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São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 79-91, jan./jun. 2008 E studos que trazem à tona a questão das desigualda- des sociais e o impacto na saúde da população fazem parte da antiga tradição brasileira nas reflexões conceituais e metodológicas, incorporando diferentes referenciais analíticos e abordagens interdisciplinares. As múltiplas dimensões das iniqüidades em saúde centradas no estudo das determinações estruturais da sociedade brasileira – condições de vida, situações de pobreza, identificação de grupos de risco, entre outras – e sua correspondência com as condições de saúde foram amplamente exploradas, permitindo contar na atualida- de com um acúmulo significativo de produção científica. Os resultados destas pesquisas adquiriram suma importância, subsidiando o desenho e a implementação de políticas públicas e programas sociais como alternativas capazes de reverter ou mitigar o quadro de pobreza, exclusão e iniqüidades em saúde. Posteriormente, surgiu no cenário nacional uma linha de pesquisa referida à saúde da população afro-descen- dente centrada numa visão socioeconômica, adjudicando as diferenças encontradas somente à determinação das condições de vida a que essa população estaria exposta. Mais recentemente, ampliou-se o escopo temático mediante o reconhecimento de doenças que encontram respaldo científico consolidado para serem consideradas mais prevalentes na população negra, em virtude do condicionamento de fatores genéticos com efeitos diretos ou indiretos na saúde desse subgrupo populacional. Resumo: No artigo se esboça um panorama atual das condições de vida e seu impacto sobre a saúde da população segundo raça/cor, no país e no Estado de São Paulo, utilizando informações procedentes de fontes secundárias. Palavras-chave: Desigualdades raciais. Saúde. Mortalidade infantil. Mortalidade materna. Abstract: The article discusses an actual situation of living conditions and their impact on health of the population according race in the country and in the State of Sao Paulo, using information from secondary sources. Key words: Racial inequalities. Health. Infant Mortality. Maternal Mortality. O RECORTE RACIAL NO ESTUDO DAS DESIGUALDADES EM SAúDE E STELA M. G ARCÍA DE P INTO DA C UNHA

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São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 79-91, jan./jun. 2008

Estudos que trazem à tona a questão das desigualda-des sociais e o impacto na saúde da população fazem parte da antiga tradição brasileira nas reflexões conceituais e metodológicas, incorporando diferentes referenciais analíticos e abordagens interdisciplinares.

As múltiplas dimensões das iniqüidades em saúde centradas no estudo das determinações estruturais da sociedade brasileira – condições de vida, situações de pobreza, identificação de grupos de risco, entre outras – e sua correspondência com as condições de saúde foram amplamente exploradas, permitindo contar na atualida-de com um acúmulo significativo de produção científica.

Os resultados destas pesquisas adquiriram suma importância, subsidiando o desenho e a implementação de políticas públicas e programas sociais como alternativas capazes de reverter ou mitigar o quadro de pobreza, exclusão e iniqüidades em saúde.

Posteriormente, surgiu no cenário nacional uma linha de pesquisa referida à saúde da população afro-descen-dente centrada numa visão socioeconômica, adjudicando as diferenças encontradas somente à determinação das condições de vida a que essa população estaria exposta.

Mais recentemente, ampliou-se o escopo temático mediante o reconhecimento de doenças que encontram respaldo científico consolidado para serem consideradas mais prevalentes na população negra, em virtude do condicionamento de fatores genéticos com efeitos diretos ou indiretos na saúde desse subgrupo populacional.

Resumo: No artigo se esboça um panorama atual das condições de vida e seu impacto sobre a saúde da população segundo raça/cor, no país e no Estado de São Paulo, utilizando informações procedentes de fontes secundárias.

Palavras-chave: Desigualdades raciais. Saúde. Mortalidade infantil. Mortalidade materna.

Abstract: The article discusses an actual situation of living conditions and their impact on health of the population according race in the country and in the State of Sao Paulo, using information from secondary sources.

Key words: Racial inequalities. Health. Infant Mortality. Maternal Mortality.

