O Segundo Travesseiro - Moa Sipriano

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    INFERNO

    Vspera de Natal.

    Na penumbra, o relgio caqutico da sala indicava exatamente cinco da tarde.Dominado pelo tdio, com a ponta enluvada de um dedo dorminhoco, eu rabiscava um

    ono de um sorriso estpido, gaivotas raquticas e casinhas meigas suportando o peso de imen

    ham ins no vapor formado pelo meu hlito sabor chocolate quente com dez quilos de aca

    ue havia tingido um dos vidros translcidos da nica janela decadente da minha sala isenta or, s contrastes.

    L fora, a chuva no dava uma trgua sequer desde as primeiras horas da man

    esabando sem piedade sobre as casas de madeira.Um frio sorrateiro congelava meus instintos mais primitivos.Dezembro de festas. Nosso vero estava atrasado. Que tempo louco!

    Eu me sentia como se estivesse numa Nova Iorque de sonhos, imaginando a neve cobrindas as mazelas do homem rico, enquanto branquelos flocos esparsos tentavam reanimar

    speranas daqueles que ainda acreditavam no Esprito do Natal.

    Chegvamos praticamente ao fim de 2001. Eu me esforava para acreditar que eraomeo de uma nova era. O mundo realmente havia mudado. Climas estranhos. Pesso

    onfusas e cada vez mais egostas. Pases destroados lambendo suas desconfortveis feridabertas.

    Impossvel no relembrar a todo momento que uma nao poderosa havia sido esfaquea

    ela frente e pelas costas. Tum, tum... lanas flam ejantes encravadas no corao do mundo.Naquele dia fatdico, chorei at perder o controle de mim-eu-m esmo, enquanto perm ane

    stacado com os olhos grudados na tela cansada, por horas a fio, zapeando entre todos oticirios a fim de arrecadar o m ximo de informaes possveis a respeito do Absurdo.

    Rememoro os silvos de incredulidade das pessoas que tentavam compreender o que estacontecendo no Dia de Trevas. Acuado e apalermando, eu travava uma batalha intensa con

    inha mente e meu corao, procurando descobrir o porqu de uma ausncia sem sentido.Evoco Gut, meu marido, e desguo minha saudade ao pressentir suas sombras ain

    airando atrs do meu esprito acham boado.Aps dias de inquietao, ele abandonou nosso lar sem dar maiores explicaes.Tudo terminou com um vou sair e volto no final da tarde e um beijo mido na minha fa

    squerda, adormentada, s cinco da manh do ltimo dia de setembro.Ou seria o primeiro raiar de outubro?

    No houve um adeus.

    J era outra noite quando me peguei caminhando de um cmodo a outro da ca

    reocupado, insistindo em avaliar quem eu julgava ter sido meu homem, meu companhei

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    eu mais memorvel amante. Eu queria respostas. Ou, pelo menos, compreender os meanda ausncia de lgica.

    Entrei em desespero. Eu no encontrava uma razo para aquela fuga. Cinco anos intende ele estava? Perdi a conta dos inmeros e repetidos telefonemas que disparei contra

    ossos conhecidos. Tontificados, ningum sabia de nada.Gut partiu para uma dimenso paralela, amparado nos braos da Senhora Aventura.

    Foi a m inha primeira morte.

    Em seguidas madrugadas, atnito, eu rodava pela casa num rastejar aleatrio, aprecianversas coisas conquistadas em conjunto simplesmente deixadas para trs.

    Roupas, sapatos, joias, relgios objetos que trouxeram efmeras alegrias e profundmoes, resultado direto das vitrias e sucessos de uma vida em comum.

    At a bendita roupa de mergulho e os caros trambolhos submarinos ainda permanecia

    spalhados pela garagem, espera do seu legtimo dono.Net e Web, nossos gordos ursos de pelcia canadenses, am anheceram desnudos, jogados

    norados num canto do sof no primeiro de outubro. Eu dormi no cho.Resumindo a pera-bufa: Da nossa trincheira partiu meu homem carregando somente

    ochete com os documentos essenciais, um carto de crdito vencido, nossa nica foto abraadsorridentes comemorando cinco anos de casados num badalado restaurante na Cida

    inzenta; o capacete vermelho esfolado na altura da nuca e a indefectvel jaqueta de cou

    exterminador do futuro incerto. Nada mais.Gut evaporou-se nas brumas de outubro, montado em sua moto ano 1975, recentemen

    staurada a um custo exorbitante, m inando boa parte de nossas economias.Eu nunca mais fui o mesmo. Seguiram-se meses de anulao suprema. Eu precisava

    spostas concretas para diversas perguntas que ficaram pairando no entorno da brisa loveana.

    * * *

    Vinte e quatro. Onze e trinta.As crianas aproveitavam a trgua dos cus para aporrinhar os adultos em busca

    uloseimas e pequenas lembranas natalinas. Era a nossa tradio, copiada descaradamente rande festa am ericana em homenagem s bruxas fofas ou ms.

    Pouco antes da meia-noite, a turba mirim saa em disparada, batendo de porta em por

    ntoando trechos de canessantaclausianas num dialeto parte em alemo perfeito, parte eortugus capenga, enquanto o dono da casa visitada procurava dividir entre as crianas (e algu

    armanjos) balas e doces e fatias de bolos confeitados delicadamente, envoltos num tecido godo branqussimo.

    A algazarra ganhava espao quando os pimpolhos eram presenteados, alm dos doces, co

    arrinhos de madeira e bonecas de pano, tudo multicolorido, produzidos com esmero, tcn

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    ilenar e pacincia infinita pelos grandes artesos da ilha.Eu tambm fazia a minha parte, preparando ao longo do ano pequenos livretos com poes

    figuras para colorir. As frases poticas eram de minha autoria. Os desenhos de traos simpleeliciosamente infantis eram frutos do talento de Gut, um maravilhoso ilustrad

    ncompreendido.Felizmente, antes da abduo, meu ex-marido havia deixado imagens suficientes pa

    egrar uma infinidade de dezem bros adiantes.

    Eu acomodava os livretos no centro de latas individuais decoradas com carinho, onde loloridos e borrachas perfumadas completavam o presente educativo.

    Quanta alegria e orgulho sentir que minhas latas literrias eram disputadas tapa (risos)o s pelos pequenos!

    Os sinos da igreja de So Crabedean destilaram seus gritos agudos, porm harmonios

    ove segundos antes da meia-noite oficial.Uma saraivada de boas-festas e feliz natal entoada ora em alemo, ora em portugu

    gumas vezes em ingls, tentava sufocar, em vo, as badaladas sagradas de uma festa profanaSorrisos e abraos sociais eram compartilhados com sinceridade. Boa parte dos nativos

    ha ainda m antm o egosmo trancado sete chaves.Eu ouvia toda a alegria distncia, soterrado debaixo do edredom, enquanto me

    entimentos destroados e minha solido esmagadora eram asfixiados no ltimo grau do vap

    lico que rodopiava nas veias do meu corpo decadente.As garrafas vazias de Budweiser rolavam sobre o piso de madeira, acarinhadas ao so

    anante dos sinos de belm-bein-bein misturados com The Beloved, segundo minha audifusa.

    Bbado, sempre bbado em ocasies especiais. Eu sou um bicho antissocial.Desde que Gut partiu, eu vivia como um ermito trancafiado conscientemente dentro

    asa. Eu s me ausentava do labirinto por uma hora no mximo hora e meia! n

    ssustadoras quartas-feiras, quando precisava entregar textos datilografados ao meu edistressado, afundado em seu escritrio nicotinoso no centro de Lovland, duzentos e trinta e s

    assos alm da m inha caverna.

    Por interveno da Santa Ironia, meu sustento vinha da publicao semanal de urolongado artigo de autoajuda na segunda pgina em preto e branco do nosso jornal local. Meriativos e afamados pargrafos pra cima m imavam a esperana do meu povo.

    Cheguei a distinguir insistentes batidas na porta da sala. Imaginei meu sobrenome (McB

    McBeeeee!) sendo proferido por vozes masculinas e femininas em unssono.A casa apagada e melanclica espantou os espritos alegres e festeiros, que foram goz

    eus momentos mgicos em outras bandas.

    Net e Web recuperaram o direito de permanecer enfiados e aquecidos no meio das minh

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    ernas finas, desprovidas de pelos, que tiritavam sem cessar embaixo do edredom.Adormeci. Trpado e comatoso.

    Acordei aos pulos por volta das dez da manh de um Natal gelado e distante.Clara, minha vizinha-fofoqueira-de-planto, f nmero dois dos meus artigos, quase destru

    janela do meu quarto, implorando aos berros para que eu acordasse, levantasse o mais rpi

    ossvel e ligasse a televiso.

    Entre insistentes gemidos e doloridos sussurros, confirmei minha presena na casa e arraseu cinzento corpo estropiado para minha sala descolorida.

    Mal eu havia destravado a pesada porta, Clara entrou esbaforida, olhando-me de cima

    aixo com cara de nojo, ao perceber meu estado deplorvel acompanhado do meu hlito afasofe.

    Sentei-me de qualquer jeito no grande sof, enquantoPcalturatentava descobrir qual bo

    uebrado do controle remoto ligaria a ancestral televiso.Mesmo antes da imagem ganhar nitidez na tela de vinte polegadas, o som grave e assustad

    e sirenes e tumultos generalizados atinou de vez meu nono sentido.A grande ponte que liga Lovland ao mundo do lado de l era palco de uma tragdia.

    Luzes vermelhas e azuis tentavam quebrar as sombras daquele dia de Natal agora sestas. O velho nibus do Sr. Raasch praticamente havia se partido ao meio!

    Malas, bolsas, presentes e enfeites chamuscados, ferros retorcidos e corpos desfocad

    ululavam na tela, quadriculados.A voz emocionada da reprter da TV Cidade Cinzenta o primeiro caos do continente liga

    minha ilha tranquila, atravs daquelaponte ruminava com imperfeita preciso as dimenso impossvel.

    De acordo com algumas testemunhas, algo havia se soltado da traseira do veculo, fazenom que o mesmo ganhasse uma velocidade descontrolada. Segundos depois, as rodas dianteiavaram, provocando o inevitvel capotamento.

    O nibus bateu violentamente numa mureta de concreto localizada quase no final da pongo na entrada da ilha, pouco antes do prtico de boas-vindas, rodopiando sobre seu prp

    arma, at se desmanchar num canto do asfalto molhado, do outro lado da pista.

    Dos trinta e oito passageiros, nove terminaram aquela manh de Natal ao lado de Deus.

    Pedi para Clara me deixar sozinho. Eu no estava disposto a dividir comentrios

    divinhaes conspiratrias sobre uma nova tragdia coletiva.Minha vizinha perguntou pelo menos trinta vezes se eu ia ficar bem, ao observar meu esta

    rtico em franca decomposio, preocupada com meus olhos inchados gotejando tristezaansao.

    Meu falso sorriso abatido envolto num hlito ftido despachou de vez minha caridosa vis

    sistente.

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    Preparei uma dose cavalar de caf e acar e m ais uma vez permaneci aturdido diante dmagens ao vivo projetadas pelo grande reprodutor de mundos disformes.

    Eu sorvia goles fumegantes que feriam o cu da minha boca e minha garganta atrofiadaapor que fugia galopante da minha caneca de gata turvava meu olhar castanho-marea

    ezenas de lgrimas deslizavam torrencialmente na devassido do meu rosto contorcido.No final daquela outra manh macabra, todos na ilha j sabiam as identidades dos se

    ortos.

