O Raciocínio de Estudantes Do Ensino Fundamental

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517 Ciênc. Educ., Bauru, v. 20, n. 2, p. 517-533, 2014 1,3 Departamento de Ciências Exatas e Tecnológicas, Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Rodovia Jorge Amado, Km. 16, Salobrinho, CEP 45662-900, Ilhéus, BA, Brasil. E-mail: [email protected] 2 Universidade Nove de Julho (Uninove), São Paulo, SP, Brasil. O raciocínio de estudantes do Ensino Fundamental na resolução de situações das estruturas multiplicativas Primary students’ reasoning in multiplicative structures problem solving Sandra Maria Pinto Magina 1 Aparecido dos Santos 2 Vera Lucia Merlini 3 Resumo: Este artigo analisa o desempenho e as estratégias de estudantes dos 3º e 5º anos do Ensino Fundamental na resolução de duas situações do Campo Conceitual Multiplicativo, classificando os níveis de raciocínio empregados por eles. O estudo baseou-se nas ideias teóricas de Vergnaud, e consistiu da aplicação de um teste, composto por 13 questões, para 349 estudantes de uma Escola Pública de São Paulo. Para efeito deste artigo, a discussão centrou-se em duas classes de situações: uma envolvendo a correspon- dência um para muitos, e a outra, a correspondência de muitos para muitos. Os resultados apontam para uma evolução limitada da competência dos estudantes ao lidarem com problema multiplicativo. Analisan- do apenas o problema que envolveu a ideia de muitos para muitos, essa evolução cai drasticamente. Do ponto de vista das estratégias, os estudantes do 5º ano usaram, prioritariamente, procedimentos multipli- cativos, enquanto os do 3º ano usaram aditivos. Palavras-chave: Estrutura multiplicativa. Ensino Fundamental. Raciocínio. Abstract: This paper analyzes the performance and strategies for students of 3 rd and 5 th grades of elemen- tary school in solving of multiplicative conceptual field situations, classifying the level of reasoning em- ployed by these students whilst they were dealing with them. The study, was based on the theoretical ideas of Vergnaud, consisted of a test, composed by 13 questions, applied in 349 students from a public school, sited in São Paulo. Regarding this paper, the discussion will be centered on two questions: one related to the idea of correspondence one to one and another focused on correspondence many to many. The results show a limited evolution regarding students’ performance from 3 to 5 to deal with multiplicative proble- ms. Considering only the many to many problem, this development fails drastically. From the perpective of strategies, 5 th grade students focused on multiplication mainly, whereas the 3 rd grade ones on addition. Keywords: Multiplicative structure. Primary school. Reasoning. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1516-73132014000200016

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Este artigo analisa o desempenho e as estratégias de estudantes dos 3º e 5º anos do EnsinoFundamental na resolução de duas situações do Campo Conceitual Multiplicativo, classificando os níveisde raciocínio empregados por eles. O estudo baseou-se nas ideias teóricas de Vergnaud, e consistiu daaplicação de um teste, composto por 13 questões, para 349 estudantes de uma Escola Pública de São Paulo.Para efeito deste artigo, a discussão centrou-se em duas classes de situações: uma envolvendo a correspondênciaum para muitos, e a outra, a correspondência de muitos para muitos. Os resultados apontam parauma evolução limitada da competência dos estudantes ao lidarem com problema multiplicativo. Analisandoapenas o problema que envolveu a ideia de muitos para muitos, essa evolução cai drasticamente. Doponto de vista das estratégias, os estudantes do 5º ano usaram, prioritariamente, procedimentos multiplicativos,enquanto os do 3º ano usaram aditivos.

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517Cinc. Educ., Bauru, v. 20, n. 2, p. 517-533, 20141,3 Departamento de Cincias Exatas e Tecnolgicas, Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), RodoviaJorge Amado, Km. 16, Salobrinho, CEP 45662-900, Ilhus, BA, Brasil. E-mail: [email protected] UniversidadeNovedeJulho(Uninove),SoPaulo,SP,Brasil.O raciocnio de estudantes do Ensino Fundamentalna resoluo de situaes das estruturas multiplicativasPrimary students reasoning in multiplicativestructures problem solvingSandra Maria Pinto Magina1 Aparecido dos Santos2 Vera Lucia Merlini3Resumo: Este artigo analisa o desempenho e as estratgias de estudantes dos 3 e 5 anos do EnsinoFundamental na resoluo de duas situaes do Campo Conceitual Multiplicativo, classificando os nveisde raciocnio empregados por eles. O estudo baseou-se nas ideias tericas de Vergnaud, e consistiu daaplicao de um teste, composto por 13 questes, para 349 estudantes de uma Escola Pblica de So Paulo.Para efeito deste artigo, a discusso centrou-se em duas classes de situaes: uma envolvendo a correspon-dncia um para muitos, e a outra, a correspondncia de muitos para muitos. Os resultados apontam parauma evoluo limitada da competncia dos estudantes ao lidarem com problema multiplicativo. Analisan-do apenas o problema que envolveu a ideia de muitos para muitos, essa evoluo cai drasticamente. Doponto de vista das estratgias, os estudantes do 5 ano usaram, prioritariamente, procedimentos multipli-cativos, enquanto os do 3 ano usaram aditivos.Palavras-chave: Estrutura multiplicativa. Ensino Fundamental. Raciocnio.Abstract: This paper analyzes the performance and strategies for students of 3rd and 5th grades of elemen-tary school in solving of multiplicative conceptual field situations, classifying the level of reasoning em-ployed by these students whilst they were dealing with them. The study, was based on the theoretical ideasofVergnaud, consisted