O Rótulo Ecológico Europeu O Consumidor, o Regulamento e a ... · pode tornar um meio promotor da...
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DEBATER A EUROPA
Periódico do CIEDA e do CEIS20 , em parceria com GPE e a RCE. Suplemento N.9 julho/dezembro 2013 – Semestral ISSN 1647-6336 Disponível em: http://www.europe-direct-aveiro.aeva.eu/debatereuropa/
O Rótulo Ecológico Europeu
O Consumidor, o Regulamento e a Flor
Carlos Sérgio Madureira Rodrigues
2.º Ciclo de Estudos em Direito da FDUC-Ciências Jurídico-Políticas
E-mail: [email protected]
Resumo
A acelerada e irreversível delapidação dos recursos naturais e a agressiva destruição de
ecossistemas e espécies vegetais e animais coloca em risco o próprio ser humano.
Perante a evidente necessidade de políticas e práticas que protejam o Ambiente e o Ser
Humano, o Direito tenta cumprir um papel dinamizador, estimulador e orientador da
adopção de práticas e costumes ambientalmente sustentáveis. Enquadrado num regime
de promoção de boas práticas ambientais e sopesado o papel do cidadão enquanto
consumidor na sociedade industrializada, o regime do Regulamento Ecológico Europeu
(Regulamento (CE) 66/2010, de 21 de Abril) procura envolver consumidores e
empresas na procura de um consumo respeitador da sensibilidade dos recursos naturais
e promotor da sua sustentabilidade. Todavia, as preocupações não tardam a surgir. O
mesmo rótulo aposto a produtos, bens e serviços em simultâneo corre o risco de se
tornar apenas noutro símbolo que pode confundir o consumidor e cativar as empresas a
adoptarem práticas publicitárias ilegais, como a publicidade comparativa. Noutro ponto,
questiona-se a rentabilidade do rótulo ecológico europeu, dado ser um sistema
voluntário e oneroso para o interessado em o apor aos seus produtos.
Palavras-chave: Direito, UE, Rótulo Ecológico Europeu, Regulamento Ecológico
Europeu
Abstract
The fast and irreversible depletion of natural resources and the aggressive destruction of
ecosystems, plant and animal species creates risks for the human being himself. Given
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the obvious need for policies and practices that protect the environment and the humans,
the law tries to fulfill a leading role, stimulating and guiding the adoption of
environmentally sustainable practices and habits. The regime of the European Ecolabel
(Regulation ( EC ) 66/2010 of 21 April) must be read in the context of the promotion of
good environmental practices. Balancing of the role of the citizen as a consumer in the
industrialized society, the Ecolabel regime seeks to involve consumers and businesses
in search of a consumption which respects the sensitivity of natural resources and
promotes sustainability. However, there are emerging concerns. The same label used for
products , goods and services simultaneously brings the risk of becoming just another
logo that may confuse the consumer and induce companies to adopt illegal advertising
practices , such as comparative advertising .We also question the profitability of the
European Ecolabel , as it is a voluntary and expensive system.
Keywords: Law, EU, European Ecolabel, European Eco-regulation
1. Introdução
“(…) à única verdadeira certeza que temos: a sorte das gerações futuras é directamente afectada
pelo comportamento das gerações presentes.”
François Ost
“Assim saibamos, todos e cada um de nós, vencer a inércia, que quantas vezes é a irmã-gémea da
indiferença que tudo tolera!”
António Pinto Monteiro
A acelerada e irreversível delapidação dos recursos naturais e a agressiva
destruição de ecossistemas e espécies vegetais e animais coloca em risco o próprio ser
humano. Perante a evidente necessidade de políticas e práticas que protejam o Ambiente
e o Ser Humano, o Direito tenta cumprir um papel dinamizador e estimulador da
adopção de práticas e costumes ambientalmente sustentáveis.
Enquadrado num regime de promoção de boas práticas ambientais e sopesado o
papel do cidadão enquanto consumidor na sociedade industrializada, o regime do
Regulamento Ecológico Europeu procura envolver particulares e empresas na procura
de um consumo respeitador da sensibilidade dos recursos naturais e promotor da sua
sustentabilidade.
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Aposto a produtos cujo desempenho ambiental, testado por um conjunto de
rigorosos critérios científicos elaborados a partir da Análise de Ciclo de Vida, é melhor
em relação aos produtos, bens e serviços da mesma categoria, o Rótulo Ecológico
procura conciliar o investimento do consumidor com a estratégia de marketing das
empresas, rumo a um Mundo mais equilibrado.
Todavia, as preocupações não tardam a surgir. O mesmo rótulo aposto a produtos,
bens e serviços em simultâneo corre o risco de se tornar apenas noutro símbolo que
pode confundir o consumidor e cativar as empresas a adoptarem práticas publicitárias
ilegais, como a publicidade comparativa.
O consumidor surge-nos numa posição débil. A multiplicidade de informação,
maioritariamente divulgada sem rigor científico de suporte, provoca confusão e
desinteresse por parte do consumidor, cujo poder de compra tem o potencial para
influenciar empresas e distribuidoras a adoptarem comportamentos sustentáveis.
Noutro ponto, questiona-se a rentabilidade do rótulo ecológico europeu, dado ser
um sistema voluntário e oneroso para o interessado em o apor aos seus produtos.
Partindo da análise da importância da figura do consumidor, atravessando o
necessário campo conceptual e enquadrando os regimes jurídicos estruturantes do
Direito Comunitário do Ambiente, o presente trabalho pretende expor criticamente o
regime do rótulo ecológico europeu, destrinçá-lo do Sistema EMAS e traçar algumas
soluções para as críticas elaboradas.
Para que as fragilidades do sistema sejam perceptíveis, terminaremos com um
breve caso de estudo e uma sugestão para a utilização do rótulo ecológico europeu.
2. Desenvolvimento
Diversos estudos1 têm demonstrado que, no momento da decisão de compra, o
consumidor privilegia os produtos mais amigos do ambiente, isto é, aqueles produtos
que na fase de produção, no decorrer da sua vida útil e/ou no momento de lidar com o
resíduo2, apresentam um melhor desempenho ambiental quando comparados com os
1http://ec.europa.eu/portugal/comissao/destaques/20090803_impacto_ambiental_produtos_factor_decisao_compra_pt.htm 2 Recorde-se a este propósito o Decreto-Lei nº 73/2001, de 17 de Junho, que estabelece o regime geral aplicável à prevenção, produção e gestão de resíduos, procurando uma política de gestão de resíduos que evita e reduza os riscos para a saúde humana e para o ambiente, de acordo com o seu artigo 6º. O Decreto-Lei transpõe Directiva n.º 2008/98/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Novembro, relativa aos resíduos.
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produtos da mesma categoria. Através destes produtos, procura-se fomentar um
consumo sustentável, circundado por um ambiente educativo e informativo que permita
aos cidadãos tomar decisões informadas e conscientes.
Um instrumento privilegiado para auxiliar o consumidor é o rótulo ecológico.
Inserido no produto, atesta que o mesmo se destaca pelo seu desempenho ambiental e
apresenta, por isso, uma faceta «verde», ecológica, que justifica eventuais custos
acrescidos na sua aquisição. Todavia, conscientes desta preocupação ambiental,
empresas de marketing e publicidade têm introduzido uma nova estratégia de mercado
que pode revelar-se bastante prejudicial, não obstante a boa intenção subjacente ao seu
nascimento: o marketing ambiental.
Com o intuito de divulgar e promover a transacção de produtos sustentáveis,
numa lógica de duplo benefício – para o consumidor, que adquire produtos que
respeitam o ambiente, e para o ambiente, que vê os seus recursos melhor aproveitados e
a sua sensibilidade respeitada -, o marketing ambiental impõe ao consumidor um
conjunto de argumentos que atestam a suposta qualidade ambiental dos produtos através
do uso, nomeadamente, do rótulo ecológico, influenciando assim a sua opção de
compra. O rótulo trata-se de um símbolo que, per si, atesta o desempenho ambiental do
produto e persuade os consumidores a optarem, de entre os produtos da mesma
categoria, por aqueles ditos «verdes» - mas que, nas mãos do marketing ambiental, se
pode tornar um meio promotor da publicidade fraudulenta, ao invés de um símbolo da
manifestação da responsabilidade social e ambiental das empresas, preocupadas em
desenvolver produtos eco-friendly.
Os rótulos ecológicos apresentam-se como “sistemas de certificação criados por
lei, e que atestam a bondade ambiental de certos produtos cujos impactes negativos
[sobre o ambiente] são comprovadamente inferiores a outros da mesma categoria.”3
Portanto, uma ferramenta importante para o desenvolvimento sustentável4.
3 ARAGÃO, A credibilidade da rotulagem ecológica dos produtos, RevCEDOUA, Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, A.14, n.º 27, vol. 1, 2011, p. 158. 4 Tal como definido na Conferência de Brundtland de 1992, o desenvolvimento sustentável traduz-se no desenvolvimento que permite satisfazer as necessidades das gerações presentes sem comprometer a capacidade de as gerações futuras satisfazerem as suas necessidades. Apela a três pilares que, quando em conflito, se devem conciliar na procura pela melhor decisão: económico, ambiental e social. Todavia, diversos autores alertam para a necessidade de privilegiar o pilar ambiental, na medida em que os progressos económicos e sociais devem respeitar a sensibilidade dos eco-sistemas, sem os quais não haverá nem ser humano nem economia (não sendo o inverso verificável). Para mais desenvolvimentos, BOSSELMANN, Klauss, The principle of sustainability: Transforming Law and Governance, Ashgate Publ., Aldershot/UK, 2008; também WINTER, Gerd, A Fundament and Two Pillars, in Sustainable
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2.1 - Rótulo ambiental, ecológico, ou…?
Embora pareça uma distinção meramente semântica, o facto é que denominarmos
o rótulo como ambiental ou ecológico denuncia uma tomada de decisão quanto às
acepções distintas no plano de Direito do Ambiente, no tocante às concepções da ética
antropocêntrica e da ética eco-cêntrica.
Apoiando-nos em FERRY5 e DIAS, diremos que ambas as perspectivas visam a
protecção do ambiente, embora o antropocentrismo veja no centro das questões
ambientais o ser humano, a sua vida, segurança e saúde; de acordo com o eco-
centrismo, o ambiente é um bem tutelado em si mesmo, procurando-se atingir um
estado de não-dano ao ambiente que, em segundo plano, irá proteger o ser humano6
Decorre do exposto, portanto, que os danos ambientais serão aqueles que,
atingindo a natureza, também atingem os seres humanos; já os danos ecológicos,
causando impactos sobre o património natural, a ecosfera, poderão não se repercutir
sobre o ser humano, pelo menos não explicitamente (podemos considerar ser do
conhecimento comum que, quando e na medida que o ambiente perde, o ser humano,
também perde).
