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Anais do III Congresso Internacional de História da UFG/ Jataí: História e Diversidade Cultural. Textos Completos.
Realização Curso de História – ISSN 2178-1281
O REFLEXO DA GUERRA FRIA NA AMÉRICA LATINA: A ATUAÇÃO DAS
LIGAS CAMPONESAS NO NORDESTE BRASILEIRO E A PROPAGAÇÃO DO
MEDO VERMELHO.
Thiago Moreira Melo e Silva1
RESUMO
Na década de 1940 surgiram as primeiras Ligas Camponesas sob a direção do recém
legalizado Partido Comunista do Brasil (PCB). Embora as Ligas Camponesas tenham existido
em quase todo o país, foi no Nordeste do Brasil que elas obtiveram maior expressividade.
Dessa forma, as Ligas Camponesas traçaram um caminho singular em nossa História Social e
Política durante o século XX. Pois, as ações desses movimentos iriam repercutir nos anos
1950 e 1960, num processo permeado por diferentes debates em torno da Reforma agrária, a
qual concentrou diversos projetos buscando se repensar a estrutura fundiária vigente no país.
Coexistindo com a chamada Guerra Fria envolvendo os EUA e a URSS, esses movimentos
não passariam despercebidos aos EUA. Na década de 1960 e 1970, com a situação na Europa
razoavelmente estabilizada, as duas superpotências iriam transferir sua competição para o
Terceiro Mundo. A Revolução Cubana proclamada em 1959, iria recrudescer ainda mais a
disputa entre as superpotências, agora, no âmbito da América Latina. Dentre as organizações
que fortemente atuaram para a contenção dos setores populares no Brasil, estava a Agência
Central de Inteligência (CIA), que destinou recursos financeiros ao Nordeste por intermédio
do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) , além de outros canais, que procurou
combater não apenas a candidatura de Miguel Arraes em Pernambuco, mas também dividir as
Ligas Camponesas lideradas por Francisco Julião, intencionando conter seu crescimento.
Palavras-Chave: Ligas Camponesas, Anticomunismo, EUA, Nordeste.
1. Os movimentos camponeses no contexto da década de 1940.
Na década de 1940 nos últimos anos da ditadura do Estado Novo presidido por Getúlio
Vargas, surgiram as primeiras Ligas Camponesas sob a direção do recém legalizado Partido
Comunista do Brasil (PCB)2. As quais se apresentavam como meio de organização e
1 Possui especialização em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –PUC/SP. Contato:
2 A Sigla PCB correspondeu a Partido Comunista do Brasil até 1961; daí em diante, a Partido Comunista
Brasileiro. Em fevereiro de 1962, na Conferência Nacional Extraordinária do Partido Comunista do Brasil, é
adotada a sigla PC do B. As revelações dos crimes de Stálin no XX Congresso do PCUS , em 1956, gerou uma
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mobilização dos trabalhadores rurais. (AZÊVEDO, 1982). Embora as Ligas Camponesas
tenham existido em quase todo o país, foi no Nordeste do Brasil que elas obtiveram maior
expressividade, bem como espelharam uma das páginas mais marcantes na história dos
movimentos sociais no campo. (AUED, 2005). “A sua criação, ao invés de sindicatos3, é
explicada como uma fuga a rigidez institucional burocrática existente no sindicalismo no
Brasil e, também, conjunto de restrições ao sindicalismo existente na década de quarenta.”
(AUED, 2005, p. 23).
Em 1947, durante o governo do Presidente Eurico Gaspar Dutra (1946-1951), o
comunismo foi alvo de intensa perseguição. Esta atuação se deve ao fato da tentativa de
alinhamento com os Estado Unidos durante a Guerra Fria. Em 1947, o PCB teve seu registro
eleitoral cassado e o Brasil rompeu relações com a URSS.
Essa decisão pela cassação do PCB, longe de se restringir apenas ao partido, afetou
também suas organizações, principalmente no meio rural, onde ocorreram a maioria das
prisões, assassinatos e perseguições. (MORAIS, 1997). “Nesse processo serão atingidas
numerosas organizações camponesas, entre elas as já ativas Ligas Camponesas que,
transformadas, voltarão à cena
alguns anos mais tarde, com novo vigor e maior capacidade expansiva”.