O recOrte racial nO estudO das desigualdades em saúde

EstEla M. García dE Pinto da cunha

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Em que pese o acúmulo de conhecimentos so-bre a saúde segundo raça/cor, acredita-se que exis-tem ainda grandes desafios a serem encarados na produção de conhecimento sobre esse tema. Nesse sentido, considera-se importante que novos estudos foquem suas atenções no aprofundamento e atuali-zação dos condicionantes do processo saúde–doen-ça–morte, considerando as ocorrências, condições, agravos e dificuldades de acesso aos serviços de saú-de. Ainda com a finalidade de fornecer subsídios na luta pela eqüidade em saúde, também deveriam ser enfatizados aspectos sobre cuidados e tratamentos de doenças fortemente afetados pelas condições so-cioeconômicas desfavoráveis de determinados gru-pos populacionais.

Neste contexto, o presente artigo pretende contri-buir para este debate, esboçando um panorama atual das condições de vida e seu impacto sobre a saúde da população segundo raça/cor, no país e, especifica-mente, no Estado de São Paulo, a partir de informa-ções procedentes de fontes secundárias.

Constatações das desigualdades raCiais no país

O Brasil abriga a segunda maior população negra do mundo, concentrando atualmente quase 50% da sua população autoclassificada como afro-descendente (pardos ou pretos), em virtude do processo históri-co da escravatura iniciado a partir do século XVI. A construção social da desigualdade de oportunidades entre brancos e negros condicionou e condiciona a forma de viver destes grupos, fazendo-se evidente nas disparidades das condições de vida.

A bibliografia existente permite saber que, em geral, os mapas de pobreza se superpõem com os da distribuição por etnia. Isso significa que, no Brasil, os negros ocupam as posições menos qua-lificadas e pior remuneradas no mercado de tra-balho, apresentam níveis mais baixos de instrução, residem em áreas que ofertam menos serviços de infra-estrutura básica e, finalmente, sofrem maio-res restrições no acesso a serviços de saúde, que, quando prestados, são de pior qualidade e menor resolutividade relativa.

Na Tabela 1 apresenta-se uma síntese de indica-dores socioeconômicos que corroboraram o quadro de desigualdade racial existente no país: enquanto 26% da população declarada como branca pode ser considerada pobre, para os negros essa porcentagem se duplica, o mesmo ocorrendo com taxa de analfa-betismo da população maior de 15 anos e os níveis de renda domiciliar per capita. Outro fato que deve ser destacado refere-se à evidência de dois níveis de discriminação atuando de forma conjunta: a educa-cional e a racial. Informações empíricas revelam que mesmo nos casos em que os negros apresentam esco-laridade idêntica à dos brancos, em nenhuma circuns-tância eles obtêm níveis de renda similares, ficando sempre abaixo dos valores percebidos pela população branca.

Outra maneira de demonstrar essa grande dife-renciação entre negros e brancos está na utilização dos valores do Índice de Desenvolvimento Huma-no – calculado a partir de três indicadores: educação, esperança de vida e renda – alcançados por ambos os subgrupos populacionais. Como se percebe, este índice médio situa a população negra, num ranking organizado das melhores às piores condições de vida, numa posição 111 inferior à da população branca.

Por entender que a saúde da população está forte-mente condicionada pelas dimensões socioeconômi-ca, cultural e política, pode-se concluir que este pa-norama desfavorável em que vive a população negra brasileira provocará impactos na forma e intensidade do processo saúde-doença e morte.

Os resultados da Tabela 2 mostram a baixa pro-porção de mães negras que, comparativamente às brancas, tiveram pelo menos uma consulta pré-natal durante a gravidez. Se é fato que a série histórica de 2000 até 2004 mostra uma tendência de melhoria da atenção ao pré-natal das mulheres negras, também é verdade que essas mulheres chegam ao momento do parto com uma desvantagem crucial, elevando os ris-cos de vida delas e de seus filhos.

