O Recurso à Arbitragem na Resolução de Conflitos Laborais ... Filipa... · Gestão de Leiria,...
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Dissertao
Mestrado em Solicitadoria de Empresa
O Recurso Arbitragem na Resoluo de Conflitos
Laborais e as Convenes Coletivas de Trabalho
Ins Filipa Monteiro Pereira
Leiria, maro de 2014
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Dissertao
Mestrado em Solicitadoria de Empresa
O Recurso Arbitragem na Resoluo de Conflitos
Laborais e as Convenes Coletivas de Trabalho
Ins Filipa Monteiro Pereira
Dissertao de Mestrado realizada sob a orientao da Doutora Ctia Marques
Cebola, Professora da Escola Superior de Tecnologia e Gesto do Instituto Politcnico de
Leiria.
Leiria, maro de 2014
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Dedicatria
Aos meus filhos
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Agradecimentos
minha me e ao meu marido
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vi
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Resumo
A presente dissertao realizada no mbito do Mestrado em Solicitadoria de
Empresa, no ano letivo 2013/2014, ministrado pela Escola Superior de Tecnologia e
Gesto de Leiria, tem como tema o recurso arbitragem na resoluo de conflitos laborais
e as convenes coletivas de trabalho.
O trabalho encontra-se estruturado em quatro captulos. No primeiro captulo
abordamos, ainda que de forma geral, a temtica dos meios extrajudiciais de resoluo de
conflitos e o seu (re)surgimento na atualidade, procedendo-se anlise distintiva da
negociao, da conciliao, da mediao e da arbitragem.
O segundo captulo aborda a anlise conceptual e distintiva da arbitragem laboral,
nomeadamente a nvel da conveno de arbitragem, do tribunal arbitral, a ao arbitral, a
sentena arbitral e a justificao da aplicao deste meio de resoluo de conflitos.
Tambm neste captulo apresentamos os tipos de arbitragem plasmados no Cdigo do
Trabalho.
No terceiro captulo, focamos a nossa anlise nos critrios da arbitrabilidade de
conflitos laborais. Analisamos quais os temas que no mbito de conflitos individuais e
coletivos de trabalho podem ser ou no arbitrveis.
Por ltimo, no quarto captulo apresentamos os instrumentos de regulamentao
coletiva de trabalho, focando o nosso estudo nas caractersticas das convenes coletivas
de trabalho. Posteriormente tecemos consideraes quanto ao recurso arbitragem tanto
em questes de conflitos coletivos, como em conflitos individuais, apresentando
jurisprudncia sobre o estudo em apreo.
Palavras-chave: Arbitragem, Arbitrabilidade, Conflitos Laborais e Convenes Coletivas
Trabalho.
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Abstract
The present master thesis is the final dissertation of the Corportate Solicitorship
Master, in the academic year 2013/2014, lectured by the School of Technology and
Management of Leiria, and analyses the use of arbitration in resolving labor disputes and
collective labor agreements.
This thesis is divided in four chapters. In the first chapter the subject is the judicial
means of dispute resolution, the resurgence and analysis of the following judicial means:
the negotiation, the conciliation, the mediation and the arbitration.
The second chapter discusses the conceptual and distinctive analysis of labor
arbitration, particularly in terms of the arbitration agreement, the arbitration court, the
arbitration action, the arbitration sentence and the arbitration justification. Also in this
chapter we present the types of arbitration regulated in the Labour Code.
The third chapter we focus our analysis on the criteria of arbitrability of labor
disputes. We analyze which issues in individual and collective labor disputes may or may
nort arbitrable.
Finally, in the fourth chapter, we present the instruments of collective labor
regulation, focusing our study in the characteristics of collective labor agreements. Later
weave considerations in the use of arbitration both in matters of collective conflitcs as
individual conflicts, presenting case law on the study in question.
Keywords: Arbitration, Arbitrability, Labor Conflicts and Collective Labour Agreements.
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x
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xi
Lista de siglas abreviaturas
ADR Alternative Dispute Resolution
art. artigo
arts. artigos
CC Cdigo Civil
CCT Conveno coletiva de trabalho
Cfr. confrontar
CPC Cdigo de Processo Civil
CPT Cdigo de Processo do Trabalho
CT Cdigo do Trabalho
GRAL Gabinete para a Resoluo Alternativa de Litgios
IRCT Instrumentos de Regulamentao Coletiva de Trabalho
LAV Lei da Arbitragem Voluntria
MERC Meios extrajudiciais de resoluo de conflitos
ob. cit. obra citada
OIT Organizao Internacional do Trabalho
p. pgina
p.p. pginas
RAL Resoluo alternativa de litgios
SML Sistema de Mediao Laboral
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xii
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xiii
ndice
Dedicatria iii
Agradecimentos v
Resumo vii
Abstract ix
Lista de siglas e abreviaturas xi
Introduo 1
CAPTULO I OS MEIOS EXTRAJUDICIAIS DE RESOLUO DE
CONFLITOS 5
1. Do (re)surgimento dos meios extrajudiciais 5
2. Dos tipos de meios extrajudiciais 8
2.1. Negociao 9
2.2. Conciliao 10
2.3. Mediao 12
2.4. Arbitragem 15
CAPTULO II ANLISE CONCEPTUAL E DISTINTIVA DA ARBITRAGEM
LABORAL 19
1. Conveno de arbitragem 20
2. Tribunal arbitral 22
3. Ao arbitral 23
4. Sentena arbitral 24
5. Justificao da arbitragem 26
6. Tipos de arbitragem no Cdigo do Trabalho 27
CAPTULO III A ARBITRABILIDADE DE CONFLITOS LABORAIS 32
1. Critrios gerais da arbitrabilidade 34
i) Ordem pblica 35
ii) Disponibilidade do direito 35
iii) Patrimonialidade do interesse controvertido 36
iv) Limites contratuais da arbitragem 36
2. Critrios especficos da arbitrabilidade laboral 37
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CAPTULO IV AS CONVENES COLETIVAS DE TRABALHO E O
RECURSO ARBITRAGEM 43
1. IRCTs como fonte especfica do Direito do Trabalho 43
2. CCT: caractersticas e princpios 45
3. Breve enquadramento histrico da CCT 48
4. O recurso arbitragem nas CCT 52
Concluso 58
Bibliografia 62
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Introduo
O conflito, mesmo quando no desejado, comum vida de todos. Pode ter vrias
formas e necessrio encontrar a soluo mais adequada para a resoluo do mesmo. Tem
de se encarar o conflito como algo positivo. Positivo, no mbito laboral, porque o conflito
um processo bsico que deve ser gerido para evitar que os seus efeitos nefastos sejam
difundidos. As partes ao lidarem com o conflito de forma construtiva, fomentam nveis de
desempenho individual, grupal ou organizacional ideais a qualquer organizao. Da que
concordamos inteiramente com Rahim quando nos diz que A moderate amount of conflict,
handled in a constructive manner, is essential for attaining and maintaining an optimum
level of organizational effectiveness1.
o Direito do Trabalho que regula os conflitos nas organizaes, estabelecendo
regras para a resoluo de conflitos entre empregadores e trabalhadores. Ao contrrio de
outros ramos do direito, o Direito do Trabalho visa, inter alia, acautelar os direitos da parte
mais fraca da relao laboral, o trabalhador. Surgindo conflitos entre os sujeitos de uma
relao jurdica de trabalho urgente a sua resoluo, isto porque certos conflitos laborais
tm impacto no apenas na empresa como, inclusive, no setor de atividade em causa. O
que pode afetar a sociedade em geral ou at a economia de um pas. Da a urgncia na
resoluo de conflitos de trabalho.
Para Nuria Garca Pieiro, os conflitos de trabalho decorrem de uma situao de
divergncia entre os sujeitos de uma relao jurdica de trabalho2. Acompanhamos Pedro
Romano Martinez, quando refere que se deve evitar a terminologia relao jurdica, para se
utilizar situao jurdica, uma vez que esta ter um alcance mais amplo. A expresso
situao jurdica abrange, no s estas relaes jurdicas que se estabelecem no mbito
do direito do trabalho, bem como outras realidades dificilmente reconduzveis ao conceito
de relao jurdica3. Existem assim duas categorias distintas da situao jurdica laboral:
1 Rahim, M. Afzalur (2001). Managing Conflict in Organizations, 3. Edio, Westport: Quorum Books, p. 12. 2 Pieiro, Nuria Garca (2006). La Solucin Extrajudicial de Los Conflictos de Trabajo, Sistemas de Solucin Extrajurisdiccional de Conflictos, Coord. Rafael Hinojosa Segovia, Editorial Universitaria Ramn Areces, Madrid, p. 164. 3 Martinez, Pedro Romano (2013). Direito do Trabalho, 6. Edio, Coimbra: Edies Almedina, p. 119.
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as relaes individuais de trabalho e as relaes coletivas de trabalho. Nas relaes
individuais de trabalho temos o trabalhador e o empregador, quanto s relaes coletivas,
os sujeitos so as associaes sindicais e as associaes de empregadores. A estas
associaes, entre outras atribuies, -lhes dada a capacidade jurdica para negociar
convenes coletivas de trabalho (CCT). Estas convenes constituem um importante
instrumento de regulamentao coletiva de trabalho (IRCT) e, simultaneamente, uma fonte
especfica do Direito do Trabalho.
Previamente ao estudo desta questo, iremos apresentar os meios extrajudiciais de
resoluo de conflitos, quer no mbito da relao individual, quer na relao coletiva de
trabalho. Tradicionalmente, a escolha tendencialmente comum para a resoluo de um
conflito a via judicial, o tribunal. Mas, atendendo morosidade dos tribunais estaduais
foram ganhando relevncia os meios extrajudiciais. Com efeito, como veremos, as
sucessivas alteraes legislao laboral introduziram estes meios como um recurso
importante na resoluo de conflitos laborais. So vrios os meios extrajudiciais4, porm
faremos apenas uma breve referncia aos seguintes: negociao, conciliao, mediao e
arbitragem. O estudo, ainda que breve, destes meios extrajudiciais ir ser importante para a
compreenso do recurso arbitragem na resoluo de conflitos laborais, que elegemos
como objeto de anlise no presente trabalho. No captulo I cingiremos o nosso estudo ao
(re)surgimento dos meios extrajudiciais de resoluo de conflitos seguido de uma breve
referncia s caractersticas e especificidades dos seguintes meios: a negociao, a
conciliao, a mediao e, por ltimo, a arbitragem.
Sendo a arbitragem o meio de resoluo extrajudicial de conflitos escolhido no
nosso estudo, no captulo II traaremos, por isso, uma anlise conceptual e distintiva da
arbitragem laboral. Nesta sede abordaremos de forma mais detalhada a arbitragem ao
analisar a conveno de arbitragem, o tribunal arbitral, a ao arbitral e a sentena arbitral.