    O tempo corria fora de compasso.Eu pressentia lapsos de movimento alm do meu reino das portas seladas. Idas e vindas

    essoas boquiabertas, atarantadas, buscando o alvio num ombro amigo disposto a aguentar urdo deveras insuportvel.

    E eu ali, o Senhor das Consolaes, impotente, sem uma nica palavra de amparo aos me

    is leitores. Um poltro, era isso o que eu era.Felizmente, na confuso, todos esqueceram Sven McBee.

    Eu tambm havia morrido para os amigos.

    Eram oito e treze de outra noite desoladora. O ltimo gole de um ch frio sambava nterior das minhas bochechas murchas. Deixei a televiso sem som durante um tempo n

    ensurado.Eu no suportava ouvir o sofrimento dos meus conhecidos estampado na tela. So

    xcruciantes de a lmas alems que perderam seus filhos, amigos, conhecidos ou amantes tod

    o amados!Eu sem pre sonhei em ver Lovland na TV. Mas no daquela m aneira.

    Tentei tomar um banho, curar-me da ressaca e do abalo psicolgico a que havia mubmetido. No consegui permanecer mais do que alguns segundos debaixo das guas quent

    s violentas gotas despencadas do chuveiro feriam minha pele, atingindo em cheio meu esprerrotado.

    Voltei para a sala envolto no velho roupo felpudo que um dia fora do meu ltimo maridoalerm a abduzido pela sua prpria ignorncia.

    Respostas. Eu exigia as respostas de um ato baixo e insensato. Gut, cad oc meubranco? nde estiver, ser que voc est acompanhando o nosso sofrimento agora, ao vivo?

    Uma imagem despertou meu corao assim que ele surgiu diante dos meus olhos, rouban

    mediatamente minha ateno.O corpanzil rseo, deturpado por uma desfigurada fonte de luz branca, estava retesado nu

    anto da grande pilastra de concreto que sustentava a estrutura da nossa rodoviria modernosa.Um reprter forasteiro, insensvel, tentava sequestrar mais alguma informao daque

    omem destrudo pela tragdia ocorrida horas atrs. Aumentei o som da TV, na esperana

    aptar a essncia da dor do entrevistado.

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    Entre soluos angustiantes, o homem relatava sua impotncia diante do acontecido. Pelo qu entendi, somente por volta das onze da manh do fatdico Natal que ele soube que houve

    m acidente envolvendo toda sua famlia.Aquele rosto rstico, enevoado numa poa de lgrimas de sangue ao voltar da impossv

    espedida, espargia sua inconformidade diante da cmera bisbilhoteira e sensacionalista, qerscrutava seu semblante alterado, tenso, assustado.

    Captei no seu olhar o vazio da minha alma, pois fora exatamente aquela dolncia que

    avia sentido quando perdi meu pai, depois minha me e, de certa forma, tambm quando peut para no sei o que, quem ou onde.

    Aceitar que uma pessoa que voc ama simplesmente no existe mais por causa de ucontecimento previsto (meus pais morreram de cncer: ele no pulmo; ela na laringe tudo p

    ausa do maldito cigarro de palha) algo doloroso, porm compreensvel. Ainda me revoluteado, ao relembrar que mesmo conscientes dos males do fumo, eles nunca se cuidaram.

    Mas perder algum que um dia simplesmente resolveu evaporar-se, muito estranho, p

    oc se v completamente isento de parmetros para traar e avaliar os fatos com acuidade.Desliguei a velha Panasonic. Corri para o meu quarto.Meu rosto estava encharcado em desalento. Gritei, solucei, me debati sobre a cam

    esfeita no seu lado esquerdo.

    Encarei o segundo travesseiro no lado direito do desencantado ninho de amor.Sentia-me sozinho, derrotado, amaldioado.

    Eu queria aliviar minha dor no abrao apertado de um amor ausente.O grito do olhar daquele loveano havia sido gravado a fogo nas minhas retinas dilacerad

    fogo da compreenso imutvel de quem passou pela nefasta experincia da Senhora Dostuprar impiedosamente nossos espritos impotentes.

    De um s golpe, aquele cidado havia perdido no apenas sua famlia, mas tamb

    ualquer perspectiva de futuro, tornando-se mais uma vtima da solido involuntria, enfurnastem aticamente num sofrimento diablico que o consumiria por anos e anos e anos a fio.

    Em uma dbil orao, implorei para que Deus o protegesse.Senti em sonhos, por alguns microssegundos, aquela alma arruinada sendo beatificada pe

    inhas mos experientes, abenoadas, tranquilizadoras.Mudar a posio. Colocar-se no lugar do outro. Distribuir carinho e receber um momento

    eno. Eis a chave do equilbrio.

    Ah, se eu soubesse volitar eu queria ser o anjo da guarda daquele Esquecido.Eu aniquilaria as fisgadas da sua dor com a passagem do meu amor canforado, m

    medrontado desconhecido, viajei, entre sonhos REMnianos.Eu conhecia profundamente os meandros daquele sofrimento.

    Morri dolorosamente entre soluos derreados e lgrimas custicas.

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    PURGATRIO

    Na primeira sonolenta quarta-feira de abril, sem um pingo de vontade de participar d

    omemoraes de sete anos de existncia da Folha da Ilha, eu depositava sobre as macilentas da minha adorada Sra. Khler, secretria do meu editor, mais um extenso arti

    atilografado, onde inspirada cadncia de recicladas frases de consolo e incentivo tentava

    ssuadir a lazarenta da Senhorita Angstia, a Virgem, que insistia em mortificar como um

    haga! os coraes dos habitantes de Lovland.A temporada de vero foi um tremendo fiasco. De uma hora para outra, o tem

    nlouqueceu, chuvas torrenciais e ventos indomveis empaparam nossas praias, afugentando

    adicionais jovens surfistas endinheirados que, desiludidos, foram se aventurar em outaragens.

    Poucos gatos pingados, basicamente nossos vizinhos argentinos sempre os mais velh

    alantes e barrigudos deram as caras nas praias, bares e pousadas de uma irreconhecvomunidade quase fantasma.

    Num rodopio violento e vicioso, a tristeza pela perda de nove vidas cheias de virtudeegrias embotou de vez os nimos loveanos.

    Os pescadores fanfarres j no relatavam mais suas hilariantes inverdades com disposivitalidade. As lavadeiras e fiandeiras velhas, solteiras e fofoqueiras, tambm no destilavaais seus sarcsticos venenos sobre tudo o que ocorria nas vidas alheias.

    At as crianas j no sorriam, brincavam ou se divertiam livremente no colgio ou arque pblico como faziam antes da tragdia do final do ano passado (uma das professoras m

    ueridas da ilha, a delicada Sra. Ziemann, estava entre os mortos no acidente da ponte).Por milagre, profissionalismo ou pura hipocrisia, eu ainda conseguia publicar minh

    alavras de tudo vai dar certo e alto-astral.Lovland inteira sabia do meu caso com meu caso. A maioria dos meus conhecidos

    olidria ao descobrir viafofocas delivery que Gut havia me abandonado aparentem ente se

    enhum motivo sustentvel. Houve comoo e apoios sinceros, mesmo entre os que apenleravam minha homossexualidade.

    Mas, por puro egosmo, eu havia me fechado por completo. Nas poucas horas em q

    ermanecia envolto em sociedade, somente meu sorriso tmido na verdade, sarcstico utomtico era disparado para aqueles que cruzavam meu caminho.

    Eu desfilava pelas ruas de pedra, oculto pela mscara de uma pattica vtima pra l

    ofredora. McBee, o Egosta, queria cham ar a a teno do universo para o seu sofrimento.Bom dia e Boa tarde eram os mantras proferidos... e s. Eu queria acreditar que e

    penas respeitado por ser um bom contador de histrias positivas. Nada mais.

    * * *

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    Os dias de junho de 2002 transcorriam sem novidades.O Vento Sul trouxe o amante, Frio Cortante, na garupa. As ondas quebravam com mai

    ntensidade nas praias de areias brancas e finas. O cu vivia quase sempre acinzentado e uopro permanente empurrava o sabor salino do oceano para o alto, tentando temperar aque

    nverno chatonildo acima da mdia.As inspiraes para meus delrios literrios vm do mar. Mais precisamente da observa

    onstante do movimento das guas e da concentrao medinica nas palavras recitadas pe

    ndas que beliscam meus ps descalos, enquanto caminho sem escolher onde chegar.Uma boa pernada sem destino e sem horas marcadas um remdio eficaz para

    fastam ento da loucura e o em botam ento da solido. Retiro minhas energias do ar e do silnceixo a fora do vento limpar meus vestgios impuros.

    Quanto mais voc caminha, mais voc aprende. Esse o meu segredo para uma correditao.

    Aos poucos eu recuperava o sentido primordial da existncia. Que bom foi me revestir

    oragem e nimo para reconquistar a doce rotina.Caminhar, meditar, sonhar, manter as esperanas de dias produtivos reacender comuda de um conta-gotas o desejo de reaprender a amar.

    Preparado para dar meia volta e fugir do quase princpio de escurido, meu corpo leveeus longos cabelos soltos, ambos belos, malditos e serenos, pareciam flutuar sobre a areia be

    olhada, sarabandeando naquele infindvel pedao do Paraso.Solitrio e sonhador ao sabor da brisa, aumentando os passos at atingir uma carre

    adenciada, planejando sem muita convico o que eu faria para jantar, de repente meus olhscerniram uma figura humana adentrando nas guas traioeiras de uma m ar em ascenso.

    Ao me aproximar do ser hipntico, distingui um homem branco de barba douraesgrenhada, trajando uma suja e surrada cala jeans que contrastava violentamente comalet azul profundo, de bom caimento, ligeiramente apertado na altura dos quadris, a destaca

    ssatura slida daquele macho rijo e decidido.Mesmo com a pouca luz natural que se esvaa com rapidez, meu olhar atento percebeu

    na camisa social clara, possivelmente bege, que combinava satisfatoriamente com a gravata

    eda, em tons certamente azuis infantis, chapiscada de pontos luminosos, porm discretos.Eu e essa maldita mania de prestar ateno aos detalhes mais insignificantes.Com o olhar areado pela imensido ocenica, ele no havia notado minha slida presena

    Vigilante, um tanto chocado com o quadro surrealista, notei a mo direita do homeegurando dois sacos de lona que estavam fortemente am arrados em seu pulso.

    Suspeitei que haveria algo pesado no interior da idiotice.

    Desconcertado, mil sinos ressoaram ao redor da minha mente, indicando-me que al

    uito, muito asno estava para acontecer.O homem prosseguia seu ritual, entregando-se com vontade ao enlace das guas revolt

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    erdendo o equilbrio por diversas vezes, seu corpo era aoitado pelas labaredas espumosnquanto afundava de tempos em tempos, desaparecendo por segundos eternos submerso n

    guas geladas.Uma sirene silenciosa, salpicada por agulhas enferrujadas, disparou no vo do meu bo

    enso.No piloto automtico, corri na direo de um idiota que certamente tentava inserir um

    nd na prpria existncia.

    Entrei no mar que no estava morto, ignorando duas berrantes placas de advertncia.Naquela praia especfica, grandes buracos na areia formados por redemoinhos con

    orrenteza eram muito comuns. Uma pessoa que no soubesse nadar, num simples descuioderia afundar e no ter p para retornar superfcie, entrando em desespero, engolindo sa

    o que foi que eu fiz?, finalmente perdendo todas as foras, sucumbindo por causa esrespeito s leis bsicas da Natureza.

