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Nara Simone Viegas Rocha Roehe O SESQUICENTENÁRIO DA IMIGRAÇÃO ALEMÃ NO RIO GRANDE DO SUL EM 1974 COMO COROLÁRIO DAS RELAÇÕES ECONÔMICAS BRASIL ALEMANHA Dissertação apresentada ao Programa de Pós - Graduação em História, como requisito parcial e último para a obtenção do grau de Mestre em História, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, sob a orientação do Professor Doutor René Ernaini Gertz. Porto Alegre 2005

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Nara Simone Viegas Rocha Roehe

O SESQUICENTENÁRIO DA IMIGRAÇÃO ALEMÃ NO RIO GRANDE DO SUL EM 1974 COMO COROLÁRIO DAS RELAÇÕES ECONÔMICAS BRASIL ALEMANHA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós - Graduação em História, como requisito parcial e último para a obtenção do grau de Mestre em História, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, sob a orientação do Professor Doutor René Ernaini Gertz.

Porto Alegre 2005

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Nara Simone Viegas Rocha Roehe

O SESQUICENTENÁRIO DA IMIGRAÇÃO ALEMÃ NO RIO GRANDE DO SUL EM 1974 COMO COROLÁRIO DAS RELAÇÕES ECONÔMICAS BRASIL ALEMANHA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós - Graduação em História, como requisito parcial e último para a obtenção do grau de Mestre em História, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Porto Alegre, ____ de _______________ de 2005

______________________________________________

Prof. Dr. René Ernaini Gertz – PUCRS

______________________________________________

Prof. Dr. Charles Monteiro – PUCRS

______________________________________________

Profª Drª Cleci Eulalia Favaro – UNISINOS

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Este trabalho é dedicado à memória de dois grandes homens, um deles passou a vida inteira

contando história e o outro estudando a História; eles não se conheceram, mas eu tive o

privilégio de aprender muito com os dois. Hoje, tenho certeza de que as terras de Hades, onde

eles se encontram, estão sendo cultivadas como nunca o foram.

Ao Sr. Manuel Viegas e ao Dr. Marcos Justo Tramontini.

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de poder apresentar aqui o nome de todas as pessoas que me auxiliaram de

uma forma ou de outra na consecução desse trabalho, porém a lista seria muito extensa, assim,

em primeiro lugar, agradeço ao meu amado filho João Fernando Roehe, que, por anos, odiou a

concorrência dessa pesquisa, mas suportou-a bravamente com determinação e

comprometimento. Posteriormente, agradeço ao departamento de oncologia da PUCRS e da

Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, principalmente na pessoa da Dra. Alessandra

Menezes Morelle e aos também médicos Dr. Honório Menezes, à psiquiatra Dra. Analva

Janaína, Dr. Francisco Leonardi, dentre muitos da área da saúde que me ajudaram, sem

pieguismos, a suportar uma grande dor.

À minha querida sobrinha e farmacêutica Dra. Poliana Kielling Hernandez e ao

também farmacêutico Luis Antônio Konzen. Às várias pessoas que se dispuseram a conceder

entrevistas e documentação para este estudo, e aos muitos professores da Unisinos, que, se

colocasse os nomes, não caberia em uma só lauda.

À minha professora de francês Sândia, às minhas amigas Elizabete Petsinger, Solange

Bertram, Sandra Benedetti, Sônia Mari Saccomori, Sabine Boeira, Maria Helena Treis, Sinara

Amorim, Wanda Scherrer, Angélica de Medeiros, Juliana Ramanzini e a saudosa Luci Bridi.

Aos meus amigos Antônio Carlos Mosquer, Flávio Nunes, Rafael Baiotto, Sílvio

Machado e Cláudio Humberto da Costa.

Aos colegas do pós-graduação, em especial à Carla Ferrer, pela sua grandeza e

generosidade existente em pouquíssimos seres humanos e ao meu amigão Rodrigo Santos de

Oliveira, por tudo.

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Aos professores do Pós-Graduação Dr. René Gertz, orientador deste trabalho, Dr.

