O QUE NÓS QUER É OCUPAR TODOS OS ESPAÇOS”: a … · Diz adeus aos filhos, ... contada por...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE PRÓ- REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA Claudia Kathyuscia Bispo de Jesus O QUE NÓS QUER É OCUPAR TODOS OS ESPAÇOS”: a participação sociopolítica do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Conselhos Gestores. São Cristóvão, Fevereiro de 2015

Transcript of O QUE NÓS QUER É OCUPAR TODOS OS ESPAÇOS”: a … · Diz adeus aos filhos, ... contada por...

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

    PR- REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SOCIOLOGIA

    Claudia Kathyuscia Bispo de Jesus

    O QUE NS QUER OCUPAR TODOS OS ESPAOS: a

    participao sociopoltica do Movimento dos Trabalhadores Rurais

    Sem Terra (MST) em Conselhos Gestores.

    So Cristvo, Fevereiro de 2015

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    O QUE NS QUER OCUPAR TODOS OS ESPAOS: a

    participao sociopoltica do Movimento dos Trabalhadores Rurais

    Sem Terra (MST) em Conselhos Gestores

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em

    Sociologia como requisito para a obteno do ttulo de Mestre

    em Sociologia pela Universidade Federal de Sergipe.

    Orientador: Marcelo Alario Ennes

    So Cristvo, Fevereiro de 2015

  • 2

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

    PR- REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM SOCIOLOGIA

    Claudia Kathyuscia Bispo de Jesus

    O QUE NS QUER OCUPAR TODOS OS ESPAOS: a

    participao sociopoltica do Movimento dos Trabalhadores Rurais

    Sem Terra (MST) em Conselhos Gestores.

    Dissertao julgada adequada para a obteno do ttulo de

    Mestre em Sociologia, defendida e aprovada em __/__/__

    pela Banca Examinadora.

    Banca Examinadora:

    ________________________________

    Prof. Dr. Marcelo Alario Ennes- ORIENTADOR

    Universidade Federal de Sergipe- PPGS/UFS

    __________________________________

    Prof. Dr. Paulo Srgio da Costa Neves- EXAMINADOR INTERNO

    Universidade Federal de Sergipe- PPGS/UFS

    ___________________________________

    Prof. Dr. Teresa Cristina Zavaris Tanezini- EXAMINADORA EXTERNA

    Universidade Federal de Sergipe- DSS/UFS

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    Ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra pelos seus trinta

    anos de (histrica) participao sociopoltica.

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    Agradecimentos

    Ao considerar que a construo de um conhecimento no resultado de uma s

    pessoa, mas sim de uma coletividade, registro o meu fraterno agradecimento:

    minha querida me, Josefa, por aceitar e entender a minha sada do nicho

    familiar e me deixar partir em busca dos primeiros passos profissionais. admirvel a

    sua capacidade de resistir labuta cotidiana da vida e dispor de risos e de ternura;

    Naylini Sobral, pelo companheirismo, cumplicidade e intenso amor ao longo

    desse tempo vivido e compartilhado.

    Neide Sobral, pela acolhida, considerao e, sobretudo, pelo respeito.

    Aos queridos amigos, Conceio Santos, Igor Macedo, Luige Oliveira, Karol

    Coelho e Wilian Santana, muito obrigada pela amizade sincera.

    Aos professores, ou melhor, aos intelectuais orgnicos: Alexandrina Luz,

    Catarina Nascimento, Christiane Senhorinha, Romero Venncio, Snia Meire e Theresa

    Zavaris pela inspirao na prxis por um conhecimento engajado.

    A Marcelo Ennes, meu orientador, por inicialmente ter me aceitado, mesmo nos

    nossos esbarros no meu perodo de movimento estudantil. Isso mostrou o quanto o

    reconhece o estudante- militante e no o distingue. E agradeo tambm pelas

    orientaes e, principalmente, pela pacincia ao longo desses dois anos de convvio.

    Ao GEPPIP (Grupo de Estudos e Pesquisa Processos Identitrios e Poder), meu

    agradecimento pela insero e troca de saberes. Em especial, Alexsandra, Allisson,

    Eduardo, Gregrio e Thiago.

    Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES),

    pela colaborao financeira para a realizao desta pesquisa.

    E, por fim, agradeo aos atores sociais presentes nesta pesquisa, por ser subsdio

    na minha imaginao sociolgica, destes destaco o MST por mais uma vez me receber e

    confiar as suas histrias orais a mim.

  • 5

    Trinta Anos (aos 30 anos do MST)

    Trinta anos no so trinta dias,

    Um ms, mesada

    So muitas guas passadas

    Muitas que ainda ho de passar.

    Trinta anos uma vida Menina bonita, mulher,

    Menino que virou rapaz,

    Uma estrada que j deixou de longe

    A porteira, muita gente com saudade,

    Os ps dodos da caminhada

    um vazio no peito da pessoa amada

    e uma vontade doida de chegar.

    Trinta anos uma caminhada,

    Marcha, movimento, jornada,

    Muita pedra chutada,

    Muita cerca arrancada

    Muita esperana plantada

    E tambm as coisas erradas

    Que ajudam a acertar o rumo

    De verdade onde queremos chegar.

    Trinta gros de areia na praia do tempo

    Trinta gotas de sangue no mar do povo

    Trinta badaladas navegando no vento

    Anunciando o novo tempo que vai chegar

    Quem tem seus noventa saiu na frente

    E as vezes fica pra trs,

    mas no nos perdemos,

    pois temos um encontro marcado

    No dia que este mundo vai mudar.

    (Mauro Iasi, 2014)

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    RESUMO

    Este trabalho se props a analisar a participao sociopoltica do Movimento dos

    Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em conselhos gestores do municpio de Nossa

    Senhora da Glria, isto , examinar se essa prtica correspondeu (ou no) a uma nova

    estratgia poltica, bem como uma redefinio identitria dos integrantes do MST.

    Foram abordados como temas tericos: movimentos sociais; participao; conselhos

    gestores e processos identitrios. Ademais, fizemos uso da categoria analtica Campo

    poltico desenvolvido por Pierre Bourdieu no aporte terico- metodolgico. Trata-se de

    uma pesquisa qualitativa, realizada atravs da observao direta, de entrevistas semi

    estruturadas e pesquisa documental que possibilitou a construo do corpus emprico,

    em que podemos destacar alguns resultados: i) participao de militantes polticos em

    conselhos gestores; ii) concepo e formas de participao para o MST; iii) os dilemas

    do MST diante da participao em conselhos gestores. Concluimos que a insero

    participativa do MST em conselhos gestores significa uma redefinio identitria dos

    integrantes do movimento que, por sua vez, esto alterando a dinmica interna tanto dos

    conselhos quanto a do prprio movimento no que se refere sua atuao poltica. Essa

    participao sociopoltica do MST uma tentativa de garantia de permanncia e de luta

    por melhores condies de vida nos assentamentos rurais.

    Palavras - chave: conselhos gestores; movimentos sociais; participao sociopoltica;

    processos identitrios;

  • 7

    ABSTRACT

    This study aimed to analyze the social and political participation of the Movement of

    Landless Rural Workers (MST) in management councils of the city of Our Lady of

    Glory, ie examine whether the practice corresponded (or not) to a new political strategy

    and an identity redefinition of MST members of the movement. We examined the

    theoretical issues: social movements; participation; management councils and identity

    processes. In addition, we used the analytical category political field developed by

    Pierre Bourdieu in theoretical-methodological contribution. This is a qualitative

    research, carried out through direct observation, semi-structured interviews and

    documentary research that enabled the construction of empirical corpus, in which we

    can highlight some results: i) participation of political activists in management councils;

    ii) design and forms of participation for the MST; iii) MST dilemmas on participation in

    management councils. It follows that participatory MST insertion in management

    councils means an identity redefinition of movement members who in turn are changing

    the internal dynamics of both counsel on the movement itself as regards its political

    action. This socio-political participation of the MST is an attempt to stay assurance and

    fight for better living conditions in rural settlements.

    Key words: management councils; social movements; social and political participation;

    identity processes;

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    LISTA DE GRFICOS

    Grfico1: Nmero de Famlias Rurais Assentadas em Nossa Senhora da Glria

    Grfico 2: Frequncia de representao de assentados(as) em conselho gestor do

    municpio

    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1- Conselhos Existentes em Nossa Senhora da Glria

    LISTA DE FIGURAS

    Foto 1: T. Reis, Abertura do VI- Congresso Nacional do MST (2014)

    Foto 2: C. B. J. Kathyuscia, Acampamento durante o VI- Congresso Nacional do

    MST (2014)

    Foto 3: C.B.J. Kathyuscia, Cozinha Coletiva, (2014)

    Foto 4: Participao do MST no Planejamento Participativo de Sergipe (2007)

    Foto 5:Depoimento de liderana do MST sobre a participao do MST no Planejamento

    Participativo de Sergipe (2009)

    LISTA DE TABELA

    Tabela 1- O acesso dos(as) assentados(as) rurais de N.Sr. da Glria aos programas

    sociais

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    LISTA DE SIGLAS

    ABONG- Associao Brasileira de Organizaes No Governamental

    ATER Assistncia Tcnica e Extenso Rural

    ATES Assessoria Tcnica, Social e Ambiental.