Ainda neste captulo faremos uma anlise aos tipos de arbitragem consagrados no Cdigo
do Trabalho (CT)5, nomeadamente a arbitragem voluntria, a arbitragem obrigatria e a
arbitragem necessria.
4 Mariana Frana Gouveia faz referncia ao mini-julgamento, avaliao neutral prvia ou deciso no vinculativa. Gouveia, Mariana Frana (2011). Curso de Resoluo Alternativa de Litgios, 1. Edio, Coimbra: Edies Almedina, p. 19. 5 O Cdigo do Trabalho foi aprovado pela Lei n. 7/2009, de 12 de fevereiro, com as alteraes introduzidas pela Retificao n. 21/2009, de 18 de maro, Lei n. 105/2009, de 14 de setembro, Lei n. 53/2011, de 14 de
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Pretendemos restringir o nosso estudo arbitragem nos conflitos laborais, por o
considerarmos, como veremos, um meio com maior grau de adequao para a resoluo
deste tipo de conflitos. Isto porque, no universo empregador-trabalhador, a regra existir
uma parte mais fraca, o trabalhador e uma parte mais forte, o empregador. Atravs da
arbitragem as partes defrontam-se, o processo controlado por um terceiro e centra-se nos
direitos das partes.
Depois da escolha da arbitragem como meio extrajudicial de resoluo de conflitos
laborais, focaremos a nossa anlise na arbitrabilidade de conflitos laborais. Assim, o
captulo III analisa os critrios gerais e especficos da arbitrabilidade, fazendo uma
distino entre conflitos individuais e conflitos coletivos de trabalho. Com efeito, enquanto
no mbito dos conflitos coletivos a arbitragem est institucionalizada e, como refere Pedro
Romano Martinez, com reconhecidos frutos, ao nvel dos conflitos individuais a sua
aplicao questionada basicamente porque se duvida da tutela do trabalhador por esta
via, entendendo-se que os direitos dos trabalhadores s seriam cabalmente tutelados por
via da interveno do poder judicial6. Apresentamos neste ponto uma anlise
jurisprudencial relativamente ao que considerado um conflito arbitrvel.
No captulo IV analisamos os IRCT plasmados no CT, seguindo-se o estudo das
caractersticas e dos princpios da CCT, com um breve enquadramento histrico deste
IRCT negocial. A escolha por este IRCT no presente trabalho resulta da sua previso legal
e por esta fonte especfica de Direito do Trabalho resultar na vontade dos principais
interessados. Como refere Lus Gonalves da Silva, com a auto-regulao consegue-se,
por um lado, uma maior e mais efectiva eficcia do contedo fixado, por outro, atinge-se
maior adequao realidade, pois so os destinatrios ou mais exactamente, pelo menos
do lado dos trabalhadores, os seus representantes que melhor conhecem as suas
necessidades e, por ltimo, adquire-se maior pacificao das situaes laborais, uma vez
que o facto de ter sido outorgado pelos principais interessados, faz com que haja uma
maior satisfao dos resultados alcanados7.
outubro, Lei n. 23/2012, de 25 de junho, Retificao n. 38/2012, de 23 de julho, Lei n. 47/2012, de 29 de agosto e Lei n. 69/2013, de 30 de agosto. 6 Martinez, Pedro Romano (2011). Solues Alternativas de Resoluo de Conflitos, em especial a Arbitragem, Estudos em Memria do Prof. Doutor J. L. Saldanha Sanches, Vol. II, Organizadores Paulo Otero, Fernando Arajo e Joo Taborda da Gama, 1. Edio, Coimbra Editora, p. 889. 7 Silva, Lus Gonalves da (2004). Estudos de Direito do Trabalho (Cdigo do Trabalho), Vol. I, Coimbra: Livraria Almedina, p. 168.
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Para finalizar, focaremos atenes na anlise jurisprudencial sobre o recurso
arbitragem na resoluo de conflitos laborais e as CCTs. A abordagem que pretendemos
levar a efeito centrar-se- no entendimento da doutrina quanto a saber se a CCT vincula
tanto os contratos coletivos como os contratos individuais no recurso arbitragem para
dirimir os seus conflitos. Estas so, assim, as linhas gerais do presente trabalho.
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CAPTULO OS MEIOS EXTRAJUDICIAIS DE RESOLUO DE
CONFLITOS
1. Do (re)surgimento dos meios extrajudiciais
O sistema judicial enfrenta dificuldades face evoluo cultural, social e
econmica que inerente a este novo sculo, constatando-se ser cada vez mais dispendioso
o recurso ao tribunal8, seja pelo tempo despendido ou pelo desgaste emocional que
provoca9. O sistema judicial revela-se, muitas vezes, distante dos prprios cidados. Com
efeito, o processo judicial faz-se rodear por um conjunto de formalidades que pem de
parte os interessados no pleito, cuja voz apenas se faz ouvir pelos seus representantes
legais10.
Estas contingncias tm fomentado a aposta cada vez maior nos meios
extrajudiciais de resoluo de conflitos, como a arbitragem ou a mediao. Devemos,
contudo, referir que estes meios no devem ser considerados apenas formas de
descongestionar os tribunais11, mas tambm formas mais adequadas e, muitas vezes, mais
eficazes de resoluo de conflitos.
Os ADR so, do ponto de vista de Heidi Burgess e Guy Burgess, considered
more user-friendly, ou seja, como sendo uma forma mais amigvel de resoluo de
conflitos12. Isto porque, no entender deste autor, as partes esto envolvidas diretamente na
8 SERRA, Miguel (2011), O Acesso ao Direito e o Advogado Consultor, Relatrio do VII Congresso dos Advogados Portugueses, disponvel em http://www.oa.pt/upl/%7Be877a1f3-db2d-4a96-a941-9fa81e62b9cc%7D.pdf, acedido pela ltima vez em 01-02-2014. 9 A durao mdia dos processos cveis findos nos tribunais judiciais de 1. instncia em 2012, foram de 29 meses de acordo com a Direo-Geral da Poltica da Justia. Ver informao disponvel em Os Nmeros da Justia 2012, que encontra-se disponvel no seguinte endereo eletrnico, acedido pela ltima vez em 01-02-2014,http://www.dgpj.mj.pt/sections/siej_pt/destaques4485/os-numeros-da-justica2930/downloadFile/file/Os_numeros_da_Justica_2012.pdf?nocache=1387551413.68. 10 Cebola, Ctia Sofia Marques (2008). Resoluo Extrajudicial de Conflitos: um novo caminho, a costumada justia, Dissertao de Mestrado apresentada na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, no publicada, p. 17. 11 Como refere Susana Bandeira no podemos deixar de constatar que os tribunais judiciais continuam a ser os primeiros aos quais o cidado recorre para resolver os seus litgios. Bandeira, Susana Figueiredo (2002). A mediao como meio privilegiado de resoluo de litgios, Julgados de Paz e Mediao um Novo Conceito de Justia, Lisboa: Editora A.A.F.D., p. 99. 12 Burgess, Heidi e Burgess, Guy M. (1997). Encyclopedia of Conflict Resolution, Santa Brbara: ABC-CLIO, p. 6.
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soluo da disputa e, pelo contrrio, no processo judicial, so os mandatrios em sua
representao e o juiz que tomam as decises no que concerne ao litgio.
Na verdade, nos meios extrajudiciais as partes tm uma maior responsabilizao
na resoluo do conflito que as ope, o que pode representar uma alterao de conceo,
na qual o homem assume um papel de maior preponderncia no sistema jurdico, deixando
de ter um papel secundrio, e passando a ator principal13. Na mediao, por exemplo, as
partes tm a possibilidade de em conjunto obterem a soluo para a sua disputa, tendo para
tal de cooperar e comunicar entre si, restabelecendo-se o contacto perdido, uma vez que o
conflito quando surge tende a afastar as partes. Ao restabelecer este contacto, na busca da
soluo do conflito, as partes tero que reconhecer os seus objetivos, os seus interesses,
criando-se um ambiente de confiana, mtuo respeito, sigilo, neutralidade, imparcialidade
e compromisso para chegar a uma soluo sem imposies de terceiro.
Os meios alternativos ao sistema judicial surgem como movimento nos Estados
Unidos da Amrica em meados de 1960, designando-se de forma abreviada por ADR
(Alternative Dispute Resolution)14. Contudo, os mecanismos em causa tm origens
ancestrais, correspondendo, em muitos casos, como se verifica quanto mediao, s
primeiras formas de resoluo de conflitos nas comunidades.
Em Portugal, os primeiros passos numa nova era dos ADR surgem precisamente
no mbito laboral, como veremos seguidamente, falando-se, em termos genricos, de
Resoluo Alternativa de Litgios (RAL). Na opinio de Mariana Frana Gouveia, os
meios de resoluo alternativa de litgios, traduo livre da designao inglesa alternative
dispute resolution (ADR), podem definir-se como o conjunto de procedimentos de
resoluo de conflitos alternativos aos meios judiciais15. J na opinio de Paula Costa e
13 Cebola, Ctia Sofia Marques (2008). Resoluo Extrajudicial de Conflitos: um novo caminho, a costumada justia, ob. cit., p. 17. 14 Burgess, Heidi e Burgess, Guy M. (1997). Encyclopedia of Conflict Resolution, ob. cit., p. 6. Para mais desenvolvimentos relativamente aos ADR nos Estados Unidos da Amrica, veja-se, entre outros, Menkel-Meadow, Carrie (2005). Roots and inspirations: A Brief History of the Foundations of Dispute Resolution, The Handbook of Dispute Resolution, Edit. Michael L. Moffitt e Robert C. Bordone, 1 Edio, So Francisco: Jossey-Bass, p. 19; Singer, Linda R. (1994). Settling Disputes: Conflict Resolution in Business, Families, and the Legal System, 2. Edio, Westview Press, Boulder, pp. 1-12; Sander, Frank (1979). Varieties of Dispute Processing, The Pound Conference: Perspectives on Justice in the Future, Edit. A. Levin e R. Wheeler, West; Pujadas Tortosa, Virginia (2003). Los ADR en Estados Unidos: aspectos destacables de su regulacin Jurdica, Revista de la Corte Espaola de Arbitraje, Vol. XVIII, pp. 71-118; Mullerat Balmaa, Ramn Mara (2002). La justicia alternativa (Alternative Dispute Resolution) en los Estados Unidos de Norteamrica, Anurio de Justicia Alternativa, n. 3, Barcelona, pp. 45-73. 15 Gouveia, Mariana Frana (2011). Curso de Resoluo Alternativa de Litgios, 1. Edio, Coimbra: Edies Almedina, p. 17.
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Silva, a utilizao da palavra alternativa no faz sentido em termos tericos e prticos e
prope a substituio de meios alternativos por meios extrajudiciais16. Preferimos tambm
o termo de meios extrajudiciais ao termo meios alternativos. Acompanhamos Ctia
Marques Cebola quando opta por considerar estes mecanismos como mtodos (por
aplicarem tcnicas especficas), extrajudiciais (realizveis fora das vias judiciais), de
resoluo de conflitos (por oposio aos litgios judiciais). E abreviadamente poderiam ser
designados de MERC17.