Helder Silveira, Dr. Brás Brancato, Dr. Moacyr Flores e ao Dr. Paulo Fagundes Vizentini,

este da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Às queridas e eficientes secretárias do PPGH da PUCRS, Alice e Carla, e ao

imprestável (no sentido de não emprestá-lo) Luiz. Também agradeço ao CAPES que, sem o

apoio financeiro não teria sido possível esta dissertação, e àquele que foi meu esposo por

quinze anos Sr. Fernando Roehe. Também, ao Instituto de Previdência do Estado do Rio

Grande do Sul e aos meus alunos da Escola 25 de Julho, em Novo Hamburgo. É obvio que

faltaram muitas pessoas porém, agradeço essencialmente aos que me têm por desafeto pois,

esses sim, deram-me os substratos para buscar a superação sem cair no vitimismo.

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RESUMO

O presente estudo analisa as relações econômicas entre Brasil e Alemanha através de

um breve histórico desde a Segunda Guerra Mundial até o governo Geisel, com destaque para

o ano de 1974, ano do Sesquicentenário da Imigração Alemã no Rio Grande do Sul. Como

suporte a essa pesquisa, buscou-se atentar para as estruturas que possibilitaram a aproximação

entre Brasil e Alemanha, situados em uma conjuntura externa de Guerra Fria, na qual os EUA

e a URSS pressionavam as nações alinhadas aos seus sistemas de mercado, impedindo-as à

autodeterminação econômica. Com a iniciativa dos governos brasileiros em conquistar

parcerias comerciais alternativas objetivando seu desenvolvimento interno, serão abordados

os primórdios dos desentendimentos entre Brasil e EUA, que possibilitariam uma

aproximação entre a nação brasileira e a alemã. O desajuste diplomático com os EUA, o

contexto interno de ditadura militar, as comemorações dos cento e cinqüenta anos da

imigração e o substancial investimento alemão no início do governo Geisel, em 1974, serão

apresentados neste estudo. Assim, analisando-se a situação das colônias germânicas durante

alguns períodos políticos e a ascensão de um presidente descendente de alemães, acredita-se

que as comemorações do Sesquicentenário, em São Leopoldo, verificadas na sua extensão,

surgiram como um elo conciliador entre a recuperação da imagem do imigrante alemão e

como corolário das relações econômicas entre Brasil e Alemanha.

Palavras Chave: Economia. Política. Relações Internacionais. Etnicidade.

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RÉSUMÉ

Le présent étude analyse les relations économiques entre le Brésil et l’ Allemagne par um

bref historique depuis la Deuxième Guerre Mondiale jusqu’au gouvernement Geisel avec une

proéminence en 1974, année du Sesquicentenaire de L’immigration Allemande au Rio Grande do

Sul. Comme support à cette recherche, on a essayé d’attenter pour les structures qui rendent

l'approche entre le Brésil et l'Allemagne insérés dans une conjoncture externe de Guerre Froide,

où, les Etats-Unis et l'URSS ont pressurisé les nations alignée à ses systèmes de marché, les

empêchant à l’auto-determination économique. Avec l'initiative des gouvernements brésiliens

en conquérir des associations commerciales alternatives ayant comme but son développement

interne, sera abordé les origines des malentendus entre le Brésil et les États-Unis ce qu'il ferait

possible une approche entre la nation brésilienne et l'allemande. Le déréglèment diplomatique

avec les États-Unis, le contexte interne de la dictature militaire, les commémorations des cent

cinquante années de l'immigration et, l'investissement substantiel allemand au début du

gouvernement de Geisel, en 1974, seront présentés dans cette étude. Ainsi, en analysant la

situation des colonies germaniques pendant quelques périodes politiques et l'ascension d'un

président descendant des allemands, on croit que les commémorations du sesquicentenaire à São

Leopoldo, vérifiée dans sa prolongation, sont apparues comme un lien conciliateur entre le

rétablissement de l'image de l'immigré allemand et comme corollaire des relations économiques

entre le Brésil et l'Allemagne.

Parole Clef: Économie. Politique. Relations Internationales. Ethinicite.