Neste binómio, distinguimos, com PRADO LEITÃO, a rotulagem ambiental da
rotulagem ecológica: enquanto a primeira identifica os aspectos do produto que, ao
interagirem com a natureza, provocam ou minimizam danos ambientais (sendo capazes
de se repercutirem sobre algum aspecto da vida humana), a rotulagem ecológica,
preocupa-se com o desempenho ambiental dos produtos, de modo a “causar ou evitar
danos ecológicos”7. O mesmo produto pode ter rótulos simultaneamente ambientais e
ecológicos, como os rótulos indicativos da reciclagem. Todavia, prima-se a
denominação de rotulagem ecológica, dada a “dimensão ecológica dos direitos
envolvidos nesse tipo de rotulagem”8.
Development in International and National Law, Edited by Prof. Hans Christian Bugge & Dr. Christina Voigt, The Avosetta Series (8), Europa Law Publising, 2008, p. 25 e seguintes. 5 FERRY, Luc, A nova ordem ecológica: a árvore, o animal e o homem. Tradução Luís de Barros, Asa, Porto, 1993. 6 Dias fala-nos de uma terceira perspectiva, a economicocêntrica, que coloca em primeira linha a continuação da actividade produtiva do Homem, em nome da qual se reclama a necessidade de proteger recursos escassos. Como aqui também temos a protecção da vida do homem, esta “pré-compreensão acaba por se reconduzir à pré-compreensão antropocêntrica (…)” - DIAS, José Eduardo Figueiredo, Direito Constitucional e Administrativo do Ambiente, Cadernos do CEDOUA, Almedina, Coimbra, 2002, p. 9. 7 LEITÃO, Manuela Prado, Rotulagem Ecológica e o direito do consumidor à informação, Verbo Jurídico, Porto Alegre, 2012, p. 34. 8 LEITÃO, Manuela Prado, idem, p. 35.
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2.2 - Tipos de rótulos
A ISO – International Standards Organization9 – isolou três grandes tipos de
rótulos voluntários: a) Tipo I – rótulos ecológicos certificados: aqui, uma organização
independente define um conjunto de critérios, cuja transparência e credibilidade é
assegurada por meio de certificação por uma terceira parte independente; b) Tipo II –
rótulos auto-proclamados; e c) Tipo III – as Declarações Ambientais de Produto10.
Acerca dos rótulos Tipo I, estes surgem para confirmar o interesse das empresas
em conquistar um novo nicho de mercado, através de auto-declarações filtradas por
critérios criados pelas próprias empresas. Estes rótulos encontram-se definidos na ISO
14024 como:
"a voluntary, multiple-criteria based, third party program that awards a license
which authorizes the use of environmental labels on products indicating overall
environmental preferability of a product within a particular product category based on
life cycle considerations." 11
A diversidade de rótulos auto-proclamados (Tipo II), cujo sentido e alcance por
vezes se resumem a meras técnicas de marketing, desprovidas de verdadeira utilidade
em prol da luta pela sustentabilidade ambiental, conduz-nos à necessidade de criar um
rótulo de design e sentido unitários, surgindo, como possível resposta, o rótulo
ecológico europeu, a flor europeia.
A multiplicidade desse tipo de rótulos apenas promove a confusão e
desconhecimento por parte dos consumidores que, por seu turno, apenas geram
desconfiança e fomentam o desinteresse pelo sistema de rotulagem. À necessidade de
criar um rótulo de design e sentido unitários junta-se, então, uma exigência: a existência
de padrões de referência e a certificação por uma terceira parte independente.12
Em ambos os casos, a Análise de Ciclo de Vida (de futuro, ACV) surge como o
pressuposto fundamental na construção dos critérios científicos com base nos quais se
atribui o rótulo ecológico. Tratando-se de um processo complexo mas de importância
9 Para mais informações, consultar: http://www.iso.org/iso/home.html 10 Estes rótulos oferecem informação em diagrama da Análise de Ciclo de Vida sobre um produto ou serviço, com realce para um conjunto de indicadores ambientais relevantes, como o consumo de recursos ou o aquecimento global, informação essa completada com uma interpretação da mesma. 11http://www.globalecolabelling.net/docs/documents/gen_position_paper_on_140242003.pdf. 12 Tal cenário encontra-se previsto e abordado por Paula Trindade, investigadora do Instituto Nacional da Engenharia, Tecnologia e Inovação – in TRINDADE, Paula, Capítulo 7.6. Rotulagem Ambiental. In Manual Prático para a Gestão Ambiental. Coord. Cristina Rocha e Luís Oliveira. Edições VERLAG-DASHOFER. Actualização de Novembro 2009.
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fulcral, a ACV constitui uma ferramenta de gestão ambiental acerca da qual já se
dedicaram várias Norma ISO. Consiste “numa avaliação de cada um dos efeitos
ambientais gerados ao longo da vida de um produto, desde as fontes das matérias primas
até o descarte final.”13 As normas ISO aplicáveis podem ser esquematizadas da seguinte
forma14:
• Norma ISO 14040: Apresenta os princípios gerais e a metodologia da ACV .
• Norma ISO 14041: Guia para determinar os objetivos e alcances de um estudo
de ACV e para realizar a análise de inventario.
• Norma ISO 14042: Guia para a realização a fase de avaliação de impacto
ambiental de um estudo de ACV.
• Norma ISO 14043: Guia para a avaliação dos resultados do estudo de ACV.
• Norma ISO 14048: Apresenta informações do formato dos dados que servem de
base para a avaliação do ciclo de vida.
• Norma ISO 14049: Ilustra com exemplos como aplicar os guias ISO 14041 e
ISO 14042
Esquematizados e divididos os rótulos voluntários em três categorias, cumpre
analisar, ainda que brevemente, os rótulos obrigatórios. A sua obrigatoriedade, fixada a
nível legal, encontra-se justificada pela protecção elevada dispensada a determinados
bens jurídicos do consumidor ou do ambiente, por um lado, bem como a necessidade de
credibilizar e dar a conhecer o sistema de rotulagem15. Preocupada com a garantia de
protecção dos direitos constitucionalmente consagrada, a lei impõe um dever de
rotulagem vinculativo erga omnes, ou seja, com eficácia para terceiros. O Poder Público
intervém para controlar a actividade de rotulagem, fiscalizando-a e sancionando-a
quando falte ao cumprimento das disposições legais aplicáveis.
Dentro dos rótulos obrigatórios, temos os rótulos de alerta, que contêm um
conteúdo ecológico negativo, uma mensagem de alerta acerca de eventuais riscos.
Procura-se que o consumidor actue preventivamente, salvaguardando os seus direitos à
segurança, saúde e a um ambiente sadio, através de uma escolha informada. Como
13http://www.universoambiental.com.br/novo/artigos_ler.php?canal=6&canallocal=10&canalsub2=28&id=68 14http://www.universoambiental.com.br/novo/artigos_ler.php?canal=6&canallocal=10&canalsub2=28&id=68 15 LEITÃO, Manuela Prado, idem, p. 88.
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exemplo, temos a rotulagem de substâncias químicas perigosas.16 Outro exemplo, temos
a rotulagem acerca do consumo de energia dos equipamentos electro-técnicos,
regulamentada pelo artigo 5º da Directiva 2002/96/CE, de 27 de Janeiro de 2003,
transposta para o ordenamento jurídico português pelo Decreto-Lei n.º 230/2004, de 10
de Dezembro, entretanto alterado pelo Decreto-Lei n.º 174/2005, de 25 de Outubro.
Outra categoria versa sobre os produtos biológicos, cuja rotulagem se encontra no
R (CE) 834/2007, de 28 de Junho17 . Como denota PRADO LEITÃO, a obrigatoriedade
da rotulagem desta categoria prende-se com a “necessidade de clareza e de preservação
da confiança”18 dos consumidores, assim se procurando garantir a transparência sobre a
observância das regras que regem a produção biológica. De salientar aqui o peso dado à
concretização do princípio da participação pública, o segundo pilar da Convenção de
AARHUS.19
Por fim, temos a categoria dos rótulos de resíduos de embalagens. O Decreto-Lei
n.º 366-A/97, de 20 de Dezembro de1997, que transpôs a Directiva 94/62/CE, de 2º de
Dezembro de 1994, responsabiliza os produtores pela rotulagem adequada e perceptível
que identifique os materiais presentes na compostura da embalagem, com objectivos de
identificação e classificação pela indústria, recolha, reutilização e valorização, como
podemos ler no artigo 8º da Directiva.20
Voltando ao tema da presente investigação, os artigos 10º, e 11º e do 12º do
Decreto-Lei n.º 366-A/97 dizem-nos que a inobservância das regras de rotulagem
constitui contra-ordenação punível com multa e outras sanções acessórias. A
fiscalização é da responsabilidade da Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento
do Território à Inspecção-Geral das Actividades Económicas.
16 Regulamentada (CE) 1272/20o8, de 16 de Dezembro de 2008. 17 Em vigor desde 27 de Julho de 2007, aplicável desde 1 de Janeiro de 2009. 18 LEITÃO, Manuela Prado, idem, p. 105. 19 A Convenção de Aarhus sobre acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à Justiça em matéria de Ambiente, aprovada pela União Europeia através da Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de Fevereiro de 2005, constitui um dos pilares fundamentais da democracia ambiental, enquanto cenário quem se privilegia “o direito de saber, o direito de participar e o direito de co-responsabilizar-se, o que revela a necessidade de necessidade de transformações políticas capazes de se adaptarem” a uma realidade caracterizada pela excessiva exploração e acelerada degradação da Natureza que coloca em risco a própria espécie humana, de acordo com Izabel Sampaio, pág. 10, direito à informação ambiental: considerações sobre a importância da Convenção de Aarhus e o desafio da efectividade, dissertação de mestrado apresentada à FDUC em 2008. 20 Temos dois sistemas de gestão de resíduos, a nível comunitário: o sistema de consignação e o sistema integrado de gestão de resíduos. No primeiro caso, o responsável pela recolha é o próprio produtor/embalador do produtor. No segundo caso, essa recolha recai sobre uma entidade gestora licenciada e competente para tal, como a ERSUC. Temos, para facilitar a triagem pelo consumidor, o rótulo do qual é proprietária a Sociedade Ponto Verde, uma das entidades mais activas, enquanto gestora integrada de resíduos
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2.3 - Características dos rótulos
Antes de nos debruçarmos sobre a flor europeia, o rótulo ecológico oficial a nível
europeu, cumpre destacar as características gerais que os rótulos devem apresentar. Para
que se possa ter uma visão o mais completa possível deste ponto, torna-se ideal uma
leitura conjunta das várias disposições do Código da Publicidade Português
(futuramente designado por CP), cujo regime jurídico foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º
330/90, de 23 de Outubro21, nomeadamente dos seus vários princípios - ilicitude;
identificabilidade; veracidade; respeito pelos direitos do consumidor e princípio da livre
e leal concorrência - e de várias disposições avulsas, devidamente identificadas em
momento próprio.