Cingindo-nos ao mbito laboral, em 1891 verifica-se a criao de tribunais de
rbitros avindores18 para julgar os conflitos inerentes relao laboral, o que
demonstrativo de que a aposta em meios extrajudiciais de resoluo de conflitos no uma
realidade contempornea, tendo uma inegvel tradio histrica. Porm, tais rbitros
avindores apenas julgavam os conflitos que anteriormente tivessem sido objeto de
conciliao. A partir de 1933, os diferendos laborais passaram a ser dirimidos por
magistrados especiais, com recurso de revista para um tribunal superior19.
A 1 de janeiro de 1941, com a entrada em vigor do Cdigo de Processo nos
Tribunais do Trabalho20, determinou-se a utilizao do processo de arbitragem nas
questes atribudas aos tribunais de trabalho, com a exceo das questes emergentes de
acidentes de trabalho ou de doenas profissionais e as questes referentes ao contencioso
das instituies de previdncia. Uns anos mais tarde, so revistos os diplomas legais
relativamente s comisses corporativas e s convenes coletivas de trabalho21. Em
meados de 1976, consagra-se a existncia de mecanismos de conciliao, mediao e
arbitragem para a resoluo de conflitos que resultassem da celebrao ou reviso de uma
conveno coletiva22. Da em diante, Parceiros Sociais e o Governo apresentaram e
implementaram solues de resoluo extrajudicial de conflitos de trabalho.
16 Silva, Paula Costa e (2009). A Nova Face da Justia Os Meios Extrajudiciais de Resoluo de Controvrsias, Coimbra, Coimbra Editora, p. 34-37. 17 Cebola, Ctia Sofia Marques (2008). Resoluo Extrajudicial de Conflitos: um novo caminho, a costumada justia, ob. cit., p. 61. 18 A expresso avindor tinha o significado de conciliador. Correia, Antnio Damasceno (2008). Notas Crticas sobre o Cdigo do Trabalho Comentrios Explicativos, 2. Edio, Lisboa: RH Editora, p.140. 19 Com a Constituio de 11 de abril de 1933 (Decreto n. 22 241 publicado no Dirio do Governo de 22 de fevereiro de 1933, arts. 115. a 123.) e o Estatuto do Trabalho Nacional (Decreto-Lei n. 23 048, de 23 de setembro de 1933, arts. 50. a 52.). 20 Decreto-Lei n. 30910, de 23 de novembro, art. 11 e arts. 121. a 124.. 21 Ver sobre esta temtica a IV parte do presente trabalho. 22 Pedroso, Joo e Cruz, Cristina (2000). A Arbitragem Institucional: um novo modelo de administrao de justia o caso dos conflitos de consumo, Coimbra: Centro de Estudos Sociais, p. 177.
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Vamos incidir as prximas pginas na anlise destes meios extrajudiciais de
resoluo nos conflitos laborais, tentando perceber as suas caractersticas distintivas.
2. Dos tipos de meios extrajudiciais
Os sistemas de resoluo de conflitos integram duas categorias fundamentais: os
meios autocompositivos e os meios heterocompositivos. Na autocomposio, os sujeitos
ativos da resoluo do litgio so os prprios sujeitos em conflito, e quem decide o mesmo
so as prprias partes. Pelo contrrio, na heterocomposio, os sujeitos ativos da
composio no se identificam com os sujeitos ativos das pretenses e a resoluo do
conflito levada a cabo por algum externo ao conflito23.
Na primeira categoria, constituem meios autocompositivos a negociao,
mediao e a conciliao e, na segunda categoria, os meios heterocompositivos abrangem a
arbitragem e o sistema judicial24.
Outro critrio distintivo dos MERC contrape os meios adversariais a os meios
no adversariais25.
Nos meios adversariais, as partes defrontam-se e mantm a sua posio conflitual.
O processo controlado pelo rbitro ou o juiz (o terceiro) que impe a deciso. Nestes
meios, aplica-se a lei, o Direito. Nos meios adversariais integra-se a arbitragem, cada vez
mais utilizada em reas especficas como no setor imobilirio e automvel, no consumo, na
propriedade horizontal e, mais recentemente, na arbitragem administrativa, para dirimir
litgios emergentes de relaes jurdicas de emprego pblico e contratos celebrados por
entidades pblicas, bem como na arbitragem tributria, para os conflitos entre os
contribuintes e as finanas. Na arbitragem as partes escolhem o(s) rbitro(s) e apresentam-
lhe o conflito que as ope deixando-lhe a deciso final. Pode ser um rbitro ou um colgio
arbitral, cujos poderes de deciso lhe so conferidos atravs de uma conveno de
arbitragem. Esta deciso tem a mesma eficcia de uma sentena judicial, nos termos do n.
2 do art. 705. do (novo) Cdigo de Processo Civil NCPC e do n. 7 do art. 42. da LAV.
23 Cebola, Ctia Sofia Marques (2008). Resoluo Extrajudicial de Conflitos: um novo caminho, a costumada justia, ob. cit., p. 65. 24 Cebola, Ctia Sofia Marques (2008). Resoluo Extrajudicial de Conflitos: um novo caminho, a costumada justia, ob. cit., p. 65. 25 Sobre esta distino veja-se, entre outros, Wilde, Zulema e Gaibrois, Lus (2003). O que a Mediao, Lisboa, Agora Publicaes, p.20.
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9
J nos meios no adversariais, as partes cooperam entre si com vista obteno
do acordo. So as partes que exercem o controlo do processo, podendo, inclusive, desistir a
qualquer momento. Nos meios no adversariais procura-se respeitar as necessidades e
interesses das partes. Falamos ento da negociao, da mediao e da conciliao, sendo
que nestes dois ltimos mtodos fundamental a interveno de um terceiro. Com estes
mtodos as partes comunicam entre si para resolverem o conflito.
Cingiremos seguidamente a nossa anlise, ainda que de forma sumria, aos
seguintes MERC: negociao, conciliao, mediao e arbitragem. Para compreendermos
as diferenas destes meios extrajudiciais desenvolveremos as caratersticas especficas de
cada um.
2.1. Negociao
Diariamente todos negociamos para satisfazermos as necessidades que temos e
existe outra pessoa que controla o que pretendemos. A negociao uma das ferramentas
fundamentais da mediao e dos restantes mtodos de RAL. As partes solucionam os seus
conflitos entre si e sem ajuda de terceiros26.
Para Catarina Frade, a negociao no constitui verdadeiramente um processo de
RAL, na medida em que no se regista a presena de um terceiro neutro. As partes
discutem diretamente o seu problema e, se essa discusso for bem sucedida, levar
celebrao do acordo que extinguir o conflito27.
A Organizao Internacional do Trabalho (OIT), na sua conveno n. 98, no art.
4. refere que se necessrio, devero ser tomadas medidas apropriadas s condies
nacionais para encorajar e promover o maior desenvolvimento e utilizao de processos de
negociao voluntria de convenes coletivas entre patres e organizaes de patres, por
26 Frade, Catarina (2003). A Resoluo Alternativa de Litgios e o Acesso Justia: A Mediao do Sobreendividamento, Revista Crtica de Cincias Sociais, n. 65, p. 116. Para mais desenvolvimentos sobre a negociao enquanto tcnica de resoluo de conflitos, veja-se, entre outros, Patton, Bruce (2005). Negotiation, The Handbook of Dispute Resolution, Edit. Michael L. Moffitt e Robert C. Bordone, 1 Edio, So Francisco: Jossey-Bass; Fisher, Roger, Ury, William e Patton, Bruce (1999). Getting to Yes: Negotiating an Agreement Without Giving In, 2 Edio, Londres: Random House Business Books; Soleto Muoz, Helena (2011). Negociacin, Mediacin y resolucin de conflictos: tcnicas y mbitos, Coord. Helena Soleto Muoz, 1 Edio, Tecnos, pp. 157-187. 27 Frade, Catarina (2003). A Resoluo Alternativa de Litgios e o Acesso Justia: A Mediao do Sobreendividamento, ob. cit., p. 116.
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10
um lado, e organizaes de trabalhadores, por outro, tendo em vista regular por este meio
as condies de emprego 28.
No mbito da resoluo de conflitos coletivos de trabalho pela via negocial surge-
nos a figura da concertao social no mbito do Conselho Econmico e Social, atravs da
Comisso Permanente de Concertao Social. Esta comisso institucionalizada29 tem uma
representao tripartida, nomeadamente, com as confederaes dos trabalhadores, as
confederaes de empregadores e o Governo. Compete a esta Comisso negociar sobre: as
polticas de reestruturao e de desenvolvimento socioeconmico, bem como sobre a
execuo das mesmas; propor solues conducentes ao regular funcionamento da
economia e as suas incidncias no domnio socio-laboral; apreciar regularmente a evoluo
da situao econmica e social do pas e apreciar os projetos de legislao no mbito
socio-laboral. Concordamos inteiramente com Pedro Romano Martinez quando nos diz que
mediante a celebrao de acordos de concertao social, que correspondem a um conjunto
de diretrizes que norteiam as relaes laborais sob vrios aspectos, aceites por
empregadores e sindicatos, a Comisso contribui para o apaziguamento social e a
consequente resoluo de conflitos coletivos existentes ou potenciais30.
Resumidamente, quando pretendemos uma coisa que est dependente da resposta
de terceiro, negociamos ou tentamos negociar. Por exemplo, quando um trabalhador
discute um aumento com o empregador, quando se pretende uma reviso das condies de
trabalho31.
No sendo possvel a resoluo do conflito pela via negocial, podem as partes,
querendo, recorrer a outros meios extrajudiciais, nomeadamente, a conciliao e a
mediao.
2.2. Conciliao
A conciliao ocorre quando as partes, com o auxlio de um terceiro, o conciliador,
desenvolvem esforos para atingir um consenso. similar mediao pois existe um
28 Conveno da OIT n. 98 sobre o direito de organizao e de negociao coletiva de 8 de junho de 1949, ratificada por Portugal pelo Decreto-Lei n. 45 758 de 12 de junho de 1964. 29 Lei n. 108/91, de 17 de agosto, alterada pelas Lei n. 80/98, de 24 de novembro, Lei n. 128/99, de 20 de agosto, n. 12/2003, de 20 de maio e Lei n. 37/2004, de 13 de agosto. 30 Martinez, Pedro Romano (2011). Solues Alternativas de Resoluo de Conflitos, em especial a Arbitragem, ob. cit., p. 861. 31 Gouveia, Mariana Frana (2011). Curso de Resoluo Alternativa de Litgios, ob. cit., p.35.