Já o Gráfico 1 revela que, entre as mulheres que cumpriram o mínimo de consultas médicas reco-mendadas pela OMS, há diferença da ordem de 40% a favor das brancas. Esse resultado, que expressa a dificuldade de acesso a serviços de saúde, poderia

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Tabela 1

Características socioeconômicas da população, segundo raça/Cor Brasil – 2000-2005

Indicadores Ano Branca Negra Total

Porcentagem de pobres (1) 2003 26,0 52,2 38,5

Rendimento (em salário mínimo) da população ocupada segundo anos de estudo (1)

até 4 anos de estudo 2003 2,2 1,6

de 5 a 8 anos de estudo 2003 2,5 1,8

de 9 a 11 anos de estudo 2003 3,4 2,8

de 12 ou mais anos de estudo 2003 9,2 8

Renda média domiciliar per capita (R$ de 2002) (1) 2003 425,6 187,8 309,3

Taxa de desemprego aos 25 anos ou mais (%) (2) 2001 5,6 7,5 6,4

População ocupada de 16 anos e mais com carteira de trabalho 2001 34,5 26,4 30,9

Porcentagem de renda dos 10% mais pobres (3) 2003 32,2 67,8

Porcentagem de renda do 1% mais rico com relação ao total de pessoas (3) 2003 86,8 13,2

Índice de Desenvolvimento Humano (4) 2000 0,8 0,7 0,8

Renda 2000 0,8 0,6 0,7

Esperança de vida 2000 0,8 0,7 0,7

Educação 2000 0,9 0,8 0,8

Taxa de analfabetismo da população de 15 anos ou mais (%) (5) 2005 7,0 15,0 11,1

Média de anos de estudo da população de 15 anos ou mais (5) 2005 7,9 6,1 7,0

Fonte: Tabulações Especiais Nepo/Unicamp.(1) Atlas Racial Brasileiro 2005, PNUD/Cedeplar. PNAD 2003.(2) IPEA. Desigualdade racial:Indicadores socieconômicos – Brasil 1991-2001.(3) IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2003.(4) IPEADATA, 2000 – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).(5) IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2005.

Tabela 2

proporção de nascimentos, com pelo Menos uma Consulta pré-natal, segundo raça/Cor

Brasil – 2000-2004

Em porcentagem

Raça/Cor 2000 2001 2002 2003 2004

Branca 59,4 58,1 57,5 56,9 57,6

Negra 28,1 29,0 28,9 30,5 30,7

Fonte: Datasus/MS/Sinasc 2000-2004.Tabulações Especiais Nepo/Unicamp.

explicar, em parte, os diferenciais encontrados nos níveis de mortalidade infantil e materna devido à au-sência de prevenção para riscos absolutamente evitá-veis a partir de um diagnóstico precoce.

Estimativas da esperança de vida ao nascer de-rivadas de informações do Censo 2000, diferencia-das segundo raça/cor, mostram que a população branca alcançou, em média, 72 anos, enquanto os negros atingiram 65 anos. É preciso destacar que a diferença na sobrevivência entre raças manteve-se praticamente constante desde a década de 1940, apesar dos ganhos obtidos pela queda dos níveis da mortalidade geral.

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Gráfico 1proporção de nascidos Vivos, por raça/Cor, segundo

número de Consultas de pré-natalBrasil – 2003

Fonte: Datasus/MS/Sinasc 2003. Elaboração Nepo/Unicamp.

Considerados a partir de uma série histórica, os dados dos últimos Censos Demográficos indicam uma melhora substancial nos níveis de esperança de vida ao nascer, muito embora, novamente nes-se caso, o quadro dos diferenciais raciais tenha se mantido através do tempo: em 1950, a diferença da expectativa de vida entre brancos e negros era de 7,4 anos, diminuindo para 5,3 segundo as informa-ções do Censo de 2000. Tal resultado leva a concluir que, embora os dois grupos tenham aumentado sua expectativa de vida, isso não foi suficiente para erra-dicar as diferenças raciais entre os brasileiros.

A análise dos dados segundo o sexo da mostra que, mesmo considerando que as mulheres apre-sentaram um nível maior de esperança de vida – como era de se esperar pelo comportamento mun-dial –, ao incluir a variável raça/cor os diferenciais raciais ainda se mantêm: as mulheres brancas al-cançavam, segundo o Censo 2000, uma esperança de vida ao nascer de 73,8 anos, enquanto as negras esperavam viver, em média, 4,3 anos a menos. Ou-tro fato importante a ressaltar é que as mulheres negras assumem um valor próximo ao dos homens brancos (68,2 anos), o que estaria quase alterando o comportamento histórico de maior esperança de vida feminina.