    A escurido atingira seu auge. Meu corpo salgado, congelante, irrequieto, trancafiava

    stante da minha energia.Foi com muita luta, coragem e sorte e uma dose extra de antice, j que eu no sabadar! que consegui salvar aquele corpo pesado e inerte da fria da mar-cheia.

    J em areia firme, seca e cortante, arranquei a gravata de um pescoo arroxeado e afrou

    s amarras de sisal que sustentavam os sacos pesados no pulso do irresponsvel.Xinguei at a dcima gerao do cretino ao descobrir que os remendados sacos de lo

    ontinham bolas de gude, o que havia dificultado sobremaneira o resgate.Tentando rapidamente recuperar parte do meu equilbrio mental, tirei do bolso da min

    ermuda pingante um pedao de elstico e prendi meus longos cabelos negros no alto da cabeormando um coque bizarro.

    Enxuguei meu rosto frio com as costas das mos midas, enrugadas, emputecidas. Ain

    esnorteado, me preparava para aplicar os primeiros socorros no sujeito delirante quando m salto impossvel! suas grotescas mos alucinadas e violentas agarraram meu pescoo

    ma voz gutural sobrepujava os sons vindos alm-mar.Seu puta filho da puta. Voc no o direito tinha de me impedir de morrer

    ueria!, o troglodita gritava, roufenho, num desconectado alemo quebrado.Amodorrado, usando puro instinto de sobrevivncia, com um rduo movimento certeiro

    ndigesto empurrei o brutamonte para longe e j me preparava para defender minha hon

    uando o homem desabou em posio fetal e comeou a chorar copiosamente, descontroladbatido, liquidado.

    Os acontecimentos dos ltimos sete minutos bagunaram por completo minhas estrutursgotado, entreguei os pontos e me sentei ao lado do macho baqueado, tentando aquec-lo co

    eu abrao amornado, aguardando o tempo necessrio para que pudssemos recuperar s

    otas de civilidade.

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    Voc est melhor? Quer conversar?, eu disse, tentando demonstrar a maior pacinciaarinho possveis, a fim de evitar uma segunda crise histrica do meu novo encosto.

    Sem a lua cheia para abrilhantar nosso palco, dois corpos ocultos no vazio da noite gelaermaneceram em desmedido silncio.

    Ainda sem saber o que fazer, demorei segundos eternos para tomar a iniciativa de convidom ternura e tato, o sujeito a me acompanhar at minha casa.

    Fraco e desorientado, o homem fez um meio sim com a cabea, baixando totalmente

    uarda ferina, para o meu doce alvio.Na completa escurido, onde nem mesmo as estrelas davam o ar de sua graa , eclipsad

    or densas nuvens carregadas de opresso, eu procurava equilibrar aquele corpanzil freguindo em passos lentos por um atalho mais do que conhecido por mim-eu-mesmo.

    Em silncio sufocante, absortos, rastejamos por quase trinta minutos at atingirmos o caconchegante da m inha rua iluminada.

    Ao abrir o porto de casa, a forte claridade mbar proveniente de um poste pbli

    esnudou-nos perante nossas verdades.Vi naquele rosto encovado e barbudo o olhar que por meses e meses permanecncravado no meu subconsciente. Balancei a cabea em negativa. Engoli o choro estupefato erimeiras pontadas de um palpvel nervosismo.

    Sim, era ele!Podemos esquecer currculos e identidades referentes a uma pessoa, mas jamais apagam

    m olhar de nossas almas.Aquele homem que perdera toda sua famlia num acidente recente e que fora exposto

    miar do seu sofrimento durante o horrio nobre em cadeia nacional de TV, agora estamparado em meus braos. Fraco, desfalecido, impotente, servil.

    Elevei meu queixo para um cu imaginrio e agradeci a Deus por atender minhas preces.

    Definitivamente, eu sou o seu anjo da guarda, pensei, incontrolavelmente satisfeisboando um irrequieto sorriso interior.

    Dopados pela experincia aterradora que havamos compartilhado a pouco, invadiminha casa e desabam os no grande sof revestido de couro vermelho, acuado na parede norte

    inha sala sem cor. Dormimos e no sonham os durante doze horas seguidas.

    * * *

    Eu conheo voc, ele disse, encostado na parede que implorava nova textura, de cosara o sof, o olhar vagando alm da j anela.

    O candidato a suicida me encarava em viso perifrica, enquanto eu tentava manter hos abertos, acostumando-os claridade matutina, esticando meu corpo alm do limi

    strebuchando no lado esquerdo do macio couro cor de sangue.

    Voc o cara do jornal. Aquele que escreve bonito... Mc... McBee, isso, no ?

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    rutamonte continuou, esboando com dificuldade um sorriso tmido, ajeitando com as mesadas o seu ultrapassado palet de bom corte, incom odado em sal e areia.

    Sim. Sven McBee. Este o meu noommeee, confirmei, bocejando longamente, espertar de vez para um novo dia aparentemente no mais solitrio.

    Desej ando desesperadam ente um banho quente, questionei meu convidado:Voc est acordado faz tempo?

    Recebi como resposta um o suficiente seco e direto.

    Meu nome Tetzner. Jrn Tetzner. Obrigado por m e salvar.Tetzner... Tetzner. Voc no o verdureiro que mora l pelos lados da praia humm

    obsun, no mesmo?, indaguei, ainda abobado, enquanto trocvamos um slido aperto os, fora de ordem e de consenso.

    Ele voltou a recostar o corpo, agora no batente, aparentemente nem um pouco incomodaom a aspereza de nossas mos cobertas de tiras de areia salgada.

    Jrn cruzou os braos diante do peito, de um jeito rude, como que a se proteger de algo al

    o seu alcance.Sim, sou eu mesmo. Pelo visto voc j conhece a fama do verdureiro aqui, noerdade?, fui brindado com um novo sorriso tmido, se esforando ao mximo para ser uouco m ais radiante, apesar de irnico, e pude notar a fresta de uma carreira de dentes perolad

    ue refletiam o inusitado sol magnfico daquela manh embebida em sonhos e esperanas.O verdureiro que morava no sul da ilha, diante de uma das praias mais bonitas da regio, e

    uito popular devido a ultra qualidade de seus famosos tomates, alfaces, pepinos, jabuticabangas e companhia ilimitada.

    Lembro-me que nas quintas, uma verdadeira caravana de mulheres se dirigia a Gobsun, eusca de produtos frescos, totalmente isentos de agrotxicos, a preos bem camaradas.

    Sempre achei estranho uma horta abrir somente um dia na semana para atender se

    egueses, mas naquele momento no tive vontade de questionar o porqu.Acho que estive duas ou trs vezes em sua propriedade, Jrn. Mas eu nunca havia topa

    ontigo antes, que eu me lembre. Pelo que recordo, parece que quem atende os fregueses ... sposa... hum... bem ... desculpe, faz tanto tempo o nome foge minha mem r...

    Atendia, ele disse, lacrimoso, cortando minha frase insensvel.Como?, perguntei, enquanto a ficha demorava a cair.Linda. Ela atendia os fregueses. Linda Tetzner. Esse o nome da minha esposa.

    B!!! Sinal de alerta! Como eu posso ser to, to, to idiota?Linda havia morrido no acidente, seu asno. Ela e as filhas, cretino sem corao.

    Caralho, que mancada! Como eu pude esquecer. Sou to, to, to idiota!Duas semanas aps a tragdia, eu escrevi um artigo emotivo exaltando as qualidad

    aqueles que haviam perdido suas existncias, mesmo sem conhecer quase nada a respeito

    ete dos nove desencarnados.Eu no tinha onde enfiar minha roxa cara burraldina aps cometer tamanha gafe. J

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    obriu os olhos para disfarar as lgrimas. Eu no sabia o que dizer, alm do bvio.Perdoe a minha insensibilidade. Agi como um obtuso idiota, respondi, tentando conser

    m dilogo perdido.Totalmente desperto aps o desastre das minhas colocaes, esqueci do banho, levantei

    of e fui direto preparar algo para o nosso caf da m anh.Jrn se arrastou atrs de mim. Permaneceu alguns instantes encostado no batente q

    eparava sala da copa, observando em silncio as ondas calmas que purificavam as are

    ornas, atravs da grande varanda que iluminava a parte mais bonita da casa: a cozinha.Ele finalmente abandonou suas meditaes e sentou-se mesa, todo acabrunhado, para m

    azer companhia.Obrigado por me salvar de mim mesmo. Ontem. Voc sabe, ele repetiu

    gradecimento, mesclando o alemo com o portugus, olhando para o piso de madeicariciando desconfortavelmente a barba desgrenhada, incomodado com o caminho de ar

    ue sambava pelo seu corpo salmonado, vertendo pontos brilhantes a despencar pelo cho.

    Fiz o que tinha que ser feito. Alis, eu sei como voc se sente. Acredite, eu j realizei umorrada de troos beeemmmloucos para angariar a ateno do mundo, eu cantarolei, um tanfetado demais para o meu gosto, enquanto abria o armrio em busca das canecas e dpetrechos para o preparo de um bom caf.

    Eu tambm j tentei me matar, Jrn, numa poca em que me senti terrivelmente sozinhoerrotado, com raiva de Deus e seus anjos. E foram duas vezes. Pode acreditar!, conclu

    sumo da minha tragicomdia, pousando duas grandes canecas de gata sobre a mesa adeira rstica e ferro batido.

    Durante a fervura da gua, no trocamos uma palavra sequer.Quando o caf pronto foi derramado na segunda caneca, sorvemos nossa bebi

    vitalizante, trocando olhares desconexos procura de um ponto em comum para retomarmo

    logo.Compartilhamos mais alguns introspectivos minutos de privao.

    Voc Fruta?, Jrn perguntou, corando alm do limite, perscrutando meu olhar atravo vapor que saa da sua caneca cor de laranja.

    Surpreso com a pergunta formulada com uma ingenuidade gritante, quase engasgando cocaf agora morno, respondi positivamente com um leve aceno de cabea.

    Algum problema para voc, Jrn, por eu ser... Fruta?, respondi assim que o resto do ou

    egro desceu, aos trancos, pela minha garganta.No sei. Nunca estive ao lado de um Fruta. E s percebi que voc um por causa desse s

    abelo liso e comprido demais, dessa sua pele sedosa e perfeita demais, dessa sua voz delicadninha demais e, claro, tambm por causa desse seu dedinho apontando para o Norte, enquan

    ma o seu caf aucarado demais, ele respondeu, jogando no ar um sorriso aberto

    bobalhado, tipicamente macholinotosco.Bom, vou logo avisando: se voc m e salvou e me trouxe sua casa com a inteno de eu

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    omer... bom, bom, bom... pode tirar todas as guas da chuva, proferiu o neandertalense, ons palavras foram asfixiadas no meio de vrias mastigadas num pedao de po amanhecido.

