O Rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda · escrito em letras de ouro, bem claro sob o sol...

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O Rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda Após a morte do rei Constantino, o Abençoado (Cistenin Vendigeit), chefe bretão, Vortigern, isto é Gwrtheyrn, ou seja, o Grande Rei, usurpa o poder dos verdadeiros herdeiros: Aurelius Ambrosius e Uther Pedragon, que se refugiaram na Armórica. Vortigern aliou-se aos saxões e tornou-se genro de Hengist, chefe saxão. Diante da ambição dos saxões e para escapar da morte, foi obrigado a lhes dar cada vez mais terras. Sobrevivendo a uma conspiração na qual vários chefes bretões foram mortos, Vortigern foi se refugiar no País de Gales, onde queria construir uma fortaleza inexpugnável. Escolheu como local o Monte Eryri (Snowdown), mas acontecia de todos os dias cair por terra o trabalho do dia anterior. O rei chamou seus magos e perguntou-lhes o que devia fazer, e estes mandaram que ele procurasse uma criança sem pai e misturasse o sangue dessa criança à argamassa, fazendo com que as fundações ficassem sólidas. Os mensageiros do rei se puseram em viagem e quando chegaram à Kaermerddin, lá testemunharam uma briga entre crianças na qual uma chamava a outra de bastarda. Uma vez informados de que esta criança era neto de rei dos Demetae sul do País de Gales e que sua mãe era freira em um convento, levaram mãe e filho à presença do rei. Este, cheio de atenções para com a mãe, pediu-lhe provas da bastardia de Merlim, ao que ela respondeu: - Pela tua alma e pela minha, senhor rei, nunca conheci o homem que me fecundou. Só sei uma coisa: quando estava com minhas companheiras em meu quarto para descansar, diversas vezes me apareceu um jovem de belíssimo aspecto. Ele me envolvia em seus braços, me beijava na boca e depois de alguns instantes desaparecia e eu não o via mais. Outras vezes, quando estava sozinha, ele vinha falar comigo, mas eu jamais o via. Ele me freqüentou durante muito tempo dessa forma, fez amor

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O Rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda

Após a morte do rei Constantino, o Abençoado (Cistenin Vendigeit),

chefe bretão, Vortigern, isto é Gwrtheyrn, ou seja, o Grande Rei, usurpa o

poder dos verdadeiros herdeiros: Aurelius Ambrosius e Uther Pedragon, que se

refugiaram na Armórica.

Vortigern aliou-se aos saxões e tornou-se genro de Hengist, chefe saxão.

Diante da ambição dos saxões e para escapar da morte, foi obrigado a lhes dar

cada vez mais terras. Sobrevivendo a uma conspiração na qual vários chefes

bretões foram mortos, Vortigern foi se refugiar no País de Gales, onde queria

construir uma fortaleza inexpugnável.

Escolheu como local o Monte Eryri (Snowdown), mas acontecia de

todos os dias cair por terra o trabalho do dia anterior. O rei chamou seus

magos e perguntou-lhes o que devia fazer, e estes mandaram que ele procurasse

uma criança sem pai e misturasse o sangue dessa criança à argamassa, fazendo

com que as fundações ficassem sólidas. Os mensageiros do rei se puseram em

viagem e quando chegaram à Kaermerddin, lá testemunharam uma briga entre

crianças na qual uma chamava a outra de bastarda. Uma vez informados de

que esta criança era neto de rei dos Demetae – sul do País de Gales – e que sua

mãe era freira em um convento, levaram mãe e filho à presença do rei. Este,

cheio de atenções para com a mãe, pediu-lhe provas da bastardia de Merlim, ao

que ela respondeu:

- Pela tua alma e pela minha, senhor rei, nunca conheci o homem que me

fecundou. Só sei uma coisa: quando estava com minhas companheiras

em meu quarto para descansar, diversas vezes me apareceu um jovem de

belíssimo aspecto. Ele me envolvia em seus braços, me beijava na boca

e depois de alguns instantes desaparecia e eu não o via mais. Outras

vezes, quando estava sozinha, ele vinha falar comigo, mas eu jamais o

via. Ele me freqüentou durante muito tempo dessa forma, fez amor

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comigo diversas vezes sob o aspecto de um, de tal forma que me deixou

grávida.

Vortigern chamou então seus sábios e perguntou se tal coisa seria

possível. Um sábio respondeu:

- Li nos livros de nossos filósofos e em numerosas histórias que muitos

homens foram concebidos dessa maneira. Assim Apuleu afirma a

respeito do deus de Sócrates, haver entre a Terra e a Lua certos espíritos

que chamamos íncubus. Eles participam da natureza humana e angélica

e, quando desejam, tomam a forma humana e têm relações com

mulheres.

Vortigern mandou então que trouxessem o menino cujo nome completo

era Merlinus Ambrosius. Merlim enfrentou os magos, e chamando-os de

mentirosos revelou que no local onde se pretendia construir a fortaleza havia

um lago subterrâneo e que nesse lago havia dois dragões lutando, que

derrubavam num só golpe as fundações que se tentavam erguer. O rei mandou

escavar a terra e os dragões foram encontrados. Um branco, que foi o primeiro

vencedor, e outro vermelho, que obrigou o branco a recuar. O rei, então, pediu

ao menino que explicasse tudo aquilo. Merlim caiu em prantos e depois entrou

em um transe profético, falando assim:

- Infelicidade para o dragão vermelho, pois próximo está seu fim. Sua

caverna será totalmente ocupada pelo dragão branco, representante dos

saxões que você trouxe para esta terra. Quanto ao dragão vermelho, ele

representa os bretões que serão subjulgados pelo dragão branco.

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No final de seu transe, após haver simbolicamente previsto que um

javali da Cornualha – Arthur? – viria lutar contra os inimigos dos bretões,

anunciou o fim trágico de Vortigern, e a breve volta de Ambrosius e Uther.

Como fora previsto, Ambrosius desembarcou na ilha da Bretanha, e

liderou os saxões contra os bretães, perseguindo também Vortigern que, oculto

em uma fortaleza, morreu queimado com toda sua família. Vencedor,

Ambrosius quis construir um monumento em homenagem aos 400 chefes

bretões mortos pelos saxões na planície de Salisbury. Não sabendo como

realizá-lo, mandou chamar Merlim, que lhe sugeriu:

- Se queres honrar teus mortos com uma sepultura perpétua, envia

mensageiros ao Círculo dos Gigantes que se encontra na montanha de

Cilara, na Irlanda. Lá encontrarão pedras que ninguém, hoje,

conseguiria reunir, a não ser com muita habilidade. Essas pedras são

grandes e não têm similares em virtudes... São pedras místicas e dotadas

de vários poderes curativos. Que sejam dispostas em círculo no local, e

assim permanecerão para sempre.

Ambrosius faleceu e Uther assumiu o trono da Bretanha, assumiu

também o nome Pedragon (que significa utha cabeça de dragão).

Devido às conquistas, Uther resolveu festejar foi passar páscoa em

Londres conheceu Igraine, esposa de Gorloise (duque da Cornualha).

Uther se apaixona por Igraine, o marido percebendo o interesse do Rei,

retorna com a esposa em Tintangel na Cornualha.

Uther desesperado pede ajuda a Merlim para “Ter Igraine”. O castelo

em que ela está é impossível entrar sem ser identificado.

Merlim então propõe a Uther uma troca, ele o ajuda a ter Igraine, e

quando nascer o primeiro filho do casal ele tem que ser entregue a Merlim.

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Uther aceita, Merlim através de encantamento faz com que Uther tome a

forma de Gorloise (que estava ausente), entra no castelo, faz amor com Igraine.

Nesta mesma noite gorloise morre em combate (Igraine tem a visão e

fica atormentada, pois ao olhar Uther via Gorloise).

No mesmo tempo em que Igraine descobre o ocorrido é pedida em

casamento por Uther e se torna rainha.

Na época do natal a rainha deu a luz a criança, um belo menino. Uther o

entrega a Merlim, que o entrega a Sir Ector que tinha um filho chamado Kay.

Quando Ector quis saber de quem era o filho, Merlim declarou:

- Seu nome é Artur, e saberás de quem é filho quando chegar o tempo de

saber.

Artur foi criado aprendendo lições de honra, coragem, gentileza,

autodisciplina, o manejo das armas, a paciência com o falcão e o cão de caça e

o trato com o cavalo, coisas que o qualificavam a tornar-se cavaleiro um dia,

preparando-o, portanto para ser rei.

No natal, ao final de uma missa quando as pessoas já dispersavam

ficaram surpresos ao encontrar no pátio um grande bloco de mármore e,

enraizada no bloco, uma bigorna e ereta com a ponta enfiada na bigorna e

atravessando mármore abaixo, uma espada nua. Ao redor do bloco estava

escrito em letras de ouro, bem claro sob o sol invernal: “Quem retirar esta

espada desta pedra e da bigorna é o verdadeiro e nato rei de toda a Bretanha”.

Então um após outro – os reis menores, os lordes e, por fim, até os

simples cavaleiros de seus séquitos começaram a fazer tentativas para arrancar

a espada da pedra.

Como ninguém conseguia retirar a espada foi enviado mensageiros para

comunicar o fato e convidar todos os que desejarem ganhar a espada e, com

ela, conquistar o reino, a comparecer ao torneio que se realizaria em Londres

no Dia das Candeias (Festa Litúrgica Católica no dia 2 de fevereiro,

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comemorativa da apresentação do menino Jesus no templo e da purificação de

Maria).

Chegado o dia, Artur junto com o pai e o irmão chegam ao torneio. Kay

descobre que tinha esquecido a espada na estalagem. Artur então escudeiro de

Kay, vai até a estalagem e a encontra fechada, então ele lembrou que pela

manhã ele havia passado por uma espada numa pedra.

Artur se aproxima e retira a espada da pedra e leva ao irmão.

Kay reconhece a espada, mas não desmente quando as pessoas começam

a dizer que ele é o novo rei.

Só que seu pai faz com que ele conte a verdade e Kay diz que foi Artur

que retirou a espada. É nesse momento que sir Ector compreende sua missão e

reconhece em Artur sua linhagem e seu destino.

Os cavaleiros, as pessoas em volta começam a por em dúvida que foi

Artur que havia retirado a espada. Então todos se encaminham até a pedra

Artur recoloca a espada e a retira novamente para a surpresa de todos.

Artur no mesmo instante é consagrado o Rei de toda Bretanha. Merlim

esclarece para Artur todo acontecimento e revela sua história, seu passado, sua

origem.

Merlim passa ser o conselheiro direto de Artur, como foi de seu pai

Uther.

Em uma das várias batalhas que o Rei Artur participou sua espada foi

quebrada, foi então que ele foi ao encontro de Excalibur – a espada que

aparecia em seus sonhos. Artur levado por Merlim a um lago, onde uma mão

segura excalibur, era a Senhora do Lago quem segurava.

Artur se apropria de excalibur e sua bainha mágica, ambas vindas da ilha

de Avalon.

A Senhora do Lago avia Artur que enquanto ele estivesse com a bainha

ele estaria protegido.

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Artur reina em Camelot, um tempo de paz. O melhores cavaleiros do

reino, muitos deles escolhidos em batalhas passadas, passam a integrar a

Cavalaria de Artur.

Artur sente necessidade de se casar e lembra de Guenever, a filha de Leo

de Graunce de Camelaird. Ele já havia visto num outro momento e anuncia a

Merlim que quer desposá-la.

