O riso e o risível na história do pensamento - Verena Alberti

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O Riso e o Risível na história do pensamento Verena Alberti --- Nota: nesta obra, a numeração das páginas encontra-se na parte superior. --- Orelha esquerda: O riso sempre foi enigma na história do pensamento ocidental; tentar descobrir sua essência e a qualidade daquilo que faz rir fascina os mais variados pensadores. Durante muito tempo, o riso foi a marca que distinguia o homem tanto dos animais quanto de Deus, o que teve implicações éticas importantes: ora o condenavam por nos afastar da verdade e do sério característicos da superioridade divina, ora o toleravam seguindo certas regras que visavam nos afastar da inferioridade animal. A partir do século XIX, porém, a verdade e o sério não mais bastavam para explicar o mundo, e o riso passou a ocupar um lugar de destaque na filosofia. Este livro é uma história das teorias do riso desde a Antigüidade até os dias atuais, história na qual se mantém constante a tensão entre o riso e o pensamento. Percorrendo suas páginas, veremos de que forma autores como Platão, Aristóteles, Cícero, Quintiliano, Hobbes, Kant, Schopenhauer, Spencer, Darwin, Bergson, Freud, Nietzsche, Bataille e muitos outros caracterizaram o riso e o que faz rir. O estudo das teorias do riso desde a Antigüidade nos mostra não só a recorrência de um julgamento ético no tratamento da questão, mas também outras preocupações freqüentes na definição do "próprio homem". Durante algum tempo, por exemplo, foi importante saber o lugar físico do riso - onde se instalava, no corpo humano, essa diferença em relação aos animais. --- Orelha direita: Outro conjunto de teorias revela que, em determinado período, o pensamento sobre o riso tinha relação direta com o pensamento sobre a organização política e social do homem. Já em outros textos, tentar definir o risível era fornecer um elenco de recursos úteis para a produção do cômico. Em todos os casos, Verena Alberti examinou os textos em sua versão integral, o que lhe permitiu recuperar questões e tradições teóricas ao longo da história do pensamento sobre o riso e desmistificar algumas das concepções correntes sobre essa história. Verena Alberti, nascida em 1960, é formada em história pela Universidade Federal Fluminense, mestre em antropologia social pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutora em teoria da literatura pela Universidade de Siegen, Alemanha. Pesquisadora do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas, é autora de História Oral: a experiência do CPDOC (1990) e de artigos nas áreas de história, história oral, antropologia e teoria da literatura. ---

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  • O Riso e o Risvel na histria do pensamento

    Verena Alberti

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    Nota: nesta obra, a numerao das pginas encontra-se na parte superior. ---

    Orelha esquerda: O riso sempre foi enigma na histria do pensamento ocidental; tentar descobrir sua essncia e a qualidade daquilo que faz rir fascina os mais variados pensadores. Durante muito tempo, o riso foi a marca que distinguia o homem tanto dos animais quanto de Deus, o que teve implicaes ticas importantes: ora o condenavam por nos afastar da verdade e do srio caractersticos da superioridade divina, ora o toleravam seguindo certas regras que visavam nos afastar da inferioridade animal. A partir do sculo XIX, porm, a verdade e o srio no mais bastavam para explicar o mundo, e o riso passou a ocupar um lugar de destaque na filosofia. Este livro uma histria das teorias do riso desde a Antigidade at os dias atuais, histria na qual se mantm constante a tenso entre o riso e o pensamento. Percorrendo suas pginas, veremos de que forma autores como Plato, Aristteles, Ccero, Quintiliano, Hobbes, Kant, Schopenhauer, Spencer, Darwin, Bergson, Freud, Nietzsche, Bataille e muitos outros caracterizaram o riso e o que faz rir. O estudo das teorias do riso desde a Antigidade nos mostra no s a recorrncia de um julgamento tico no tratamento da questo, mas tambm outras preocupaes freqentes na definio do "prprio homem". Durante algum tempo, por exemplo, foi importante saber o lugar fsico do riso - onde se instalava, no corpo humano, essa diferena em relao aos animais.

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    Orelha direita: Outro conjunto de teorias revela que, em determinado perodo, o pensamento sobre o riso tinha relao direta com o pensamento sobre a organizao poltica e social do homem. J em outros textos, tentar definir o risvel era fornecer um elenco de recursos teis para a produo do cmico. Em todos os casos, Verena Alberti examinou os textos em sua verso integral, o que lhe permitiu recuperar questes e tradies tericas ao longo da histria do pensamento sobre o riso e desmistificar algumas das concepes correntes sobre essa histria.

    Verena Alberti, nascida em 1960, formada em histria pela Universidade Federal Fluminense, mestre em antropologia social pelo Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutora em teoria da literatura pela Universidade de Siegen, Alemanha. Pesquisadora do Centro de Pesquisa e Documentao de Histria Contempornea do Brasil (CPDOC) da Fundao Getlio Vargas, autora de Histria Oral: a experincia do CPDOC (1990) e de artigos nas reas de histria, histria oral, antropologia e teoria da literatura.

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  • Contra-capa:

    O riso e o risvel

    Este livro uma histria das teorias do riso desde a Antigidade at os dias atuais, histria na qual se mantm constante ateno entre o riso e o pensamento. Em suas pginas, a historiadora Verena Alberti mostra de que forma pensadores como Plato, Aristteles, Ccero, Quintiliano, Hobbes, Kant, Schopenhauer, Spencer, Darwin, Bergson, Freud, Nietzsche, Bataille e muitos outros caracterizaram o riso e o que faz rir.

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    O Riso e o Risvel na histria do pensamento

    Verena Alberti

    Coleo

    ANTROPOLOGIA SOCIAL

    diretor: Gilberto Velho

    . O RIso E O RISVEL Verena Alberti

    - MOVIMENTO PUNK NA CIDADE

    Janice Caiafa

    - ESPRITO MILITAR

    - Os MILITARES E A REPBLiCA

    Celso Castro

    - VELHOS MILITANTES ngela Castro Gomes, Dora Flaksman, Eduardo Stotz

    - DA VIDA NERVOSA

    Luiz Fernando Duarte

    - GAROTAS DE PROGRAMA

    Maria Dulce Gaspar

    - NOVA Luz SOBRE A ANTROPOLOGIA

    Clifford Geertz

    - COTIDIANO DA POLTICA

  • Karina Kuschnir

    - CULTURA: UM CONCEITO ANTROPOLGICO

    Roque de Barros Laraia

    -AUTORIDADE & AFETO

    Myriam Lins de Barros

    -GUERRA DE ORIx

    Yvonni Maggie

    - ILHAS DE HISTRIA

    Marshall Sahlins

    - Os MANDARINS MILAGROSOS

    Elizabeth Travassos

    - ANTROPOLOGIA URBANA

    - DESVIO E DIVERGNCIA

    - INDIVIDUALISMO E CULTURA

    - PROJETO E METAMORFOSE

    - SUBJETIVIDADE E SOCIEDADE

    -A UTOPIA URBANA

    Gilberto Velho

    - O MUNDO FUNK CARIOCA - O MISTRIO DO SAMBA

    Hermano Vianna

    - BEZERRA DA SILVA:

    PRODUTO DO MORRO

    Letcia Vianna

    - O MUNDO DA ASTROLOGIA

    Lus Rodolfo Vilhena

    - CARISMA - ARAwET: OS DEUSES CANIBAIS

    Charles Lindholm Eduardo Viveiros de Castro

    O Riso e o Risvel

  • na histria do pensamento

    Verena Alberti

    O Riso e o Risvel na histria do pensamento

    2 edio

    Jorge Zahar Editor Rio de Janeiro

    Para Paulo, Breno e Alice, todos os risos.

    Copyright 1999. Verena Alberti

    Todos os direitos reservados. A reproduo no-autorizada desta publicao, no todo ou em parte, constitui violao de direitos autorais. (Lei 9. 610/98)

    Copyright 2002 desta edio: Jorge Zahar Editor Ltda. rua Mxico 31 sobreloja 20031-144 Rio de Janeiro, RJ tel. : (21) 2240-0226 / fax: (21) 2262-5123 e-mail: jze@zahar. com. br site: www. zahar. com. br

    A primeira edio (1999) desta obra foi feita em regime de co-edio com a Editora Fundao Getulio Vargas.

    Capa: Pedro Gaia Ilustrao de capa: No Moulin Rouge (detalhe), de Toulouse Lautrec, 1 892

    CIP-Brasil. Catalogao-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, Ri.

    Alberti, Verena A289r O riso e o risvel: na histria do pensamento! Verena Alberti. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. , 2002. (Coleo antropologia social) Inclui bibliografia ISBN: 85-7110-490-5

    1. Riso. - Histria. 1. Ttulo. 11. Srie CDD 121 02-0903 CDUI65. 19

    Sumrio

    Introduo 7 1 - O riso no pensamento do sculo xx 11 Objeto da filosofia 11 Riso cmico, riso trgico 20

  • O riso nas cincias humanas 24 A orientao deste estudo 34 Notas 37

    2 - As "origens" do pensamento sobre o riso 39 No Filebo de Plato 40 Na obra de Aristteles 45 A abordagem potica: o cmico 45 A abordagem fsica: o prprio do homem 49 A abordagem retrica: o agradvel e o til 52 Nota sobre o Tractatus Coislinianus 54 O ensinamento da retrica 56 A teoria de Ccero 56 teoria de Quintiliano 62 O riso na teologia medieval 68 Riso e melancolia na histria de Demcrito 74 Notas 78

    3 - O Tratado do riso de Laurent Joubert 81 A obra e seu autor 83 A justificativa do Tratado 85 O circuito do riso 86

    A matria risvel 87 Como a alma movida pelo risvel 91 O movimento do corao 95 O diafragma e os acidentes do riso 98 A definio do riso 100 Riso e "razo" 103 O "pensamento " ou "cogitao" 103 A "vontade" 105 O elogio ao riso 108 Notas 116

    4 - Riso e "natureza" nos sculos XVII e XVIII 119 A paixo do riso em Hobbes 125 Critica a Hobbes: Shaftesbury 133 Critica a Hobbes: Hutcheson 139 Um colquio sobre o riso 144 Notas 155

    5 - Riso e "entendimento" nos sculos xviii e XIX 159 O limite do entendimento e o advento do riso em Kant 162 A preeminncia do sujeito: o cmico na esttica de Jean Paul . . 165 A razo malograda: a teoria da incongruncia de Schopenhauer 172 As explicaes fisiolgicas de Spencer e Darwin 177 Ocaso Bergson 184 Notas 197

    Consideraes finais 199 Notas 206 Referncias bibliogrficas 207

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    Introduo

  • Este livro discute as relaes entre o riso e o pensamento ao longo da histria ocidental, tomando por base textos que, de alguma forma, versam sobre o riso e o que faz rir. Por que o destaque para riso e pensamento? Primeiro, porque este um estudo das diferentes formas pelas quais o riso foi tomado como objeto do pensamento desde a Antigidade. Segundo, porque os prprios textos que tratam do riso e do risvel estabelecem de maneiras diferenciadas, claro relaes entre o riso e o pensamento que cumpre investigar, principalmente se levarmos em conta uma certa tendncia atual para se conferir questo do riso um lugar privilegiado na compreenso do mundo e mais especificamente na filosofia. Por seu objeto e pelo modo de abord-lo, este estudo situa-se numa regio interdisciplinar. Da literatura, ele se aproxima no s nos momentos em que as formas de explicar o riso e o risvel tocam questes especficas disciplina ( potica, retrica e esttica, por exemplo), mas tambm quando a reflexo sobre o riso torna-se uma reflexo sobre a linguagem. Neste ltimo caso, as formas de pensar o riso acabam dizendo respeito tambm filosofia, na medida em que articulam linguagem e pensamento. A filosofia se faz ainda representar pelos autores que, ao longo da histria do pensamento ocidental, dedicaram parte de suas reflexes ao enigma do riso. Finalmente, a histria e a antropologia marcam a perspectiva da investigao. Trata-se aqui, em ltima instncia, de uma histria do pensamento sobre o riso que procura relativizar certas recorrncias no modo de se pensar a questo na atualidade. Para tanto, este livro comea pelo "fim" daquela histria, ou sej a, por certas formas de pensar o riso que se firmaram principalmente no sculo XX, em textos filosficos que falam do riso e em textos tericos sobre o riso que falam tambm do pensamento. O segundo captulo volta ao "comeo" da histria do pensamento sobre o riso e retraa as formas de pensar o riso e o risvel que ressaltam de certos textos antigos, principalmente de Plato, Aristteles, Ccero e Quintiliano.