    CDJBC- Centro de Assessoria e Servios aos Trabalhadores da Terra Dom Jos

    Brando de Castro

    CMAS - Conselho Municipal de Assistncia Social

    CMDM conselho municipal dos direitos da mulher

    CMDS- Conselho Municipal de Desenvolvimento Sustentvel

    CMS- Conselho Municipal da Sade

    CNBB- Conferncia Nacional dos Bispo do Brasil

    COMAE- Conselho municipal de alimentao escolar

    COMDCA- Conselho municipal dos direitos da criana e do adolescente

    COMSEA- conselho municipal de segurana e soberania alimentar

    CPT- Comisso Pastoral da Terra

    CUT- Central nica dos Trabalhadores

    DATALUTA- Banco de Dados da Terra

    DCS- Departamento de Cincias Sociais

    DSS- Departamento de Servio Social

    FHC- Fernando Henrique Cardoso

    FUNASA- Fundao nacional da sade

    FUNDEB- Fundo de manuteno e desenvolvimento da educao bsica e de

    valorizao dos profissionais da educao

    GEPPIP- Grupo de Estudos e Pesquisa Processos Identitrios e Poder

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    IDHN- ndice de Desenvolvimento Humano Municipal

    INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria

    LABERUR- Laboratrio de Estudos Rurais e Urbanos

    LGBT- Lsbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais e Travesti

    LOAS- Lei Orgnica da Assistncia Social

    MDA Ministrio do Desenvolvimento Agrrio

    MPA- movimento dos pequenos agricultores

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    MR- Mobilizao de Recursos

    MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra

    NERA- Ncleo de Estudos, Pesquisa e Projetos de Reforma Agrria

    NMS- Novos Movimentos Sociais

    ONG- Organizao No Governamental

    PCB- Partido Comunista Brasileiro

    PCPR- Projeto de Combate a Pobreza Rural

    PIBIX- Programa Institucional de Iniciao Extenso

    PMDB- Partido do Movimento Democrtico Brasileiro

    PNRA Plano Nacional de Reforma Agrria

    PP- Planejamento Participativo

    PRONAF- Programa de Apoio a Agricultura Familiar

    PRONESE- Empresa de Desenvolvimento Sustentvel do Estado de Sergipe

    PT- Partido dos Trabalhadores

    SEPLAN- Secretaria municipal de planejamento do Governo do Estado de Sergipe

    SINDSERVE- Sindicato dos Servidores Pblicos

    SPM- Secretaria de polticas para as mulheres

    SUS- Sistema nico de Sade

    TCC- Trabalho de Concluso de Curso

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    SUMRIO

    INTRODUO............................................................................................................ 12

    1. QUESTES BSICAS DA PESQUISA................................................................. 17

    1.1. O problema da pesquisa........................................................................................... 17

    1.2. O objeto emprico.................................................................................................... 20

    1.2.1 O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)................................. 20

    1.2.2. Nossa Senhora da Glria...................................................................................... 23

    1.2.3. Os Assentamentos: lcus emprico ...................................................................... 26

    1.3 Metodologia.............................................................................................................. 28

    2. MOVIMENTOS SOCIAIS: UMA CATEGORIA EM ANLISE ..................... 34

    2.1 Os contextos sociais e os tipos de abordagem.......................................................... 36

    3. CONSELHOS & PARTICIPAO....................................................................... 51

    3.1 O Movimento da Participao Sociopoltica e dos Conselhos Gestores no Brasil.. 51

    3.2 Conselhos Gestores: exemplo de participao e conflito......................................... 56

    4. PARTICIPAO SOCIOPOLTICA E CONSELHOS GESTORES: AS

    (NOVAS) ESTRATGIAS DE LUTA DO MOVIMENTO DOS

    TRABALHADORES SEM TERRA (MST)? ............................................................ 61

    4.1 A participao para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra ................ 61

    4.1.1 A participao no VI- Congresso Nacional do MST: uma observao direta ......64

    4.2 O dilema da participao do MST em Conselhos Gestores .................................... 67

    4.3 Nossa senhora da Glria e o Cenrio dos Conselhos Gestores................................ 73

    4.4 A experincia participativa do MST- N. Sr Glria nos Conselhos Municipais...... 79

    4.5 Assentado rural- conselheiro gestor: uma redefinio identitria ....................... 87

    CONSIDERAES FINAIS ...................................................................................... 92

    REFERNCIAS............................................................................................................ 96

    APNDICES................................................................................................................106

    ANEXOS.......................................................................................................................112

  • 12

    Introduo

    Esta mulher est indo para o norte. Sabe que pode morrer afogada na

    travessia do rio, e do tiro, sede ou serpente na travessia do deserto.

    Diz adeus aos filhos, querendo dizer at logo.

    E indo embora de Oaxaca, ajoelha-se diante da Virgem de Guadalupe, num

    altarzinho do caminho, e roga o milagre:

    - No peo que voc me d nada. S peo que me voc me ponha aonde tem.

    (GALEANO, 2010, p. 217)

    Assim como essa historieta (A partida) contada por Eduardo Galeano (2010),

    partimos para a chegada desta dissertao. Muito eram os riscos que me impediam de

    chegar at o fim. Mas, deixemo-nos seguir pelas prprias experincias vividas e nos

    por aonde tem.

    A elaborao desta pesquisa foi continuidade de trabalho desenvolvido desde o

    perodo da graduao em Cincias Sociais (2009-2012) na Universidade Federal de

    Sergipe (UFS)1. Tal experincia proporcionou o contato e o envolvimento com a

    temtica da sociologia rural e, principalmente, com a realidade do campo em reas

    assentadas e acampadas. Vale frisar que a escolha por assentamentos rurais da reforma

    agrria vai ao encontro da importncia que esse tema assumiu no campo das cincias

    sociais nas ltimas dcadas no Brasil. Para estudiosos como Martins (2004) e Fernandes

    (1996; 1998), foi a partir dos anos de 1980 que os assentamentos e os acampamentos

    rurais surgem como uma nova categoria social no meio rural brasileiro, expressando

    novas dinmicas sociopolticas pela reforma agrria e tendo no Movimento dos

    Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) um importante sujeito scio histrico.

    Inicialmente, o projeto de dissertao estava voltado para examinar se ocorreram

    mudanas na qualidade de vida de determinadas famlias rurais aps a obteno do

    assentamento rural, nesse vis, seria, portanto, um estudo de caso atravs do uso da

    etnografia. No entanto, com o decorrer do curso de mestrado, fomos bastante

    questionados sobre a possvel abordagem da categoria qualidade de vida no campo

    sociolgico. Diante da insuficincia terica na sociologia no que se refere categoria

    1 Durante a graduao tive a oportunidade de envolvimento com a Iniciao Extenso Universitria

    (PIBIX) em reas de assentamento rural, que desencadeou na minha monografia (2013), sob a orientao

    do prof. Dr. Cristiano Ramalho (DCS/UFS).

  • 13

    Qualidade de vida e pelo curto tempo de mestrado, para construir um suporte terico

    metodolgico para tal temtica, acabamos por abdicar do projeto inicial.

    A partir das primeiras visitas a campo e retomando os contatos com o MST2 do

    municpio de Nossa Senhora da Glria colocamos em questo meu projeto inicial e

    confrontando nossos pr-conceitos tericos. At que, finalmente, decidi por pesquisar a

    participao do MST, em conselhos, pois tal realidade nos chamava ateno e

    despertou-nos para uma imaginao sociolgica3.

    Esta mudana, do ponto de vista metodolgico, passvel de considerao, pois,

    como nos lembra Becker em Segredos e Truques da Pesquisa (2007), no h uma

    frmula simples para a pesquisa social, logo, pode ser modificada, virada de cabea para

    baixo. E foi o que ocorreu, no final do segundo semestre de 2013, j estava iniciando a

    pesquisa sobre a participao sociopoltica do MST em conselhos gestores. E sobre

    ela que transcorremos a seguir.

    O objetivo da pesquisa era analisar a participao sociopoltica do MST em

    conselhos gestores de Nossa Senhora da Glria, isto , examinar se essa prtica

    correspondeu (ou no) a uma nova estratgia poltica do movimento, bem como uma

    redefinio identitria dos integrantes do movimento. Por participao sociopoltica se

    pressups, aqui, enquanto um nvel poltico de integrao social de indivduos em dados

    grupos decorrente de processos histricos.

    Para a realizao do objetivo supracitado, recorremos metodologia qualitativa

    para um estudo in loco, da qual fizemos uso da observao direta, de entrevistas

    semiestruturadas e pesquisa documental. As idas a campo ocorreram em dois

    momentos. O primeiro se deu pela viagem a Braslia, em fevereiro de 2014, para

    acompanhar o VI- Congresso Nacional do MST. E, o segundo momento ocorreu

    durante o perodo de outubro a dezembro de 2014, com as visitas Nossa Senhora da

    Glria. Em suma, a realizao dessa metodologia favoreceu construo de um corpus

    emprico. Sendo que, ao todo, foram levantadas as seguintes fontes de informaes:

    2O Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) surgiu na regio Centro-Sul do Brasil no perodo de

    1984-1985. O movimento s teve contorno e repercusso nacional a partir dos anos 90, devido s vitrias

    e emblemas dos processos de ocupaes de terra da poca, a exemplo da ocupao na fazenda Macali.

    (TURATTI, 2005) 3 Imaginao sociolgica segundo o Wright Mills (1965, p.41). Isto , a imaginao sociolgica, quero

    lhe lembrar, consiste em parte considervel na capacidade de passar de uma perspectiva para outra, e,

    nesse processo, consolidar uma viso adequada de uma sociedade total e de seus componentes.

  • 14

    a) Uma observao direta no VI Congresso Nacional do MST;

    b) Pesquisa documental do MST nacional, de Sergipe e das etapas pr-

    congressuais. Alm do acesso a home page do MST.

    c) Trs entrevistas aos dirigentes nacionais do MST, incluindo o representante de

    Sergipe que compe a direo nacional;

    d) Uma entrevista ao dirigente estadual e ao da regional do MST de Nossa Senhora

    da Glria;

    e) Duas entrevistas representao governamental (Coordenadora executiva do

    Conselho Municipal dos Direitos da Mulher- CMDM e Assistente Social da

    Secretaria Municipal da Assistncia Social de N. Sr da Glria);

    f) Cinco relatos de militantes do MST que j foram (ou so) conselheiros;

    g) Um relato da representao da sociedade civil (Sindicato dos Servidores

    Pblicos SINDSERVE de N. Sr da Glria);

    Em suma, foram 12 (doze) entrevistas. A fim de garantir uma preservao dos

    entrevistados, utilizamos abreviaes para as identificaes das falas. Que so:

    1. Coordenao Nacional do MST- Rio Grande do Sul: (COORD. RS);

    2. Coordenao Nacional do MST- Par: (COORD. PA);

    3. Coordenao Nacional do MST- Sergipe: (COORD. SE);

    4. Dirigente estadual e da regional do MST de Nossa Senhora da Glria: (DIR.

    ESTADUAL);

    5. Representao governamental e Coordenadora executiva do Conselho Municipal

    dos Direitos da Mulher-CMDM: (GOV.1);

    6. Representao governamental e Assistente Social da Secretaria Municipal da

    Assistncia Social /representante do Conselho Municipal de Assistncia Social:

    (GOV.2);

    7. Militante do MST que j foi (ou ) conselheiro: (MST- CONSELHEIRO 1);

    8. Militante do MST que j foi (ou ) conselheiro: (MST- CONSELHEIRO 2);

    9. Militante do MST que j foi (ou ) conselheiro: (MST- CONSELHEIRO 3);

    10. Militante do MST que j foi (ou ) conselheiro: (MST- CONSELHEIRO 4);

    11. Militante do MST que j foi (ou ) conselheiro: (MST- CONSELHEIRO 5);

    12. Representao da sociedade civil/SINDISERVE: (SOC. CIVIL);

  • 15

    A demais, tivemos como suporte terico-metodolgico as abordagens dos

    Movimentos Sociais- sendo que utilizamos a Teoria dos Novos Movimentos Sociais

    (NMS) para a anlise do objeto; de conselhos gestores e as contribuies do

    entendimento de processos identitrios.