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terceiro que vai tentar fazer com que as partes cheguem a acordo. Para alguns autores, o
que difere estas duas figuras, genericamente consideradas, o facto de na conciliao o
conciliador poder fazer sugestes ou apresentar propostas e, por isso, a conciliao
privilegia sobretudo o resultado enquanto na mediao se investe mais nos meios para a
atingir32. Como refere Susana Figueiredo Bandeira a conciliao um meio extrajudicial
de resoluo de conflitos, informal, confidencial, voluntrio e de natureza privada e no
contenciosa, em que as partes, com a sua participao activa e directa, so auxiliadas por
um terceiro neutro e imparcial, o conciliador, a encontrar uma soluo negociada e
amigvel para o litgio entre elas existente, diferindo da Mediao apenas no facto de o
conciliador ter um papel mais activo e participativo que o mediador33.
Concordamos inteiramente com Pedro Romano Martinez quando nos diz que a
conciliao corresponde a uma forma particular de negociao, com a particularidade de
ser acompanhada por um terceiro, uma terceira entidade, diferente das partes em conflito,
que incentiva e conduz a negociao34.
No foro laboral, o CT, no mbito dos conflitos coletivos de trabalho,
institucionaliza a conciliao nos arts. 523. a 525.. Assim, resultante de uma celebrao
ou reviso de conveno coletiva de trabalho, por acordo das partes ou por iniciativa de
uma das partes, o conflito pode ser resolvido por conciliao, mediante aviso prvio de oito
dias, por escrito, outra parte. Na falta de regulamentao convencional, o art. 524. do
CT, estabelece os procedimentos do processo de conciliao, nos termos do qual, caso seja
requerida, o ministrio responsvel pela rea laboral, sempre que necessrio, assessorado
pelo ministrio responsvel pelo setor de atividade que efetuam a conciliao. No
requerimento de conciliao consta a situao que a fundamenta e o objeto da mesma,
juntando alm disso, quando subscrito por uma das partes, a prova do aviso prvio. O
servio competente, nos 10 dias seguintes apresentao do requerimento, verifica a
regularidade daquele e convoca as partes para o incio da conciliao. No caso de reviso
de conveno coletiva, devem ser convidados para a conciliao a associao sindical ou
de empregadores que participaram no processo de negociao da conveno, mas que no
32 Cardoso, Maria Manuela de Melo (2011). A Mediao em Direito do Trabalho, Pronturio de Direito do Trabalho, n. 88-89, Coimbra Editora, p.197. 33 Bandeira, Susana Figueiredo (2002). A mediao como meio privilegiado de resoluo de litgios, ob. cit., p.p. 107-108. 34 Martinez, Pedro Romano (2011). Solues Alternativas de Resoluo de Conflitos, em especial a Arbitragem, ob. cit., p. 861.
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constam do requerimento. No prazo de 5 dias, a associao sindical ou de empregadores
deve responder ao convite e as partes convocadas devem comparecer em reunio de
conciliao. Esta inicia-se, nos termos do n. 6 do preceituado art. 524. do CT, com a
definio das matrias sobre as quais vai incidir.
Nos termos do disposto no art. 525. do CT admite-se que a conciliao se
transforme em mediao. A mediao admitida, nos termos do art. 526. do CT, por
acordo das partes, em qualquer altura, nomeadamente no decurso da conciliao ou por
iniciativa de uma das partes, um ms aps o incio de conciliao, mediante comunicao,
por escrito, outra parte.
Exclumos da nossa anlise, a tentativa de conciliao prevista nos arts. 51. a 53.
do Cdigo de Processo do Trabalho (CPT)35 no mbito do processo comum de declarao,
por ser de carter intrajudicial. Esta tentativa de conciliao realiza-se obrigatoriamente
quando prescrita no CPT, presidida pelo juiz do processo e destina-se a pr termo ao
litgio mediante acordo equitativo que constar no auto de conciliao, conforme o
disposto no art. 53. CPT. Considerando que o nosso objeto de estudo se insere no mbito
dos meios extrajudiciais de resoluo de conflitos, no aprofundaremos a anlise da
conciliao judicial.
2.3. Mediao
A mediao uma forma informal e privada de resolver conflitos mediante a qual
um terceiro neutral, normalmente escolhido pelas partes, as ajuda a obter um acordo. Visto
que a mediao permite que as partes criem a sua prpria soluo assenta nos princpios da
voluntariedade, neutralidade, auto-responsabilidade, informao, confiana e sigilo dado
que decorre num contexto de forte comprometimento. A mediao no um meio
adjudicatrio, ou seja, no admite a imposio de uma soluo a nenhuma das partes. As
partes intervm ativamente na obteno de uma soluo e contam com o auxlio do
mediador para facilitar a construo de uma base de entendimento que permita a resoluo
do conflito e que contribua para a manuteno da relao entre as partes envolvidas36. As
35 O Cdigo de Processo do Trabalho foi aprovado pelo Decreto-Lei n. 480/99, de 9 de novembro, com as alteraes introduzidas pelos Decreto-Lei n. 323/2001, de 17 de dezembro, Decreto-Lei n. 38/2003, de 8 de maro e Decreto-Lei n. 295/2009, de 13 de outubro, pela Retificao n. 86/2009, de 23 de novembro e pela Lei n. 63/2013, de 27 de agosto. 36 Cardoso, Maria Manuela de Melo (2011). A Mediao em Direito do Trabalho, ob. cit., p.197.
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principais vantagens deste meio so os custos reduzidos, a celeridade, a autonomia das
partes e a informalidade37. Nas palavras de Ana Prata a mediao diferencia-se da
arbitragem, na medida em que nesta a deciso vinculativa, ao contrrio do que acontece
na mediao38. Alm disso, segundo Catarina Frade, o papel atribudo ao terceiro difere
tambm entre a mediao e a arbitragem. Isto porque, o rbitro analisa os fatos
controvertidos e toma uma deciso sobre eles, a qual tem fora obrigatria para as partes.
() O mediador mais comprometido e pr-ativo do que o conciliador, mas menos
imperativo do que o rbitro39.
A Lei n. 29/2013, de 19 de abril, veio estabelecer os princpios gerais aplicveis
mediao realizada em Portugal, bem como os regimes jurdicos da mediao civil e
comercial, dos mediadores e da mediao pblica. O princpio da voluntariedade, da
confidencialidade, da igualdade, da imparcialidade, da independncia, da competncia, da
responsabilidade e da executoriedade, so princpios consagrados no supra referido
diploma, sendo aplicveis a todas as mediaes realizadas em Portugal, independentemente
da natureza do litgio que seja objeto de mediao.
No mbito laboral, na resoluo extrajudicial de conflitos individuais de trabalho,
desde 6 de maio de 2006, vigora entre ns o Sistema de Mediao Laboral (SML). Este
sistema, actualmente, abrange todo o territrio nacional e nasceu de um acordo entre o
Ministrio da Justia e as entidades empregadoras e de trabalhadores40. O SML41 visa
permitir que trabalhadores e empregadores utilizem a mediao laboral para resolver
litgios laborais, nomeadamente, resciso do contrato de trabalho, procedimento
disciplinar, trabalho suplementar, promoes, pagamento de crditos decorrentes da
cessao do contrato de trabalho, mudana do local de trabalho. Esta mediao permite que
as partes envolvidas auxiliadas por um terceiro imparcial (o mediador) alcancem um
37 Martinez, Pedro Romano (2011). Solues Alternativas de Resoluo de Conflitos, em especial a Arbitragem, ob. cit., p. 862. 38 Prata, Ana (2013). Dicionrio Jurdico, Vol. I. 5. Edio. Coimbra: Edies Almedina, p. 912. 39 Frade, Catarina (2003). A Resoluo Alternativa de Litgios e o Acesso Justia: A Mediao do Sobreendividamento, ob. cit., p. 115. 40 O acordo entre o Ministrio da Justia e vrios parceiros sociais est disponvel no seguinte endereo eletrnico e foi acedido pela ltima vez em 05-02-2014 em http://www.dgpj.mj.pt/DGPJ/sections/leis-da-justica/livro-ix-leis-sobre/pdf7307/DGPJ/sections/leis-da-justica/livro-ix-leis-sobre/pdf7307/protocolo-de-acordo/downloadFile/file/Protocolo_de_Mediacao_Laboral.pdf?nocache=1182243469.36. 41 O Manual de Procedimentos e Boas Prticas do SML concretiza e especfica as regras fundamentais a aplicar e est disponvel para consulta no seguinte endereo eletrnico, acedido pela ltima vez a 05-02-2014, http://www.dgpj.mj.pt/sections/gral/mediacao-publica/mediacao-anexos/manual-de-boas-praticas/downloadFile/file/SML_Manuel_boas_praticas.pdf?nocache=1351089425.34.
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acordo, pondo termo ao conflito laboral sem necessidade de interveno de um tribunal.
Como nos da conta Maria Manuela Cardoso, o SML gere a lista de mediadores de conflitos
que esto devidamente habilitados e credenciados para o exerccio dessas funes,
inscrevendo-os por circunscrio territorial. o Gabinete para a Resoluo Alternativa de
Litgios (GRAL) que assegura o funcionamento do SML, competindo-lhe proceder ao
registo e triagem dos pedidos, bem como designao do mediador de conflitos
responsvel por cada caso e indicao dos locais onde se realizam sesses de mediao42.
No plano dos conflitos coletivos de trabalho, a mediao, est regulada nos arts.
526. a 528. do CT, designadamente quanto celebrao ou reviso de uma conveno
coletiva. Conforme o disposto no n. 3 do art. 526. do CT, a mediao pode ter lugar por
acordo das partes, em qualquer altura, nomeadamente no decurso da conciliao ou por
iniciativa de uma das partes, um ms aps o incio de conciliao, mediante comunicao
por escrito outra parte.
O art. 527. do CT contempla o procedimento de mediao. O requerimento de
mediao indica a situao que a fundamenta e o objeto da mesma e junta prova da
comunicao outra parte, quando subscrito apenas por uma das partes. Nos 10 dias
seguintes, o servio competente do ministrio responsvel pela rea laboral verifica a
regularidade do requerimento e nomeia o mediador, dando do fato conhecimento s partes.
Para a elaborao da proposta, o mediador, nos termos do disposto no n. 5 do art. 527. do
CT, pode solicitar s partes e a qualquer departamento do Estado informaes de que estes
disponham e que aquele considere necessrios. Como nos refere Pedro Romano Martinez,
em princpio, o mediador, depois de conhecer o litgio que ope as partes, apresenta-lhes
a sua proposta ou recomendao que se pressupe equilibrada tendo em conta os interesses
em confronto, dispondo para tal de um prazo de 30 dias a contar da sua nomeao43.
Depois de apresentada a proposta, qualquer uma das partes deve no prazo de 10 dias
responder. Decorrido esse prazo, o mediador comunica em simultneo a cada uma das
partes a aceitao ou recusa da proposta, no prazo de dois dias.