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APRESENTAÇÃO

Nesta apresentação deixarei de lado as convenções e sairei do protocolo, assim

escreverei na primeira pessoa do singular utilizando-me do eu, desse modo acredito não estar

sendo demagógica com a utilização do nós, ou com os pronomes impessoais, que aliás

detesto! Acredito que tais convenções existem para isentar o escritor de qualquer

culpabilidade ou responsabilidade textual. Então, eu começarei dizendo que não foi fácil a

compilação deste trabalho, na verdade ele é o resultado de cinco anos de intempéries, ora

avançando, ora retrocedendo, foi uma revolução interna e, essa que é a mais complicada, pois,

para revolucionar alguma coisa, precisamos revolucionar a nós mesmos. Quanto aos motivos

que me levaram a escrever esta dissertação e trabalhar com a temática, isto sim, remontam a

uma longa data.

Em primeiro lugar, busquei no estudo da história entender a minha própria história,

fazendo análise comigo mesma.

Desde muito cedo, escutava as histórias que meu avó, Sr. Manuel Viegas, lia para eu

viajar, literalmente. A participação dele foi muito grande quando me contava, lá pelos meus

cinco ou seis anos, as histórias de Maria Antonieta, Catarina da Rússia e Cleópatra, entre

outras. Meu avô chamava-me de Carlota Joaquina, referindo-se aos enfeites que sempre

gostei de usar. Contudo, as da Primeira e da Segunda Guerra Mundiais sempre foram as

histórias preferidas dele. Aí eu dizia: Conta de novo, e o pobre velhinho repetia tudo!

Meu avô sentia um ódio muito grande pelos judeus, também tinha problemas com os

alemães, mas acredito que admirava Hitler, pois lia incansavelmente sua biografia para eu

dormir. Hoje, percebo a literatura sutil que utilizava para uma criança de cinco anos de idade.

Passava por Stalin, por Júlio César, por Napoleão e, quanto a este, dizia-me que para vencer

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na vida eu tinha de decorar suas estratégias. Claro que não entendia muito bem o que ele

queria dizer. Nesse sentido, fui buscando a minha própria história.

Meu avô contou-me que participara das duas grandes guerras, falava-me de solidão e..., de

batatas. Isso até parece uma discussão bizantina∗ de que o leitor não entenderá nada, porém, as

batatas significam a sobrevivência em tempos de guerra e somente quando cresci fui descobrir.

Como filho de uma imigrante polonesa que viera para o Brasil no último quartel do

século XIX, realmente meu avô tinha o que contar. A polonesa, minha bisavó, era judia, mas

ocultava sua condição, assim casara-se com um imigrante português e, posteriormente, uniu

ela própria suas duas filhas em enlaces matrimoniais com descendentes de alemães, para, por

ventura, encobrir o seu ventre judaico em tempos difíceis. Mas, por desventura e desespero de

minha bisavó, meu avô apaixonou-se por uma índia brasileira aldeada na Aldeia dos Anjos,

atual cidade de Gravataí. Resultado: minha bisavó nunca aceitou os doze filhos da índia,

argumentando que índia serviria para, no máximo, os homens satisfazerem seus instintos

masculinos.

Como os descendentes da índia viviam na clandestinidade, eu não pude ter contato com

a família de meu avô, então cresci como uma criança tímida e refratária, alheia ao contexto

familiar e desde muito cedo descobri que o mundo que me rodeava não se apresentava inteiro,

tudo era uma grande farsa ou uma ópera bufa. Desse modo, perdi a ingenuidade

incipientemente e aquilo que as crianças da minha idade acreditavam eu desprezava.

Contos de fadas não existiam, a princesa, no meu ponto de vista, foi deixada pelo

príncipe, que se apaixonou por outra garota mais jovem, foi traído até seus últimos dias, mas

acreditando ser o cara. Quanto à princesa, bem, teve de vender o castelo, único bem material

e venal que possuía, para pagar suas despesas e retirar seu nome do famoso SPC (serviço de

proteção ao crédito); no mais, ficou velha, feia e, com várias dívidas. Como o leitor percebe,

∗ Grosso modo significa uma conversa que não leva a lugar algum, sem sentido.

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não cresci muito otimista! Só sabia de uma coisa: o mundo era masculino e, dos machos!

Porém, nos livros de história eu parecia encontrar alguma verdade.

O tempo passou, descobri, também, que o tio que me visitava não era tio mas, sim pai,

pois nasci bem próximo ao golpe que instalou os militares no poder então, parte de minha

infância foi pontuada pela ditadura dos generais. Naquele período, uma mulher sem marido ou

separada era marginalizada para a sociedade. Mãe solteira era um horror! Inclusive a lei do

divórcio no Brasil demorou algum tempo para ser aprovada, e quem a sancionou foi um

militar, o general Ernesto Geisel.