Informações censitárias atualizadas permitem o cálculo dos níveis de mortalidade infantil e na in-fância (primeiros cinco anos de vida) ao longo do tempo, segundo a declaração de raça/cor da mãe (Gráficos 3 e 4). As análises das tendências com-provam uma melhoria constante nos indicadores da mortalidade de menores de um ano devido à ação de fatores demográficos, econômicos e sociais, res-saltando-se, entre estes, diminuição da fecundidade, e com o conseqüente aumento do período interge-nésico, ampliação da cobertura de imunização, uso de terapia de reidratação oral, políticas de incentivo à amamentação, expansão da cobertura de serviços de infra-estrutura básica, melhoria no acesso da po-pulação aos serviços básicos de saúde, etc.

Contudo, mesmo diminuindo sistematicamente os níveis de mortalidade infantil e na infância, tanto para a população branca como para a negra, verifi-cam-se desigualdades raciais expressivas, entre 1991

Gráfico 2esperança de Vida ao nascer,

segundo sexo e raça/CorBrasil – 1980-2000

Fonte: PNUD/Cedeplar. Atlas Racial Brasileiro 2005.

Negra Branca0,0

10,0

20,0

30,0

40,0

50,0

60,0

70,0

Nenhumaconsulta 5,0 1,6

7 e mais 37,1 62,5

%

73,8071,80

69,52

65,62

58,71

68,24

64,36

56,9858,15

63,27

50

55

60

65

70

75

1980 1991 2000

Em anos

Homens BrancosHomens Negros

Mulheres BrancasMulheres Negras

63,43

60,58

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Gráfico 3taxas de Mortalidade infantil, segundo raça/Cor

Brasil – 1991-2000

Fonte: PNUD/Cedeplar. Atlas Racial Brasileiro 2005. Elaboração Nepo/Unicamp.

e 2000. Esses resultados sugerem que os filhos de mães negras continuam a sofrer desvantagem com-parativa no que se refere à exposição de adoecer e de morrer.

Para concluir este breve resumo da saúde da po-pulação brasileira segundo raça/cor, remete-se ao co-nhecimento de que a mortalidade materna reflete um conjunto de fatores, como a qualidade da assistência prestada durante a vida reprodutiva dos cidadãos e a assistência à saúde da mulher especificamente. Logo, os níveis elevados das taxas de mortalidade mater-na poderiam ser atribuídos ao grande número de gravidezes que apresentam quadros de morbidade específicos, às dificuldades de acesso e uso de ser-viços de saúde, e à qualidade da assistência prestada às mulheres durante o período do pré-natal, parto e puerpério.

Mesmo tendo ocorrido uma melhora histórica na coleta dos dados, não se conhece, da mesma forma que na maioria dos países subdesenvolvidos, o real ta-manho do problema e a quem afeta majoritariamente, devido às deficiências quantitativas (baixa cobertura) e qualitativas (erros de preenchimento das variáveis nos atestados de óbitos) das informações sobre as mortes maternas.

Em que pese o fato de reconhecer a possível subestimação no cálculo das taxas de mortalida-de materna, as estimativas diretas para 2000 e 2004 (Gráfico 5) confirmam a estabilidade do nível nesse período, além da sobremortalidade de 35% das mu-lheres negras quando comparadas às brancas. Estas constatações alertam para a necessidade de serem criadas estratégias de redução não somente da taxa de mortalidade materna – 90% das quais consideradas passíveis de serem evitadas –, mas também do dife-rencial já apontado, contemplando especificidades raciais, além das condições socioeconômicas. A rigor deveriam ser analisadas as doenças que afetam com maior prevalência uma ou outra subpopulação, como, por exemplo, hipertensão específica da gravidez, in-fecções, aborto, acidente cerebral vascular, diabetes, enfermidades renais, etc., que se destacam como as principais causas de morte das mulheres em idade reprodutiva pelas complicações da gravidez, parto e puerpério.