Nos termos do disposto no art. 528. do CT as partes, em requerimento conjunto,
podem solicitar ao ministro responsvel pela rea laboral, o recurso a uma personalidade
constante da lista de rbitros presidentes para desempenhar as funes de mediador, sendo
42 Cardoso, Maria Manuela de Melo (2011). A Mediao em Direito do Trabalho, ob. cit., p.198. 43 Martinez, Pedro Romano (2011). Solues Alternativas de Resoluo de Conflitos, em especial a Arbitragem, ob. cit., p. 865.
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que o mediador abster-se- de fazer qualquer tipo de registo das negociaes encetadas, e
no que lhe diga respeito, os procedimentos so absolutamente confidenciais44.
Importa ainda referir que a proposta apresentada pelo mediador no tem de ser
aceite pelas partes, considerando-se recusada em caso de silncio de uma das partes (art.
527., n. 8, do CT)45.
2.4. Arbitragem
A arbitragem um meio extrajudicial de resoluo de conflitos com carcter
heterocompositivo, uma vez que, como j referimos, o rbitro decide o litgio entre as
partes impondo uma deciso obrigatria. Como sublinha Catarina Frade, os processos de
adjudicao (judicial e arbitragem) so sempre formas hetero-compositivas de solucionar
os conflitos, uma vez que a deciso do caso compete terceira entidade, que tem o poder
de a impor s partes46.
Na arbitragem, as partes, voluntariamente, designam os rbitros, para resolver o
litgio que as ope. A deciso dos rbitros tem natureza vinculativa, sendo de cumprimento
obrigatrio, tal como uma sentena de um tribunal de 1. instncia47.
As referncias arbitragem remontam Grcia antiga, em Roma. Refere-nos Pedro
Romano Martinez que Ccero contrapunha o julgamento arbitragem, explicando que no
julgamento se pode ganhar ou perder tudo enquanto na arbitragem tem-se inteno de no
perder tudo e de no obter tudo48. O crescimento da arbitragem deu-se depois da II
Grande Guerra49.
A histria da arbitragem est intrinsecamente ligada histria do comrcio, ao
surgir no perodo medieval como forma de resoluo de conflitos entre os comerciantes
nas feiras europeias, permitindo o julgamento atravs de regras comerciais diferentes das
estatais. Desta forma, se estimulava intensamente o comrcio. Um nmero relativamente 44 Bandeira, Susana Figueiredo (2002). A mediao como meio privilegiado de resoluo de litgios, ob. cit., p. 103. 45 Martinez, Pedro Romano (2013). Direito do Trabalho, ob. cit., p. 1180. 46 Frade, Catarina (2003). A Resoluo Alternativa de Litgios e o Acesso Justia: A Mediao do Sobreendividamento, ob. cit., p. 116. 47 Bandeira, Susana Figueiredo (2002). A mediao como meio privilegiado de resoluo de litgios, ob. cit., p.p. 108-109. 48 Martinez, Pedro Romano (2011). Solues Alternativas de Resoluo de Conflitos, em especial a Arbitragem, ob. cit., p. 867. 49 Martinez, Pedro Romano (2011). Solues Alternativas de Resoluo de Conflitos, em especial a Arbitragem, ob. cit., p. 867.
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pequeno de comerciantes, interessados em manter as relaes e as trocas comerciais,
cumpriam risca as decises. No entanto, o crescimento do mercado e a sua
internacionalizao progressiva trouxeram dificuldades na imposio de sanes pelo
incumprimento das decises arbitrais. Nesse momento, diversos Estados, com o intuito de
reconhecer a arbitragem, comeam a aprovar diplomas com a sua regulamentao. Nos
finais do sculo XIX, incios do sculo XX, so fundadas as duas maiores instituies
europeias de arbitragem internacional institucionalizada, a London Court of International
Arbitration e a Cmara de Comrcio Internacional. Em Portugal s em 1986, atravs da
Associao Comercial de Lisboa, que criado o primeiro centro de arbitragem
comercial50.
A reviso de 1982 da nossa Constituio da Repblica Portuguesa introduziu a
expressa previso dos tribunais arbitrais51. Esta introduo motivou a publicao do
Decreto-Lei n. 243/84, de 17 de julho, que fixou o enquadramento legal da arbitragem
externamente ao Cdigo do Processo Civil. Todavia foi apresentado um pedido de
fiscalizao abstracta sucessiva de inconstitucionalidade orgnica do diploma. Em
resposta, o acrdo do Tribunal Constitucional n. 230/86, declara com fora obrigatria
geral e com referncia ao art. 168., n. 1, alnea q) da Constituio, a inconstitucionalidade
das normas do supra referido diploma. Refere o acrdo que () luz deste
visionamento das coisas apenas se consideraram organicamente inconstitucionais as
normas do Decreto-Lei n. 243/84, de 17 de Julho, que, para alm do seu carcter
inovatrio relativamente ao ordenamento jurdico preexistente, respeitam competncia
dos tribunais judiciais52. O Tribunal Constitucional entendia que o diploma deveria ter
sido criado pela Assembleia da Repblica e no por Decreto-Lei do Governo. Aps esta
declarao de inconstitucionalidade, surge a Lei n. 31/86, de 29 de agosto que vigorou
durante mais de vinte e cinco anos e s foi alterada uma vez pelo Decreto-Lei n. 38/2003,
de 8 de Maro (alterao dos arts. 11. e 12. daquela Lei)53. A 14 de dezembro de 2011, a
Lei n. 63/2011, revoga os diplomas anteriores e apresenta a atual regulamentao da
arbitragem voluntria em Portugal.
50 Gouveia, Mariana Frana (2011). Curso de Resoluo Alternativa de Litgios, ob. cit., p.p. 28-29. 51 Anterior n. 2 do art. 212., que na verso atual corresponde ao n. 2 do art. 209. da Constituio da Repblica Portuguesa. 52 Publicado no Dirio da Repblica I Srie, n. 210 de 12-09-1986. 53 Mendes, Armindo Ribeiro et al. (2012). Lei da Arbitragem Voluntria Anotada, 1. edio, Coimbra: Edies Almedina, p.8.
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Atendendo ao carter obrigatrio da arbitragem esta pode ser considerada
necessria ou voluntria. Necessria, uma vez que decorre da prpria lei a imposio de
um tribunal arbitral necessrio para deciso de um litgio concreto54. Neste sentido,
estabelecido por diploma legal as situaes em que se aplica a arbitragem necessria e os
termos em que se desenrolar o procedimento. Numa situao de omisso, aplica-se as
regras do CPC e, subsidiariamente, as normas da LAV55.
No que concerne arbitragem voluntria, esta assenta no princpio da autonomia da
vontade56, decidindo as partes submeter o litgio que as ope deciso de um ou mais
rbitros.
A arbitragem voluntria subdivide-se em arbitragem ad-hoc e institucionalizada.
Relativamente a arbitragem ad-hoc, as partes constituem um tribunal arbitral para resolver
o litgio que as ope, sendo que, aps a deciso arbitral, o tribunal extingue-se. s partes
dada uma grande margem de autonomia quanto constituio do tribunal arbitral57.
No que respeita arbitragem institucionalizada, esta realiza-se numa instituio
arbitral (centro, cmara) com carcter de permanncia, sujeita a regulamentos prprios.
Consiste assim na criao de um tribunal arbitral por uma entidade para resolver conflitos
numa determinada matria ou possuindo antes competncia generalizada, sendo que aps a
resoluo de cada conflito, o tribunal mantem-se em funcionamento. o Decreto-Lei n.
425/86, de 27 de setembro, que continua a regulamentar em Portugal a arbitragem
institucionalizada, estabelecendo a obrigatoriedade de reconhecimento pelo Ministrio da
Justia para o funcionamento de centros de arbitragem58. As entidades interessadas em
promover, com carcter institucionalizado, a realizao de arbitragens voluntrias, devem
requerer ao Ministrio da Justia autorizao para a criao dos respetivos centros. A 7 de
janeiro de 2014 existiam 33 entidades legalmente habilitadas. As entidades requerentes so
avaliadas com base em dois critrios: a representatividade e a idoneidade. No que concerne
representatividade est em causa a anlise do universo de cidados potencialmente
54 Arts. 1082. a 1085. do Cdigo de Processo Civil, aprovado pela Lei n. 41/2013, de 26 de junho. 55 Cebola, Ctia Sofia Marques (2008). Resoluo Extrajudicial de Conflitos: um novo caminho, a costumada justia, ob. cit., p. 138. 56 Bandeira, Susana Figueiredo (2002). A mediao como meio privilegiado de resoluo de litgios, ob. cit., p. 109. 57 Bandeira, Susana Figueiredo (2002). A mediao como meio privilegiado de resoluo de litgios, ob. cit., p. 113. 58 Gouveia, Mariana Frana (2011). Curso de Resoluo Alternativa de Litgios, ob. cit., p.94.
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recorrentes s arbitragens promovidas pela entidade a institucionalizar59. Por seu turno,
relativamente idoneidade, esta reporta-se avaliao da capacidade daquela entidade
para realizar as arbitragens almejadas, verificando-se se a mesma possui os meios tcnicos,
humanos e logsticos necessrios concretizao dos seus intentos60. Entendemos, porm,
que esta autorizao no devia ter fixado apenas dois critrios e as sanes consagradas
para as entidades no autorizadas, esto longe de ser um elemento dissuasor pelo respeito
deste diploma.
No captulo seguinte, alm de uma anlise mais especfica relativa ao procedimento
de arbitragem, recorrendo obrigatoriamente LAV, estudaremos em concreto a arbitragem
no plano laboral, distinguindo a figura da arbitragem voluntria, da arbitragem obrigatria
e da arbitragem necessria.
59 Cebola, Ctia Sofia Marques (2008). Resoluo Extrajudicial de Conflitos: um novo caminho, a costumada justia, ob. cit., p. 139. 60 Cebola, Ctia Sofia Marques (2008). Resoluo Extrajudicial de Conflitos: um novo caminho, a costumada justia, ob. cit., p. 139.
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CAPTULO II ANLISE CONCEPTUAL DISTINTIVA DA ARBITRAGEM
LABORAL
O estudo especfico da arbitragem laboral convoca uma anlise prvia dos aspetos
que, de forma geral, caracterizam este meio de resoluo de litgios e a distinguem dos
demais. Neste sentido, iremos tecer inicialmente algumas consideraes no que concerne
conveno de arbitragem e ao procedimento arbitral, nos termos prescritos pela Lei da
Arbitragem Voluntria, por considerarmos que constituem os aspetos com maiores
especificidades. Faremos ainda uma breve aluso s razes que justificam a aplicao da
arbitragem.
Aps esta anlise apresentaremos os vrios tipos de arbitragem plasmados no CT e as suas
caractersticas distintivas.