Posteriormente, cresci e, não por acaso, casei-me com um descendente de imigrantes

alemães, então senti ainda mais a necessidade de buscar uma história. Entretanto, como o

conhecimento sempre pautou a minha vida, ingressei, bastante jovem, na faculdade de Artes

Plásticas e logo terminei a graduação. Porém, as elucubrações dos artistas não eram

suficientes, então ingressei na faculdade de História, e foi ali que passei a descobrir um

mundo novo. Percebi que sem os segmentos político e econômico as artes não existiriam,

grosso modo, sem o mecenato o artista morreria de fome.

No final da graduação em História, busquei auxílio para minhas várias dúvidas em um

curso de extensão sobre judaísmo com a Professora Ieda Gutfreind que, me proporcionou a

orientação necessária juntamente com pesquisas elaboradas no Instituto Judaico do Rio

Grande do Sul. Finalizada essa etapa, surgiram algumas seqüelas físicas mesmo assim, tentei

por várias vezes uma classificação com bolsa para custear o curso de mestrado. Naquele

momento, cada vez mais refratária pois, a sociedade é sim, discriminatória, busquei no

labirinto do conhecimento colocar o fio de Ariadne objetivando uma saída.

Certo dia, conversando com o professor Dr. e, meu amigo Marcos Tramontini,

observei a foto do Presidente Geisel em um jornal e reportei-me à minha infância. Lembrei

que na escola em que eu estudava, era obrigatória a exibição da fotografia do presidente na

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sala de aula e, então pensei: é isso, vou pesquisar o período do Geisel, mas o quê? Então, o

Tramontini, munido do sarcasmo que só ele detinha, disse-me:

"Corre atrás do alemão, foi ele quem fez a cidade de São Leopoldo!"

Assim, como um conhecido piloto de Fórmula 1, segui correndo atrás do alemão e, em

visita ao Museu Visconde de São Leopoldo, percebi que as comemorações dos cento e

cinqüenta anos da imigração alemã, no estado, ainda não haviam sido pesquisadas e comecei a

buscar documentação. Na análise da documentação, percebi a grandiloqüência do evento, não

só na cidade de São Leopoldo, mas em todo o país e até no exterior. O tal alemão, o presidente

Geisel, passou a ser figurinha fácil, nem precisava ir atrás. Sua fotografia encontrava-se

estampada em vários jornais e revistas relacionadas aos festejos, além das personalidades da

Alemanha, todos em São Leopoldo no ano de 1974. Mas um dado naquele grande evento em

homenagem ao imigrante deixava interrogações. Dessa maneira, verifiquei que havia um

espaçamento entre as grandes comemorações do ano de 1974 e a Segunda Guerra Mundial,

período em que os imigrantes alemães sofreram alguns constrangimentos. O que mais chamava

a atenção era a grande repercussão envolvendo os festejos dos cento e cinqüenta anos da

imigração alemã no estado, mesmo que eu soubesse do poder simbólico exercido pelas

convenções como cem anos, cento e cinqüenta anos e aí por diante. Mas os fatos não se

encaixavam, como e por que se deu tudo aquilo, a expressividade e envergadura daquele

acontecimento com a representação de personalidades da Alemanha e do Brasil além de todo o

custo envolvido nas celebrações que iniciaram já no início do ano de 1974, sendo que a data

efetiva seria só em 25 de julho, portanto, na metade final do ano. E foi nesse sentido que

começaram as problematizações sobre a política externa e interna daquele momento assim, com

base em documentações, apareceram várias questões relacionadas à temática. Portanto, depois

de contar toda essa história, passarei novamente para o pronome indefinido apresentando

imparcialmente e sem devaneios ou elucubrações, a proposta desse trabalho em sua introdução.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................13

2 O SESQUICENTENÁRIO EM QUESTÃO ................................................................16

2.1 IMIGRAÇÃO ALEMÃ ................................................................................................16

2.1.1 Histórico da Imigração Alemã no Estado ................................................................16

2.1.2 Comemorações da Imigração alemã na História ...............................................................20

2.2 UMA APRECIAÇÃO SOBRE A MEMÓRIA ................................................................25

2.2.1 Definição de Conceitos ................................................................................................25