(CAMARGO, 1997, p. 143).
Dessa forma nas décadas posteriores, as Ligas Camponesas iriam traçar um caminho
singular na história social e política brasileira. Pois, as ações desses movimentos ainda que
incipientes na década de 1940, iriam repercutir nos anos 1950 e 1960 em um processo
permeado por diferentes debates em torno da Reforma agrária, a qual concentraria diversos
projetos buscando se repensar a estrutura fundiária vigente no país. De acordo com Meira
(apud BASTOS 1982), as Ligas Camponesas terminariam a década de 50 com cerca de 40 mil
associados no Estado de Pernambuco e cerca de 70 mil no Nordeste.
2. O governo de João Goulart e os setores populares nos anos 1960.
cisão no PCB: Ao lado deste, passou a (co)existir também o PC do B. (GORENDER, 1987, p. 20, 34 apud
VARELA, 2006, p. 69).
3 Segundo o Prof. Edgar Malagodi - UFPB (apud VARELA, 2006, p. 91), existiam apenas sete sindicatos rurais
legalizados no Brasil até 1960.
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Com pouco mais de seis meses de sua posse como presidente da república, Jânio
Quadros anunciou no dia 25 de agosto de 1961 sua renúncia. Chegando ao fim desta forma
seu governo, que foi permeado em sua curta duração por uma série de contradições e
ambigüidades políticas. Jânio Quadros, que após sua renúncia esperava ter o apoio popular e
político para seu retorno, logo teve suas esperanças esvaecidas, pois “nem os ministros
militares e, menos ainda, as massas populares tomaram qualquer iniciativa no sentido de
reivindicar a volta de Quadros”. (TOLEDO, 1982, p. 8).
Quanto aos setores populares e de esquerda, cabe destacar a insatisfação desses,
devido à ausência de ações decisivas e de efetivas transformações sociais prometidas pelo
governo de Jânio Quadros. (BENEVIDES, 1981). Após a aceitação do pedido de renúncia de
Jânio pelo Congresso Nacional:
Em várias partes do país, os setores populares e democráticos saíram às ruas para
defender, isto sim, a posse de João Goulart, ameaçada por um arbitrário veto
militar, plenamente respaldado pela UDN e demais setores conservadores. As
manifestações populares, associadas com as de políticos democráticos e de
militares nacionalistas, conseguiram impedir o golpe militar que se configurava em
agosto de 1961. (TOLEDO, 1982, p. 8).
O quadro de crise instaurado no país naquele momento, sobretudo pela ausência de
Jango (que na condição de vice-presidente se encontrava em visita à China), dominaria o
palco da política nacional e fomentaria o debate acerca da sucessão presidencial, polarizada,
entre os ministros militares que não concordavam com a posse de Jango e os que apoiavam a
“legalidade”. (SKIDMORE, 1982).
Ao contrário do que seus adversários difundiram, Goulart não estava despreparado
para dirigir o país, quando chegou a Brasília, após dez dias de crise, em 7 de
setembro de 1961. Tinha mais condições para exercer o cargo de Presidente da
República do que Jânio Quadros e, quiçá, do que o próprio Kubitschek, em 1956.
Levava um programa de governo – o das reformas de base – e larga experiência na
política federal, o que lhe dava uma visão mais ampla, menos provinciana, dos
problemas brasileiros. (BANDEIRA, 2001, p. 65).
Mesmo contando com condições a seu favor para assumir o cargo de Presidente da
república:
Goulart, no entanto, recebeu do Congresso um poder mutilado, enfraquecido,
quando a situação mais exigia um governo forte, centralizado para efetuar as
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mudanças que o desenvolvimentismo do capitalismo reclamava. (BANDEIRA,
2001, p. 65).