Merlim, apesar de saber que essa não foi uma boa escolha, providencia a

vida da nova rainha.

Guenever era Cristã e trouxe consigo a Távola Redonda. A Távola

Redonda fora montada e colocada no Salão Nobre, era uma mesa semelhante à

borda de uma enorme roda, com todo o espaço do meio vazio para os pajens e

os escudeiros transitarem. A sua volta, estavam dispostas altas cadeiras para

150 cavaleiros, constando atrás de cada cadeira, escrito com ouro, o nome do

cavaleiro que deveria sentar-se ali.

Artur percebeu que havia 4 lugares que ainda estavam vazios. E Merlim

o tranqüilizou dizendo que com o tempo estes lugares seriam ocupados.

O 1º seria ocupado pelo Rei Pellinore.

O 2º seria ocupado por Sir Lancelot – que estará próximo de ti, dentre

teus cavaleiros, ele te trará suas maiores alegrias e o mais amargo desgosto.

O 3º seria ocupado por Percival – filho do Rei Pellinore, que ainda não

nasceu, mas que ao chegar, será como um arauto, pois com sua chegada

saberás que em menos de um ano o Mistério de Santo Graal alcançará seu

florescimento em Camelot, e os cavaleiros deixarão a Távola Redonda e irão

em busca da maior façanha de todos os tempos e será como se todas as coisas

ansiassem pela Glória dourada do crepúsculo, atrás do qual esta a escuridão.

E o 4º lugar é a cadeira perigosa – significa morte para quem se sentar

ali, até que aquele para quem foi feita venha reclamá-la. Porém antes do

casamento, Morgana meia-irmã de Artur o seduz se passando por outra pessoa.

Engravida e vai embora, 9 meses passam Modred, filho bastardo de Artur

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nasce e é criado com muito ódio de seu pai. E com o objetivo de tirá-lo do

trono e ser o novo Rei.

Depois de realizado o desafio imposto por Artur aos seus cavaleiros (A

busca do veado branco, da cadelinha e da Donzela que era Nimue, a Dama do

Lago), Artur recebeu os juramentos de todos os cavaleiros da Távola Redonda,

segundo o qual eles sempre defenderiam o direito, seriam os verdadeiros

servidores e protetores de todas as mulheres e agiriam com justiça em tudo e

com todos os homens; competiriam sempre pelo bem do reino da Bretanha e

pela Glória do reino de Logres, que estava para a Bretanha como a chama está

para a lâmpada e conservariam a fé um no outro e em Deus.

Merlim se encontrou com Lady Nimue (a Senhora do Lago) e esta lhe

apresentou Lancelot (nesta versão, Lancelot é descrito como “muito feio”).

Merlim dirigiu-se a Lancelot e disse:

Quando completares 18 anos, antes da próxima festa da Páscoa, deixa

este lugar e vai até o Rei Artur, em Camelot, pedir-lhe que te faça cavaleiro da

Távola Redonda.

No momento em que o Grande Rei e seus cavaleiros se sentam para a

ceia da véspera da Páscoa, um dos escudeiros avisa que Lancelot quer lhe falar.

Artur então pede que ele se aproxime e então Lancelot pede para ser

consagrado cavaleiro. Artur concorda e o nomeia.

Lancelot e Guienevere trocam olhares.

De todos os cavaleiros que tiveram assento junto à Távola Redonda, Sir

Gawain (pertencente ao povo antigo – sagrado), teve uma das aventuras mais

estranhas acontecida na távola: O Encontro com o Cavaleiro Verde.

Os anos passavam e passavam, e os nomes nos espaldares de cada

cadeira da Távola Redonda iam mudando, à medida que cavaleiros morriam

em batalha ou em alguma busca arriscada e novos cavaleiros iam tomando seus

lugares.

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Os anos passavam e passavam, e a cada Pentecostes os cavaleiros do

Grande Rei, recém-consagrados ou antigos, reuniam-se ainda em Camelot onde

a Távola Redonda se localizava no Salão Nobre.

Quando o rei Pellinore foi morto, sua rainha nada mais quis saber do

mundo dos homens; pegou seu pequeno filho Percival e desapareceu com ele

no meio selvagem. Entre as montanhas da floresta de Gales, encontrou uma

cabana abandonada de um queimador de carvão e fez dela um lar para a

criança, onde esta pudesse crescer longe das guerras, contendas e crueldades

dos homens; que são diferentes das crueldades do reino animal.

Desde esse tempo em diante até os 17 anos, Percival cresceu sem nunca

ter visto outro rosto humano a não ser o da mãe. A floresta e as montanhas era

o seu mundo.

Mas com o passar dos anos em direção à vida adulta, Percival começou

a achar que faltava algo na vida da floresta.

Num desses dias, Percival encontra 4 cavaleiros que vem em sua direção

e o saúdam:

“Saudações em nome de Deus”, disse o principal cavaleiro.

Percival ao mesmo tempo surpreso e assustado pergunta quem eles são?

E eles explicam a ele que são cavaleiros e servem ao rei Artur na Távola

Redonda. Artur de Pedragon, o Grande Rei de toda bretanha e a Távola

Redonda é a ordem da cavalaria que ele fundou.

Percival diz que gostaria de ser um cavaleiro e pergunta o que deve

fazer?

Eles o mandaram ir até o Rei Artur em Camelot que ele o consagraria

cavaleiro no momento certo.

Percival comunica a mãe seus planos, esta nervosa tenta persuadi-lo,

conta a história de seu pai. O que faz com que Percival tenha mais certeza de

seu destino. E então foi ao encontro do Rei Artur.

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Artur e seus cavaleiros faziam a refeição do meio dia e Percival olhava a

tudo e a todos com surpresa.

Nesse mesmo tempo chega a sala um cavaleiro vestido de armadura de

ouro vermelho que se aproxima da Távola, toma a taça na mão de Kay e sai

galopando.

Artur então se levanta e pergunta quem irá trazer sua taça, só que não

permite que nenhum cavaleiro vá, afinal de contas esta atitude foi uma afronta,

e este cavaleiro pelas leis da cavalaria não é digno de morrer por um dos

cavaleiros por isso Artur ia convocar um escudeiro.

Então Percival se prontifica a ir atrás do cavaleiro e Artur concorda.

Percival encontra o cavaleiro, luta com ele e o mata, em seguida veste

sua armadura e volta com a taça roubada.

Percival é consagrado cavaleiro.

A ordem dos cavaleiros da Távola Redonda fora criada quando o rei

Artur era jovem. Por onde quer que estivessem os cavaleiros em outras

ocasiões pois eles tinham vidas e metas próprias a seguir era seu hábito reunir-

se a seu rei nos dias das grandes festas da igreja. Foi num desses encontros que

uma moça se aproximou deles e pediu a Sir Lancelot que a seguisse em nome

do Rei Pelles.

Então Rei Pelles apresenta Galahad a Lancelot, seu filho com Elaine.

Galahad também quer ser consagrado cavaleiro.

Só que ainda não era seu tempo de ir, Lancelot e os cavaleiros que o

acompanhavam.

Quando chegaram a Camelot, o rei e a rainha haviam ido com toda a

corte assistir à missa matinal e eles encontraram algo estranho.

Na Távola estava escrito na “cadeira perigosa” (nunca ouve um

cavaleiro que havia sentado nela e todos que tentaram haviam morrido). No

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dia do Pentecostes esta cadeira será preenchida. E Lancelot falou que era hoje

o dia.

Quando os cavaleiros estavam retornando, um escudeiro chegou

gritando que havia ocorrido um milagre. Apareceu uma espada dentro de uma

pedra boiando com o seguinte escrito:

“Ninguém poderá tira-me senão aquele a cujo lado deverei ficar”.

Muitos tentaram retirar a espada, mas não conseguiram.

Então voltaram para o salão, logo após entraram no salão um rapaz e um

ancião.

O ancião se apresentou e apresentou o cavaleiro:

“Senhor disse o ancião, trago-vos este cavaleiro da Linha do rei Pelles, e

por meio dele da linha de José de arimatéia, aquele que a este país trouxe o

Santo Graal da terra onde nosso Senhor Jesus Cristo bebeu dessa taça

milagrosa e por ocasião da última ceia repartiu o vinho com seus discípulos.

Este foi o início da permanência do Graal entre os homens; e muitos milagres e

muitas tristezas seguiram-se desde então; e por esta mesma causa o próprio rei

Pelles jaz inválido por uma ferida que jamais se fecha, estando seu país em

caos, porém, chegada a hora de findarem-se todas essas coisas. E com o tempo

vem também o cavaleiro que as levará ao seu cumprimento e ao seu final.

- Se é como dizes – disse o rei -, jamais houve homem mais bem-vindo.

Então o ancião, servindo o cavaleiro como se este fosse seu amo,

ajudou-o a desarmar-se recolocando o manto vermelho sobre a túnica branca.

E agora que sua cabeça estava descoberta, eram muitos os olhos que iam e

vinham de seu rosto para o rosto de Sir Lancelot. O ancião levou-o

diretamente para a Cadeira Perigosa e afastou o manto de Sir Bors, de modo

que as letras de ouro brilhavam novamente. Mas as palavras haviam mudado e

agora lia-se: “Esta é a cadeira de Galahad”.

O jovem cavaleiro tomou seu lugar, de modo grave e silencioso. Olhou

para o ancião e disse: - Cumpriste fielmente o que te foi exigido. Volta agora a

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corbenic como vieste. Saúda meu avô e dizei-lhe que irei com certeza quando

o tempo me enviar.

E o ancião dirigiu-se ao grande portal, abriu-o – ninguém ousou segui-lo

– e empreendeu sua viagem.

O rei e todos os cavaleiros receberam então Sir galahad. Teriam feito o

mesmo para qualquer membro de sua irmandade. Mas as palavras do ancião

forneceram-lhes motivos de alegria para a recepção. Todos eles estavam muito

bem informados sobre o rei Pelles, denominado Guardião do Graal, Rei

Pescador, Rei Ferido – em virtude da ferida, em sua coxa, que não podia sarar;

e eles sabiam que por causa dessa ferida seu país também sofria, oprimido por

secas e colheitas magras, bem como pelas sombras de tristezas e

acontecimentos estranhos que o cobriam como uma nuvem. Agora parecia

que, com a presença do jovem cavaleiro, havia um presságio de mudança, e por

isso eles se rejubilavam.

Mas havia uma outra razão para alegria. Desde há muito eles sentiam –

os cavaleiros mais velhos, especialmente – que em Camelot os dias de glória e

esplendor haviam passado, que a longa batalha da justiça sobre a força havia

ficado para trás, tendo-se acabado os sonhos e tendo-se a vida acomodado

sobre um regime constante e sólido; e isto era motivo de aperto nos corações da

irmandade da Távola Redonda. Agora parecia haver algo pela frente, algo por

vir; alegria ou tristeza, talvez morte, mas algo por vir...

- Uma luz além da floresta – pensou Sir Lancelot -, mas primeiro é

preciso atravessar esta floresta escura. – E não tinha muita certeza da razão

deste pensamento.

- Se eu fosse uma árvore e a primavera estivesse para chegar – embora

ainda demorasse -, é assim que eu me sentiria – pensou Sir Percival; e seu olhar

sério pairava sobre o jovem cavaleiro sentado tão calma e gravemente na

Cadeira Perigosa. Sir Percival era um seguidor nato, e para alguém assim não

há nada melhor neste mundo do que encontrar o líder de seu coração.