Importa referir, que os conflitos de trabalho distinguem-se quanto a conflitos
individuais e a conflitos coletivos. Os conflitos individuais decorrem das relaes
empregadores e trabalhadores, j os conflitos coletivos surgem entre as associaes
patronais ou empregadores e as associaes sindicais. Nos conflitos coletivos e de acordo
com Lucinda Dias da Silva, podemos identificar as relaes coletivas em sentido estrito e
as relaes coletivas em sentido amplo61. Relaes em sentido estrito, quando pretende-se
estabelecer normas relativas s relaes individuais de trabalho ou aos interesses de cada
uma das partes, j as relaes em sentido amplo abarcam as relaes coletivas de trabalho.
No que concerne s relaes coletivas de trabalho em sentido estrito, existe a possibilidade
de surgimento de dois tipos de conflitos distintos: os conflitos jurdicos e os conflitos
econmicos ou de interesses62. Os conflitos jurdicos tm por objeto a interpretao de uma
norma em vigor, particularmente das constantes de CCT, ou seja, pretendem clarificar,
esclarecer, o contedo de determinada norma. Este tipo de conflitos gera uma interveno
de natureza declarativa, elucidativa das normas. Ao contrrio, os conflitos econmicos ou
de interesses, surgem quando est em causa um litgio coletivo que tenha por objeto a
modificao de uma norma jurdica vlida e eficaz ou a criao de uma norma, ou seja,
pretende-se alterar normas para dar garantias jurdicas. Este tipo de conflitos tem uma
61 Silva, Lucinda D. Dias da (2005). Arbitragem e Iuris Laboris Alma, Questes Laborais, n. 26, Ano XII, Coimbra Editora, p. 197. 62 Silva, Lucinda D. Dias da (2005). Arbitragem e Iuris Laboris Alma, ob. cit., p. 198.
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interveno de ndole constitutiva, gerando uma alterao na ordem jurdica com a
modificao ou criao de uma norma.
De seguida iremos elencar as caractersticas da arbitragem no mbito dos conflitos
individuais, tendo inerente a aplicao da LAV.
1. Conveno de arbitragem
A arbitragem, genericamente considerada e quando voluntria, pressupe a
existncia de uma conveno de arbitragem, constituindo esta o acordo das partes63 em
submeter o litgio que as ope a um tribunal arbitral. Para que o tribunal arbitral seja
competente, o litgio em causa tem de estar contemplado na conveno arbitral64, que
determina a jurisdio do tribunal arbitral, isto , o tribunal arbitral s tem competncia
quando o litgio que lhe submetido est integrado na conveno de arbitragem65. Como
nos refere Pedro Romano Martinez a conveno de arbitragem pode ser completada com
um Regulamento arbitral ou com remisso para regras de arbitragem institucionalizadas66.
Encontramos nos arts. 1. e 2. da LAV os critrios de submisso de um litgio a
arbitragem, bem como os requisitos e revogao da conveno arbitral. No que concerne
aos critrios de arbitrabilidade, o n. 1 e 2 do art. 1. consagram o critrio da
patrimonalidade dos interesses em litgios e o da transigibilidade do direito controvertido67,
questo que abordaremos com maior profundidade no captulo seguinte.
A conveno de arbitragem, conforme o disposto no n. 3 do art. 1. da LAV pode
referir-se a um litgio atual, assumindo a forma de compromisso arbitral, ou a litgios
eventuais e futuros emergentes de uma certa relao jurdica, contratual ou extracontratual,
constituindo neste caso uma clusula compromissria68.
63 O entendimento jurisprudencial que este acordo das partes, expresso na conveno de arbitragem, est sujeito s regras gerais de interpretao do negcio jurdico, nos termos conjugados dos artigos 236. e 238. do Cdigo Civil (CC). Acrdo do Tribunal da Relao de Lisboa de 17 de dezembro de 2013. 64 As decises arbitrais sobre temas no abrangidos pela conveno de arbitragem, so anulveis, nos termos do disposto do ponto iii) da alnea a) do n. 3 do art. 46. da LAV. 65 Gouveia, Mariana Frana (2011). Curso de Resoluo Alternativa de Litgios, ob. cit., p.96. 66 Martinez, Pedro Romano (2011). Solues Alternativas de Resoluo de Conflitos, em especial a Arbitragem, ob. cit., p. 871. 67 No mbito do Diploma Preambular da LAV, o n. 1 do art. 5. da LAV, mantm em vigor para a arbitragem de litgios emergentes de ou relativos a contratos de trabalho, o critrio da disponibilidade dos direitos do trabalhador e no o critrio da patrimonalidade como veremos no captulo seguinte. 68 O Acrdo do Tribunal da Relao de Lisboa, de 14 de junho de 2011, analisa uma conveno de arbitragem, na modalidade de clusula compromissria, visto que tem por objeto, litgios eventuais emergentes de uma determinada relao jurdica contratual. Como no caso em apreo, a situao no est
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O Estado e outras pessoas coletivas de direito privado tambm podem recorrer a
esta via. Porm devem estar devidamente autorizadas por lei ou celebrarem convenes de
arbitragem que tiverem por objeto litgios de direito privado (n 5 do art. 1.).
Dada a importncia desta conveno, o art. 2. da LAV estabelece os seus
requisitos. Alm da forma escrita, o compromisso arbitral deve determinar o objeto do
litgio, nos termos do n. 6 do art. 2. da LAV, sendo nula a conveno de arbitragem, que
viole o disposto nos artigos 1. e 2., em concreto se o litgio no for arbitrvel (art. 3. da
LAV). Na verdade, e como veremos no captulo seguinte, mas que dada a sua importncia
convm j referir, mesmo que a conveno de arbitragem cumpra todos os requisitos legais
de validade, se o litgio no for arbitrvel no possvel resolv-lo pelo recurso
arbitragem69.
A possibilidade de modificao ou revogao da conveno de arbitragem, prevista
no art. 4. da LAV, por acordo celebrado entre as partes, uma consequncia do princpio
da autonomia privada. Porm existem limitaes, s podendo ser modificada at
aceitao do primeiro rbitro ou, com o acordo de todos os rbitros (n. 1 do art. 4.), at
prolao da sentena arbitral e pode ser revogada at ser proferida a sentena (n. 2 do art.
4.)70.
Como refere Manuel Pereira Barrocas, o efeito positivo da conveno de
arbitragem obriga as partes a cumprir o estipulado. Trata-se do efeito substantivo de
qualquer contrato que tem a sua fonte, no direito portugus, no artigo 406., nmero 1,
CC71.
Desta breve referncia percebe-se que a arbitragem se distingue neste ponto da
mediao, cuja conveno inicial ou protocolo72 no tem um mbito de abrangncia nem o
mesmo nvel de efeitos invalidantes que se verificam em sede de conveno de arbitragem.
Com efeito, a conveno de mediao no vincula o mediador ao objeto do litgio, dando a
possibilidade de serem discutidas outras questes inicialmente no pensadas pelas partes,
podendo o acordo de mediao regulamentar as mesmas sem que o mesmo padea de
qualquer vcio. Por outro lado, o mediador goza de liberdade procedimental ao nvel das
submetida a um tribunal judicial ou a arbitragem necessria, nem se reporta a direitos indisponveis, as partes validamente estabeleceram uma clusula compromissria, logo esto vinculadas ao seu cumprimento. 69 Barrocas, Manuel Pereira (2010). Manual de Arbitragem, 1. Edio, Coimbra: Edies Almedina, p. 215. 70 Mendes, Armindo Ribeiro et al. (2012). Lei da Arbitragem Voluntria Anotada, ob. cit., p. 20. 71 Barrocas, Manuel Pereira (2010). Manual de Arbitragem, ob. cit., p. 169. 72 Ver artigo 16. da Lei n. 29/2013, de 19 de abril que aprova a Lei de mediao civil e comercial em Portugal.
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sesses de mediao. Assim, no obstante a sua atuao estar vinculada aos princpios
estruturantes que a Lei n. 29/2013, de 19 de abril, estabelece, o certo que a flexibilidade
inerente mediao impede que haja uma definio total das tcnicas a utilizar pelo
mediador no mbito das sesses de mediao.
Passemos de seguida anlise do tribunal arbitral, uma caracterstica distintiva da
arbitragem, que importa estudar.
2. Tribunal arbitral
As partes tm liberdade de escolher vrios modelos no que respeita composio
do tribunal arbitral. Um ou vrios rbitros, desde que seja em nmero mpar73. Na falta de
indicao das partes, a LAV determina que o tribunal arbitral seja composto por 3 rbitros
(n. 2 do art. 8. da LAV). Sendo vrios os rbitros, dever ser escolhido um presidente a
quem compete preparar o processo, dirigir a instruo e conduzir os trabalhos. o disposto
no n. 3 do art. 40. da LAV, que determina s partes e aos co-rbitros a autorizao para o
rbitro presidente exercer estas funes.
O art. 9. da LAV estabelece os requisitos dos rbitros, devendo estes ser pessoas
singulares, plenamente capazes, independentes e imparciais, caractersticas que devem
existir e manter-se durante todo o processo arbitral e no apenas no seu incio74. O rbitro
no dispe de um estatuto igual ao de um juiz, mas tem um conjunto de poderes que os
aproximam, nomeadamente, o poder de interpretao, o poder de apreciao, o poder de
moderao, o poder de criao e os poderes expressos e implcitos75. Enquanto o poder do
juiz provm da lei, o do rbitro vem da conveno de arbitragem.
Concordamos inteiramente com Ctia Marques Cebola quando nos diz que a
escolha dos rbitros por peritos do problema em anlise uma das mais-valias da
arbitragem, uma vez que fomentam-se decises juridicamente fundamentadas e
tecnicamente ajustadas s matrias convocadas76. No querendo de forma alguma criticar
as decises dos juzes, mas impossvel ao ser humano abarcar todas as reas do
73 Martinez, Pedro Romano (2011). Solues Alternativas de Resoluo de Conflitos, em especial a Arbitragem, ob. cit., p. 871. 74 Mendes, Armindo Ribeiro et al. (2012). Lei da Arbitragem Voluntria Anotada, ob. cit., p. 25. 75 Barrocas, Manuel Pereira (2010). Manual de Arbitragem, ob. cit., p.p. 288 a 290. 76 Cebola, Ctia Sofia Marques (2008). Resoluo Extrajudicial de Conflitos: um novo caminho, a costumada justia, ob. cit., p. 146.
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conhecimento e ao socorrer-se de especialistas nas matrias do litgio, aumenta a eficcia
da justia e diminui os recursos das decises proferidas.
Os rbitros no celebram um contrato com as partes, limitam-se a aderir
conveno de arbitragem e assim a cumprir os deveres que decorrem da lei de arbitragem,
da conveno e de regulamentos aplicveis77.
Como sublinha Armindo Ribeiro Mendes, a aceitao do mandato pelo rbitro
gera um procedimento e cria uma verdadeira relao contratual, com direitos e deveres78.
Assim, os rbitros que aceitaram o encargo e se escusem injustificadamente de exercer essa
funo, nos termos do disposto no n. 3 do art. 12. da LAV, respondem pelos danos
causados.
O tribunal arbitral assim uma caracterstica distintiva da arbitragem.
