O que lhe imobiliza? : Uma abordagem da corporeidade - corpo e … · Há a cena dos espelhos, em...
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O que lhe imobiliza? : Uma abordagem da corporeidade - corpo e emoção no espetáculo
Ind gente – Uma dança para a solidão.
Maurileni Moreira Rodrigues
Resumo:
Este presente artigo pretende relatar o processo criativo do rupo CEM – Centro de
Experimentações em Movimentos, a partir do trabalho Ind Gente – Uma dança para a
solidão dirigido por Sílvia Moura explanando questões de como abordávamos, enquanto
grupo, os procedimentos e entendimentos de Corpo e Emoção na cena, sendo portanto
este grupo como registro experiencial enquanto intérprete.
PALAVRAS-CHAVE: teatro, corpo, emoção, processo criativo.
ABSTRACT
This present paper aims to report the creative process of the CEM Centro de
Experimentações em Movimentos, from the work Ind Gente – Uma dança para a solidão
by Silvia Moura explaining issues as we approached, as a group, procedures and
understandings of body and emotion in the scene, so this group
as being experientialrecord as interpreter.
KEYWORDS: theater, body, emotion, creative process.
O Centro de Experimentações em Movimentos (CEM)1 é um grupo de dança-teatro
residente na cidade de Fortaleza desde 2002. Coordenado por Sílvia Moura, atualmente com
sede fixa, Artelaria produções, espaço este com ações formativas, a exemplo do OCUPA-SE:
uma festa que entra a madrugada com o propósito de fomentar encontros entre artistas e
apresentações de exercícios e performances da produção local de artistas de Fortaleza.
O questionamento O que lhe imobiliza? surge dos trabalhos do grupo com a provocação
estética de nos darmos conta de quais são nosso grilhões, inventados ou não, que nos
estacionam no tempo. Para que esta pergunta fosse respondida nossos corpos passaram por um
processo laboratorial no sistema penitenciário, masculino e feminino. Um dos pressupostos do
grupo é que nossos corpos precisam colocar-se em risco, e é deste pressuposto que penso
confluir com o módulo Corpo e Emoção orientado por Bya Braga. Este registro escrito parte das
vivências e experiências autobiográficas sobre corpo e emoção nos trabalhos de Sílvia Moura,
especificamente Ind gente – uma dança para a solidão.
O espetáculo se dava da seguinte maneira: entrava um por um e se colocava nos canteiros
do espaço cênico, quando todos estivessem os que quisessem relatavam um momento de sua
vida ou do seu dia que se sentiu indigente. Logo em seguida, posicionavam-se no chão com uma
das pernas levantadas e as mãos e ficavam imóveis. Devagarinho repousavam seu corpo inteiro
no chão para após levar o corpo inteiro para uma só parte do corpo. Nesse momento, entra uma
mulher sendo carregada por um home; ela está tomando soro e veste uma fralda geriátrica, e nos
seus seios uma fita vermelha. O homem veste somente a fralda geriátrica. No mesmo ambiente,
tem uma mulher que dança com caixas, pondo em seus joelhos (local de dor) fitas adesivas
brancas, desta maneira também tapa a sua boca. As cenas ocorrem simultaneamente. Há a cena
dos meninos que sentados, um do lado do outro, vão engolindo pregos e depois os vomitando.
Duas intérpretes constroem uma cena com pedras em que numa movimentação dirigida dão a
entender que vão jogar uma na outra. Há a cena dos espelhos, em que ficam apenas
contemplando suas imagens. Em dado momento, um grupo de pessoas se despem e entregam
sacos plásticos pretos as pessoas que agora estão se movimentando livremente fazer o que
quiserem; uns colocam na cabeça, outros amarram pés e mãos... Este mesmo grupo derrama
águas nestas pessoas com baldes d’água. É o momento ápice, as luzes diminuem e os
1 Maurileni Moreira é integrante do Grupo Centro de Experimentações em Movimentos desde 2002, tendo uma ação mais
participativa até 2009, e atualmente colabora com as ações formativas do Grupo CEM, a exemplo do OCUPA-SE, Chá das 18:04h, etecétera. (grifo meu)
intérpretes passam a contar coisas de suas vidas, suas dores, e choram entrando em catarse. Em
um foco, desde o início, ficam dois intérpretes nus. O fim se dá quando a diretora, Silvia Moura,
diz que ‘acabou’ e tranqüiliza os que entraram demasiado na proposta do espetáculo.
Uma dança cheia de sobresaltos.(sic)
Uma dança quase impossivel.(sic)
Refletimos sobre o que nos causa inquietação, isso nos inquieta.
Entendo o porque da "alienação" vigente- é mais fácil fechar os olhos e seguir.
Pensar, refletir-nos tira do lugar, nos fazer fazer perguntas que às vezes não se seguem as
respostas.2
O processo criativo do grupo configura-se na prática das aulas e na imersão do universo
dramatúrgico que o trabalho coreográfico sugere. Para o processo do espetáculo Ind gente – uma
dança para a solidão, trabalhamos com lembranças físicas que nos colocavam em situações de
desconforto acerca da nossa passividade defronte alguns acontecimentos cotidianos em que nos
vemos sem ação de mudança, inertes e conformadas com o estabelecido. Nessa colocação
confluíamos corpo e emoção na cena na relação de pôr em espaço ficcional o real. Passávamos
a representar nossos dias como provocação estética. Como o uso dos acontecimentos do dia a
dia interferia no estado emotivo levado pra cena? Os intérpretes, sem a utilização de técnicas
teatrais, distinguiam e percebiam as movimentações do seu corpo na cena cotidiana versus cena
pública3?
