticas na sala de aula;2)crenaeconfiana:oprofessorprecisaacreditarnacapacidade de cada aluno aprender e confiar que cada aluno podegarantir sua prpria autonomia;113)desejo:oprofessorprecisaquererestimularodesenvolvimento da autonomia do aluno e estar preparado para asconseqncias decorrentes dessa postura.Tantoquantoopapeldoprofessor,opapeldoalunoenvolvido em processos de autonomia da aprendizagem carece dereavaliao. Tal reavaliao passa pela apropriao, por parte dacomunidadeeducacional,dosavanosdapesquisasobreautonomia,que,porsuavez,dependedecomoseestabeleceaassociao entre a pesquisa e o ensino.277Augusto Csar Luitgards Moura FilhoLinguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 2009O APRENDIZ AUTNOMOSegundo Dickinson (1994, p.5-6), a pesquisa realizada sobrea autonomia do aprendiz salientou que a qualidade essencial queo aprendiz autnomo tem um envolvimento ativo e independentecom a lngua-alvo. Esse envolvimento demanda cinco habilidadesdos aprendizes, que devem estar aptos a:a) identificar o que est sendo ensinado. Isto , eles devem estarconscientes dos objetivos do professor;b) estabelecer seus objetivos e concili-los com os do professor. Isto,osaprendizesdevemsercapazesdeformularseusprpriosobjetivos de aprendizagem;c)selecionareimplementarestratgiasdeaprendizagemadequadas;d)monitorareavaliarousoquefazemdasestratgiasdeaprendizagem;e) monitorar a prpria aprendizagem.ParaLittleeDam(1998),aexpressoautonomiadoaprendizimplicaumavisoholsticadoaprendizcomoumindivduo.Conformeosdoisautores,essacompreensoimportante porque ela nos lembra que os aprendizes trazem, paraoscontextosdeaprendizagem,suashistriasenecessidadespessoais e que ambas podem no estar identificadas com a propostacurricular. Ela nos lembra tambm que a medida fundamental desucessonaaprendizagemdeumasegundalnguaoudeumalngua estrangeira o grau com que a lngua-alvo torna-se totalmenteintegrada identidade do aprendiz.Essavisoholsticadoaprendizintegraapropostadapesquisa empreendida na investigao que deu origem a este texto,na medida em que adota a postura de Ehrman (1996, p.135). Paraaautora,oestadoemocionaldosaprendizespodeinterferirnoprocesso de aprendizagem tanto quanto os estilos e as estratgiasde aprendizagem.Aotratardadimensoafetivadaaprendizagem,Ehrman(ibid.,p.137)afirmaquevriossentimentosrelacionam-seaprendizagem, especialmente a aprendizagem de lnguas, podendooaprendizsertocadotantoporsentimentospositivos,quanto11Nem sempre essa voz acadmica dissonante com o que vemos nas escolas.278 Linguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 2009O que h em um nome? O estado-da-arte da autonomianegativos.Soexemplosdesentimentospositivosaalegria,oentusiasmo, a satisfao e a cordialidade. So sentimentos negativosos que esto associados dificuldade de aprendizagem, tais comoa frustrao, a raiva, a ansiedade e a falta de autoconfiana. Combase nas dificuldades dos aprendizes, Ehrman (ibid., p.135 et seq.)propsummodeloconceitualdeatitudesrelacionadasaprendizagem,integradopelamotivao,auto-suficinciaeansiedade.Quanto motivao, Ehrman (ibid. p.138-143) classifica emdoistiposasrazesquemovemaspessoasemdireoaprendizagem,osquaisnosoexcludentes.Asmotivaesintrnsecasvinculam-sesrazespessoaisdoindivduo,suasatisfaopessoal.Asextrnsecasrelacionam-seaodesejodoaprendizporalgumbenefciocomomelhoriasalarial,exignciaacadmica ou demanda do mercado de trabalho.12O relacionamento prximo entre auto-suficincia e motivao assinalado por Ehrman (ibid., p.143-147). A expectativa de bonsresultados tende, segundo a autora, a aumentar o rendimento doaprendiz,almdepotencializarsuadisposioparaassumirosriscosdeaprender.Aauto-suficincia,emgeral,tambmumpontoimportantenoaprendizadodepessoascomidademaisavanada. A ausncia de auto-suficincia pode conduzir os alunosa comportamentos altamente dependentes, mas esse sentimento prejudicialquandoassumecaractersticasdeautoconfianaexcessiva