Frente a esse impasse, o Congresso adotou uma medida que permitiria a posse de
Goulart, contudo, dentro de uma operação de mudança no sistema de governo vigente, o qual
deixaria de ser o presidencialista para tornar-se o parlamentarista, impondo, dessa forma,
sérias restrições aos poderes de Jango. (FAUSTO, 2009).
Nos meses seguintes de sua posse, Jango enfrentou em seu governo muitas
dificuldades. Resultado em parte do legado das gestões anteriores e dos novos obstáculos
engendrados durante o processo de sua posse e do estabelecimento de seu governo. O quadro
que se configurou durante o governo de Jango entre agosto de 1961 e março de 1964
caracterizou-se por forte crise econômico-financeira, partidária, constantes crises político-
institucionais e, sobretudo pela emergência do movimento operário e dos trabalhadores do
campo. (TOLEDO, 1982). (Grifo nosso). “No plano da sociedade, houve um avanço dos
movimentos sociais e o surgimento de novos atores. Os setores esquecidos do campo [...]
começaram a se mobilizar”. (FAUSTO, 2009, p. 443).
Entretanto, na medida em que esses novos atores foram ascendendo no plano político e
social, pouco se avançou com relação à elaboração de questões institucionais que pudessem
contemplá-los. Em 1961, ainda no governo, Jânio Quadros encaminhou ao Congresso
Nacional uma mensagem indicando a necessidade de se estruturar melhor a situação dos
trabalhadores rurais no país:
Precisamos ampliar o campo da aplicação da legislação do trabalho, não só
territorialmente como para beneficiar maior número de trabalhadores brasileiros
[...] É nesse sentido que pretendemos submeter ao Congresso a disciplina do
trabalho rural. Não podemos postergar a proteção do direito desses trabalhadores,
nem pretender uma verdadeira sociedade nacional se mais da metade da população
não dispõe de instrumentos de sindicalização para se fazer presente. (Jânio Quadros
– Mensagem ao Congresso Nacional, Brasília, 1961, p. 69/70 apud CAMARGO,
1997, p. 171).
Na tentativa de implementar os pontos apresentados na mensagem ao Congresso,
formou-se em abril de 1961, o Grupo de Trabalho sobre o Estatuto da Terra, sob a direção do
senador Milton Campos (CAMARGO, 1997). Entretanto, algumas medidas apontadas pelo
grupo iriam se concretizar, segundo a autora apenas durante o primeiro gabinete
parlamentarista do governo Jango em 1962. Para Benevides (1981), essas expectativas
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frustradas dos setores populares e da esquerda durante a breve existência do governo de Jânio,
iriam sobrecarregar posteriormente o governo Jango, “de demandas insustentáveis num
sistema político ainda dominado pelos interesses das oligarquias, das elites financeiras e do
capitalismo internacional”. (BENEVIDES, 1981, p. 74-75).
Tais demandas, geradas em torno do governo Jango, iriam intensificar-se ainda mais,
sobretudo no regime presidencialista, a partir da revogação da emenda parlamentarista em 23
de janeiro de 1963, após realização do plebiscito. A estagnação do governo (em alguns
aspectos), durante o regime parlamentarista, dificultou muitas das ações que o Executivo
tentaria implementar em busca de uma saída para a crise em que se encontrava o país. Além
disso, acirrou ainda mais o antagonismo existente no cenário político e nos diferentes setores
sociais em torno da aprovação das reformas de base (Agrária, Bancária, Administrativa,
Fiscal, Eleitoral, Urbana, etc.).
Razões econômicas e sociais impunham as urgentes realizações das reformas,
dentre elas a que mais debate provocou naquele período: a Reforma Agrária [...]
Apesar de não ter nenhum sentido revolucionário, correspondendo, pois, de um
lado, às necessidades da consolidação do capitalismo industrial e, de outro lado, à
estratégia da dominação social burguesa, a Reforma Agrária proposta por Goulart
será alvo de intensa e constante oposição por parte dos proprietários rurais e seus
setores políticos, de setores da Igreja Católica, etc. (TOLEDO, 1982, p.54-55).
