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O que é o poder? Gérard Lebrun

Edição de 1981 – Ed. Brasiliense

Filósofo francês que viveu entre 1930 e 1999.

A obra é dividida em cinco capítulos: “Apresentação do monstro”, “O Leviatã contra a cidade

grega, “O Leviatã e o Estado burguês”, “Comédia liberal” e “Último chefe”.

Primeira parte: “Apresentação do monstro”

Potência: “capacidade de efetuar um desempenho determinado, ainda que o ator nunca passe

ao ato”; disponibilidade “de recursos que podem aplicar a qualquer momento”. Potência para

exercer determinado ato. A potência é fundamental no âmbito das relações políticas.

Política: “A atividade social que se propõe a garantir pela força, fundada geralmente no direito,

a segurança externa e a concórdia interna de uma unidade política particular”. O elemento força

é fundamental ao conceito de política.

Força: “não significa necessariamente a posse de meios violentos de coerção, mas de meios que

me permitam influir no comportamento de outra pessoa”. “A força é a canalização da potência,

é a sua determinação”.

Deve-se falar, contudo, em poder, e não em potência, porque o poder é a explicitação muito

precisa da potência determinada por certa força. Associa-se o poder ao conceito de dominação

conforme definido por Max Weber: “a probabilidade de que uma ordem com um determinado

conteúdo específico seja seguida por um dado grupo de pessoas”.

Não se pode confundir poder com autoridade. Na visão do autor, a “obediência política” se

caracteriza pelo exercício do poder, e não da autoridade, já que “no horizonte [de tal obediência

política] sempre está presente, se não o temor, pelo menos a consciência da possível coação –

mesmo para aqueles (e são inúmeros) que nunca pensaram sequer em contestar a legitimidade

do poder”.

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O poder necessariamente pressupõe uma situação hierárquica: se “A” exerce poder sobre “B”,

significa dizer necessariamente que “A” está em posição superior em relação a “B”. Por mais

que haja uma relação amistosa entre “A” e “B”, um sempre exercerá poder sobre o outro. Esta

dominação é o “monstro” ao qual se refere o autor no título desta primeira parte.

Segunda parte: “O Leviatã contra a cidade grega”

Nesta parte o autor fala inicialmente a respeito do surgimento do Estado moderno. Começa por

afirmar que há uma clara transição social entre a “cidade antiga” e o Estado absolutista surgido

a partir do século XVI – primeiro pelo fato de que naquilo que chamaríamos de “esfera pública”

no âmbito da cidade grega antiga havia certa igualdade entre os homens e não o exercício do

poder (exercício este restrito à sua vida particular), e segundo porque antes o Estado atuava

apenas no âmbito público, e agora, no Estado moderno, passa a atuar também na esfera

particular. É a transformação, nas palavras do autor, da “multidão” em “corpo político”, sendo

a primeira nada mais do que indivíduos ou grupos dispersos em determinado espaço geográfico

enquanto a segunda seria “uma comunidade entendida como um corpo único”.

Tal distinção entre o “mundo antigo” e o “mundo moderno” se fundamenta no fato de que não

se pode pensar o Estado moderno em termos da distinção vida privada individual/domínio

público, entendendo-se esta última como a participação política nos rumos da cidade (como

ocorria no período antigo). Lebrun afirma que “fora da sua esfera e da sua família, o homem

não é mais quem participa da Cidade: pertence à sociedade (societas), isto é, ao conjunto das

relações jurídicas e econômicas que os indivíduos ou os grupos estabelecem entre si. [...] Ora,

a societas não é a cidade: é um conjunto de atividades que não têm por objetivo o bem comum,

e que apenas precisam exercer-se no quadro da paz”. E conclui: “em outras palavras, ele [o

homem] despolitizou-se”.

“É neste ponto remoto que principia a nossa modernidade: quando a comunidade não mais é

entendida como congregação de homens que são diretamente encarregados de zelar pelo

funcionamento do Todo, mas como uma congregação de homens (societas), a quem seus

próprios afazeres ocupam demais para que possam dedicar-se aos interesses do Todo, e que,

por isso, devem ser protegidos pela instância política, em vez de participarem dela”.