e rigidez.Aansiedade,oterceirocomponentedomodelopropostoporEhrman(ibid.,p.148etseq.),guardantimarelaocomamotivaoeaauto-suficincia.Aansiedade,geralmente,relacionada ao medo que a pessoa tem de falhar de alguma forma,por exemplo, em uma tarefa, ao falar em sala de aula, em um testeou em uma competio. Segundo Ehrman, pesquisas indicam queas pessoas mais introvertidas tendem a ser mais ansiosas do que asextrovertidas. Esses estudos apontam a existncia de duas categoriasdeansiedade,adebilitadora,quesemanifesta,porexemplo,reduzindoaauto-suficincia,eaansiedadefacilitadora,quemobiliza os aprendizes no sentido do cumprimento das atividadesda aprendizagem.12Anteriormente, em taxinomia proposta por Gardner (1985), as motivaes intrnsecase extrnsecas foram nomeadas, respectivamente, como integrativas e instrumentais.279Augusto Csar Luitgards Moura FilhoLinguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 2009A contribuio de Ehrman s investigaes sobre autonomiapode dar-se em dois momentos. No primeiro, ela nos coloca emcontatocomacomplexidadeinerenteaprendizagemdeumalnguaestrangeira.Nosegundo,trazessacomplexidadeluz,identificaasdificuldadesqueosaprendizesenfrentamnesseprocesso, reala a diversidade do perfil dos aprendizes e relaciona-a ao desempenho peculiar a cada aprendiz. O percurso feito pelaautora permite-nos vislumbrar possibilidades de como trabalharcomofatodequecadaaprendizumserdiferenteequeessadiferena, se bem trabalhada, pode ser acomodada e possibilitar aoaprendizoportunidadesconcretasdeelevadosnveisdedesempenho.CONSIDERAES FINAISBuscamos, ao longo deste artigo, apresentar alguns aspectosda aprendizagem autnoma de lnguas. Nessa tarefa, recuperamosasorigenshistricasdapesquisasobreotema,fizemosumaconsolidao do prprio conceito de autonomia, reconstitumos oestado-da-arte, coligimos os conhecimentos sobre o treinamentode aprendizes e tecemos crticas sobre ele, apresentamos os papisdosprofessoresnesseprocessoesalientamos,combaseeminvestigaes anteriores, o perfil do aprendiz autnomo.Aorealizarmosessainvestigao,percebemosacomplexidade do assunto e o universo de fatores nele envolvidos.Nossa proposta foi discutir alguns dos aspectos dessa abordagempedaggicae,assim,oferecersubsdiosparafuturaspesquisasnessa rea to promissora, com tantos aspectos ainda carentes deinvestigao,eplenadepossibilidades.Depreendemosdessainvestigao que o alcance da autonomia depende, fortemente, dainteraoadequadadessesfatores,especialmentedointeressemtuodeaprendizeseprofessoresnaco-construodaaprendizagem.Entendemos que a viabilizao da construo solidria doconhecimentosujeita-seaoapoioinstitucional.Casocontrrio,muitodoesforodosdemaisinteragentesserintilouterresultados limitados. Esse apoio institucional implica a elaboraode currculos que contemplem o estmulo ao protagonismo escolare supe a reviso dos sistemas tradicionais de avaliao, o incentivoformaocontinuadadosdocentes,oempregodemateriais280 Linguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 2009O que h em um nome? O estado-da-arte da autonomiadidticosautnticoseamigveisemsubstituioaoslivrosmarcadamenteestereotipadoseartificiais,aimplantaodapesquisa como orientadora da prtica pedaggica e a verticalizaodosestudossobreospapisdasestratgiaseestilosdeaprendizagem, assim como a assimilao das contribuies que asnovas tecnologias digitais podem oferecer aos processos de ensinoeaprendizagem.Igualmenteimportanteviabilizaodaautonomia,oaprofundamentodeestudosquearelacionemdemocracia, s etnias, aos gneros e s classes sociais. Por fim, hquesebuscarautonomia,tambm,quantoaosarranjosdessesfatores segundo as peculiaridades das instituies e das pessoasque as integrem.Compreendemosqueessassugestes,almdeindicaremque,nonomeautonomia,humamultiplicidadedeaspectosenvolvidos, explicitam bons exemplos de assuntos para uma agendadepesquisassobreessamodalidadedeaprendizagem.Nsenossos alunos precisamos dela e a merecemos.REFERNCIASALLWRIGHT, Dick. Autonomy in language learning pedagogy. CRILEWorking Paper 6, Center for Research in Education, University ofLancaster, 1990.BENSON, Phil. Teaching and researching autonomy in language learning.Essex: Pearson Education Limited, 2001.