Além da falta de apoio no Congresso para a aprovação de algumas medidas
importantes ao governo, assim como o projeto de Reforma Agrária apresentado pelo
executivo, diferentes grupos passaram a se opor a Goulart e ao seu projeto de governo a partir
das reformas de base. No plano internacional, no que se refere aos Estados Unidos e sua
política externa, transpareciam-se a preocupação e a insatisfação do presidente John Kennedy,
não apenas com a economia brasileira, como também, devido o fortalecimento da atuação das
Ligas camponesas na região Nordeste e dos setores políticos de esquerda.
3. O reflexo da Guerra Fria na América Latina: medidas anticomunistas e ebulições sociais no Nordeste brasileiro.
Nas décadas seguintes ao término da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os
Estados Unidos (EUA) e a União Soviética (URSS) se enfrentariam em muitas áreas –
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econômica, política, ideológica, cultural, etc., embora nunca tenham travado uma guerra
frontal. Possuidores de arsenais atômicos com capacidade de destruir o planeta várias vezes,
um conflito direto entre esses países poderia significar a extinção da espécie humana. O
antagonismo entre norte americanos e soviéticos durou 45 anos, deixando marcas na vida de
milhões de pessoas.
Os 45 anos que vão do lançamento das bombas atômicas até o fim da União
Soviética não formam um período homogêneo único na história do mundo. [...]
Apesar disso, a história desse período foi reunida sob um padrão único pela
situação internacional peculiar que o dominou até a queda da URSS: o constante
confronto das duas superpotências que emergiram da Segunda Guerra Mundial na
chamada “Guerra Fria”. (HOBSBAWM, 1995, p. 223).
Em termos de controle e influência sobre o globo, existia um equilíbrio de poder
desigual entre as potências, porém não contestado em sua essência. A URSS controlava as
regiões ocupadas pelo exército vermelho ou outras forças comunistas estabelecidas após o fim
da Segunda Guerra. Enquanto os EUA exerciam o controle e predominância sobre o resto do
mundo capitalista, assumindo dessa forma a posição das antigas potências coloniais.
(HOBSBAWM, 1995).
Contudo, isso não significava uma satisfação, ou contentamento com suas áreas de
controle e influência. John Kennedy, em discurso durante sua campanha afirmava:
Vamos moldar nossas forças e nos tornar os primeiros de novo. Não os primeiro se.
Não os primeiros mas. Mas primeiros e ponto. Quero que o mundo se pergunte não
o que o Sr. Kruschev está fazendo. Quero que eles se perguntem o que os Estados
Unidos estão fazendo. (BESCHLOSS, 1991 Apud HOBSBAWM, 1995, p. 234).
Na década de 1960 e 1970, com a situação na Europa razoavelmente estabilizada, as
duas superpotências iriam transferir sua competição para o Terceiro Mundo. (HOBSBAWM,
1995). A Revolução Cubana proclamada em 1959, iria recrudescer ainda mais a disputa entre
as superpotências, agora, no âmbito da América Latina.
A fim de conter o movimento iniciado com a Revolução Cubana, os EUA, planejaram
diversas intervenções sobre Cuba. Diante de seus insucessos, no que tange a retomada do
controle de Cuba, como foi caso da Baía dos Porcos4, o governo estadunidense cogitava em
4 Sobre a tentativa de ataque estadunidense em Cuba, verificar: BANDEIRA, 2005, p. 214-217.
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uma intervenção armada. Contudo, tal medida além de implicar em custos políticos elevados,
também violaria alguns artigos5 da Carta da ONU
6, bem como da OEA
7. Além do mais, com
a implementação de uma operação armada, “Castro poderia pedir a assistência dos outros
Estados latino-americanos, a fim de repelir a agressão [...] e solicitar8, a intervenção do
Conselho de Segurança, para que restaurasse a segurança e a paz internacional.