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É a potência do Estado que “coordena e unifica os indivíduos”, transformando-os desta

multidão em corpo político. Lebrun se fundamenta explicitamente na visão de Hobbes acerca

do surgimento do Estado, ou seja, no fato de que os indivíduos irão abrir mão de seus direitos

naturais – nomeadamente o direito à vida, com todas as suas consequências – em favor do

Estado, que passa a possuir o poder soberano e que, como tal, é completamente independente,

seja em relação às leis prévias, seja em relação às leis que ele mesmo vier a criar.

Lebrun, contudo, não vê o Estado hobbesiano como sendo um “absolutismo puro”. O autor

identifica dois argumentos que, segundo ele, demonstram que o Estado não pode “fazer o que

bem entender”: 1) O comportamento do soberano não pode frustrar a expectativa dos súditos

de terem uma vida “boa e cômoda”, já que foi para isto que estes depositaram o poder nas mãos

daquele; 2) A soberania não é apenas repressiva, mas também pressupõe uma espécie de

cumplicidade entre o súdito e o soberano, já que aquele sabe que deve se submeter à vontade

deste para ter garantida a segurança e a possibilidade de agir de maneira racional.

É aqui que surge a ideia hobbesiana de lei como resultado da vontade única do soberano. Mais

que isso, Lebrun destaca a lógica da necessidade, por parte do cidadão, de obediência à lei: “a

única razão que pode me ‘convencer’ a obedecer à lei é que ela é a lei – é saber que serei

castigado se a infringir”. Estas leis não necessariamente serão tirânicas – e aqui Lebrun afirma

que o serão “quando o Soberano tem em mira apenas o seu interesse próprio – mas há Soberanos

que agem em função do que lhes parece constituir o interesse de todos” – seria, por outras

palavras, o despotismo esclarecido. Mesmo assim este estado de coisas é positivo porque a

única razão à qual os homens obedecem é à razão do mais forte – sendo este mesmo o caso, na

visão de Lebrun, existente nos diálogos platônicos. Daí que “é por isso que a essência do Estado

é ser ele soberano”.

É por esta razão que “o poder não é uma função qualquer na cidade: ‘é a origem da cidade, é a

causa da sociedade dos associados’. Sem a soberania, ninguém teria aquela confiança mínima

que é necessária para que se sinta membro de uma sociedade”.

Terceira parte: “O Leviatã e o Estado burguês”

Lebrun afirma que o surgimento da soberania nos moldes anteriormente propostos, em contraste

com a cidade antiga – que orientava a todos para a “vida boa” – é o que garante a paz para

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todos, já que evita que um entre em conflito com o outro. Desta forma ele “quebra” com a

tradição aristotélica de que politizar o ser humano seria direcioná-lo para o bem comum ao

educá-lo de maneira moral: em vez disto, politizar o homem é levá-lo a seguir a paz e a

segurança, mesmo que seja à força, pois é isto que garante o bem comum.

Em seguida Lebrun apresenta as distinções sobre o conceito de propriedade em Hobbes e

Locke, distinções estas que trazem consequências para a ideia de liberdade nas esferas política

e econômica: para Hobbes o soberano, por ser absoluto, pode intervir na propriedade, o que não

ocorre em Locke (distinção entre o conceito de direito natural para os dois). Para Lebrun Locke

subverte o pensamento de Hobbes ao limitar o exercício da soberania por parte do Estado.

Assim, enquanto para Hobbes o poder é o “núcleo político do social”, para Locke o poder não

seria nada mais além de uma “instância que exerce uma função social determinada”. Locke

entende que o retorno ao estado de natureza é preferível em relação ao eventual abuso de poder

por parte do soberano, enquanto Hobbes enxerga esta relação em sentido contrário.

