o Senhor Branco Ou o Indesejado Das Gentes

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Livro 2ª fase UFES

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SENHOR BRANCOOUO INDESEJADO DAS GENTES

poemasdePaulo Roberto Sodr

Um no entanto se descobriu num gesto largo e demoradoOlhando o esquife longamenteEste sabia que a vida uma agitao feroz e sem finalidadeQue a vida traioE saudava a matria que passavaLiberta para sempre da alma extintaManuel Bandeira sempre o amor e a morte disse o poeta assimGeraldo Carneiro

SUMRIO

Parte IPercurso de sombra e frescor

Nestes pramosProvocaoVi tua danaTalvez os cisnesQue rumor haver em teus olhosOs arredores floremOs cavalosPoeira finaMonumento escuroLevanta-se a luaRis, senhor?Ubi sunt?Onde FroidmondContraponto 1Daabreviaturado no

InconveninciaPoente urbanoDesenho a gizQuarto-crescenteAugriosGota de gua

ACESSAR PARTE I

Parte IIPercurso de sombra e arrepio

Nada de subterrneosNem no campanrio,DisseramUm cheiro difanoSobre a mesa o traoCantam os galos, sim,Quando te aproximas, senhor,As sobrancelhas franzemAlgum parte, daqui,Contraponto 2sob ogrifodos cabelos

A cerca dos cabelosAo redor das bssolasLivro das cinco horas e outubroOs dgitos da inviabilidadeEnsaio de chave dos cabelos

ACESSAR PARTE II

Parte IIIPercurso de sombra e corte

Sei que quandoTudo irrompeChoram pelo que tu levasNo te espero, senhor,Os temores do jardimMuitos ardem de dor;As jornadas preparamDar-te a moSer nadas terno, como abrao de paiNestas paragensContraponto 3Da cor docaquie do azul

Ara azul sonho-segredoNo segredoAra azul fica sendoO nome mais beloMedoNo vou morrer to cedoAra azul brinquedo

ACESSAR PARTE IIIPARTE IPERCURSO DE SOMBRA E FRESCOR

Nestes paramosNestes pramosde slabas,darei a ti um rosto,sim, de homem,pois se uma mulher deu-meo que se fez vida, de sorte que um homemma recolha.

ProvocaoFaleces, finas,finalizas, fenecese tudodecede, definha,desanima, desce.Transpassas, transpiras,transitas, traspassasentreum ato, um trato,um entreato,um termo.Determinas?

Vi tua danaVi tua dana,teu baile de foices,as foices invisveisque recolhem da hastea papoula,o gro,o olhar luminoso.No h msica,nem matiz,nem vibraopara o cortejode teus passos.Um timo:que separaa voz de um silncioinamovvel.Vejo tua dana,mas canto-te,sim,ruidosamente.PARTE IPERCURSO DE SOMBRA E FRESCOR

Talvez os cisnesTalvez os cisnestoquem riasquando abres os olhos,lquidos, e castanhos como poeira,para aquele que te espera.Talvez cachos rodopiem teus cabelose os lbios claros serenem o risoque de teu rosto vem,quando do corpo retiras o nome.s lindo e plido e esguioou hediondo como um sustoque rompe o peito e tira os sentidos?Senhor, que belezaamaciaria tua voz,quando anuncias tua passagemquele que, surpreso, te nomeia?

Que rumor haver em teus olhos,Que rumor haver em teus olhos,quando escolhes, dono, a criaturapara teu senhorio de ausncias?Que tremor se flagrar entre teus dentes,ao escolher o corpo belo ou chagadopara teu recesso de silncios?Que cano ocorrer a teus ouvidosquando, senhor, recolhes o nimopara teu domnio de esquecimento?

Os arredores florem:Os arredores florem:figos, nervos, liblulasa criarem nas guasos brevssimos movimentos.Sob o salgueiro,brancamente,dormes.E tudo,no entanto,aguarda.

PARTE IPERCURSO DE SOMBRA E FRESCOR

Os cavalosOs cavalos:ptalas de estrelas,fascam de velocidade e msculos.No espelho de tua lminaeles riscam o tempoe relincham de poder.Diverte-te a energiados que no te percebem,tomados de alegria e sonho.

Poeira fina:Poeira fina:joeira das horas delicadas.Poalha leve.Entre a leitura dos diase a partitura dos gestosa praia, o vento, o p.Poalha fina:joeira das horas enternecidas.Poeira leve.

Monumento escuroMonumento escuro,hrridas brenhas.Os postais, sob teus ps,adivinham-se sinistros.O mapa escurode hrridas lapasdesorienta o sonhodos que vislumbramteus bosques sbitos.Teus domnios rugeme o medo se infiltra.Os postais: incgnitos.