A rotulagem deve obedecer a um conjunto de princípios derivado de diversos
diplomas legais. Na esteira de Autores como ARAGÃO22, o primeiro desses princípios
é o da credibilidade. De acordo com este princípio, os rótulos têm que ser
compreensíveis – transmitindo informação uniforme e auto-suficiente - e verídicos,
como postulado pelo artigo 10º do CP, isto é, um rótulo capaz de ser comprovado pelo
carácter objectivo e mensurável dos critérios de utilização usados na sua criação e
gestão e pela pertinência da informação nele contida.
Uma palavra acerca da objectividade: a informação transmitida dever ter por
finalidade “reforçar a eficácia da informação”, nomeadamente através da inserção de
um link de acesso a portais electrónicos com informação detalhada23. Por seu turno, um
rótulo deve acrescentar informação útil e pertinente.
Arquitectar um sistema de rotulagem credível e legítimo cumpre um direito
valioso, o direito de saber, transversal a todo e qualquer cidadão, por força do princípio
constitucionalmente consagrado da igualdade (artigo 13º da Constituição da República
Portuguesa, de futuro CRP). Como salienta Roberta Jardim de Morais, “Tanto o excesso
quanto a falta de informação podem gerar efeitos e consequências prejudiciais, como a
diminuição da percepção do público sobre riscos dos produtos (…)”24. A Autora
21 Entretanto alvo de várias alterações e republicações, sendo a mais recente operada pela Lei 8/2011, de 11 de Abril. 22ARAGÃO, A credibilidade da rotulagem ecológica dos produtos, RevCEDOUA, Revista do Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente, A.14, n.º 27, vol. 1, 2011. 23 A existência de folhetos explicativos levanta questões, pois resultam num desgaste financeiro e de papel sem retorno, dado que a percepção social nos indica que os consumidores não prestam atenção a “mais folhetos”. 24 MORAIS, Roberta Jardim de, Segurança e Rotulagem de alimentos geneticamente modificados: SERAGEM: uma abordagem do direito económico, Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 102.
96
defende a análise custo-benefício enquanto “caminho para assegurar prioridades e
superar obstáculos previsíveis, para que alcancemos uma regulação desejável”.25
O consumidor pode ser definido como “… todo aquele a quem sejam fornecidos
bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não
profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica
que vise a obtenção de benefícios.”, de acordo com o artigo 1º da Lei n.º 24/96, de 31 de
Julho. A publicidade, enquanto acto de comunicação que se desenrola no âmbito de uma
actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, feita por entidades de natureza
pública ou privada, tem como objectivo, através de mensagens explícitas ou
subliminares, promover a compra de bens ou serviços, por parte desse consumidor a
quem se dirige, bem como a sua adesão a ideias, princípios, iniciativas ou instituições.26
Uma empresa liga-se ao mercado através da publicidade, nesta investindo somas
consideráveis. Os departamentos de marketing empenham-se em veicular mensagens
convincentes e estimulantes, que provoquem a adesão do consumidor. Não obstante, o
seu empenho pode traduzir-se em circunstâncias de publicidade enganosa, quer quanto
ao conteúdo, quer quanto à apresentação da mensagem27.
Apontamos a proibição da publicidade enganosa, operada pelo artigo 11º do CP.
Toda aquela publicidade que possa - ou seja susceptível de – induzir em erro os
consumidores ou prejudicar os concorrentes da entidade responsável, é proibida.
Através do número 2 do referido artigo, o legislador faz uma enumeração
exemplificativa de algumas situações através das quais se pode averiguar do carácter
enganador da publicidade.
A instrução dos processos de contra-ordenação compete, de acordo com o artigo
38º do CP, à Inspecção-Geral das Actividades Económicas28 (de futuro, IGAE).
Compete especialmente ao Instituto do Consumidor29 (de futuro, IC) a fiscalização do
cumprimento do disposto no CP, sem prejuízo da competência das autoridades policiais
e administrativas (vide, artigo 37º do mesmo diploma).
25 MORAIS, Roberta Jardim de, idem, p. 105. 26 Temos aqui os quatro elemento do conceito jurídico de publicidade presente no artigo 3º do CP: estrutura, objecto, sujeitos e fim. LOUREIRO, João M., Direito do Marketing e da Publicidade, Seminário, Lisboa, 1985, in, CHAVES, Rui Moreira, Código da Publicidade Anotado, Almedina, Coimbra, 2006, p. 22. 27 Para mais desenvolvimentos, FALCÃO, Délia, O Direito e o Marketing, Rei dos Livros, Lisboa, Dezembro de 1996, p. 168 e seguintes. 28 http://www.igae.cv/ 29 Para mais informações, consultar o Portal do Consumidor: http://www.consumidor.pt/
97
Nos termos do artigo 12º, nas suas diversas modalidades e características, “a
publicidade não deve atentar contra os direitos do consumidor”. Este artigo, eco do
artigo 60º da CRP, que consagra a defesa dos direitos dos consumidores, estimula uma
viagem pelos diversos diplomas que concretizam o respeito pelos direitos do
consumidor. A título de exemplo, podemos destacar o Decreto-Lei n.º 103/91, de 8 de
Março, relativo a centros de arbitragem de conflitos de consumo; o artigo 6º do
Decreto-Lei n-º 115/93, de 12 de Abril, relativo à rotulagem de géneros alimentícios
para lactentes; ainda, os artigos 10º e 11º, atinentes às menções publicitárias no domínio
da caracterização, rotulagem e comercialização das águas minerais, regime presente no
Decreto-Regulamentar n.º 18/92, de 13 de Agosto. Importante pedra angular de todo
este sistema é, naturalmente, a Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de
Julho).
O próximo tópico irá abordar o papel do consumidor na defesa do ambiente e na
promoção do rótulo ecológico.
2.4 - O papel do consumidor e o direito à informação
A rápida evolução tecnológica que estandardizou estilos de vida e massificou a
produção traduziu-se na criação de uma sociedade de consumo em diversas frentes
insustentável, caracterizada pelo consumo desenfreado e ilimitado, na qual os seus
cidadãos, convertidos pelo marketing e pela publicidade, compram o que são induzidos
a pensar que precisam, mas não o que verdadeiramente necessitam.
Estas constatações alertam-nos para a necessidade da criação de uma política de
protecção do consumidor, teoricamente construída a par de uma política de protecção do
ambiente30, dado que a sociedade industrial em que vivemos apresenta a patologia de
falta de protecção dos cidadãos e do ambiente face ao problema civilizacional da
escassez dos recursos naturais e da ausência de uma ética do consumidor que coloque
em primeira linha valores fundamentais como a liberdade do cidadão e a
sustentabilidade do ambiente.
Como decorre dos artigos 60º e 66º da Constituição da República Portuguesa,
ambas as protecções, traduzidas em políticas de defesa (que superam o manto de
30 Pinto Monteiro dedicou um artigo a esta proposta, que para efeitos de contextualização do e evidente importância para o presente trabalho, aqui se analisa. MONTEIRO, António Pinto, O papel dos consumidores na política ambiental, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, n.º 72, Coimbra, 1996.
98
retalhos de artigos e disposições dispersas que, indirectamente, se dedicam ao
consumidor e ao ambiente) têm dignidade constitucional e têm sido alvo de dedicação
por parte do legislador comunitário. Na ordem jurídica portuguesa, destacam-se a Lei de
Defesa do Consumidor e a Lei de Bases do Ambiente (Lei n.º 11/87, de 7 de Abril).
Trata-se de criar uma “política unitária, coerente e eficaz”, a qual, “através de uma
acção de dinâmica, complexa e multifacetada” e de “medidas articuladas, integradas e
eficazes”, ou seja, “meios idóneos e eficazes”, conjugue o esforço de cidadãos,
empresas e os Estado na prossecução de uma “causa comum” – o nosso futuro31.
Com as noções de consumidor e publicidade em mente, recordemos o alerta dado
acera do marketing ambiental. Nascida da preocupação em promover produtos, bens e
serviços mais amigos do ambiente, esta estratégia de mercado pode revelar-se
fraudulenta e altamente prejudicial para o consumidor e para o ambiente. Uma das
formas de proteger o consumidor consumou-se através da consagração do direito à
informação do consumidor, assim se esbatendo a distância entre o produtor/fornecedor e
o consumidor dos produtos e bem pelos primeiros produzidos/fornecidos.
Com a sua protecção, procura-se que o consumidor esteja em condições de fazer
uma escolha “livre, racional, fundada em conhecimento sólido”32 das características dos
bens e que respeite as suas reais necessidades de consumo. Importa vingar este direito à
informação, pois a informação detém, como aponta PRADO LEITÃO, um poder de
persuasão inegável, que influencia a “capacidade de discernimento e o comportamento
humano”33. Dotado das informações necessárias, o consumidor fará uma escolha
racional, equilibrada e mais amiga do ambiente e a sua autodeterminação sai protegida e
fortalecida.
A outra face do direito à informação mostra-nos o dever que surge na esfera
jurídica do produtor/fornecedor de satisfazer esse direito. O que até então se apresentou
como o detentor único e exclusivo das informações acerca do fabrico e das
características do produto, tem agora o dever de satisfazer o direito à informação do
consumidor. Retornaremos a este ponto mais adiante, mas que adiante-se que o direito à
31 MONTEIRO, Pinto, idem, p. 384. 32 LEITÃO, Manuela Prado, idem, p. 51 33 LEITÃO, Manuela Prado, idem, p. 51
99
informação ambiental é um dos três pilares da Convenção de AARHUS, direito que
alguns autores identificam como um direito humano34.