Neste contexto Lebrun apresenta o que entende como sendo o conceito de cidadão, conceito

este que não se relaciona com o anterior cidadão ateniense – ou seja, participativo

politicamente: “‘cidadão’ quer menos e menos dizer ‘indivíduo político enquanto participante

do poder’, e cada vez mais ‘indivíduo político enquanto codificado pelo poder, determinado

inteiramente por ele, produzido por ele’. É por isso que a repolitização da sociedade não é,

absolutamente, incompatível com o apolitismo dos indivíduos, entendendo por isso a sua

exclusão (por princípio ou de fato – pouco importa) da esfera das decisões políticas”. Ora, se a

cidadania se apresenta como compatível com este apolitismo, nada mais correto – na visão de

Lebrun – do que retomar o pensamento de Hobbes para explicar a estrutura política da

sociedade atual. Em outras palavras: se o indivíduo se torna apolítico, significa dizer que a tese

do Estado soberano de Hobbes é a vencedora.

Assim, Lebrun afirma que a percepção hobbesiana das relações entre Estado e sociedade têm

sentido: compete aos indivíduos obedecerem às “ordens” do Estado – expressas na forma da lei

– e utilizarem sua liberdade natural apenas no âmbito daquilo que não for regulado pelo Estado.

Em consequência, parece não haver possibilidade de “fuga” por parte dos cidadãos à ânsia cada

vez maior de domínio do Estado em relação à sociedade, mesmo naquela sociedade que se

afirme como liberal (já que aí poderia existir o autoritarismo das leis).

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Quarta parte: “A comédia liberal”

Lebrun apresenta a relação entre Hobbes e Rousseau: ambos seriam totalitários, mas enquanto

o 1º defende a soberania absoluta do soberano o 2º defende a soberania absoluta do povo. O

liberalismo teria “corrigido” o erro da soberania absoluta – em ambas as vertentes, tanto a

hobbesiana quanto a rousseauniana – de duas maneiras: 1) Não deve haver preocupação com a

justiça das decisões, mas sim com a existência de instituições que garantam que o povo seja

mandatário do poder político; 2) A ausência de soberania absoluta não leva, necessariamente,

à anarquia: existe “sociabilidade fora da esfera política”.

Esta sociabilidade, contudo, está vinculada à garantia dada ao indivíduo de que ele terá

preservada sua esfera privada contra as ingerências do poder, que por sua vez se apresenta como

“independência da sociedade civil”. É esta a liberdade defendida pelo liberalismo, liberdade

econômica em primeiro lugar – o que significa dizer que o liberalismo não defende o indivíduo

da mesma forma que Rousseau o defende, por exemplo.

No entanto, Lebrun chama a atenção para o fato de que esta “liberdade” buscada pelo

pensamento liberal é contraditória porque ele “vilipendia o poder”, ou seja, despreza o poder

político, o que é um erro na visão do autor. Por outras palavras, Lebrun diz que ao mesmo

tempo em que o liberal questiona o Estado quando este caminha em direção ao absolutismo,

defende-o quando acredita haver “Estado de menos”. Ou seja: “encara-o [ao poder] como uma

ameaça potencial, mas, ao mesmo tempo, como uma necessária instância protetora” – uma

“contradição insolúvel” do pensamento liberal para Lebrun.

A consequência negativa da dominância desta visão está no fato de que “o Estado moderno é

menos abertamente dominador, e mais manipulador; preocupa-se menos em reprimir a

desobediência do que em preveni-la. É feito menos para punir do que para disciplinar”.

Significa dizer que o corolário liberal de “menos Estado” não pode se concretizar porque, por

mais que o Estado venha a diminuir de tamanho, ele necessariamente irá controlar mais esferas

da vida do cidadão – Lebrun dá como exemplo as relações de família, extremamente reguladas

pelo Estado. Desta forma “o sistema disciplinar, a que nos vemos submetidos até em nossa vida

privada, cresce, discreta, mas continuamente”.

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Ou seja: vive-se em uma ilusão de liberdade baseada na pseudodisputa entre “indivíduo vs.

Estado”, ilusão esta que é propagada pelo liberalismo. O que existe verdadeiramente é “uma

transformação e um crescimento do poder” do Estado, o que justifica a utilização do

pensamento de Hobbes para fundamentar a atuação do Estado na atualidade – especialmente

quando se considera que, em última instância, os liberais imputam ao Estado a responsabilidade

pela garantia da segurança. Assim, nas palavras de Lebrun, “é o próprio jogo da liberdade

econômica que acaba tornando cada vez mais profundamente necessária a intervenção do

Estado”.