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    O terceiro analisa uma obra interessantssima, talvez a mais completa j escrita sobre a matria: um tratado sobre o riso de autoria de um mdico francs de Montpellier publicado em 1579. O captulo seguinte tem por objeto alguns textos dos sculos XVII e XVIII que revelam certa unidade ao condicionarem a definio do riso premissa da natureza humana. Hobbes, Shaftesbury e Hutcheson predomimam como autores, mas h tambm um tratado annimo de 1768. O quinto captulo fecha o percurso iniciado no sculo XX, ocupando-se de teorias do riso e do risvel produzidas principalmente no sculo XIX (Jean Paul, Schopenhauer, Spencer, Darwin e Bergson), alm de um pequeno extrato da esttica de Kant. O exame dessas teorias permite fazer com que algumas das "novidades" do pensamento contemporneo sobre o riso recuem para bem antes de 1850. Uma variedade to grande de autores e de perodos da histria do pensamento constitui sem dvida uma das principais dificuldades deste estudo. Mas o recuo at a Antigidade se faz tanto mais necessrio quanto mais se conhece uma certa peculiaridade das produes tericas sobre o nso: cada autor parece recomear sua investigao do zero, ignorando em grande parte as tentativas de definio anteriores. No so poucos os que declaram que suas teorias tm a faculdade de revelar, de uma vez por todas, a essncia do riso, quando, na verdade, boa parte de suas definies j figura em outros textos.

  • O recuo at as teorias do riso da Antigidade tem ainda a vantagem de evitar alguns equvocos na leitura contempornea dos textos tericos. Se no se conhecem as recorrncias na histria do pensamento sobre o riso, corre-se o risco de salientar, em muitos autores, teses que no lhes so exclusivas, ou, ao contrrio, de no identificar questes cuja importncia est ligada a tradies tericas hoje "esquecidas". Por isso, procurarei tambm "desmistificar" alguns pressupostos, comuns na literatura contempornea sobre o riso, em relao s teorias do passado. Finalmente, a quem interessaria este estudo? Primeiro, queles que pretendem conhecer um pouco mais sobre a questo do riso propriamente dita. Segundo, aos que se interessam por como o homem andou pensando aquilo que o tornava especfico em relao aos animais e a Deus. (Pensar o riso sempre significou posicionar-se, ou posicionar o objeto das prprias reflexes, em um terreno intermedirio entre a razo, porque o riso "prprio do homem" e no dos animais, e a no-razo a "paixo", a "loucura", a "distrao", o "pecado" etc. -, porque o riso no prprio de Deus. ) Por fim, aos que conferem ao riso, ao humor, ironia um potencial de redeno para o pensamento, como se fossem hoje as nicas vias ainda capazes de nos levar "verdade", este estudo talvez sirva de

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    alerta: se o objetivo for constatar a "outra face" revelada pelo humor, o riso etc. , bom saber que autores de outrora j o fizeram, e com bastante eficcia. Este livro uma verso revista de minha tese de doutorado, apresentada ao Departamento de Letras e Literatura da Universidade de Siegen, Alemanha, em 1993, e revalidada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1994. Para a realizao do doutorado, contei com bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq) e apoio do Centro de Pesquisa e Documentao de Histria Contempornea do Brasil (Cpdoc) da Fundao Getulio Vargas. Muitas pessoas colaboraram em sua produo. Na fase de elaborao da tese, especialmente os amigos Marie-Pascale Huglo e ric Mchoulan, Eugen Bub e Roswitha Theis, e os professores Karl Ludwig Pfeiffer, meu orientador, e Wemer Deuse. Durante a transformao da tese em livro, contei com o apoio dos professores do Programa de Ps-Graduao em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro Luiz Fernando Duarte, que me sugeriu novas leituras, e Gilberto Velho, que incentivou e tornou possvel esta publicao. Maria Lucia Leo Velloso de Magalhes, da Editora da Fundao Getulio Vargas, sugeriu diversas alteraes de estilo, que deram maior leveza ao texto. Paulo, Breno e Alice, marido e filhos, estiveram sempre a meu lado nessa aventura. A todos, meus mais sinceros agradecimentos.

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    Captulo 1

    O riso no pensamento do sculo XX

    Objeto da filosofia

    Estudar o riso no pensamento do sculo XX leva constatao de algumas recorrnciaS interessantes. A principal delas uma espcie de leitmotiv

  • presente em textos de provenincias e objetivos bastante diversos e que pode ser assim resumido: o riso partilha, com entidades como o jogo, a arte, o inconsciente etc. , o espao do indizvel, do impensado, necessrio para que o pensamento srio se desprenda de seus limites. Em alguns casos, mais do que partilhar desse espao, o riso torna-se o carro-chefe de um movimento de redeno do pensamento, como se a filosofia no pudesse mais se estabelecer fora dele. Um dos autores mais expressivos desse modo de pensar o riso o filsofo alemo Joachim Ritter (1903-74), professor das universidades de Kiel e Mnster e editor, a partir de 1971, do importante Dicionrio histrico da filosofia (Historisches Wirterhuch der Philosophie). Sua incurso no terreno do riso pode ser recuperada lendo-se um pequeno artigo - "Sobre o riso" -, publicado pela primeira vez em 1940. O ponto de partida de Ritter a relao estreita entre o riso e seu objeto: s se pode definir o riso, diz ele, enquanto ligado ao cmico, que, por sua vez, determinado pelo sentido de existncia (Daseinssinn) daquele que ri. A noo de Dasein tem aqui um valor totalizante, compreendendo, por um lado, a ordem positiva e essencial e, por outro, aquilo que essa ordem exclui como nada. da essncia da ordem e do srio obrigar uma metade do Dasein a existir sob a forma de oposto. Um exemplo disso seria a constituio dos costumes, em que diversas possibilidades do comportamento humano so excluidas da ordem sem que deixem de existir. Como O srio s pode apreender o nada de modo negativo - isto , justamente enquanto nada -, a relao que a metade excluida continua mantendo com o universo do srio permanece secreta, diz Ritter. Ela s se torna visvel e audvel, para o srio, atravs do riso e do cmico: "O que posto em jogo e apreendido com o riso o pertencimento secreto do nada ao

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    Dasein", sentencia - frase que ser citada inmeras vezes, como que legitimando um significado enigmtico para o riso. 1 O "pertencimento secreto do nada ao Dasein" pode constituir uma armadilha para a compreenso da teoria de Ritter. Pinada do texto, a frmula exerce sem dvida um fascnio especial, mas, para Ritter, trata-se claramente da participao daquilo que excludo pela ordem em um todo que compreende tanto a ordem quanto o excludo. O riso revelaria assim que o no-normativo, o desvio e o indizvel fazem parte da existncia. Desse ponto de vista, a teoria de Ritter no est de modo algum sozinha no conjunto de reflexes contemporneas sobre o riso. So inmeros os textos que tratam do riso no contexto de uma oposio entre a ordem e o desvio, com a conseqente valorizao do no-oficial e do no-srio, que abarcariam uma realidade mais essencial do que a limitada pelo serio. Importa ressaltar aqui a relao fundamental entre riso e pensamento que decorre desse "pertencimento". Para Ritter, o riso o movimento positivo e infinito que pe em xeque as excluses efetuadas pela razo e que mantm o nada na existncia. Assim, segundo ele, o riso est diretamente ligado aos caminhos seguidos pelo homem para encontrar e explicar o mundo: ele tem a faculdade de nos fazer reconhecer, ver e apreender a realidade que a razo sria no atinge. Alm disso - o que fundamental -, o riso e o cmico tornam-se o lugar de onde o filsofo pode fazer brilhar o infinito da existncia, que foi banido pela razo como marginal e ridculo. O filsofo, diz Ritter, "coloca o bon do bufo" para se instalar no nico refgio de onde ele ainda pode apreender a essncia do mundo. O estatuto do riso como redentor do pensamento no poderia ser mais evidente. O riso e o cmico so literalmente indispensveis para o

  • conhecimento do mundo e para a apreenso da realidade plena. Sua positivao clara: o nada ao qual o riso nos d acesso encerra uma verdade infinita e profunda, em oposio ao mundo racional e finito da ordem estabelecida. "Colocar o bon do bufo" essa imagem merece ser retida. Em sua trilha seguiro outros autores, que tambm vem no riso uma redeno para o pensamento aprisionado nos limites da razo. No que todos sejam iguais nesse movimento, mas sem dvida h muitas semelhanas. Um dos exemplos mais completos e talvez mais radicais dessa presena imperiosa do riso na filosofia a obra de Georges Bataille, toda ela permeada pela questo do riso. "enigma essencial"2 e centro de sua "religio", de sua "ateologia". H referncias importantes ao riso, principalmente em A experincia interior (1943), O culpado (1944) e O limite do til, um conjunto de fragmentos escrito entre 1939 e 1945 e que subsiste de uma verso abandonada de A parte nialdita.

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    A estreita ligao entre o riso e a filosofia de Bataille inicia-se em 1920. Neste ano, o riso se revelou para Bataille "a questo-chave", "o enigma (... ) que, resolvido, de si mesmo resolveria tudo". O riso era ento "revelao" e "abria o fundo das coisas". 3 "Eu no imaginava que rir me dispensasse de pensar, mas que rir (... ) me levaria mais longe do que o pensamento. "4 Rir e pensar se completavam e, desde ento, rir equivaleria, em seu esprito, a Deus no plano da experincia vivida. Em uma conferncia de 1953 - "No-saber, riso e lgrimas" -, Bataille expe mais claramente o curso de seu pensamento em relao ao riso. Em um primeiro momento - justamente aquele de 1920-, saber o que era o riso resolveria, para ele, "o problema das filosofias", uma vez que "resolver o problema do riso e resolver o problema filosfico era evidentemente a mesma coisa". Mais tarde, contudo, pareceu-lhe impossvel falar do riso fora do contexto de uma filosofia que ultrapassasse o riso, tal qual a filosofia do no-saber (non-savo ir). No era mais necessrio isolar o problema do riso, mas sim junt-lo a outras experincias do no-saber, como as do sacrifcio, do potico, do sagrado, do erotismo, da angstia, do xtase etc. - experincias que ocupam posio central em sua obra. Mesmo depois dessa mudana, o riso continuou preeminente na filosofia de Bataille, como explica na conferncia de 1953:

    Creio na possibilidade de partir, em primeiro lugar, da experincia do riso, e de no mais larg-la quando se passa dessa experincia particular experincia vizinha do sagrado ou do potico. Se vocs quiserem, isso o mesmo que achar, no dado que o riso, o dado central, o dado primeiro, e talvez o dado ltimo da filosofia.