    Para facilitar o entendimento do texto, optamos por dividi-lo em quatro captulos,

    a fim de seguir uma ordem lgica de raciocnio deste trabalho. No primeiro captulo

    desta dissertao, temos a apresentao geral da pesquisa. Dessa forma, destacamos: a)

    o problema de pesquisa; b) o objeto estudado; c) a metodologia utilizada.

    O segundo captulo se refere abordagem terica. Apresentamos a anlise da

    categoria Movimento Social e seus tipos de abordagem mediante os variados contextos

    sociais que contriburam para as diversificaes de anlise no mbito das cincias

    sociais. Destarte, enfatizamos o recorte dado ao objeto de pesquisa, a teoria dos Novos

    Movimentos Sociais (NMS) como significativa para o entendimento do objetivo

    proposto neste escrito cientfico.

    No terceiro captulo, elaboramos um breve resgate histrico da participao

    sociopoltica no Brasil, com destaque para a participao dos conselhos gestores.

    Apresentam- se algumas caracterizaes e a concepo de participao sociopoltica que

    orienta este trabalho, a qual est relacionada a processo histrico, na configurao e nas

    mudanas nas relaes sociais.

    Por fim, o ltimo captulo a apresentao dos resultados da pesquisa levantada

    ao longo do ano de 2014. A descrio dos resultados acontece em dois momentos. O

    primeiro decorre da observao direta no VI Congresso Nacional do MST, onde

    pudemos coletar informaes a respeito do objetivo da pesquisa. E, o segundo momento

    ocorreu com a pesquisa de campo no municpio de Nossa Senhora da Glria, que a

    finalizao da pesquisa. As consideraes finais apresentadas so exposies

    argumentativas do que propriamente uma concluso do estudo. Nessa perspectiva,

    destacamos os limites e as possibilidades diante da participao sociopoltica do MST

    em conselhos, bem como ressaltamos a relevncia da continuidade do estudo para um

    melhor aprofundamento da (novidade da) participao e do engajamento de militantes

    polticos em arranjos institucionais na esfera pblica.

  • 16

    Alm disso, h os apndices (que so as entrevistas semiestruturadas conforme

    cada destinatrio) e os anexos. Estes os documentos oficiais (Lei Municipal, Regimento

    Interno, Decretos entre outros) dos respectivos conselhos que foram possveis de serem

    coletados e que serviram de subsdio para o entendimento do marco de criao, bem

    como a compreenso das normas que regulam as aes dos respectivos conselheiros.

  • 17

    1. Questes bsicas da pesquisa

    Neste captulo, apresentada a estruturao da pesquisa. Nele exposto o tema, a

    questo da pesquisa e, em linhas gerais, o objeto de estudo afim de que o recorte

    emprico seja situado.

    1.1.Problema da pesquisa

    A estrutura agrria brasileira, a permanncia do poder das classes sociais rurais

    vinculadas aos grandes empreendimentos agropecurios, a pobreza e a negao de

    direitos sociais que marcaram, historicamente, a vida dos camponeses e demais

    trabalhadores(as) no campo foram elementos centrais definidores da formao, da

    identidade e da organizao da sociedade brasileira e do seu meio rural. Nesse vis, a

    histria do campesinato brasileiro registrada pelas marcas de suas lutas na obteno de

    um espao prprio na economia e na sociedade, portanto, de processos sociais de

    resistncia pelo direito de existir, em termos subjetivos, polticos, sociais, culturais e

    econmicos.

    Segundo Wanderley (2009), o Campesinato no Brasil sempre foi um setor

    bloqueado historicamente, especialmente por conta da negao sistemtica, em

    diversas localidades, do acesso dessa populao terra. Tais questes apresentaram-se

    com particularidades, complementaridades ou oposies nas abordagens de valiosos

    estudiosos da sociedade brasileira, ora enquanto componente importante dos debates

    existentes na nascente cincias sociais em nosso pas, ora demarcando tambm as

    leituras da atual gerao de estudiosos (as) da sociologia, principalmente, a sociologia

    rural.

    Esses estudos estavam inseridos em meio a um efervescente contexto

    sociopoltico da poca (final da dcada de 60 do sculo XX), pois era um cenrio

    marcado pelo processo de internacionalizao da indstria brasileira, bem como do

    avano do capitalismo no campo, que impulsionaram o desenvolvimento da

    modernizao do processo produtivo na agricultura. Desencadeou-se, enquanto reao a

  • 18

    essa modernizao excludente, uma forte organizao dos trabalhadores rurais em

    vrios municpios no pas, que repercutiram em mbito nacional por conta de seus atos

    polticos na dcada de 1950 e, principalmente nos primeiros anos de 1960 que

    antecederam implantao do Regime Militar em 1964. A organizao poltica dos

    camponeses contou com o apoio dos partidos polticos, sobretudo o Partido Comunista

    Brasileiro (PCB), e da Igreja Catlica, os quais reunidos no I Congresso Nacional dos

    Lavradores e Trabalhadores Agrcolas, em 1961, formularam, pela primeira vez, uma

    proposta unitria de reforma agrria brasileira. Era uma sntese de suas interpretaes

    poltica acerca da questo agrria no pas, gerando repercusso na imprensa (rdio e

    jornal, na poca). Destarte, essas eram as condies em que estava ocorrendo

    redefinio poltica das relaes de classes no campo. Isto , pouco a pouco, verificava-

    se a metamorfose poltica do lavrador em campons (IANNI, 2004, p. 212),

    especialmente na condio de elaborao de sua identidade poltica.

    A agenda poltica desses grupos campesinos expressava questes como: a)

    reforma agrria; b) livre direito organizao sociopoltica da classe trabalhadora rural;

    c) extenso de direitos trabalhistas para o campo, bem como previdencirios; d) fim do

    sistema de barraco e do cambo nos engenhos; e) polticas pblicas ligadas ao

    desenvolvimento produtivo no campo, fundamentalmente para a pequena produo rural

    (ANDRADE 2005; MARTINS, 1983). O elenco de aspectos j referendados mostra

    como as reas rurais estavam inclumes aos direitos de cidadania, particularmente,

    devido ao poder das elites agrrias em neg-los constantemente.

    Esse perodo efervescente permitiu o acirramento dos conflitos no campo,

    sobretudo, com a criao e a ao das Ligas Camponesas4. Em meio retomada das

    manifestaes populares no perodo decisivo de encerramento do regime militar (1985),

    o movimento campons ganhou (novo) impulso, com destaque para o MST.

    De acordo com Stedile e Fernandes (2012), as razes do surgimento desse

    movimento foram determinadas por diversos fatores, dentre os principais: a) o aspecto

    socioeconmico das transformaes que a agricultura brasileira sofreu na dcada de 70

    4 As Ligas Camponesas foi um movimento campons que teve seu incio no ano de 1954 em Pernambuco

    e, posteriormente, na Paraba, donde emergiram suas principais lideranas: Joo Pedro Teixeira, Elizabeth

    Teixeira, Jlia Santana, Francisco Julio e outros(as). As Ligas existiram at 1964, sendo eliminadas,

    assim como as demais organizaes de camponeses e de trabalhadores rurais sindicalizados vinculados

    esquerda. Tudo isso levou a um silenciamento da identidade poltica projetada a partir das aes e dos

    valores de mundo dos prprios homens do campo. (JULIO, 1962)

  • 19

    do sculo passado; b) modernizao e industrializao no campo; c) e a era da

    colonizao da regio Norte do pas. Portanto, o nascimento do MST tem suas razes

    nas condies objetivas do desenvolvimento da agricultura, logo, o MST no surgiu s

    da vontade do campons. Ele s pode se constituir como um movimento social

    importante porque coincidiu com um processo mais amplo de luta pela democratizao

    do pas (STEDILE & FERNANDES, 2012, p. 24).

    necessrio destacar que, o surgimento do MST possibilitou uma ressignificao

    do conceito campons. Isto porque, afirmava-se que o campons correspondia

    meramente a um simples produtor agrcola. Com uma forma de organizao prpria e

    uma identidade que foi construda no processo de consolidao do movimento no

    mbito nacional e estadual, o sem-terra a cara mais renovada do campesinato

    (CARVALHO, 2005, p. 156). Ainda segundo Carvalho (2005), o MST marca o perodo

    de constituio de um novo campons: o assentado de reforma agrria.

    J, no que se refere, famlia rural no projeto de reforma agrria, essa famlia

    acaba assumindo carter central, pois a criao dos assentamentos a validao da

    importncia e do reconhecimento da famlia como elemento fundamental para a vida

    nos assentamentos, j que, o sujeito da conquista do assentamento de reforma agrria

    tem um ncleo basicamente familiar, e de famlia extensa (MARTINS, 2003, p. 19).

    Diante da conceituao apresentada por Martins, parte-se da ideia de que a famlia

    rural assentada tenta garantir a reproduo social do grupo familiar e,

    consequentemente, a melhoria das condies de vida, uma vez que estas so agentes da

    modificao social do mundo rural. So essas famlias e as dinmicas existentes nos

    assentamentos que tm possibilitado em vrios municpios formas de incluso social

    antes precarizadas pela ausncia da posse da terra. Ademais, so elas que passam a

    qualificar as polticas dos poderes pblicos municipais, cobrando escolas, postos de

    sade, melhorias de infraestrutura (BERGAMASCO, 2003; MARTINS, 2004).

    A partir desta referncia aos Movimentos Sociais do Campo, em destaque o MST,

    e de suas frentes de atuaes polticas ao longo do tempo, apresentamos como questo

    central desta pesquisa: a participao sociopoltica do Movimento dos

    Trabalhadores Sem Terra (MST) em conselhos gestores do municpio de Nossa

    Senhora da Glria-Sergipe contribui para a redefinio identitria dos integrantes

    do movimento? .

  • 20

    Alm desta questo norteadora, seguem outras complementares:

    a) A participao de integrantes do MST em alguns conselhos gestores de

    Nossa Senhora da Glria representa uma (nova) estratgia de atuao

    poltica por parte do movimento?

    b) Quais os motivos e as finalidades que levam o MST a participar de

    conselhos gestores?

    c) Quais as representaes e estratgias de outros componentes do conselho

    gestor no apoio e na recusa das demandas dos representantes do MST?

    Essas indagaes norteadoras do projeto de pesquisa tiveram como objetivo

    apreender as razes pelas quais o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), da

    regional de Nossa Senhora da Glria, est se inserindo na participao de conselhos

    gestores municipais e se essa participao correspondeu a (novas) estratgias de atuao

    poltica por parte do movimento, uma vez que tal movimentao poltica se apresentava

    ainda pontual, e esse fato se tornou uma redefinio identitria dos representantes do

    movimento.