Neste ponto, leia-se o número 2 do artigo 60º da CRP, que consubstancia,
segundo ANDRADE, uma garantia fundamental indispensável à protecção dos
consumidores35.
Uma breve nota para destacar a protecção do ambiente como área em que o direito
processual se tem revelado particularmente activo, através da Lei n.º 83/95, de 31 de
Agosto, sobre o direito de participação procedimental e de acção popular. Também
neste ponto denotamos o paralelismo entre a defesa do consumidor e a defesa do
ambiente, no campo do acesso à justiça, da eficácia e celeridade processual. Igualmente
denotamos a importância da protecção do cidadão, agora sujeito processual com
legitimidade processual para proteger os seus direitos e interesses legalmente protegidos
(cumprindo o direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva,
previsto no número 1 do artigo 20º da CRP).
Um consumidor informado será um consumidor sensibilizado para as questões em
torno da protecção do ambiente, consciente que, ao orientar o seu poder de compra em
direcção a produtos amigos do ambiente (no método de produção, no seu desempenho e
também no tratamento aplicável aos seus resíduos), forçará empresas a investirem em
tecnologias e know-how que visem reduzir e optimizar o consumo de energia e
matérias-primas. Visa-se, portanto, a educação e esclarecimento dos cidadãos, com vista
a torná-los agentes activos da luta pelo ambiente, organizado em associações,
participados e empenhados.
O direito à informação em matéria ambiental é rigorosamente respeitado no nosso
ordenamento jurídico, como o comprova o número 2 do artigo 3º da Lei de Acesso aos
Documentos da Administração.
Estreitamente ligados ao direito á informação estão o princípio e correlativo
direito de participação. O Direito do Ambiente apresenta um conjunto de princípios
jurídico-políticos orientadores do direito e da política do ambiente, resultantes do artigo
3º da Lei de Bases do Ambiente que, como aponta DIAS, na sequência do número 2 do
artigo 66º da CRP e do Tratado da Comunidade Europeia (especificamente o número 2
34 CRAMER, Benjamin W., The human right to information, the environment and information about the environment: from Universal Declaration to the Aarhus Convention. Communication Law and Policy, Mahwah, NJ, v. 14, n.º 1, p. 73-2003, 2009 35 ANDRADE, José Carlos Vieira de, Os direitos dos consumidores como direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, v. 78, 2002, p. 43-64.
100
do artigo 174º), consagra alguns princípios específicos da defesa e protecção do
ambiente, não lhe sendo, contudo, isentas algumas críticas quanto a alguma confusão da
formulação destes princípios36.
De acordo com o princípio da participação, que tem manifestações nos artigos 7º
(“princípio da colaboração da Administração com os particulares”), 8º (“princípio da
participação”) e 100º (“Audiência dos Interessados”) do Código de Procedimento
Administrativo, os cidadãos devem ser ouvidos e consultados na formulação e execução
de políticas que lhes digam respeito, como as políticas ambientais. As Organizações
Não-Governamentais de Ambiente (de futuro, ONGA) ganham aqui uma dimensão
importante, com efectivação do princípio da participação operado pelos artigos 6º, 7º e
9º da Lei n.º 35/98, de 18 de Julho.
Apenas um consumidor informado poderá ser um consumidor participativo e
interessado. Umas das ferramentas de transmissão de informação que efectiva o direito
à informação (alicerce do princípio da participação) é o rótulo ecológico.
Para terminar, pese-se o seguinte argumento: todas as políticas (ambientais, mas
não só), devem convergir no sentido do hipoconsumo, ou seja, um “consumo moderado,
de forma duradoura, que prolonga ecologicamente a vida dos produtos, dentro de uma
evolução dos níveis de consumo até à ausência total de qualquer consumo material – o
“desconsumo”37
2.5 - Breve Apontamento sobre o Direito Comunitário do Ambiente
Para que possamos compreender a importância do Direito do Comunitário no
Direito do Ambiente, patente no papel impulsionador e regulamentador que o primeiro
tem vertido sobre este, cumpre fazer uma curta referência a este domínio38.
A política comunitária do ambiente nasce com algumas Directivas que visavam
directamente a protecção do ambiente, a Directiva 75/439, relativa aos óleos usados,
seguida pela Directiva 75/442, relativa aos resíduos, entretanto acompanhadas por
36 DIAS, idem, p. 17. O acervo de princípios conta com os princípios seguintes: prevenção, precaução, poluidor-pagador e da participação. Pela doutrina e dispersos por legislação nacional e internacional, encontramos ainda os princípios: da correcção na fonte, do equilíbrio e o da cooperação internacional. 37 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa, O princípio do nível elevado de protecção e a renovação ecológica do direito do ambiente e dos resíduos, Almedina, Coimbra, 2006. 38 Auxiliados e orientados pela Doutora Alexandra Aragão - ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa, Direito Comunitário do Ambiente, RevCEDOUA, 2002, disponível no Repositório Digital Estudo Geral (https://estudogeral.sib.uc.pt/handle/10316/15282) sob o identificador: http://hdl.handle.net/10316/15282
101
muitas mais. Uma política exigida “pela própria natureza transnacional dos
componentes ambientais e dos fenómenos de poluição”39, que rapidamente se
disseminou e tentou articular a defesa do ambiente com os outros objectivos da União
Europeia, como sejam a protecção da liberdade de estabelecimento e a liberdade de
concorrência enquanto ferramentas de construção do mercado comum.
Importa analisar duas características do direito comunitário. Em primeiro lugar, a
aplicabilidade directa, traduzida na dispensa de qualquer acto de transformação ou
recepção, para que as normas de direito comunitário vigorem internamente,
circunstância que resulta numa maior rapidez, uniformidade e eficácia dessa aplicação,
do qual os regulamentos são exemplo paradigmático. Depois, temos o efeito directo
enquanto característica que acentua a primazia do direito comunitário na medida em que
este “«corrige» o direito nacional, aplicando-se em vez dele ou mesmo contra
ele(…)”40, como é o caso das directivas. Por fim, nunca poderemos descartar o efeito
impulsionador que o nível de protecção elevado, pelo qual se pauta a actuação
ambiental da União Europeia, tem exercido sobre as legislações nacionais, orientando-
as pela renovação ecológica do direito que o princípio da integração postula.
A este respeito, diga-se que, de entre os vários princípios caracterizadores do
Direito Comunitário do Ambiente - como o sejam os princípios da precaução, da
prevenção, da correcção na fonte, do poluidor-pagador -, o princípio da integração tem
merecido papel de destaque. Nunca esquecendo que a política comunitária do ambiente
é, antes de tudo, uma política transversal a todas as actividades humanas susceptíveis de
afectar o ambiente, este princípio, presente artigo 6º do Tratado sobre o Funcionamento
da União Europeia, postula o dever de integração dos princípios fundamentais do
Direito Comunitário do Ambiente – precaução, prevenção, correcção na fonte e
poluidor-pagador41 – nas restantes políticas comunitárias, o que permitirá a fiscalização
“da legalidade de uma medida adoptada no âmbito de qualquer outra política
comunitária em função da conformidade da medida com os princípios de política
ambiental (…)”42 43
39 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa, 2002, p.5. 40 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa, 2002, p. 7. 41 Presentes no número 2 do artigo 191º do TFUE. 42 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa, 2002, p. 23. 43 Habib fala-nos da tríplice vertente do desenvolvimento do direito ambiental: numa primeira fase, temos o crescimento quantitativo pois que esta disciplina irriga todos os outros ramos do direito; posteriormente, o desenvolvimento conceitual dos princípios e da estrutura da legislação ambiental, conferindo coerência ao direito do ambiente; por fim, o desenvolvimento normativo, graças à ascensão na hierarquia das preocupações ambientais na Carta dos Direitos Fundamentais. Hafida BELRHALI-BERNARD, Le droit
102
Em matéria ambiental, a actuação do Direito Comunitário reveste muitas vezes a
forma de Comunicações as quais, em vasto número e aprofundado desenvolvimento,
visam conferir eficácia às normas dos tratados. Expandem a sua previsão ou clarificam a
sua leitura. Para o tópico específico desta investigação,destaca-se a Comunicação da
Comissão para o Conselho, o Parlamento Europeu e o Comité Económico e Social
Europeu – COM (2004) 130 final44.
A encerrar esta breve análise, mencionamos, como sinal da dedicação do Direito
Comunitário do Ambiente, a mais recente novidade em matéria de Recomendações: a
Recomendação da Comissão de 9 de Abril de 2013, sobre a utilização de métodos
comuns para a medição e comunicação do desempenho ambiental ao longo do ciclo de
vida de produtos e organizações.45 Preocupada com a essencialidade de medições e
informações fiáveis e correctas sobre o desempenho ambiental dos produtos e das
organizações, a Comissão emite uma Recomendação que visa promover a utilização dos
métodos da pegada ambiental nas políticas e regimes relevantes ligados à medição ou
comunicação do desempenho ambiental ao longo do ciclo de vida dos produtos,
serviços ou organizações. Dirige-se aos Estados-Membros e às organizações privadas e
públicas que medem o desempenho ambiental ao longo do ciclo de vida dos seus
produtos, bens ou serviços.
Introduz as definições de Método de Pegada Ambiental dos Produtos (PAP), bem
como de Método de Pegada Ambiental das Organizações (PAO), bem como de pegada
ambiental dos produtos e das organizações. Os seus diversos anexos contemplam
diversos aspectos, destacando-se: o Anexo I acerca dos potenciais domínios de
aplicação dos métodos e resultados da PAP e da PAO; e o Anexo II, que contém um
completo guia da pegada ambiental dos produtos (PAP).
Tal Recomendação destaca-se pela sua completude e extensão, abordando uma
temática de crucial importância para o presente trabalho: como os critérios científicos
através dos quais se mede a idoneidade de determinado produto de receber o rótulo
ecológico europeu assentam na Análise de Ciclo de Vida, esta Recomendação permite-
nos com maior rigor, consistência e actualidade medir o desempenho ambiental de
produtos, bens e serviços e, assim, proceder a uma mais rigorosa e válida atribuição do
de l'environnement : entre incitation et contrainte, Revue du droit public et de la science politique en France et à l'Étranger , 20 septembre 1101 n° 6, P. 1683. 44 Tal documento pode ser consultado em: http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=COM:2004:0130:FIN:en:PDF 45 R (2013/179/EU)
103
rótulo. Tais informações e conclusões extraídas dos métodos apresentados auxiliam,
igualmente, o processo de revisão e actualização dos critérios de atribuição do rótulo.