ofa test, composed by 13 questions, applied in 349 students from a public school,sited in So Paulo. Regarding this paper, the discussion will be centered on two questions: one related tothe idea ofcorrespondence one to one and another focused on correspondence many to many. The resultsshow a limited evolution regarding students performance from 3 to 5 to deal with multiplicative proble-ms. Considering only the many to many problem, this development fails drastically. From the perpectiveofstrategies, 5th grade students focused on multiplication mainly, whereas the 3rd grade ones on addition.Keywords: Multiplicative structure. Primary school. Reasoning.DOI:http://dx.doi.org/10.1590/1516-73132014000200016518Magina, S. M. P., Santos, A.; Merlini, V. L.Cinc. Educ., Bauru, v. 20, n. 2, p. 517-533, 2014IntroduoDiversos estudos, dentre os quais podemos destacar os de Piaget (1975, 1996) e osde Nunes (1997, 2005), afirmam que crianas a partir dos seis anos de idade j so capazes deresolver, de modo prtico, algumas situaes envolvendo as noes de multiplicao e divi-so. Contudo, parece-nos que essas evidncias no so levadas em considerao na formula-o do currculo de Matemtica desenvolvido para os anos iniciais do Ensino Fundamental.De fato, tais operaes so costumeiramente ensinadas nas escolas brasileiras apenas a partirdo 4 ano.Podem-seapontaralgumasrazesparaessefato,umadelasdizrespeitoprpriaconcepo de currculo que norteia a ao pedaggica do professor, qual seja, a ideia de queaprende a adio, depois a subtrao e, em continuidade, a multiplicao e a diviso. Sob essatica, a introduo do conceito de multiplicao passa primeiro pela noo de que multiplicar adicionar parcelas repetidas (problema 1) e, por isso, s pode ser ensinada aps o trabalhocom adio. Na sequncia, aumenta-se a quantidade de parcelas para justificar no mais repeti-las, e sim multiplicar um dado valor por esse nmero de parcelas (problema 2), e, por fim,aumenta-se consideravelmente a magnitude de um dos fatores envolvidos na operao (pro-blema 3).Nota-se que o problema 2 serviu de elo entre o problema 1, que foi resolvido intei-ramente pelo raciocnio aditivo, e o problema 3, que primou pelo algoritmo da multiplicao.Eleaparececomoumaalternativamaiseconmicaeestdiretamenterelacionadaadio.Assim,comooprocessodeadiorepetida(4+4+4+4+4+4+4+4)seriamuitoexaustivo, introduz-se a multiplicao. A partir da ideia de adio de parcelas iguais repetidas(problema1),inicia-seotrabalhodamemorizaodatabuadacomoferramentadidticaindispensvel para o domnio dessa operao (problema 2). Por fim, enfatiza-se o algoritmoda multiplicao com nmero de dois ou mais algarismos (problema 3).Gostaramosdesalientarquenosomoscontrriosaintroduodamultiplicaopor meio de adio de parcelas iguais, pois este procedimento aponta a continuidade (filiao)entre a adio e esta operao. Nossa questo reside em trs aspectos:(1)dopontodevistadidtico,restringirmultiplicaoadiodeparcelasiguaisrepetidas implica considerar que multiplicao sempre aumenta, o que no verdade em outrodomnio numrico como, por exemplo, no campo dos nmeros racionais (0,5 x 0,5 = 0,25);Probl ema1Dona Benta gasta 4 ovos parafazer 1 bolo. Ela quer fazer 3bolos.Quantosovoselavaigastar?4 ovos + 4 ovos + 4 ovos = 12Probl ema2Dona Benta gasta 4 ovos parafazer 1 bolo. Ela quer fazer 8bolos.Quantosovoselavaigastar?8 bolos X 4 ovos8 X 4 = 32Quadro 1. ExemplosdetrsestratgiasdistintaspararesoluodeproblemasmultiplicativosFonte: Elaborado pelos autores.Probl ema3Dona Benta faz 35 bolos porms e ela gasta 4 ovos em cadabolo.Quantosovoselagastarno ms?35x4140519Cinc. Educ., Bauru, v. 20, n. 2, p. 517-533, 2014O raciocinio de estudantes do Ensino Fundamental ...(2) do ponto de vista conceitual, existe uma clara descontinuidade (ruptura) entreessas duas operaes. No raciocnio aditivo as situaes podem ser analisadas a partir de umnico invariante operatrio4, qual seja, a relao parte e todo as partes so conhecidas e seprocura o todo ou, ainda, o todo e uma das partes so conhecidas e se procura a outra parte.J nas situaes envolvendo o raciocnio multiplicativo o que est em jogo uma relao fixa(invariante operatrio) entre duas quantidades, ou seja, toda situao multiplicativa envolveduas quantidades (de naturezas iguais ou distintas) e uma relao constante entre elas;(3) do ponto de vista cognitivo, os trs problemas apresentados anteriormente tmomesmograudecomplexidade,pois,emtodoseles,arelaoentreaquantidadedeovosusados em um bolo conhecida, a nica diferena so as variaes numricas envolvidas emcada um. Esses problemas, contudo, esto longe de esgotar o campo multiplicativo. Mesmopensando apenas no conjunto nmeros naturais, h uma gama considervel de situaes queprecisa ser dominada pelo estudante para que ele possa expandir seus conhecimentos sobreesse campo conceitual. Essas situaes tm graus diferentes de complexidade, o que exigirdo estudante um maior investimento cognitivo para compreend-las e ter sucesso ao resolv-las. o interagir com esse conjunto de situaes que requerem distintos raciocnios que cul-minar com a apropriao e expanso do campo conceitual multiplicativo.Em que pesem essas consideraes iniciais, o objetivo do presente artigo analisar odesempenho de estudantes dos 3 e 5 anos do Ensino Fundamental frente a duas situaesdo Campo Conceitual Multiplicativo e, a partir dessa anlise, identificar os nveis de raciocnioempregadosporeles.Princpios da psicologia cognitiva para a compreenso do conceitode multiplicao: a Teoria dos Campos ConceituaisA Teoria dos Campos Conceituais, formulada por Vergnaud (1990, 2009), visa pos-sibilitar uma estrutura consistente s pesquisas sobre atividades cognitivas, em especial, comrefernciaaprendizagemdaMatemtica.Elapermiteainda,situareestudarasfiliaes(continuidades) e as rupturas (descontinuidades) entre