    1.2. O objeto emprico

    1.2.1. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)

    O avano do desenvolvimento no campo brasileiro, que teve incio nos anos 70 do

    sculo XX, atravs da interveno do governo, ficou marcado pela aliana entre os

    grandes proprietrios de terra e as empresas transnacionais, o que resultou em mudanas

    na configurao da zona rural. Um exemplo dessa alterao o modo de organizao da

    produo no campo. A partir disso, a produo agrcola est sob a tica da racionalidade

    do capital, em que caracteriza pela produo em alta escala em reas contnuas, isto ,

    o monocultivo. Alm disso, essa produo substituiu a mo de obra (barata) pela

    mecanizao intensiva (com aplicao da biotecnologia e de novas tcnicas de

    irrigao) e, por fim, adicionou-se o uso constante de agrotxico5. Resultando, dessa

    5

    Substncia qumica utilizada no s para eliminar pragas em produes, mas, sobretudo como

    fertilizantes sintticos. H quem afirme que essas mudanas na organizao da produo agrcola no

    campo foram mais impactantes do que a prpria Revoluo Verde, ocorrida nas dcadas de 60 e 70 do

    sculo passado. Isto porque, O Brasil, como sabido, alcanou em 2009 o primeiro lugar no ranking

  • 21

    maneira, na criao de mercadorias agrcolas padronizveis, as denominadas de

    commodities, bem como intensificou a necessidade do acesso e do uso do crdito rural

    (CARVALHO, 2005).

    Esse tipo de produo (de ponta por meio da mecanizao intensiva, como j

    apresentado) e sua ligao poltica com os latifundirios, as empresas transnacionais e

    os bancos chamado de Agronegcio e vem ganhando, nos ltimos dez anos,

    expressiva valorizao, por decorrncia de sua lucratividade, haja visto que o uso do

    agrotxico possibilita um rendimento na produo agrcola. Ademais, por garantir a

    permanncia da concentrao de terras (improdutivas) brasileiras, como apresentou o

    Relatrio DATA LUTA (2013) sobre a ampliao da Estrutura Fundiria no Brasil.6

    Em suma, essa breve caracterizao para contextualizar as mudanas ocorridas

    no campesinato nos ltimos anos no Brasil. Mudanas estas que foi o cenrio de

    surgimento do MST, em 1984.

    Segundo alguns autores, tais como: Medeiros (2010), Wanderley (2003) e Martins

    (1981), o aumento de condies desfavorveis no campo, como a ampliao da

    concentrao fundiria, o impacto socioambiental advindo do uso do agrotxico, os

    desempregos, a expulso de famlias camponesas e o deslocamento cada vez maior da

    populao rural para os centros urbanos em busca de trabalho e de melhores condies

    de vida, foram processos que marcaram as dcadas de 1970 a 90 do sculo XX.

    Torna-se claro que essa mesma fase de desenvolvimento no campo brasileiro,

    contraditoriamente, significou a retomada das manifestaes populares no perodo

    decisivo de encerramento do regime militar, o movimento campons ganhou (novo)

    impulso, com destaque para o MST.

    A gnese do MST ocorreu mediante um contexto de modificaes no campo

    brasileiro na dcada de 1970, das quais podemos destacar quatro processos: a) o aspecto

    mundial de consumo de agrotxicos, embora no sejamos, como tambm sabido, o principal produtor

    agrcola mundial. Como mostrou o Boletim DATALUTA (2011). Disponvel em: www.fct.unesp.br/nera

  • 22

    socioeconmico das transformaes na agricultura brasileira; b) a modernizao no

    campo, com a entrada da mecanizao, que impulsionou o xodo rural; c) o processo de

    industrializao, afinal, estava sob o efeito do milagre econmico; d) e a colonizao

    na regio Norte (especialmente em Rondnia, Par e Mato Grosso).

    Em suma, esses quatro processos j apresentados, corresponderam base social

    que gerou o MST. Nessa perspectiva, percebemos claramente, que o MST surgiu na

    regio Centro Sul do Brasil, no perodo de 1984-1985. O movimento s teve de fato

    contorno e repercusso nacional a partir dos anos 90 do sculo XX, devido s vitrias e

    aos emblemas dos processos de ocupaes de terra da poca, a exemplo da ocupao na

    fazenda Macali, localizada no Rio Grande do Sul (TURATTI, 2005).

    importante destacar que, para alm dessas condies objetivas, diante das

    metamorfoses no campo brasileiro, o MST tambm possui nas suas razes a influncia

    das Ligas Camponesas e, principalmente, do trabalho pastoral das igrejas Catlica e

    Luterana (STEDILE & FERNANDES, 2012). A forte presena da igreja (progressista)

    como impulsionadora no surgimento do MST foi decorrente da ideologia da Comisso

    Pastoral da Terra (CPT).7

    O MST apresenta caractersticas de natureza importantes. A primeira diz respeito

    incluso de todos os membros da famlia, pois, nesse momento sua base familiar8.

    Afinal, no mbito familiar que se discute e organiza-se a insero produtiva, laboral,

    social e moral de seus integrantes; sendo tambm em funo desse referencial que so

    estabelecidas as estratgias individuais e coletivas, que visam garantir a reproduo

    social do grupo familiar. Dessa maneira, a famlia rural representa o trabalho (o

    predomnio da agricultura como base familiar), a segurana (garantia de futuro) e a

    conservao dos valores, tradies e costumes9.

    Outra caracterstica presente no MST a sua articulao com o movimento

    sindical. Isto porque, o movimento compreende que os agricultores assentados rurais

    7 Surgiu em 1975 em Goinia, vinculado Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) cuja

    perspectiva doutrinria foi o da Teologia da Libertao-prtica religiosa voltada para a realidade social.

    Para um maior conhecimento dessa corrente crist, ver: Boff (2010). Sobre a mediao entre a Teologia

    da Libertao e os movimentos sociais no campo, ler: Iokoi (1996). 8

    De um modo geral, podemos dizer que os inmeros pesquisadores das cincias sociais, que

    direcionaram seus esforos de pesquisas para o tema das questes rurais e agrrias, a exemplos de

    Bergamasco (2003), Loera (2006) e Martins (2003), afirmam que o sujeito principalmente da reforma

    agrria no Pas tem um ncleo basicamente familiar, de famlia extensa e a partir dela e de suas

    experincias cotidianas que podemos perceber do ponto de vista sociolgico as prprias mudanas

    e/ou continuidades de antigas situaes de vida no campo. 9 Bergamasco et al. (2003), Leite (2004) e Medeiros (1994).

  • 23

    precisam se vincular aos sindicatos dos trabalhadores rurais como via de acesso a

    benefcios voltados para a sua produo. No entanto, da mesma forma em que o MST

    estimula a filiao aos sindicatos rurais, o prprio movimento faz suas ressalvas a isso:

    Aprendemos ainda que a luta pela terra no pode se restringir ao seu

    carter corporativo, ao elemento sindical. Ela tem de ir mais longe. Se

    uma famlia lutar apenas pelo seu pedao de terra e perder o vnculo

    com uma organizao maior, a luta pela terra no ter futuro.

    justamente essa organizao maior que far que a luta pela terra se

    transforme na luta pela reforma agrria. A, j um estgio superior

    da luta corporativa. agregado luta pela terra o elemento poltico.

    (STEDILE & FERNANDES, 2012, p. 37).

    esse elemento poltico que corresponde ao terceiro elemento caracterstico do

    MST. Nesse sentido destacamos que:

    Na essncia, o MST nasceu como um movimento campons, que tinha

    como bandeira as trs reivindicaes prioritrias: terra; reforma

    agrria e mudanas gerais na sociedade (STEDILE & FERNANDES,

    2012, p. 33).

    Essas trs caractersticas (base familiar-corporativismo-elemento poltico)

    compostas no princpio do MST apresentadas aqui sero, no decorrer do texto,

    revisitadas. Uma vez que, veremos no componente familiar nuclear a tentativa de

    garantir a reproduo social do grupo familiar e, consequentemente, a melhoria das

    condies de vida, haja vista que estas cumprem um papel de agentes de modificao

    social no mundo rural. Logo, isto pode justificar a incorporao de integrantes do MST

    na participao de conselhos gestores como sendo mais um (novo) elemento poltico do

    movimento.

    1.2.2. Nossa Senhora da Glria

    O municpio de Nossa Senhora da Glria (ou antiga Boca da Mata10

    ) um Polo

    Regional, devido fora de sua bacia leiteira. Segundo o Instituto Brasileiro de

    10

    O nome foi dado pelos viajantes que descansavam no local. Por volta de 1600 a 1620, os ranchos ali

    existentes formaram uma povoao. Posteriormente, a localidade foi rebatizada, quando o ento proco

    Francisco Gonalves Lima fez uma campanha junto aos moradores para aquisio de uma imagem de

  • 24

    Geografia e Estatstica-IBGE (2012), a produo da Pecuria Municipal (2012)

    correspondeu a 35.910 mil litros de leite de vaca11

    . Da, o apelido popular de Glria: a

    capital do serto. Ademais, o municpio localiza-se a Oeste de Sergipe, situado a 122

    km de distncia de Aracaju e integra o Territrio do Alto Serto Sergipano, tanto para o

    Ministrio do Desenvolvimento Agrrio-MDA, desde 2003, quanto para o Governo de

    Sergipe (SEPLAN), desde 2007.

    De acordo com o Censo Demogrfico (2010), Nossa Senhora da Glria possui

    32.497 habitantes, sendo 10.880 residentes rurais (ver grfico-1)12

    . Da sua rea de

    Unidade Territorial, o municpio possui 756.490 Km, cuja densidade demogrfica de

    42,96 (hab./ km). No que diz respeito ao ndice de Desenvolvimento Humano

    Municipal-IDHN (2010), de 0,58713

    . Destarte, o ndice da Pobreza no municpio de

    54,93%14

    .

    Grfico 1- Nmero de Famlias Rurais Assentadas em Nossa Senhora da Glria

    Nossa Senhora da Glria, fato este que inspirou a mudana de nome e a homenagem referida santa.

    Fonte: http://www.gloria.se.gov.br. Acesso em jun.2012. 11 Disponvel em: http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?lang=&codmun=280450&idtema=121&search=sergipe|

    nossa-senhora-da-gloria|pecuaria-2012. Acesso em: 02 de jul. 2014. 12

    A estimativa do IBGE (2013) de que este nmero tenha aumento. Assim, a populao estimada 2013

    de 34.799 habitantes. Disponvel em: http://cod.ibge.gov.br/234AO 13

    Atlas Brasil (2013) 14

    IBGE/ Censo Demogrfico (2000)

    http://www.gloria.se.gov.br/http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?lang=&codmun=280450&idtema=121&search=sergipe|nossa-senhora-da-gloria|pecuaria-2012http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?lang=&codmun=280450&idtema=121&search=sergipe|nossa-senhora-da-gloria|pecuaria-2012http://cod.ibge.gov.br/234AO

  • 25

    Fonte: DATALUTA Sergipe Banco de Dados da Luta pela Terra, 2011. LABERUR/NERA, 201315

    .