3 - O rótulo ecológico europeu
Traçado o quadro conceptual indispensável para a contextualização e
compreensão do tema do presente trabalho, cumpre agora analisar o rótulo ecológico
europeu, instrumento apontado como prática comercial pouco consistente, não obstante
as vantagens que apresenta.
O sistema de rotulagem europeu foi instituído pelo Regulamento (CEE) n.º
880/92, e pelas Decisões 2000/728 e 2000/729 do Conselho, posteriormente alterado
pelo Regulamento (CE) n.º 1980/2000. O Regulamento (CE) 66/2010 do Parlamento
Europeu e do Conselho, de 25 de Novembro de 2009, que visa melhorar as regras de
atribuição, utilização e funcionamento do rótulo, veio revogar e substituir o
Regulamento (CE) n.º 1980/2000, por razões de clareza e de segurança jurídica. Resta
esclarecer que o R (CE) n.º 1980/2000 se continuará a aplicar aos contratos celebrados
antes da entrada em vigor do presente regulamento (de acordo com os artigos 18º e 19º
do novo Regulamento).
A flor europeia consiste num sistema rotulagem voluntário que permite aos
consumidores europeus, aos Estados-Membros e demais actores, identificarem com
facilidade os produtos e serviços ecológicos oficialmente aprovados, isto é, aqueles cujo
impacto ambiental é mais reduzido em relação aos produtos de um mesmo grupo. Os
critérios de atribuição, presentes no artigo 6º do R (CE) 66/2010, são elaborados a partir
de dados científicos relativos a todo o ciclo de vida dos produtos, desde a sua
elaboração até à sua eliminação, dado que importa perceber que o desempenho
ambiental de determinado produto/serviço é avaliado desde o momento da extracção da
matéria-prima necessária à sua produção, atravessa o tempo de vida da sua utilização e
termina quando se determina a necessidade de lidar com o resíduo, que poderá ser
eliminado ou aproveitado.
Acrescente-se que a promoção da utilização do rótulo ecológico (e da avaliação da
sua eficácia) é uma das expressas medidas que visam colaborar com a construção do
mercado, um dos cinco eixos prioritários de acção estratégica do sexto programa
104
comunitário de acção em matéria de ambiente, intitulado “Ambiente 2010: o nosso
futuro, a nossa escolha”.46
O sistema de rótulo ecológico da União Europeia deverá ser aplicado no respeito
das disposições dos Tratados, nomeadamente o princípio da precaução (considerando 3
do Regulamento). Acrescentado aos outros princípios pelo Tratado de Maastricht
(assinado a 7 de Fevereiro de 1992, na cidade holandesa de Maastricht), este princípio
propugna um princípio de in dubio pro ambiente, ou seja, perante a “dúvida sobre a
perigosidade de certa actividade para o meio ambiente, decide-se a favor do ambiente e
contra o potencial poluidor, isto é, o ónus da prova da inocuidade de uma acção em
relação ao ambiente é transferido do Estado ou do potencial poluído para o potencial
poluidor”.47
Como decorre do R (CE) 66/2010, o rótulo ecológico pode ser atribuído a todos
os bens ou serviços destinados a distribuição, consumo ou utilização no mercado
comunitário. Subtraídos à sua aplicação estão os medicamentos para uso humano, os
medicamentos veterinários e os dispositivos médicos. De igual forma, não pode ser
atribuído aos produtos que contenham substâncias classificadas pelo R (CE) n.º
1272/2008, de 16 de Dezembro de 2008, como tóxicas, perigosas para o meio ambiente,
cancerígenas ou mutagénicas, ou substâncias abrangidas pelo quadro regulamentar de
gestão das substâncias químicas.
Os operadores que desejarem beneficiar do rótulo devem apresentar um pedido
junto de: um ou vários Estados-Membros, que o transmitem ao órgão nacional
competente; um Estado terceiro que o transmite ao Estado-Membro onde o produto é
comercializado, nos termos do artigo 9º do Regulamento.
Na circunstância de os produtos estarem em conformidade com os critérios do
rótulo, determinados com base em provas científicas e cingidos aos impactos ambientais
mais significativos dos produtos durante o seu ciclo de vida completo (como explicado
pelo artigo 6º), o organismo competente celebra um contrato com o operador com vista
a fixar as condições de utilização e de revogação da autorização do rótulo. O anexo V
do Regulamento apresenta-nos um contrato-tipo relativo às condições de utilização do
rótulo ecológico da União Europeia.
Compete aos Estados-Membros designar os organismos responsáveis pelo
processo de rotulagem a nível nacional, organismos que funcionam de forma
46 Decisão n.º 1600/2002/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Julho de 2002. 47 ARAGÃO, Maria Alexandra de Sousa, idem, 2002, p. 15.
105
transparente e cujas actividades estão abertas à participação de todos os interessados.
Responsabilizam-se por verificar regularmente a conformidade do produto com os
critérios de atribuição, tendo ainda atribuições na recepção de queixas, informação ao
público, fiscalização das publicidades falsas ou interdição de produtos, como ditam os
artigos 10º e 13º do Regulamento.
Através da Decisão 2010/709/UR da Comissão, de 22 de Novembro de 2010, a
Comissão institui o Comité do Rótulo Ecológico da União Europeia (notificada com o
número C (2010) 1961), o CREUE, cujos membros são nomeados pela Comissão. É
composto por representantes dos Estados-Membros da União Europeia e do Espaço
Económico Europeu, bem como por representantes dos organismos nacionais e
europeus competentes.
A Comissão consulta o CREUE no momento da elaboração ou da revisão dos
critérios e requisitos de atribuição do rótulo. O CREUE assume uma importância fulcral
enquanto entidade que assegura a participação efectiva dos cidadãos.
Acrescida de uma taxa no momento da apresentação do pedido, a utilização do
rótulo está sujeita ao pagamento de uma taxa anual que, de acordo com o Anexo III do
Regulamento, varia de acordo com a dimensão da empresa. Embora sejam valores
razoáveis, questionamos se não constituirão um impedimento, mesmo de ordem
estratégica, à participação de diversos operadores económicos.
3.1 – “A Guide for Applicants”
A União Europeia emitiu um Guia4849, no qual razões de diversas ordens são
apresentadas para justificar a adesão de determinado produto ou serviço ao rótulo
ecológico, a saber: a credibilidade, a compreensibilidade, o longo-alcance, o seu poder
de influência, e a vantagem competitiva dos produtos (na óptica dos fabricantes e
retalhistas), bem como a fidedigna indicação de que aquele produto é mais amigo do
ambiente, importante na óptica do consumidor.
Desenvolvendo, o rótulo é credível pois apenas será aposto a um produto que
passe um processo de certificação robusto e independente, que atesta o seu desempenho
e qualidade ambiental. Por seu turno, é igualmente compreensível, dado que os critérios
48 Disponível em: http://ecolabel.defra.gov.uk/pdfs/The%20Flower%20-%20a%20Guide%20for%20Applicants%20v7.0%20May%202012.pdf 49 Acerca de outros rótulos globalmente conhecidos e divulgados: http://www.davidsuzuki.org/publications/downloads/2012/qog-ecolabelguide.pdf
106
em que se baseia a sua aplicação são desenvolvidos por uma perspectiva multi-
disciplinar e abrangem os principais impactos ambientais do produto no decorrer do seu
ciclo de vida até à sua eliminação.
Presente em mais de 7.000 produtos, número que cresce mensalmente50, o rótulo
ecológico tem um longo alcance e um inquestionável poder de influência sobre milhões
de consumidores sobre toda a Europa.51
O Guia contém, entre outras indicações, um roteiro que esquematiza o processo de
aplicação e avaliação do rótulo ecológico às empresas que se pretendam candidatar, em
dez passos devidamente enquadrados e explicados. Constitui, pelo exposto, um
documento de referência que pretende cativar e orientar as entidades a candidatarem-se
ao rótulo ecológico, através de uma explicação sumária mas fundamentada das suas
vantagens e do processo de aplicação e avaliação do mesmo. Integra-se na estratégia da
Comissão Europeia para promover um ambiente sustentável.
3.2 - Custos acrescidos, custos justificados?
A exigência de produtos mais amigos do ambiente parte do consumidor que está
disposto a pagar um custo acrescido pela sua aquisição. Pelo seu lado, as empresas e
indústrias estarão dispostas a investir nos departamentos de I&D, Investigação e
Desenvolvimento, caso se comprove existir um mercado para os produtos verdes.
Os objectivos do R (CE) de 1992 visavam envolver o consumidor, sendo que a
implementação de um rótulo ecológico comunitário exige uma clara definição dos
princípios e critérios que norteiam a selecção dos produtos, por forma a garantir a
eficácia do sistema; as condições de obtenção devem permitir que diferentes partes
possam obter benefícios com a inclusão do rótulo nos seus produtos e serviços.
Importa aqui analisar as conclusões de BENALCAZAR. Tendo o ambiente como
principal destinatário, o rótulo ecológico surge como resultado da constatação da
possibilidade de unir dois pólos tradicionalmente considerados opostos, o marketing e o
ambiente. De facto, e como o comprovam diversas políticas comunitárias, uma
50 Consultar: http://europa.eu.int/ecolabel para dados mais actuais; esta página contém uma lista regularmente actualizada dos produtos agraciados com o rótulo ecológico. 51 Aos dezassete grupos de produtos (que agregam calçado, tintas e vernizes, têxteis, lâmpadas, colchões de cama, frigoríficos, detergentes, produtos de limpeza, correctores de solos, computadores pessoais e portáteis, papel e tintas e vernizes), caracterizados como suficientes para equipar uma casa tipicamente europeia, irão juntar-se outros que estão a ser definidos: revestimentos duros para pavimentos, aspiradores, televisores, pneus e alojamentos turísticos.
107
abordagem que aproxima marketing e ambiente é possível e constitui um marco
essencial, para empresas e particulares, na jornada pela sustentabilidade ambiental.
Centrando-nos no rótulo ecológico europeu, cumpre saber que os seus
beneficiários não ficam isentos de outras disposições comunitárias, quer sejam ou não
relacionadas com o meio ambiente. Além do princípio da precaução, como referido, o
rótulo deve também cumprir as demais condições aplicáveis aos diferentes produtos na
mesma categoria. Podemos citar, por exemplo, a Directiva 92/75/CEE, em matéria de
rotulagem energética.52
Virado para os consumidores, propõe-se que estes participem activamente no seu
desenvolvimento, a nível nacional e comunitário. Tal feito dar-se-á por intermédio das
associações nacionais, cujos representantes integram o CREUE.