conhecimentos, na perspectiva de seucontedo conceitual, isto , estudar as teias de relaes existentes entre os conceitos matem-ticos. Em outras palavras, trata-se de uma teoria cognitivista que oferece um quadro coerentee alguns princpios de base para o estudo do desenvolvimento e da aprendizagem de compe-tncias complexas.Essa teoria possibilita duas anlises importantes: a primeira se refere relao existen-te entre os conceitos como conhecimentos explcitos e os invariantes operatrios implcitos4 Invariantes operatrios so componentes cognitivos essenciais dos esquemas. Eles podem ser implcitos ouexplcitos. So implcitos quando esto ligados aos esquemas de ao do estudante, sem que ele tenhaconscincia de tais esquemas. Neste caso, embora o estudante no tenha conscincia dos invariantes que estutilizando, esses podem ser reconhecidos em termos de objetos e propriedades (do problema) erelacionamentos e procedimentos feitos por ele. Os invariantes so explcitos quando esto ligados a umaconcepo. Nesse caso, eles so expressos por palavras e/ou outras representaes simblicas (VERGNAUD,1988apudMAGINAetal.,2001).520Magina, S. M. P., Santos, A.; Merlini, V. L.Cinc. Educ., Bauru, v. 20, n. 2, p. 517-533, 2014nos comportamentos dos sujeitos frente a uma determinada situao, e a segunda sustenta umaprofundamento das relaes existentes entre o significado e o significante.Assim, a teoria vergnaudiana postula que os conceitos matemticos traam seus sentidoscom base em uma variedade de situaes e, normalmente, cada situao no pode ser analisadacom a ajuda de apenas um conceito. Em outras palavras, uma situao, por mais simples queseja, traz no seu bojo mais que um conceito e, por outro lado, um conceito, por mais elementarque seja, no pode ser apropriado a partir da experincia em uma nica situao.Dessa forma, podemos nos referir a um campo conceitual como sendo um conjun-to de problemas ou situaes, cuja anlise e tratamento requerem vrios tipos de conceitos,procedimentos e representaes simblicas, os quais se encontram em estreita conexo unscom os outros.Vergnaud (1990) destaca que, para a Matemtica, dois campos conceituais so especi-almente importantes por alicerarem todos os demais conceitos matemticos: o campo con-ceitual das estruturas aditivas e o campo conceitual das estruturas multiplicativas. O primeiro secaracteriza como um conjunto de situaes que requer, para a sua resoluo, uma operao deadio ou subtrao ou as duas combinadas; o segundo se caracteriza como sendo um conjun-to de situaes que requer, para a sua resoluo, uma operao de diviso ou multiplicao oua combinao de ambas. sobre esse ltimo que passaremos a discorrer a seguir.O Campo Conceitual MultiplicativoO Campo Conceitual Multiplicativo envolve vrios conceitos, entre elespodemosdestacar: a multiplicao e a diviso, a razo e a proporo, as funes linear e a n-linear, oespao vetorial, a anlise dimensional, a frao e a porcentagem.A partir da teoria de Vergnaud (1983, 1988, 1994, 2009) sobre o Campo ConceitualMultiplicativo,apresentamosumesquema(verFigura1)elaboradoporMagina,SantoseMerlini(2010),eajustadopelosprpriosautoresposteriormente(MAGINA;MERLINI;SANTOS, 2012), que sintetiza as ideias centrais desse campo.Figura 1. Esquema do Campo Conceitual Multiplicativo.ESTRUTURAMULTIPLICATIVAQuat er nr i as Ter nr i asPr opor os i mpl esPr opor oml t i pl aCompar aomul t i pl i cat i vaPr odut odemedi daUm paramuitosMuitos paramuitosUm paramuitosMuitos paramuitosRelaodesconhecidaReferidodesconhecidoConfiguraoretangularCombinatriaRelaesEixoClasseTipos Contnuo Discreto Discreto Contnuo Discreto Contnuo

Discreto ContnuoFonte: Elaborado pelos autores.521Cinc. Educ., Bauru, v. 20, n. 2, p. 517-533, 2014O raciocinio de estudantes do Ensino Fundamental ...O esquema constitudo por duas relaes: quaternrias e ternrias. A primeira relao composta por dois eixos:proporo simpleseproporo mltipla.Asegundarelaotambmconstituda por dois eixos: a comparao multiplicativa e o produto de medidas. Os dois eixos perten-centes relao quaternria possuem duas classes: correspondncia um para muitos e correspon-dnciamuitosparamuitos,podendoestastrabalharcomdoistiposdequantidades:discretaecontnua.Osdoiseixospertencentessrelaesternrias(comparaomultiplicativaeprodutodemedida)possuemclassesdistintas.Oeixocomparaomultiplicativaconstitudopelasclassesreferido desconhecido e relao desconhecida, podendo essas tambm trabalhar com os tipos de quan-tidades discretas e contnuas. Por fim, o eixo produto de medida tem como classes: configurao retan-gular e combinatria. Devemos salientar que cada uma das duas classes desses eixos s trabalhacom um tipo de quantidade: contnua para a configurao retangular e discreta para a combinatria.Para fazer uma breve distino entre as relaes ternrias e quaternrias, vamos discu-tir a seguinte situao: Um carro tem quatro rodas. Quantas rodas tero 3 carros?Esse tipo de situao muito comum na escola. Gitirana et al. (2013) a consideramcomo prottipo da multiplicao, cuja resoluo, comumente, se apoia em uma relao tern-ria: a x b = c (3 x 4 = 12). Esse tipo de resoluo permite que o estudante lance mo da adiodeparcelasiguais(4rodas+4rodas+4rodas=12rodas)mantendoafiliaoentreosesquemas de ao utilizados na estrutura aditiva e os da estrutura multiplicativa. Contudo, oque est implcito nessa situao uma relao quaternria entre duas quantidades de naturezasdistintas que, esquematicamente, pode ser representada da seguinte forma:Essa uma situao tpica das relaes quaternrias. Nesse caso, tem-se uma duplarelao entre duas quantidades (carro e roda). O entendimento das relaes quaternrias pos-sibilita aos estudantes compreenderem o porqu dessa situao; ao se multiplicar a quantidadedecarropelaquantidadederodas,oresultadoserdadoemrodas,enoemcarros.Almdisso, amplia os procedimentos