    15

    Grifo de destaque nosso!

  • 26

    Como j foi mencionada, a principal produo econmica do municpio se refere

    pecuria, com destaque para as atividades de bovinocultura, ovino-caprinocultura,

    suinocultura e a criao de animais de pequeno porte. O rebanho bovino destina-se

    produo leiteira, e o restante direcionado para o abate. Os ndices mdios de

    produtividade do leite em Nossa Senhora da Glria ficam em torno de 720 litros anuais

    por cabea. A maior parte dessa produo absorvida pelas grandes fbricas de

    laticnios instaladas na regio (a exemplo da Nativille e da Betnia). A outra parte

    destina-se produo de queijos e de derivados, que so comercializados nas feiras

    locais e em municpios vizinhos16

    .

    A segunda atividade econmica mais importante a agricultura, sendo

    registrados, no censo agrcola, 5 produtos, a saber: a mandioca, o milho, o feijo, o

    algodo e a fava. No setor industrial, destaca-se a produo dos derivados do leite. H,

    ainda, fbricas de mveis, de estofados, de rao e de polpa de frutas. O comrcio de

    Nossa Senhora da Glria considerado o mais completo da regio e a feira livre tida

    como a maior do interior do alto serto sergipano.

    Quanto sua geografia fsica, o clima semirido, com temperatura mdia de

    25C, e o seu perodo de chuvas se estende de maro a agosto. Seu solo do tipo

    massap, argila, arenoso e franco argiloso, apto explorao de cultura de subsistncia

    e pecuria. Sua vegetao predominante a caatinga. Por fim, o municpio, possui 61

    povoados.

    Em suma, essas caractersticas apresentadas sobre Nossa Senhora da Glria

    tambm esto presentes nos assentamentos rurais de reforma agrria. Dos quais

    destacamos os que eram, inicialmente, o recorte emprico desta pesquisa.

    1.2.3. Os Assentamentos: lcus emprico

    O assentamento Ado Preto localiza-se na divisa dos municpios de Nossa

    Senhora da Glria e Nossa Senhora Aparecida, possui dois anos de posse de terra (aps

    dez anos de acampamento). Desde o ano de 2012, os assentados estavam a receber o

    recurso financeiro para a construo dos seus 105 lotes, distribudos entre as 100

    famlias assentadas mais a rea de reserva ambiental. Vale ressaltar que, nesse

    16

    http://www.gloria.se.gov.br

    http://www.gloria.se.gov.br/

  • 27

    assentamento rural, havia 1 representante na composio do Conselho Municipal de

    Desenvolvimento Sustentvel (CMDS)17

    .

    J o assentamento Lus Beltrame est localizado no municpio de Nossa Senhora

    da Glria, em proximidade com o municpio de Carira, tendo 20 famlias assentadas.

    Alm disso, este assentamento tinha um conselheiro que representava o CMDS.

    Por fim, o assentamento Z Emdio localiza-se no municpio de Nossa Senhora

    da Glria, sendo este mais prximo do permetro urbano da cidade (cerca de 20 km) e

    possui 23 famlias assentadas. Este assentamento se destaca pela organizao e pela

    participao poltica das mulheres assentadas, existindo nessa localidade um coletivo de

    mulheres mobilizado.

    A vivncia acadmica adquirida desde o perodo da graduao possibilitou uma

    leitura panormica das condies sociais dos assentamentos rurais, bem como o nvel de

    participao de assentados em conselhos gestores do municpio e esse ltimo nos

    chamou a ateno, pois dos 6 assentamentos pesquisados nessa localidade, 3 tinham

    representantes nos conselhos (ver abaixo, grfico-2), principalmente no CMDS.

    No decorrer da pesquisa-ao, percebemos que, dos seis

    assentamentos trabalhados, trs tinham representantes em tal conselho

    (assentamento Ado Preto, Lus Beltrame e Z Emdio, este tem dois

    conselheiros) o que nos chamou a ateno. Uma vez que mostra que o

    Movimento dos Trabalhadores Sem Terra-MST comea a perceber a

    importante estratgica de atuao dentro dos conselhos gestores, como

    uma garantia de reivindicao e de acesso aos direitos sociais, logo, a

    participao e o controle social, por esse grupo, no Conselho de

    Desenvolvimento Sustentvel so de contribuio para a manuteno

    da produo do assentamento (KATHYUSCIA, 2013, p.61).

    Grfico 2- Frequncia de representao de assentados (as) em Conselho Gestor do

    municpio

    17

    Esse conselho, como veremos no captulo 4, considerado pelos movimentos do campo crucial para o

    acesso obteno dos recursos voltados para a rea de produo agrcola.

  • 28

    Fonte: Dados da pesquisa de campo (2012).

    importante ressaltar que, inicialmente, haviamos escolhido, como recorte

    emprico da pesquisa, os assentamentos que tm representantes em conselhos gestores

    do municpio. Sendo assim, os escolhidos foram os assentamentos Ado Preto, Lus

    Beltrame e Z Emdio como lcus de anlise de pesquisa. Porm, tal demarcao no

    foi possvel por decorrncia do prprio desenvolvimento da pesquisa de campo. Nesse

    sentido, conseguimos coletar as informaes dos assentados e que foi (ou ) conselheiro

    mediante as disponibilidades tanto para encontr-los como para conceder as entrevistas

    semiestruturadas. Portanto, foram entrevistados militantes que pertenciam a um desses

    assentamentos (o Ado Preto), bem como os que pertenciam a outros assentamentos

    rurais. E sobre essa coleta destacaremos, a seguir, na metodologia.

    1.3. Metodologia

    Considerando que o objetivo geral da pesquisa foi o de analisar a participao

    sociopoltica do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) em conselhos

    gestores de Nossa Senhora da Glria, isto , examinar se essa prtica correspondeu (ou

    no) a uma (nova) estratgia poltica do movimento, bem como uma possvel

    redefinio identitria dos integrantes do movimento, optamos pelo uso da metodologia

    qualitativa para a realizao de um estudo, ainda que no de modo exclusivo.

    0 0,5 1 1,5 2 2,5

    Assentamento Ado Preto

    Assentamento Emlia Maria

    Assentamento Fortaleza

    Assentamento Lus Beltrame

    Assentamento Z Emdio

    Assentamento Z Ribamar

    no h representao doassentamento em conselhogestor.

    N de representante/s, porparte do assentamento, emconselho gestor do municpio

  • 29

    Mesmo reconhecendo os riscos de usar a metodologia qualitativa18

    em pesquisa

    sociolgica mediante a dificuldade de analisar sistematicamente os dados e,

    principalmente, por reconhecer que tal metodologia est entrelaada por interao,

    atravs da relao pesquisador-pesquisando, que procuramos levar em considerao a

    chamada vigilncia epistemolgica (BOURDIEU; CHAMBOREDON; PASSERON,

    2010). Isto , lanar os cuidados cientficos com a sociologia espontnea, sociologia

    esta caracterizada pelas pr-noes, as iluses do senso comum e do profetismo.

    Nesse sentido, estabelecemos na construo do modelo analtico recortes

    especficos de algumas das ferramentas da metodologia qualitativa, das quais achamos

    pertinente conforme o objetivo proposto da pesquisa. Para tanto, fizemos uso da

    pesquisa documental, da observao direta e de entrevistas semiestruturadas. Ademais,

    utilizamos de dados estatsticos como complemento metodolgico.

    O uso da pesquisa documental 19

    foi um dos primeiros passos no

    procedimento metodolgico, pois, inicialmente, levantamos as diretrizes polticas do

    MST a fim de ampliar as referncias sobre a questo da participao desse movimento

    na esfera institucional, que, aqui, destacamos os conselhos gestores. Durante este

    procedimento, pudemos coletar informaes sobre o processo pr-congressual do MST,

    sendo destacadas as discusses tericas sobre o campesinato brasileiro e, sobretudo, as

    polticas no tocante aos novos rumos que o MST iria debater e deliberar no seu VI-

    Congresso Nacional. Alm disso, levantamos o aspecto organizacional do MST: direo

    coletiva, diviso de tarefas, disciplina militante e suas instncias. E estes aspectos

    (como veremos na anlise dos resultados) esto intimamente ligados concepo de

    participao para o movimento.

    Outro levantamento documental, este mais com o objetivo de elaborar o

    Estado da Arte, foi a consulta ao acervo da Documentao Sergipana da UFS para

    levantar possveis trabalhos acadmicos que se assemelhassem ao nosso. Obtivemos trs

    pesquisas, sendo duas desenvolvidas como Trabalho de Concluso de Curso (TCC)

    vinculados ao curso de Servio Social e a outra diz respeito a uma dissertao defendida

    18

    H uma preocupao e controvrsias dentro do universo acadmico para com a alta credibilidade dada

    aos dados coletados em trabalho de campo, de dar muito valor como evidncia a concluses obtidas.

    Assim, importante manter o controle sobre a frequncia e distribuio do fenmeno social, assim vale

    explicitar os contextos das observaes alm da descrio minuciosa do objeto estudado. (BECKER,

    1994) 19

    O levantamento documental uma das fontes de informaes mais corriqueiras nas cincias humanas.

    (LAVILLE, 1999).

  • 30

    em 2013 pelo Programa de Ps-Graduao em Sociologia20

    . O primeiro trabalho, de

    Santanta; Maranho; Sampaio (2002), retrata a experincia do Oramento Participativo

    em Aracaju durante a gesto 2001- 2004, numa perspectiva de verificar a participao

    popular alm de propor alternativas viveis consolidao deste instrumento21

    . O outro

    trabalho de Ana Ribeiro e Marylane Santana (2002) consiste no estudo comparativo dos

    CMDRs do municpio de Salgado e Paripiranga, onde procurou analisar tambm a

    percepo dos conselheiros e associados quanto atuao do CMDRS e a prpria

    poltica agrcola do governo, efetivada atravs do PRONAF. Por fim, encontramos uma

    dissertao defendida por Rabelo (2013), teve como objetivo entender de que forma se

    dava a participao de cada um e, especificamente, desmistificar a pr noo de que

    esses conselheiros seriam leigos em relao aos saberes polticos, associativismos,

    acadmicos e, portanto, no possuam habilitaes requeridas para participar das

    decises do conselho com mais propriedade.