    E em seguida:

    Posso dizer que, na medida em que fao obra filosfica, minha filosofia uma filosofia do riso. 5

    A trajetria filosfica de Bataille tem, portanto, como ponto de partida, como ponto central e como resultado a experincia do riso. A palavra "experincia" , para ele, essencial, porque faz valer o efeito

  • preciso do riso, do xtase, da angstia etc. , indispensveis para que se fale seriamente do no-saber. Sua filosofia do no-saber passa a ser uma experincia refletida, j que torna esses efeitos conscientes. impossvel abarcar aqui todas as nuanas dessa experincia do riso, mas um relato contido em A experincia interior nos d alguns indcios sobre que tipo de riso este e em que medida ele participa da atividade filosfica.

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    H 15 anos (talvez um pouco mais), eu vinha no sei de onde, tarde da noite. (... ) Vindo de Saint-Germain, eu atraveSSaVa a rue du Four (lado do correio). Tinha na mo um guarda-chuva aberto e creio que no chovia. (Mas eu no tinha bebido: tenho certeza. ) Estava com aquele guarda-chuva aberto sem necessidade. (... ) Eu era bastante jovem ento, catico, cheio de entusiaSmoS vazioS. (... ) O certo que aquele bem-estar e ao mesmo tempo o "impossvel" contrariado estouraram em minha cabea. Um espao constelado de risos abriu seu abismo obscuro na minha frente. Na travessia da rue du Four, eu me tornei esse "nada" desconhecido, de repente... eu negava aquelas paredes cinza que me prendiam, me lanava a uma espcie de xtase. Eu ria divinamente: o guarda-chuva sobre minha cabea me cobria (eu me cobri propoSitadamente com esse sudrio negro). Eu ria como jamais talvez se tenha rido, os confins de cada coisa se abriam, colocados a nu, como se eu estivesse morto. No sei se parei no meio da rua, mascarando meu delrio sob um guarda-chuva. Pode ser que eu tenha saltado ( sem dvida ilusrio): eu estava convulsiVamente iluminado, eu ria, imagino, correndo. 6 Em O limite do til Bataille volta a esse episdio com uma breve observao: "tornar-se deus -meu riso sob um guarda-chuva". 7 Ou seja: o impossvel, o nada, o riso divino, a morte, o xtase - eis os temas que retomam toda vez que Bataille trata de sua experincia do riso. Em O culpado ele responde questo "quem sou? Que sou?" com a exclamao: "O prprio riso! (... ) Eu no sou, na verdade, seno o riso que me toma. O impasse onde afundo e no qual desapareo no seno a imensido do riso. O riso", escreve ainda, " o salto do possvel no impossvel - e do impossvel no possvel. "8 Trata-se, portanto, da possibilidade de ultrapassar o mundo e "o ser que somos H, em ns e no mundo, algo que se revela e que o conhecimento no nos havia dado, e que se situa unicamente como no podendo ser atingido pelo conhecimento. , me parece, disso que rimos. 9

    O riso situa-se para alm do conhecimento, para alm do saber, e, por isso mesmo, coincide com a filosofia do no-saber. A experincia do riso, diz ainda Bataille na conferncia de 1953, uma experincia religiosa totalmente negativa, ou ateo lgica, porque desvinculada de toda crena e de toda pressuposio. Esse , afinal, o fundamento do no saber:

    Quando falo agora de no-saber, quero dizer essencialmente isto: que no sei nada e que, se ainda falo, apenas na medida em que tenho conhecimentos que no me levam a nada. 10

    O riso , portanto, a experincia do nada, do impossvel, da morte - experincia indispensvel para que o pensamento ultrapasse a si mesmo,

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  • para que nos lanCemos no "no-conhecimento". Ele encerra uma situao extrema da atividade filosfica: permite pensar (experincia refletida) o que no pode ser pensado. No seria justo omitir da discusso sobre a filosofia do riso de Bataille o tributo que ele mesmo presta a NietZsChe e, conseqentemente, a importncia de NietzsChe na consolidao dessa relao imperativa entre o riso e o pensamento na filosofia moderna. Na conferncia de 1953, Bataille destaca o lao fundamental que o une ao pensamento de NietZsche. Diz que sua experincia do riso "profundamente comum de NietzsChe" e que a relao entre os dois pensamentos pode ser compreendida pela "importncia que Nietzsche atribua ao riso". Apesar de NietzsChe no ter sido muito explcito sobre sua experincia do riso, Bataille observa que ele foi o primeiro a situ-la. 11 Uma frase de NietzSChe agrada particularmente a Bataille (h tambm uma segunda, da qual falarei mais adiante). Bataille refere-se a ela num artigo publicado em 1968, mas j em 1947 dizia: "Poucas proposies me agradam mais do que esta, de Zaratustra "E que seja tida por ns como falsa toda verdade que no acolheu nenhuma gargalhada"12 No artigo de 1968, afirma a respeito da mesma proposio que Nietzsche "chegava a conferir gargalhada o valor maior do ponto de vista da verdade filosfica". 13 Mesmo que Nietzsche tenha sido menos claro sobre sua "experincia do riso" do que Bataille, no h dvida de que, para ele, o riso era uma atitude filosfica. Em Alm do bem e do mal (1886), prope ordenar os filsofos de acordo com seus risos, at aqueles que seriam capazes da "gargalhada de ouro", como a dos deuses. Quanto mais o esprito est seguro, diz NietzsChe em Humano, por demais humanO, mais o homem desaprende a gargalhada - que necessria para sair da verdade sria, da crena na razo e da positividade da existncia. As primeiras pginas do livro 1 de A gaia cincia (1882) so talvez as mais pungentes nesse sentido:

    Rir sobre si mesmo, como se deveria rir para sair de toda a verdade, para isso os melhores no tiveram at agora suficiente sentido de verdade e os mais capazes, muito pouco gnio! 14

    O homem no consegue viver sem a finalidade do Dasein, diz NietzsChe, sem a crena na razo da vida, e contudo - eis o que ele tenta fazer entender: o riso, a gaia cincia, o trgico com toda sua desrazo sO necessrios manuteno da espcie. "Oh, vocs me entendem, meUs Irmos?", escreve na angstia de fazer compreender a necessidade imperativa de sair da verdade e do Dasein - seu projeto da "gaia cincia"15

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    As formas em que o riso aparece na obra de NietzsChe permitem de fato compreender sua "experincia do riso" como Bataille a compreende como uma experincia do no-saber. Experincia neceSSria, imperativa, que constitui talvez, segundo o prprio NietzSche, a salvao para o pensamento aprisionado dentro dos limites do srio. "Talvez ainda haja um futuro para o riso! ", diz no comeo de A gaia cinCia. 16 Nesse futuro, o homem estaria disposto a se libertar da finalidade do Dasein, do um que sempre um, sempre algo serto, final e monstrUOSO. Nesse futuro, diz Nietzsche, "talvez o riso se tenha ligado a sabedoria,

  • talvez exista ento apenas a "gaia cincia"17 Os exemplos de NietZSChe, Ritter e Bataille, ainda que no discutidos em todas as suas nuanaS, j permitem sustentar a idia de uma certa tendncia, no pensamento moderno, para conferir ao riso um lugar-Chave no esforo filosfico de alcanar o "impensvel" Mas outrOS autores, por sua importncia no pensamento do sculO XX, no podem ficar parte desse conjunto. Foucult, por exemplo, no prefcio deAS palaVras e as coisas (1966), explica:

    Este livro tem como lugar de nascimento um texto de Borges. No riso que sacode, em sua leitura, todas as familiaridades do pensamento - do nosso; daquele que tem nossa idade e nossa geografia-, abalando todas as superfcies ordenadas e todos os planos que tornam sensata, para ns, a superabundncia dos seres, fazendo vacilar e inquietando por muito tempo nossa prtica milenar do Mesmo e do Outro. 18

    O texto de Borges cita uma classificao dos animais de uma enciclopdia chinesa que, segundo FoucaUlt, proVOCOU nele um riso prolongado, diante da "imposSibilidade clara de pensar aquilO". 19 A taxionomia inusitada, "charme extico de um outro pensamento" e "limite do nosso", diz Foucault, impedia qualquer tipo de apreenso; as enumeraes da classificao chinesa s eram passveis de justapOSio em um espao impenSvel, que FouCaUlt chama de no-lugar da linguagem "Aquilo" - aquele algo impensvel, indizvel, no-nOmevel - o fez rir longamente e lhe causou mal-estar pela impossibilidade de encontrar um lugar-ComUm e pela ausncia da sintaxe que mantm juntas as palavraS e as coisas. Como nos afsicos, diz Foucault, o texto de Borges fez com que sentisse o incmodo de ter perdido o "comum" do lugar e do nome. Eis que reaparece a relao entre o riso e o impensvel. ou mais especificamente entre o riso e a "no-linguagem". O riso de FoucaUlt provocado por um "no-lugar": um espao aonde o pensamento no chega e onde a linguagem no pode manter juntas as palavras e as coisas. Por

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    iSSO, ele abala as superfcies e os planOs, pe em xeque as certezas de nosso pensamento, de nossa prtica milenar do Mesmo e do Outro, e faz nascer um livro sobre as relaes entre as palavras e as coisas na histria do pensamento ocidental. Encontramos ainda uma interpretao para o advento do riso que bem pode ser considerada uma teoria do riso no conhecido estudo de Freud O chiste e sua relao com o inconsciente (1905)20 Em linhas gerais, a tese de FreUd consiste em dizer que o processo de formao do chiste anlogo ao do sonho. A relao entre o chiste e o inconsciente aparece inicialmente no texto sob a forma de uma psicOgnese do chiste, que revela, segundo freud, que a origem do prazer no chiste o jogo com as palavras e os pensamentos na infncia, que cessa to logo a crtica ou a razo declaram sua ausncia de sentido. Em sua evoluo, o chiste lutaria ento sucessivamente contra dois poderes: a razo ou o crtiCO, de um lado, e a represso agresso e obscenidade, de outro - etapas que correspondem aos dois tipos de chiste de sua classificao: o inofenSivO e o tendencioso. A idia de uma genealogia do riso cujas etapas seriam determinadas pela ao da crtica aparece, alis, em outros autores. Para Odo Marquard (1976), por exemplo, a alegria e o riso conheceram, na histria ocidental, quatro estgios sucessivos: a realidade, a arte, o

  • cmico e a filosofia. Toda vez que o srio, com sua crtica, tomava conta de um desses estgioS, diz Marquard, o riso emigrava para a posio seguinte. Confirmando o papel do riso como redentor do pensamento preso nos limites da razo, a ltima etapa - justamente afilosOfia nO dominada pelo srio - mostraria que "a salvao da teoria o riso, o riso de si mesma". 21 Na categoria dos chistes inofensivos, Freud inclui os chistes de reflexo (Gedanken witze) - que dizem respeito conduo do pensamento e do raciOcniO - e os jogos de palavras. Em ambos, o prazer resultaria de um alivio psquiCO decorrente da economia de esforo intelectual. possvel reconhecer aqui a oposio entre o riso e o pensamento srio. Nos chistes de reflexO, diz Freud, o prazer decorre da possibilidade de pensar sem as obrigaes da educao inteleCtual, qual estamos fadados no momento em que a razo e o julgamento crtiCO declaram a ausncia de sentido de nossos jogos de infncia. Os jogos de palavras, por sua vez, nos causam prazer porque nos dispensam do esforO necessrio a utilizao sria das palavras. O jogo de palavras suscita a ligao entre duas sries de idias separadas cuja apreenso exigiria muito mais esforo. O prazer que resulta de tal curtocircuito tanto maior quanto mais as duas sries de idias forem estranhas e afastadas entre si, o que faz cOom que a economia do curso do pensamento seja tambm maiOr.