de resoluo, podendo pensar no fator escalar multiplicativo(vezes3)comoestratgiaou,ainda,nofatorfuncional(vezes4).Esseltimoseconfiguracomo conhecimento de base que central para a apropriao do conceito de funo em anosmais avanados de escolaridade.Mas qual seria outra vantagem dessa abordagem, alm dos argumentos apresentadosanteriormente? A anlise da situao a seguir ajuda a esclarecer:Dois carros tm oito rodas. Quantas rodas tm seis carros?Este tipo de situao pouco trabalhada na escola, especialmente nos anos iniciais doEnsino Fundamental, e costuma ser chamada de 4 proporcional, muitas vezes trabalhada naperspectiva da regra de trs. Ela, porm, mantm a mesma estrutura da discutida anteriormen-te;contudonofazsentidopensarnoprodutodiretoentreasduasquantidades(carroxroda), mas sim, na relao multiplicativa que existe entre elas, duas a duas, conforme segue:Carro Roda(x3)(x3)(x4)(x4)134? 522Magina, S. M. P., Santos, A.; Merlini, V. L.Cinc. Educ., Bauru, v. 20, n. 2, p. 517-533, 2014Essas duas classes de situaes inseridas no eixo proporo simples que abordare-mos neste artigo. Porm, para que o leitor possa ter uma compreenso do esquema descritona Figura 1, apresentaremos, sucintamente, cada um de seus elementos, estabelecendo, sempreque possvel, relao entre eles.Diferentemente das relaes quaternrias, as ternrias so tratadas como uma relaoentredoiselementos,denaturezasiguaisoudistintas,quesecompemparaformarumterceiro elemento. Por exemplo, multiplicam-se centmetros por centmetros (unidade de medidalinear), resultando centmetros quadrados (unidade de medida de superfcie) ou, ainda, meni-nos danarinos x meninas danarinas, produzindo pares de danarinos. Em outras palavras,os dois elementos (quantidade de meninos e meninas) esto ligados por uma relao multipli-cativa que resultar o nmero total de pares possveis, isto , o produto entre o conjunto demeninos (por exemplo: formado por trs meninos) e o conjunto de meninas (por exemplo:formado por quatro meninas) resulta no conjunto de possveis pares.Todos esses argumentos justificam a necessidade, do ponto vista didtico, de se fazerclaradistinoentreasduasrelaes:aquaternriaeaternria.Issoposto,passaremosadescrever, detalhadamente, o eixo de proporo simples, sobre o qual versa este artigo.Eixo 1 Proporo simples: trata-se de uma relao quaternria. Como o prprionome diz, envolve uma relao entre quatro quantidades, sendo duas de uma natureza e asoutras duas de outra natureza, ou, ento, uma simples proporo direta entre duas quantida-des,comoporexemplo:pessoaseobjetos,bensecustos,tempoedistncia,entreoutras.Esse eixo pode ser subdivido em duas classes de situaes: a correspondncia um para muitose a correspondncia muitos para muitos.-Classe1:Correspondnciaumparamuitosacontecequandoarelaoentreasquantidadesestexplcita(umparaquatro,comopodeserobservadonoexemploaseguir).Exemplo: Um carro tem quatro rodas. Quantas rodas tm cinco carros?-Classe2:CorrespondnciamuitosparamuitosNestaclasse,arelaoentreasquantidades est implcita, sendo que, para essa classe, temos duas situaes a considerar. Naprimeira situao, possvel chegar relao um para muitos (exemplo: Trs carros tm 12rodas, quantas rodas tm 5 carros?). J a segunda aquela na qual no faz sentido se obter arelaoumparamuitos(exemplo:Acadacincobombonscomprados,alojaBoaCompradtrscaramelos de brinde. Se Ana comprar 15 bombons, quantos caramelos ela ganhar?).Notequeosexemplosoferecidosparaasduasclassesapresentadasanteriormenteenvolveramapenasotipodequantidadediscreta.Cabesalientarque,conformeexplicitadono esquema da Figura 1, h, ainda, uma diversidade de problemas que poderiam ser formu-lados envolvendo as quantidades contnuas. Contudo, neste artigo, vamos nos ater a apresen-tar exemplos contemplando apenas as quantidades discretas.Aps termos discutido amide o eixo da proporo simples, o qual, como j men-cionado anteriormente, o objeto de nosso estudo, sentimo-nos compelidos a oferecer, aoCarro Roda(x3)(x3)(x4)(x4)268? 523Cinc. Educ., Bauru, v. 20, n. 2, p. 517-533, 2014O raciocinio de estudantes do Ensino Fundamental ...leitor, um panorama, mesmo que sucinto, dos demais eixos que compem o esquema apre-sentado na Figura 1.Eixo 2 Propores mltiplas: trata-se de uma classe de situaes que envolvemuma relao quaternria entre mais de duas quantidades relacionadas duas a duas. Por exem-plo: pessoas, litros de gua e dias. Como no eixo anterior, esse eixo pode ser subdivido emduas classes: a correspondncia um para muitos e a correspondncia muitos para muitos.- Classe 1: Correspondncia um para muitos Uma pessoa deveria beber em mdia5 litros de gua em dois dias. Qual o consumo mensal (30 dias) de 5 pessoas?- Classe2: Correspondncia muitos para muitos Um grupo de 50 pessoas vai passar28 dias de frias no campo. Eles precisam comprar uma quantidade de acar suficiente. Elessabemqueamdiadeconsumoporsemanapara10pessoasde4Kg.Quantosquilosdeacar elas precisam comprar?Eixo3Comparaomultiplicativa:assituaesquefazempartedesseeixoenvolvemacomparaomultiplicativaentreduasquantidadesdemesmanatureza.Jnoincio da escolarizao, situaes envolvendo a relao de dobro e de metade so exploradase se configuram como prottipo dessa classe de situao, como por exemplo: Joo tem a metadeda quantia de Maria. Se Joo tem R$ 10,00, qual a quantia de Maria? A seguir destacamos algunsexemplos:- Classe 1: Relao desconhecida - Comprei uma boneca por R$21,00 e uma bola por R$3,00. Quantas vezes a boneca foi mais cara que a bola?- Classe 2: Referente desconhecido - A idade de Paulo 5 vezes maior que a idade do seu filho.Paulo tem 30 anos. Qual a idade do seu filho?- Classe 3: Referido desconhecido - A idade de Paulo 5 vezes maior que a idade do seu filho.Seu filho tem 6 anos. Qual a idade de Paulo?Eixo 4 Produto de medidas: esse eixo constitudo por duas classes: (a) situaesenvolvendo a ideia de configurao retangular, (b) situaes envolvendo a ideia de combinatria.