Todavia, a benignidade da flor europeia pode ser facilmente esquecida se
retomarmos as preocupações atrás expostas com o marketing ambiental. De facto, o
risco de greenwashing53, ou seja, do desvio do argumento ecológico, de se conferir uma
roupagem verde a produtos unicamente para conquistar mercado, não se verificando a
sua real bondade ambiental é bastante real. Também MASSON54 nos fala nesta
“desinformação verde”, num suspeito verniz verde que recai sobre produtos cujo
desempenho ambiental nunca chega a ser verdadeiramente comprovado.
Os custos representados pelas taxas de candidatura e utilização poderão justificar-
se pelo novo mercado a que o rótulo ecológico garante acesso. Mas, para que possam
efectivamente ser justificados, as empresas precisam, num cenário de crise como este
que atravessamos, de garantias. Cumpre aqui recordar que o sistema da flor europeia é
um sistema voluntário, logo, as empresas são livres de não se candidatarem nem
submeterem os seus produtos e serviços a um crivo de critérios científicos e auditorias
52 “Cependant, l'attribution d'un label ne dispense pas les bénéficiaires de respecter les autres dispositions communautaires, qu'elles soient liées ou non à l'environnement. Outre le principe de précaution, le label écologique doit aussi se conformer aux autres modalités applicables aux différents produits de la même catégorie. On peut citer par l'exemple, l'étiquetage en matière énergétique institué par la directive 92/75/C.E.E.”, in BENALCAZAR, Isabelle de, Le label écologique: le consommateur au secours de l'environnement, Petites affiches n.º 203, 11 de Outubro de 2001 53 A GREENPEACE tem-se assumido particularmente activa no combate ao greenwashing, como podemos deduzir pelo sítio seguinte: http://www.stopgreenwash.org/ 54 MASSON, Delphine, La publicité peut-elle devenir éco-compatible?», in: La societé de consommation face aux défis écologiques, Problémes politiques et sociaux, La documentation Française, nº 954, Novembro 2008.
108
rigorosas, em troco de uma despesa (as referidas taxas) sem retorno. Numa palavra, o
pay-off, a rentabilidade da flor europeia pode não compensar.55
Existe um novo mercado económico? Talvez. Está a flor europeia no caminho de
se tornar uma vantagem competitiva nesse mercado? Existem dúvidas. Um mérito,
contudo, merece: o de aliar as preocupações dos consumidores com a estratégia das
empresas. Por isso, a flor europeia apresenta-se como uma das ferramentas principais de
políticas bottom-up, políticas que partindo dos exemplos concretos pretendem
influenciar o conceito e estrutura dos princípios norteadores do direito do ambiente e
respectiva política. Uma ferramenta que não se fica apenas pelos aspectos económicos
mas que reforça e evidencia o papel do cidadão, enquanto consumidor, enquanto
educador, enquanto fonte de exemplo e responsável para e pelas gerações futuras.
Enquanto consumidores, os cidadãos devem preferir produtos ambientalmente
mais amigáveis e, através do seu poder de compra, exercer pressão sobre as empresas
para melhorarem os seus métodos de produção, rumo a uma produção inteligente,
sustentável e eficiente.
Afiguram-se como agentes activos na luta pela defesa do ambiente. O direito a um
ambiente sadio, representativo de interesses difusos, confere-lhes legitimidade para
serem parte em litígios em prol do ambiente. As ONGA e demais associações, além de
efectivarem o direito constitucional à livre associação, efectivam e promovem esta
participação. Ao protegermos o ambiente, protegemos a espécie humana. O foco da
protecção deve ser centrado no ambiente, pois não existe ser humano sem ambiente,
embora o inverso seja falso: pode, e existiu por tempos imemoriais, ambiente sem ser
humano.
No campo da educação, o próprio R (CE) 66/2010, através do seu artigo 12º,
sugere que os cidadãos tomem parte activa na divulgação do rótulo ecológico.
Alarguemos esta sugestão a todas as temáticas do direito do ambiente, na medida em
que todos devemos, no limite das nossas competências e saberes, divulgar e informar a
comunidade, enquanto pilares das suas necessárias consciencialização e sensibilização
para as temáticas ambientais.
55 Acrescente-se que a flor europeia é algo ainda pouco conhecido pelo público em geral, não obstante as diversas iniciativas para a sua divulgação.
109
3.3 - EMAS – Sistema de Eco-Gestão e Auditoria da União Europeia
Dissecada a flor europeia, cumpre fazer agora uma distinção importante, cuja
imprecisão pode gerar confusão nos mercados.
Enquanto rótulo virado para o consumidor, a flor europeia distingue-se do sistema
de eco-gestão e auditoria da União Europeia, o sistema EMAS (Eco-Management and
Audit Scheme), virado para as empresas. Como forma de incentivo às empresas para
prestarem contas do seu comportamento ambiental à opinião pública e aos seus clientes,
o R (CE) 761/2001, de 19 de Março de 2001, introduz uma diversa gama de opções para
a comunicação das informações ambientais.
O logótipo EMAS consiste numa marca registada do referido Regulamento. Com
este logótipo pretende-se indicar que determinada entidade se destaca, a título
exemplificativo, pelo estabelecimento e a aplicação de um sistema de gestão ambiental
e/ou por um empenho activo que inclui a formação adequada dos trabalhadores. É de
participação voluntária e abrange organizações públicas ou privadas da União Europeia
e do Espaço Económico Europeu (EEA) — Islândia, Liechtenstein e Noruega.56
Propõe-se desempenhar uma tripla função, vindo indicar, por um lado, a
fiabilidade e a credibilidade das informações fornecidas, e, por outro, o empenho em
melhorar o comportamento ambiental e em gerir solidamente os seus aspectos
ambientais, por parte da organização que o adopta. Propõe-se, igualmente, a divulgar o
sistema junto do público e outras partes interessadas em melhorar o seu comportamento
ambiental.
Através do artigo 8º do Regulamento, encontramos definidas: as condições de
utilização do logótipo EMAS (nº1); as cinco diferentes circunstâncias para a sua
utilização (n.º 2); e a salvaguarda dos casos em que o logótipo não poderá ser utilizado,
nomeadamente em conjugação com afirmações comparativas (n.º3).
As condições de utilização do EMAS encontram-se no artigo 8º do
Regulamento, artigo que, aliado ao ponto 3.5 do Anexo III (“Publicidade da
Informação”), com especial destaque para as alíneas a) a f) - que especificam os
requisitos que a preencher no caso de a informação seleccionada ser gerada e utilizada
com o logótipo EMAS -, se exulta como a disposição normativa mais pertinente para o
presente estudo. Importa frisar que, independentemente dos formatos de publicação
utilizados (brochuras informativas, sítios na Internet e publicidade nos meios de
56http://consumidores.extensity.pt/45/emas-sistema-de-eco-gestao-e-auditoria-da-uniao-europeia.htm
110
comunicação social, entre outros), um requisito geral deve ser verificado: a visibilidade
das informações validades a que o logótipo diz respeito.57
As organizações têm que estar registadas no EMAS, sendo certo que a
Comunidade pretende conferir a este valor acrescentado, através da criação de opções
novas e credíveis para essas organizações demonstrarem o seu comportamento
ambiental e o seu empenho na protecção do ambiente.
Ponto assente é que o logótipo EMAS (a par de outros sistemas de certificação
de empresas, como a ISSO 14001) tem por objectivo a comunicação com outros actores
que não o consumidor (Estado, seguradoras, etc…). Neste ponto, distingue-se da flor
europeia. Mas as diferenças não terminam por aqui.
3.4 Diferenças entre EMAS e Flor Europeia
O EMAS pretende significar os aspectos seguintes: que as organizações
registadas têm conjugado esforços para melhorarem continuamente o seu
comportamento ambiental; a existência de um sistema de gestão ambiental funcional e
cumpridor dos objectivos; a credibilidade das informações fornecidas, dado que foram
validadas por um verificador ambiental acreditado.58
Todavia, o logótipo EMAS pode confundir-se com o rótulo ecológico, figura
cada vez mais comum nos produtos e serviços ao alcance do consumidor. Cumpre entrar
aqui em consideração com os pontos 3.2 e 3.5 do Anexo III do Regulamento 761/2001,
que nos dizem ser da responsabilidade dos verificadores avaliar da validade e da
fiabilidade das mensagens que chegam aos consumidores, e apontar, por outro lado, que
é responsabilidade das organizações, verificadores e organismos competentes evitar
confusões desta espécie. Aconselha-se que as empresas seleccionem cuidadosamente a
informação a transmitir e que concebam instrumentos de comunicação claros e
explícitos.
O cerne da diferença entre o logótipo EMAS e o rótulo ecológico reside no facto
de este ser, por natureza, selectivo e implicar uma lógica de comparação.
57 Em rodapé, o logótipo deve ser colocado de forma a que seja clara a sua referência à informações validadas e estas devem distinguir-se claramente do restante texto caso sejam apenas uma parte integrada noutra publicação ou apresentadas em associação com outras informações ambientais não validadas. 58 A avaliação e auditoria e a política ambiental têm de ser aprovados por uma entidade com acreditação EMAS, e é a autoridade competente que regista esse processo e atribui a certificação. - http://consumidores.extensity.pt/45/emas-sistema-de-eco-gestao-e-auditoria-da-uniao-europeia.htm]
111
4 - Críticas ao Regulamento (CE) 66/2010
Embora esclarecedor e incontornável nas suas disposições, que o tornam num
documento de referência em matéria de Direito Comunitário do Ambiente, o
Regulamento apresenta algumas insuficiências e fragilidades, que cumpre agora
apresentar.
Nada fica dito acerca das embalagens dos produtos. Devemos presumir que se
encontram abrangidas pelo R (CE) 66/2010? Outro pensamento, de igual monta, alerta-
nos para a ausência de disposições acerca do transporte dos produtos, factor que
contribui, em medida inquestionável, para o desempenho ambiental dos mesmos.
A Directiva 84/450/CEE, do Conselho, de 10 de Setembro de 1984, tem como
matéria a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas
dos Estados-Membros em matéria de publicidade enganosa. Uma das questões que se
coloca, tendo presente, igualmente, o Código da Publicidade de Portugal, é a seguinte:
baseando-se o sistema de rotulagem numa lógica de comparação entre produtos que têm
o rótulo dos que não o têm, como podemos evitar a publicidade comparada?