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    curioso observar que essa transgresso da forma usual de exerccio da atividade intelectual aparece mais tarde em outros autores, como Lvi-Strauss, que, sem se referir a Freud, tambm menciona a energia economizada no riso. Para Lvi-Strauss, o riso resulta de uma conexo rpida e inesperada de dois campos semnticos distanciados - conexo, alis, que tambm recebe o nome de "curto-circuito". Em nossa apreenso do mundo, teriamos sempre uma "reserva de atividade simblica para responder a todo tipo de solicitao de ordem especulativa ou prtica". No caso do cmico, diz Lvi-Strauss, essa reserva "acha-se privada de ponto de aplicao: subitamente liberada e sem poder se dissipar no esforo intelectual, ela se desvia em direo ao como, que, como riso, dispe de todo um mecanismo montado para que ela se gaste em contraes nuzsculares". Desse modo, o riso corresponde a uma "gratificao da funo simblica, satisfeita a um preo bem menor do que esta se dispunha a pagar". 22 Percebe-se assim que a racionalidade do cmico difere da racionalidade pela qual normalmente apreendemos o mundo, e essa diferena quase quantificada como em uma operao matemtica - a prpria causa do riso, pois se transforma em contraes musculares. Veremos mais tarde que essa interpretao do riso tambm tem uma histria e que a metfora da eletricidade no estranha a outras teorias. Voltemos, porm, a Freud, que, para explicar essa transgresso do percurso normal do pensamento, recorre a um conjunto de categorias que j havia utilizado numa monografia sobre a afasia, de 1891, e que voltaria a empregar mais tarde, em 1915, em seu estudo sobre o inconsciente. Segundo Freud (1905), o que ocorre no jogo de palavras que a idia da palavra (Wortvorstellung) ultrapassa a significao da palavra, que dada pelas relaes da palavra com a idia da coisa (Dingvorstelung) o que nos exime do trabalho psquico necessrio ao emprego srio da palavra. No caso de uma doena da atividade do

  • pensamento - e podemos supor que esteja falando da afasia -, observa-se que a sonoridade da palavra realada em detrimento da significao da palavra. Essa mesma circunstncia observa-se nas crianas, que tendem a encontrar um mesmo sentido para sonoridades semelhantes ou idnticas - o que, alis, fonte de riso para os adultos. O jogo de palavras funciona da mesma forma: liga dois crculos de idias distantes pelo emprego da mesma palavra ou de palavra semelhante, o que s possvel porque a idia da palavra est isolada de sua relao com a idia da coisa. Apesar de as noes de Wortvorstellung e Dingvorstellung serem freqentemente reformuladas por Freud, pode-se dizer, com base no esquema que integra o estudo sobre a afasia, que a idia da palavra

    19

    compreende suas imagens sonora, escrita, lida e de movimento, enquanto a idia da coisa compreende, entre outras, as associaes visual, ttil e acstica. A extremidade sensvel da idia da palavra a imagem sonora, e da idia da coisa o carter visual, que representa a coisa. A ligao entre ambas as idias chamada de relao simblica dada pela imagem sonora, do lado da palavra, e pela associao visual, do lado da coisa. Palavra e coisa no so, portanto, concebidas como realidades unvocas, e sim como idias compostas de vrios elementos. Pode-se dizer ento que, para Freud, a preponderncia da idia da palavra e sua disjuno da coisa o mecanismo que finda o carter no-srio da racionalidade do jogo de palavras. J o pensamento srio caracteriza-se pelo estabelecimento de relaes de sentido entre as palavras e as coisas. Os jogos de palavras, assim como os chistes de reflexo, so fontes de prazer porque nos permitem dispensar a relao de sentido entre as palavras e as coisas, relao que no respeitamos durante os jogos de inFancia. Vale lembrar que, para Foucault, a classificao de Borges era "impensvel" e fonte de riso porque arruinava de antemo a sintaxe que mantinha juntas as palavras e as coisas. Podemos agora acrescentar: porque as idias das palavras estavam isoladas das idias das coisas. O no-srio, ou o no-lugar da linguagem, seria ento o lugar onde as palavras no significam as coisas e "jogam" entre si como nos jogos de infancia uma ausncia de sentido que torna esse lugar inacessvel ao pensamento. Para Foucault, o riso da resultante provm da "impossibilidade clara de pensar aquilo". Para Freud, contudo, esse riso tem razes psquicas: a expresso de um prazer original reencontrado, ao qual tivemos de renunciar quando a razo nos imps o sentido. O riso continua assim vinculado a um "no-lugar" do pensamento, mas a um "no-lugar" passvel de explicao no sistema terico de Freud. Este , afinal, seu objetivo: examinar as relaes do chiste com o inconsciente. Alm de passarem pela psicognese do chiste, tais relaes evidenciam-se pela comparao do chiste com o sonho. Como no caso do sonho, diz Freud, o chiste encontra no inconsciente o inventrio de formas de expresso possveis onde escolhe justamente aquela que traz consigo o ganho do prazer da palavra. Alm disso, se o sonho sempre um desejo que serve economia do desprazer, o chiste um jogo que serve aquisio de prazer exatamente os dois objetivos, segundo Freud, de todas as nossas atividades psquicas, de modo que o chiste adquire, ao lado do sonho, um significado fundamental no que diz respeito constituio psquica do homem.

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  • Finalmente, outras formas do risvel tambm se constituem fora da ateno consciente. A ao cmica e o humor, apesar de no se localizarem no inconsciente como o chiste, esto, para Freud, no pr-consciente. Uma diferena que no anula a identidade de objetivo dos trs - serem mtodos de recuperao do prazer que se perdeu com o desenvolvimento da critica. importante notar que, na tradio terica alem, o objeto do riso freqentemente divide-se em cmico (das Komische) e chiste (Witz), s vezes acrescentando-se-lhes o humor (Humor). Das Komische em geral refere-se a aes, gostos ou expresses corporais, como os que se observam no teatro ou nas ruas, enquantO Witz diz respeito aos chistes e piadas. Essa distino nem sempre to simples e depende, evidentemente, do sistema terico de cada autor. A recorrncia do chiste como categoria capaz de encerrar uma especificidade comum apenas s tradies alem e inglesa, que dispem de palavras para fundamentar essa diferena. O Witz alemO e o wit ingls remetem a uma especificidade ausente nas outras lnguas, nas quais se fala do cmico em geral. s vezes divididO em CmiCO "de palavras" e cmico "de aes" ou "de situaes". Para Freud, portantO, o objeto do riso em geral - o chiste, a ao cmica, o humor etc. - ope-se esfera consciente da razo e da crtica. Observa-Se, contudo, em sua formulao, que o impensado, o indizvel, o no-srio situam-Se num espao teoricamente estabelecido, que os torna passveis de serem pensados e nomeados pela razo. No basta situar o risO e o risvel enquanto opOstos apreenso consciente do mundo, relao lgica entre as palavras e as Coisas; o lugar mesmo em que se situam "dizvel" pelO pensamento raciOnal, uma vez que o impensado passa a ser acessvel pelo vis da psicanlise. H, assim, diferenas significativas entre os tratamentos da questo do riso como sinalizadora de algo que se situa para alm do pensamento. Para completar a discusso, necessrio introduzir a noo do riso trgico, que aparece em autores como Clment Rosset e nos prprios Nietzsche e Bataille.

    Riso cmicO, riso trgico

    Clment Rosset, em sua Lgica do pior (1971), caracteriza o que seria o "riso exterminador" ou "riso trgico" partindo de um caso concreto, o naufrgio do Titanic. o naufrgio, para ele, alm de ser um infortnio lamentvel, comovente e trgicO, foi tambm uma histria de violenta fora cmica, manifestada, por exemplO, na ordem de seguir em velocidade mxima quando as mensagens j alertavam para a presena de Icebergs; na calma do comandante, autor daquela ordem; no desempenho

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    da orqueStra, que, no ltimo minutO, substituiu a msica de dana por hinos religioSOS. e assim por diante. Mas a principal fonte Cmica, para Rosset, a que d ao riso uma perspectiva trgica - "o fato de o desaparecimento possuir em si mesmo, uma vertente cmica". 23 O desaparecimento a exterminao sem restos, a pura O simples cessao de ser. E nessa passagem gratuita do ser ao no-ser, sem que haja razo ou fator necessrio, que reside, para Rosset, a motivao do riso trgico. O riso exterminador e gratuito nasce quando algo desaparece sem razo - talvez, acrescenta, "porque a incongrunCia do desaparecimento revela tarde demais o carter inslito do aparecimento que o precedera: ou seja, o acaso de toda existncia". 24

  • Para realar a especificidade desse riso, Rosset lhe ope o riso clssico, que situa no terreno do sentido, na medida em que seu efeito cmico vem do contraste entre o sentido e a incoerncia. O riso clssico, comparado ao trgico, teria uma grande fraqueza: incapaz de ascender ao pensamento do acaso, porque pressupe a preexistncia de uma positividade do sentido. Como ri do impensVel, continua pressupondo o pensvel. O riso trgico, ao contrrio, faria o sentido desaparecer de uma s vez, como o Atlntico fez desaparecer o Titanic, sem compensar a destruio com uma razo. Entre os risos que seriam propensOS fraqueza do riso clssico, Rosset identifica o riso de Foucault suscitado pela leitura da classificao de Borges: a "impossibilidade clara de pensar aquilo" no faria seno reafirmar o sentido do pensvel. No creio, contudo, que o riso de Foucault tivesse como resultado ltimo reafirmar a positividade do sentido. Ao contrrio: nele est contida a perplexidade diante do impensVel e a conseqente certeza dos limites de "nossO" pensamento. No prpriO texto de Rosset, alis, a destruio do sentido no prescinde das positividades comuns ao nosso pensamento. O riso exterminador, aquele que no tem a fraqueza de afirmar o sentido, significa para ele, "em ltima anlise, a vitria do caos sobre a aparncia de ordem: o reconhecimento do acaso como "verdade" "[d]aquilo que existe""". 25 Estas ltimas palavras revelam afinal que a vitria do caos sobre a ordem s pode ser nomeada a partir dos limites de nosso pensamentO. preso s noes de "verdade" e de "existncia", as quais, mesmo colocadas entre aspas, no atingem o "no-lugar" da linguagem. Ao tornar positivos o caos, o acaso, o nada, Rosset nos conduz novamente ao mesmo esquema: situa o riso em um espao para alm do pensamento e da ordem - espao que nosso pensamento e nossa linguagem no podem atingir, no obstante o esforo de os colocar entre aspas. Como nos casos anteriores, o riso carregado de uma espcie de verdade

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    "mais verdadeira" e de realidade "mais real" do que aquelas que nosso pensamento pode apreender. Dois registros merecem destaque nessa discusso. Em primeiro lugar, a prpria noo de riso trgico como afirmao do nada, do desaparecimento, do acaso, enfim, da destruio do sentido sem que nada seja dado em troca. Em segundo lugar, o fato de a oposio entre riso trgico e riso cmico (ou "clssico", como quer Rosset) no ser de modo algum linear ou transparente: o elogio daquele pode levar a uma exacerbao da verdade e da existncia, compensando, sim, a cessao de ser com um sentido. Tratemos agora da segunda frase de Nietzsche citada por Bataille. Ela e a ateno que lhe confere Bataille nos permitiro completar a discusso sobre a idia de riso trgico e suas nuanas. "Ver naufragar as naturezas trgicas e ainda poder rir, apesar da mais profunda compreenso, da emoo e da compaixo, isto divino" - esta a frase, que Bataille cita pelo menos duas vezes em sua obra. 26 Para se perceber sua importncia na histria do pensamento sobre o riso, convm observar que, pelo menos at fins do sculo XVIII, o objeto do riso sempre foi caracterizado como o oposto do trgico e, por isso mesmo, impossvel de suscitar compaixo. Agora, ao contrrio, trata-se de saber rir do trgico, acima e alm de toda compaixo que ele possa engendrar. No foi toa, certamente, que Rosst caracterizou mais tarde o riso trgico a partir do exemplo do Titanic: o naufrgio parece ser uma imagem eficaz para tratar dessa questo.