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- Como é que ele pode permanecer sentado lá, sem que alguma desgraça

lhe aconteça? – disse Sir Bors, preocupado, a Sir Lancelot a seu lado. – Ainda

nem teve tempo de provar seu valor.

E Sir Lancelot respondeu: - Não viste seu nome no espaldar? Penso que

isso só pôde acontecer por ser a vontade de Deus que ele esteja lá sentado.

Ao fim do repasto, o rei contou a seu cavaleiro mais novo sobre o

milagre que presenciaram antes de sua chegada.

- Já que a cadeira é destinada a ti, pode ser que a ti também seja

destinada a espada – disse ele. – Vem, façamos o teste.

Assim, mais uma vez os cavaleiros desceram as estreitas e íngremes ruas

de Camelot, com as gaivotas voando entre os beirais, no ar de verão; e mais

uma vez reuniram-se às margens do rio.

O bloco de mármore vermelho continuava lá entre as raízes do amieiro,

e a bela e estranha espada ainda se erguia sobre ele, fortemente presa.

E Sir Galahad, descendo por entre as raízes molhadas para dentro da

água rasa da margem, retirou a espada da pedra tão facilmente como se a

mesma estivesse dentro de uma bainha muito bem lubrificada.

Uma exclamação escapou dos cavaleiros atentos; e o rei disse: -

Certamente presenciamos um verdadeiro milagre! Dois de meus melhores

cavaleiros haviam falhado na tentativa!

Sir Galahad ficou olhando para a espada em suas mãos, sentindo seu

equilíbrio. – A façanha não era para eles, mas para mim – disse ele sem se

gabar, apenas constatando um fato, e colocou a espada na bainha vazia a seu

lado. – Não sou mais um cavaleiro sem espada. Tudo o que necessito agora é

um escudo.

- Deus te enviará um escudo, tal como te enviou a espada – disse o rei.

Sir Lancelot lembrou as palavras inscritas no punho e abafou um

sentimento amargo de perda, dizendo a si mesmo que ninguém poderia ser

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sempre o melhor cavaleiro do mundo, capaz de convencer-se de tal fato, pois

ele ainda não acreditava nisso totalmente.

Então o rei se pronunciou mais uma vez: - Meus irmãos, penso que em

breve nos deveremos separar; e nunca mais eu os verei aqui comigo, como

agora. Por isso, pelo resto deste dia realizaremos uma competição aqui nos

prados aos pés de Camelot, com façanhas tais que, depois de passado o nosso

tempo, os velhos contarão sobre elas a seus netos, junto ao fogo em noites de

inverno, e os olhos das crianças deverão brilhar ao ouvir, e elas, por sua vez, as

reencontrarão a seus netos.

Assim, as inscrições foram feitas e os homens mandaram vir seus servos

com cavalos e armas; durante o dia todo, até o pôr-do-sol, os cavaleiros

competiram na planície junto a Camelot. E os homens procuravam ver como

Sir Galahad se sairia, sabendo que ele tivera uma educação tão estranha e

talvez jamais houvesse portado armas. Mas ele provou ser tão bom, tanto

como cavaleiro como no manejo da espada e da lança, que ao pôr-do-sol,

dentre todos que o haviam enfrentado, os únicos invictos eram Sir Lancelot e

Sir Percival.

Quando a penumbra cobriu os prados à beira do rio, eles deram a

competição por terminada, cavalgando de volta pelas ruas íngremes de

Camelot, seguidos por todo o povo que viera assistir. E assim voltaram ao

palácio, pois era a hora da ceia.

Mas os milagres desse dia ainda não haviam chegado ao fim.

Quando os cavaleiros se haviam desarmado e mais uma vez se

encontravam sentados à mesa, com as tochas acesas e as finas toalhas de linho

estendidas, ouviu-se uma trovoada estridente a ponto de parecer que o teto viria

abaixo. Após o trovão, um raio de sol atravessou o salão como uma espada

luminosa, ofuscando as tochas e iluminando todos os cantos mais íntimos de

suas almas; e uma grande devoção se apossou deles – uma quietude tamanha

que ninguém podia mover-se nem falar.

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E estranho eles assim sentados, o Santo Graal surgiu no salão, sem que

ninguém visse as mãos que o seguravam. Entrou pelo grande portal, coberto

com um fino tecido branco, tal como todos haviam visto o cálice da comunhão

sobre o altar durante a celebração da missa. E a seus corações adveio a

compreensão daquilo que eles viam. Ele parecia estar flutuando, leve e sereno

como um raio de sol sobre o ar; e à sua chegada o salão foi invadido por mil

fragrâncias, como se todas as flores e especiarias o houvessem precedido.

Lentamente ele circundou a grande mesa, parando à frente de cada homem e

logo em seguida passando ao próximo; e cada um dos homens encontrou, após

sua passagem, comida muito mais deliciosa do que qualquer outra saída das

cozinhas do palácio.

E após haver circundado a mesa, o Graal desapareceu de suas vistas, tão

silenciosamente quanto entrara.

O raio de sol se apagou e as tochas iluminaram novamente as sombras

esfumaçadas, e o silêncio se desfez. E o rei, ainda sereno, disse: - Meus

irmãos, agora nossos corações devem elevar-se em alegria, por Nosso Senhor

nos haver dado tão grande sinal de seu amor, alimentando-nos com sua graça

de seu próprio cálice nesta grande festa de Pentecostes. Agora realmente

sabemos haver chegado o tempo do qual nos falou o ancião que nos trouxe Sir

Galahad.

Sir Gawain, o mais impetuoso da Távola Redonda, levantou-se e jurou

que na manhã seguinte sairia em busca do Santo Graal, jamais voltando à corte

sem ter contemplado abertamente o mistério que lhes fora permitido vivenciar

nesse dia – e até que as terras inférteis do rei Pelles fossem redimidas, como o

ancião predissera.

Mas o rei afundou o rosto nas mãos, e as lágrimas brotaram entre seus

dedos. – Gawain, Gawain, enches meu coração de tristeza, pois agora eu sei

que nos dispersaremos; e terei de perder os melhores e mais fiéis companheiros

que homem algum já teve. E bem sei que muitos de vós, a nata dos que irão

embora, jamais voltarão para mim.

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Ele também sabia que, não fora Gawain, qualquer outro o teria feito,

pois assim estava previsto.

- Senhor – disse Sir Lancelot tentando confortá-lo -, se um de nós tiver

de encontrar a morte nessa busca, não poderíamos enfrentá-la de forma mais

doce e honrosa.

Mas o rei não se conformou.

Ora, a notícia da vinda da Galahad e de sua façanha com a espada

chegara aos aposentos da rainha, e ela saíra com suas damas para assistir à justa

da armadura. Adivinhando quem seria o novo cavaleiro, ela queria vê-lo, mas

não ousava fazê-lo perto demais, pois sabia que isto seria como uma adaga

penetrando-lhe o coração. E, ceiando depois em seus aposentos, ela ouvira o

trovão, e um dos homens lhe trouxera a notícia da vinda do Graal, como

também do juramento que Sir Gawain e todos os demais cavaleiros haviam

feito.

- Sir Lancelot também? – perguntou ela, e a agulha que usava para

bordar um lírio o atravessou, perfurando o dedo.

- Não seria Sir Lancelot se não o fizesse! – disse o pajem.

E o sangue vermelho se espalhou, manchando a pétala do lírio.

Na manhã seguinte, quando os cavaleiros se armavam e os cavalos eram

levados a circular pelo grande pátio, a rainha lavou seus olhos para que

ninguém percebesse que passara a noite chorando, e saiu para desejar-lhes boa

viagem. Mas finalmente a coragem desmoronou, e ela voltou ao jardim do

castelo para esconder sua tristeza, deixando-se cair pesadamente sobre um

assento de turfa embaixo de uma vinha.

Sir Lancelot, armado e pronto para montar, viu seu rosto no momento

em que ela se virou para sair; entregou seu cavalo ao pajem mais próximo e

seguiu-a rápida e silenciosamente.

O rei não estava olhando nessa direção. Às vezes ele achava difícil

ignorar o que havia entre sua consorte e seu melhor amigo. Mas enquanto nada

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sabia, não havia necessidade de magoar as duas pessoas que ele mais amava

neste mundo. Ele rezava tão profundamente em seu coração que nem sequer

prestava atenção a isso, e nada jamais aconteceria que o forçasse a saber.

Sir Lancelot passou pela estreita porta de acesso ao jardim. Parou diante

de Guenever e tocou sua manga de seda, ao que ela exclamou: - Tu me traíste,

e me condenaste à morte!

- Querias que eu ficasse para trás, quando os outros juraram empenhar-

se na busca?

- Sim! Antes isso do que deixares o serviço de meu senhor, o rei, para ir

a terras estranhas das quais só Deus te poderá trazer de volta são e salvo!

- Se assim for a vontade de Deus, então Ele me trará seguramente de

volta.

- Estou doente de medo! – lamentou-se a rainha, sem ouvi-lo. – Se tu me

amasses verdadeiramente, não poderias ir sem minha licença

- Senhora – disse Sir Lancelot -, ouço os cavalos trotando no pátio. Dai-

me vossa licença para ir agora.

Ela calou-se por um momento e então disse: - Vi Galahad, quando subiu

da competição. Ele é muito parecido contigo.

- Ele é bonito – disse Sir Lancelot.

- Bonito és tu, és tu! – e irrompeu numa risada entrecortada de soluções;

e, virando-se, segurou o rosto dele entre as mãos. – Eu lamento pela mãe de

Galahad, pois mesmo tendo ela dado à luz o teu filho, eu tive mais alegria

contigo do que ela jamais teve!

- Senhora – disse Lancelot com voz alquebrada -, dai-me vossa licença

para ir.

- Vai – disse ela -, e Deus esteja contigo.

E Lancelot voltou ao pátio, onde todos os outros já estavam montados e

prontos para sair. Lá, com os demais, despediu-se de Artur, seu soberano e

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melhor amigo; e isso também causava forte dor em seu peito, mas ainda por

estar com remorso por causa da rainha.

- Deus esteja contigo – disse o rei.

E eles se foram – Sir Percival o mais perto possível atrás de Sir Galahad.

E Camelot inteira chorou ao vê-los sair.

Sir Galahad, que nascera no castelo de Corbenic e fora educado lá

durante seus primeiros anos de vida, e cujo avô era o rei Pelles, sabia muito

bem onde o Graal estava guardado. Sir Lancelot também o sabia. Mas eles

também sabiam, como todos os demais cavaleiros que saíram da corte de Artur

naquela manhã, que simplesmente cavalgar até Corbenic e bater nos portões do

castelo exigindo ver o mistério que lá se abrigava serviria a um propósito

vazio. Eles teriam de atirar-se ao próprio destino, satisfeitos com qualquer

caminho a que este os levasse, e confiar em que, sendo certo o tempo e

provando eles seu valor, a procura que estavam realizando os levaria ao local

desejado por seus corações e ao objeto almejado por seus espíritos.

Assim, tendo cruzado o ri, separaram-se e cada qual adentrou por si a

floresta, no trecho onde as árvores eram mais grossas e os caminhos

inexistentes. E a floresta se fechou sobre eles, como se eles jamais tivessem

existido.