PARTE IPERCURSO DE SOMBRA E FRESCOR

Levanta-se a luaLevanta-se a lua,bruma feito guade fonte alguma.Selene adiposa,pomposa palavra:area lis e cova.Em teus olhos,de luz alm,contudo,nenhum clichsobrevive, senhor.Levanta-se a hora,nua como o acasode sol, de lua, de luz,e leva.

Ris, senhor?Ris, senhor?Jocoso jogofazes em penhordo que perdeo roto gozo.Aqui yze Campozano,cuja anima llev el demonio,y la roupa Seor Antonio.Os anjos oram;as feridas duram;os retratos malograme os epitfios acodemao doce arejamento.Rio, e seus passosadejam: desenfado.

Ubi sunt?Que ser do homemao texto dado tanto?Que ser da mulher cincia dada tanto?Que ser do astroao lume dado tanto?Cinza, gngora, olvido?Guardas em tuas notasinumerveis e em infinitoso sopro, o avano, o esplendordo que tua foice colheu.Mas ainda assim,fendidos, tudo em nada,irrompem.Sempre.

Onde FroidmondOnde Froidmond,que monda fria fezdo joio e do cerealnos passos dos homens,entre versos sombrios?Onde teus cantoresvetustos, vexados, vislumbradoscom o finssimo da lminade teu movimento?Morte, tu me obrigas a mudarNesta estufa em que meu corpo suaTodos os excessos do sculo...Onde Hlinand,obstinado pela luzde tua passagem certa?Ris?

PARTE IPERCURSO DE SOMBRA E FRESCOR

CONTRAPONTO 1com aabreviaturado no

Bastavadizer que sim.

Nuno Jdice

PARTE IPERCURSO DE SOMBRA E FRESCOR

InconveninciaNo o esperava. No o convidei.Mas da improbabilidadeveio seu pedido de meu nomee sua pergunta sobre minha permisso.Talvez: palavra arejada e dbiaque ressoa a cada inesperado.No o imaginava. No o desejei.Fenda.E meus olhos fremem,verdes de dvidas.

Poente urbanoSua ateno na avenida Paulista,em lusco-fusco luminoso.: sua nuca ao alcance de inacessvel perto.Canso-me do que meu olhar-te me traz:dvida de passos, de bicicletas, de aeronaves.: os castanhos matizes sobre sua pele.Contra sua camisa provoco todos os meus dedos.

Desenho a giz

Invento-o neste ruir de dvidas,enquanto invoco seu querer-mepara suas aventuras de nauta mineiro.No quero lay-out. No quero maquetesdo que suas coxas escrevemquando se cobrem os relgios e os documentos.Tenho pressa de suas mos sem anis.PARTE IPERCURSO DE SOMBRA E FRESCOR

Quarto-crescenteH pausas breves em seu silncio,em que me olho brevemente.H chegadas breves em seu toque,em que me molho brevemente.[...]Transpiro de tanta demoraem chegar a suas midas passagens.

AugriosNo sei o que de tristeadivinho em sua sombra.Entristeo meu corpocom seu jeito sorridente sem sorriso.Enquanto o tempo no cessae nenhuma desistncia dada,dedilho as sonatas ou osbluesque recolhode cada letra de meu cansao,de cada linha de seu descontentamento.

Gota de guaDizer no antes do tempo:faca para tristes gumes.

PARTE IIPERCURSO DE SOMBRA E ARREPIO

Nada de subterrneosNada de subterrneos,nem lajes,nem lpides.Pela rua dos comunsatentarei a teus passos.Sei que brincas veraquando o carro ladrae o pedestre se esquecee no recordao porqu de no o verem maisdepois da queda.Olhas seu rostoe o abandonas sorte.Onde?

Nem no campanrio,Nem no campanrio,nem na viglia,nem nas sombrasvejo teu pulsar.Nem na bala que arde,nem na erva cortante,nem no cogulo incertovejo teu mover.Como o amorque do nada veme escolhe;como quem ignora,e abraa.

Disseram:Disseram:Por toda minha vida, sempre,se inscrever seu jeito belo.No puderam ouvirteu bocejo triste.PARTE IIPERCURSO DE SOMBRA E ARREPIO

Um cheiro difanoUm cheiro difanoroou o medode um caminhante.Sorriu ele,como quem adivinha,por trs da curva,o fruto, por um fio, espera do cho.

Sobre a mesa o traoSobre a mesa o traode luz, de sol, de tarde,descobrindo o frutosolto, fraco, intil.Belo o quadro,assim, esttico tardeem mancheia de cor.Risca a moscae sobre o fruto estanca,anunciando a securada luz, do sol. Tarde.