  • Para Bataille, contudo, a expresso de Nietzsche soa "um pouco trgica demais". No momento em que podemos rir daquilo que trgico, diz ele na conferncia de 1953, "tudo simples e tudo poderia ser dito sem nenhuma espcie de acento doloroso". 27 Na verdade, o riso trgico de Bataille tem menos a ver com o objeto do riso (o trgico de que se ri) do que com a atitude daquele que ri. A questo de a satisfao do riso ser inseparvel de um "sentimento trgico" recorrente em sua obra. "Quando voc ri", diz ele em uma passagem de A experincia interior, "voc se percebe cmplice de uma destruio daquilo que voc , voc se confunde com esse vento de vida destruidora que conduz tudo sem compaixo at seu fim. "28 Ou ainda, em O limite do til, o que tramos ao rir "o acordo (... ) de nossa alegria com um movimento que nos destri";29 em ltima instncia, com a prpria morte. Nesse caso, no por rir da morte, e sim por se confundir com a morte, que esse riso se torna inseparvel de um sentimento trgico. Mais uma vez as diferenas entre os autores no so pequenas. Mas no h dvida de que, quando se fala de riso trgico, da destruio, da cessao de ser, que se est falando.

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    Este livro debrua-se sobre as relaes entre o riso e o pensamento e parte de um conjunto de reflexes contemporneas que vinculam o riso a um "no-lugar" do pensamento, necessrio para que este ultrapasse seus prprios limites. No que diz respeito ao estatuto desse "no-lugar", desse "nada" que encerra a essncia do riso, pode-se distinguir dois movimentos. o primeiro o define em contraposio ordem do srio. O riso e o risvel remetem ento ao no-sentido (nonsense), ao inconsciente, ao no-srio, que existem apesar do sentido, do consciente e do srio. Saber rir, saber colocar o bon do bufo, como diz Ritter, passa a ser situar-se no espao do impensado, indispensvel para apreender a totalidade da existncia. Esse primeiro movimento tambm o de Freud, que aproxima o risvel do inconsciente ou do pr-consciente. indispensveis para se apreender a totalidade da vida psquica. Pode-se reconhec-lo tambm em algumas pesquisas no campo das cincias humanas, que definem o espao do riso e do risvel como aquele em que se experimenta uma transgresso da ordem social ou da linguagem normativa. O espao do riso ento a outra "metade" da sociedade ou da linguagem, indispensvel para dar conta de suas totalidades. O segundo movimento consiste em relacionar o "nada" cessao de ser: o "nada" no mais a "metade" no-sria ou inconsciente do ser, e sim a morte. Saber rir, nesse caso, tornar-se Deus, experimentar o impensvel, ou ainda sair da finitude da existncia. Os dois movimentos no so excludentes entre si. Quando Nietzsche assinala a necessidade imperativa de sair dos limites do ser para tornar possvel a "gaia cincia", tambm da oposio ao primado do sentido e da positivao do no-sentido que est falando. Para Bataille, no s a morte, mas tambm o desconhecido fazem rir. Ou seja: no por um autor se referir ao riso da morte que exclui de suas reflexes o riso do no-srio, do impensado, enfim, o riso que remete necessidade (ou impossibilidade) de se ultrapassar os limites do pensamento. Por isso, a distino feita por Rosset entre o riso clssico e o riso trgico parece-me um tanto rgida demais. O riso clssico, diz Rosset, reafirma o sentido, na medida em que torna o no-sentido como

  • hilariante e impensvel. Mas ele esquece que esse mesmo riso consiste tambm na afirmao do no-sentido enquanto hilariante e impensvel. A relao entre o riso e o prprio ato de pensar o "nada" tambm ressalta do conjunto de reflexes de que tratamos at agora. O riso torna-se necessrio seja para ultrapassar os limites do pensamento srio e tornar

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    positivo o no-srio banido como "nada", seja para ultrapassar os limites do ser e fazer a experincia refletida do no-saber, ou, como quer Nietzsche, tornar possvel a "gaia cincia". Ele passa a ser uma soluo tanto para o pensamento aprisionado nos limites da razo quanto para o ser aprisionado na finitude da existncia. Pelo riso atingimos a no-razo e a morte dois objetivos cuja atualidade histrica est atrelada s exigncias do pensamento moderno. 30 Interessa-nos examinar como o riso foi pensado fora dessa modernidade, e se e como - foi vinculado tambm a um pensamento sobre o pensamento. Se hoje o riso parece ter ascendido a um estatuto filosfico, importa compreender que relaes se estabeleciam entre o riso e o pensamento em outras pocas. Pode-se dizer que o ato de pensar o riso sempre foi definido pelo srio, que excluia o riso, considerando-o incapaz de dizer algo sobre o prprio pensamento. Agora, contudo, como mostram os textos at aqui abordados, o pensamento parece buscar sua definio (suplantando seus limites e sua seriedade) no prprio riso, que se converteu assim na salvao da filosofia. Para abarcar esse duplo movimento, podemos chamar o riso de conceito ao mesmo tempo filosfico e histrico. Filosfico por ter-se tornado um conceito em relao ao qual certos pensamentos modernos passaram a se definir, e histrico porque, como objeto do pensamento, recebeu uma srie de definies historicamente determinadas. 31 Se hoje situa-se o riso ao lado do impensvel, daquilo que revela ao pensamento a necessidade e a impossibilidade de ultrapassar seus limites, parece-me que o prprio pensamento no pode mais defini-lo e que no mais possvel uma teoria do riso. Ou melhor: s ser possvel uma teoria do riso que tiver por objetivo definir o riso a partir das positividades finitas do pensamento, procurando sua "essncia", seu "fundamento", seu "mecanismo" etc. Isso ainda factvel, mas no estou certa de sua utilidade contempornea. A questo "o que o riso?" parece ter perdido a urgncia. Quando a encontramos hoje, temos a impresso de estar diante de uma repetio estril daquilo que os pensamentos de outrora disseram com muito mais vigor e atualidade.

    O riso nas cincias humanas

    Um dia em que pus as mos em certas obras gregas que tinham por ttulo O que juz rir, tive a esperana de que me ensinassem algo. Nelas achei um bom nmero daquelas piadas picantes to comuns entre os gregos 24;

    25

    mas quando elas quiseram formular a teoria do risvel e reduzi-lo a preceitos, mostraram-se singularmente insipidas, a tal ponto que, se fazem rir, por causa de sua insipidez

  • Ccero, De oratore, 11:217

    Foi dito que refletir sobre o riso faz ficar melanclico. Ritter, 1940

    Estamos ainda no ponto de partida deste livro. Parodiando Ccero: um dia em que me pus a pensar pela primeira vez no problema do riso, tinha a esperana de aprender alguma coisa. Entre minhas motivaes, estava o carter, em princpio contraditrio, de uma abordagem cientfica "sria" - de um tema que, primeira vista, nada tinha a ver com seriedade. Engano meu: medida que mergulhava na pesquisa, percebia que eu no era, de forma alguma, a primeira pessoa a eleger o riso como objeto de estudo. E mais: a esperana inicial de apreender a essncia do riso e do risvel revelava-se um lugar comum melanclico, presente em quase todos os trabalhos que pude consultar -, estudos contemporneos desenvolvidos na rea das cincias humanas. E de seu contedo que falarei agora. construindo um esboo do estado atual da questo do riso na pesquisa acadmica que permitir situar melhor este estudo no debate contemporneo. 32 A brevidade desse esboo obriga-me a contornar o obstculo terminolgico que permeia a discusso terica do problema. So muitas as categorias ligadas ao nosso objeto de estudo: humor, ironia, comdia, piada, dito espirituoso, brincadeira, stira, grotesco, gozao, ridculo, nonsense, farsa, humor negro, palhaada, jogo de palavras ou simplesmente jogo. Examino, porm, os trabalhos como se dissessem respeito indistintamente ao universo do riso e do risvel, sem me deter nas diferenas terminolgicas, mesmo porque, na maioria dos casos, elas no so expressamente destacadas pelos autores. Chamo de risvel o objeto do riso em geral, aquilo de que se ri seja a brincadeira, a piada, o jogo, a stira etc. Assim, risvel aqui, na maioria dos casos, corresponde ao que tambm recebe o nome de cmico. Ambas as noes so bastante aproximadas, mas o emprego da palavra risvel tem uma funo instrumental. Impe-se a partir dos textos mais recentes que introduzem a noo de riso trgico em oposio ao riso cmico, 33 e uma soluo que engloba os diversos termos que designam o objeto do riso nos textos tericos. Neste esboo pergunto-me tambm sobre o que motiva alguns autores a estudar o riso e o risvel. Jean Duvignaud, em O prprio do homem

    26

    (1985), afirma a certa altura que todas as teorias de que falara escondiam uma inquietude: o que o homem procura atravs do riso? - isto , em ltima instncia, "o que o riso?". A pergunta aqui no esta, e sim: o que o pesquisador procura ao escolher o riso como objeto? - ou seja, "o que o pensamento sobre o riso?". Em boa parte dos casos verifica-se que a esperana de aprender algo resulta na melancolia de no chegar a parte alguma, de modo que no estaremos muito longe do estado da questo do riso aos olhos de Ccero. Comecemos pelos textos que procuram, mais uma vez, definir o riso e o risvel, tentando solucionar o problema atravs de novas teorias. John Morreall, em Levando o riso a srio (1983), apia sua investigao no argumento que d ttulo ao livro. Diz ele: no se deve concluir que, pelo fato de no ser uma atividade sria, o riso no possa ser tratado do ponto de vista acadmico. Muitos livros teriam sido

  • escritos neste sculo sobre emoes humanas como o medo ou a ansiedade, mas relativamente pouco teria sido dito sobre fenmenos mais positivos como o riso. Por isso, Morreall afirma pretender resgatar para o riso o valor a que faz jus, e mostrar que entender o riso avanar um bom pedao em direo ao entendimento de "nossa humanidade". As motivaes do autor fundam-se em duas premissas muito pouco originais. A idia de que atividades como o riso no tm lugar nos estudos acadmicos no subsiste a uma investigao sobre a produo cientfica e filosfica deste sculo. Em 1938, Johan Huizinga, em Homo ludens, j observava a importncia do estudo de atividades no-srias no campo das cincias humanas. Mesmo antes, em 1904, Franz Jahn justificava seu trabalho O problema do cmico em sua evoluo histrica salientando a importncia do exame do no-srio em face da preponderncia do trgico e do srio na cincia, na religio e na moral. Todos os estudos e teorias sobre o riso deste sculo atestam que, em diferentes disciplinas das cincias humanas, no so raras as tentativas de se "levar o riso a srio". A segunda premissa de Morreall prende-se ao prprio objetivo do autor: curioso que, ainda em 1983, o que motivasse a estudar o riso fosse a idia de que, atravs dele, pudssemos apreender algo de essencial natureza humana. Veremos nos prximos captulos que essa relao tema dos mais recorrentes na histria do pensamento sobre o riso. No caso de Morreall, a descoberta da essncia do riso torna-se condio para o conhecimento de nossa natureza. O necessrio, diz ele, uma "teoria completa do riso e do humor". 34 Com esse objetivo, o autor investe em duas frentes, cumprindo um percurso no muito original se comparado ao de outras teorias. A primeira frente consiste em classificar o objeto do riso. Segundo Morreall, h dois