Muitos cavaleiros morrem, se perderam ou retornaram a Camelot.

Restando apenas Lancelot, Sir Bors, Percival e Galahad. Todos

passaram por provações as quais sobreviveram.

Lancelot ouve um chamado íntivo e vai ao encontro de seu filho

Galahad.

Por toda metade invernal daquele ano foi dado a Lancelot e seu filho

Galahad permanecerem juntos no navio, sendo esse o único tempo que jamais

iriam dividir nesta vida. Muitas vezes o navio ancorou em ilhas e terras

desconhecidas, longe do mundo dos homens. E muitas e maravilhosas foram

as aventuras que eles encontraram ao descer juntos à terra. Mas a história nada

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conta delas, pois a narrativa seria longa demais, não nos aproximando do

mistério do Graal. Mas eles sempre voltavam ao navio, estando lá a moça

deitada como a dormir. E cortês, enquanto se dirigia à solidão e aos locais

desertos em seu íntimo. Mas agora Lancelot já havia aprendido o suficiente

para deixá-lo em paz; assim, a ligação entre ambos se tornara muito forte.

E assim que chegaram à praia, um cavaleiro surgiu da floresta,

montando um grande cavalo branco de batalha e conduzindo com sua mão

direita um outro, tão branco quanto as flores das pereiras nativas da orla.

Vendo-os esperando no convés, aproximou-se a meio-galope e, freando,

dirigiu-se a Galahad: - Senhor cavaleiro, permanecestes com vosso pai o tempo

que vos foi permitido. Agora deixai este navio, montai e cavalgai, pois a busca

nos aguarda.

Galahad pôs seu braço em torno dos ombros de seu pai, como se fosse o

mais forte e mais velho dos dois, dizendo: - Eu sabia que cedo ou tarde isto

teria de acontecer; e meu coração dói dentro de mim, pois não acredito que nos

vejamos novamente neste mundo.

Desceu então à terra. E Sir Lancelot, ainda de pé no convés como se lá

estivesse enraizado, com a mágoa enegrecendo seu dia primaveril, disse: - Reza

por mim, para que eu mantenha minha fé no Senhor Deus, tanto neste como no

outro mundo.

Sir Galahad respondeu: - Rezarei, pois sois meu pai e há amor entre nós,

e porque o pedis. Mas vossas próprias orações são fortes, e certamente

mantereis vossa fé por meio delas.

Sir Lancelot rezou como jamais havia rezado antes, mais humilde e

convictamente e com um anseio mais urgente de que, não estando realmente

excluído do amor divino, ele tivesse permissão para ter mais uma visão do

Graal, e que pudesse vê-lo não como daquela vez ao lado da cruz da estrada,

mas com seu coração e alma prontos e receptivos em seu íntimo.

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Orou por longas horas, durante noites e dias, quase deixando mesmo de

dormir. E então uma noite, parando um pouco de rezar, descobriu que não se

encontrava mais no mar, mas subira para o curso retraído e remanescente do

que devia Ter sido outrora um grande rio, e o navio havia entrado pelo

profundo canal ainda existente, entre as rochas abaixo de um grande castelo.

Observando o local, ele viu que estava sob as torres traseiras do castelo

de Corbenic.

Corbenic, onde em sua juventude ele tinha vindo ter com Lady Elaine e

onde nascera Galahad, seu filho.

Enquanto ele hesitava, conjeturando sobre o que deveria fazer, uma voz

oriunda do luar lhe disse: - Lancelot, chegou também tua vez de deixar o navio.

Entra no castelo, pois esse é o local que teu coração almeja.

E ali parado, desesperadamente pensando no que fazer em seguida, pois

estava certo de ter de abrir a porta se quisesse chegar ao que procura, ouviu

uma melodia vindo de trás da madeira tão obstinada. Era uma música mais

doce do que qualquer canto do mundo; entrelaçadas às luminosas cadências,

ele parecia distinguir as palavras: “Glória, louvor e honra a Ti, Pai dos Céus”.

E então pensou que seu coração certamente se despedaçaria, pois sabia que o

Graal estava nesse aposento além dessa porta, e mais uma vez ele estava

excluído.

Ajoelhou-se junto à porta e orou, com a cabeça entre as mãos curvadas.

– Bom Deus, meus pecados me pesam. Mas se jamais fiz algo de vosso

agrado, por piedade, não me priveis daquilo que estou procurando há tanto

tempo.

- Para trás, Sir Lancelot. A ti é permitido ver, mas não entrar.

Deste modo, Sir Lancelot retrocedeu do local de seus anseios e

ajoelhou-se humildemente à soleira da porta, olhando para dentro.

Mais tarde ele nunca esteve certo de que realmente vira as flores e as

velas e ouvira a música, nem tampouco esteve seguro de realmente haver

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olhado para dentro do aposento repleto de movimento de asas de anjos nas

cores do arco-íris. Contudo soube que, estando ali ajoelhado, vira novamente,

bem no centro do esplendor e da beleza, o Santo Graal sob o véu branco.

Ajoelhado diante do Graal estava um sacerdote idoso. Talvez fosse o

próprio Josefus, talvez não; o tempo parecia não existir nesse local, e nem

barreira alguma entre os que viviam neste mundo e os que já se encontravam

no céu. Em todo caso, ele estava além do pensamento. Sabia apenas que o

sacerdote estava celebrando a missa, e que no momento culminante, quando se

virou e ergueu a taça, havia mais três no aposento; e por um instante ele pensou

que deveriam ser Bors, Percival e Galahad; e depois soube que não eram,

apesar de não conseguir vê-los devido à sua luminosidade. E dois deles

estavam colocando o Terceiro nas mãos erguidas do sacerdote. E então Sir

Lancelot não estava certo de que o sacerdote erguia o Terceiro, ou se ele

próprio era o Terceiro, e carregando algo mais – algo pesado demais para ele,

de forma que o vergava até o chão.

Então Lancelot esqueceu que estava proibido de entrar no aposento, e

sabia apenas que deveria ajudar – tinha de carregar um pouco do peso.

Levantou-se e cambaleou pelo portal, com suas mãos estendidas.

Foi recebido por uma lufada de vento entrelaçado com fogo, que o

queimou e cegou. A escuridão o assolou de todos os lados; e ele sentiu mãos,

muitas mãos que o jogaram para fora do aposento, de forma que caiu

desajeitadamente atravessado no topo da escada, e a escuridão o absorveu onde

jazia deitado.

No dia seguinte, quando o castelo acordou e o povo se agitava

novamente por toda parte, encontraram Sir Lancelot deitado, como que

fulminado por um forte golpe, do lado de fora da sala do Graal. Sabiam de

quem se tratava, pois muitos dos cavaleiros mais velhos se lembravam muito

bem dele no decorrer dos vinte anos passados; mas como chegara a estar onde

jazia, e o presente estado, isso eles não sabiam, salvo o fato de que devia ter

estado à procura do Graal.

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Levaram-no a uma câmara da torre, longe do barulho e do movimento

do grande castelo, deitando-o sobre a cama; e, ao desarmá-lo, procuraram em

todo o seu corpo por ferimentos, mas nada encontraram salvo sinais

esbranquiçados de antigas lesões, pois ele estava marcado como um velho e

bem testado cão de caça.

Deste modo, corriam-no e o deixaram deitado até que voltasse a si,

vendo que nada mais poderiam fazer por ele a não ser deixá-lo descansar. Mas

os dias e as noites se passaram, com alguém sempre em vigília ao seu lado,

tanto à luz do sol quanto da chuva, ou à luz de uma lamparina de prata; mas Sir

Lancelot nunca se moveu ou falou. E aqui e ali uma ou outra dama do grande

salão, lembrando-se dele à época em que ainda era uma donzela, ou a mais

nova ajudante de cozinha, que jamais havia colocado seus olhos sobre ele mas

ouvira histórias contadas pelo ancião do canil, que o conhecera, choravam um

pouco ao pensar que o maior cavaleiro de todos os tempos fenecia dessa

maneira.

Vinte e quatro dias e vinte e quatro noites. E então, perto do meio-dia

do vigésimo quinto dia, Sir Lancelot abriu seus olhos e olhou à sua volta, com

uma expressão excitada em seu rosto, como se ainda estivesse pensando ver o

que havia presenciado na sala do Graal. A luz desapareceu após ele conhecer e

aceitar sua perda.

Ele olhou para os que se encontravam ao redor de sua cama e perguntou:

- Como vim parar aqui neste quarto? Há quanto tempo estou aqui?

E eles lhe contaram como souberam de sua vinda, e desde quando se

encontrava lá deitado como morto.

Sir Lancelot disse então que devia prosseguir cavalgando; após lhe

haverem trazido alimento para refazer suas forças, e tendo ele comido, uma

moça lhe trouxe uma linda túnica nova de linho. Mas ele viu sobre um baú ao

lado da cama a rude camisa de pêlo que havia usado por mais de meio ano, e

vestiu-a ao invés daquela.

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Durante mais quatro dias ele permaneceu em Corbenic, recuperando

suas forças; e no quinto dia pediu sua armadura, pois desejava voltar à corte de

Artur, de onde se havia ausentado por mais de um ano.

Assim, um atendente trouxe suas armas e armadura, ajudando-o a armar-

se; descendo ao pátio do castelo, ele encontrou um ágil e fogoso cavalo

castanho sendo trazido pelas rédeas.

- É um presente do rei Pelles – disseram -, do Guardião do Graal, o Rei

Mutilado.

- Peço-te transmitir-lhe meus agradecimentos – disse Sir Lancelot -, e

que Deus esteja com ele.

Montou seu cavalo e, deixando o Castelo do Graal atrás de si, seguiu seu

caminho.

Entretanto, não voltou imediatamente à corte do rei artur. Sabia que

para ele a busca havia passado e chegado ao fim; faltava-lhe, no entanto, a

vontade de dar meia-volta e cavalgar para casa – medo do que encontraria lá:

os lugares vazios na Távola Redonda; um receio, talvez de rever a rainha

Guenever. Após todo o cansaço e a luta, ele precisava de um intervalo antes de

retornar ao mundo mais uma vez.

Uma noite, estando longe de qualquer abrigo, vila, eremitério ou

choupana florestal, ele deitou-se, sem jantar, sob um salgueiro semimorto junto

ao último córrego de um rio quase todo seco, escolhendo esse local porque

havia um pouco de grama esparsa para seu cavalo pastar.

E dormindo lá, com seu escudo por travesseiro, sonhou.

Sonhou que estava novamente à soleira da porta do aposento do Graal,

em Corbenic, vendo tudo como já fora antes. Mas agora Galahad, Percival e

Bors lá estavam; e lá também, deitado sobre um maca, estava o próprio rei

Pelles. A luz, os cânticos e a beleza criaram uma nuvem brilhante na cabeça de

Sir Lancelot, que assim não podia enxergar até o âmago da visão de glória.

Mas como antes, ele sabia que a missa estava sendo celebrada, e viu o Graal e a

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seu lado uma lança cuja lâmina estava tingida de vermelho. E sabia, apesar de

não ouvir voz alguma, que estavam recebendo suas ordens para levar o Graal

de volta à santa cidade de Sarras, de onde ele viera tanto tempo atrás, e que de

lá deveria voltar ao seu verdadeiro lugar. Havia mais uma ordem, para

Galahad apenas; e ele viu Galahad tomar a lança e levá-la até o Rei Mutilado,

tocando a ferida aberta em sua coxa com o sangue que pingava da lâmina. Viu

o rei Pelles erguer-se, curado e sadio, da maca onde estava deitado. Então

pareceu-lhe captar finalmente a voz; ou talvez fosse uma outra voz, que disse: -

Agora as águas estão livres e os rios correrão, e a Terra Devastada produzirá

trigo e o gado dará muitos novilhos, e os pássaros cantarão nas árvores entre as

largas folhas de verão.