(BANDEIRA, 2005, p. 215). Tais empecilhos, fizeram com que os EUA, se re-articulassem em
busca de outros mecanismos de intervenção e controle. A conjuntura engendrada neste
período iria fazer com que Kennedy e sua equipe considerassem:
[...] os países do chamado Terceiro Mundo como a linha de defesa contra o avanço
da União Soviética, e a América Latina como a “Most critical area" e a “most
dangerous area in the world”. Durante seu governo foi que os Estado Unidos, em
tempo de paz, começaram a recorrer mais amplamente ao terrorismo, sob todas as
formas, como ferramenta de implementação de política externa, ao mesmo tempo
em que preparavam os grupos especiais de contra insurreição [...]. (BANDEIRA,
2005, p.. 221).
No que tange ao Brasil como citado anteriormente, durante o governo Dutra (1946-
1951) o país estreitou ainda mais seus laços comerciais e políticos com os EUA, em
detrimento das relações com a URSS. Com efeito, nos anos seguintes a mobilização das Ligas
Camponesas, dos setores populares, bem como da esquerda política, sobretudo em
Pernambuco a partir das disputas nas eleições de 1962, com Miguel Arraes, fez intensificar
ainda mais as atenções dos EUA sobre o cenário da política interna brasileira.
Nesse período diversas instituições se mostraram atuantes a fim de conter o avanço
das Ligas Camponesas.
[...] vão disputar a orientação ideológica do movimento e, ao mesmo tempo, tentar
neutralizar as Ligas Camponesas – o PCB, a Igreja Católica e os agentes da Liga
Cooperativa dos Estados Unidos da América (CLUSA) que, como integrantes da
Missão USAID, faziam parte do programa de ação da Aliança para o Progresso no
Nordeste. (RELATÓRIO DE PESQUISA – FGV, 2004, p. 40).
5 Os quais proscreviam o uso da força armada em caso de legítima defesa contra um ataque armado.
6 Organização das Nações Unidas.
7 Organização dos Estados Americanos.
8 Com base no capítulo 7 da carta da ONU.
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Somado a esses, ainda podemos citar o IBAD9 e o IPES
10, que recebia expressiva
ajuda financeira da CIA11
, e das empresas nacionais, e estrangeiras instaladas no Brasil. E a
embaixada americana que junto ao embaixador Lincoln Gordon, fornecia apoio material e
financeiro aos grupos opostos as Ligas Camponesas e aos setores populares. (BANDEIRA,
2001).
Desde o início dos anos 60, era intensa a presença de norte-americanos em
Pernambuco, vindos com a Missão USAID para “supervisionar” a aplicação dos US$
131milhões das verbas da Aliança para o Progresso, destinadas ao Nordeste. Muitos atuavam,
oficialmente, como técnicos, assessores e representantes da CLUSA, encarregada de criar
cooperativas rurais e, sobretudo, obter informações e manter sob controle os movimentos
sociais na região. (PAGE, 1972).
A CLUSA, que teria vínculos estreitos com a CIA, desenvolveu contatos com setores
da Igreja Católica que atuavam na organização de trabalhadores do campo, como o Serviço de
Orientação Rural de Pernambuco (SORPE) e com o padre Antonio Crespo, além de canalizar
recursos para a fundação de sindicatos rurais católicos. (PAGE, 1972). Também em
Pernambuco, destaca-se a atuação do padre Antônio Melo, defensor da criação dos sindicatos
e cooperativas rurais. Padre melo12
, tinha como um de seus principais objetivos afastar os
trabalhadores rurais da esfera das Ligas, buscando dessa forma, segundo ele, uma solução
pacífica aos conflitos no campo, entre os donos de terras e os trabalhadores rurais.
(RELATÓRIO DE PESQUISA – FGV, 2004, p. 42)13
.
No que tange ao cenário político nordestino durante as eleições de 1962, a disputa ao
governo do Estado de Pernambuco, despertou grande interesse nacional. Os dois principais
9 Instituto Brasileiro de Ação Democrática.
10 Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais. O IPES era uma entidade sofisticada, pretensamente cinentífica, e
ligou-se à Escola Superior de Guerra, aliciando os generais Golbery do Couto Silva, Heitor de Almeida Herrera e
muito outros, reformados ou na ativa. 11
Agência Central de Inteligência. 12
Segundo Page (1972), ao final de 1963, o padre Melo, expressiva liderança católica da região do Cabo (PE),
estava recebendo dinheiro do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), que como sabemos, hoje, foi
um dos centros articuladores do Golpe de 1964.