    Ah, sim, voc tem toda razo, Sr. Tetzner. Puxa, voc me pegou! Eu cultivo h sculos esra incontrolvel: sair por a toda noite para caar paquidermes com sndrome de pni

    sgat-los das garras de velhas e desdentadas Sereias Medievais e, obviam ente, lgico que reciso DAR uma bela trepadinha bsica no transcorrer da madrugada. Sabe como : forma

    agamento..., eu esperneei, usando m eu timbre Fanhoso Nmero Cinco (num a escala de sete

    Mas, falando srio... se voc acha que eu ia perder m eu precioso tempo em retirar da gma anta cabeuda que se achava uma oferenda perfeita para a Rainha dos Mares... e ainda p

    ma transar com esse asno bipolar que almejava o lugar do Flipper... bom, meu futuro emigo, eu realmente tenho mais o que fazer, respondi, manipulando as emoes para parec

    fendido, levantando meu traseiro pimpante da cadeira de ferro, eu e meu cu sorrindo scondidas.

    Depositei nossas canecas tristonhas sobre a cuba de inox e me preparava para lavar bu

    oador de pano, colheres e facas, dando as costas propositalmente ao meu hspede afogantuando ouvi os conhecidos soluos de tristeza que culminavam quase sempre numa cascata grimas fora de controle.

    Hei, Jrn, o que foi? Eu estava brincando!, virei-me de supeto, largando esponja

    etergente sobre a pia.Desculpe-me pela minha rudeza. Estou descontrolado. Sinto-me sozinho. Porra. Tant

    eses de solido e isolamento. Nenhum bosta de parente para me consolar, s para me acue tudo. Nenhum amigo, sem minhas filhas, sem Linda. Desespero, fim de tudo, sacos

    olinhas de gude no meu pulso. Elas adoravam brincar com bolinhas de vidro colorido. Eu quefim. Estar com Linda novamente. No Cu. Nem sei se o Cu existe. Onde est Deus? Por qle poupou a minhaexistncia e no todas as vidas das minhas mulheres? Por que eu perman

    a Cidade Cinzenta naquela maldita madrugada, enchendo a cara na infernal bodega, enquaninhas lindinhas deixavam a casa dos avs e voltavam para Lovland na vindoura manh, a f

    e preparar o maldito almoo de Natal? Por que eu dormi por tanto tempo naquele quarto otel? Foi a raiva que eu sentia pelo meu sogro, a m e esculhambar antes da ceia mais uma v

    s porque eu no era um Doutor igual a ele? Bebida, bebida, bebida... Estou confuso. Eus

    onfuso. Eu sei que Linda ficou ofendida por causa da minha ausncia durante a porra da reunamiliar que deveria ser impecvel. Sei que ela partiu magoada comigo. Oh, Deus por q

    mei a deciso de sair sozinho, ainda mais para beber? Eu tenho certeza disso. A mgoa. Pue, Fruta McBee, responda-me, j que voc o cara ou a bicha que escreve aqueles textos t

    ndos. Por que elas foram arrancadas de mim?Eu, o to famoso Senhor das Consolaes, mais uma vez me vi impotente diante

    ofrimento alheio.

    Era fcil para mim-eu-mesmo salvar o mundo escondido atrs da velha Olivetti de paparavs das minhas frases mgicas, cheias de lugar-comum.

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    Frases feitas e decoradas com incentivos lidos em para-choques de caminhes. Inspiratiradas das infindveis caminhadas solitrias, enquanto eu sorvia a maresia no decorrer d

    inhas meditaes inquietantes; ou de Selees antigas que meu pai costumava colecionbsessivamente.

    Naquele instante eu travesti a Madam e Fracasso Total.Teria eu a chance de realmente merecer o Amor? De ter amigos leais e sinceros? D

    olocar em prtica tudo aquilo que eu escrevia to bem nos domingos solitrios e entregava

    uartas-feiras para ser editado e publicado no nosso jornal local que se enfiava indubitavelmenor todos os cantos da ilha nos sbados, pela m anh?

    Ser que Gut havia m e deixado por no suportar meu jeito to fechado de ser? Essa era umergunta que jam ais seria respondida. Ou talvez... eu estivesse pisando na resposta descarada.

    Na varanda, entre Samambaias escandalosas e Hortnsias corajosas, encontram

    sposio para conversar sobre nossas vidas aps o caf da manh. Eu havia consoladoerdureiro, ajoelhado diante de suas lamentaes, enquanto aprecivamos Rododend

    mponentes, carregados de magia lavanda.Segurei suas mos debilitadas e ele aceitou a sinceridade do meu carinho fraternal, por

    nda estranho aos seus olhos. Para Jrn, eu era um aliengena tentando estabelecer contato.Ignorando meu convite para um banho, deixei que ele me contasse resumidamente

    stria de sua vida. Todos ns sentimos excessiva necessidade de entoar a nossa melancli

    ano Psicolgica.Percebi que Jrn levava uma existncia sem maiores tentaes, onde tudo se encaixa

    xatamente como num roteiro tpico de uma novela brasileira a sapecar o horrio das seis.Sua infncia transcorreu sem transtornos, feliz e bem educado por pais estruturados.

    Aps formar-se em Qumica, casou-se com a primeira e nica namorada (conhecera Lina cantina da faculdade em Pomeroh). Tiveram gmeas no quinto ano do casamento (umravidez difcil, de grande risco). Mudaram-se para Lovland (em busca de tranquilidade

    egurana).Jrn trabalhou por doze anos numa indstria txtil. Cansou de cruzar a ponte e ser robotiza

    argou tudo.

    Com as economias, resolveu investir parte do dinheiro numa poupana para as filhas e ouarte na construo de sua horta. Desde ento, seus rendimentos vinham das frutas e legumi cultivados com suas prprias mos. (um) barato viver em Lovland!

    Uma vida pacata, feliz, comum e corrente; igual as ilustraes meigas de famlaravilhosas que vemos em antigos calendrios dos anos 1950, ou aquelas imagens que som

    brigados a encarar quando livretos de propaganda religiosa de alguma seita evanglic

    undamentalista so esfregados na nossa fua, sem permisso.

    Tudo colorido e perfeito num pedao hipcrita de papel antigo.Em comum com a minha histria, Jrn tambm havia perdido os pais quando e

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    dolescente. Eles foram ceifados, juntamente com o cozinho da famlia, por um fogo cruzantre policiais e bandidos durante uma viagem que deveria ter sido em frias naquela tal Cida

    que um dia foi) Maravilhosa.Jrn superou sua primeira morte com a ajuda da av materna.

    Aps murmurar seu relato sucinto, percebi que o cara-de-salmo no estava l munteressado nos meus percalos na vida. Levei menos de dois minutos para resumir minha atu

    xistncia num nico pargrafo verbal, o qual quero apelidar de O Grande Q:

    Garoto pobre tam bm criado pela av, que estudou s at a stima srie, que sem pre vive bicos honestos, que nunca aceitou permanecer robotizado em nenhum em prego, q

    ncontrou seu talento na literatura de apoio aos necessitados, que era razoavelmente bem paor isso, que vivia na casa herdada pela av, que tinha o pssimo carma (existepssimo carma

    e atrair homens ligeiramente problemticos e neurticos a rodo, que no era feliz no seapesar de me considerar um amante incomum e de ter satisfeito por completo todos os me

    arceiros, nenhum jamais conseguiu me fazer pleno), que nunca tinha sado do eixo Lovlan

    idade Cinzenta e, finalmente, que nos ltimos anos havia dedicado noventa e oito por cento ua vida a um homem que fora abduzido por Mercurianos eunucos (era confortvel aventar eptese absurda, porm hilariante), apoiado suas artes rabisquentas e suas exposies esdrxul

    atisfeito todas as fantasias bizarras do amante pssimo de cama (um gay consegue ser pssim

    e cama?)... que atualmente assumira o lado ermito-bobo, recluso entre uma dezena aredes centenrias. Fim.

    Atontabobalhado, Jrn riu at perder o flego aps ouvir, perplexo, meu monlogo repleto ejeitos tipicamente viadescos, muito bem entoados com a aj uda do Fanhoso Nmero Trs.

    Despediu-se com um abrao desajeitado, distante, ressabiado, enquanto eu procurava sstuto ouvido esquerdo, sussurrando delicadamente ao seu esprito apalermado:

    V. Mas no se mate mais uma vez, Jrn Anta Cabeuda Tetzner!

    * * *

    Um novo setembro. Um ano ps-tragdias m undiais e pessoais.Recordaes angustiantes, tristezas a navalhar as feridas reabertas na alma.

    Sem notcias, sem cartas, sem telefonemas, sem sinal de fumaas j amaicanas, sem nada.Eu havia desistido de procurar (ou esperar) Gut. Em definitivo.Acredito que cada um precisa, sem ajuda de ningum, selecionar seu novo caminho. N

    odem os estancar nossas m entes e coraes no rabo do Passado, m esmo sabendo que ele adoer em palado.

    Na ltima quinta-feira do ms, eu voltava da minha rotina de trabalho, desatento, caando

    a no meu novo brinquedinho: um estranho MZ-G750 da Sony que eu havia ganhado

    Wagner, quando praticamente atropelei Clara, que cruzou comigo na terceira curva da R

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    raucks, carregada de sacos de papel pardo repletos de frutas e legumes cheirosos, de uolorido tentador.

    Desajeitado como sou, implorei desculpas sinceras minha vizinha, jogando parte do mabelo para trs, liberando amplamente a viso, ajudando-a no equilbrio dos pacotes estufados

    Passamos a caminhar juntos. Fui obrigado a dizer adeus pro Morten Harket, meu sonho dos os consumos.

    Hoje eu vou fazer uma torta de brcolis com alho que vai enlouquecer meu marido

    lara trinou, esfuziante, enquanto eu me embaralhava todo ao enrolar o fio do fone de ouvido ua barra de informaes desnecessrias.

    Pelo jeito, a comida vai terminar na comida, no , sua safadinha, ri, enrubescenntando lem brar a ltima vez em que fiz sexo com fragmentos de teso.

    Vocs homens, gays ou no, s pensam nisso o tempo todo, no mesmo?, disse Claoltando o dcimo gritinho estridente.

    Homens idealizam sexo infinito. Mulheres sonham com cartes de crdito ilimitados. Ga

    azem sexo ilimitado e mantm infinitos cartes de crdito eternamente estourados!, antarolei essa bobagem, estalando os dedos, fazendo biquinho e caindo imediatamente numemenda gargalhada que h muito tempo permanecera grudada na sola do p esquerdo do msprito ausente.

    Voc um tosco, McBee. Mas eu te amo. Quer um tomate? Tome, pode comer, esmpssimo!, disse minha amiga, num trinado longe do normal, depositando em minha m

    uada um suculento vermelho luxurioso repleto de sabores afrodisacos.Sem cerimnias, eu devorava aquela tentao, enquanto Clara me passava a receita da

    rta de brcolis que eu anotava na cachola, com facilidade.Quando chegamos na esquina das nossas casas, nos despedimos sob a promessa da min

    zinha de que eu ganharia um generoso pedao da iguaria ele come, depois me come no fi

    a noite, logo aps suafestinhaprivada, assim que o Gordo dela pegasse no sono.Por intuio, cutucado pelas farpas da Curiosidade, finalmente perguntei onde ela hav

    dquirido suas hortalias, enquanto eu abria seu porto que, coitado, gritava desesperadamenor uma boa dose de leo nas juntas.

    Minha lgica no aceitava o cam inhar to longe s para realizar aquela compra to especClara odiava qualquer coisa sobre rodas), mas meu corao confirmava antecipadamente qumpreitada valia a pena em todos os sentidos (ao elogiar o sabor do tomate e logo rouban

    utro!).Toda orgulhosa, Clara confirmou minhas suspeitas (eu j havia intudo a resposta).