Nesse instante ele acordou; e a visão gloriosa se tornou o primeiro raio

de sol atingindo seus olhos, e os pássaros cantavam como jamais ele os havia

ouvido na Floresta Selvagem, como se estivessem cantando na primeira manhã

do mundo. E então um outro som chegou a seus ouvidos: o rápido rumor de

água fluindo; erguendo-se em seu braço e olhando à sua volta, ele viu

claramente, por entre a verde miscelânea dos brotos nos ramos do salgueiro,

que o rio abaixo dele, não parecendo antes mais do que uma trilha de lama

estagnada, estava fluindo rápido e profundo. Então seu grande cavalo de

batalha desceu por entre os ramos do salgueiro para beber.

E ele teve consciência de que seu sonho fora verdadeiro; o Rei Mutilado

estava curado e seu país também, e o Graal estava sendo levado para seu lugar,

com Galahad e seus companheiros.

A espera findara; e tendo assobiado para seu cavalo, selando-o sem

seguida, ele o montou e cavalgou de volta para Camelot.

Para Sir Galahad, Sir Bors e Sir Percival, tudo havia acontecido como

Sir Lancelot vira em seu sonho. Mas aquele viram, ouviram e souberam de

tudo o que para ele fora misericordiosamente velado pelo brilho da glória. E

suas almas, tendo sido elevadas, pairavam soltas dentro deles, como uma

espada semi-retirada da bainha.

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Obedecendo à vós, eles se amaram e seguiram para a orla do mar,

adiante da desembocadura do rio.

Lá encontraram o emponente navio que dera a Galahad sua espada.

Olhando para seu interior, viram, sob a tenda, a cama com a coroa de ouro

ainda pousada à cabeceira. Mas aos pés, onde Galahad deixara sua velha

espada no lugar da outra, estava a mesa de prata que haviam visto por último

na sala do Graal, sob um véu de samito púrpura.

-Irmãos – disse Galahad -, esta é a última de nossas viagens. Que Deus

esteja conosco. – E subiram a bordo.

Imediatamente o grande vento, que já conheciam tão bem, acordou nos

longínquos cantos do céu e veio encher as velas, afastando o navio da praia e

fazendo-o deslizar sobre as ondas.

Durante muitos dias velejaram dessa maneira; seus corpos jamais tinham

fome enquanto o Graal se encontrava com eles. Finalmente, sem terem visto

entrementes qualquer terra, o vento abandonou as velas e o navio adentrou um

porto de uma grande cidade; e pela beleza e pela luz brilhando ao seu redor,

eles perceberam que devia ser Sarras, a Cidade Sagrada, que é como a soleira

da Cidade de Deus.

Ao ancorar ao longo do cais, eles ouviram novamente a voz: - Deixai o

navio agora, tomai a mesa de prata com seu conteúdo e levai-a para a cidade,

não a depositando em lugar algum até que chegueis a uma igreja que coroa o

lugar. Então colocai o Graal dentro de seu velho abrigo.

Assim, eles tomaram a mesa de prata, carregando-a entre si, e desceram

à terra. Entrementes, um segundo navio adentrou o porto, e olhando em sua

direção eles viram as velas brancas brilhando ao sol da manhã, e o corpo da

jovem Anchoret deitado no convés, onde o haviam colocado tantos meses

antes.

- Verdadeiramente – disse Galahad -, a moça manteve muito bem sua

promessa.

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Então, com Bors e Percival na frente e Galahad atrás, puseram-se a

carregar a mesa de prata com o Graal sobre ela, subindo ruas íngremes entre as

douradas colmeias do casario rumo à Cidade Sagrada. Mas a cada passo que

davam, o peso da mesa e do Graal se tornava maior, até que, ao alcançarem os

portais da Cidade Sagrada, encontraram-se à beira da exaustão.

À sombra do portal sentava-se um mendigo aleijado, todo entrevado e

curvo, tendo ao lado sua muleta e a tigela de esmolas. Vendo-o, Galahad

exclamou: - Amigo, vem pegar o quarto canto desta mesa, ajudando-nos em

nossa caminhada!

- Pois é, muito contente eu ficaria em ajudar-vos – disse o homem -, mas

vede como estou. Dez anos decorreram desde que eu andava sem ajuda.

- Estás vendo o que acontece conosco – respondeu Galahad. – Estamos

exaustos sob o peso do que carregamos. Não tenhas medo, levanta-te e tenta.

Os olhos do mendigo se fixaram no Graal sob seu véu. E a todos que

olhavam parecia haver sob o véu um brilho que não provinha da luz do sol,

pois a rua estreita estava escura pela sombra. Ele emitiu um pequeno gemido e

levantou-se, vagaroso e cambaleante, mas ereto como sempre havia sido. A

força lhe retornou, e alegremente ele tomou o quarto canto da mesa de prata. E

de súbito parecia não haver mais peso algum.

Assim eles atravessaram os portões e subiram à Cidade Sagrada, com

uma grande multidão jubilosa à sua volta, aumentando a cada passo a notícia

do que estavam levando para Sarras e da cura do mendigo. Chegando à grande

igreja, o coração palpitante da cidade, colocaram o Graal diante do altar-mor.

Então voltaram mais uma vez ao porto, onde os esperava o segundo navio.

Lá também havia uma multidão, olhando com devoção e espanto;

Galahad e seus dois companheiros subiram a bordo e ergueram a maca sobre a

qual jazia a moça; carregaram-na pelas ruas íngremes e congestionadas à igreja

na Cidade Sagrada, onde os sacerdotes já se encontravam, e colocaram-na ao

lado do Graal. E a luz, penetrando pelas altas janelas de vidros coloridos,

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banhou suas vestes brancas com as cores da rosa, da dedaleira e da íris, e de

todas as mais belas flores do verão.

E lá, diante do altar, ela foi sepultada, com todas as honras devidas a

uma filha de reis.

Mas quando a notícia de tudo isso chegou ao rei da cidade, Escorant,

este mandou chamar os três para que lhes explicassem o significado do que

ouvira. Eles responderam a cada pergunta verazmente, e contaram-lhe toda a

história da busca do Graal. Mas os olhos de seu espírito eram cegos, e ele não

acreditou numa só palavra do que disseram; declarou-os impostores e,

chamando pelos guardas, mandou colocá-los na prisão.

- Ficai lá e apodrecei – disse ele -, até que penseis numa outra história.

Por uma ano eles permaneceram presos, mas tal como havia ocorrido

com José e seu povo quando cativos na bretanha, o Senhor Deus enviou o

Santo Graal para confortá-los e mantê-los durante o seu cativeiro.

Ao final de um ano, o rei Escorant caiu doente, sabendo estar prestes a

morrer. Lembrou-se dos três prisioneiros nos calabouços e, tendo modificado

seu coração, mandou vir Galahad, Bors e Percival. E estando eles em sua

presença, sujos da imundície da prisão, pediu-lhes perdão por havê-los tratado

tão mal.

Eles o perdoaram total e incondicionalmente, mesmo Bors, que tinha

maior dificuldade em perdoar do que os outros dois. E nesse mesmo instante

ele morreu.

Ora, o rei Escorant não deixou filho algum como herdeiro; e assim,

tendo ele sido sepultado em sua esplêndida tumba, o povo de Sarras começou a

conjeturar quem deveriam ter como seu próximo rei. Sua escolha recaiu em

Galahad, lembrando como ele e seus companheiros vieram trazendo o Graal,

bem como a cura do mendigo inválido junto aos portões da Cidade Sagrada. E

disseram: - Seguramente não poderíamos escolher um rei melhor do que esse.

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Quando seus representantes chegaram dando-lhe esta notícia, Galahad

respondeu: - Nada foi obra minha, mas o poder do Graal.

E os homens disseram: - Mesmo que assim seja, há outra razão. O rei

Escorant não tinha direitos de sangue à coroa; mas vós sois da linha de José de

Arimatéia, e trouxestes de volta a esta cidade o Graal que ele havia trazido há

muito tempo. Por isso, é adequado ao final desta portentosa e misteriosa

aventura que carregueis o peso dourado da coroa, mesmo sendo por um só dia.

Assim, Galahad foi coroado rei de Sarras, apesar de não o desejar, e o

artefato de ouro parecia tão pontiagudo quanto espinhos sobre sua cabeça.

Na manhã após a coroação, Galahad levantou-se à primeira luz da

madrugada e colocou sua armadura, já bastante gasta, que havia usado por

tantas aventuras. Apenas deixou de lado o elmo e a coifa de malha desatada

caindo sobre os ombros, de forma que sua cabeça permanecia descoberta.

Chamou por Bors e Percival, e juntos saíram do palácio para a catedral no

centro da Cidade Sagrada.

Chegando à catedral guarnecida de altas torres, onde a luz acabava de

despertar nas janelas do lado oeste, eles dirigiram seus olhares ao altar-mor e

ao Graal em seu lugar de costume. Lá parado, viram alguém em vestes de

bispo. Pareceu-lhes ser o mesmo sacerdote que viram na sala do Graal, em

Corbenic. E, deveras, ele parecia conhecê-los também – porque os saudou tão

logo haviam atravessado a soleira. E a Sir Galahad, agora o rei de Sarras,

disse: - Vem agora, Galahad, e vê e participa daquilo que tanto almejaste.

Galahad se aproximou, tendo os outros atrás, e, ajoelhado-se, olhou para

dentro do Cálice que o sacerdote havia descoberto e segurava em sua direção.

Atrás, Bors e Percival nada mais viam além da taça de ouro

estranhamente lavrada. Eles haviam participado do mistério em Corbenic, que

desta vez não se destinava a eles; apenas a devoção, a alegria e a reverência

que sempre sentiram à missa. Este era o último mistério a cujo encontro

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Galahad tinha de ir só – não importando quão perto eles estivessem ajoelhados

atrás dele – tal como cada pessoa vai só para seu nascimento e sua morte.

Eles viram como seu corpo começou a tremer, como se um forte vento o

estivesse atravessando. Ele olhou para o alto; e seu rosto, com o primeiro raio

de sol da manhã banhando-o, luzia como se aceso por uma luz interior; e seus

olhos estavam plenos de tudo o que os outros não podiam ver.

Ele ergueu suas mãos e clamou, com voz alta e jubilante: - Senhor,

agradeço-vos por terdes realizado o desejo de meu coração. Aqui está a

maravilha que ultrapassa qualquer maravilha, que o coração não pode imaginar

nem a língua relatar. Agora permiti que eu me reuna a vós!

E tombou com o corpo estendido, o baque de sua armadura ecoando por

todos os espaços vazios sob o teto elevado e curvo. Pois ele havia visto o cerne

de todas as coisas, para onde homem nenhum pode olhar e continuar vivo em

seu corpo.

Bors e Percival saltaram para ampará-lo em seus braços, e ele olhou de

um para outro, num último adeus. A Bors disse: - Quando voltares a Camelot,

saúda por mim Sir Lancelot, o senhor meu pai, e leva-lhe meu amor.