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    tipos de riso: o que resulta e o que no resulta de situaes cmicas. Para cada tipo relaciona uma srie de exemplos, que passam a servir de prova da validade de sua teoria. Assim, situaes como "ccegas", "assistir a um truque de mgica", "ver gmeos adultos com trajes iguais", ou ainda "histeria", que seriam em princpio exemplos selecionados aleatoriamente, acabam constituindo categorias de uma tipologia do risvel. A segunda frente escolhida por Morreall foi avaliar negativamente as teorias do riso anteriores, para, em seguida, propor sua prpria teoria como soluo definitiva para o problema. Ocorre que, nesse trajeto, Morreall reduz drasticamente todas as produes tericas sobre o riso a "trs teorias tradicionais": a da superioridade, a da incongruncia e a do alvio e, sem se preocupar com diferenas histricas, distribui os autores por essa tipologia. De acordo com a teoria da superioridade - para ele, a de Plato, Aristteles e Hobbes, entre outros -, o riso viria de um sentimento de superioridade em relao ao objeto do riso, o que, segundo Morreall, no abarcaria todos os tipos de riso. A teoria da incongruncia, igualmente insuficiente para abranger todos os tipos de riso, explicaria o riso como reao intelectual a algo inesperado e no-lgico. Aqui Morreall inclui, mais uma vez e sem maiores explicaes, Aristteles, ao lado de Kant e Schopenhauer. Por fim, a teoria do alvio seria aquela que define o riso como liberao de energia nervosa. Nesse caso estariam Shaftesbury, Spencer e Freud. Ao longo dos prximos captulos, veremos que esse quadro revela

  • um desconhecimento significativo dos textos desses autores. Como nenhuma das trs teorias completa - o que equivale a dizer que nenhuma abarca todos os exemplos de riso arrolados em sua tipologia -, Morreall formula sua prpria teoria, que consiste, segundo ele, numa sntese das anteriores: o riso "resulta de um novo estado psicolgico prazeroso" - eis a definio que oferece "a chave para se compreender todos os casos de riso". 35 O livro de Morreall parece-me exemplar de certa insipidez que pode tomar conta do estudioso do riso. Nele os lugares-comuns se repetem, as interpretaes da histria do pensamento sobre o riso so tendenciosas e, por fim, no se sabe bem por que a academia reivindica para si o direito de estudar o "lado no-srio" da experincia humana. O que a frmula "novo estado psicolgico prazeroso" - resultado de toda a investigao - nos traz de substancial? Mas Morreall no o nico a, nos anos 80, ainda procurar a essncia do riso e do cmico. Jean Cohen, no artigo "Cmico e potico" (1985), trilha o mesmo caminho para chegar soluo definitiva da questo -

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    uma frmula que, segundo ele, sintetizaria as duas grandes correntes tericas existentes desde a Antigidade: as teorias da degradao e da contradio. Cabe notar, alis, que a polarizao da questo do riso entre as noes de "superioridade" (ou "degradao") e "contradio" s tem algum significado na histria do pensamento sobre o riso a partir do sculo XVIII.

    A sntese proposta por Cohen dada pela definio do cmico como "contradio axiolgica interna", isto , "uma conjuno, no seio de uma mesma unidade, de duas significaes patticas opostas, que se neutralizam reciprocamente". 36 Essa definio leva o autor a situar o riso no lado oposto da norma. Dois valores contrrios coexistem e se neutralizam, diz ele, de modo que o cmico " o niilismo e, como tal, liberao". A alegria que o cmico engendra seria a "felicidade de uma liberdade [que foi] reconquistada do mundo coercivo e tenso dos valores". 37 Ou seja, trata-se aqui da oposio entre o mundo srio dos valores e a liberdade propiciada pelo cmico - oposio que parece necessitar de frmulas de efeito ("contradio axiolgica interna", "significaes patticas que se neutralizam") para se renovar perpetuamente. Outro exemplo da tentativa de apreender a essncia do riso e do cmico o artigo de Bjorn Ekmann, "Por que e com que fim rimos" (1981). Escrito como um convite a um trabalho interdisciplinar sobre a esttica do riso, o artigo, alm de apresentar 12 teses que procuram especificar o riso, o cmico e a stira, entre outros, prope definies de humor, comdia, ironia etc. O autor no chega a formular uma definio nica, mas nota-se claramente que, com o trabalho interdisciplinar proposto, espera se aproximar do fenmeno integral do riso e responder questo contida no ttulo de seu artigo. Pode-se observar percurso semelhante no debate que Mike Martin e Michael Clark travam no British Journal ofAesthetics, respectivamente em 1983 e 1987. A tentativa aqui de apreender a especificidade da incongruncia que suscitaria o riso. Para tanto, os autores se ocupam de questes como a necessidade de distinguir diferentes tipos de incongruncia, o fato de nem toda incongruncia resultar em riso, ou ainda de nem todo riso resultar de uma incongruncia, e assim por

  • diante. Recuando primeira metade do sculo XX, mais precisamente a 1949, temos Eugne Duprel, que desenvolve os conceitos de "riso de acolhimento" e "riso de excluso" para explicar o que chama de "fenmeno integral do riso" enquanto "sntese de alegria e de maldade". O riso seria uma manifestao de alegria pela satisfao de estar reunido, mas tambm expresso da maldade do grupo que ri de um personagem ridicularizado.

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    A interpretao do riso como sntese de prazer e desprazer recorrente nas teorias sobre o assunto. O fato de o riso nem sempre ser expresso de alegria, mas tambm de malcia em relao quele de quem se ri impede que se lhe confira sempre um valor positivo. O estudioso do riso pode embaraar-se diante da vontade de situ-lo entre as manifestaes de libertao da ordem estabelecida - rimos todos Juntos da norma - e a constatao de que no raro a afirmao mesma da ordem que est em jogo - as piadas racistas, por exemplo, no nos unem contra a norma. Para solucionar esse impasse muitas vezes caracteriza-se o riso como fenmeno sobretudo "humano": ele encerraria concomitantemente os lados "bom" e "mau" de nossa "natureza". Ainda na primeira metade do sculo XX (1941) e de forma bastante elaborada, o antroplogo alemo Helmuth Plessner proporia mais uma teoria do riso, no livro Rir e chorar: uma investigao das fronteiras do comportamento humano. Plessnerjustifica seu estudo pela especificidade do riso e do choro: de um lado, opem-se linguagem e aos gestos porque no constituem uma resposta carregada de sentido; de outro, apesar do carter eruptivo que os aproxima das expresses das paixes, ambos se diferenciam de emoes como a raiva, a alegria, o amor etc. porque estes ltimos manifestam-se simbolicamente, enquanto, no riso e no choro, o movimento do corpo permanece opaco. Isto : contrariamente s expresses emotivas, o riso e o choro nada dizem simbolicamente, o que os aproximaria, segundo Plessner, dos eventos arbitrrios do processo vegetativo, como enrubescer, empalidecer, vomitar, tossir, espirrar etc. O problema bsico na investigao de Plessner portanto descobrir as incgnitas "o que faz rir" e "o que faz chorar", j que elas no so de ordem afetiva. Na verdade, porm, a investigao acaba se atendo ao riso, uma vez que, ao longo do livro e revelia do prprio Plessner, o choro torna-se nitidamente expresso de emoo. procura da incgnita "o que faz rir", o autor define o objeto do riso como aquilo que suscita a ligao insolvel, contraditria e polissmica entre o srio e o no-srio, entre o sentido e a ausncia de sentido - ligao com a qual o homem no consegue lidar e da qual s consegue escapar atravs do riso. Para Plessner, o riso exprime a impossibilidade de resposta, expresso assumida pelo corpo, emancipado da pessoa. Ou sej a: quando a razo e o entendimento no conseguem responder, o corpo que assume a tarefa de expressar a impossibilidade de resposta. Tal teoria do riso sublinha portanto uma perplexidade indizvel diante do cmico. Como Plessner repete diversas vezes em seu livro: "rimos porque no conseguimos lidar com isso" - com o sentido na ausncia de sentido, com a possibilidade do impossvel. Ao riso conferido o atributo

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  • de ser expresso, no de uma paixo, mas de uma "crise do comportamento do homem em relao a seu corpo" - frmula hermtica que no poderia ilustrar melhor a incgnita "o que faz rir". Veremos nos prximos captulos que a teoria de Plessner assemelha-se a outras tentativas de explicar o fenmeno do riso relacionando-o s atividades cognitivas, afetivas e vegetativas do homem. O que significa essa reao explosiva do corpo diante do objeto risvel? Essa questo est por trs de muitas das teorias produzidas ao longo da histria do pensamento sobre o riso e revela-se especialmente interessante, na medida em que nos informa sobre diferentes concepes de homem, corpo, cognio e afeco, implcitas nas tentativas de explicar o riso. Por fim, preciso dizer que definir o riso como reao exclusiva do corpo diante do fato de que nem a razo nem o entendimento respondem ao objeto risvel uma idia j presente em Kant (1790). Alm das tentativas de apreender a "chave" do riso, h, no campo das cincias humanas, toda uma srie de estudos ao mesmo tempo empiricos e tericos, que investigam o riso e o risvel em relao vida social ou linguagem. Nesses casos, o lugar atribudo ao riso e ao risvel depende, evidentemente, da forma pela qual a sociedade ou a linguagem so concebidas: quando pressupem a idia de um sistema, de uma ordem ou de uma norma, o lugar do riso em geral o da desordem ou da transgresso. No universo das cincias sociais, por exemplo, observa-se a recorrncia do carter transgressor do riso. Trata-se, na maioria dos casos, de uma transgresso socialmente consentida: ao riso e ao risvel seria reservado o direito de transgredir a ordem social e cultural, mas somente dentro de certos limites. Na antropologia, por exemplo, alguns estudos salientam que o espao de consentimento do riso culturalmente marcado, quase como se ele tivesse uma funo social. Guardando as diferenas de abordagem, poder-se-ia citar Mauss (1926), Radcliffe-Brown (1952), Clastres (1967) e Seeger (1980), estudos em que o riso e o cmico aparecem, digamos, como fatos sociais, revelando que, em cada sociedade, haveria um espao para sua expresso - espao que coincidiria com aquele onde permitido experimentar a transgresso da ordem estabelecida. Por um lado, a ligao do riso com o espao da desordem tem como conseqncia o fato de a transgresso tornar-se, ela tambm, uma norma. As relaes jocosas analisadas por Marcel Mauss, por exemplo, exprimem, segundo o autor, a necessidade de relaxar ante as restries da vida cotidiana. Ao compar-las a instituies de nossa sociedade, Mauss sublinha que a falta de respeito s se d em funo da existncia de uma ordem preestabelecida: "No basta dizer que natural, por exemplo, que o

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    soldado se vingue, no recruta, das troas do cabo; preciso haver um exrcito e uma hierarquia militar para que isso seja possvel". 38 No mesmo sentido, Radcliffe-Brown diria que as relaes jocosas implicam a permisso de faltar ao respeito, ou seja, a institucionalizao da transgresso. Por outro, observa-se que o posicionamento do riso ao lado da desordem confere-lhe um valor de liberdade, de purgao quase, em relao s coeres sociais. De acordo com a interpretao de Pierre Clastres, no artigo "De que riem os ndios?", os Chulupi do Chaco paraguaio ridicularizam, no nvel dos mitos, o que proibido

  • ridicularizar "no nvel do real". Analisando dois mitos nos quais o jaguar e o xam so ridicularizados, o autor conclui que, para os ndios, trata-se de pr em xeque, de desmistificar a seus prprios olhos o medo e o respeito que as duas figuras reais inspiram. No mesmo sentido, os velhos Suy estudados por Anthony Seeger servem-se, segundo o autor, de temas ao mesmo tempo importantes e conflituosos de sua sociedade, e jogam com as ambigidades e os tabus, tornando-se incrivelmente engraados. E para Mary Douglas (1968), o joke um anti-rito que invalida e desvaloriza os patterns dominantes, destruindo a hierarquia e a ordem. Esse potencial regenerador e s vezes subversivo do riso e do risvel um lugar-comum presente em quase todos os estudos. Para Robert Escarpit, por exemplo, o humor permite "romper o crculo dos automatismos que a vida em sociedade e a vida simplesmente cristalizam em torno de ns". 39 Luiz Felipe Bata Neves (1974) ope o riso e o cmico "ideologia da seriedade" e acredita no poder heurstico do cmico, pleiteando que se considere a comicidade uma forma especfica de conhecimento do social e de leitura crtica da opresso. Leandro Konder, em agradvel estudo sobre o baro de Itarar (1983), sublinha o papel do humor como desmistificador da ideologia dominante e, por isso, emancipador, destacando ainda seu carter libertrio e sua capacidade de trazer o novo. Muitas vezes, o carter regenerador do riso identificado com o universo da arte. Rainer Warning (1975), por exemplo, aproxima o riso e o risvel do mundo da fico e do potico, como formas de expor outras possibilidades, para alm dos sistemas de sentido fechados. Em 1938, Huizinga j destacava essa relao no caso especfico do jogo: segundo ele, o jogo baseia-se na manipulao de uma certa imaginao da realidade, de sua transformao em imagens, e mantm estreita ligao com o campo da esttica. J em 1985, Jean Duvignaud diria que os atos e palavras do cmico e do riso pertencem quela "finalidade sem fim" de que falam os filsofos, e que diz respeito tambm criao artstica.

