O Que Quer Afinal o Daesh

download O Que Quer Afinal o Daesh

of 6

description

artigo opinuião na Visão sobre o Daesh

Transcript of O Que Quer Afinal o Daesh

  • ABOLSA DE ESPECIALISTAS

    Passada uma semana sobre os ataques em Paris na sexta-feira 13 que maisnegra car na Histria Contempornea interessa perceber como as nossasreaes so muito do que possivelmente o Daesh deseja

    gora que passada uma semana sobre os ataques em Paris na sexta-feira 13 que

    mais negra car na Histria Contempornea, interessa, superados os momentos

    imediatos de terror, de pnico, de descrena, olhar com algum distanciamento

    para o ocorrido e tentar perceber as motivaes por trs de um evento to vil.

    Especialmente interessa perceber como as nossas reaes so muito do que

    possivelmente o Daesh deseja, sendo ns como que instrumentos muito bem usados

    numa planicao que nada tem de amadora.

    1. TERROR E MEDIATISMOO primeiro objetivo do Daesh com os ataques de Paris, tal como temos visto noutros por

    si executados, foi amplamente cumprido: lanar o terror com um ataque em larga escala

    no centro do territrio do inimigo. Conseguiu um elevado nmero de baixas, feriu o

    orgulho de uma nao, de uma cultura, recebeu tempo de antena como nunca antes.

    O QUE QUER AFINAL O DAESH?PAULOMENDES

    PINTOCINCIA ERELIGIO

    BOLSA DE ESPECIALISTAS 20.11.2015 s 9h19 Paulo Mendes Pinto 12 Comments

    MENU

    Viso | O que quer afinal o Daesh? http://visao.sapo.pt/opiniao/bolsa-de-especialistas/2015-11-20-O-que-...

    1 of 6 02-12-2015 17:59

  • Este seria sempre o objectivo mais imediato. O mais fcil de conseguir com alguma

    coordenao de equipas, e com resultados quase garantidos uma vez que a voragem dos

    meios televisivos faz o jogo dos terroristas ao dar-lhes a intensidade de terror com que

    nos entram em casa atravs dos ecrs.

    A sociedade desenvolve um medo coletivo atravs do clima de insegurana e pela

    perceo do perigo e esse sentimento multiplicado e vivenciado nas inmeras vezes em

    que as imagens so repetidas. Mais, como que numa gesto do terror que nos vai sendo

    ministrada em doses necessrias e sucientes para no curar, mas sim para perpetuar,

    esse terror atualizado com a publicitao de novas imagens que ainda hoje surgem

    atravs do acesso a cmaras de vigilncia que nos mostram o prprio acto terrorista. No

    frenesim de exclusivos, dia aps dia, surgem novos ngulos, novas sequncias de

    imagens, tudo se conjugando para uma manuteno do clima de medo.

    2. RADICALIZAR A EUROPA, OBRIGANDO-A A AGIR EXTERNAMENTEQuase com a mesma garantia de sucesso, a interveno militar era uma consequncia

    que os crebros do Daesh devem ter previsto desde o primeiro minuto em que se

    lanaram na preparao de um to trgico quadro para Paris nessa noite de 13 de

    Novembro.

    Era impossvel que uma Europa ferida no centro simblico dos seus ideais de Liberdade,

    no reagisse a quente. Na noite de dia 13 poderamos no saber que ataque a Frana

    iria levar a cabo, mas era claro que ele teria lugar depressa e em escala signicativa de

    fora.

    A agenda da Europa era assim forada para ataques que poderiam e podem ter

    danos colaterais complexos, comeando pela perda de vidas de civis usados como

    escudos-humanos, ou o bombardeamento de instalaes no militares. No mbito de

    uma reao que do imediato e psicolgico quadro da vingana, as variveis so

    pesadas de forma muito diferente e a possibilidade de erro aumenta.

    3. RADICALIZAR A EUROPA, OBRIGANDO-A A AGIR INTERNAMENTEUma outra consequncia quase imediata seria, como bvio, quer em relao

    suspeio generalizada, ao clima de islamofobia, instalado em Frana e na Europa, quer

    em relao ao uxo de refugiados que procura este velho continente.