    Uma saudade adolescente pipocou na base superior da minha aura verde-musgo: o toxato da Dona Carncia.

    Disfarcei o princpio de um choro fora de prumo. Trocamos beijos e desej ei um boa sor

    ara a minha amiga e sua to sonhada e planejada noite nhqui-nhqui-fqui-fqui, sechupi-chupi.

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    * * *

    Levei bom tempo para decidir se valia a pena visitar Jrn ou no.

    Por covardia, medo ou simplesmente por inrcia depois de tudo o que eu havia sofrido nos dos homens errados, nada me instigava a enfrentar um novo envolvimento nem que fo

    omente coroado de honesta amizade com um outro macho.

    Mas na manh da primeira quinta-feira de outubro, respirei fundo, apanhei a bicicleta

    vei a minha confiana para um agradvel passeio praia chamada Gobsun.Aps quarenta e tantos minutos de pedaladas hercleas contra o vento, sem parar nem p

    m minuto sequer, finalmente cheguei ao meu destino.

    Foi um choque encontrar um aglomerado de senhoras e mocinhas nervosas diante ercado que delimitava os sagrados domnios do verdureiro.

    Elas gritavam, chamavam, esperneavam e nada do homem dar as caras numa das jane

    a simptica casa de madeira pintada de branco e rosa e verde-gua, que lembrava, e muima casa de bonecas de histrias em quadrinhos.

    Tentando ser discreto, rodei por alguns metros adiante, na esperana de que as clientustradas retornassem para suas casas. No demorou muito a minha ansiosa espera .

    Quando todas partiram, deixando-me sozinho, rondei a propriedade de Jrn, apreciandoariedade absurda de sua imensa horta muito bem cuidada.

    Os maravilhosos canteiros de terra vermelha fervilhavam de vida, cores e texturas

    rvores frutferas, legumes vibrantes e verduras tenras, tudo devidamente setorizado, organizaperfeio.

    Difcil imaginar que aquele homem solitrio e abalado encontrara foras para manquele lugar num patamar quase divino, garantindo assim seu sustento e sua sanidade.

    Para um vegetariano inveterado como eu, aquela era a fantstica viso do verdadearaso fincado na face da Terra. Em uma palavra: encantador.

    A tranca quebrada do porto principal estava envolta numa grossa corrente, onde u

    adeado enferrujado selava definitivamente a passagem.Ao chegar prximo a casa, pesquisei com olhar apurado alguma movimentao mnim

    ortas fechadas, janelas tapadas por cortinas pudas. A morte continuava rondando boa parte

    ropriedade.

    Um estrondo. Coisas metlicas estatelando pelo cho. Meu corao arrebentava meu pei

    linchando descompassado, feito um louco a dois passos de se atirar do vigsimo nono andar.Instinto de sobrevivncia. Algo de errado golpeava as tetas do Vento Sul.

    Meu Senhor, por onde entrar?, balbuciei envergonhado, pois s lembramos que h ueus misericordioso quando estamos em apuros.

    Larguei a bicicleta numa pequena duna. Corri todo atrapalhado para o lado oeste da ca

    Mais sons metlicos. Algo foi arrastado.

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    Dor, desespero, sinais confusos.Pense, pense, pense McBee!

    Um destoante pedao de cerca quebrada. Meu passaporte para um novo mundo estranho.Minha salvao?

    Com dois ou quatro chutes, arrebentei as tiras de madeira podre, abrindo um vo ercado.

    Na pressa, cortei meu brao nas lascas adj acentes. Ignorei a dor.

    Eu precisava salv-lo de si mesmo.

    Alm do brao esquerdo talhado, onde um fio de sangue chegou a emporcalhar min

    amiseta branca, notei meu p direito inchado, pois ao chutar as madeiras no havia me tocae que eu calava estropiados chinelos de borracha.

    Correndo pelo quintal de gramado fofo feito um Bambi manco, eu, ababosado, ria de pu

    ervosismo, tentando disfarar o transe das minhas loucuras.Por sorte, a porta da cozinha se encontrava levemente aberta. Por azar, a viso

    erdadeiro Purgatrio materializou-se na minha frente: Jrn estatelado no cho, onde seu coravegava sobre uma nauseante poa de sangue.

    Saldo da estrepada de uma anta cabeuda: um considervel galo na cabea, um tal

    uperficial no pulso direito que, por milagre, no atingiu nenhuma veia , um rasgo feio na cosquerda e, claro, mais um belisco ridculo que arranhara o queixo quadrado: sinal de uma bar

    alfeita.

    Ufa!Ao me deparar com um asno acfalo todo ensanguentado, estrebuchado no cho sujo

    ma cozinha imunda, nem sei de onde resgatei Fora e Coragem e Estmago para removquele corpo medonho daquele local a implorar piedade e arrast-lo para o banhe

    insculo de uma casa cuja planta fora certamente executada por um Ciclope estrbheirando Tang!

    O que me resguardou da histeria e do despreparo junto cena dantesca foi que Jrn, ao mer, abriu um sorriso abestalhado, inundou meu rosto com um bafo putrefato, devidamen

    alibrado com a acidez da bebida mais vagabunda que um sujeito pode sorver; buscou mbrao bitolado e urrou, num alemo quase incompreensvel:

    Meu frutinha anjo... voc salv veio eu de novo? Glria ao Deus nosso!

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    CU

    Por causa daquele dia, tomei uma deciso radical: praticamente me mudei para a casa

    rn.Aps cuidar de suas feridas e pacientemente aguardar que ele voltasse condio de ser

    ente, discutimos as suas aflies, de uma vez por todas!

    Era imprescindvel buscarmos a ajuda de um m dico, um curandeiro (havia muitos na ilh

    m padre, um psiclogo ou mesmo a soma dessas possibilidades.Jrn, quando no bebia, era um homem pacato, de poucas palavras, realmente introspecti

    uidava de sua horta como quem amamenta fofuras indefesas.

    Era tocante v-lo preparar a terra, escolher sementes, montar os canteiros, plantar udas colher o beatificado suor do seu trabalho digno.

    Eu, claro, permiti a entrada dos espritos da Dirce Arrumadeira e da Lu Patinadora no m

    orpo, pois durante dias e noites sem cessar, bailando aqui e ali ao som do Erasure, transformoa parte daquele antro de tristeza num verdadeiro lar abastado de luz.

    * * *

    Sem programar nada, criamos uma rotina de casal-margarina-feliz.

    Apenas aos domingos ficvamos separados, contra a vontade de ambos.Eu chegava s segundas-feiras por volta das oito da manh, sempre acompanhado p

    acolas de mantimentos a entupir a nova e indiscreta cesta que fora atarraxada na frente egina, a magrela.

    Era minha responsabilidade providenciar produtos de limpeza, quilos de caf, fardos anos de cho e uma seleo gelada de animais esquartej ados em forma de bifes e peitooxas e sobrecoxas.

    Fiquei encarregado pela cozinha, mas no m e atrevia a fritar ou cozinhar qualquer coisa qngasse sangue. Nessas horas, Jrn assumia a frigideira e ria e cantava sem parar, provocand

    e na hora das refeies, passando seus pratos mortos diante do meu olfato afrescalhado.Enquanto no resto do tempo eu me dedicava aos trabalhos domsticos, Jrn passa

    raticam ente o dia todo em sua horta do pas das maravilhas.Com renovada dedicao, ele voltou a atender suas freguesas s quintas-feiras, reassumin

    velha alegria de bem servir.

    Sob meus cuidados, Jrn aprendeu a cuidar de si mesmo um pouquinho mais.Quando inventvamos de sair para relaxar aps o trmino dos nossos compromissos

    abalho, ele passou a exigir m inha aprovao sobre esse ou aquele figurino, antes de colocarm

    s ps e as fuas orgulhosas fora do porto.

    A cena, pra variar, era hilria: eu, montado aps cinco minutos, simulando falta

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    acincia, sentado num desconfortvel banco de madeira que ficava apagado no meio de uorredor a interligar banheiro e quartos.

    Ele, banho tomado (Primeiro round: gastando uma barra de sabonete. Segundo rouesuntando o corpo inteiro com dois litros de desodorante de supermercado), aps trocen

    inutos de prvia escolha (sem a minha nada discreta presena, que era proibida de permanecos seus aposentos reais), destrancava a porta, pulando na minha frente, ansioso para ganhar

    eu Uia! logo na primeira tentativa.

    evidente que no comeo dessa brincadeira inocente, levvamos uma eternidade enxperimentaes, at que eu decidisse curtir sua indumentria ideal.

    Eu o proibi de usar barba cheia, afirmando que ele ficava horrorozvel com aquesdentada piaaba desgrenhada na cara.

    Ele, numa determinada quarta-feira, apareceu na redao do jornal para me pregar um

    oa pea.Quando deixei a sala de Wagner, assim que finalizei minha rotineira reunio semanal com

    eu editor, a Sra. Khler depositou um bilhete em minhas mos, sem conseguir disfarar suriosidade sobre a minha possvel reao.

    Desconfiado, mas despreocupado, abri a folhinha e um caixa de papelo, segunda mesa

    ua direitaem letras cursivas iluminou minhas retinas curiosas.Redirecionando minha ateno at o ponto exato descrito no mapa, dentro de uma cai

    spingolada uma caprichada cesta entupida de chocolates foi materializada.Desatando fitas azuis e abrindo o celofane dourado, no meio de um sem nmero de trufa

    arras e balas deliciosas de todos os tipos possveis de cacau engordativo, encontre i um finssimcido de seda acaju a embalar algo muito, muito, muito macio e delicado.

    Engolindo lgrimas de um espanto que podia ser cortado em generosas fatias, quase perdho ao me deparar com uma anta de pelcia usando um terno azul-horrendo, idntico ao qerto indivduo trajava no Dia da Salvao.

    A roupinha foi ideia minha, McBee! Corte e costuras, disse a secretria, amparaninha alegria, divertindo-se com aquela linda traquinagem, sem suspeitar do drama que eu e

    erdureiro havamos compartilhado.

    E o boneco bom, bom, bom. Vai dizer que no cpia escrita e escarrada do sabeudo aqui. No mesmo, Sra. Khler?, cantarolou Jrn, cabea baixa e anil de to tmio sair de uma estreita saleta que era geralmente usada para descanso dos reprteres.

    Sem me recuperar do choque de um ato que eu jamais conseguiria supor que Jrn foapaz de realizar, quase passei de uma vez para outro Plano ao fixar meu olhar naquele homeabelos cortados escovinha, barba rente ao rosto, num corte nmero um, de linhas ousad

    amiseta branca abraada por outra, quadriculada, em excitantes e viris tons azul, preto

    humbo; jeans novo, aparentemente talhado por uma divindade parisiense sobre um par de coxuculentas; botas negras que pareciam militares que pareciam sociais que pareciam rsticas

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    mplorar lambidas submissas.Quando vocs? Como que vocs? Cus no quero saber. Vocs dois conseguira

    e surpreender alm do impossvel!, desabei, atarantado, sendo prontamente abraado coarinho por dois seres muito especiais para mim-eu-mesmo.

    Bem cuidado e protegido, foi assim que eu ganhei do Sr. Tetzner o ttulo de Amigo.