Cantam os galos, sim,Cantam os galos, sim,no beiral da hora serena.Sim, cantam elesentre o que me acordae o que acordo em tudo.Outra vez, enquantoo dia entra pelos sentidos,levas tuas mos vazias.PARTE IIPERCURSO DE SOMBRA E ARREPIO

Quando te aproximasQuando te aproximas,como uma falta,copos, sumos, lbios,tudo desfalece em reticncias,seno tua presena,viva como atritode silncio.

As sobrancelhas franzemAs sobrancelhas franzeme o rosto temeteu nome dito:Pluto belo, aqui;lindo Osris, l,anfitries umbrosose sombrios senhores.Nada, ningum,nenhuma fbuladiminui o cheirodo retrato quieto,do quarto vazio,do nome vencido.Sereno e claro,contudo,chegas,e nada,exceto tuas crnicas,e clepsidras,flore,no obstante,tmido e extenso.

Algum parte, daqui,Algum parte, daqui,e o nibus acende a sada.O olhar espreita o insuspeito;o caminho farto, o ponto deserto.Teu nome nebuloso se espalhapelos escaninhos da estradaentre o que se conhece e o que,longe e desconhecido, se entrev.Algum parte, sim, de alhures.PARTE IPERCURSO DE SOMBRA E ARREPIO

CONTRAPONTO 2sob ogrifodos cabelos

Toda coisa que vive um relmpago

Cacaso

PARTE IIPERCURSO DE SOMBRA E ARREPIO

A cerca dos cabelosToda a caligrafia dos cabelosprende-se ao inaltervel n.O olhar, ensimesmadamente; a ronda.Nenhum texto declara norte ou figona constelao que o verso investiga.O cheiro, a tessitura, o som e o ardos soltos cabelos, perto de sua tez:nenhum.Somente um imarcescvel estado de reticncia.

Ao redor das bssolasAbro os passos para a rua,onde h sempre uma orquestra de sombras.(Rosceas no centro de uma larga noite,quando a lua entorna valquriase as murtas espatifam o ar inquieto)Nada declaram os fios de seus lacres.Ouo dizeres de morcegos elegantese de cachos esgalhados de escuro castanho,evasivos como uma rua para lugar algum.PARTE IIPERCURSO DE SOMBRA E ARREPIO

Livro das cinco horas e outubroUm madrigal que ouo de Monteverdi:O como sei gentile,scalza il piede e sciolta il crine,passeando, pastoral intensa, seu silncio,pela paisagem de augrios, poema que desprendo origami de olhar seus vestgios, sem vez.A grafite, o desenho; a vermelho, o canto;a preto e branco, os cabelos semhabeas corpus:calendrio de Penlopes.

Os dgitos da inviabilidadeFocalizo o que os extensos cabelos denegam:cirandas de mos perscrutando linhasde gua e fluxo e lacustre enigma e jorro.Acendo vus, borrifo luzespara digitaro nome esguio de seu corpo.midas todas as hesitaessob os cacheados fiose gentis.Assim levanto o olhar e a boca e a msicapara receber o desconhecido endereo.Tremulam os cadeados?

Ensaio de chave dos cabelosDesobrigar os cabelos,um quando de silnciosem territrios ignorados.Ressalto os sentidos e lcoois os cheiros alam,entre o receber sem pauta, que o acolhe,e o dorso que voc, sutil, venha a inscrever.Toquem os alades.PARTE IIIPERCURSO DE SOMBRA E CORTE

Sei que quandoSei que quandoacenderes tua passagem,tudo ganharuma vasta sombra precisa.E se fiz poemasou se deixei de desenh-los;e se beijei Tiagoou desencontrei Roberto,tudo estarna mesmainevitvelreticncia.Vamos.

Tudo irrompeTudo irrompe,rompante,ressonante,diante das horas.Rompem-seas slabasdo que detmde ti a distncia.Tudo interrompe

Choram pelo que tu levas.Choram pelo que tu levas.Riem pelo que deixas.As ruas cheias de passosesquecem teu itinerriovazado em no e ruptura.No caf, no cais, na varanda,o cortejo e suas flores sem tino.Choram, riem, esperamque teu dedo nunca os aponte.PARTE IIIPERCURSO DE SOMBRA E CORTE

No te espero, senhor,No te espero, senhor,seno como desejotudo que simplesmentese pe ao p das coisas:do fruto, do caminho, do escrever.

Os temores do jardimOs temores do jardimespreitas.Pontuaso jardim das delcias.Acompanho teu rostoenquanto olhas cada painelclaro, sombrio, escuro.Como quem procura ver-se,tu te inquietas com os seresplidos, nus, obcecados.Passas, sem que o espelhote d mais que um alinhavode engano, trapaa, delrio:os jardins.