    Um atentado nesta escala, com esta brutalidade, obrigaria muito da populao europeia

    a repensar o olhar para o outro e a aderir mais facilmente a radicalismos anti-islmicos.

    Viso | O que quer afinal o Daesh? http://visao.sapo.pt/opiniao/bolsa-de-especialistas/2015-11-20-O-que-...

    2 of 6 02-12-2015 17:59

  • E foi o que aconteceu um pouco por toda a parte. Quer as comunidades islmicas na

    Europa se sentem ameaadas, sob a dita suspeio generalizada, como os refugiados se

    vm agora numa Europa cada vez menos amistosa.

    Na prtica, o Daesh lucra imenso com este novo quadro em que a demora na instalao

    dos refugiados pode levar a uma radicalizao, quer dos muulmanos europeus, quer

    dos agora chegados, quer, ainda, dos no muulmanos que os vm como uma ameaa.

    Isto , o Daesh encontrou em atos como o de sexta-feira um jogo muitssimo ecaz de

    radicalizao da sociedade europeia, em que apenas ele ganha. Bem trabalhado atravs

    das redes sociais, o descontentamento dos muulmanos europeus e dos recm-chegados

    pode ser um ecaz campo de recrutamento num momento em que havia uma crescente

    diculdade em o fazer. Assim planeia o Daesh, gerindo os nossos movimentos e a forma

    como reagimos aos seus atos.

    4. OBRIGAR A COLOCAR O CENTRO DO OLHAR NA SRIA, ESQUECENDO TUDO O RESTOO Daesh j percebeu, h muito, que o seu futuro no se encontra de forma imediata nos

    territrios da Sria e do Iraque. A manuteno, num longo tempo, desses territrios

    apenas pode ter lugar com novos contingentes de adeptos / tropas, o que, apesar de

    tudo, cada vez mais difcil de acontecer.

    A Lbia cada vez mais uma sria candidata a novo territrio, muito mais slido e menos

    importante para os EUA, Rssia e Europa que a Sria e o Iraque. Contudo, numa poca de

    redes e de complexidades, o Daesh poder dar um tremendo golpe s estratgias da

    coligao ao refugiar-se nos inmeros territrios que tem em muitas outras frentes de

    guerra.

    Ao bombardear, numa guerra aparentemente clssica, o Daesh na Sria e no Iraque, a

    coligao apenas est a criar a iluso de que o vence. Neste momento, a no ser pela

    simbologia que algumas cidades do Mdio Oriente apresentam, os territrios da Sria e

    do Iraque so perfeitamente secundrios numa estratgia global que passa, muito mais,

    pelos movimentos como o Boko Haram na Nigria, ou a luta tremenda entre sunitas e

    xiitas no Imen.

    Perdendo um territrio no Mdio Oriente, o Daesh ilude a coligao passando para uma

    estratgia muitssimo mais difcil de combater: a multiplicidade de pequenos estados eis

    ao califado.

    Viso | O que quer afinal o Daesh? http://visao.sapo.pt/opiniao/bolsa-de-especialistas/2015-11-20-O-que-...

    3 of 6 02-12-2015 17:59

  • Neste quadro, o Daesh dever ter plenamente noo, no s destes dois paradigmas que

    domina, e das respetivas vantagens, como do facto de no da multiplicidade, ele se tornar

    quase invencvel. O olhar da coligao, assim como dos mdia, apenas para o territrio

    Srio, possibilita ao Daesh evoluir nos outros quadros dominando, mais uma vez, a nossa

    reao.

    5. POTENCIAR TENSES ENTRE ALIADOSAo colocar o centro do olhar na Sria, obrigando a mais ataques a si mesmo, o Daesh

    eleva inevitavelmente a tenso entre EUA, Rssia e mesmo Europa. Genericamente, com

    o arranque dos ataques mais sistemticos contra os territrios do Daesh na Sria e no

    Iraque, os terroristas obrigam a um sem nmero de tomadas de posio em relao a

    todos os restantes jogadores e peas no xadrez do Mdio Oriente.