A constatação desta ideia, na visão de Lebrun, é feita por aquilo que se poderia chamar de

contradição liberal: por um lado, exige-se que o Estado seja “mínimo”, ou seja, que o Estado

exerça o mínimo possível de funções, especialmente na esfera econômica; por outro, exige-se

que o Estado regule o máximo possível as “situações da vida”, já que seria apenas por meio

desta regulação que estaria garantida a segurança – primeira função a ser desempenhada pelo

Estado, por mais que os liberais digam que a liberdade seja a primeira necessidade.

Lebrun cita Tocqueville para explicar o raciocínio: “A maioria considera que o governo age

mal, mas todos pensam que o governo deve agir sem parar e pôr a mão em tudo. Até os que se

combatem mais asperamente não deixam de concordar neste ponto”. Ainda, argumenta Lebrun

que “são os próprios governados, o mais das vezes, que forçam o Estado a colocar-se como

instância tutelar e ‘providencial’ – por conseguinte, como poder onipotente e onisciente”.

Estariam sendo assim concretizadas as palavras de Tocqueville, que havia previsto, em seu livro

A democracia na América, o “despotismo administrativo” travestido de democracia.

Quinta parte: “O último chefe”

Lebrun concorda com as palavras de Tocqueville quando este autor afirmou em sua obra o

perigo de um sistema democrático se transformar em uma “tirania democrática”, sendo esta a

situação em que os cidadãos omitir-se-iam do exercício do poder político. Em outras palavras,

mesmo um regime político que se fundamente em eleições pode vir a ser uma tirania

democrática se o cidadão não se importar com o bem comum, com a res publica.

Para evitar-se tal problema torna-se necessário fazer com que a sociedade atual seja

artificialmente retransformada em comunidade orgânica, evitando-se o individualismo típico

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do liberalismo e que leva à citada tirania democrática. Deve-se evitar, portanto, que a liberdade

econômica defendida pelo liberalismo continue a diminuir, ou a colocar em segundo plano, a

liberdade política do cidadão. É necessário, segundo Lebrun, e novamente citando Tocqueville,

dar ao povo a possibilidade efetiva de exercício do poder político para que se evite que o poder

tome conta de toda a sociedade. Nesta perspectiva o fato do poder “mandar” não é nenhum

problema; o problema está quando vier eventualmente a “privar os indivíduos de qualquer

iniciativa política, e até do desejo de tomarem iniciativas” – ou, por outras palavras, o de achar

que poder significa exclusivamente mandar, no sentido de uma “mera” opressão (física) em

relação ao subordinado.

Lebrun se utiliza do mesmo argumento para criticar os socialistas. Estes, em resumo, defendem

a tomada do poder político pelo proletariado por meio de uma revolução. Contudo, Lebrun

argumenta que não basta “trocar seis por meia dúzia”, ou seja, não basta substituir os burgueses

pelo proletariado no comando do Estado para tornar esta instituição “democrática” ou, ao

menos, respeitadora dos direitos da classe proletária: tal substituição levaria à criação de

verdadeira tecnocracia, senão mesmo de uma “nova elite”, que passaria a governar o Estado.

Desta forma, tanto o sistema liberal quanto o sistema socialista do século XIX seriam não

democráticos, já que não haveria em nenhum destes regimes “a existência de um controle

efetivo mínimo dos governados sobre o poder”.

É neste sentido que Lebrun argumenta que nunca se poderá pressupor o fim do poder político

– seja em sua vertente liberal, que busca um Estado mínimo que apenas “administra” a

sociedade, seja em sua vertente socialista, que busca a extinção do Estado dominador e a

substituição de um grupo dominante por outro. Neste sentido “é preciso reconhecer não só́ que

não há comunidade sem soberania, como também que não existe poder soberano sem uma elite

que domine”. E não há problema algum nisso, já que não se pode pressupor o “fim do Estado”:

“a questão, assim, será́ unicamente saber, em cada caso determinado, quais são os chefes menos

piores que podemos esperar, ou por que tipo de chefia devemos militar”.