2.2.2 Os Cento e Cinqüenta Anos de Imigração Alemã no Rio Grande do Sul ..............................................................................................................................37

2.2.2.1 As Comemorações do Sesqui em São Leopoldo ................................................................37

3 A COMUNIDADE ALEMÃ SOB SUSPEITA ................................................................65

3.1 IMIGRANTES ALEMÃES: UMA AMEAÇA A ORDEM VIGENTE ................................65

3.2 CONJUNTURA EXTERNA BIPOLAR ................................................................77

3. 2.1 Brasil x EUA: dissensões em uma parceria ................................................................77

3.2.1.1 A Aproximação do Brasil com a Alemanha ................................................................94

3.2.1.2 O governo do general Ernesto Geisel ................................................................104

3.3 INSERÇÃO DE INVESTIMENTOS ALEMÃES NO BRASIL ENTRE 1964 E 1983 ................................................................................................112

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................115

REFERÊNCIAS ................................................................................................119

REFERÊNCIAS CONSULTADAS ................................................................124

FONTES .........................................................................................................................127

ANEXOS .........................................................................................................................128

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1 INTRODUÇÃO

Esse trabalho se refere à imigração alemã no Estado do Rio Grande do Sul, contudo

apresenta uma proposta centralizada no ano de 1974 com os festejos dos cento e cinqüenta

anos de imigração em São Leopoldo. A inexistência de uma pesquisa voltada ao tema chamou

a atenção, pois, segundo as fontes, este evento não teve concorrente na sua categoria, tamanha

a sua repercussão nos veículos de comunicação do Brasil e do exterior. Com a presença de

altas personalidades políticas da Alemanha e do Brasil, com festividades que duraram o ano

inteiro, com investimentos econômicos alemães na cidade de São Leopoldo, tudo isso fez do

sesquicentenário um acontecimento único.

Em entrevistas e com a documentação primária observou-se um grande ufanismo

referente à personalidade de Geisel e à sua atuação para a captação dos investimentos alemães

no Brasil. A exaustiva representação da figura do Presidente e suas origens étnicas foram

bastante exploradas nos festejos.

A inexistência de investigações sobre o período de 1974, com a ascensão do governo

Geisel, e a repercussão verificada na mídia, dada as Comemorações dos Cento e Cinqüenta

anos da imigração alemã no estado, despertou curiosidade, tendo em vista a situação dessas

colônias durante os períodos de guerra, quando os alemães encontravam-se sob suspeita e até

proibidos de falar a língua de origem.

A estrutura brasileira de ditadura militar atrelada a uma conjuntura externa de

polarização na qual os EUA e a URSS impossibilitavam a ação diplomática autônoma dos

países periféricos inviabilizando seu desenvolvimento econômico, com o objetivo de

prolongar a dependência dos mesmos apresentava uma situação problema.

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Também, as fontes sugeriam que os festejos do Sesquicentenário seriam os responsáveis

pela aproximação econômica entre Brasil e Alemanha naquele momento e, a presença de Geisel

na presidência da República, por ser descendente de alemães, havia ajudado em muito no

relacionamento dos dois países. Em entrevista, o prefeito da época afirmou que graças ao

Presidente Geisel, São Leopoldo teve um desenvolvimento econômico não verificado em outras

regiões do país. Por isso, as questões começaram a surgir:

a) Qual seria a fonte de fomento para todos os espetáculos verificados nos festejos do

Sesquicentenário?

b) Teria sido Geisel o responsável pelo desenvolvimento econômico da cidade de São

Leopoldo?

c) Por que o governo estadual envolveu-se tanto com as comemorações dos alemães,

sendo que o Governador Triches era de origem italiana?

d) Como poderia a Alemanha aprofundar relações bilaterais com o Brasil, se este

encontrava-se geográfica e economicamente alinhado aos EUA?

e) A ascendência étnica e religiosa de Geisel foi determinante na aproximação com a

Alemanha, tendo em vista os investimentos da República Federal da Alemanha no governo

Geisel?

f) Qual o papel das comemorações dos Cento e Cinqüenta Anos da Imigração Alemã?

g) E os imigrantes alemães, por que tantas homenagens se até pouco tempo estavam

sob suspeita, inclusive proibidos de falar o alemão?