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    A proximidade entre o plano de atualizao do riso e do risvel e os outros campos de possibilidades abertos pela arte, pela fico, pelo jogo etc, figura tambm em Frame analysis, de Erving Goffman (1974). O livro no faz um estudo do riso e do risvel, mas contm anlises e referncias a teorias do riso como a de Bergson, por exemplo. De acordo com Goffman, a sociedade e a linguagem revela-se menos um sistema fechado de possibilidades preestabelecidas do que uma constituio de campos em perspectiva, segundo as diferentes possibilidades de organizao da realidade. A partir das anlises de Goffman, o risvel poderia ser situado entre as experincias humanas "no-reais", como o jogo, o sonho, o acidente, a performance teatral, o equvoco etc. As atividades que levam ao riso no seriam transgresses da norma, mas constituintes dos mltiplosframes da experincia humana. Goffman remete o termo frame ao artigo "Uma teoria do jogo e da fantasia", de Gregory Bateson (1955), que seria uma das primeiras abordagens diretas do problema do srio e do no-srio na experincia humana. A reflexo de Bateson em torno da expresso "isto um jogo" (this is play) permite de fato situar o riso e o risvel no em oposio a uma norma preestabelecida, mas ao lado das aes que, segundo ele, no denotam aquilo que denotam. O que se observa em relao s interpretaes de Bateson e de Goffman que, tanto no plano da linguagem quanto no das relaes

  • sociais, as atividades no-srias ou "no-reais", como o jogo, a fantasia, o joke ou o cmico, so pensadas fora das estruturas de oposio do tipo "ordem" versus "desordem", O importante no seria o riso e o risvel constiturem um espao de transgresso ou de subverso da norma, mas pressuporem o estabelecimento de um nvel metacomunicativo, ou de um frame, no interior do qual tudo o que se passa jogo (play). Outra interpretao que se ope idia de um sistema preestabelecido a de Daniel Cottorn, em estudo de 1989. Cottom afirma que todo texto e toda interpretao de texto, assim como a linguagem, so contingentes, polticos e retricos. A linguagem no faria parte da ordem, da estrutura social, das convenes lingisticas; ao contrrio: ela seria movente, sujeita a mudanas, aberta a possibilidades e a outros poderes de significao. O autor desenvolve essa idia a partir da anlise do gnerojoke, que, por no se situar em um lugar definido em relao a um sistema normativo, no tem funo transgressiva ou subversiva prvia. O interessante que Cottom estende sua concepo do joke e da linguagem a todas as teorias que tentam definir o riso e o risvel: como todo tipo de texto, elas so efmeras e contingentes, isto , histrica e retoricamente dadas. Isso significa, segundo ele, que essas teorias devem ser no s consideradas inseridas no contexto em que foram produzidas (no so apenas obra de

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    seu tempo), mas tambm analisadas politicamente como construes de sentido que se referem a organizaes especficas de poder. Retornando aos estudos que partem da oposio entre norma e desvio para situar o riso, resta mencionar o trabalho de Lucie Olbrechts-Tyteca, O cmico do discurso (1974), um desdobramento do Tratado da argumentao (1958), escrito em co-autoria com Chaim Perelman. De acordo com o prefcio de Perelriian, o cmico do discurso (ou "cmico da retrica") seria oladopatolgico da linguagem, que ocorre quando fazemos dela uso abusivo, isto , quando ultrapassamos os limites de seu uso "normal e srio". O que esse cmico assinala, diz Perelrnan, que precisamos nos conservar "no caminho da preciso e da formalizao" para impedir a reproduo de situaes que levam ao riso. H portanto uma oposio entre o uso srio, preciso e formal da linguagem e seu uso abusivo, sancionado pelo riso. A essa oposio acrescenta-se a que Olbrechts-Tyleca estabelece entre demonstrao e argumentao. Segundo ela, o cmico do discurso s possvel na argumentao, uma vez que a demonstrao se caracteriza pela univocidade, a intemporalidade e o carter inelutvel das concluses. Para comprovar sua tese, a autora passa a procurar, em enunciados risveis, aquilo que os torna fonte de riso, procedendo ao que chama de "mtodo da reduo do cmico". E para assegurar-se de que os enunciados analisados so efetivamente risveis, opta pelos que aparecem nas teorias tradicionais do riso, como os chistes estudados por Freud em 1905. "A tradio, nesse domnio", diz ela, " uma espcie de cauo mtua". 40 curioso observar como alguns autores tornam o contedo das teorias do riso como uma espcie de verdade transcendental A utilizao do material de Freud como corpus de anlise, sob o pretexto de que j estaria consagrado como risvel, revela que a autora no considera a atualidade histrica das teorias nas quais os exemplos aparecem. Alm disso, Olbrechts-Tyteca incorpora a suas consideraes preliminares sobre o riso e o risvel definies de teorias to diferenciadas quanto

  • as de Laurent Joubert (publicada em 1579), Poinsinet de Sivry (de 1768) e Jean Paul (de 1804), para citar apenas as mais antigas. Esse procedimento, que consiste em adotar teorias j "histricas" sem nenhum tipo de relativizao, tambm aparece no texto de Morreall, que usa a classificao do riso de James Beattie (de 1776) para confirmar a tese de que a "teoria da incongnuncia" no explicaria todos os tipos de riso. Olbrechts-Tyteca conclui que o riso uma espcie de termmetro que indica que o discurso em questo arguimentativo, e no demonstrativo. Mas, apesar de afirmar que pretende se ater aos problemas circunscritos, acaba transformando seu estudo numa forma enviesada de valorizar o carter no regulamentado da linguagem.

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    Essa orientao torna-se relativamente clara quando Olbrechts-Tyteca se pergunta se sua pesquisa no implicaria a atribuio argumentao e retrica de um estatuto mais fundamental, mais real do que aquele conferido demonstrao e lgica formal reflexo que, no entanto, abandonada em seguida, sob o pretexto de no ser cientfica, e sim filosfica. A argumentao e a retrica revelariam que a linguagem muito mais multiforme do que se pensa, sendo o "cmico da retrica" investido da funo de confirmar tais atributos: "ele salienta aquilo que distingue a argumentao: a ambigidade dos termos, a multiplicidade dos ouvintes, a possibilidade constante de objees, a instabilidade das premissas, a interao de todos os elementos, enfim, o carter no-coercitivo da argumentao. "41 Verifica-se que o "mtodo da reduo do cmico" e a anlise dos exemplos consagrados pela tradio terica tornam-se secundrios diante do que interessa de fato autora. Conseqentemente, parece pequeno o saldo de 10 anos de pesquisa "cientfica" (no dizer da autora): "Esperamos que, no plano da observao e da experincia, nossas anlises forneam um material que toda teoria do cmico tenha interesse de levar em conta. "42 Afora esse material emprico da anlise, o que resultaria desse estudo? O trabalho de Olbrechts-Tyteca exemplifica, a meu ver, um procedimento comum no tratamento da questo do riso na pesquisa acadmica contempornea: falar de uma coisa quando, na realidade, outra que est em questo. Em vez de se debruar sobre o riso e o risvel enquanto objetos, esse tipo de estudo confere-lhes uma funo instrumental para chegar legitimao de prticas no-normativas - nesse caso, a argumentao e a retrica. A pesquisa sobre o riso fica ento deslocada e no oferece, ao fim e ao cabo, nada alm do que um material emprico que se espera sirva para outras anlises. Ou seja: convm que nos perguntemos novamente por que a cincia reivindica para si a competncia de pensar o riso se, como no caso de Olbrechts-Tyteca, o que resta um corpus compilado, que muito provavelmente nunca ser utilizado para uma nova teoria, como a autora prope - no s porque cada teoria ter novos critrios, mas tambm porque, como j aventei, no me parece que novas teorias do riso sejam atualmente necessrias.

    A orientao deste estudo

    Se o esboo traado j no se tornou melanclico ou risvel por sua insipidez, hora de lhe pr um ponto final e de tentar elucidar melhor a posio deste estudo no quadro atual da investigao sobre o riso.

  • 35

    Grosso modo, os trabalhos discutidos aqui revelam duas orientaes possveis no estudo do riso e do risvel: a tentativa expressa de apreender sua essncia propondo novas teorias definitivas e a anlise de certas formas de manifestao do riso ou de certas prticas "no-srias". Ora, no creio que um novo estudo que siga um desses dois caminhos possa oferecer resultados muito diferentes dos j disponveis. No se iria muito alm de reconhecer no riso e no risvel um carter paradoxal e ambivalente. De minha parte, partilho vrias das concepes j destacadas nas pesquisas sobre o assunto. Ou seja: nesse particular, este livro nada tem a acrescentar. Tampouco quero cair na armadilha de estudar o riso e o risvel para chegar a uma "realidade essencial", a um "fundamental" no-normativo, que seja evidenciado pela ambigidade de meu objeto. Isso j foi feito vrias vezes e merece antes ser analisado do que repetido. Por todas essas razes, o objetivo aqui examinar os pensamentos contemporneos sobre o riso que em parte so tambm meus confrontando-os com outras formulaes tericas que nos mostram ou que as concepes atuais sobre o riso no so de modo algum originais, ou que o riso pde ser concebido de forma totalmente diferente. Hoje, talvez s se possa analisar o tema riso e risvel historicamente. Jacques Le Goff, em artigo sobre o riso na Idade Mdia, afirma, alis, que o riso um verdadeiro objeto de reflexo e requer particularmente um estudo histrico. "Enquanto fenmeno cultural e social, o riso deve ter uma histria" - mesmo porque cabe aos historiadores "alargar o domnio da histria", incorporando-lhe a oralidade, os gestos e o corpo. 43 O fato de nosso esboo no ter tratado dos estudos de perspectiva histrica produzidos nos ltimos anos no deve sugerir sua inexistncia. Alguns sero abordados nos prximos captulos: principalmente os que se ocupam da produo sobre o riso e o risvel em perodos determinados da histria ocidental. Muitos deles, porm, parecem igualmente movidos pela busca da essncia do riso e do risvel, desta vez guiada pelos ensinamentos da tradio. Nos textos tericos da Antigidade encontram-se muitas das premissas que orientam o pensamento sobre o riso at os tempos atuais. No creio que seja possvel refletir sobre o estatuto do riso em outros pensamentos e no pensamento moderno independentemente de certas tradies tericas que remontam sobretudo a Plato, Aristteles, Ccero e Quintiliano. Nosso estudo, portanto, tem uma especificidade em relao aos que tambm partem de uma perspectiva histrica: um dos nicos a acompanhar a questo do riso desde a Antigidade at nossos dias. 44 Entre os raros exemplos desse tipo de estudo, h oj citado livro de Franz Jahn, de 1904.