- Classe 1: Configurao retangular so situaes em que as quantidades represen-tam certas medidas dispostas na horizontal e na vertical, dispostas de forma retangular.Exemplo:Qualareadeumterrenodeformatoretangular,sabendoquetem15metros de frente e 35 metros de comprimento?- Classe 2: Combinatria a ideia presente nessa classe remete noo do produtocartesiano entre dois conjuntos disjuntos ( A B = I). Exemplo: Numa festa h quatro meninase trs meninos. Cada menino quer danar com cada uma das meninas, e cada menina tambm quer danar comcada um dos meninos. Quantos pares diferentes de menino-menina so possveis de serem formados?Apresentamos esse breve panorama das classes de situaes que compem o CampoConceitual Multiplicativo considerando apenas o conjunto dos nmeros naturais, que aqueleconsiderado neste artigo. Reafirmamos que o foco de nosso estudo o eixo da proporo simplesanalisado a partir de duas situaes envolvendo as classes correspondncia um para muitos e corres-pondncia muitos para muitos. No temos, portanto, a pretenso de esgotar todas as possibilidadesde situaes que envolvem o campo conceitual multiplicativo, nem tampouco todas as situa-es que requerem, para a sua resoluo, a operao de multiplicao e/ou diviso.524Magina, S. M. P., Santos, A.; Merlini, V. L.Cinc. Educ., Bauru, v. 20, n. 2, p. 517-533, 2014MtodoOestudoapoiou-senosprincpiosdapesquisadescritiva,jqueospesquisadorestiveram por objetivo conhecer e interpretar determinados fenmenos ligados realidade semnelainterferirparamodific-la(RUDIO,2001).Dessaforma,apesquisabuscouinvestigar,no s o desempenho dos estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental na resoluode problemas envolvendo as situaes de multiplicao, como, tambm, procurou descrevere categorizar as estratgias empregadas por eles.Para tanto, foi aplicado um teste em 349 estudantes do Ensino Fundamental de umamesma Escola Pblica Estadual, localizada em um bairro de classe mdia da cidade de SoPaulo. Para efeito deste artigo, analisaremos o desempenho e as estratgias empregadas por175 estudantes (86 do 3 e 89 do 5 ano) em duas questes de multiplicao dentro do eixo deproporo simples. A aplicao, realizada coletivamente e com os estudantes, foi conduzida pelaprofessoradecadaturmacomasupervisodospesquisadores.Otesteapoiou-senoins-trumento construdo por Gitirana et al. (2013) tendo, inclusive, questes similares.Uma das situaes foca a ideia da correspondncia de um para muitos e a outra envolve aideia de muitos para muitos. Na questo 1 (Q1) est explcita a relao fixa que existe entre as duasquantidades (uma receita necessita de 4 colheres de chocolate). J na questo 2 (Q2) a relaofixaentreasduasquantidadesestimplcita(parafazertrsbolossonecessrios12ovos)(Quadro2).Quadro 2. Situaes analisadas do Campo Conceitual MultiplicativoQuesto1(Q1)Situao: Um para muitosMariautiliza4colheresdechocolateparafazerumareceitadebrigadeiro.Seelafizer3receitasdebrigadeiro,quantascolheresdechocolateelausar?Questo2(Q2)Situao: Muitos para muitosDonaBentausa12ovosparafazer3bolos.Quantosovoselavaiprecisarparafazer5bolos?Apresentao e discusso dos resultadosDe posse dos resultados, a anlise foi estruturada em duas partes: uma quantitativa eoutra qualitativa. A anlise quantitativa refere-se ao desempenho dos estudantes e perfaz umtotal de trezentos e cinquenta itens5 de anlise. Essa anlise ser realizada comparativamenteentre os desempenhos dos estudantes nas duas situaes dentro de cada ano e entre os anos,levando em considerao trs pontos de vistas de anlises: (a) anlise global do desempenho;(b) a correspondncia um para muitos; (c) e a correspondncia muitos para muitos. A anlisequalitativa, por sua vez, ser realizada com base na categorizao das estratgias empregadasFonte: Elaborado pelos autores.5 O nmero 350 significa o total de respostas dadas pelos 175 estudantes s duas situaes propostas, sendo 86estudantes x 2 questes (para o 3 ano) e 89 estudantes x 2 questes (para o 5 ano).525Cinc. Educ., Bauru, v. 20, n. 2, p. 517-533, 2014O raciocinio de estudantes do Ensino Fundamental ...pelos estudantes na resoluo das duas situaes, apresentadas no quadro 3, em que o interes-se o de identificar os nveis de raciocnio empregados por eles.AnlisequantitativaEsta anlise enfocar o percentual de acerto dos estudantes dos dois anos nas duasquestes apresentadas anteriormente. Isso o que mostra o grfico da Figura 2.6 Para rodar os testes estatsticos, utilizamos o Statistical Package for the Social Sciencies (SPSS).O grfico da Figura 2 mostra que tanto os estudantes do 3 quanto do 5 ano tiverammelhor desempenho na Q1 em detrimento da Q2. Para observar se essa diferena a favor daQ1 foi estatisticamente significativa para cada um dos anos, aplicamos o teste T-Students6 paraamostrasemparelhadas(umavezqueforamosmesmossujeitosqueresponderamsduasquestes). Este teste comprovou que as diferenas entre as questes foram estatisticamentesignificativas para o 3 ano (t(85) = 2,86; p=0,019) e para o 5 ano (t(88) = 7,341; p=0,000).Analisandoodesempenhodosanosemcadaumadasquestes,otestet-studentpara amostras independentes apontou que h diferena de desempenho entre os dois anos naQ1 (t(173) = 5,864; p = 0,0000). J na Q2 esse teste no apresentou diferena significativa(t(171) = 1,211; p= 0,228), embora o 5 ano tenha sido ligeiramente superior ao 3 ano.Essa anlise quantitativa nos permite fazer duas importantes inferncias para explicaros diferentes desempenhos dos estudantes. A primeira relaciona-se ao ponto de vista concei-tual, que indica que essas questes tm estruturas diferentes, pois, enquanto em Q1 pode-sefacilmente utilizar a estratgia da adio repetida, o mesmo no acontece na Q2. E isto podeexplicar por que os estudantes dos dois anos tiveram maior sucesso nela.A segunda inferncia refere-se ao ponto de vista cognitivo, j que as duas questestmnveisdecomplexidadedistintos.Defato,enquantonaQ1arelaofixaestexplcitaFonte: Elaborado pelos autores.