    Em um segundo momento, realizamos a pesquisa de campo em Nossa Senhora

    da Glria, levantamos os documentos oficiais dos conselhos municipais. Sendo assim,

    foram levantados os regimentos internos, as leis municipais de criao dos conselhos,

    os decretos de composio, os editais de processo eleitoral e demais fontes secundrias

    que fossem disponibilizadas. Em suma, foram esses os levantamentos de fontes de

    informao sobre o objeto estudado, a participao do MST em conselhos gestores.

    Em 2014 tivemos a oportunidade de realizar uma observao direta no VI

    Congresso Nacional do MST, ocorrido, durante o perodo de 10 a 14 de fevereiro de

    2014, em Braslia/DF. L, obtivemos dados importantes para o alcance do objetivo

    principal da pesquisa. Realizamos 3 entrevistas com as principais lideranas nacionais

    do MST (sendo representantes do Rio Grande do Sul, Par e Sergipe), abordando a

    questo de sua participao em conselhos gestores. Ademais, coletas de relatos dos

    mesmos entrevistados sobre a experincia que tiveram na condio de representantes de

    conselhos, sendo que dos 3 entrevistados, 2 j foram conselheiros (o do Rio Grande do

    Sul e o de Sergipe). Alm dessas entrevistas, tivemos a oportunidade de manter

    conversas informais durante a realizao do congresso do movimento com ex dirigente

    20

    Ambas contriburam para a nossa justificativa de projeto de pesquisa no sentido de trazer um novo

    olhar sobre a questo de participao em conselhos. 21

    O mtodo de anlise era o materialismo histrico dialtico. (SANTANA, Glcia; MARANHO, Lia;

    SAMPAIO, Karlene. TCC, 2002).

  • 31

    estadual e assentados rurais que nos compartilharam as suas expectativas frente quele

    evento.

    importante destacar que, a possibilidade de fazer a observao direta durante

    a realizao do VI Congresso Nacional do MST foi ao encontro do que significou tal

    procedimento. Ou seja, encontrar informaes (de preocupaes da pesquisa) atravs da

    observao do prprio fenmeno e interrogar pessoas envolvidas neste campo. E para

    ns, a observao direta no congresso do MST foi enriquecedora e de certo privilgio

    no contato direto com o objeto de estudo. Mesmo considerando que, com base em

    Laville; 1999, p. 176). a observao como tcnica de pesquisa no contemplao

    beata e passiva; no tambm um simples olhar atento. essencialmente um olhar

    ativo sustentado por uma questo e por uma hiptese.

    Outra tcnica de coleta de dados foi realizao de entrevistas semi-

    estruturada. Ressaltamos que o uso das entrevistas em procedimentos metodolgicos

    no est isento de valores prprios ou crenas do pesquisador. Nesse sentido, faz-se

    necessria a vigilncia epistemolgica para com o uso das tcnicas, para assim no fazer

    com que o roteiro de entrevistas no influencie a reposta, da a importncia de

    considerar que a tcnica metodolgica como sendo uma teoria em atos, isto , que

    precede de uma construo de pressupostos tericos (GOODE, 1979).

    A srie de perguntas abertas com o intuito de acrescentar perguntas de

    esclarecimento, portanto, o uso de entrevista semiestruturada possibilitou intercalar os

    diferenciados roteiros; isto porque, foram elaborados 5 roteiros de entrevistas

    direcionadas a:

    1) Dirigente nacional do MST, para saber do posicionamento do

    MST, em nvel nacional, sobre a participao em conselhos;

    2) Dirigente estadual do MST (da regional de Nossa Senhora da

    Glria), a fim de conhecer os motivos e finalidades de integrantes

    do MST de Glria participarem de conselhos;

    3) Militante do MST e que (ou j foi) conselheiro municipal, para

    coletar as experincias vividas nessa atuao poltica;

    4) Representao governamental de Conselho Municipal, com o

    intuito de saber as impresses da parte governamental frente

    participao do MST nos conselhos;

  • 32

    5) Representante da sociedade civil (exceto do MST), pois

    possibilitaria um olhar de outra instituio no-governamental

    diante da atuao do MST em conselhos.

    A realizao dessas entrevistas favoreceu a construo de um corpus emprico.

    Sendo que, ao todo, foram levantadas as seguintes fontes de informaes:

    a) Trs entrevistas aos dirigentes nacionais do MST, incluindo o representante

    de Sergipe, que compe a direo nacional;

    b) Uma entrevista ao dirigente estadual e da regional do MST de Nossa

    Senhora da Glria;

    c) Duas entrevistas representao governamental (Coordenadora Executiva

    do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher-CMDM e Assistente Social

    da Secretaria Municipal da Assistncia Social de N. Sr da Glria);

    d) Cinco relatos de militantes do MST que j foram (ou so) conselheiros;

    e) Um relato da representao da sociedade civil (Sindicato dos Servidores

    Pblicos de N. Sr da Glria-SINDSERVE);

    Em suma, foram 12 entrevistas gravadas e transcritas22

    . Estas foram cruciais

    para a anlise e, sobretudo, a averiguao da hiptese deste trabalho dissertativo, bem

    como a anlise da observao direta feita na pesquisa de campo.

    No foi utilizada a aplicao de questionrio, pois acreditamos que as

    procedncias metodolgicas j citadas foram suficientes. Alm disso, as entrevistas se

    diferenciam de um questionrio, ao passo que esse ltimo padroniza as respostas e

    neutraliza a relao pesquisador/pesquisado23

    , como destacaram Beaud & Weber

    (2007).

    22

    Este tipo de entrevista pode ser denominado de Entrevista Etnogrfica. Segundo Beaud & Weber

    (2007), esta entrevista aprofundada corresponde a um processo de interao singular entre o entrevistado

    e o entrevistador, onde nessa relao interacional que so liberados os pontos chave da pesquisa. Da, a

    necessidade de relacionar, de modo transversal, cada entrevista (etnogrfica), bem como de fazer uma

    anlise da mesma. 23

    Entretanto, h controvrsias sobre este pensamento. Segundo Bourdieu; Chamboredon; Passeron, 2010,

    a noo de neutralidade de um questionrio e entrevista sociolgica pode ser desconstruda na medida

    em que o pesquisador acaba acrescentando seu juzo de valor. importante que o pesquisador reconhea

    o risco da imposio de problemtica no processo de construo de seu questionrio, na medida em que o

    mesmo pode acabar impondo aos sujeitos questes que no condizem com a realidade da pesquisa. Essa

    imposio se d, na maioria das vezes, por diferenas de contextos sociais e culturais adversos tanto do

    pesquisado como do pesquisador, o que consequentemente acarreta tambm em desnveis de

    comunicao (BEAUD &WEBER, 2007).

  • 33

    Por fim, outro procedimento metodolgico foi o levantamento de dados

    estatsticos. Em especial, os fornecidos pelos bancos de dados do Instituto Brasileiro de

    Geografia e Estatstica (IBGE); do Censo Agropecurio (2006); do Banco de Dados da

    Luta pela Terra (DATALUTA); do Ncleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma

    Agrria (NERA); e Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria (INCRA).

    Justifica-se este procedimento para uma aproximao relacional entre dados qualitativos

    e quantitativos, dos quais possibilitou uma melhor apresentao e descrio das

    condies socioeconmicas do municpio de Nossa Senhora da Glria, conforme

    exposto na introduo deste trabalho.

  • 34

    2. Movimentos Sociais: Uma categoria em anlise

    Pretende- se no decorrer deste captulo destacar as abordagens sobre Movimentos

    Sociais. Sendo assim, trarei as principais vertentes analticas e destacarei a que melhor

    subsidiou a anlise deste trabalho, que foi a Teoria dos Novos Movimentos Sociais

    (NMS). Alm disso, apresento uma breve caracterizao dos contextos sociais que

    contriburam na emergncia dos (novos) movimentos sociais.

    Para compreender os movimentos sociais no basta se debruar apenas sobre

    eles, mas tambm considerar o cenrio sociocultural e poltico afirmou Domingues

    (2007). Para tanto, recorro aos trabalhos do aludido autor com intuito de uma melhor

    contextualizao dos processos histricos dos movimentos sociais que impulsionou o

    surgimento de (novas) teorizaes sobre estes fenmenos. O autor trabalha com (trs)

    fases da modernidade como baliza de anlise sobre os movimentos sociais.

    A primeira fase da modernidade correspondeu era da primeira Revoluo

    Industrial (sculo XIX), em que o mercado passa a ser o centro da ordem social.

    tambm nesse perodo que ocorre o movimento migratrio campo- cidade, no qual

    muitos camponeses expropriados de suas terras tornaram- se operrios, desencadeando

    conflitos no processo de desocupao de terras. Acerca dessas transformaes no Brasil,

    importante destacar o contundente trabalho de Ianni (2004), quando o mesmo

    descreveu as alteraes objetivas dos sujeitos pertencentes ao mundo do trabalho rural,

    de acordo com as metamorfoses vividas pela prpria economia capitalista e dos perfis

    que o trabalhador rural assumiu, assim como as suas lutas polticas. E essas mudanas

    significativas, conforme Ianni (2004) exps sobre a cena poltica do trabalhador e do

    aspecto de sua organizao poltica, foi (e ainda ) importante no conflito de classes.

    Nesse cenrio, lutas pela reforma agrria, direitos trabalhistas e previdencirios, como a

    da livre organizao sindical, deram a tnica para as reivindicaes populares.

    A segunda fase da modernidade correspondeu a de consolidao do mercado e da

    era da segunda Revoluo Industrial, onde destaca se o modelo Fordista de Produo

    (racionalizao da produo capitalista; sistema de produo em massas). Essa fase

    tambm se caracteriza, no continente europeu, como a era do Estado de Bem Estar

    Social cujos traos, segundo Offe (1991), eram de frmula de paz para as democracias

  • 35

    capitalistas. Alm disso, o abrandamento do conflito de classe (negociaes coletivas

    entre o capital e o trabalho) e de obrigao explcita do mecanismo estatal de

    proporcionar assistncia e apoio aos cidados, doravante das polticas keynesianas (a

    exemplo da interveno do Estado na economia. Por fim, assegurar direitos polticos e

    sociais; entre outros). Em suma durante todo o perodo de ps- guerra, o Estado Social

    foi celebrado como a soluo poltica para as contradies sociais (OFFE, 1991, p.

    114).

    J na Amrica Latina destacaram-se o movimento campons e os movimentos

    comunitrios ligados ao mercado informal de trabalho e as precrias condies de vida

    das populaes migratrias para as cidades. Deve se observar que a distribuio dos

    movimentos sociais em terras espaciais se dava mediante as prprias condies

    econmicas das minorias. Por exemplo, no Mxico, Peru, Bolvia, Venezuela,

    Nicargua e Cuba apresentaram-se muitos movimentos populares sob o lema

    reivindicatrio da concentrao latifundiria, ao contrrio dos da Argentina e Chile que

    eram mais urbanos, pautados pelas reivindicaes dos direitos humanos, a exemplo dos

    movimentos negros, de mulheres e LGBT.