    Havia regras engraadas criadas por Jrn.A de nmero um: eu no podia v-lo envolto na toalha de banho ou usando apenas roupa

    aixo. Dois: jamais ousar entrar em seu quarto durante a noite (eu dorm ia na sala, pois o qua

    as crianas deveria permanecer intocvel). E, finalmente, a de nmero trs: nunca, senhuma hiptese, cantar e imitar Donna Summer na cozinha, enquanto ele estivesse assistindo

    oticirio, antes do nosso jantar.

    O que salvou nossa sanidade foram os proveitosos dilogos que mantnhamos rigorosamen

    das as noites, enquanto caminhvamos pelas areias fofas parecendo enamorados fastando-nos um pouco da casa, logo aps o nosso jantar.

    Liberto, durante nossos passeios o verdureiro aprendeu a compartilhar slidas converobre os momentos difceis, quando as lembranas tornavam-se pesadas alm do suportvel.

    No final da boa esticada, em silncio respeitoso, deixvamos a espuma brincar ao redor dossos ps descalos, peludos, enrugados, e terminvamos a primeira parte da nossa liturg

    strebuchados em cadeiras dobrveis, observando a mirade de estrelas avariadas qbrilhantavam o veludo negro de Soraia, a Soberana das noites luxuriosas.

    Sabe, Fruta McBee, Jrn se abriu certa vez, Fui educado para odiar os gays. Aquela coe que todo homem que se deita com outro homem uma aberrao, algo contrrio s Livinas. Enfim, essas bobagens que afirmam que Deus disse, mas que hoje compreendo que s

    alavras convenientes registradas por um bando de egostas servientes a um dogma ridculo, eedaos de papiros deturpados ao longo dos sculos.

    Por toda minha vida, fui orientado a fugir de tudo que fosse diferente ou incompreensvconviver com um gay, at pouco tempo atrs, era algo muito alm daquilo que eu pod

    norantemente suportar.Quando Linda e minhas filhas partiram, padeci por causa da presso que os parentes de

    xerceram sobre mim. Talvez por ser sozinho, sempre fui o elo mais fraco. A me dela at ho

    nsiste em afirmar que elas morreram por minha culpa. Sei que voc conhece a histria de coalteado, mas tenho que repetir tudo pra mim-eu-mesmo.

    Na vspera daquele Natal meu deus, parece que foi ontem! eu estava entediado comotina das comemoraes fam iliares na casa do meu sogro esnobe. Exigindo a ateno da m in

    ulher, arrancando-a da cozinha, eu disse a ela que precisava sair um pouco, passear p

    dade grande, sufocar-me nos carbnicos, enquanto arejava a alma mas que voltaria antes

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    eia. Linda odiou minha atitude, mas respeitou minha deciso.Nossa havia sculos que eu no punha uma gota sequer de lcool na boca. Restries

    ma av cruz-de-ferro e uma esposa correta demais. Mas, porra, aos quarenta e trs, eu tinhareito de curtir um pouco a vida. De ousar ao menos mais uma vez!

    Entrei na terceira bodega. Pedi o primeiro copo de um vinho vagabundo. Voc acredue eu nunca, nunca, nunca havia experimentado vinho? Pode uma coisa dessas? D pa

    creditar nessa que sim uma verdadeira aberrao?

    Tomei um copo, apenas um copo de tinto melecado. No gostei. Pedi cerveja. Uma, duaez. Adorei. Revivi a juventude sem compromissos e amarras. Aquela coisa de macho iludid

    ebi, bebi, bebi. Perdi as contas da razo e do rosrio. Ganhei amigos etlicos. Uma generooro deles, que simplesmente surgiu aos borbotes. Eu nunca tive am igos. Nem na infnc

    em na faculdade, nem em m omento algum.Era um presente de Kriss Kringle: a necessria cerveja e os velhos amigos. Sentia-m

    omo figurante naquelas propagandas que a gente v na televiso. Mulheres gostosas, ca

    orridentes de bem com a vida, sol, mar e a mar...vada!A gente nunca d bola pro beba com moderao, no mesmo? E eu ali, com memigos recm-conquistados; suas fuas cheias de dentes impecveis, poses de a vida bela. o tinha mulher muito gostosa...

    Quando dei por mim, raspando o tacho e contando moedas, rodopiando a esmo pelas ruo Centro, parei diante do primeiro luminoso que indicava um quarto vago. Esqueci de tud

    ntreguei o ltimo bronze a um senhor mal-encarado. Ainda me lembro de ter dito que nueria ser incomodado (por que isso ficou na minha mente?) at o raiar do dia. Subi, entr

    oguei o que restava de mim-eu-mesmo sobre uma cama que fedia sexo vencido. Apaguei.O resto oh, meu deus! s fui acordar centenas de horas depois do compromisso

    tima ceia em que eu no estava presente junto minha amada famlia. Dominado por um

    xcruciante dor de cabea, confuso e duzentos por cento desorientado, tentei reassumir as rdea minha realidade. Sa do cortio. E no caminhar moribundo, estancado diante do absurdo

    otcia chafurdou na minha cara apagada, escarrada por uma tela estpida piscando em esttica vitrine de uma grande loja . Eu ali, desfalecido diante do abominvel. Nove mortos. Ponte e

    ovland. Manh de Natal. Nove mortos. Nomes. Lista de sobrenomes. Correria. Casa da Sogesespero.

    Lembro-me do soco que ganhei do meu cunhado endemoniado pela mais justa cau

    iquei sozinho, isolado, remoinhando na varanda. Desculpe-me, Fruta McBee, pois bloqugumas passagens da histria. Mais correria. Fugi da casa da minha sogra. Roubei dinheiro

    eu sogro. Eles no queriam aceitar. No se moviam. No fizeram nada. S importava oralamrias pela sala. Ningum assumia atitudes prticas. Ningum parava de se queixar a De

    odos esfregavam suas indignaes no vidro da TV. Um txi. Passando a ponte. Destroos ain

    sveis. O monstro metlico abatido. Luzes e homens laranjas. Meu corao apertadodoviria da ilha. Final de todas as tardes. Cartolina pregada na parede. Linda Tetzner, Moni

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    etzner, Claudia Tetzner. Todas mortas!O pior foi a tarde do enterro. Voc se lembra? Duas Lovlands estavam presentes. Eu ne

    maginava que eram tantos loveanos assim. Flores, cantos, oraes, velas, lgrimas e despedids reprteres do Continente abordando-nos sem piedade. Depois do espetculo, desolad

    orroendo o cho da rodoviria com minhas unhas carcomidas. Diante do cartaz. Longe dos narentes que me enxotaram , assumindo todos os afazeres. Noite me assustando. procura

    ma conduo. Na mente, s o recordar da dor. Achincalhado pelos meus sogros, prometido

    orte pelo meu cunhado. Escondido. Diante do cartaz rasgado. Impotente na presena daquprofissionalda mdia. Eu queria apagar a luz. Todas as luzes. Balbuciei minha runa. Voltei pa

    asa sorrateiro, humilhado, perdido. Passei a madrugada inteira remexendo na terra, cultivaninhas sementes, colhendo minhas cenouras e meus tomates passados do ponto. Sozinho.

    scuro.

    * * *

    E novembro deu as caras.Eu continuava passando a maior parte do tempo no santurio de Jrn, sendo que os nic

    as em que eu permanecia em meu lar eram domingos inteiros e meias quartas-feiras.O motivo? Eu s conseguia escrever meus artigos sentado no meu sof espaoso, diante

    inha arcaica mquina de escrever, apoiada sobre a minha m esa de centro no canto da sala.Wagner no se conformava por eu no aceitar um computador na minha vida. Nem

    ompreendia os motivos de tanta recusa de minha parte.

    Coisas de um viado excntrico que prefere a comodidade de clamar ateno.

    No dia de Finados, perm aneci todo tempo ao lado de Jrn. De com um acordo, no fom o cemitrio da ilha. No estvamos dispostos a encarar murmrios embrutecidos e olha

    aliciosos.Algumas fofoqueiras plantonistas j haviam espalhado pela ilha que o verdureiro arrum

    ma empregada bicha e que tava comendo ela, entre outras prolas do gnero supremo norncia.

    H sempre uma m a podre na caixa de laranjas.Graas aos cus que Jrn no ligava para fofocas. A nossa relao fraternal era to pu

    o honesta, to slida, que dificilmente algo seria capaz de penetrar o escudo da nossa rocho

    mizade.Algumas freguesas mais assanhadas tentaram a sorte, abordando Jrn descaradamente

    ra divertido peit-las, indicando que a Mona aqui dominava o pedao.Jrn at achava graa nos meus trej eitos de defesa de territrio. Sentia-se protegido deba

    as asas purpurnicas do seu segundo anjo (sempre) em guarda.

    Eu no deixava ningum consumir nosso precioso tempo com falatrios bestas ou cantad

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    nteis. Da a fama na redondeza de que o verdureiro arrumou uma empregada bicha e que taomendo ela.

    O primeiro Dia das Separaes Dolorosas ocorreu na metade do penltimo ms.Chovia muito no lado sul da ilha e naquela tera-feira comecei a ajudar Jrn a se desfaz

    e parte do seu passado, convencendo-o a doar algumas coisas que j no denotavam nenhum

    erventia (mveis, roupas, brinquedos) na sua existncia.

    Havamos conversado na noite anterior, no escuro da nossa praia deserta, dessa vez semompanhia das Estrelas, do Tempo e do Destino. Num profundo monlogo edificante, expusrn os benefcios da doao espontnea.

    Afirmei que ao nos depararmos com os sorrisos sinceros e coraes agradecidos daqueue so brindados com nossos excessos materiais, somos agraciados com um momento mgiue atordoa os enigmas de uma vida. No valia a pena acumular coisas que prejudicavam nos

    voluo terrena. Tudo finito. Tudo tem e mantm energias positivas ou no.Qual o motivo em abarrotar nossos guarda-roupas com peas que jamais voltaramos

    sar? Qual a lgica em guardar dezenas de pares de calados somente para criar volume ata porta do quarto do casal?

    E os brinquedos? Seria justo ocultar peas que deveriam proporcionar momentos prendizado, diverso e infindveis alegrias para outros pequenos, deixando-as mofandongariando p dentro de uma infinidade de caixas esquecidas na garagem?

    Repeti diversas vezes que a bondade de um gesto fraternal deve ser paga com um sorrncero e dois coraes abertos. Todos os lados saem vencedores.

    Trs dias empacotando coisas. Uma dura prova de resistncia para Jrn.

    Praticamente tudo o que fora de suas mulheres seria doado. Sorte que um lado do velemo estava exultante com a misso de fazer outras pessoas felizes.

    Mas uma parte de Jrn perm anecia em frangalhos. Novembro despedaado.Uma blusa lils da esposa reanimava a dor de todas as saudades. Jrn me confessou q

    quele foi o segundo presente que Linda ganhou logo no terceiro encontro deles.Questionei qual fora o primeiro. Jrn riu, engolindo o choro, confessando a seguir, triunfan

    O primeiro presente que ela ganhou foi um beijo roubado.Teepie e Tomie, os bichinhos de pelcia preferidos das gmeas, fizeram aquele home

    stancar a alegria do desapego e buscar foras num demorado abrao maquibeeano, a fim

    equilibrarmos todas as energias.A Fruta e a Anta velcradas no Vazio. ram os um depsito de emoes sufocadas.

    A casa do verdureiro voltou a ficar aquecida pelo sol e por nossas alegrias. Aos pouc

    quele ponto verdej ante de Gobsun comeava a recender vidas novas.