O facto é que o rótulo é apenas outro símbolo aposto na embalagem do produto.
Nos meios de comunicação social, bem como nos restantes veículos de informação e
publicidade, o rótulo pode ser encarado como um plus do produto, uma vantagem extra
que justifica um, porventura, acrescido preço de aquisição. Todavia, o sistema é
voluntário, pelo que determinada empresa poderá, por razões diversas, não candidatar-
se à flor europeia. A dúvida fulcral transfigura-se nos seguintes termos: como
asseguramos que os produtos não abrangidos pela flor europeia não têm igual (ou
melhor…) desempenho ambiental que os produtos da mesma categoria, que têm o
rótulo ecológico?
Acerca da publicidade comparada, em Portugal, o CP identifica dois tipos de
restrições à publicidade: as restrições ao conteúdo e as restrições ao objecto da
publicidade. A par da publicidade testemunhal (artigo 15º), temos a publicidade
comparativa (artigo 16º) como forma de restrição ao conteúdo. De acordo com essa
disposição normativa, a publicidade comparativa será proibida quando se fundamente
em comparações que vão além das características essenciais dos bens ou serviços ou
112
que os contraponha com outros não similares ou desconhecidos. Recai sobre o
anunciante o ónus da prova sobre a verdade da publicidade.59
Ainda neste âmbito, e dado os conceitos vagos e imprecisos que a lei apresenta
para a definição de publicidade comparativa, podemos recorrer à definição dada por
Loureiro: “… a comparação estabelecida na mensagem publicitária entre certos
produtos ou serviços, ou entre produtos ou serviços do anunciante com outros
indeterminados, podendo também revestir a forma de comparação de sistemas técnicos
ou métodos de fabrico do produto”60. A entidade que exerça a actividade publicitária, o
titular do suporte publicitário ou o respectivo concessionário e qualquer outro
interveniente na emissão da mensagem publicitária serão punidos como co-autores
(artigo 36º do CP).61
Dado que o sistema de atribuição do rótulo ecológico se baseia, entre outros
factores, nos “sistemas técnicos ou métodos de fabrico do produto”, parece que a
utilização do rótulo como uma vantagem extra do produto a que se encontra aposto,
numa comparação com produtos da mesma categoria, cai na proibição de publicidade
comparativa, logo, não é legítima.
Outra lacuna no Regulamento (CE) 2010: os resíduos são apenas referidos
enquanto elemento presente na elaboração dos critérios científicos que um produto terá
que cumprir para que lhe seja concedido a flor; todavia, existe uma distinção fulcral a
fazer neste domínio entre a eliminação e a valorização de resíduos. Deve a flor europeia
diferenciar estas duas situações.
A importância deste ponto é evidente se pensarmos que o consumidor poderá
escolher um produto cujo rótulo indique o resíduo futuro pode ser valorizado, o que se
traduz num acrescido desempenho ambiental. A flor europeia deveria ser colocada em
produtos que permitam a valorização do resíduo, bem como naqueles cuja eliminação é
total e o menos inócua possível para o ambiente.
No campo das sanções, o número 5 do artigo 10º do Regulamento ordena que se
seja retirado o rótulos dos produtos que deixem de cumprir os critérios com base nos
59 FALCÃO, Délia, idem, p. 170. 60 LOUREIRO, João M., Direito do Marketing e da Publicidade, Seminário, Lisboa, 1985 61 Através da Directiva 2006/114/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2006, relativa à publicidade enganosa e comparativa, A legislação europeia protege os consumidores e os profissionais que exercem uma actividade comercial, industrial, artesanal ou liberal contra a publicidade enganosa e as suas consequências desleais. Revoga a Directiva 84/450/CEE, e para a sua redacção foi contributo importante a proposta de directiva sobre publicidade comparativa, publicada no Jornal Oficial da Comunidade n.º C 180/14, de 11 de Julho de 1991.
113
quais o mesmo lhes foi conferido. Todavia, e quando o particular deixa de proceder ao
pagamento da taxa anual? Ou reincide no uso abusivo do rótulo?
O Regulamento delega, através do artigo 17º, a competência para elaborar sanções
para os Estados-Membros, preocupando-se em evidenciar que essas sanções devam
passar por um duplo crivo, o da efectividade e o da proporcionalidade e sejam
dissuasivas.
5 – Green Public Procurement
No campo das compras públicas, dado o peso do Estado (16% do PIB nacional),
procura-se estimular a introdução de considerações ambientais na contratação pública,
iniciativa juridicamente possível e jurisprudencialmente confirmada e promovida a nível
comunitário. Entende-se que se devem instrumentalizar os contratos públicos na
prossecução das mais variadas políticas públicas (a par do seus objectivos tradicionais:
prossecução do interesse público, estimular a inovação social e promover uma utilização
eficiente e sustentável dos fundos públicos), sendo evidente que as “entidades públicas,
enquanto entidades adjudicantes, têm a obrigação de exercer o seu poder de compra de
modo social e ambientalmente responsável.”62
Trata-se da promoção de políticas horizontais63 que são estimuladas pelo Direito
Comunitário, dentro das poderes e limites reconhecidos pelo Tratado de Lisboa (de
futuro, TL), como os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, explicitados
no artigo 5º do TL. As suas competências encontram-se delimitadas pelo princípio da
atribuição e, em matéria ambiental, essas competências encontram-se reforçadas pelas
previsões dos artigos 174º e 175º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia
(de futuro, TFUE).
62 ESTORNINHO, Maria João, Curso de Direito dos Contratos Públicos – Por uma contratação pública sustentável, Almedina, Coimbra, 2012, p. 417. 63 A utilização do termo «horizontais» prende-se com a evidência de as políticas ambientais (normalmente estudadas a par das políticas sociais) atravessarem toda a contratação pública em si considerada, não obstante as entidades descentralizadas que dela fazem uso para a prossecução dos seus objectivos. Outros Autores encaram-nas como políticas secundárias, categoria que propicia o entendimento destas políticas como de importância secundária e subsidiária face ao objectivo de encontrar a proposta economicamente mais vantajosa. Para mais desenvolvimentos, Arrowsmith, Sue e Kunzlik, Peter (org.), Social and Environmental policies in EC Procurement Law, Cambridge University Press, 2009, p. 12 e seguintes.
114
O Livro Verde de Janeiro de 2011 invoca a Estratégia Europa 2020 para um
crescimento inteligente, sustentável e inclusivo e apresenta propostas no sentido de
incentivar as entidades públicas a tornarem-se mais eco-friendly.
Para a escolha da proposta economicamente mais vantajosa, a alínea a), do
número 1 do artigo 36º da Directiva 92/50 (de 18 de Junho de 1992), intitulado
«Critérios de adjudicação dos contratos», diz-nos que a entidade adjudicante poderá
tomar como base para a adjudicação de contratos critérios que variam consoante o
contrato, procedendo a uma enumeração exemplificativa de critérios. Ora, uma
enumeração exemplificativa deixava em aberto a possibilidade de serem considerados
outros critérios, não expressamente previstos, como os critérios ambientais
[possibilidade confirmada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (de futuro, TJUE)
nos seus Acórdãos de 20 de Setembro de 1998, Beentjes (31/87, Colect.), e de 28 de
Março de 1995, Evans Medical e Macfarlan Smith (C-324/93)].
No seu Acórdão Concordia Bus (2002), o TJUE declarou a expressa admissão dos
critérios ambientais, que não entraria em choque do princípio da não discriminação
(princípio que exige o dever de respeitar o princípio da igualdade de tratamento, tal
como resulta das disposições do Tratado relativas ao direito de estabelecimento e à livre
prestação de serviços, como nos recorda ESTORNINHO64. Tais critérios devem
cumprir um conjunto de requisitos: estar relacionados com o objecto do concurso, não
confiram uma liberdade de escolha incondicional à entidade adjudicante, estejam
expressamente previstos no caderno de encargos ou no anúncio do concurso e respeitem
os princípios fundamentais do direito comunitário em matéria de contratação pública,
com especial relevo para o princípio da não discriminação.65
Com este quadro normativo, surgem as Directivas de 200466, como resposta à
necessidade de clarificação do modo como as entidades adjudicantes podem cumprir o
seu já apontado papel para a protecção do ambiente, bem como a promoção do
64 ESTORNINHO, Maria João, idem, p. 427. 65 Na sua comunicação de 11 de Março de 1998 – COM (1998) 143 final – a Comissão considerou lícita a considerações de critérios ambientais para efeitos da escolha da proposta mais vantajosa no plano económico global, na medida em que a própria entidade que lançou o concurso retira uma vantagem directa da propriedades ecológicas do produto. 66 Directiva n.º 2004/17/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos nos sectores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais; e a Directiva n.º 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços.
115
desenvolvimento sustentável (sem prejuízo de garantirem simultaneamente a procura da
melhor relação qualidade/preço).
Em Agosto de 2004, a Comissão publica o manual “A handbook on
environmental public procurement”, através do qual incentiva o Buying Green, com
sugestões como as seguintes: a escolha de um título verde para o contrato; a tomada em
consideração como a eliminação/valorização dos resíduos resultantes dos produtos; o
uso de rótulos ecológicos.
Ora, cabe aqui reforçar uma chamada de atenção feita anteriormente. Como o
sistema de rotulagem ecológica europeu é voluntário e oneroso para o produtor, este
pode optar, e dada a ainda pouca visibilidade do rótulo junto do consumidor, por não se
candidatar ao rótulo ecológico, sem que isso se traduza necessariamente na falta de um
equivalente (ou, porventura, superior…) desempenho ambiental dos seus produtos
comparados aos produtos rotulados. A flor europeia não se apresenta, portanto, como
uma garantia inatacável da qualidade superior do produto a que se encontra aposta,
quando comparado com outros produtos não rotulados da mesma categoria.67
No ordenamento jurídico português, com o objectivo de tornar os contratos
públicos ecológicos, e no seguimento da Comunicação da Comissão Europeia sobre
Política Integrada de Produtos [COM (2003) 302 final], temos a Resolução do Conselho
de Ministros n.º 65/2007, que aprovou a Estratégia Nacional para as Compras Públicas
Ecológicas para o período compreendido entre 2008-2010. Em articulação com a
Agência Portuguesa do Ambiente, a Agência Nacional de Compras Públicas, E.P.E.
executaria, acompanharia e monitorizaria a execução da Estratégia.