    A partir dos anos 1980, poca de maior produo acadmica sobre o tema, de

    acordo com Domingues (2007), os movimentos sociais populares urbanos passam ser

    analisados de modo mais aprofundado. Alm disso, houve incorporaes de noes

    vindas da antropologia e da educao popular. Nesse mesmo perodo, houve mudanas

    no foco de anlise das pesquisas sobre movimentos sociais, pois o olhar no estava mais

    nas determinaes estruturais da economia sobre aes coletivas, mas sim o eixo de

    anlise era a identidade, as falas e as prticas cotidianas dos movimentos. Isto porque os

    pesquisadores estavam sobre influncia de novos estudiosos europeus: Thompson

    (1987), Foucault (2012) e Offe (1991).

    Com base em Domingues, a (atual) terceira fase da modernidade inicia-se com a

    emergncia do Neoliberalismo24

    . a fase do processo de reestruturao produtiva, da

    crescente globalizao econmica e cultural tornando assim a sociedade mais complexa

    24

    O Neoliberalismo nasceu logo depois da 2 Guerra Mundial, na regio da Europa e da Amrica do

    Norte, com a chegada da grande crise do modelo econmico do ps- guerra, em 1973, quando todo o

    mundo capitalista avanado caiu numa longa e profunda recesso. A partir da, as principais ideias

    neoliberais, como o reordenamento de prioridades das despesas pblicas; liberalizao do comrcio e do

    investimento estrangeiro direto; desregulamentao de direitos sociais e a privatizao passaram a ganhar

    terreno. (ANDERSON, 2012)

  • 36

    e plural mediante os desdobramentos da (ps) modernidade25

    . O incio dessa fase

    tambm marcado pelo movimento transitrio do regime poltico democrtico em toda

    a Amrica Latina, a qual antes era dirigida por regimes autoritrios. Ademais, para

    Domingues, este perodo corresponde fase crucial na compreenso das caractersticas

    e potencialidades dos novos movimentos sociais latino-americanos haja vista que

    encontramos de um lado os condicionamentos sociais (a fragmentao da classe

    trabalhadora) e do outro as questes e possibilidades institucionais a exemplo da luta

    pela democracia e pela participao popular e controle social por parte da sociedade

    civil. Esse cenrio propiciou, em certa medida, o surgimento de novas reivindicaes,

    bem como o surgimento de novos movimentos sociais pautados por uma nova cultura

    poltica.

    Os anos de 1980 foram para os movimentos sociais um tempo de disputa de

    projeto societrio. Pode-se que dizer que o almejado era a criao de novas

    sociabilidades de carter pblico; participativo; universalizantes e, sobretudo,

    democrtico (GOULART, 2009). neste cenrio que, se destacaram as Organizaes

    No Governamentais (ONGs) e os conselhos, conforme irei abordar no prximo

    captulo.

    Essa apresentao da trajetria dos movimentos sociais ao longo dos perodos

    histricos procurei chamar ateno as condies scio histricas influenciam na

    dinmica dos movimentos sociais. Assim como os impactos do ps- industrial

    corroborou para os primeiros levantes do movimento operrio, as vicissitudes da

    histria contempornea contriburam (e ainda contribuem) no amoldamento dos (novos)

    movimentos sociais. Tal modo, tambm se refletiu no campo intelectual, donde

    surgiram diferentes tipos de abordagem sobre os movimentos sociais.

    2.1Os tipos de abordagem dos movimentos sociais

    25

    Segundo Gran Therborn (2012, p. 35), O ps- modernismo alimentou- se da desmoralizao e da

    incerteza da esquerda durante a euforia do fim dos anos 60 e comeo dos anos 1970. Sua crtica razo e

    racionalidade se fortaleceu na maquinaria de imagens da sociedade televisiva, dando suporte aos

    estudos culturais acadmicos. Havia, alm disso, outros dois pilares no novo edifcio da ps-

    modernidade. Um foi a reestruturao social que surgiu a desindustrializao- uma poca de mudana

    social.o outro foi a crtica ao progresso modernista que surgiu com as preocupaes ecolgicas- que, por

    sua vez, intensificaram- se com a crise do petrleo dos anos 1970 e incio dos anos 1980.

  • 37

    No mbito da anlise dos movimentos sociais, feita pelas Cincias Sociais, as suas

    principais matrizes referenciais se apresentam em trs partes: a primeira de uma

    abordagem norte americana sobre a ao coletiva, em que se destacam as teorias

    clssicas; a teoria da Mobilizao de Recursos e teorias sobre a Mobilizao Poltica

    contempornea. A segunda parte aborda a produo terica europeia; das teorias

    marxistas clssicas teoria dos Novos Movimentos Sociais. E por fim, a terceira parte

    diz respeito ao paradigma Latino Americano, o qual sobressai anlise a respeito dos

    movimentos populares latinos de esfera urbana e rural, bem como os estudos sobre os

    movimentos identitrios (gnero, etnia, ambientalistas, direitos humanos, etc.) (GOHN,

    1997).

    Ressalto que a teoria dos Novos Movimentos Sociais (NMS), a meu ver, traz

    considerveis contribuies para o arcabouo terico metodolgico de pesquisa. Uma

    vez que, ao esmiuar a dinmica interna dos conselhos gestores destacando a

    conflitualidade, os atores sociais (militantes), bem como o contexto social, percebo

    como a anlise somente limitada as questes macroestruturais ou meramente de

    mobilizao de recursos (financeiros e/ ou humanos) no oferece suporte para tal

    pretenso analtica. Assim, preciso alargar o olhar e considerar tambm as motivaes

    das aes sociais dos conselheiros (militantes) e possivelmente as alteraes na

    constituio das identidades coletiva (e dos processos identitrios) desses atores sociais.

    Inicialmente, o paradigma norte americano se inscreve no mesmo processo em

    que se inicia a sociologia enquanto disciplina nessa regio. Essa abordagem foi pioneira

    na teorizao sobre as Aes Coletivas, cuja base terica alicerada pela teoria da

    Ao Social26

    com nfase na compreenso dos comportamentos coletivos: Assim, os

    comportamentos coletivos eram considerados pela abordagem tradicional norte-

    americana como fruto de tenses sociais (GOHN, 1997, p. 25).

    26

    A teoria da Ao Social foi preconizada nas cincias sociais por um dos fundadores da sociologia

    moderna: o socilogo alemo Max Weber (1864- 1920). Por ao entende-se- segundo o conceito

    sociolgico weberiano- neste caso, um comportamento humano (tanto faz tratar-se de um fazer externo ou

    interno, de omitir ou permitir) sempre que na medida em que o agente ou os agentes o relacionem com

    um sentido subjetivo. Em outras palavras, um comportamento humano dotado de um sentido subjetivo.

    Ao social por sua vez, significa uma ao que, quanto o seu sentido visado pelo agente refere- se ao

    comportamento de outros, orientando-se por este em seu curso, logo, a ao social uma ao que se

    refere ao comportamento do outro. Desta forma a ao s ao social, segundo Weber, se apresentar

    duas caractersticas indissociveis, a de conter um sentido subjetivo, isto , dotado de inteno no outro,

    seja boa ou ruim; e por fim, conter um motivo, o que a ao representa para o agente ( a razo da ao),

    caso contrrio, ser, como o prprio Weber diz, um simples modo de conduta reativo (agir sem pensar;

    espontneo). Para uma melhor compreenso da teoria da Ao Social, ler: WEBER (2004).

  • 38

    Dentro do paradigma norte-americano destaca- se duas principais correntes

    tericas: a Escola de Chicago e o Interacionismo (Simblico). A Escola de Chicago, sob

    influncia de um cenrio impulsionado pelo progresso do ps- guerra, buscou colocar a

    sociologia como um campo autnomo de investigao, logo, deveria buscar leis

    cientficas para descobrir como a mudana social ocorria haja visto que esta categoria

    um dos enfoques da Escola de Chicago, bem como a noo de comunidade (ecolgica).

    (LALLEMENT, 2012)

    Com a consolidada dominao americana no campo internacional, aps o fim da

    2 guerra mundial, a teoria estrutural funcionalista (de Parsons) 27

    torna-se hegemnica

    na sociologia americana. Mas, os abalos nos Estados Unidos na dcada de 1970

    contribuiram para o declnio do funcionalismo. Assim, tericos de diferentes correntes

    atacaram a teoria funcionalista e passaram a tambm se destacar e terem mais

    visibilidade, como aconteceu com as teorias do pragmatismo e da sociologia norte-

    americana. Podemos ter como destaque dessa teoria o Howard Becker e sua sociologia

    do desvio e Erving Goffman e a sua dramaturgia cotidiana.

    Em suma, ao contrrio dos seguidores de uma primazia da estrutura social como

    determinante na dinmica da sociedade, os interacionistas- tanto da vertente do

    interacionismo simblico, como da Etnometodologia- buscaram nos processos

    interacionais a explicao dos fenmenos sociais. Nesse sentido, o interacionismo tem

    como foco analtico o ator social e suas relaes sociais (COLLINS, 2009).

    Da Escola de Chicago e do Interacionismo Simblico para as teorias

    contemporneas norte americana da ao coletiva e dos movimentos sociais destacaram-

    se o predomnio da Teoria da Mobilizao de Recursos (MR).

    A teoria da Mobilizao de Recursos surgiu em meio s manifestaes dos anos

    60 do sculo XX- perodo em que Domingues denomina de a segunda fase dos

    movimentos sociais, como foi esboado anteriormente. Diante das (novas)

    27

    O principal ponto de partida da abordagem funcionalista o de buscar analisar uma sociedade como

    uma estrutura em funcionamento. Seu principal questionamento: como possvel ordem social? foi

    um dos nortes da sociologia de Parsons, na tentativa de compreenso do funcionamento das estruturas do

    sistema social. Com base em Wright Mills (1965, p. 43- 44), a sociologia, segundo Parsons, relaciona-se

    com aquele aspecto da teoria dos sistemas sociais que se ocupa dos fenmenos da institucionalizao dos

    padres do valor- orientao no sistema social, com as condies dessa institucionalizao; e das

    modificaes dos padres, com condies de conformidade com e de desvios de uma srie de tais

    padres, e com processos motivacionais na medida em que esto nelas envolvidos. No mbito da questo

    dos movimentos sociais a teoria (funcionalista) de Parsons d respaldo terico para entender o

    comportamento coletivo dos grupos sociais expresso em movimentos.