______. Concepts of autonomy in language learning. In: PEMBERTON, R.et al. (Ed.). Taking control: autonomy in language learning. Hong Kong:Hong Kong University Press, 1996. p. 27-34.______. A critical review of learner training. Learning Learning, v.2, n.2,p.2-6, 1995. Disponvel em: . Acesso em: 8 fev. 2004.______. The philosophy and politics of learner autonomy. In: BENSON,P.; VOLLER, P. (Ed.). Autonomy and independence in language learning.Essex: Addison Wesley Longman Limited, 1997. p. 18-34.BENSON, Phil; VOLLER, Peter. (Ed.). Autonomy and independence inlanguage learning. Essex: Addison Wesley Longman, 1997.BREEN, Michael P.; MANN, Sarah J. Shooting arrows at the sun:perspective on a pedagogy for autonomy. In: BENSON, Phil; VOLLER,Peter. (Ed.). Autonomy and independence in language learning. Essex:Addison Wesley Longman Limited, 1997. p. 132-149.281Augusto Csar Luitgards Moura FilhoLinguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 2009COTTERALL, Sara. Readiness for autonomy: investigating learner beliefs.System, v.23, n.2, p. 195-205, 1995.DAM, Leni. Learner autonomy in practice. In: GATHERCOLE, Ian. (Ed.).Autonomy in language learning. London: CILT, 1990. p.16-37.DICKINSON, Leslie. Learner autonomy: what, why and how? In: LEFFA,Vilson Jos (Ed.). Autonomy in language learning. Porto Alegre: Editorada Universidade/UFRGS, 1994. p.2-12.______. Learner autonomy 2: learner training for language learning.Dublin: Authentik, 1992.______. Self instruction in language learning. Cambridge: CambridgeUniversity Press, 1987.EHRMAN, Madeline Elizabeth. Understanding second language difficulties.London: Sage, 1996.ESCH, Edith. Promoting learner autonomy: criteria for the selection ofappropriate methods In: PEMBERTON, Richard. et al. (Ed.). Taking control:autonomy in language learning. Hong Kong: Hong Kong UniversityPress, 1996. p.35-48.FILE, II, 2002, Pelotas. Caderno de resumos. Pelotas: UniversidadeCatlica de Pelotas; Universidade Federal de Pelotas, 2002.FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.GARDNER, Robert C. Social psychology and second language learning: therole of attitudes and motivation. London: Edward Arnold, 1985.GREMMO, Marie-Jose. Autonomy, self direction and self-access inlanguage teaching and learning: the history of an Idea. System, v.23,n.2, p.151-164, 1995.HAMMOND, Merryl; COLLINS, Rob. Self-directed learning: critical practice.London: Kogan Page, 1991.HOLEC, Henri. Autonomy in foreign language learning. Oxford: Pergamon,1981.ILLICH, Ivan. Deschooling society. Middlesex, England: Penguin, 1971.JARVIS, Peter et al. The age of learning: education and the knowledgesociety. London: Kogan Page, 2001.JOHNSON, Keith; JOHNSON, Helen. Encyclopedic dictionary of appliedlinguistics. Oxford: Blackwell Publishers, 1999.LEE, I. Supporting greater autonomy in language learning. ELT Journal,v.52, n.4, p.282-290, 1990.LEFFA, Vilson Jos. (Ed.). Autonomy in language learning. Porto Alegre:Editora da Universidade/UFRGS, 1994.282 Linguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 2009O que h em um nome? O estado-da-arte da autonomiaLITTLE, David. Autonomy in language learning: some theoretical andpolitical considerations. In: GATHERCOLE, Ian. (Ed.). Autonomy inlanguage learning. London: CILT, 1990. p.7-15.______. Learner autonomy I: definitions, issues and problems. Dublin:Authentik, 1991.LITTLE, David; DAM, Leni. Learner autonomy: what and why? Palestraproferida no JALT/98, em Omiya, Japo, em 21 nov. 1998.LITTLEWOOD, William. Defining and developing autonomy in East Asiancontexts. Applied Linguistics, v.20, n.1, p.71-94, 1999.MACARO, Ernest. Target language, collaborative learning and autonomy.Clevedon: Multilingual Matters, 1997.MELO, Glenda Cristina Valim de. O ensino de lngua inglesa via Internet ea autonomia do aluno. 