    Quando bateu a ltima semana de novembro, Parrudo e Magrelo distribuam o passado pa

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    imentar o futuro de diversas famlias loveanas.Ali mesmo, em Gobsun, uma senhora pauprrima e sua filhinha adorvel ganharam um

    ontanha de roupas das quatro estaes. Foi uma inesquecvel vitria.Sorridentes, esperanosos, interpretando a indefectvel Eu vou sobreviver da queri

    lorinha Gay, arranhvamos nossos parcos conhecimentos do ingls, rindo at perder quilbrio sobre nossas Monarks transform adas em trens tropicais.

    impossvel descrever um homenzarro cor-de-camaro e uma gueixa anorxi

    ontados em suas bicicletas cheias de tralhas, cantando a plenos pulmes, a serpentear nreias de Lovland, com direito a coreografias batecabelos e tudo mais seguindo risca

    adio bambeensca.Assumindo sua novata poro bambeelca esforada, Jrn no levava o menor jei

    esabvamos de rir das nossas palhaadas juvenis, enquanto mudvamos todas as trilhas, Jrnu agora encarnados num Elton John e Kiki Dee impagveis. Cantando em alemo!

    Mais adiante, deixamos brinquedos e o resto das roupas na nica instituio de caridade

    ha, onde duas polpudas senhoras, detentoras de sorrisos afveis, receberam com extremegria a nossa farta oferenda de tecidos, plsticos, borrachas e sedas coloridas.Ganhamos pacotes de bolachas caseiras e um pote de mel silvestre pela nossa boa ao.

    Passamos na minha casa, no final da tarde.Enquanto eu abria todas as janelas para aproveitar os ltimos raios do Rei, Jrn ia

    anheiro desaguar suas necessidades.J na cozinha, eu separava os apetrechos para o ritual do caf, ligando em seguida o fo

    ara esquentar a gua do nosso instante de alvios, enquanto lia um bilhete deixado por Clara, qssumira seu lado caseiro da minha propriedade.

    Belisquei o pedao de uma antiqussima barra de chocolate que jazia na minha geladeeserta. O gosto era horrvel. Lavando as mos para eliminar os vestgios da minha leve diabruparei que a casa estava imersa em um silncio perturbador.

    As canecas fumegantes pairavam sobre a mesa da cozinha. Encostado no gabinete da piaspera do meu amigo, avolumava-se uma impacincia aterradora no meu plexo solar.

    Abandonei a cozinha com o corao aos trancos. Fiquei mais apreensivo ainda ao ver

    orta do banheiro aberta e nada de Anta Burraldina m ijando em seu interior.A sala estava vazia, embebida em rara luz e pesadas sombras. Numa guinada de cento

    tenta graus, encontrei Jrn no meu quarto, sentado, chorando baixinho, sobre minha cama.

    Entrei, p ante p, em silncio.As camas so iguais. E no estou afirmando isso no que se refere ao mvel em si, dis

    rn, acariciando meu edredom.

    Eu nunca havia reparado que nossos leitos eram realmente idnticos.

    Almas gmeas vindas do mesmo tronco, murmurou o verdureiro.Como esmurrado pelo bvio, aquele Moleque de Tetas, eu no me conformava por no t

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    e atinado aos detalhes.Era inacreditvel que aquela viso chapada havia sido oculta da minha percepo.

    A maneira como elas estavam arrumadas: um lenol branco, um edredom multicoloridoeu em tons pastis e o da casa de Jrn, em tons vibrantes, porm riscados com a mesmssim

    stampa mondriana) e dois travesseiros altos, fofos, enormes, embalados em fronhas lilaspletas de dourados babados inteis.

    O lado esquerdo, todo bagunado, era o que eu dormia (Jrn tambm dormia do la

    squerdo) e o lado direito, onde repousava o segundo travesseiro, permanecia impecvelspera do amor que havia ido at ali e jamais voltado.

    Uma mania, um tique, um detalhe que para muitos certamente! passaria despercebidoNosso calabouo, durante nossos momentos de solido, perm anecia desalinhado, desleixa

    sforme no canto triste que um dia abrigou alegres e safados espritos amantes.J o lado oposto do altar, onde oh, meu deus! repousava o segundo travessei

    antnhamos tudo intacto, alinhado, impecvel, perfumado com as nuances do aroma indivis

    os nossos amores recolhidos a um passado sem volta.

    Nesses meses todos a tomar conta de Jrn em sua casa, eu nunca entrara em seu quarto,

    ue ele havia terminantemente me proibido de faz-lo.Foi a nica situao em que me senti ofendido.Recordo aquela primeira tarde: eu, empilhando esfreges e baldes e cheiros renovados,

    omear a limpar os tapetes, quando um monstro vociferou no meu cangote, exigindo a mintirada imediata dos seus aposentos reais.

    E todas as manhs, ao acordar, Jrn fazia questo de arrumar a cama do seu jeito, one mesmo limpava o cmodo sagrado de tempos em tempos.

    Desde ento, a porta sempre permaneceu fechada, nunca trancada.Quando Gut me abandonou, passei a praticar o mesmo ritual: limpava o quarto duas vez

    or semana, m as raramente arrumava o meu lado na cama.

    Desde que Linda se foi, suspirou Jrn, em prantos. Eu comecei a dormir no cho, beo lado do lado dela, imploran...

    ...do perdo pelos meus atos falhos; buscando a compreenso das minhas faltas, tentan

    esesperadamente encontrar uma sada!, dissemos o restante da frase em uma s voz.Nossos olhares mareados confirm avam o mesmo destino.Nesse tempo todo, havamos agido da mesmssima maneira, talvez at mesmo e

    nebrosa sincronia.Eu tambm dormia ao lado da cama, e de vez em quando ousava tocar no espao on

    utrora repousava o meu amado, levando em seguida a ponta dos dedos junto as minhas narin

    quosas, buscando com sofreguido o cheiro almiscarado na qumica latente das marcas daqu

    orpo que um dia tanto amei.Eu e Jrn perdemos nossos amores, nossas bases de sustentao, nossa garantia de um futu

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    vre das amarras da Senhora Solido, a Maldita. E ali, diante de uma coincidncoincidncia?), mais uma vez nossas feridas desabrochavam suas vsceras ptridas, causand

    os impiedosa desolao.Abracei Jrn com delicadeza. Mais do que nunca, naquele instante precisvamos de apo

    tuo e, dessa vez, acho que era eu a necessitar de um pouco mais de carinho.A ficha caiu tarde demais.

    Jrn puxou-me para si, fazendo com que meu corpo leve tombasse no princpio das suoxas metlicas. Suas mos pesadas, alternadamente, bailavam ora sobre m eus cabelos lisos, om meus lbios secos, onde dedos bobios, rijos, claudicantes, transformavam um ato mecn

    m carinho autntico.Fruta McBee. Quando ousei pela penltima vez, perdi minha famlia. Amaldioei a bebi

    lasfemei contra o Sagrado. Agora..., continuou Jrn, com as palavras quebradas p

    onvulso do pranto, ... preciso ousar pela ltima vez. Eu exijo e acho que tenho o direito ntar! sentir o amor na sua magnitude. E quero viver essa magia com voc..., ele n

    ompletou o delrio, pois o Fruta Madura aqui sufocou Amigo com um beijo nectreo.

    Numa situao norm al e corriqueira, Jrn e eu jam ais teramos compartilhado umcama. Aquele corpo tipicamente germnico: transparente, volumoso, onde uma espes

    amada de pelos dourados cobriam somente pernas e braos rsticos, poderia at ser o sonho uitos (e m uitas) por ai, com toda certeza.

    Jrn no era gordo, longe disso. Tinha um trabalhado corpo proporcional altura. Seu ros

    onacho, no desfilava dem ais atrativos. Era totalmente quadrado (o rosto e a personalidadnde uma boca fina desprovida de lbios salientes e um nariz adunco contrastavam com

    mensido do seu olhar azul profundo. O segredo da cativante beleza ingnua de Jrn estava eeu olhar.

    Eu, por outro lado, tambm no era nenhuma beldade, porm tinha c meus atrativos.Msculos desembarrigados desprovidos de excessos; pele sedosa, quase femini

    vemente bronzeada. Um rosto triangular, meio achatado, que suportava um narizinrrebitado, uma boca de lbios andrginos, naturalmente guarnecidos por um tom vermelh

    stou-aqui-e-arrasei; um par de olhos castanhos com uma leve propenso ao verde-intenso nas muito claros; e finalmente, o grande orgulho: meus cabelos negros, lisos e comprid

    eirando pouco abaixo da linha dos ombros.

    Est certo, est certo. No vou permitir que a vaca da Modstia interfira num outro truninha bunda. Redonda, carnuda, quase translcida, emanando sua formosura em maciez divi

    recobrir um buraquinho rosado que cega o bom senso de qualquer caralho mais afoito.Meu preferncia por corpos masculinos tinha a ver com a minha igualdade. Eu gostava

    omens magros, altos, sem pelos (inclusive nas partes ntimas) e na mesma faixa etria.

    Gut cumpria os requisitos essenciais s no mbito corporal infelizmente.

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    E dezenas que vieram antes dele tambm.

    Depois do primeiro beijo: aturado, selvagem, impreciso, Jrn passou a decifrar meu cor

    om suas mos agora bem m ais calmas.Fruta McBee, eu quero fazer amor com voc. Eu quero que voc me ensine, me condu

    e mostre o caminho de uma outra realidade, disse Jrn, elevando meus ossos para o topo

    ama.

    Quero ousar. Tomo a liberdade de invadir o espao do seu segundo travesseiro, erosseguiu, buscando mais um beijo, devidamente embebido em ternura.

    Eu, o Homem da Palavra, no encontrava palavras adequadas. Elas permaneceram ocul

    m algum lugar enevoado da minha mente confusa.Assenti com alegria os anseios daquele homem. Bailei com carinho meus dedos finos p

    da a extenso do seu rosto salmo, sugando o suor de sua testa larga com a ponta do meu de

    dicador.Eu no estou fodendo com um homem, McBee. Eu descobri, no pouco tempo em q

    ompartilhamos vivncias, que o Amor realmente no tem sexo. No importa se agora estou ama com um macho que se julga mulher ou com um homem dentro do corpo de uma fm

    us, quanta bobagem! Quanto desperdcio de energia que os ignorantes gastam na imposio exo natural!

    Eu sou um homem. Um homem que amou somente uma mulher, clamou o viv

    garrando meu rosto afogueado a tremer no centro das suas palmas glaciais.Mas agora eu sou um cara que descobriu uma terceira maneira de amar, de viver,

    entir o que eu no preciso compreender apenas devo aceitar a beleza de algoefinitivamente celestial!, sussurrou Jrn, e seus lbios consumiam minhas lgrimas.

    Bocas e Prolas e Espritos libertos das Trevas.Amar divino. compreenso e sacrifcio. Veja voc, Fruta McBee. Voc invadiu m

    estino, livrando-me por duas vezes do abandono, aconchegando meus medos no seio das su

    sas. E com sua fora nossa, como eu sou grato a voc me afastando do abismo que esmo cavei para m im. Voc aceitou ficar ao lado de um homem abatido, doente, mentalme

    erturbado, dando-lhe incentivos para reaprender a viver. Voc aplicou em mim tudo aquilo q

    oc expe to lindamente nos seus artigos semanais. Voc me amou sem cobranas, sesperar nada em troca.