Gráfico 4taxas de Mortalidade na infância, segundo raça/Cor

Brasil – 1991-2000

Fonte: PNUD/Cedeplar. Atlas Racial Brasileiro 2005. Elaboração Nepo/Unicamp.

1991 20000

20

40

60

80

100

Brancos

Por 1.000 nascidos vivos

Negros Total

1991 20000

20

40

60

80

100Por 1.000 nascidos vivos

Brancos Negros Total

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Os Gráficos 6 e 7 revelam outro aspeto importan-te dos diferenciais raciais em saúde: a proporção de óbitos gerais e a taxa de mortalidade infantil sem as-sistência médica, para 2004 e 2005, são significativa-mente superiores para os negros, com o agravante de ter chegado ao óbito sem ter tido assistência médica, o que poderia estar revelando a desigualdade racial no acesso e uso dos serviços de saúde.

Gráfico 7taxa de Mortalidade infantil

sem assistência MédicaBrasil – 2004-2005

Fonte: Datasus/MS/SIM. Elaboração Nepo/Unicamp.

Gráfico 6Óbitos sem assistência Médica

Brasil – 2004-2005

Fonte: Datasus/MS/SIM. Elaboração Nepo/Unicamp.

Gráfico 5taxas de Mortalidade Materna, segundo raça/Cor

Brasil – 1996-2004

Fonte: Datasus/MS/SIM. Elaboração Nepo/Unicamp.

o Caso do estado de são paulo

Segundo maior PIB per capita, maior mercado consu-midor e um dos maiores pólos econômicos e indus-triais da América do Sul, São Paulo é o Estado mais rico e desenvolvido do Brasil. É responsável por mais de 33,9% do PIB nacional, figura entre os Estados com alto IDH, possui economia altamende diversi-ficada, com acesso praticamente universalizado da população a serviços de infra-estrutura básica e regis-tra uma taxa relativamente baixa de analfabetismo na população de 15 anos ou mais.

Não obstante esta caracterização altamente favo-rável, é paradoxal que existam no Estado grandes di-ferenças regionais, sociais e raciais nas condições de vida da população residente.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD 2006, mais de 12 milhões de pessoas no Estado de São Paulo se autodeclararam negras, o que representa 31% da população estadual e o maior volume populacional desta raça/cor com-parativamente aos demais estados.

A síntese de indicadores relativos às condições de vida da população, segundo raça/cor, sistematizados

2004 20050,0

2,0

4,0

6,0

8,0

2,2

1,5

5,7

3,5

%

B ranca Negra

2004 20050,0

0,2

0,4

0,6

0,8

1,0

0,4

0,2

0,9

0,5

B ranca

Por 1.000 nascidos vivos

Negra

1996 2000 20040

20

40

60

80

100

120

140

105,8

41,5 43,9

29,1

60,166,8

Por 100.000 nascidos vivos

Branca Negra

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na Tabela 3, permite concluir que a população clas-sificada como negra vivencia uma situação altamente desvantajosa com relação à branca no que se refere às condições socioeconômicas.

Assim, a proporção de população pobre entre os negros é 46% maior do que no caso dos brancos. Além disso, os negros recebem os menores rendi-mentos independente dos anos de estudo alcançados, ganham metade da renda média mensal comparativa-mente com os brancos, e apresentam as maiores ta-xas de desemprego – quase o dobro dos brancos. Por último, a taxa de analfabetismo da população negra com mais de 15 anos é 38% maior e a média de anos

de estudos é cerca de um ano e meio menor do que a média registrada pelos brancos.

Um último comentário sobre as condições de vida da população paulista, segundo raça/cor, refere-se ao valor do IDH, que, mesmo em patamares superiores à média nacional, evidencia que os negros alcançam um valor inferior ao dos brancos. O que cabe indagar, portanto, é se as características salientadas repercu-tem negativamente nas condições de saúde da popu-lação negra residente em São Paulo.