Assim, as conclusões elaboradas no decorrer desta pesquisa servirão como respostas

para as perguntas formuladas.

Quanto à documentação para sustentar as respostas, utilizou-se de entrevistas,

referenciais bibliográficos, documentação primária, como relatórios do governo do estado e

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prefeitura, atas, jornais, revistas, fotografias, o álbum especial do sesquicentenário, salvo-

condutos, documentação do DEOPS e a gravação em fita K7 dos eventos no ano de 1974.

Entretanto, a partir da identificação, exame e análise dessas fontes dividiu-se esse

trabalho em dois capítulos.

O primeiro capítulo situa o leitor quanto a imigração no estado do Rio Grande do Sul;

pontua o histórico das comemorações na História e centraliza-se no Sesquicentenário da

Imigração Alemã em São Leopoldo. Nesse sentido, abrange a temática das comemorações da

imigração alemã e apresenta um adendo aos conceitos relacionados à memória.

O capítulo dois apresenta o final da Segunda Guerra Mundial, o alinhamento brasileiro

com os norte-americanos, as decorrentes perseguições aos alemães, imigrantes e

descendentes; os desentendimentos entre o Norte e o Sul relacionando a conjuntura externa de

Guerra Fria com os EUA e a URSS que polarizaria econômica e ideologicamente o mundo.

Por fim, a aproximação entre Brasil e a República Federal da Alemanha e a culminância com

um breve panorama do governo Geisel e os investimentos alemães no Brasil.

No final, acrescentam-se as conclusões juntamente com o referencial bibliográfico e

todos os anexos.

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2 O SESQUICENTENÁRIO EM QUESTÃO

2.1 IMIGRAÇÃO ALEMÃ

2.1.1 Histórico da Imigração Alemã no Estado

Falar-se em um histórico da imigração alemã no estado, principalmente, para os

moradores da cidade de São Leopoldo e vizinhanças, descendentes de imigrantes ou não,

parece uma questão óbvia e até desnecessária. Mas não é. Assim, optou-se por fazer alguns

apontamentos históricos no sentido de situar o leitor quanto aos primórdios da região

objetivando uma certa cronologia e simetria no sentido de homogeneizar as questões que

surgirão no decorrer da pesquisa. Mas, acima de tudo, este histórico é apresentado devido à

necessidade observada pelos nosso alunos, principalmente do ensino médio, que, em sua

maioria, atribuem à História um mofo do passado, uma velharia que não presenciaram e de

que não são frutos assim, não estão interessados, desconhecendo com isso, a si e aos outros.

Para tanto, corroborando com o enunciado, serão utilizadas as palavras de Eric Hobsbawm1

pois, as mesmas apresentam-se como bastante apropriadas:

A destruição do passado – ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas – é um dos fenômenos característicos e lúgubres do final do século XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem. Por isso os historiadores, cujo ofício é lembrar o que os outros esquecem, tornam-se mais importantes que nunca no fim do segundo milênio. Por esse mesmo motivo, porém, eles têm de ser mais que simples cronistas, memorialistas e compiladores.

1HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras,

1995. p. 13.

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Foi em meados do século XVIII que se iniciou no Rio Grande do Sul a produção de

uma agricultura curiosa para os dias de hoje, mas bastante importante no comércio da época.

Oficializado pelo governo imperial foi autorizado o plantio da Cannabis sativa como uma

alternativa econômica ao império devido a procura da planta no mercado internacional.

A Cannabis sativa possuía uma resistente fibra utilizada como matéria-prima na

feitura de cordoalha para navios em tempos de grandes viagens marítimas assim, sua

produção configuraria um grande negócio.

Contudo, o estabelecimento da Real Feitoria do Linho Cânhamo não prosperou, e

como o objetivo dessa contextualização não requer aprofundamento, somente citaremos

algumas causas apresentadas por Aurélio Porto2, como a má administração, as cheias do rio

dos Sinos e a força de trabalho não livre. Em 1822, a Feitoria passou a denominar-se Imperial

Feitoria do Linho Cânhamo, mas, sob decreto em 1824, foi extinta, passando para um outro

momento da história.