    E eu, que vivia no preconceito e na ignorncia; que em muitos dias cheguei a ter nojo

    oc me perdoe por dizer isso agora! pelo simples fato de voc ser diferente... Cus, isso m tremendo absurdo! Por favor, no me odeie!

    Em voc descobri o valor da real amizade. Em voc descobri a importncia de se dar

    essoas os objetos materiais que j no devem mais ser parte integrante de ns mesmos. E

    oc eu redescobri a alegria de ser valorizado, incentivado, aceito nas minhas limitaes.Vem, Fruta McBee. D-me a ltima lio dessa jornada difcil, porm gratificante. Vem

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    eposite o peso da sua alma linda por sobre esse meu corpo no mais ignorante, defasado gonia. Deixe-me sentir o calor dos seus beijos por horas sem fim. Ensina-me a ser ativo

    assivo e completo nos mistrios do sexo que s dois homens podem realizar.Vem, McBee. Realize o am or comigo. Agora!

    * * *

    Afirmar que foi algo mgico, surreal ou nirvnico seria cair no lugar-comum.Todos ns deveramos ter a oportunidade nica de realizar o amor ao menos uma vez

    aj etria de uma vida.

    E foi isso que eu compartilhei com Jrn: AMOR.Entrelaamos nossos corpos, entregando nossos etreos vergados ao sabor de carc

    ncessantes. Duas bocas sugavam todas as serpentes e a combinao de saliva candente ansformou lentamente num nctar delicado, saboroso, alm da compreenso de Baco.

    Ah, aquele hidromel invejado pelos anjos. Elixir que somente humanos so capazes

    quimiar enquanto se amam , durante a fuso indescritvel entre Matria e Verdades.E na troca arrebatada de beijos atrapalhados, reconheci que eu estava perdidamen

    paixonado por Jrn Anta Cabeuda Tetzner.

    Dos beijos sem fim partimos para a serena partilha de olhares a perscrutar belas mincm todas as curvas dos nossos corpos lcteos.

    Inaugurando momentos de tranquilo aprendizado e consciente submisso, minha boercorreu sem pressa cada poro da pele vermelha do meu inquieto alemo.

    Nos pontos mais sensveis, eu intensificava a supremacia da minha lngua, e o granomem se contorcia, se debatia, se rebelava nos recnditos do excepcional prazer oral.

    Com a destreza das minhas mos experientes, massagens revigorantes inundaram aque

    oxas fartas de pelos longos, dourados e macios. E a lngua sempre ela ampliava suonquistas no imaculado centro do equilbrio de um macho despavorido.

    Com beijos sensveis, abri a mata virgem. Com mordidas selvagens, plantei meus sinais eada centmetro daqueles montes m acios, outrora inexplorados.

    Sentir a textura intacta de cada prega daquele crculo rosceo, pulsante, delirante, qonsumia e mordiscava e engolia aos poucos a ponta da minha lngua perversa; era algo majante do que consumir a totalidade de opiceos existentes no planeta!

    Por que voc precisa de drogas se fazer amor nos deixa maravilhosamenaratinados?, eu sem pre dizia isso a Gut, depois que passamos a transar em balados nas su

    edrinhas.Recordaes sem sentido. Vamos voltar ao que interessa.

    Jrn estaqueou em transe. Pelos e msculos fundidos numa estrela de oito pontas, iguais

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    m esboo aprovado por Da Vinci.Sua alma pairava sobre m inha performance, onde seu infinito pulsante aplaudia e aprova

    om louvor todos os meus atos sobrenaturais.Masturbei com a boca e a palma de minha mo direita o sexo de Jrn, que de to gross

    esesperado e rgido, parecia prestes a detonar a qualquer instante.E foi exatamente isso que aconteceu.

    O outro Jrn, galopando alm da stima galxia, direcionou o poderio do seu jato retesa

    urante sculos! agora a pollockeartodas as paredes da minha boca diminuta.

    * * *

    Dezembro chegava ao seu derradeiro final.

    Para suplantar a apunhalada de uma data fatdica pela cnica Lembrana, a Iludida, Lovlaanhou uma renovada e ostensiva decorao de Natal.

    Ainda baqueados com o insolvel ocorrido (e que nenhum nativo ousava comentar e

    blico qualquer delrio referente ao acidente), mltiplos eventos foram realizados durante tods, garantindo um timo fluxo de turistas (o vero chegara com fora total) e muito trabalho

    escontrao, aliviando o fardo coletivo.Discretamente, eu permanecia atento a qualquer alterao de humor em Jrn.

    Nosso relacionamento agora nam orando caminhava a passos precisos, decididnovadores. O dilogo era o alicerce da nossa unio. Conversvamos sobre todos os assunt

    bertamente. Respeitvamos nossas diferenas, aprendamos a nivelar nossas manias e, o m

    mportante, administrvamos com equilbrio, pacincia e harmonia a totalidade dos nosefeitos.

    J na cam a ah, a cama! Quando se faz amor, o sexo torna-se realmente um complemeecundrio. Eu e Jrn gozvamos durante nossos beijos interminveis. ramos capazes de atin

    clmax simplesmente acarinhando nossos msculos energizados. E nos mantnhamos aquecidor toda a madrugada, arrebentando sem cessar os limites impostos pelo xtase apenas com

    oca de olhares apaixonados, seguidos de recuperados sorrisos radiantes.Era patente que no estvamos mais simplesmente apaixonados; a paixo um degr

    orrateiro. Permanecamos imbudos no Amor as vinte e quatro horas do dia, sete dias pemana

    e o resto uma questo de clculos inexatos.

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    EPLOGO

    Vinte e quatro, onze e meia.

    Superado na superfcie os problemas e as aflies de outrora, ao chegar casa de Jaquela noite (eu permaneci fora por toda a tarde, respeitando um pedido dele), encontrei ulhete sobre a cama de casal:

    Sven Fruta McBee.Estou no escuro, espera da minha estrela maior. Tranque a porta, tire a roupa, pegue

    egundo travesseiro e venha fazer amor comigo no terceiro territrio das nossas ter

    agradas.Teu, para todo sempre,

    Jrn Tetzner

    Levei quatro exatos minutos para seguir as ordens do meu amado.

    Ao chegar em nosso ninho, uma profuso de velas brancas e azuis alumiavam o centro m tecido espesso, recheado de flocos de algodo reais e imaginrios.

    Era o meu edredom, transformado magistralmente numa cama etrea. Um cenrio onhos!

    Com suavidade, pousei meu segundo travesseiro no lado direito da cam a.Jrn estava em p, nu, encobrindo o sexo com seusegundo travesseiro. Retirei o pomposo

    ente do meu bculo sagrado, pousando-o com deferncia sobre o meu pomposo, ambmpregnados com nossa alquimia medieval.

    Beijei o vigor do meu homem, que em segundos adquiriu a forma de uma lana gigante.Slidas lgrimas de orgulho escorriam pelas sensveis faces rseas do velho alemo.

    amantes mais imponentes trilhavam o gracioso peitoral, repousando prximos aos se

    amilos robustos, umedecendo-os durante a passagem de mos ousadas.Aps um longo perodo degustando as delcias daquela carne que se debatia ferozmente

    ntrada da minha garganta, Jrn puxou minha cabea para o alto, buscando em seguidarimeiro beijo de um a noite repleta de estrelas no cadentes.

    Deitamos no meio do orculo dos prazeres. Entre beijos e sorrisos, admirvamos, do nodo direito, as diminutas luzes do centro da ilha, muito distantes, onde ocorriam os festejatalinos aos ps da igreja de So Crabedean.

    Meu corpo foi posicionado para um ousado deleite. De quatro, sempre de quatro.Jrn penetrava-me com suavidade, aumentando paulatinamente o ritmo das suas estocad

    undamos a insolncia dos nossos sexos numa s alegria. Aumentvamos as flexes de rabooxas e varas, ao mesmo tempo em que nossos coraes bombeavam com ferocidade todos

    ossos fluidos a vagar at os pncaros da glria.

    Na dcima segunda badalada, que ouvamos com pouca intensidade ao longe, j e

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    ficialmente o Natal. Uma chuva de fogos de artifcio coroava a gozada mais espetacular qrn havia depositado aos cuidados do seu amor aliengena.

    Empapados em suor parafinado, onde nos lambam os como que procura das ltimas goe um elixir da juventude eterna, recupervamos o flego para logo em seguida reiniciarmo

    egundo ato das nossas comemoraes triunfais.O vento surgiu de mansinho, apagando, como num passe de mgica, uma a uma das velas

    Na escurido, hipnotizados com o som da mar alta, Jrn brincava com o pequeno B

    iando-o com a ponta de sua lngua spera .Beijando-o, sugando-o, deixando o mastro no devido estado de alerta, era a minha vez

    garrar dois travesseiros e gritar e espantar as corujas.Aps o stimo minuto de uma preguiosa madrugada, delineei os lbios peludos do m

    mado com o segundo leite mais puro do bicho-homem.Protegendo um ao outro no ardor do trigsimo sexto abrao, compartilhamos o mais dens

    rraigado conflito de espadas superiores, finalizando a textura exata do verdadeiro elixir da lon

    da.

    * * *

    Acordei com um sol fraco a eliminar os vestgios de um sono reconfortante. Nu, com u

    ouco de frio, procurei Jrn ao meu lado e s encontre i o segundo travesseiro vazio, levemeoberto de areia.

    Lanando um olhar perscrutador por toda a extenso da praia, nenhum sinal aparente

    eu am ado num raio de dezenas de metros.Nenhum sinal de vidanuma centena de m etros.

    Compus um vestido medonho com o imenso edredom jogado ao redor do meu corminuto. Nas mos, eu segurava nossos segundos travesseiros de um jeito bambolean

    rrastando-me de volta ao meu outro lar.A casa estava aberta, onde porta e janelas escancaradas permitiam a entrada pedante da

    almante naquele dia de festas.Sobre a mesa da cozinha, vi minha caneca de gata azul royal, e ao lado dela, uma folha

    apel delicadamente enrolada, onde um lao simples de sisal prendia o canudo.Um intrincado sino dourado repousava am ordaado numa das pontas de uma fita vermel

    ompletando a beleza do presente rstico, harmnico, sinceramente inesperado.

    O bule com caf ainda quente jazia sobre o fogo. Enchi meu caneco. Sorvi um baita goleAcreditando ser surpreendido por mais uma artimanha do meu amigo, abri a certeza

    ma carta de amor com extremo cuidado e excitao, lendo a bela caligrafia de Jrn, logo eeguida:

    Fruta McBee Tetzner,

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    Apreciar o seu corpo aveludado repousando, orvalhado, sobre o nosso edredom hoje panh, era como se emocionar com a obra de um pintor renascentista, igual a um desses quadr

    oidos que a gente cansou de babar, juntos, nas longas tardes em que curtamos a companhia uo outro, apreciando os livros de arte que descobrimos naquela caixa repleta de traquitanas q

    oc encontrou na sua garagem no ltimo setembro.Ser amado Cus, e como eu fui amado por voc! da maneira que s voc me amou foi

    os melhores presentes que Deus poderia ter me concedido nesta vida.

    Descobrir as beatitudes do dilogo franco e direto que travamos durante tantas e tantas hoo decorrer dos meses em que ficamos unidos foi algo que enobreceu a minha vida de maneira

    randiosa que, nesse momento estou chorando copiosamente! , faltam-me palavras