E sua cabeça caiu contra os ombros de Percival.

Repentinamente, aos dois que ficaram atrás pareceu que o vazio da

grande catedral estava pleno do arfar de asas e da glória de música inaudível; e

o próprio céu se abriu, de lá descendo uma mão que tomou o Graal da frente do

altar e retornou às alturas.

O céu se fechou diante de suas faces, deixando atrás de si apenas o vazio

da grande catedral. Mesmo o homem em trajes de bispo se foi; eles estavam

sós, e Galahad morto.

E foram assolados por um desespero que jamais haviam conhecido.

O povo de Sarras também estava enlutado por Galahad. Fizeram-lhe o

túmulo no local em que ele morrera, junto ao lugar onde Anchoret jazia;

sepultaram-no com todas as honras de um rei.

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Estando tudo terminado, Sir Percival colocou de lado suas velhas roupas

de cavaleiro e vestiu o hábito rude de um eremita, e com a ajuda de Bors

construiu uma cabana de pau-a-pique fora dos muros da cidade, a fim de passar

o resto de sua vida em prece e contemplação.

Sir Bors permaneceu junto dele em fiel a amizade; mas jamais colocou

de lado sua espada ou trocou a armadura pelo hábito de eremita, pois sabia que,

quando Percival não mais precisasse dele, as linha de sua própria vida o

levariam de volta à Bretanha e à corte do rei Artur. E sabia, para sua tristeza,

que esse tempo não estaria longe. Desde o momento de seu primeiro encontro

Percival havia seguido Galahad, e assim o faria ainda.

Percival viveu apenas um ano e três dias, após Sir Galahad e então foi

sepultado ao lado de seu amigo e sua irmã na igreja situada no coração da

Cidade Sagrada de Sarras.

Então, estando só, Sir Bors colocou sua armadura e, descendo até o

porto, seguiu a bordo de um navio para oeste. E após muitos dias no mar,

chegou às suas próprias praias e cavalgou para Camelot.

Ao chegar houve grande alegria, pois dois anos haviam passado desde a

chegada de Lancelot, o último até então dos cavaleiros do Graal que voltaram

para casa; havia muito o rei e a rainha haviam dado Sir Bors como perdido para

eles, junto com Sir Galahad e Sir Percival.

Lá ele encontrou seu irmão Lional, Sir Gawain com uma cicatriz na

cabeça, Sir Hector do Brejo e outros velhos amigos. Muitos, porém, ainda

faltavam; e quando eles se sentaram para cear aquela noite, metade dos lugares

da Távola Redonda estavam vazios; entre os faltantes, muitos haviam sido os

melhores a sentar-se ali. Dos que lá se encontravam, muitos tinham ferimentos

e cicatrizes e de alguma forma não eram os mesmos de antes.

E ele sentiu que a grande aventura do Graal fora bastante cara. Sabia

que o fim fora a vitória, mas estava cansado demais para ver como ocorrera.

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Quando a refeição noturna terminou, ele procurou Sir Lancelot, seu

parente. Notara que o cavaleiro mais velho não comia carne nem tomava vinho

a ceia; lembrou-se então de haver vislumbrado, sob o decote de sua fina túnica

de seda, a rude beirada de uma camisa de crina, bem como o vermelhão da pele

arranhada sobre ela. Levou para o lado, subindo a rampa sobre o jardim do

castelo, onde seria possível falar-lhe com a certeza de não ser ouvido por

outrem. – Senhor – disse ele -, trago-vos uma mensagem. Galahad realizou o

desejo de sua alma e morreu em meus braços e de Percival, pois havia

penetrado no âmago do mistério aonde não é possível a um mortal chegar e

permanecer mortal. E com seu último alento pediu-me saudar-vos e trazer-vos

seu amor.

- Eu gostaria de ter estado com ele- lamentou Lancelot, com ar tristonho.

- Assim ele queria, assim todos nós queríamos. Falamos muitas vezes

de vós, e queríamos que estivésseis entre nós.

- Havia uma razão para não ser assim – disse Sir Lancelot. – Uma razão

– um impedimento... não cabia só a mim doar... só a mim renunciar, vês...?

Sua voz se tornara ausente e introspectiva, como se ele falasse consigo

mesmo e não com Bors. E este viu seus olhos perseguindo algo a se mover lá

em baixo; olhando na mesma direção observou, através da luz difusa do

entardecer de verão que a rainha havia entrado no jardim.

No dia seguinte, quando Bors descansava o rei mandou vir seus

escrivães, que haviam documentado de cada cavaleiro chegado a história de

suas aventuras na busca. E eles anotaram a história de Sir Bors, a única que

ultrapassava a de Sir Lancelot e narrava as últimas aventuras de Sir Galahad,

Sir Percival e dele mesmo, bem como a subida do Graal aos céus.

Então a história ficou completa, e o rei a enviou aos monges da

biblioteca da abadia de Salisbury, afim de ser conservada – para que em anos

futuros a história da busca do Graal não se perdesse para a posteridade.

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O tempo florescente adivindo à Britânia com a Busca do Graal chegara

ao fim e passara, embora por algum tempo persistisse uma quietude dourada,

como o veranico que às vezes chega quando os dias estão ficando mais curtos e

o outono já esta bem começado.

Os cavaleiros voltaram a sentar-se em seus antigos lugares da Távola

Redonda – os que haviam retornado definitivamente. Mas muitos deles não

tiveram volta, e, dentre eles, alguns dos mais bravos e melhores. E uma nova

geração de jovens cavaleiros entrou para tomar seus lugares: homens que nunca

haviam conhecido os dias primitivos, os brilhantes dias de sublime aventura, de

jovens campeões reunidos à volta do jovem Grande Rei, batalhando para salvar

a Britânia e sustentar o Direito à sua frente.

Nessa onda de novos homens, estando sua mãe, Margawse, que o havia

conservado sempre a seu lado, agora já morta chegou Mordred, meio-irmão de

Gawain e Gaheris, Agravane e Gareth. Mordred, que era filha do Grande Rei.

À sua chegada, foi como se a escuridão que aguardava começasse a

concentrar-se pronta para o tempo de iniciar seu domínio...

Mordred podia ser considerado muito parecido com seu pai, porém

moldado numa forma mais leve e mais fina. Enquanto Artur era moreno e de

cabeça bem feita, como um campo de feno ao tempo da colheita, antes de seu

cabelo tornar-se riscado de cinza, Mordred tinha palidez de algo cultivado num

porão escuro, longe da luz e do ar. Pele pálida, cabelo pálido, olhos pálidos,

opacos e marmoreados com azul brilhante, como um manancial turquesa. De

tal modo que ninguém conseguia jamais ver o que acontecia por detrás deles;

uma voz leve e agradável e um tanto pálida também. Ele era um condutor de

homens ao seu modo, embora não à maneira de seu pai, mas podia lançar

costumes que os outros iriam seguir: a mania de usar vestes negras, de brincar

com uma flor ou uma pena entre os dedos; um jeito de pensar e de

secretamente falar mal da Rainha, com um encolher de ombros e uma

risadinha.

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Mordred não tinha nada contra a própria Rainha, mas não estivera na

corte sete dias antes de sua mente perspicaz ter adivinhado o amor de Guenever

e Lancelot, o principal dos cavaleiros do Rei e seu mais caro amigo e como

próprio Rei tomara o cuidado de não saber e de nunca reconhecer, mesmo para

si mesmo, a existência desse amor.

Guenever era o ponto fraco nas defesas do Rei; Lancelot e Guenever,

juntos, eram um modo pelo qual o Rei podia ser alcançado e levado à ruína, e

tudo o que ele sustentava consigo. Mordred odiava o pai, o Grande Rei, e

cobiçava o seu trono, como Margawse, sua mãe e meia-irmã de Artur, o havia

ensinado a fazer por toda a infância e seus tenros anos.

Os cavaleiros mais velhos e mais fiéis, entre eles por excelência Gawain,

resistiam a esse novo costume. Mas, sem ninguém saber como aconteceu,

exceto o próprio Mordred e talvez Agravane – o promotor de desordens, que

por primeiro foi seu seguidor e sua mão direita -, não muito tempo atrás muitos

dos recém chegados estavam murmurando entre si que Sir Lancelot e a Rainha

Guenever estavam traindo o Rei com seu amor um pelo outro, ou que

Guenever estava traindo a ambos; e que, de qualquer forma, o Rei devia ser

avisado.

Diante de fatos foi levantado a desonra da Rainha, pois ela estava sendo

acusada de trair o Rei, mas no tribunal a mesma foi inocentada.

À partir da chegada de Mordred houve muitas batalhas, onde Mordred

se opôs claramente a Artur com o objetivo de fazer aliados para guerrear e

derrubar o Rei.

Mordred fugira rumo ao ocidente, e à medida que avançava, assolava as

terras dos que não queriam juntar-se a ele. Mas nos dias que se seguiram,

muitos se aliaram a ele – por medo, porque as coisas haviam ido muito longe

para esperarem o perdão de Artur agora, ou porque haviam optado pelo

governo sem lei do usurpador, ou simplesmente porque haviam amado

Lancelot, e por causa dele empunhariam a espada por qualquer comandante

que estivesse contra Artur, o que era a mais triste razão de todas. Houve ainda

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muitos que tomaram suas armas e saíram a combate por seu verdadeiro rei; e

assim, quando o Grande Rei também se apressou rumo ao ocidente em

perseguição ao seu filho traidor, havia pouco a escolher entre os dois exércitos,

no tamanho e na força.

Por duas vezes as tropas travaram batalha, e por duas vezes o Grande

Rei fez recuar o usurpador. Até que por fim, bem longe, dentro do território

ocidental pantanoso, os dois exércitos toparam-se face a face para a maior

batalha de todas; aí acamparam em lados opostos de uma região plana,

desolada e aberta, entre florestas úmidas no seu primeiro verde primaveril e os

ventosos cursos d’água daquelas paragens. Em certo momento, Artur

perguntou a uma velha senhora que veio ao acampamento real para vender

ovos e queijo:

- Velha mãe, este lugar tem nome?

- Sim, - respondeu ela, - esta é a planície de Camlann.

Nessa noite, quando todas as coisas foram aprontadas para a batalha que

se deveria desencadear no dia seguinte, Artur ficou em sua barraca e não

conseguiu dormir. Além da varanda na entrada, onde seus escudeiros

dormiam, a planície aberta espichava-se como um mar escuro, com a quietude

do vento perpassando o longo capinzal e as moitas de tojo em lugar do ruído

das ondas, para onde as fogueiras do inimigo marcavam suas praias mais

adiante. Sua mente parecia cheia de memórias rodopiantes, e o som do mar

mergulhava e transmudava-se no sussurro dos juncos à volta da margem da

água tranqüila... Água calma... Água do lago envolvente... E Merlin de pé a

seu lado no dia em que recebera a espada Excalibur. A voz de Merlin em seus

ouvidos novamente, através de todos os anos transcorridos, a dizer-lhe:

- Lá longe está Camlann, o lugar da última batalha... Mas essa é uma

outra história; e para um outro dia, que ainda está muito distante.

Ficou estabelecido entre eles que Artur e Mordred se encontrariam uma

hora antes do meio-dia, a meio-caminho entre os dois acampamentos de guerra

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e cada um acompanhado de apenas catorze cavaleiros e seus escudeiros, para a

assinatura do tratado.