Com o final da Feitoria, havia a necessidade em tornar produtiva a região, além de

protegê-la das possíveis invasões. Então o governo, tentando solucionar os problemas,

encontrou uma alternativa na imigração para colonização do território. Salienta-se, contudo,

que as origens étnicas e a atuação atribuídas à esposa do Imperador, Dona Leopoldina, não

serão abordadas nesse contexto quanto à iniciativa no recrutamento de alemães. Pois acredita-

se mais nas implicações políticas da época, tendo em vista algumas precauções do governo

brasileiro com os ingleses, holandeses, espanhóis e franceses, que o levaram a recrutar

imigrantes de outras nacionalidades.

O representante brasileiro para o recrutamento de imigrantes na Alemanha, major

Schaeffer, na verdade, oferecia na Europa vantagens insustentáveis frente às dificuldades do

governo na criação de uma incipiente região de colonização. Contudo, no ano de 1820 os

2 PORTO, Aurélio. O trabalho alemão no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Martins Livreiro, 1996. p. 26.

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primeiros imigrantes germânicos aportaram no Brasil, instalando-se em Nova Friburgo, no

Rio de Janeiro. Quando chegaram, perceberam que as prerrogativas propagadas na Europa

eram falsas, proporcionando, através de suas correspondências, um descrédito não só na

figura do agenciador, mas do próprio império. A precariedade de recursos na fundação de

novas colônias no Brasil impossibilitava ao governo brasileiro cumprir as promessa de seu

agenciador na Europa. O descrédito na imigração para o Brasil proporcionado pelas

promessas não cumpridas ocasionou uma intervenção diplomática da Alemanha nas

negociações. Entretanto as dificuldades no recrutamento de imigrantes na Alemanha não

inviabilizariam o povoamento, a partir de 1824, da nova Colônia Alemã da Feitoria, criada

com a extinção da antiga Feitoria do Linho Cânhamo. Mas o governo brasileiro ainda não

proporcionava as vantagens propagadas aos colonos na Alemanha e, pressionado pela má

impressão obtida no exterior com as correspondências dos imigrantes estabelecidos no Rio de

Janeiro, o império brasileiro tornou efetivos, em 1826, o pagamento de passagens e alguns

subsídios para os imigrantes objetivando a colonização de São Leopoldo. Nesse momento,

então, analisando-se a documentação primária encontrada no Arquivo Histórico do Rio

Grande do Sul, observou-se que as primeiras correntes migratória para o estado deram-se

entre julho de 1824 e outubro de 1830. Entretanto, em contato com as fontes originais

verificou-se um documento que sugere a responsabilidade do governo em oferecer subsídios

aos imigrantes alemães, assim, levando-se em conta os argumentos do documento, acredita-se

que, posteriormente, o governo investiu na contratação de imigrantes alemães:

Condições para que o governo de Sua Majestade o Imperador D. Pedro I estipulou com os colonos alemães vindos ao Brasil.

O Imperial Consulado do Brasil na cidade livre e hanseática de Bremen, em conformidade às ordens do Monsenhor Miranda, Chanceleiro do Império do Brasil e Ministro da Colonização, afiança a todas as famílias que desejam ir ao Brasil, que, embarcando neste porto e cumprindo com as condições estabelecidas (que consistam na legitimação de suas pessoas e no pagamento do frete de passagem a razão de 120 Florins do Hin ou 12 1/2 Louis d´Oro para cada indivíduo de mais de 12 anos de idade, e de 60 Florins ou 6 1/2

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Louis d´Oro para cada cabeça de 06 a 12 anos (as crianças menores de 06 anos não pagarão nada).

Serão admitidos como cidadãos brasileiros e gozarão de todas as vantagens que foram concedidas aos colonos alemães, pelo Imperial Governo do Brasil, a saber:

1 - TERRENO - Receberão como propriedade livre, um terreno de 400 a 600 margens, e mais conforme o tamanho das famílias, parte em campo, terra para lavoura e parte em matos;

2- GADO - Igualmente como propriedade livre, em proporção ao tamanho das famílias, receberão gratuitamente: Cavalos, vacas, bois, ovelhas, porcos, galinhas, etc.;

3- SUBSÍDDIOS - No primeiro ano receberão diariamente e para cada cabeça, a quantia de um franco e, no segundo, a metade;

4 - DIREITOS - Durante os primeiros dez anos, serão isentos de pagar direitos, tanto de seus rendimentos, como de serviços Pessoais ao Estado3.