Antes de fazer referência ao comportamento de alguns indicadores de saúde segundo raça/cor, é preciso salientar que a cobertura deste quesito entre

Tabela 3

Características socioeconômicas da população, segundo raça/Cor estado de são paulo – 2000-2006

Indicadores Ano Branca Negra Total

Porcentagem de pobres (1) 2003 19,3 35,9 24,0

Rendimento (em salário mínimo) da população ocupada segundo anos de estudo (1)

até 4 anos de estudo 2003 2,7 2,3

de 5 a 8 anos de estudo 2003 2,9 2,4

de 9 a 11 anos de estudo 2003 3,7 3,5

de 12 ou mais anos de estudo 2003 9,9 10,2

Renda média domiciliar per capita (R$ de 2002) (1) 2003 503,4 244,5 427,7

Taxa de desemprego aos 25 anos ou mais (%) (2) 2001 6,8 11,6 8,0

Índice de Desenvolvimento Humano (3) 2000 0,8 0,8 0,8

Renda 2000 0,8 0,7 0,8

Esperança de vida 2000 0,8 0,7 0,8

Educação 2000 0,9 0,9 0,9

Taxa de analfabetismo da população de 15 anos ou mais (%) (4) 2006 4,3 6,9 5,0

Média de anos de estudo da população de 15 anos ou mais (4) 2006 8,6 7,1 8,2

Fonte: Tabulações Especiais Nepo/Unicamp.(1) Atlas Racial Brasileiro 2005, PNUD/Cedeplar. PNAD 2003.(2) IPEA. Desigualdade racial:Indicadores socieconômicos – Brasil 1991-2001.(3) IPEADATA, 2000 – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). (4) IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2006.

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Gráfico 8Óbitos sem declaração de raça/Cor

Brasil e estado de são paulo – 1996-2005

Fonte: Datasus/MS/SIM. Elaboração Nepo/Unicamp.

1996 – ano em que foi incorporado nos documen-tos de coleta das estatísticas vitais – e 2005 apresenta uma tendência constante de aumento, tanto para o país como no Estado. As porcentagens de eventos sem declaração de raça/cor foram superiores para o Estado até 1998, ano em que se reverte a posição com relação ao país, chegando a representar, em 2005, apenas 1% do total de óbitos, enquanto no país ainda esse índice era da ordem de 8,5%.

O mesmo desempenho verifica-se na tendência dos nascimentos registrados, ou seja, um declínio constante das proporções sem declaração de raça/cor. Porém, é interessante destacar a reversão de po-sição entre o Estado e o país, a partir de 1999 situa-ção que perdura até o fim do período considerado. Embora São Paulo tenha apresentado, no início da inclusão do quesito raça/cor, proporções inferiores de nascimentos sem esse registro quando comparado com o país, a partir desse ano a média nacional se mantém com menor subnotificação do que a esta-

dual, apontando uma melhora comparativa na cober-tura deste quesito.

Em outros termos, melhoria nos registros de raça/cor tanto nas declarações de óbito como nas de nasci-mento possibilitou a realização de análises focadas no recorte étnico/racial de forma muito mais consisten-te, propiciando um avanço na procura por evidências dos diferenciais. Tal melhoria permite uma visão mais realista da situação de saúde da população segundo a raça/cor e, no caso de São Paulo, como será visto a seguir, corrobora mais uma vez as assimetrias raciais encontradas nos indicadores de saúde.

Como explicitado no caso do país, porém em pa-tamares mais altos, a porcentagem de mães negras re-sidentes em São Paulo que chegam ao momento do nascimento dos filhos tendo completado pelo menos o número mínimo recomendado de consultas no pré-natal é 15% inferior à das brancas. Este diferencial po-deria explicar em parte – além, é claro, de outros fatores como estado nutricional da mãe, fatores congênitos da

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

0

10

20

30

40

50

60

70

80

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Brasil

%

Estado de São Paulo

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Gráfico 10proporção de Mães com assistência pré-natal,

por raça/Corestado de são paulo – 2004

Fonte: Fundação Seade. Elaboração Nepo/Unicamp.

Gráfico 11proporção de nascidos Vivos de Baixo peso

ao nascer, por raça/Corestado de são paulo – 2004

Fonte: Fundação Seade. Elaboração Nepo/Unicamp.