3. Ao arbitral
Para dar incio ao processo arbitral necessrio previamente constituir esse
tribunal. Aps a sua constituio, o processo desenrola-se perante o(s) rbitro(s). No
entendimento de Manuel Pereira Barrocas, estas duas fases, a fase preliminar da
constituio do tribunal e, uma vez constitudo, a segunda fase, perante o tribunal, que
denomina de instncia arbitral, integram a ao arbitral79.
Com a constituio do tribunal inicia-se a tramitao processual. O autor notifica o
requerido com a conveno de arbitragem, a designao do rbitro e o convite outra parte
para designar o rbitro que lhe cabe indicar80.
A conduo do processo arbitral deve respeitar os princpios fundamentais previstos
no art. 30. da LAV, nomeadamente: o requerido citado para se defender; as partes so
tratadas com igualdade; e em todas as fases do processo garantido o princpio do
contraditrio. At aceitao do primeiro rbitro, as partes acordam sobre as regras do
processo a observar, com respeito pelos princpios supra referidos. Na falta de acordo, o
tribunal arbitral que define as regras processuais que entender adequadas.
77 Martinez, Pedro Romano (2011). Solues Alternativas de Resoluo de Conflitos, em especial a Arbitragem, ob. cit., p. 881. 78 Mendes, Armindo Ribeiro et al. (2012). Lei da Arbitragem Voluntria Anotada, ob. cit., p. 32. 79 Barrocas, Manuel Pereira (2010). Manual de Arbitragem, ob. cit., p. 381. 80 Gouveia, Mariana Frana (2011). Curso de Resoluo Alternativa de Litgios, ob. cit., p.122.
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Com o pedido de submisso do litgio a arbitragem e a sua receo pelo requerido,
tem incio o processo arbitral, nos termos do disposto no n.1 do art. 33. da LAV. O autor
apresenta a sua petio, onde inclui o seu pedido e os fatos que lhe deram origem. O
requerido apresenta a sua defesa, atravs da contestao (n. 2 do art. 33. da LAV). Ambas
as partes, podem apresentar os documentos ou outros meios de prova que julguem
pertinentes e, salvo conveno das partes em contrrio, no decurso do processo, podem
modificar ou completar as suas peas escritas, a menos que o tribunal arbitral entenda que
no exista justificao para tal, de acordo com o disposto no n. 3 do art. 33. da LAV. Por
outro lado, salvo se as partes hajam previamente prescindido delas, o tribunal arbitral que
decide se sero realizadas audincias de julgamento para produo de prova ou se o
processo apenas escrito com base nos elementos entregues (n. 1 do art. 34. da LAV).
Porm podem existir audincias para a produo de provas sempre que uma das partes o
requeira81.
A atual LAV veio introduzir o instituto da interveno de terceiros, no seu art. 36..
Existindo consentimento de todas as partes na conveno de arbitragem, podem ser
admitidos a intervir no processo arbitral terceiros. Como refere Armindo Ribeiro Mendes,
a previso de uma bem disciplinada interveno de terceiro em arbitragens em curso
permite aumentar a eficcia da arbitragem como mtodo de resoluo de litgios que
envolvam mais partes do que aquelas que iniciaram o processo arbitral82.
O resultado final da ao arbitral traduz-se na sentena arbitral.
4. Sentena arbitral
A sentena arbitral83 a deciso do rbitro no decurso do processo arbitral. Como
indica Manuel Pereira Barrocas, as decises arbitrais podem assumir uma das seguintes
modalidades: a deciso interlocutria, a deciso cautelar, a sentena parcial, a sentena
homologatria de acordo das partes e a sentena final84.
81 Mendes, Armindo Ribeiro et al. (2012). Lei da Arbitragem Voluntria Anotada, ob. cit., p. 68. 82 Mendes, Armindo Ribeiro et al. (2012). Lei da Arbitragem Voluntria Anotada, ob. cit., p. 73. 83 Existe uma diferena terminolgica entre a nova LAV e o CT. Enquanto no CT, que entrou em vigor em 2003, faz-se referncia a deciso arbitral por remisso Lei de arbitragem voluntria ento vigente (Lei n. 31/86), a nova LAV opta por designar a deciso por sentena arbitral. 84 Barrocas, Manuel Pereira (2010). Manual de Arbitragem, ob. cit., p. 409.
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Os rbitros julgam segundo o direito constitudo, a menos que as partes
determinem, por acordo, que julguem segundo a equidade85. Nas palavras de Ana Prata,
julgar segundo a equidade dar a um conflito a soluo que se entende ser a mais justa,
atendendo s caractersticas do litgio e sem recorrer s normas jurdicas aplicveis. Sendo
uma fonte de direito portugus, a equidade carece de autonomia e s permitido o seu
recurso se existir disposio legal que o admita ou quando as partes tenham validamente
deliberado nesse sentido86. Acompanhamos Ctia Marques Cebola quando defende que a
deciso segundo a equidade, constitui uma vantagem da arbitragem que fomentar decises
ajustadas situao, no sendo um pretexto para a fuga ao direito constitudo e os rbitros
no aproveitem para arrogarem-se de justiceiros das partes87.
A sentena deve ser reduzida a escrito, apresentando a sua fundamentao,
mencionando a data em que foi proferida, o lugar da arbitragem, a repartio pelas partes
dos encargos resultantes do processo arbitral e ser assinada pelo rbitro ou rbitros, de
acordo com o disposto no art. 42. da LAV. Proferida a sentena, esta produz efeitos na
data da notificao que feita imediatamente atravs do envio a cada uma das partes de um
exemplar assinado pelo rbitro ou rbitros. Como j referimos, a sentena arbitral de que
no caiba recurso e que j no seja susceptvel de alterao, nos termos do n. 7 do art. 42.
da LAV, tem o mesmo carcter obrigatrio entre as partes que a sentena de um tribunal
estadual transitada em julgado e a mesma fora executiva que a sentena de um tribunal
estadual.
Os rbitros devem notificar s partes a sentena final proferida sobre o litgio
dentro de 12 meses a contar da data de aceitao do ltimo rbitro, salvo se as partes
tiverem acordado prazo diferente (n. 1 do art. 43. da LAV). Nos termos do n. 2 do art.
43. da LAV, estes prazos podem ser prorrogveis desde que devidamente fundamentados.
Diz-nos o n. 1 do art. 45. da LAV, que nos 30 dias seguintes receo da notificao da
sentena arbitral, podem as partes, notificando disso a outra, requerer ao tribunal que
rectifique, no texto qualquer erro de clculo, erro material ou tipogrfico ou qualquer erro
de natureza idntica.
85 N. 1 do art. 39. da LAV. 86 Prata, Ana (2013). Dicionrio Jurdico, ob. cit., p. 600. 87 Cebola, Ctia Sofia Marques (2008). Resoluo Extrajudicial de Conflitos: um novo caminho, a costumada justia, ob. cit., p. 149.
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Mariana Frana Gouveia sublinha que a impugnao da deciso arbitral a
condio necessria da sua equiparao pblica sentena judicial88. A impugnao de
uma sentena arbitral feita por via do pedido de anulao dirigido ao tribunal, salvo se as
partes tiverem acordado na recorribilidade da sentena arbitral para os tribunais estaduais.
O pedido de anulao apresentado no tribunal estadual competente, observando-se as
regras previstas no art. 46. da LAV.
Desenhado, ainda que de forma sumria, o procedimento arbitral na Lei da
Arbitragem Voluntria encontramo-nos na posse das premissas necessrias para proceder
justificao da sua aplicao prtica.
5. Justificao da arbitragem
A arbitragem como um meio extrajudicial de resoluo de litgios privados o
resultado da afirmao da liberdade contratual das partes. Acresce que a deciso de as
partes de um litgio preferirem, ao celebrar uma conveno de arbitragem, a sua resoluo
por rbitros constitui uma deciso to legtima como a deciso de celebrar licitamente
qualquer outro contrato. E as leis arbitrais reconhecem-lhe eficcia jurdica89. Neste
sentido, atribuir arbitragem o lugar que lhe compete e dignificar o exerccio da funo
arbitral, no significa retirar importncia e dignidade ao poder judicial.
Concordamos inteiramente com Pedro Romano Martinez quando nos diz que a
arbitragem encontra vrias justificaes. Por um lado, a justia ser mais expedita, uma vez
que reveste menor formalismo, comparativamente ao processo judicial ou ao
administrativo. H significativas vantagens econmicas com decises cleres de litgios90.
Isto porque, regra geral os rbitros so especialistas na matria em causa, conhecendo os
usos comerciais.
A vontade das partes, expressa na conveno de arbitragem d origem ao processo
arbitral. A informalidade e flexibilidade tornam o processo mais clere ao contrrio dos
formalismos e rigidez dos tribunais comuns, tanto mais que s razes das partes
88 Gouveia, Mariana Frana (2011). Curso de Resoluo Alternativa de Litgios, ob. cit., p.177. 89 Barrocas, Manuel Pereira (2010). Manual de Arbitragem, ob. cit., p. 16. 90 Martinez, Pedro Romano (2011). Solues Alternativas de Resoluo de Conflitos, em especial a Arbitragem, ob. cit., p. 869.
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subjazem, no raramente, sentimentos de antipatia quanto aos procedimentos judiciais, que
consideram pouco cleres e permeveis a dilaes injustificadas91.
No que concerne economia de custos, acompanhamos Ctia Marques Cebola, que
menciona no ser possvel determinar que a arbitragem seja um meio econmico do ponto
de vista dos custos para as partes, uma vez que existem centros de arbitragem gratuitos e
outros com pagamento de taxas em funo do valor da causa92.
Resumidamente, acompanhamos Manuel Pereira Barrocas, quando nos diz que
para assegurar eficazmente a eficincia da arbitragem laboral seria necessrio que o
Estado e/ou organizaes patronais e sindicais constitussem, de modo semelhante ao que
tem sido feito no campo da mediao de conflitos, com a criao do Sistema de Mediao
Laboral, centros de arbitragem para os julgamento de questes laborais, o que ainda no
sucedeu em Portugal93. Defendemos tambm a posio de Ins Pinheiro ao propor que o
nosso legislador deve procurar incentivar empregadores e trabalhadores a recorrer via
arbitral na resoluo dos seus conflitos94.
Estas so as caractersticas da arbitragem inerentes resoluo de conflitos laborais
individuais, atravs da aplicao da LAV. Em contraposio, segue-se a anlise
resoluo de conflitos laborais coletivos por arbitragem regulada no CT.
6. Tipos de arbitragem no Cdigo do Trabalho
No plano laboral, como referimos anteriormente, o CT, no mbito dos conflitos
coletivos de trabalho, consagra, no seu Captulo IV, trs tipos de arbitragem: a arbitragem
voluntria, a arbitragem obrigatria e a arbitragem necessria.