13 É importante, no entanto, que se lembre, também, que a ação da Igreja Católica, no Nordeste, não se restringiu
a este tipo de articulação sindical. Havia, também, uma esquerda católica (Ação Popular) que atuava diretamente
no Movimento de Educação Popular (MEP), levado à frente pela prefeitura do Recife, e depois pelo governo do
estado de Pernambuco, durante a gestão de Miguel Arraes. (RELATÓRIO DE PESQUISA – FGV, 2004, p. 42-
43).
9
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candidatos Miguel Arraes (PSB)14
, e João Cleofas (UDN)15
, tiveram importantes apoios de
fora. Arraes, candidato apoiado pela esquerda, bem como pelos setores populares, recebeu
importante apoio do empresário paulista Ermírio de Moraes, dentre outros. Cleofas que era
identificado popularmente como o candidato apoiado pelos EUA, não diferente, contou com
volumosos recursos financeiros por parte do IBAD e conseqüentemente da CIA.. (PAGE,
1972).
A CIA, através do IBAD e de outros canais, direcionou muitos recursos ao Nordeste,
não apenas visando combater a candidatura de Miguel Arraes ao governo de Pernambuco,
mas, também, como o objetivo de dividir as Ligas Camponesas, lideradas por Francisco
Julião. (BANDEIRA, 2001).
Apesar do volumoso investimento realizado pelos IPES e pelo IBAD, com dólares
da CIA, cruzeiros do Fundo do Trigo repassados pela Embaixada dos EUA e
genrosos donativos de corporações estrangeiras, para favorecer os candidatos
direitistas da UDN, PSD e outras agremiações, o nacional-reformismo avantajou-se
nas eleições de 1962. Miguel Arraes conquistou o governo de Pernambuco e
Brizola obteve excepcional votação (243.951 sufrágios) para Deputado federal, no
Estado da Guanabara, onde a Aliança Trabalhista-Socialista (PTB-PSB) somou
408.602 legendas, contra 241.879, da UDN, colocada em segundo lugar.
Ainda sobre as atividades de instituições pró-estadunidenses nas eleições de 1962,
temos o IPES. A organização que foi criada em 1962, embora, proclamava-se contrária a
radicalização da política brasileira tanto entre a esquerda como na direita. Logo passou a
contratar militares reformados e montar o seu serviço de inteligência. Essa medida visava,
“em colher dados sobre pretensa infiltração comunista no governo de Goulart e distribuí-los,
clandestinamente, entre oficiais que ocupavam postos de comando, através de todo o
território nacional”. (BANDEIRA, 2001, p. 82).
Segundo o mesmo autor, o IPES entre 1962 e 1964, gastou com esses trabalhos de
minar as Forças Armadas cerca de US$ 200 mil a US$ 300 mil por ano. Tais recursos eram
oriundos tanto da CIA, quanto das empresas estrangeiras. Diante dessas articulações do IBAD
e do IPES, o governador Miguel Arraes, fez denúncia à CPI, instaurada na Câmara dos
Deputados para investigar a origem dos fundos que aquelas entidades manipulavam.
(BANDEIRA, 2005).
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Partido Socialista Brasileiro. 15
União Democrática Nacional.
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Segundo o jornalista norte-americano A. J. Langguth, a CIA, através do IBAD e da
ADEP16
, gastara US$ 20 milhões nas eleições parlamentares de 1962 e durante os
trabalhos da CPI, na embaixada dos EUA, todos os elementos envolvidos, de
Lincoln Gordon para baixo, estavam preocupados com as provas incriminatórias
que poderiam vir a público. (ibid., p. 85).
Segundo documentos apresentados por Arraes, boa parte das receitas geridas pelo
IBAD, também vinha de empresas instaladas no Brasil (na maioria americanas), como a
Texaco, Shell, Schering, Bayer, General Eletric, IBM, Coca-Cola, Souza Cruz, entre outras.