No Ind gente tenho medo de me lançar tão fundo a ponto de não saber voltar, medo de perder o fio do real,
por isso acho que me protejo muito, nesse espetáculo contorno as coisas e isso me assusta.4
Para Maturana (2006, p.129) distinguimos as diferentes emoções em nós mesmos, em
outros seres e em outros animais ao observar os diferentes domínios de ações nos quais nós e
eles operamos num instante. Nesse sentido, colocando-nos em cena com o corpo emocionado5
carregamos mediações e humores que são da vida cotidiana para a cena. Quando buscamos
levar acontecimentos reais em busca de uma espetacularização da vida, quer queiramos ou não
2 Citação retirada do blog do post de Silvia Moura sobre o Ind gente – uma dança para a solidão. http://cemovimentos.blogspot.com 3 Refiro-me ao termo ‘cena pública’ pela relação de identificação em cena com o que era vivido, podendo para muitos ser um
processo de tornar visível a sua impotência e inércia com situações de poder. Ver. ______ FOUCALT. 4 Citação retirada do blog do post de Tayana Tavares sobre o Ind gente – uma dança para a solidão.
http://cemovimentos.blogspot.com 5 Falar do corpo emotivo de stanilavski e a diferença aqui, já que no CEM – Centro de Experimentações em Movimentos as
emoções sem direcionamentos técnicos vai ao encontro da busca de uma espontaneidade e sentir verdadeiro.
o real passa a ser ficcionado, no entanto, esta construção conceitual só se dava no âmbito das
idéias. A relação corpo e emoção para o grupo CEM sempre esteve na intersecção de não
sabermos distinguir o que era verdade e o que era mentira, construindo muitas vezes em nós a
representação de nós mesmos na vida cotidiana, o que nos causava atritos relacionais no dia-a-
dia.
Buscávamos em nossos movimentos que o público tivesse empatia com o nosso discurso
corporal. A empatia e o sentimento de verdade que nos faziam construir um pacto de ficção que
ultrapassava as barreiras da identificação. O objetivo era que o público adentrasse no espetáculo
passando a ver que não existia distanciamento entre obra e vida real. O que muitas vezes ocorria
era instaurarmos um ambiente de emoções teatrais6. Questionávamos internamente no grupo se
era necessário ou não que tivéssemos uma preparação de ator para a cena, ao invés de
levarmos à cena o indivíduo e suas dores. No espetáculo Ind gente – uma dança para a solidão
temos relatos pessoais do quão profundo era a imersão na existência humana. Era uma dança
que propunha a partir do corpo e das emoções expostas modificar o mundo, o mundo particular
que iria tomar proporções maiores, ou não.
Dia três de Abril tive uma experiência indiscritível no grupo. O IndGente pra mim nunca foi tão especial. Precisava daqueles pregos. Pregos engolidos,
pregos desejados. Desejados de forma alucinante, insana. Minha Anatomia não permitiu engoli-los então vomitei... Coloquei pra fora tudo o que me
aflingia, fiquei leve. Foi poético, mágico momento de dança! Que agora nessa madrugada compartilho com vcs.(sic) Dessa minha decisão partiram muitos
comentários eu sei! Algum chegaram até mim em forma de elogio, incompreendidos talvez! Não tinha refletido ainda sobre tudo isso e uma
trágica discurssão (sic)aconteceu, abalou muito minhas certezas!Me tomou de tristeza! Me fiz nela. agora não consigo me recuperar. Sei lá tudo já foi
resolvido, mais nada é como antes, a resolução tomou outro rumo! Pareço cansada, tenho vergonha!7
O grupo Centro de Experimentações em Movimentos perdeu a conjuntura do que era em 2002, talvez o tempo de duração das permanências tenha se extinguido, talvez o corpo destes que se colocaram como atributos de uma linguagem, de uma experimentação tenham-se fragmentado. Certo é que muitos remanescentes deste grupo hoje criam artisticamente e é inegável as influências com essa dança, que Silvia Moura, num dos trabalhos dela intitulou dança-desabafo. O grupo necessita de uma pesquisa quanto a sua história mais profunda, é necessário que demos importância a estas vivências dentro das academias. Vasculhar os corpos e como eles corporificaram tal experiência denotará caminhos possíveis de por que e como tocar nas dores a partir da dança de uma maneira tão singular, tão expositiva.
6 Termo utilizado por Constantin Stanilavski : uma espécie de imitação da periferia das sensações físicas.
7 Citação retirada do blog do post de Tayana Tavares sobre o Ind gente – uma dança para a solidão.
http://cemovimentos.blogspot.com
REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICOS
Gadelha, Rosa Cristina Primo. A dança possível: as ligações do Corpo numa Cena? Rosa
Cristina Primo Gadelha – Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora Ltda.2006.Fuhrmann. –
Petrópolis, RJ: Vozes,2007.
Le Breton, David, 1953 – A sociologia do corpo/ David Le Breton ; 2 ed. Tradução de Sonia
M.S.
Maturana R., Humberto. Cognição, ciência e vida cotidiana/ Humberto Maturana;
organização e tradução Cristina Magro, Victor Paredes. – Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2001.
Medeiros, João Bosco. Redação Científica : a prática de fichamentos, resumos, resenhas /
João Bosco Medeiros. – 7 ed. – São Paulo : Atlas, 2005.
Stanilavski, Constantin, 1863-1938. Manual do ator/ C. Stanilavski ; (tradução Jefferson
Luiz Camargo; revisão da tradução João Azenha Jr.) – 2 ed. – São Paulo: Martns Fontes, 1997.
Página da internet. Centro de Experimentações em Movimentos. Busca.coragem.alma.exposição.troca.corpo.aceitação.reação.dança. http://cemovimentos.blogspot.com
Albúns do Picasa WEb – ALEX HERMES. https://picasaweb.google.com/113580232600230516225/INDGENTEFotosAlexHermes