No que respeita arbitragem voluntria, prevista nos artigos 506. e 507. do CT, as
partes (associaes sindicais e de empregadores), a todo o tempo, podem acordar em
submeter arbitragem, as questes laborais resultantes, nomeadamente, da interpretao,
integrao, celebrao ou reviso de conveno coletiva.
91 Cebola, Ctia Sofia Marques (2008). Resoluo Extrajudicial de Conflitos: um novo caminho, a costumada justia, ob. cit., p. 160. 92 Cebola, Ctia Sofia Marques (2008). Resoluo Extrajudicial de Conflitos: um novo caminho, a costumada justia, ob. cit., p. 161. 93 Barrocas, Manuel Pereira (2010). Manual de Arbitragem, ob. cit., p. 135. 94 Pinheiro, Ins (2011). A arbitrabilidade dos conflitos laborais, ob. cit., p. 88.
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Na falta de acordo das partes, e nos termos do disposto no art. 507. do CT, a
arbitragem realizada por trs rbitros, sendo dois nomeados, um por cada parte e o
terceiro escolhido por aqueles. Os rbitros podem ser assistidos por peritos e tm o direito
de obter das partes e dos ministrios laboral e da rea da atividade em causa, toda a
informao disponvel de que necessitem. As partes informam o ministrio da rea laboral
do incio e termo do procedimento. Neste tipo de arbitragem aplica-se, nos termos do n. 4
do art. 505. do CT, o regime geral da arbitragem voluntria95.
No que concerne arbitragem obrigatria, prevista nos artigos 508. a 510. do CT
esta exige que sejam preenchidos certos pressupostos. Assim, um conflito resultante de
celebrao de conveno coletiva dirimido por arbitragem obrigatria, nas seguintes
situaes:
1) A requerimento de qualquer das partes, sendo a primeira conveno, existindo
negociaes prolongadas e infrutferas, frustradas a conciliao ou a mediao e
no se tendo conseguido resolver o conflito por meio de arbitragem voluntria,
em virtude de m-f negocial da outra parte, ouvida a Comisso Permanente de
Concertao Social;
2) Haja uma recomendao da Comisso Permanente de Concertao Social, nesse
sentido com voto favorvel da maioria dos membros representantes dos
empregadores e dos trabalhadores;
3) Ou por iniciativa do ministro da rea laboral, aps ter sido ouvida a Comisso,
sempre que estejam em causa servios essenciais destinados a proteger a vida, a
sade e a segurana das pessoas.
Estas duas ltimas situaes, nos termos do disposto no n. 2 do art. 508. do CT,
so aplicveis no mbito de uma reviso de conveno coletiva.
Verificados estes pressupostos, e requerida a arbitragem por uma das partes, para
dirimir o conflito por arbitragem obrigatria exigido despacho fundamentado do ministro
responsvel pela rea laboral. Conforme o disposto no n. 4 do art. 509., este despacho
imediatamente notificado s partes e ao secretrio-geral do Conselho Econmico e Social.
Como refere Pedro Romano Martinez, a arbitragem obrigatria assenta no
princpio da subsidiariedade com duas justificaes: por um lado, d-se prevalncia aos
instrumentos de regulamentao coletiva negociados, maxime a conveno coletiva de
95 Martinez, Pedro Romano (2013). Direito do Trabalho, ob. cit., p. 1080.
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trabalho; por outro, s se recorre arbitragem obrigatria se as partes no dirimirem o
conflito por meios voluntrios. Poder-se- at dizer que h um contra-senso numa
arbitragem obrigatria, na medida em que a arbitragem por natureza voluntria96.
Determinada a arbitragem obrigatria, constitui-se o tribunal arbitral, de acordo
com os procedimentos previstos no Decreto-Lei n. 259/2009, de 25 de setembro97. Setenta
e duas horas aps a notificao do despacho que determina a arbitragem obrigatria, nos
termos do n. 1 do art. 7. do supra referido diploma, cada parte designa o respetivo rbitro
e comunica a sua identificao outra parte e aos servios do ministrio laboral e do
Conselho Econmico e Social. Na falta de nomeao de rbitro por uma das partes, o
Conselho promove o sorteio do rbitro em falta com base nas listas de rbitros, previstas
nos artigos 2. e 3. e conforme o disposto no art. 8.. Os rbitros designados so
independentes e cumprem os requisitos previstos no art. 9., nomeadamente, no terem tido
no ano anterior, qualquer relao institucional ou profissional, com alguma das entidades
abrangidas pelo processo arbitral, nem terem outro interesse, direto ou indirecto, no
resultado da arbitragem. Depois da assinatura de declarao de aceitao e de
independncia por todos os rbitros, o rbitro presidente declara constitudo o tribunal
arbitral (n. 1 do art. 11.).
O objeto da arbitragem definido pelo poder executivo, o ministro da rea laboral,
atravs do despacho que determina a arbitragem obrigatria, mas no impem aos rbitros
uma deciso nem o sentido da mesma. No obstante a interveno ministerial, o poder
executivo, nomeadamente por via do despacho do ministro, no pode interferir no poder
judicial, nem na independncia dos rbitros na deciso que venham a tomar. Na deciso
governamental s se decide que se julgue, no o sentido da sentena arbitral98.
ao tribunal arbitral que, nos termos do disposto no n. 1 do art. 16., compete
decidir todas as questes processuais. No prazo de 60 dias a contar da constituio do
tribunal arbitral, a deciso arbitral proferida e notificada s partes. Este prazo pode ser
prorrogado por 15 dias, mediante acordo entre o tribunal e as partes (art. 21.). No entanto,
antes da deciso arbitral, em qualquer momento, e conforme o disposto no n. 3 do art.
96 Martinez, Pedro Romano (2013). Direito do Trabalho, ob. cit., p. 1083. 97 Cebola, Ctia Marques (2011). Resoluo Extrajudicial de Conflitos Colectnea de Legislao, Lisboa: Quid Juris, p. 229. 98 Martinez, Pedro Romano (2013). Direito do Trabalho, ob. cit., p. 1087.
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13., a arbitragem pode ser suspensa, por uma s vez, mediante requerimento conjunto das
partes.
Para todos os efeitos legais, a deciso arbitral equivale a sentena da primeira
instncia e cabe recurso, com efeito devolutivo, para o Tribunal da Relao (art. 21 e 22.).
Por ltimo, com a reviso de 2009 ao CT, surge a arbitragem necessria, prevista
nos artigos 510. e 511. deste diploma. Como decorre do art. 510. admissvel a
arbitragem necessria, caso, aps a caducidade de uma ou mais convenes coletivas
aplicveis a uma empresa, grupo de empresas ou setor de atividade, no seja substituda
por outra nos 12 meses subsequentes, e no haja outra conveno aplicvel a pelo menos
50% dos trabalhadores da mesma empresa, grupo de empresas ou setor de atividade.
Assim, como na arbitragem obrigatria, o despacho fundamentado do ministro pela rea
laboral, que determina a arbitragem necessria. Esta requerida por qualquer das partes
nos 12 meses subsequentes ao termo de caducidade de uma ou mais convenes coletivas
aplicveis (art. 511.). Para efeitos de verificao do requisito de no existncia de outra
conveno aplicvel a, pelo menos, 50% dos trabalhadores do mesmo empregador, grupo
de empresas ou setor de atividade, o ministro da rea laboral, promove a publicao
imediata, no Boletim do Trabalho e Emprego, de um aviso com o requerimento das partes
para que os interessados, no prazo de 15 dias, por escrito, possam deduzir oposio
fundamentada.
O regime da arbitragem necessria, de acordo com o disposto no art. 513.,
regulado assim como a arbitragem obrigatria, pelo Decreto-Lei n. 259/2009, de 25 de
setembro99. Desta forma, de acordo com o disposto neste diploma conjugado com o art.
512. do CT, compete ao Conselho Econmico e Social, proceder em caso de necessidade
ao sorteio de rbitros para efeito de arbitragem obrigatria ou arbitragem necessria.
definido pelas partes ou se estas o no fizerem, pelos rbitros, o objeto da arbitragem.
Para Manuel Pereira Barrocas, a arbitragem necessria no uma verdadeira
arbitragem, uma vez que imposta por lei como o nico meio contencioso susceptvel de
ser usado100. A natureza da arbitragem a conveno de arbitragem. Esta desenvolve-se
num mbito voluntrio e no imposta como este tipo de arbitragem necessria. Segundo
o mesmo autor, acima de tudo, o fundamento e a amplitude dos poderes dos rbitros e a
ideia-fora da sua funo de procura de uma soluo para o conflito assenta no 99 Martinez, Pedro Romano (2013). Direito do Trabalho, ob. cit., p. 1089. 100 Barrocas, Manuel Pereira (2010). Manual de Arbitragem, ob. cit., p.p. 89-90.
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compromisso conferido pelas partes para a obteno de uma soluo, positiva ou negativa,
para o litgio. Ora, neste substrato essencial que se baseia toda a razo de ser e a funo
da arbitragem101.
Aps esta breve explicao dos tipos de arbitragem previstos no CT, passemos
anlise da sua arbitrabilidade, ou seja, quais so os litgios que podem ser dirimidos pela
via arbitral.
101 Barrocas, Manuel Pereira (2010). Manual de Arbitragem, ob. cit., p. 90.
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CAPTULO III ARBITRABILIDADE DE CONFLITOS LABORAIS
No mbito do Direito do Trabalho, como vimos, a aplicao da arbitragem tem em
conta a distino entre os conflitos individuais de trabalho e os conflitos coletivos de
trabalho. Como referido no mbito dos conflitos coletivos, a arbitragem laboral encontra-se
devidamente regulamentada no CT, porm nos conflitos individuais posta em causa a sua
admissibilidade, uma vez que o trabalhador considerado a parte mais fraca da relao
jurdica e considera-se que os seus direitos s seriam absolutamente tutelados com a
interveno do poder judicial102. Esta realidade no tem fundamento legal. certo que a
arbitragem de conflitos coletivos de trabalho encontra-se devidamente regulamentada ao
contrrio do que se verifica quanto aos conflitos individuais de trabalho cujo
enquadramento se remete para as regras gerais da arbitragem, mas tal no deve restringir a
sua aplicao neste ltimo mbito. Concretizemos melhor esta dicotomia.
Para Drio Moura Vicente, depem-se diversos argumentos a favor do recurso
arbitragem na resoluo de conflitos individuais de trabalho103. Em primeiro lugar, a
autonomia privada, a base da arbitragem, a voluntariedade das partes em querer submeter o
seu conflito a este instituto, por considerarem ser mais vantajoso. Em segundo lugar,
existem vantagens para o Estado, uma vez que ao recorrer-se arbitragem alivia-se os
tribunais da sobrecarga dos processos104 e dos custos inerentes sua tramitao e
julgamento. Em terceiro lugar, a arbitragem possibilita a manuteno das relaes de
trabalho, atravs de um esprito de colaborao e do ambiente de paz social.
No obstante as vantagens inerentes resoluo de confli