%10080604020 0Q1 Q2Questes3ano5ano26,767,416,323,6Figura 2. Grfico comparativo entre os desempenhos dos estudantes de 3e5anosnasduasquestes.526Magina, S. M. P., Santos, A.; Merlini, V. L.Cinc. Educ., Bauru, v. 20, n. 2, p. 517-533, 2014(uma receita necessita de 4 colheres de chocolateum para muitos), na Q2, a relao fixaentre as duas quantidades est implcita; o que significa que, para obter o resultado, h neces-sidade de se coordenarem duas operaes, a primeira de diviso para se encontrar a relaofixa (um para muitos) e a segunda de multiplicao.Ataquidiscutimosodesempenhodosestudantes.Naprximaseo,ofocodaanlise se incidir sobre as estratgias utilizadas por eles na resoluo das duas questes.AnlisequalitativaOptamosporanalisartodasasestratgiasutilizadaspelosestudantes,sejamasqueresultaram em sucesso, sejam as que levaram ao fracasso. Essas estratgias foram agrupadasde tal forma a permitir que as categorias de anlise fossem relacionadas aos nveis de comple-xidade dos raciocnios utilizados por eles.Foramidentificadosquatronveisdeestratgias,sendoqueo2nvelcontmdoissubnveis. A seguir, apresentamos cada um deles, descrevendo-os e observando seu nmerode incidncia, segundo os tipos de representao numrica ou pictrica. importante reafirmar que, enquanto na anlise quantitativa o nmero de respostascorrespondia ao nmero total de estudantes (86 estudantes do 3 ano vezes duas respostas igual a 172, e 89 estudantes do 5 ano vezes duas respostas igual a 178, o que perfaz um totalde trezentas e cinquenta respostas), aqui, na anlise qualitativa, o nmero de estratgias classifi-cadas foram 379. Isto aconteceu porque alguns estudantes utilizaram mais de uma estratgiana resoluo da questo.Salientamos que a anlise qualitativa ser realizada a partir de uma viso holstica dosdados coletados. A seguir, encontram-se descritas as estratgias identificadas, classificadas equantificadas por nveis, levando-se em considerao as variveis: ano escolar (3 e 5), ques-to(Q1eQ2)etipoderepresentao(pictricaenumrica).Emtodososnveisseroapresentados protocolos com o objetivo de ilustr-los.Nvel 1: Incompreensvel classificamos como estratgia desse nvel as respostasem que o estudante no explicitou, no papel, a operao utilizada para resolver o problemaou,quandoofez,noconseguimosidentificaroraciocnioutilizado.Assim,fizerampartedessenvelasestratgiasemqueoestudantefezumdesenhosemsignificadoparaasuaresoluo, ou repetiu um dos dados do problema, ou, ainda, pode ter escolhido outro nme-ro sem que consegussemos entender a razo para tal. Neste nvel 1, as respostas dos estudan-tes esto invariavelmente erradas, como ilustram os exemplos da Figura 3.Na Figura 4, apresenta-se a quantidade de estratgias classificadas como nvel 1.Nota-se que esta estratgia apareceu dentro de todas as variveis (ano escolar, questoe tipo de representao), porm, mais recorrente entre os estudantes do 3 ano do que do 5ano (37,1% contra 10,8%, respectivamente). Se compararmos a questo 1 com a 2, observa-se que tal estratgia esteve, majoritariamente, presente na Q2, e tal fenmeno constatou-se nosdois anos escolares. Por fim, com relao ao tipo de representao, notamos que, enquanto no3 ano a predominncia foi pictrica, no 5 ano foi numrica. J tnhamos a expectativa de queencontraramos uma configurao prxima desse quadro, pois razovel supor que o 3 anolanasse mo de estratgias alternativas prprias e sem sentido, pautadas no desenho, uma vezque no havia tido contato formal com situaes do campo da estrutura multiplicativa.527Cinc. Educ., Bauru, v. 20, n. 2, p. 517-533, 2014O raciocinio de estudantes do Ensino Fundamental ...Nvel 2: Pensamento Aditivo encontramos, neste nvel, duas estratgias distintasde esquema de ao, o que gerou dois subnveis, quais sejam: contagem (Nvel 2A) e operaode adio (Nvel 2B). O nvel 2A (contagem) s aconteceu por meio da representao pict-rica. J no nvel 2B (operao de adio) tivemos tanto resolues pictricas como numricas.Apresentamos, na Figura 5, exemplos de resolues classificadas nos nveis 2A e 2B.Fonte: Elaborado pelos autores.Fonte: Elaborado pelos autores.Estratgi adeNvel 1IncompreensvelPictricaNumrica3 5Q11312Q22621Q10303Q2 0311

Fonte: Elaborado pelos autores.Figura3.Protocolosclassificadosnonvel1.Figura4.Quantidadedeestratgiasclassificadasnonvel1.Figura5.Protocolosclassificadosnonvel2.528Magina, S. M. P., Santos, A.; Merlini, V. L.Cinc. Educ., Bauru, v. 20, n. 2, p. 517-533, 2014Observe, na resoluo classificada no nvel 2A, que o estudante representou os dadosdoproblemapictoricamente,representandoaquantidade36pormeiodetracinhos(proto-colo exemplo nvel 2A). Acreditamos que essa quantidade de 36 represente trs vezes o nme-ro 12. J nos dois exemplos referentes ao nvel 2B, os alunos somaram os dados do problemade forma numrica e/ou pictrica. Assim como no nvel 1, as estratgias dos nveis 2A e 2Bainda levaram ao insucesso, como mostra a Figura 6.Observequeestratgiadonvel2Afoipoucoutilizadapelosestudantesdosdoisanos (menos de 3% para cada um deles). Por esse motivo, no nos deteremos em sua anlise.No que tange ao nvel 2B, este foi mais utilizado pelos estudantes do 3 ano (30,4%). Contudonos surpreendeu o fato de 22,2% de todas as estratgias utilizadas pelos estudantes do 5 anoresidirem nesse nvel, e mais, que a maioria delas tenha sido utilizada como esquema de aopara resolver a Q1. No podemos esquecer que Q1 uma situao prototpica das estruturasmultiplicativas e que j deveria ter sido dominada pelos estudantes do 5 ano.Nvel 3: Transio (do Pensamento Aditivo para o Multiplicativo) a estrat-gia utilizada pelos