“E a embaixada dos EUA provavelmente ainda empregou outras verbas para financiá-lo,
bem como as outras organizações de extrema-direita, que se apresentavam com o rótulo de
democráticas, uma espécie de trade Mark, made in USA”. (ibid.,, p, 86).
Conforme Bandeira (2001), não era segredo para ninguém os contatos que o
embaixador Lincoln Gordon mantinha com adversários políticos de Goulart. “[...]
financiando diretamente prefeitos e governadores de Estado, sobretudo os da oposição, sob a
capa da Aliança para o Progresso”. (Ibid. p. 86).
Em maio de 1962, Brizola denunciara que:
A embaixada americana dos EUA vem fazendo movimentação de fundos que se
encontram à sua disposição no Banco do Brasil e entrando em entendimentos
diretos com políticos brasileiros. A embaixada se está transformando numa espécie
de Meca para onde se dirigem diretamente prefeitos, entidades públicas e privadas
[...]. (Entrevista de Brizola In: Diário de Notícias, Rio de Janeiro, nº 349, 5 a 11-9-
1963 apud BANDEIRA, 2001, p. 86).
Os consulados dos EUA, em todo o Brasil, serviram como bases de operação da CIA.
Em 1962 dos três vice-cônsules da cidade de Recife, dois eram da CIA17
. Dobrando para
quatro, às vésperas da queda de Goulart. (PAGE, 1972).
Como discutido anteriormente, após as disputas da Guerra Fria serem deslocadas para
o Terceiro Mundo, a América Latina ocuparia lugar de destaque dentro da pauta da política
externa estadunidense. Somado a isso, a ocorrência da Revolução cubana em 1959, faria com
que os EUA intensificasse ainda mais, seus mecanismos de controle e influência sobre os
Estados da América Latina.
16
Ação Democrática Parlamentar. 17
O mesmo acontecia na outras cidades importantes, como Porto Alegre, de onde Brizola pediu a expulsão do
cônsul SHARP, acusando-o de intrometer-se na política nacional. (BANDEIRA, 2001).
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Essas medidas iriam se materializar de diversas formas. Seja pelo apoio financeiro
(feito de forma ilícita) realizado pela CIA, IBAD, bem como pela embaixada e empresas
americanas. Ou em forma de planos de assistência, os EUA se mantiveram sempre presentes
no jogo político e na dinâmica social da época.
Com efeito, a presença dos EUA, através desses canais de manipulação e influência,
não só minaram de certa forma a estrutura política do período, como, também, fizeram frente
ao desenvolvimento e ao avanço dos setores populares. Nesse sentido, encontraram diversos
empecilhos em seu trajeto, e foram freqüentemente combatidos: os candidatos e políticos que
defendiam os interesses que convergiam com os setores populares; as Ligas Camponesas; os
sindicatos de tendência comunistas; entre outros. Todos tiveram suas mobilizações contidas
por meio de intervenções estadunidenses.
O resultado dessas intervenções dentro da conjuntura política do Brasil, somada a
atuação de outros grupos conservadores, bem como das forças armadas, iria se concretizar
com a implantação do Estado autoritário estabelecido, com o início do regime militar de 1964.
Por fim, o golpe militar seguido da forte repressão às Ligas Camponesas, não apenas iria
marcar fortemente a memória camponesa com o estigma do medo e da derrota, como também
iria comprometer a existência e a mobilização de novos movimentos sociais.
Referências
AUED, B. W. [et al]. Retratos do MST: Ligas Camponesas e Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem-terra. Florianópolis: Cidade Futura, 2005. 144 p.
AZEVÊDO, Fernando Antônio. As Ligas Camponesas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
145 p.
BANDEIRA, M. L. A. O governo João Goulart: as lutas sociais no Brasil, 1961-1964. Rio
de Janeiro: Ed. UNB, 2001. 320 p.
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Realização Curso de História – ISSN 2178-1281
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