Sir Bediere e Sir Lucan voltaram ao acampamento real e relataram a

Artur o acordo; ao ouvi-los, um grande alívio cresceu nele, pois ele pensou que

talvez, depois de tudo, Deus lhe estivesse mostrando um caminho para reverter

as trevas e salvar a Britânia. Porém, apesar disso não confiava em seu filho, e

manteve os homens de sua tropa em alerta no acampamento e de frente para o

inimigo; quando os cavalos foram trazidos e ele montou, juntamente com seus

catorze cavaleiros escolhidos, estando pronto para se dirigir ao encontro, disse

aos seus capitães.

- Se virem qualquer espada desembainhada, não aguardem ordens, mas

avancem ferozmente e matem todos os que puderem, porque há uma negra

sombra em meu coração, e eu não confio em Sir Mordred.

No outro lado da planície, Mordred deu ordens às suas próprias tropas:

- Se vire alguma espada desembainhada, saiam a toda velocidade e

matem todos os que se postarem contra vocês, porque não acredito nesse

tratado, e sei bem que meu pai procurará vingar-se de mim.

E assim cavalgaram à frente, encontrando-se no local determinado, a

meio caminho entre as duas tropas; desmontaram, entregando os cavalos aos

cuidados dos escudeiros, para discutir e assinar o tratado, que os escrivães

haviam feito em duplicata sobre finas placas de pergaminho. Então o acordo

foi firmado, sendo primeiro Artur e depois Mordred a assiná-lo, utilizando-se

da sela do Rei como prancha para escrever. Terminado isto, foi trazido vinho;

primeiro Artur e depois Mordred beberam, os dois da mesma taça. Parecia que

a paz se estabelecia entre eles, ao menos por um mês, e que a maldição e as

trevas haviam passado.

Contudo, mal haviam bebido e suas cópias do tratado haviam sido

regularmente trocadas, e eis que uma víbora, despertando o calor daquele dia

de primavera, e perturbada pelo pisotear de homens e cavalos perto do lugar de

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seu sono, deslizou por entre as raízes secas de capim, enroscou-se em suave

caracol e mordeu um dos cavaleiros de Mordred através de alguma laçada solta

na malha metálica do seu calcanhar.

Quando o cavaleiro sentiu a dor aguda e afogueada, olhou para o chão e

viu a cobra, impensadamente sacou sua espada e partiu a pequena e iníqua

figura ao meio.

As duas tropas, vendo o tempestuoso relâmpago de um raio de sol na

lâmina nua, lembraram-se das ordens recebidas, e o mal estava feito. De

ambos os lados ergueu-se uma enorme gritaria e o sopro de trompas e

trombetas, e os dois exércitos explodiram rolando em direção mútua,

tenebrosos como maldição debaixo de seus estandartes coloridos e penachos

flutuantes, deslizando rápidos com pontos de luz semelhantes ao bruxuleio do

relâmpago de verão no coração de uma nuvem trovejante, nos lugares onde a

ácida luz solar amarelada batia em alguma lâmina de espada e ponta de lança; e

emitindo um crescente rugido tempestuoso de cascos, gritos de guerra e

rangidos de armas, à medida que avançavam.

Então Artur gritou numa voz terrível:

- Meu Deus! Este é o dia mais amaldiçoado!

E jogando-se sobre a sela, aplicou as esporas nos flancos do seu cavalo e

girou-o com uma pressa frenética, para juntar-se à vanguarda de sua própria

tropa de guerra. Sir Mordred agiu exatamente igual no mesmo instante; e a

batalha fechou-se à volta dos dois.

Foi a mais grave e mais selvagem batalha que jamais se travou em

qualquer terra da Cristandade.

Já quase passava do meio-dia quando a luta se travou; porém, logo as

nuvens que se formaram no alto fizeram aquela hora parecer noite; e à medida

que as massas da batalha varriam e voluteavam aqui e acolá, iluminadas pelos

clarões das lâminas e rasgadas pelos guinchos agudos dos cavalos derrubados,

pelos gritos de guerra e pelos brados de morte dos homens, as negras massas

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nebulosas que se arqueavam acima dos combatentes pareciam ferver como se

no coração de uma poderosa tempestade, ecoando o estrépito de lanças ao

longo da planície de Camlann. Muitos golpes terríveis foram desferidos,

fazendo cair muitos poderosos campeões; velhos inimigos lutaram uns com os

outros no cambaleante aperto, e amigo combatia contra amigo, e irmão contra

irmão. E à medida que o tempo passava, ambas as fileiras se afinavam, e cada

vez mais os pés dos vivos eram embaraçados pelos corpos dos mortos; um a

um os estandartes e penachos, esfarrapados como o céu em rasgos, desabavam

dentro da lama; e toda a lama da pisoteada planície de Camlann destilava

vermelho.

Durante todo o dia Mordred e o Grande Rei se embrenharam no meio do

grosso da batalha, não sofrendo ferimento algum; era como se eles se

mantivessem vivos por encantamento; e sempre no meio ondulante da luta eles

se procuravam um ao outro, mas nunca conseguiam encontrar-se ao longo de

todo o negro dia.

Artur divisou dois homens de pé, logo atrás dele; um era o velho Sir

Lucan e o outro Sir Bedivere, ambos gravemente feridos. De todos os homens

que o haviam seguido de volta de Benwick ou que haviam aderido ao seu

estandarte na marcha a partir de Dover, e também de todos aqueles que tinham

sido seus antes de serem arrastados de sua lealdade pela traição de Mordred ou

pelo amor a Lancelot, esses dois, apoiados pelo cansaço em suas espadas ao

lado dele, eram tudo o que permanecia vivo.

A negra amargura da morte assomou em Artur, o Rei, e um forte gemido

irrompeu dentro dele:

- Que aflição, meu Deus, por ver este dia! Invade-me a aflição por todos

os meus nobres cavaleiros que jazem aqui mortos! Agora, na verdade, sei que

é chegado o fim. Porém, antes de todas as coisas caírem nas trevas – onde está

Sir Mordred, que provocou toda esta desolação?

Então, enquanto procurava à sua volta, eis que percebeu mais uma figura

ainda de pé: Sir Mordred, com a armadura rompida e amassada, postado a

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pouca distância, sozinho no meio de uma confusão generalizada de homens

mortos.

Artur não usaria a espada Excalibur contra seu próprio filho; por isso,

estando Sir Lucan mais perto dele, solicitou-lhe:

- Dê-me uma lança, pois bem ali está o homem que trouxe este dia à

realidade, e a coisa ainda não terminou entre nós dois.

- Senhor, deixe-o estar! – pediu Sir Lucan. – Ele é amaldiçoado! E se

você deixar este dia de malfazejo destino ir-se embora, será muito mais

intensamente vingado dele em outra ocasião. Meu senhor e soberano, peço-lhe

que se lembre do seu sonho da última noite e do que o espírito de Gawain lhe

contou. Embora pela graça e pela mercê de Deus ainda esteja vivo neste fim de

dia, desista da luta agora; porque há três de nós aqui, enquanto Sir Mordred

está só, e por isso ganhamos o campo; e uma vez que o dia da maldição tenha

passado, terá passado mesmo e novos dias virão.

Artur, porém, respondeu:

- Dê-me a vida ou dê-me a morte, a coisa não estará acabada até que eu

tenha matado meu filho, que trouxe a destruição sobre Logres e sobre toda a

Britânia, e por quem tantos bons homens jazem aqui mortos.

- Então, Deus o ajude muito -, desejou Sir Bedivere.

E Sir Lucan entregou ao Rei sua lança; ele a agarrou com ambas as

mãos e fez uma caminhada cambaleante rumo à figura solitária. A terrível

embriaguez vermelha da batalha caíra sobre ele e, enquanto avançava, gritou:

- Traidor! Agora chegou sua vez de morre!

Ao ouvi-lo, Sir Mordred ergueu a cabeça e pressentiu a morte; e com a

espada desembainhada foi ao seu encontro. Assim eles correram, tropeçando

nos mortos, e alcançaram-se no meio desse pavoroso campo avermelhado,

debaixo daquele pavoroso céu sanguinolento. O Grande Rei golpeou o filho

abaixo do escudo com uma grande estocada de lança, que penetrou direto

através do corpo. Quando Sir Mordred sentiu a ferida mortal dentro de si, deu

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um grande urro, selvagem e desesperado, e precipitou-se à frente sobre a haste

da lança, como um javali projetado por sua própria pressa em cima do dardo do

caçador, até que foi parado pela guarda da mão; e, com tudo que restava de sua

força, girou sua espada no alto com as mãos, vibrando no Grande Rei, seu pai,

uma tal pancada no lado do elmo encimado pelo dragão que a lâmina talhou

através deste e da coifa de malha e bem fundo dentro do crânio. Ao terminar o

golpe, Sir Mordred desabou rigidamente morto sobre a lança, carregando-a

consigo ao solo. No mesmo instante o Rei Artur caiu também, não morto, mas

num negro desmaio, sobre o manchado e pisoteado solo.

Quando Artur, ao voltar a si, viu o corpo de Sir Lucan estendido ali, o

pesar o invadiu e ele exclamou:

- Meu Deus, esta é uma visão terrível! Ele queria ajudar-me, e ele

mesmo precisava mais de ajuda!

Artur divisou, não muito longe, as sussurrantes praias de um lago,

margeadas de junco. Brancos nevoeiros cobriam a água, que tremeluzia ao

alvo facho da lua; e as praias distantes estavam perdidas na bruma e no luar, de

modo que ali poderia não ter havido praia distante alguma. Artur conhecia

aquele lago. E o conhecia até o âmago do coração.

Reunindo tudo que restara de suas forças, disse a Sir Bedivere:

- A esse lago... A uma outra parte desse lago Merlin me levou, muito

tempo atrás... – E parecia-lhe estar forçando muito as palavras a sair, de modo

que deviam explodir como um berro; porém, vinham apenas como um sussurro

rasgado, que Sir Bedivere tinha de inclinar-se bem perto para ouvir:

- Agora cesse o seu lamento; haverá tempo para lamentar-se mais

tarde... porém para mim meu tempo com você diminui, e ainda há mais uma

coisa que você deve fazer por mim.

- Qualquer coisa, - prometeu Sir Bedivere, - qualquer coisa, meu

soberano...

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- Tome Excalibur, minha boa espada, e leve-a até aquela praia do lago e

atire-a longe, dentro da água. Depois volte e conte-me o que viu.

- Meu senhor, - ajuntou Bedivere, - farei como me ordena e levarei sua

espada.

Retirou a grande espada de onde jazia, ao lado do rei, e cambaleando

com fraqueza por causa de suas próprias feridas, desceu em direção à borda da

água.

Nesse lugar cresciam amieiros aqui e ali, ao longo do barranco; ele

passou através deles, curvando-se sob os galhos baixos, e fez uma pausa para

contemplar a grande espada sem suas mãos; e o branco facho da lua

evidenciava-lhe as gemas no punho, enquanto brincava como água corrente

entre as manchas coaguladas sobre a lâmina magicamente forjada. Ele pensou:

“Esta não é apenas uma arma de Grande rei; esta é a espada de Artur, e uma

vez atirada dentro do lago será perdida para sempre, e uma coisa má poderia

acontecer”.

E quanto mais a contemplava, mais se enfraquecia em seu propósito.

Por fim, retirou-se de junto da água e escondeu a Excalibur entre as raízes dos

amieiros.