Elaborou-se, em Maio de 2011, um relatório de monitorização68 bastante
encorajador, que explica o largo sucesso da Estratégia, e no qual foram emitidas
recomendações para uma nova Estratégia.
Concluímos com uma evidência importante: “Ao celebrar contratos públicos
ecológicos (GPP), as entidades adjudicantes públicas podem/devem reduzir o impacto
ambiental das suas próprias actividades (por exemplo, procurando reduzir as emissões
de CO2 ou promovendo a eficiência energética e a conservação dos recursos naturais) e,
67 A introdução de critérios verdes na contratação pública, ou o Green Public Procurement, demonstra o quão fundamentais são as sinergias entre o Direito dos Contratos Públicos o Direito do Ambiente, na medida em que o primeiro reforça os instrumentos e efectiva os mecanismos do segundo quando, por exemplo, incentiva a utilização de rótulos ecológicos. In ESTORNINHO, Maria João, idem, p. 419. 68 Disponível em: http://www.ancp.gov.pt/PT/ComprasPublicas/Documents/ENCPE_2008_2010_Relatorio_Monitorizacao.pdf
116
ao mesmo tempo, podem/devem incentivar a inovação, influenciando o mercado no
sentido de este passar a fornecer produtos, obras e serviços mais ecológicos.”69
Enquanto um dos vectores de uma contratação pública sustentável (a par da
sustentabilidade social, financeira, entre outras), o GPP presta-se à ponderação do social
best value.
A introdução de considerações sociais e ambientais, longe de se revelar um
assunto fechado, apresenta-se como um campo fértil a questões, dúvidas, bem como a
oportunismos e abusos por parte das entidades adjudicantes. Tal como as empresas
praticam o greenwashing nos seus produtos, os Estados poderiam tentar
instrumentalizar a prossecução das políticas horizontais (traduzidas na introdução de
critérios ambientais e sociais na contratação pública) para conduzirem uma série de
medidas proteccionistas das suas economias. Para tanto, o Acórdão Concordia Bus
firma limites à introdução dos critérios que diversos actos legislativos ulteriores
confirmam e reforçam.70
6 - Caso de Estudo – O Hotel
Na Península Ibérica, o primeiro hotel a receber o rótulo ecológico europeu foi o
Hotel Jardim do Atlântico, na Calheta (Região Autónoma da Madeira), que ostenta o
rótulo desde 2004, graças a um conjunto de características que o comprovam como um
serviço mais amigo do ambiente.
Cumpridos os rigorosos critérios científicos necessários para a atribuição do
rótulo, o Hotel Jardim do Atlântico apresenta instalações caracterizadas pela ausência de
ar condicionado, tem ainda uma Estação de Tratamento de Águas Residuais própria que
trata todos os efluentes líquidos, transformando-os e reaproveitando-os como água de
rega.
No aspecto social e participativo, o hotel envolve-se em iniciativas no âmbito do
Rótulo Ecológico Europeu, como, por exemplo, actividades dirigidas às crianças, jovens
e população local com o intuito de as estimular para as boas práticas ambientais.71
69 ESTORNINHO, Maria João, idem, p. 418. 70 Para facilitar a ligação entre o GPP e o rótulo ecológico europeu, a Comissão publicou, em 2008, um kit de formação nesta matéria, disponível em: http://ec.europa.eu/environment/gpp/pdf/toolkit/module1_factsheet_ecolabels.pdf 71 A jeito de cronograma, vejam-se as conquistas ecológicas deste Hotel: em 2002, recebeu o ISO 14001, em 2002, e em 2003 foi distinguido com o certificado "Eco-Hotel" e em 2004 com o de "Rótulo
117
Certificado o seu desempenho ambiental, resta questionar como podemos atribuir
um rótulo a um Hotel, em que critérios concretos nos baseamos e que resultados
esperamos. Ora, como resposta a estas e outras questões, e tendo por base um aguerrido
incentivo à participação de particulares e empresas, a Comissão Europeia criou e gere
um sítio na Internet que visa a formação em rótulo ecológico para os proprietários de
hóteis e parque de campismo72. Através de um registo simples, o particular responsável
por um Hotel e/ou um parque de campismo terá acesso a uma formação que o visa
capacitar para perceber a importância do rótulo ecológico e como processar a sua
candidatura.
O representante de Portugal responsável pelos processos de candidatura é o
Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação.
7 - Sugestão
O rótulo ecológico europeu aplica-se a uma categoria crescente de produtos, bens
e serviços que se espalham pelos mercados e se destinam aos mais variados aspectos do
quotidiano do consumidor. O mesmo rótulo, a mesma imagem, tem o mesmo
significado quando aposto a uma resma de papel que tem quando aposto a um Hotel?
Por base, podemos responder afirmativamente: o produto, bem ou serviço que tem
o rótulo ecológico apresenta-se com um desempenho ambiental de destaque, quando
comparado (dentro dos limites apontados) aos produtos, bens e serviços da mesma
categoria. Todavia, e embora surja como resposta à indesejável confusão e descrença
que a selva de rótulos auto-proclamados propicia, o rótulo ecológico poderá apresentar-
se como igualmente preocupante, por ser um símbolo destinado apenas a um conjunto
relativamente alargado de coisas.
Neste sentido, deixamos a seguinte sugestão: partindo do desenho do rótulo
ecológico europeu – uma flor -, sugerimos que se crie uma flor para cada categoria de
produto, bem ou serviço, sendo que a “flor europeia” veria assim salvaguardada a sua
integridade, veracidade, identidade e rigor científico. Perceptível pelo público e sem
custos acrescidos para o produtor/fornecedor, a aposição de uma “flor” por categoria de
produto (cuja listagem deveria estar disponível num sítio da Internet, da
Ecológico Europeu". Mais dados em: http://direitoaverde.blogspot.pt/2007/11/hotel-da-madeira-primeiro-do-pas.html. 72 http://www.traintoecolabel.org/index.php
118
responsabilidade da Comissão Europeia e do CREUE) contribuiria para uma mais fácil
distinção dos produtos, bens ou serviços, mantendo-se o pressuposto fundamental:
aquele produto, bem ou serviço é, pelo seu comprovado desempenho ambiental, mais
amigo do ambiente.
8 - Conclusão
Partindo do seu poder de compra, através do qual pode modelar a oferta
proporcionada pelas empresas, o consumidor moderno revela uma inclinação para a
escolha dos produtos mais amigos do ambiente. Tidos como aqueles cujo desempenho
ambiental se destaca pela positiva, quando comparados com os produtos, bens ou
serviços da mesma categoria, esses produtos podem receber o rótulo ecológico europeu,
cujo símbolo se assemelha a uma flor: a flor europeia.
Trata-se de um sistema voluntário e oneroso, baseado em rigorosos critérios
científicos elaborados a partir da Análise de Ciclo de Vida do Produto, que visa
distinguir aqueles produtos mais amigos do ambiente dos restantes, numa lógica de
comparação. A sua atribuição parte de uma candidatura de um particular interessado, de
cuja análise sai um resultado. Caso seja positivo, o particular celebra um contrato com
as condições de utilização do rótulo.
Distinto deste sistema, é o logótipo EMAS (Sistema de Eco-Gestão e Auditoria da
União Europeia), um rótulo virado para as empresas e que procura estimular essas
entidades a informarem o Mundo acerca do seu empenho na protecção e promoção do
meio-ambiente e do desenvolvimento sustentável.
Estrategicamente, o rótulo ecológico europeu enquadra-se nos programas de
desenvolvimento sustentável comunitários e tem expressão no Regulamento (CE)
66/2010. Embora se trate um documento de incontestável validade e importância, não se
encontra isento de críticas. A omissão relativa às embalagens e aos resíduos enquanto
alvo do rótulo; a ausência de indicação do peso do transporte das matérias-primas e
produtos na elaboração dos critérios científicos; a lacuna das sanções; por fim, mas não
menos importante, a falta de um critério orientador para a seguinte questão: como se
baseia numa comparação entre produtos, pode o sistema de atribuição do rótulo
legitimar a utilização do rótulo na publicidade comparada, apresentando-o como uma
vantagem extra do produto a que se encontra aposto?
119
Recordando a noção e a proibição de publicidade comparativa no ordenamento
jurídico português, apoiando-nos numa noção doutrinal de publicidade comparativa,
diremos que não legitima. O sistema de atribuição do rótulo ecológico baseia-se, entre
outros factores, nos “sistemas técnicos ou métodos de fabrico do produto”, elementos
que contêm a noção de publicidade comparativa. Daqui concluímos pela ilegitimadade
do uso do rótulo ecológico com fins de comparação em ambiente publicitário.
O rótulo ecológico europeu surge como resposta à necessidade de proteger o
consumidor da excessiva abundância de rótulos auto-proclamados e orientá-lo rumo a
uma compra consciente e ecologicamente responsável, promotora do desenvolvimento
sustentável. Todavia, o marketing ambiental pode instrumentalizar o rótulo, esvaziando-
o do seu conteúdo e criando a ilusão de responsabilidade social e ambiental dos
produtores e fornecedores. Cumpre reforçar o sistema sancionatório do Regulamento,
bem como a fiscalização e o diálogo pelas e entre as entidades nacionais responsáveis
pela gestão do Rótulo Ecológico Europeu.
O próprio Estado, através do peso das compras públicas, pode e deve ser de
exemplo. A par das finalidades habituais da contratação públicas – satisfação de
necessidades na prossecução do interesse público – Estado e demais entidades públicas
podem prosseguir políticas secundárias de índole ambiental e social, por exemplo. O
rótulo surge como uma ferramenta que orienta o Estado na «ecologização» dos
contratos públicos, na medida em que pode, por exemplo, escolher contratar apenas com
as entidades cujos produtos tenham aposto o rótulo ou, então, prever a atribuição de
pontos adicionais pela existência desse rótulo.
Todavia, a mais importante das responsabilidades recai sobre todos e cada um de
nós, enquanto cidadãos do Mundo. Temos nas nossas mãos a tecnologia e as intenções
capazes de salvaguardar um património comum e legá-lo às gerações futuras. Um
património de recursos, princípios, técnicas, escolhas e resultados. Todos devemos, no
limite das nossas competências e saberes, contribuir para divulgação e informação junto
da comunidade, enquanto pilares das suas necessárias consciencialização e
sensibilização para as temáticas ambientais.
Temos nas nossas mãos o nosso futuro e o conhecimento para que façamos a
melhor escolha!
120
9 - Referências Bibliográficas
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