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    bastante rico em fontes bibliogrficas, mas muito marcado por uma classificao evolucionista das teorias, que seriam primitivas e simples na Antigidade, tornar-se-iam aos poucos mais complexas e conformes essncia do riso, at atingirem a quase perfeio no incio do sculo XX. Alm desse estudo, existem algumas tentativas de interpretao da histria do pensamento sobre o riso que a reduzem a duas ou trs "correntes" tericas, como o caso dos j citados John Morreall e Jean

  • Cohen. No creio, contudo, que a questo do estatuto do riso em outros pensamentos seja resolvida dessa forma. preciso que nos debrucemos sobre os prprios textos e faamos outro tipo de indagao. Por exemplo: de que modo o riso aparece como objeto e justificado no texto? Como o autor explica o advento do riso e como define e classifica aquilo de que se ri? Quais as premissas, os exemplos e as referncias que sempre retornam? Somente esmiuando o pensamento de um autor que se pode apreender o que seu texto nos tem a dizer acerca do pensamento sobre o riso e, talvez, da relao entre o riso e o pensamento. H ainda um pequeno livro, bastante recente, que parece se ocupar da "histria do riso" partindo do que chamei de pensamento moderno. Trata-se de O riso e o sagrado, de Bernard Sarrazin (1991), que relaciona a "morte de Deus" ao "grotesco moderno" para sustentar a tese de que "a histria do riso e a do sagrado so paralelas". 45 Entretanto, o autor limita-se a afirmar algumas teses sem se preocupar com explicaes mais detalhadas - o que se reflete, alis, na total ausncia de referncias bibliogrficas. apesar de o texto conter diversas citaes -, fazendo do livro muito mais um manifesto em prol da relao entre o riso e o sagrado do que propriamente um estudo sobre a histria de ambos. Minha investigao sobre o riso na histria do pensamento ocidental limita-se s produes em lngua francesa, inglesa e alem e, no tocante Antigidade, quelas que foram traduzidas. Ou seja, "ocidental" aqui refere-se, na verdade, a certos pensamentos mais difundidos na histria da cultura europia. curioso notar, alis, que no encontrei teorias do riso escritas originariamente em portugus ou espanhol. Isso d o que pensar, porque o que ocorre com as teorias no ocorre com a produo de textos cmicos: Francisco de S Miranda (1481-1558), Lope de Vega (1562-1635), Caldern de la Barca (1600-81), entre outros, mas sobretudo Cervantes (1547-1616), so referncias imprescindveis na literatura sobre o assunto. Finalmente, no estarei contemplando, neste livro, a produo de textos cmicos, destinados antes a fazer rir do que a explicar o riso, e das teorias que se ocupam principalmente da comdia enquanto arte dramtica.

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    o cmico e a comdia estaro presentes sempre que se revelarem importantes para determinada explicao do riso, j que praticamente inexiste teoria do riso que no fale tambm daquilo que o suscita.

    NOTAS

    1. Ritter, 1974:76.

    2. Bataille, 1970-76, v. 7, p. 544.

    3. Ibid. , v. 5, p. 80.

    4. Ibid. , v. 8, p. 562.

    5. Ibid. , v. 8, p. 2 19-20; grifos meus.

    6. Ibid. , v. 5, p. 46-7.

    7. Ibid. , v. 7, p. 278.

  • 8. Ibid. , v. 5, p. 333-4 e 364.

    9. Ibid. , v. 8, p. 216.

    10. Ibid. , v. 8, p. 222; grifo do autor.

    11. Ibid. , p. 562; cf. tambm v. 5, p. 542. Outras referncias de Bataille ao riso de Nietzsche podem ser encontradas em "O riso de Nietzsche" (1942) e em Sobre Nietzsche (1945).

    12. Bataille, 1970-76, v. 2, p. 214, nota. Cf. Assim falou Zaratustra, III, 23: "Und falsch heiBe uns jede Wahrheit, bei der es nicht ein Gelchter gab! " (Nietzsche, 1954-63, v. 2, p. 457; grifo do autor).

    13. Bataille, v. 2, p. 102.

    14. Nietzsche, 1954-63, v. 2, p. 34; grifo do autor.

    15. Ver, por exemplo, livro IV, 327: "E'onde h riso e alegria, l o pensamento no presta' - esse o preconceito dessa besta sria [o homem srio] contra toda 'gaia cincia'. - Muito bem! Mostremos que um preconceito! " (Nietzsche, 1954-63, v. 2, p. 189). A "necessidade do riso" repete-se no poema "Nur Narr! Nur Dichter! ", que se encerra com os seguintes versos: "Que eu seja banido/ de toda verdade,/ s palhao/ s poeta! " Assim falou Zaratustra, livro IV; Nietzsche, 1954-63, v. 2, p. 536), poema que aparece tambm em Dionysos-Dithyramben, de onde tirei seu ttulo (Ibid. , p. 1239-42).

    16. E tambm em Alm do bem e do mal, 223 (Ibid. , p. 686).

    17. Ibid. , p. 34-5.

    18. Foucault, 1966:7.

    19. Ibid. , p. 7-9; grifo do autor.

    20. O fato de Freud se concentrar principalmente no chiste no significa que, em sua investigao, no trate de outras formas do risvel ou at do prprio riso. Isso fica claro pelo critrio de seleo dos chistes analisados: " evidente que tomamos como objeto de nossa investigao aqueles exemplos de chiste que causaram em ns mesmos maior impresso e nos fizeram rir ao mximo. (Freud, 1970:19).

    21. Marquard, 1976:150.

    22. Lvi-Strauss, 1971:588.

    23. Rosset, 1971:173.

    24. Ibid. , grifo meu.

    25. "Comme vrit de "ce qui existe" ". Ibid. , p. 179.

    26. Para a frase de Nietzsche: "Die tragischen Naturen zugrunde gehen sehen und noch lachen knnen, ber das tiefste Verstehen, Fhlen

  • und Mitleiden mit ihnen hinweg, - ist gttlich", ver as obras pstumas da poca de Zaratustra (Nietzsche, 1978, v. 1, p. 273; grifo

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    do autor). Na obra de Bataille, a proposio citada no artigo "O riso de Nietzsche" e na conferncia de 1953 (cf. Bataille, 1970-76, v. 6, p. 311, e v. 8, p. 225).

    27. Bataille. 1970-76, v. 8, p. 225.

    28. Ibid. ,v. 5. p. 441.

    29. Ibid. , v. 7, p. 276.

    30. Essa "atualidade histrica" de um pensamento que julga indispensvel ultrapassar seus limites j foi destacada por Foucault em As palavras e as coisas: "Todo pensamento moderno atravessado pela lei de pensar o impensado" (Foucault, 1966:33 8).

    31. Tomo emprestada a distino de Tilman Borsche entre conceito filosfico (no interior do qual o pensamento se define) e conceito histrico (definido pelo pensamento e, portanto, objeto das cincias histricas). Ver Borsche, 1990:27.

    32. No contemplo aqui a produo contempornea sobre o cmico nos textos literrios, isto , os estudos que se voltam para a comdia, a ironia, a stira ou o humor na produo literria. Para esse universo, consultar por exemplo Preisendanz & Warning (1976), e Petr Roberts & Thomson (1985).

    33. Mesmo nesses textos, a palavra cmico no est ausente. Vale lembrar, por exemplo, que o naufrgio do Titanic tem, para Rosset, uma violenta fora cmica.

    34. Morreall, 1983:X.

    35. Ibid. , p. 39. 59.

    36. Cohen, 1985:57-8.

    37. Ibid. , p. 60.

    38. Mauss, 1969:118.

    39. Escarpit, 1981:127.

    40. Olbrechts-Tyteca, 1974:13.

    41. Ibid. ,p. 401.

    42. Ibid. , p. 4O4.

    43. Le Goff, 1989:1, 2 e 6. Essa opinio foi recentemente retomada pelo prprio Le Goff na introduo ao dossi sobre o riso publicado na revista Annales, em que salienta "o interesse desse objeto de pesquisa e de reflexo para os historiadores e os especialistas das

  • cincias humanas e sociais" (Le Goff, 1997:449).

    44. Essa constatao no se aplica s teorias sobre a comdia, havendo estudos que abordam as diferentes formas de atualizao do cmico na teoria e na prtica literrias desde a Antigidade. Pode-se citar, por exemplo, Northrop Frye, que, em Anatomia da crtica (1957), atribui princpios estruturais ao gnero da comdia desde a Antigidade. observando a conveno de sua forma dramtica desde as frmulas de Plauto e Terncio, Vilma Aras, em seu instrutivo Iniciao comdia (1990), apresenta um apanhado histrico do gnero desde a Antigidade, bem como em diferentes momentos da histria brasileira. Finalmente, h uma antologia, publicada em 1984, em que se acham extratos de diferentes teorias da comdia, desde Plato at E. Olson, este ltimo de 1968 (apud Palmer, 1984).

    45. Sanazin, 1991:13.

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    Captulo 2

    As "origens" do pensamento

    sobre o riso

    Falar de origens do pensamento ocidental sobre o riso pressupe algum grau de continuidade entre o antes e o depois. No se trata, contudo, de uma continuidade linear - e por isso o uso das aspas em "origens". possvel identificar um nvel "oficial" de influncia das teorias da Antigidade sobre os pensamentos posteriores, quando referncias expressas a autores antigos aparecem em textos mais tardios. Isso indica que algumas teorias da Antigidade no so estranhas a certas tradtes do pensamento sobre o riso, mas geralmente as citaes restringem-se a frases ou premissas tornadas clssicas, sem relao com os textos de origem. Existem tambm influncias no admitidas: "emprstimos" literais ou adaptados de certas passagens ou questes, sem que se faa qualquer referncia fonte original. As prprias formas de pensar o riso tambm podem ser objeto de difuso. A definio do riso como paixo da alma - tendncia que se estende pelo menos at o sculo XVIII -, por exemplo. tem ligaes estreitas com teorias da Antigidade. Todas essas influncias do pensamento antigo sobre as teorias posteriores no devem deixar a impresso de que no haja diferenas. Boa parte do pensamento antigo sobre o riso que foi "esquecido" lhe permanece especfico, s podendo ser recuperada a partir dos prprios textos. Esto nesse caso algumas das concepes que remetem relao entre o riso e o pensamento, conforme se ver mais adiante. Quatro perspectivas de explicao do riso ressaltam dos textos analisados neste captulo: a tica, a potica, a retrica e a fisiolgica. Elas tm aqui um papel estritamente operacional, apontando os "campos" nos quais o pensamento antigo sobre o riso podia tomar forma. Nos textos antigos, os termos que equivalem ao que chamo aqui de "risvel" so geloion, em grego, e ridiculum, em latim. Segundo Wilhelm Sss (1969), ambos designam o que, em alemo, expresso por duas palavras: Komik e Witz - ou seja, aquilo que se entende por cmico em geral. O termo grego e, especialmente, o latino so algumas vezes

  • traduzidos por "ridculo". Convm precisar contudo que, nestes casos, ridcrt-

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    lo" no tem necessariamente conotao negativa, remetendo antes quilo de que se ri. R. Dupont-Roc e J. Lallot, em suas notas de leitura edio da Potica de Aristteles, observam a propsito do termo geloion: "o adjetivo geloios (... ) pode equivaler ao francs "ridicule", mas, substantivado, designa tecnicamente "o cmico". "1 Incluo ainda neste captulo consideraes sobre o estatuto do riso na teologia medieval. No se pode ignorar, no universo das "origens" do pensamento ocidental sobre o riso, os juzos ticos que ressaltam de textos medievais. Tais juzos no s remetem a algumas formas de pensar o riso na Antigidade, co