    De uma forma mais concreta, Rssia e EUA teriam, em tempo normal, antes do dia 13, de

    debater entre si as propostas de soluo diferentes que cada um tem para Assad.

    Contudo, a Rssia, ao agir previsivelmente sob a legitimidade do ataque ao voo abatido

    sob o Sinai, belisca a EU e mesmo a NATO ao colocar-se ao lado de Frana desde o

    primeiro momento, reagindo no terreno antes de se criar algum consenso sobre o

    presidente srio.

    Por m, a Rssia, ao estar na primeira linha dos ataques ao Daesh, pretende manter a

    sua inuncia estratgica na regio mediterrnica, estando muito prxima da Turquia,

    velho membro da NATO que, at ao momento, se tem mantido muito fora desta guerra.

    A consolidao da posio russa na Sria renova a sua dimenso de potncia. Isto , o

    Daesh possibilitou o m da hegemonia norte americana nas guerras do Mdio Oriente.

    6. A DIMENSO TEOLGICAPor m, mas talvez o mais importante num discurso dirigido para os Muulmanos, temos

    a dimenso das consequncias pretendidas no campo teolgico e moral. Os ataques no

    ocorrem por acaso num dia 13, uma sexta-feira. Creio que o valor simblico e a

    dimenso de superstio e de medo desse dia foi um fator muito importante na aco.

    E foi-o no apenas pelo valor simblico antes referido, mas pela natureza dos espaos

    atacados. Se no incio de 2015 Paris foi atacada num smbolo da Liberdade, um jornal

    satrico, nesta sexta-feira o ataque dirigiu-se, usando o quadro bblico, a Sodoma e a

    Gomorra, locais de pecado.

    Todos os locais eram marcas da diverso, do estilo de vida europeu: futebol, concertos,

    Viso | O que quer afinal o Daesh? http://visao.sapo.pt/opiniao/bolsa-de-especialistas/2015-11-20-O-que-...

    4 of 6 02-12-2015 17:59

  • esplanadas e restaurantes. Um deles, o recinto de concertos, albergava regularmente

    bandas de cariz altamente reprovvel por qualquer religioso menos tolerante, seja ele

    muulmano, ou judeu ou cristo. O nome da banda que atuava no momento do ataque

    reete muito bem o horizonte por onde a sua msica anda (Eagles of Death Metal), sendo

    um perfeito exemplo daquilo que qualquer radicalista e fundamentalista de qualquer

    dos monotesmos considera totalmente pecaminoso e contra a moral denida por Deus

    o bnus, seguindo o adagirio, cereja no topo do bolo: os msicos eram americanos.

    Ao concertar um ataque a estes locais, um estdio, um concerto e esplanadas, o Daesh

    est a denir-se, para os seus adeptos, como controlador moral. O ataque, mais que ser a

    cidados europeus, ou Frana ou mesmo a Paris, foi-o a um estilo de vida que eles

    consideram demonaco; o ataque foi uma ao de limpeza e, ao mesmo tempo, de ensino

    para que, muulmanos em processo de secularizao no se deixem afastar do bom

    caminho.

    Ao olhar dos membros do Daesh, no foram mortas vtimas civis como dano colateral.

    No, assumindo o papel da divindade, o Daesh executou pessoas que cataloga como

    perdidas para o demnio, inimigos de Deus.

    Enm, qualquer um de ns.

    PAULO MENDES PINTOCINCIA E RELIGIO

    Diretor da rea de Cincia das Religies da Universidade Lusfona

    Viso | O que quer afinal o Daesh? http://visao.sapo.pt/opiniao/bolsa-de-especialistas/2015-11-20-O-que-...

    5 of 6 02-12-2015 17:59

  • MDIO ORIENTE FRANA O DAESH PARIS RSSIA BOKO HARAM

    SRIA NATO EUROPA DAESH NA SRIA EUA LIBERDADE IRAQUE

    TERRORISMO

    PALAVRAS-CHAVE

    COMENTRIOS

    LTIMAS

    MAIS ARTIGOS

    Viso | O que quer afinal o Daesh? http://visao.sapo.pt/opiniao/bolsa-de-especialistas/2015-11-20-O-que-...

    6 of 6 02-12-2015 17:59