estudantes nesse nvel consistiu em formar grupos de uma mesma quantida-de. Trata-se de somar vrias vezes uma mesma quantidade, seja ela representada por conesagrupados (IIIIIIII IIII= 12), ou numericamente (4 + 4 + 4 = 12). Tal estratgia aproxima-se do pensamento multiplicativo, mas est ancorada no raciocnio aditivo, isto , formar gru-pos de mesma quantidade para ento efetuar a operao de adio. Quando a representao pictrica fica bem demarcada pelos grupos desenhados; quando a representao numri-ca,aestratgiaexplicitamenteasomadeparcelasiguais.Nomeamostalfenmenocomoestratgia de transio.Os exemplos da Figura 7 ilustram respostas, corretas e incorretas, desse nvel, consi-derando o tipo de representao (pictrica ou numrica)Aps a apresentao de exemplos da estratgia classificada como nvel 3, a Figura 8mostra a quantidade de vezes em que os estudantes utilizaram tal estratgia e quantas delaslevaram ao acerto e ao erro.Notamos que essa estratgia foi predominantemente mais utilizada pelos estudantesdo 3 do que do 5 ano (27,8% e 13%, respectivamente). Alis, surpreendeu-nos positivamen-teofatodeque75,9%dasestratgiasdo3anolevaramaoacerto.Issosignificaque,aoFonte: Elaborado pelos autores.Estratgi adeNvel 2APensamentoAditivoContagemPictrica3 5Q102Q203Q1-Q201

Estratgi adeNvel 2BPensamentoAditivoOperaodeAdioPictricaNumrica3 5Q11423Q20314Q10123Q2 -16

Figura6. Quantidadedeestratgiasclassificadasnosnveis2Ae2B.529Cinc. Educ., Bauru, v. 20, n. 2, p. 517-533, 2014O raciocinio de estudantes do Ensino Fundamental ...contrrio do que costuma pensar a cultura escolar, estudantes desse ano j se mostram cogni-tivamenteprontospararesolvercomsucessoproblemasmultiplicativos,sobretudoaquelescujarelaoestabelecidafordeumparamuitos(ocasodeQ1).Emcontrapartida,numaanlise mais acurada dos resultados dos estudantes do 5 ano, surpreendeu-nos, negativamen-te, constatar que essa estratgia foi bem menos usada do que a 2B (a estratgia do nvel 2B foiusadaquarentavezesenquanto,nonvel3,apenas19vezes).Talresultadodenotaqueosestudantesdo5anolanarammomuitomaisdeestratgiasrelacionadasaopensamentoFonte: Elaborado pelos autores.Fonte: Elaborado pelos autores.Estratgi adeNvel 3Tr ansi oFormaodegrupoouparcelasrepetidas3 5Q118140302Q208010701Q10703--Q203-0303

CorretoIncorretoPictricaNumrica

PictricaNumrica

Figura7.Protocolosclassificadosnonvel3.Figura8.Quantidadedeestratgiasclassificadasnonvel3.530Magina, S. M. P., Santos, A.; Merlini, V. L.Cinc. Educ., Bauru, v. 20, n. 2, p. 517-533, 2014aditivo (nvel 2B) do que a transio multiplicativa (nvel 3). Considerando que essas crianasvm estudando a estrutura multiplicativa pelo segundo ano consecutivo, ponderamos quantotal ensino tem se limitado a relacionar essa estrutura como continuao da aditiva, sem que asrupturasentreumaeoutraestruturatenhamsidotrabalhadas.Talaodaescolapodetercausado uma estagnao no raciocnio desses estudantes, no sentido de lev-los a raciocinarapenas aditivamente.Nvel4:PensamentoMultiplicativonestenvelaestratgiaqueoestudanteutiliza passa, necessariamente, pela estrutura multiplicativa.NoqueserefereaQ2,julgamosserimportanteressaltarque,apsaaplicaodoinstrumento,percebemosquesesomssemososdadosdoproblemasemnosimportamoscom a natureza das quantidades (3 ovos + 12 bolos + 5 bolos), teramos como resposta 20,coincidindocomarespostacorretavindadaoperaodemultiplicao,pois,para5bolos,seronecessrios20ovos.Algunsestudantescolocaramapenasarespostanumrica20,sem mencionar qual foi a estratgia de ao utilizada para chegar a esse resultado.Dessa forma, para tentar contornar tal situao, decidimos que: se a Q2 apresentavaapenasaresposta20seriaconsideradacertacasoarespostadaQ1tambmtivessesidoresolvida corretamente. Nossa posio se deve ao fato de que, em algumas das dessas respos-tas corretas da Q2, o mesmo estudante resolveu a Q1 fazendo a adio de 3 receitas com 4colheres, sem se preocupar com a natureza das quantidades envolvidas. Sendo assim, razo-vel supor que, se ele pensou dessa maneira na Q1, possvel que tenha pensado de modosemelhante ao resolver a Q2, ento estamos considerando errada a Q2.AindalevandoemcontaaQ2,destacamosalgumasdasestratgiasmaisutilizadaspelos estudantes que conduziram tanto ao erro quanto ao acerto. Ressaltando, primeiramente,aquelasquelevaramaoacerto,tivemosestudantesquecoordenaramasduasestruturas,amultiplicativa e a aditiva para a resoluo. Descobriram a relao um para muitos, dividindo12ovosportrsbolos,encontrandoaquantidadedeovosparacadabolo.Emseguida,fizeram a adio dos ovos utilizados para os trs (3) bolos com os ovos necessrios para osdois (2) bolos que faltam para completar os cinco (5) solicitados.Com relao s estratgias que levaram ao erro na questo 2, destacamos uma fre-quentemente utilizada, que foi a multiplicao dos 12 ovos, ora pelos trs (3) bolos, ora peloscinco (5) bolos. Nessa estratgia, inferimos que o estudante no conseguiu encontrar a relaoimplcita de um para muitos e considerou, ento, a relao um (1) bolo para 12 ovos. Outraestratgiacomumnessaquestofoiamultiplicaoentreasquantidadesdebolo(3bolosvezes 5 bolos).Para ilustrar o que descrevemos acima, destacamos alguns protocolos que mostramas estratgias do Nvel 4 (Figura 9).Na Figura 10 consta a quantidade de respostas apresentadas classificadas no nvel 4,considerando se tal resposta foi dada na representao numrica ou pictrica.Notamos que, de modo geral, a representao pictrica foi mais utilizada pelos estu-dantes do 3 ano em detrimento dos estudantes do 5 ano, o que nos leva a afirmar que, aolongodaescolarizao,osestudantesvoseapropriandodaformalizaodoconceitoe,portanto, fazendo o uso do algoritmo com uma maior frequncia.O Nvel 3, que foi denominado como de Transio, tem razo desse ttulo pelo fatode que a maioria dos estudantes do 3 ano, alm de alguns do 5 ano, que atingiram o