Gráfico 9nascimentos sem declaração de raça/CorBrasil e estado de são paulo – 1996-2005

Fonte: Datasus/MS/SIM. Elaboração Nepo/Unicamp.

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 20050

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

Brasil

%

Estado de São Paulo

Branca

%

Negra Total

0,0

20,0

40,0

60,0

80,0

100,0

75,5

61,3

72,6

Branca Negra Total

8,0

8,5

9,0

9,5

10,0

10,5%

8,7

10,0

9,1

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São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 79-91, jan./jun. 2008

Gráfico 12esperança de Vida ao nascer,

segundo sexo e raça/Corestado de são paulo – 1980-2000

Fonte: PNUD/Cedeplar. Atlas Racial Brasileiro 2005. Elaboração Nepo/Unicamp.

Gráfico 13taxas de Mortalidade infantil,

segundo raça/Corestado de são paulo – 1991-2000

Fonte: PNUD/Cedeplar. Atlas Racial Brasileiro 2005. Elaboração Nepo/Unicamp.

criança, atendimento ao parto, etc. – a assimetria racial na proporção de nascidos vivos com baixo peso.

Os dados oficiais constatam também que mudan-ças importantes aconteceram no comportamento da esperança de vida ao nascer da população paulista, com uma tendência de aumento constante entre 1980 e 2000. Porém, apesar dos ganhos obtidos neste pe-ríodo, fica evidente a persistência dos diferenciais en-tre a população branca e a negra tanto para homens como para mulheres, sendo sempre menor para a po-pulação negra.

De qualquer maneira, deve-se ressaltar que esses diferenciais reduziram-se ao longo do tempo: se no início do período a média de sobrevida da população branca era cinco anos maior do que a dos negros, essa diferença se reduz para aproximadamente três anos no final do período.

Ao se analisarem as estimativas indiretas da morta-lidade das crianças nos primeiros anos de vida, nota-

se uma redução significativa nos níveis entre os dois últimos censos demográficos, tanto para os menores de um ano como para os menores de cinco anos de idade.

Apesar de se manterem os diferenciais raciais nos dois pontos do tempo, registra-se uma pequena redução (menos de 10%) em ambas estimativas de mortalidade. Se a disparidade no nível da mortalidade infantil entre brancos e negros, em 1991, era de 28%, já em 2000 diminuiu para 20%. No caso da mortali-dade dos menores de cinco anos, essa diferença era de 36% e 29%, respectivamente, nos dois anos. Esse movimento positivo revela uma diminuição dos dife-renciais raciais, muito embora com uma intensidade menor do que a necessária para promover a eqüidade na saúde da população.

Por último um comentário sucinto sobre os dife-renciais raciais na mortalidade das mulheres paulistas por causas relacionadas à gravidez, ao parto ou ao

Homens BrancosHomens Negros

Mulheres BrancasMulheres Negras

61,89

65,76

69,11

55,04

60,76

65,31

68,00

74,95 75,64

73,26

62,09

70,56

50

55

60

65

70

75

80

1980 1991 2000

Em anos

1991 2000

0

10

20

30

40

50

Brancos

Por 1.000 nascidos vivos

Negros Total

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o REcoRTE RacIal No ESTuDo DaS DESIGualDaDES EM SaúDE 89

São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 79-91, jan./jun. 2008

Gráfico 14taxa de Mortalidade na infância, segundo raça/Cor

estado de são paulo – 1991-2000

Fonte: PNUD/Cedeplar. Atlas Racial Brasileiro 2005. Elaboração Nepo/Unicamp.

puerpério. Os dados revelam novamente a sobremor-talidade das mulheres negras quando comparadas às brancas, chegando a representar 40% em 2000. Mes-mo tendo que tomar cautela nas análises deste even-to demográfico, devido à possível subestimação das estimativas obtidas a partir das estatísticas oficiais, chama a atenção o aumento do nível de mortalidade materna entre as mulheres negras e a diminuição da taxa para as brancas, no período 2000-2005. Este de-sempenho das taxas de mortalidade materna provo-cou um aumento substancial das assimetrias raciais, passando a diferença entre as taxas observadas para 60% em 2005.