  • 39

    caracterizaes emergentes nos movimentos sociais a teoria da MR critica o paradigma

    tradicional (norte americano) pela nfase, at ento, dada a psicologia como foco

    explicativo da ao coletiva, bem como as anlises centradas no comportamento

    coletivo dos grupos sociais. Assim, segundo Mayer (1991 apud GOHN, 1997 p. 51):

    A MR emergiu de um esforo para analisar os movimentos sociais dos

    anos 60 e, como consequncia, reflete suas contradies de

    emergncia, dinmica, desenvolvimento, estrutura de organizao etc.,

    em contraste com as abordagens clssicas que procuravam explicar os

    movimentos de massa dos anos 20 e 30, os quais eram totalmente

    diferentes dos tipos de movimento dos anos 60.

    Em sntese, a teoria da Mobilizao de Recursos busca explicar os movimentos sociais

    sobre a tica organizacional, e no mais pelo mbito individual. Organizao esta, que

    envolve variveis de recursos humanos; financeiros e de infraestrutura.

    No que concerne os estudos sobre os movimentos sociais do campo, mais

    especificamente o MST, sobre o ponto de vista da teoria da MR h uma vasta literatura

    (FERNANDES, 1996; 1998;). Basicamente, os primeiros estudos das cincias sociais

    sobre o MST esto ancorados na perspectiva da Teoria dos Recursos. At porque, tal

    movimento surgiu com um diferencial organizativo: direo coletiva; diviso de tarefas;

    disciplina e etc. (GOIRAND, 2009).

    Embora a Teoria da Mobilizao de Recursos trouxesse a questo da organizao

    como eixo central de anlise dos (novos) movimentos sociais, torna- se necessrio

    destacar suas limitaes. As principais crticas direcionadas a MR de que compreende

    o movimento social como burocrtico, isto de modo pejorativo, de relaes

    impessoais estabelecidas via regras e controles de procedimentos. Assim, se deixa

    passar despercebidos os valores, as ideologias, as culturas e identidades presentes no

    seio do movimento. Alm disso, de no distinguir movimento social de ao coletiva,

    de acordo com Gohn (1997).

    Com o decorrer da dcada de 1970, os percussores da MR (a exemplo de

    Gusfield, 1996) aceitaram as crticas construtivas e buscaram alargar seu foco de anlise

    que antes davam primazia questo organizativa meramente no mbito econmico.

  • 40

    Nesse sentido, se passou a enfatizar tanto o processo poltico como a anlise cultural na

    interpretao dos movimentos sociais28

    .

    Por fim, o paradigma norte americano aps suas revises trouxe aproximaes

    com o paradigma europeu no que diz repeito a Teoria dos Novos Movimentos Sociais.

    Isto porque conseguiu ampliar seu olhar sobre os movimentos sociais para alm do seu

    mbito organizacional, passando assim a considerar os aspectos culturais e,

    principalmente, polticos na constituio da identidade (coletiva) do movimento social.

    Entretanto, h quem mantenha a crtica (a exemplo de GOHN, 1997), sobre o paradigma

    norte americano, de que tal marco terico acaba dando primazia anlise

    macroestrutural e produzindo generalizaes a despeito dos movimentos sociais e at

    mesmo negligenciando a questo da sociedade civil.

    Os paradigmas europeus sobre os movimentos sociais assim como o latino

    americano, que veremos a seguir destacaram se aps as contestaes dos anos 60 do

    sculo passado. Vale ressaltar mais uma vez que, o contexto propriamente dito do Maio

    de 6829

    foi significante para as ramificaes de abordagens tericas na Europa30

    . nesse

    sentido que encontramos dentro deste paradigma, duas principais correntes: a

    neomarxista e a dos Novos Movimentos Sociais.

    28

    Da teoria contempornea norte- americana destaco dois trabalhos. O primeiro o de Elisabeth Clemers

    (2010), que traz apontamentos pertinentes para a compreenso da relao entre Movimentos Sociais

    versus instituies Polticas. E, o segundo o de Camille Goirand (2009), que destacou as mudanas

    ocorridas na poltica com a chegada de integrantes de esquerda ao poder, mais precisamente o caso do PT

    no Brasil. Este texto auxilia na compreenso das dinmicas de mudana na estrutura organizacional de

    um movimento poltico, bem como de suas ideologias. 29

    O Maio de 68 foi marcado por um perodo de sucessivas manifestaes polticas em vrios pases

    (Frana, Itlia, Alemanha, Estados Unidos, Brasil) sob o prisma das reivindicaes de liberdade

    individual e por uma nova cultura poltica, marcando assim um divisor de guas para os movimentos

    polticos posteriores (BADIOU, 2012). 30

    A respeito das interpretaes feitas ao movimento do Maio de 68 (na Frana) destaco o trabalho da

    Gohn (2013), cujo objetivo foi o de analisar as teorias sociais e culturais que deram suporte ao

    movimento e que no ps-maio de 68 vigoraram, possibilitando assim novas interpretaes sobre

    juventude e os (novos) movimentos sociais. Gohn nos lembra de que a dcada de 1960, mais

    precisamente em 68, foi considerada a era da teoria, isto porque foi um perodo de forte produo

    terica, em destaque: J. P. Sartre; S. Beauvoir; L. Althusser; A. Touraine; P. Bourdieu; H. Marcuse, G.

    Debord; E. Morin[...] Sendo que, o pilar das manifestaes foi o da sigla MMM (conforme era expressado

    nas pichaes dos muros de Paris), se referindo a Marx; Mao; Marcuse. Embora, no foi s a Teoria

    Crtica da Escola de Frankfurt o grande substrato terico que deu origem as revoltas e rebelies. O

    socialismo libertrio, especialmente o anarcosocialismo do final do sculo XIX e incio do sculo XX, e

    as teorias de Nietzsche deram suporte as ideologias criadas no calor das aes, expressas nos muros da

    cidade de Paris. Dentre as anarquistas, as ideias de Bakunine e Kropotkin estiveram muito presentes nos

    ideais libertrios de 1968, especialmente as concepes sobre ajuda mtua e autogesto e a crtica ao

    consumo de Kropotkin, assim como as ideias contra o Estado opressor de Bakunin[...] Guy Debord, com

    a Sociedade do Espetculo, foi tambm um grande inspirador de militantes e lideranas estudantis no

    Maio de 1968 francs. (Gohn,2013, p. 102- 103).

  • 41

    Na corrente neomarxista temos as teorias dos historiadores ingleses

    Hobsbawm, Rude e Thompson, e a teoria histrico- estrutural

    representada pelos trabalhos de Castells, Borja, Lojkine, nos anos 70 e

    80. Na corrente dos Novos Movimentos Sociais destacam- se trs

    linhas: a histrico- poltica de Clauss Offe, a psicosocial de Alberto

    Melucci, Laclau e Mouffe, e a acionalista de Alan Touraine. Alguns

    analistas agrupam os trabalhos de Castells, Touraine, Laclau, Offe etc.

    sob o rtulo de neomarxistas (GOHN, 1997, p.119).

    A importncia da teoria dos NMS est relacionada visibilidade que ganhou nos

    paradigmas europeus. Uma vez que, tal teoria se destacou pelas contundentes crticas

    feitas ao marxismo (ortodoxo). Vale lembrar tambm que era um perodo critico para a

    abordagem marxista, haja vista a crise do socialismo real pela qual passavam os pases

    modelos comunistas31

    .

    As principais crticas feitas pelos tericos do NMS ao marxismo, e que acabaram

    se configurando caractersticas gerais, foram: a) a viso de cultura; b) da ideia de

    conscincia de classe; c) do marxismo como referencial terico de anlise das

    manifestaes da poca; d) negao do sujeito histrico (universal); e) da concepo de

    poltica; f) e o aspecto de antagonismo social. (GOHN, 1997)

    Se para o marxismo, cultura est entrelaada com a noo de ideologia (falsa

    conscincia) para a abordagem do NMS, a cultura, ou melhor, as prticas culturais so

    expressas atravs da linguagem, do discurso. nesse sentido que tambm a categoria

    da conscincia de classe no tem relevncia no paradigma dos NMS, mas apenas a das

    ideologias, atuando no campo da cultura (GHON, 1997: 122).

    Como nos anos sessenta o que predominava na academia era o marco terico do

    Estruturalismo, porm com o apogeu das manifestaes de Maio de 68 tal

    predominncia se instabilizou. desse cenrio que alguns tericos (TOURAINE, 1998;

    LACLAU, 1978) colocaram em xeque as noes de estrutura, macro e objetividade e,

    assim, explica- se o porqu do paradigma dos NMS negarem o marxismo (estruturalista)

    como campo terico capaz de dar conta da explicao da ao dos indivduos e da ao

    coletiva. (GHON, 1997)

    Uma das caractersticas da teoria dos NMS e decorrente da crtica noo de

    sujeito histrico universal conforme o pensamento marxista a sua concepo como

    31

    A despeito da crise do campo socialista, ver Netto (2012).

  • 42

    coletivo difuso, logo, os que praticam a ao coletiva so os atores sociais. Desse modo,

    em oposio a esta objetividade (antagonismo; luta de classes; proletrio como sujeito

    histrico) presente no clssico marxismo, que Laclau e Mouffe32

    iro desenvolver suas

    definies de discurso; significante vazio; hegemonia, noes fundamentais para sua

    tese de Democracia Radical. (RODRIGUES & MENDONA, 2008).

    Nessa mesma perspectiva de resignificar a concepo de sujeito social pode-se

    tambm citar o filsofo francs Alan Touraine. Este teve no incio de sua trajetria

    intelectual a forte influncia do marxismo estruturalista de Althusser, cujas pesquisas

    voltavam-se a formao de uma conscincia de classe33

    . As destacadas contribuies do

    Touraine esto voltadas para a anlise dos movimentos sociais, principalmente os da

    Amrica Latina, pois considera os movimentos sociais como sujeito- ator.

    A ideia de sujeito, isto , do indivduo reconhecido como criador dele

    mesmo e, consequentemente, capaz de reivindicar contra todos o seu

    direito de existir como um indivduo portador de direitos, e no

    somente em sua existncia prtica. (TOURAINE, 2009, p.15)

    O ator capaz de atuar e modificar seu prprio meio social. Percebe- se que esta

    noo de sujeito, segundo o Touraine (2009) tangencia a influncia macroestrutural (ou

    parafraseando o prprio, foge do discurso interpretativo dominante 34

    ) e se deixa levar

    pelas motivaes de sua prpria ao social. Ademais, esta percepo resultado de seu

    pressuposto de sociedade ps- industrial35

    e que, logo, a condio contempornea

    tanto a fragmentao da vida social quanto a fragmentao do indivduo entre a

    racionalidade e a subjetivao (TOURAINE, 1998).

    Outro conceito que foi revisado e resignificado pela teoria dos NMS foi o de

    poltica. A poltica agora tambm est presente na vida social, para alm da