Em seguida retornou a Artur, que o inquiriu:

- Fez como lhe ordenei?

- Senhor, está feito -, afirmou Bedivere.

- E o que você viu?

- Senhor, o que poderia eu ver sob a lua, a não ser as ondulações

brilhantes espelhando-se sobre as águas do lago?

- Isso não está sendo dito com sinceridade -, observou o Rei. – Por isso,

volte ao lago, e tal como você me é caro, cumpra a minha ordem.

Assim, Sir Bedivere retornou à margem do lago, e retirou a espada do

seu esconderijo, tencionando plenamente, desta vez, fazer como o Rei

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ordenara. Mas de novo o facho da luz refletiu-se sobre o pomo cravejado e

sobre a lâmina resplandecente, e ele sentiu o poder dela nas mãos, como se

fosse uma coisa viva. E pensou: “Se algum dia os homens se reunirem de novo

para afastar as trevas, como nós as afastamos quando a Távola e o mundo eram

jovens, esta é a única espada verdadeira para quem quer que os conduza”. – E

devolveu a espada ao seu esconderijo, e voltou à capela onde o rei jazia

esperando por ele.

- Você fez o que lhe pedi, desta segunda vez? - perguntou-lhe o Rei.

- Joguei a Excalibur longe, dentro do lago -, respondeu Sir Bedivere.

- E o que você viu?

- Apenas os juncos agitando-se ao vento da noite.

Num sussurro severo e angustiado, o Rei disse-lhe:

- Pensei que Mordred fosse o único traidor entre a irmandade; mas

agora, você me traiu duas vezes. Tenho amado você; contei-o entre os mais

nobres dos meus cavaleiros da Távola Redonda, e você é capaz de romper a

lealdade a mim pela riqueza de uma espada.

Bedivere ajoelhou-se ao lado dele com a cabeça pendente, explicando-

lhe enfim:

- Não pela riqueza, meu soberano. Estou envergonhado; mas não foi

pela riqueza, não pelas gemas no punho, nem pela têmpera da lâmina.

- Eu sei disso -, confessou o Rei, mais gentilmente. Agora, então vá de

novo rapidamente; e desta vez não me engane, se ainda valoriza o meu afeto.

Sir Bedivere firmou-se em seus pés, e desceu pela terceira vez até a

beira do lago, retirando a grande espada de seu esconderijo; e uma terceira vez

sentiu o poder dela em sua mão e viu o branco facho da lua sobre a lâmina;

mas, sem pausa alguma, girou-a por sobre a cabeça e arremessou-a com a

última força do braço, do peito e do ombro, bem longe, dentro do lago.

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Esperou pelo ruído da queda na água, mas não houve nenhum, pois para

fora da nebulosa superfície do lago levantou-se uma mão e um braço vestido de

samito branco, que veio ao encontro dela, apanhando-a pelo pomo. Por três

vezes o braço brandiu a Excalibur em círculos lentos e largos de despedida, e

depois se desvaneceu para dentro da água, levando consigo a grande espada e

ocultando-a aos olhos do mundo. E nenhum anel alargado de ondulação

denunciou para onde fora.

Sir Bedivere, cego pelas lágrimas, retornou tropeçando à capela e ao

senhor que o aguardava.

- Fiz como me mandou -, disse o cavaleiro a Artur.

- E o que você viu? – indagou o Rei.

- Vi uma mão saindo do lago e um braço vestido de samito; e a mão apanhou a

Excalibur, brandiu-a três vezes, como que em despedida – e então recolheu-se,

carregando a espada consigo água abaixo.

- Isso foi dito com sinceridade e muito bem executado -, observou o Rei;

e ergueu-se no cotovelo. – Agora devo ir-me daqui. Ajude-me a descer à

margem da água.

Sir Bedivere o ajudou a firma-se nos pés e suportou seu peso sobre seu

próprio ombro, acompanhando-o meio-apoiado, meio-carregado, à margem do

lago.

E lá, onde antes parecia haver apenas a água polida e os juncos

sussurrando ao luar, uma barca estreita, toda drapeada de negro, parecia esperá-

los, no meio das sombras dos amieiros. Nela se achavam três damas, vestidas

de negro e com os cabelos cobertos de negros véus, sob as coroas reais que

usavam. Seus rostos desolados e sua mãos estendidas mostravam-se pálidos

enquanto elas, sentadas, levantavam o olhar para os dois ali na margem, e

choravam. Umas delas era a Rainha de Northgalis e a outra era Nimue, a

Senhora de todas as Senhoras do Lago; e a terceira era a Rainha Morgana La

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Fay, libertada por fim de sua própria maldade, agora que a escura trama do

destino estava sendo tecida em direção ao seu fim.

- Agora deite-me na barca, que está esperando por mim há longo tempo

-, disse Artur; Sir Bedivere o ajudou a descer o barranco e gentilmente o

abaixou até às mãos das três rainhas vestidas de negro, que emitiram lamentos

suaves ao recebê-los e deitá-lo no chão. A Senhora do Lago tomou-lhe a

cabeça contundida em seu regaço; e ajoelhando-se ao lado dele, a Rainha

Morgana La Fay murmurou:

- Ai de mim, querido irmão, você demorou muito, longe de nós, e seu

ferimento está ficando gelado.

A barca desgarrou-se das sombras sob os amieiros, deixando Sir

Bedivere postado sozinho na margem.

Ele chorou como uma criança deixada no escuro, e lamentou-se:

- Oh, meu Senhor Artur, o que será de mim, agora que você se vai daqui

e me deixa sozinho?

O Rei abriu os olhos e o fitou pela última vez, dizendo:

- Console-se e faça o melhor que puder, porque preciso ir para o Vale de

Avalon, a fim de curar meus graves ferimentos. Um dia voltarei, no tempo de

maior necessidade da Britânia, mas ainda não sei quando será esse dia –

somente que está bem longe ... Mas se não ouvir mais nada de mim no mundo

dos homens, reze por minha alma.

E a barca prosseguiu em frente, adentrando a branca névoa entre a água

e a lua. Aí o nevoeiro acolheu de vez a embarcação, que desapareceu. Só por

um pouco, Sir Bedivere, concentrando a vista nela, pareceu ouvir um fraco e

desolado lamento, como de mulheres chorando pela morte de alguém.

Então o lamento também se foi, e só os juncos murmuravam na desolada

praia do lago.

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- A morte do Rei não é certa -, prosseguiu Lancelot, não buscando

mudar a resolução dela, mas apenas querendo confortá-la.

Ela, porém, balançou a cabeça e explicou:

- Ele não voltará durante a minha vida, nem durante a sua... – E

continuou: - Neste mundo, eu e você não nos devemos mais encontrar. Por

isso, deixo-o livre, como nunca fui forte o suficiente para fazer antes. Retorne

à sua própria terra, tome uma esposa e viva com ela em alegria. Mas lembre-se

para sempre, amor, de orar por mim a fim de que Deus nos perdoe os pecados e

me conceda a salvação de minha alma.

- Não, doce senhora, - retrucou Sir Lancelot, - tenho-a amado desde o

dia em que fui feito cavaleiro, e já estou muito velho para mudar meus

caminhos. Você sabe muito bem que por sua causa não me casarei com lady

alguma, mesmo que você me dê minha liberdade uma centena de vezes. Nunca

serei infiel a você, mas conservarei sua doce companhia de outra forma: porque

os votos que você tomou eu também tomarei, e trocarei minhas armaduras de

cavaleiro pela veste de um eremita, e passarei o resto dos meus dias em oração

e jejuns. – E sorrindo com grande amabilidade, no seu velho sorriso enviesado,

continuou: - Mas minhas primeiras preces sempre serão por você, a fim de que

encontre a paz e a salvação de sua alma.

- Reze pela sua própria, - disse Guenever, - reze pela sua própria alma.

- Assim o farei. Entretanto, você bem sabe que nunca fui presenteado

com o dom da oração, embora não tenha sido por falta de tentativa. Por isso, se

minha prece for suficiente a pelo menos um de nós, farei o melhor possível,

pensando que sua alma talvez seja a mais luminosa para minhas preces. Creio

que Deus não reclamará de mim por isso.

Então ele estendeu a mão para tocá-la. Ela porém afastou-se, dizendo:

- Não, nunca mais.

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Assim, Sir Lancelot cavalgou rumo a oeste, dirigindo-se para as terras

pantanosas próximas a Avalon, e sempre buscando notícias mais recentes do

Rei Artur.

- Mas este lugar é Avalon -, afirmou, meio em dúvida. – Você,

Bedivere, confirmou que o Rei disse estar indo para Avalon, a fim de ser

curado de seu ferimento.

- E também que se eu não ouvisse mais falar dele nesta vida, que rezasse

por sua alma -, disse Bedivere em seu pardo hábito de eremita.

Lancelot meneou a cabeça. Estava exausto e chocado demais para

pensar, pois esperava encontrar Artur ali, ou então que lhe fosse mostrado seu

túmulo.

- Mas isto é Avalon -, repetiu ele.

O velho Arcebispo percebeu sua confusão e respondeu-lhe

bondosamente, jamais vindo a saber que falara quase nas palavras.

- Avalon das Macieiras não é igual aos outros lugares. É o limiar entre o

mundo dos homens e a Terra do Viver. Aqui estamos na Avalon dos homens

mortais. Porém existe uma outra Avalon. O rei está aqui, mas se foi por entre

o nevoeiro.

Merlin teria entendido o que ele queria dizer; porém Merlin adormecera

havia trinta anos ou mais debaixo de seu mágico espinheiro branco, e Sir

Lancelot estava muito alquebrado para entender isso.

Entretanto, ele compreendeu que chegara ao fim de suas jornadas.

Afinal, perguntou a ambos:

- Podem vocês receber-me em sua companhia, e dar abrigo e pastagem

ao meu cavalo que me tem servido tão bem?

- Podemos, sim, e prazerosamente -, concordou Sir Bedivere.

E o velho Arcebispo acrescentou:

- Seja bem-vindo, meu filho.

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Assim, Sir Lancelot retirou seus arneses de cavaleiro, ele que havia sido

o melhor de todos os cavaleiros da Cristandade, e tomou sobre si o hábito

marrom que os outros usavam.

Sir Bedivere e muitos outros da irmandade permaneceram na pequena

igreja e seu eremitério pelo resto de seus dias, congregando-se outros mais com

eles, de tal modo que, por fim, o lugar tornou-se uma abadia novamente; e mais

tarde ainda, majestosos e belos edifícios de pedra foram construídos onde

estiveram a igrejinha de pau-a-pique e as cabanas ao seu redor. E as pessoas

começaram a denominar esse lugar Glastonbury.

Porém Sir Bors e Sir Ector, Sir Bleoberis e Sir Blamore viajaram para

bem longe, à Terra Santa, e lá faleceram numa Sexta-Feira da Paixão, pela

causa de Deus.

E salvo um valente lampejo aqui e ali, as trevas inundaram a Britânia.

Porém Sir Lancelot uma vez dissera ao seu amigo Rei enquanto

passeavam ao pôr-do-sol, no estreito pomar abaixo dos muros de Camelot:

- Nós devemos erguer uma tal labareda que os homens se lembrem de

nós do outro lado da escuridão.

E de fato ele dizia a verdade, porque as histórias de Artur e de seus

cavaleiros são contadas e recontadas até o dia de hoje.