sucesso531Cinc. Educ., Bauru, v. 20, n. 2, p. 517-533, 2014O raciocinio de estudantes do Ensino Fundamental ...em suas estratgias, consideram a multiplicao como sendo a adio de parcelas repetidas,sendo que a representao mais utilizada foi a pictrica.No que se refere ao Nvel 4, observamos que a maioria dos estudantes obteve suces-so quando se remete ao pensamento multiplicativo. Do ponto de vista dos nveis de estrat-gias, independentemente de resoluo correta ou no, observa-se que os estudantes do 5 anoconcentraram suas estratgias, majoritariamente, nos nveis 3 e 4.Consideraes finaisO objetivo deste artigo foi o de analisar o desempenho e as estratgias de estudantesdos 3 e 5 anos do Ensino Fundamental na resoluo de duas situaes do Campo Concei-tual Multiplicativo e, ainda, discutir e classificar os nveis de raciocnio empregados por eles. Aanlise dos resultados nos permite fazer duas consideraes: uma do ponto de vista quantita-tivo e outra do ponto de vista qualitativo.Fonte: Dados da pesquisa.Estratgi adeNvel 4PensamentoMultiplicativo3 5Q161Q22-Q1521Q21631

CorretoIncorreto

NumricaNumrica Fonte: Elaborado pelos autores.Figura9.Protocolosclassificadosnonvel4.Figura10.Quantidadedeestratgiasclassificadasnonvel4.532Magina, S. M. P., Santos, A.; Merlini, V. L.Cinc. Educ., Bauru, v. 20, n. 2, p. 517-533, 2014Noqueconcerneaopontodevistaquantitativo,seconsiderarmososucessodosestudantes como indicador de aprendizagem, os resultados indicam que houve pouco ganhoquandocomparamosodesempenhodosestudantesdos3e5anosemproblemasqueenvolvem a classe muitos para muitos dentro do eixo Proporo simples (Q2). Esse dado preocu-pante, pois era esperado que houvesse uma ntida evoluo nesses percentuais, uma vez quedoisanosletivosseparamumgrupodooutro.TalevoluontidaapenasnaQ1.UmavanoentreospercentuaisdesucessodosdoisgruposdeestudantesnosdoisproblemasindicariaqueaescolaestatentaparaanecessidadedeexpandiroCampoConceitualcomeles, no se limitando em trabalhar apenas as situaes que permitam explorar a continuidadeentre o raciocnio aditivo e multiplicativo. Em outras palavras, ao trabalhar com uma varieda-de de situaes-problema, explorando as relaes (quaternria e ternria), os eixos (propor-o simples e mltiplas, comparao multiplicativa e produtos de medidas) e, dentro de cadaum deles, suas classes (um para muitos, muitos para muitos, configurao retangular etc.), oprofessorestarpermitindoqueseusestudantesformemdemaneiraslidaeexpandamoCampo Conceitual Multiplicativo.Comrelaoanlisequalitativa,apartirdasestratgiasdeaoutilizadaspelosestudantes ao resolverem as duas questes, identificamos quatro nveis de raciocnio, segundoas representaes numrica ou pictrica. Constatamos que a representao pictrica foide grande valia para os estudantes do 3 ano, assim como foi tambm utilizada pelos estudan-tes de 5 ano, porm em menor nmero. Majoritariamente, os estudantes que lanaram modesse tipo de representao obtiveram sucesso na resoluo das questes.Acreditamosquetalfenmenopodeserexplicadonamedidaemqueoestudantedecodifica os dados da questo da linguagem natural para a representao pictrica. Parece-nos que essa ao do estudante lhe possibilita ver o que est escrito, isto , a representaopictricaoajudaatornarconcreto(materializar)aquiloqueestescritoabstratamenteemformaderepresentaopormeiodepalavras.Este fenmeno indica o efeito poderoso que esta representao tem sobre o sucessodos estudantes, o que nos leva a, enfaticamente, propor o seu uso no processo de ensino docampo conceitual da estrutura multiplicativa.RefernciasGITIRANA, V. et al. Repensando multiplicao e diviso: contribuies da teoria dos camposconceituais.So Paulo: PROEM, 2013.MAGINA, S. et al. Similaridades no pensamento multiplicativo: professores e alunos. In:CONGRESO IBEROAMERICANO DE EDUCACIN MATEMTICA, 4., 2001, Cochabamba.Actas...Cochabamba, 2001. p. 1-8.MAGINA, S.; SANTOS, A.; MERLINI, V. Quando e como devemos introduzir a diviso nas sriesiniciais do ensino fundamental?: contribuio para o debate. Em Teia: revista de educao matemtica etecnolgica iberoamericana, Recife, v. 1, n. 1, p. 1-23, 2010.MAGINA, S.; MERLINI, V.; SANTOS, A. A estrutura multiplicativa sob a tica da teoria dos camposconceituais: uma viso do ponto de vista da aprendizagem. In: SIMPSIO INTERNACIONAL DEPESQUISA EM EDUCAO MATEMTICA, 3., 2012, Fortaleza. Anais... Fortaleza, 2012. p. 1-12.533Cinc. Educ., Bauru, v. 20, n. 2, p. 517-533, 2014O raciocinio de estudantes do Ensino Fundamental ...NUNES, T.; BRYANT, P. Crianas fazendo matemtica. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1997.NUNES, T. et al. Educao matemtica: nmeros e operaes numricas. So Paulo: Cortez, 2005.PIAGET, J.; SZEMINSKA, A. A gnese do nmero na criana. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.PIAGET, J. Biologia e conhecimento. Petrpolis: Vozes, 1996.RUDIO, F. V. Introduo ao projeto de pesquisa cientfica. 32. ed. Petrpolis: Vozes, 2001.VERGNAUD, G. Multiplicative structures. In: LESH, R.; LANDAU, M. (Ed.). Acquisitions ofmathematics concepts and procedures. New York: Academic Press, 1983. p. 127-174.______. Multiplicative structures. In: HIEBERT, H.; BEHR, M. (Ed.). Research agenda inmathematics education: number concepts and operations in the middle grades. Hillsdale: LawrenceErlbaum, 1988. p. 141-161.______. La thorie des champs conceptuels. Recherches en Didactique des Mathmatiques,Grenoble, v. 10, n. 23, p. 133-170, 1990.______. Multiplicative conceptual field: what and why? In: GUERSHON, H.; CONFREY, J. (Ed.).The development ofmultiplicative reasoning in the learning ofmathematics. Albany: StateUniversity ofNew York Press, 1994. p. 41-59.______. A criana, a matemtica e a realidade: problemas do ensino da matemtica na escolarelementar. Curitiba: Ed. da UFPR, 2009.Artigo recebido em 27/11/13. Aceito em 11/04/13.