O apanhado de informações apresentados até aqui permite, portanto, evidenciar as diferenças de raça/cor presentes nas distintas formas de adoecer e mor-rer da população brasileira e da paulista, mostrando uma posição altamente desvantajosa ocupada pelo segmento dos negros, em todos os indicadores con-siderados.

ConClusões

No sucinto conjunto de comentários apresentado neste artigo, aponta-se que as assimetrias de raça/cor ficam evidentes na evolução e comportamento dos indicadores de saúde. Dessa forma, pretende-se dar uma pequena contribuição para o debate da polêmica questão sobre diferenciais raciais em saúde, oferecen-do algumas evidências empíricas que possam servir de insumos para a busca da eqüidade.

Com a divulgação desses resultados, espera-se, também, sensibilizar planejadores e gestores de saúde sobre a importância de compreender a singularidade do recorte étnico/racial na saúde, o que permitiria nortear medidas práticas dirigidas especificamente à população negra, assim como ações voltadas para a promoção da igualdade de oportunidades a todos os(as) cidadãos(ãs).

O combate e a erradicação das desigualdades convertem-se num grande desafio para as políticas públicas, especialmente quando a origem destas de-sigualdades está não apenas pelas diferenças sociais, mas também por uma discriminação racial. É neces-sário que elas apontem uma reformulação de práticas

Gráfico 15taxa de Mortalidade Materna, segundo raça/Cor

estado de são paulo – 2000-2005

Fonte: Datasus/MS/SIM. Elaboração Nepo/Unicamp.

2000 20050

20

40

60

80

100

43,3

32,0

71,5

78,5

Branca

Por 100.000 nascidos vivos

Negra

1991 20000

10

20

30

40

50Por 1.000 nascidos vivos

Brancos Negros Total

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São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 79-91, jan./jun. 2008

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nota

Neste artigo utiliza-se a variável raça/cor caracterizando a população em branca e negra (somatória da população preta e parda segundo classificação oficial do IBGE), acompanhan-do a convenção empregada nos estudos referentes à proble-mática racial.

enraizadas na sociedade brasileira, que contemplem as necessidades específicas, promovendo o direito à igualdade de parcelas de população que se inserem de forma excludente no país.

A compilação de informações aqui apresentada aponta para o fato de que a questão racial é um fator altamente condicionante para os estados de saúde, sendo que os negros sistematicamente encontram-se em posição muito desvantajosa. Mesmo reconhecen-do que a raça/cor não é por si só um fator de risco, deve-se considerar que a inserção social adversa do negro sem dúvida constitui um agravante de sua vul-nerabilidade diante das condições de saúde.

Constatou-se que as desvantagens observadas nas condições de vida da população negra extra-polam os indicadores socioeconômicos e se esten-

dem para o acesso aos serviços de saúde e para os indicadores de mortalidade. Pode-se dizer que a população negra brasileira sofre um acúmulo de desigualdades socioeconômicas e raciais, que limi-tam não somente o seu nível de bem-estar, mas também o das futuras gerações. Na verdade, as comprovações empíricas indicam um fato incon-testável: a maior vulnerabilidade dos negros com relação à sobrevivência quando comparados à situa ção dos brancos.

Em resumo, acredita-se que, com respaldo cien-tífico consistente que aporte evidências empíricas, o recorte étnico/racial deveria consolidar-se como uma dimensão central, da mesma forma que a clas-se social e gênero, na produção, disseminação de informações e análises dos diferenciais em saúde.

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São Paulo em Perspectiva, v. 22, n. 1, p. 79-91, jan./jun. 2008

EstEla M. García dE Pinto da cunha

Socióloga, Mestre em Demografia, Doutora em Saúde Coletiva, Pós-doutora no Population Research Center, Universidade do Texas e Pesquisadora do Núcleo de Estudos de População da Unicamp.

Artigo recebido em 14 de agosto de 2008. Aprovado em 15 de outubro de 2008.

Como citar o artigo:CUNHA, E.M.G.P. O recorte racial no estudo das desigualdades em saúde. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, Fundação Seade, v. 22, n. 1, p. 79-91, jan./jun. 2008. Disponível em: <http://www.seade.gov.br>; <http://www.scielo.br>.

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