2000. 154 f. Dissertao (Mestrado em LingsticaAplicada) Faculdade de Letras, Universidade Federal de MinasGerais, Belo Horizonte, 2000.MEZIROW, Jack. Transformative dimensions of adult learning. San Francisco:Jossey-Bass,1991.MICCOLI, Laura Stella. Autonomia na aprendizagem de lnguaestrangeira. In: PAIVA, Vera Lcia Menezes de Oliveira e (Org.). Prticasde ensino e aprendizagem de ingls com foco na autonomia. Belo Horizonte:Faculdade de Letras da UFMG, 2005. p.31-51.MOURA FILHO, Augusto Cesar Luitgards. Pelo ingls afora: carreiraprofissional e autonomia na aprendizagem de ingls como lnguaestrangeira. 2005. 281 f. Tese (Doutorado em Lingstica Aplicada) Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, BeloHorizonte, 2005.NICOLAIDES, Christine Siqueira. A busca da aprendizagem autnoma delngua estrangeira no contexto acadmico. 2003. 230 f. Tese (Doutorado emLetras) Instituto de Letras, Universidade Federal do Rio Grande doSul, Porto Alegre, 2003.______ (Org.). Anais do II Frum Internacional de Ensino de LnguasEstrangeiras. Pelotas: Universidade Catlica de Pelotas; UniversidadeFederal de Pelotas, 2002. 1 CD Rom.NUNAN, David. Designing and adapting materials to encourage learnerautonomy. In: BENSON, Phil; VOLLER, Peter (Ed.). Autonomy andindependence in language learning. Essex: Addison Wesley Longman,1997. p. 192-203.PAIVA, Vera Lcia Menezes de Oliveira e. Aquisio, ensino e autonomiado aprendiz de LE: da pedra lascada ao sculo XXI. Palestra de aberturado II FILE Frum Internacional de Ensino de Lnguas Estrangeiras ,Pelotas, 2002a.283Augusto Csar Luitgards Moura FilhoLinguagem & Ensino, Pelotas, v.12, n.1, p.253-283, jan./jun. 2009PAIVA, Vera Lcia Menezes de Oliveira e. Caleidoscpio: fractais de umaoficina de aprendizagem. Belo Horizonte: FALE/UFMG, 2002b.Memorial para concurso de professor titular.______. Autonomia e complexidade. Disponvel em . Acesso em: 12 abr. 2005.PEMBERTON, Richard. Introduction. In: PEMBERTON, Richard et al. (Ed.).Taking control: autonomy in language learning. Hong Kong: HongKong University Press, 1996. p.1-8.SHEERIN, Sue. An exploration of the relationship between self-accessand independent learning. In: BENSON, Phil; VOLLER, Peter (Ed.).Autonomy and independence in language learning. Essex: Addison WesleyLongman Limited, 1997. p.54-65.SOUZA, Ricardo Augusto de. Aprendizagem de lnguas em tandem: estudoda telecolaborao atravs da comunicao mediada por computador.2003. 269 f. Tese (Doutorado em Lingstica Aplicada) Faculdade deLetras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003.VOLLER, Peter. Does the teacher have a role in autonomous languagelearning? In: BENSON, Phil; VOLLER, Peter (Ed.). Autonomy andindependence in language learning. Essex: Addison Wesley Longman,1997.p.98-113.YOUNG, Robert. Personal autonomy: beyond negative and positiveliberty. London: Croom Helm, 1986.Recebido em dezembro de 2007e aceito em setembro de 2008.Title: Whats in a name? The state of the art in autonomous language learningAbstract: The interest in approaches that involve learner autonomy in language learningwill continue increasing due to the growing need to recognize the value of learners voicesand choices in the learning processes. In this article, we first present the historical originsofautonomouslearningandthedevelopmentoftheconceptofautonomyanditsimplicationsinforeignlanguagelearning.Subsequently,thestateoftheartinthispedagogicalprincipleiselaborated.Thetextalsoincludeslearnertrainingprinciples,teachers roles and autonomous learner profile for those interested in knowing more aboutthis issue.Keywords: autonomy; self-instruction; foreign language learning.