Muitos ardem de dor;Muitos ardem de dor;sorriem de alvio alguns;cantam pelas ruas grupos;muitos quase morremquando declaras tua ordemrgida como a hora do sol.Em teu rosto vrioa compaixo tecedelicadezasainda que tudo,tudo, seja perda.Ardo de reticncias, senhor.

As jornadas preparamAs jornadas preparama descoberta.Que surpresa hentre a tua escolhae a tua recolhaque cancela o tempo?Espreito o relgio,e uma criana,doce como o inesperado,pergunta-me a hora.Olho para tie para ela sorrio.s lindo,mas no agoraquero teu beijo,nem teu hlitode esquecimento.PARTE IIIPERCURSO DE SOMBRA E CORTE

Dar-te a moDar-te a moe o nimo.Que estrada anoiteceria?Que desenho incompletaria?Que riso desconheceria?Dar-te o passoe o sim.E a prxima esquina?

Ser nadaSer nadao que declarasao cessar o gizque escrevemos?Ser nuloo que, casmurro,penso entreverquando ceder a ti?Poeira ou plvorapara ftuo fogo?

s terno, como abrao de pai,s terno, como abrao de pai.E o conforto que anunciasseduz como o colo dos vales.Vislumbro-te: entorpecidamente.Mas algo, entre o que sinalizase o que tuas mos insinuam,faz do alumbramento dvida.s seguro, como idade de pai.Mas deixo-teentregue a ti,por ora,e sigo do diao dedo afeito a sinais.

Nestas paragensNestas paragensde poemas,dei-te um rosto,de homem.Sim, belo e castanho,nspera beira das mos.Onde a fome e a recolha?PARTE IIIPERCURSO DE SOMBRA E CORTE

CONTRAPONTO 3da cor docaquie do azul

se querer requer(e querer requer) requeiroo abismo onde beiro

Bith

PARTE IIIPERCURSO DE SOMBRA E CORTE

Ara azul sonho-segredoQuando um homemmarca o desejoa vozo prefcio dos dedosa sombra ao choQuando esse homemdesata o desejoa nesga de corpono entreaberto do jeitoos livros em desalinhoQuando o homemvara o desejoo nomecresce no nervopedraimprovisodono, senhor, capito.

No segredosobre a pedra, o caqui,ao minuto da manh,ressoa a imagem da pele.Os dedos irrequietos ruminamo sumo, em cheiro adivinhado,entre o enigma e o reino.A tanta resposta, mida,desleixa o que tudo dizsobre a pedra e o caqui.

Ara azul fica sendoTodo o mar despeja seus azuissobre os cachos anis caracisenrodilhados nos dedos do poema.Onde a hora para catarseu suor sob a camisa amarela?Todo o vento desamarra seus elose suspende as sebes muros cercadosfincados nas margens das frases.Onde o remanso para olharseu jeito sobre a nudez castanha?

O nome mais belopousopassoapassonopeitooptreoparasoporodepssaroepscoaepapoulaPARTE IIIPERCURSO DE SOMBRA E CORTE

MedoNenhum indcio na cartografiaO nome fora do mapados olhos das mos dos dentesem que seu desejo se anunciaPreso no meio da estradanem norte nem placa nem caronaindicam a rosa de sua cajunaVagabundo, tolo, invivelsou o que soletra seus olhosao lu, ao breu, ao lebrusem caa nem caador: ningum.

No vou morrer to cedoReleio os poemas ridculosem que guardo as passagens de homensjogados na minha carasem d, tanto sol, sem piedade.Voc entre eles, dentre elesem topzio pedro jun castanhaQuando o vi, ouvi a outra banda da terrauva longe da mo, caqui mo da luaCom f em Deus no morrereiantes de sentir nos dedosos anis e as digitais da lua.

Ara azul brinquedoQuando terminar estas canes,ter o tempo escorrido o riode que se fazem os vinhose os frutos e os nomes de pedra.Estarei cansado de me ter esquinaaguardando a luzdos postes ou dos passosdaquele quenenhuma probabilidade,faa sol, faa noite, faa nuvem,deixar chegar.Vitria, meses de 2004 e 2005.

Este livro foi contemplado pelo Edital SEC 007-2005, para seleo de incentivo difuso de obras literrias inditas de autores residentes no Esprito Santo, da Secretaria de Estado da Cultura do Esprito Santo (Secult-ES). Sua primeira edio ocorreu em setembro de 2006, hoje esgotada.SODR, Paulo Roberto.Senhor Branco ou O Indesejado das gentes. Vitria: Secult-ES, 2006. 88 p.