Ainda se deve notar, que os colonos receberão tudo o sobredito gratuitamente e como propriedade livre, sem contudo nada poder alienar nos primeiros dez anos, findo esse prazo, poderão dispor do mesmo como bem lhes parecer, e pagarão o décimo do produto e das terras.

Para certos prejuízos nota-se que neste porto de Bremen se esperem as cobranças, pelas quais se garantam aos colonos as mencionadas vantagens e que no Rio de Janeiro não se podem importar com embarcações vindas de outros lugares.

Bremen, 15 de Janeiro de 1828.4

Retomando-se sugestão inicial, voltada ao imigrantes e sua chegada ao estado, então

no dia 18 de julho de 1824 aportaram em Porto Alegre os primeiros imigrantes alemães que

somente depois, no dia 25 de julho, desembarcariam definitivamente no Porto da Feitoria,

hoje cidade de São Leopoldo. Nesse sentido, apresentou-se nessa contextualização inicial a

importância atribuída ao 25 de julho de 1824, pois no decorrer do trabalho será apresentado o

que foi a maior das comemorações alemãs no estado "O Sesquicentenário ou, os cento e

cinqüenta anos da imigração alemã no Rio Grande do Sul".

3 Não foi possível entender as palavras posteriores, pois o documento encontra-se riscado. 4 Acervo do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, Imigração Alemã, livro C 333.

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2.1.2 Comemorações da Imigração alemã na História

O interesse acadêmico pelas pesquisas sobre festas e comemorações tem aumentado

significativamente, e relacionado às comemorações e aos festejos da imigração alemã no

estado, e mais específico em São Leopoldo, encontrou-se aprofundamento na dissertação de

mestrado de Roswithia Weber5. Defendido no ano de 2000, na Universidade Federal do Rio

Grande do Sul, o estudo de Weber possibilitou um debate acadêmico sobre o tema das

festividades relacionadas ao marco da imigração alemã nas Ciências Humanas. Apresentando

as festividades do ano de 1924, data dos cem anos da imigração alemã no estado, observou

que o ano de 1924 foi a primeira grande festa, não tendo ocorrido, segundo ela, festejos

públicos relativos à imigração alemã no estado anteriores a esta data. A observação é

importante, levando em conta as convenções observadas em datas festivas, quando se costuma

fazer uma espécie de arredondamento para aumentar o simbolismo das mesmas, sendo assim,

os cinqüenta ou os setenta e cinco anos da imigração deveriam ter sido comemorados. Quanto

ao dia 25 de julho, Weber6 argumenta:

A partir de 1924, a passagem do dia "25 de Julho", ou seja, a data que marca a chegada da primeira leva de imigrantes alemães ao Rio Grande do Sul (Província de São Pedro do Rio Grande), na então fundada Colônia de São Leopoldo, hoje município de São Leopoldo, que ocorreu em 1824, passou a ser motivo de comemorações.

No ano de 1924, terminada a Primeira Guerra Mundial, foram, assim, comemorados os

cem anos da imigração alemã no estado do Rio Grande do Sul, passando a constar no

calendário oficial dos governos locais, porém observaremos que as celebrações em torno do

aniversário da imigração alemã sofrerão algumas alterações relacionadas a acontecimentos

5 WEBER, Roswithia. As comemorações da imigração alemã no Rio Grande do Sul: O 25 de Julho em São

Leopoldo, 1924/1949. 2000. Dissertação (Mestrado em História)–Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Porto Alegre, 2000.

6 Ibid., p. 64.

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políticos internos e externos, transformando sua extensão e representatividade frente a

sociedade rio-grandense.

Quando se estuda as comemorações, percebe-se a sua longevidade na história desde o

início das civilizações, assim verifica-se que as comemorações festivas marcaram presença

nas sociedades desde o seu início. Nas festas da colheita do vinho, por exemplo, o culto ao

deus Baco ou Dionísio legitimavam a condescendência dos deuses que retribuindo aos

mortais com uma abundante colheita ou uma boa safra. Assim, as festividades podem ser

entendidas como um elo de ligação simbólica entre as comunidades, uma tentativa de

identificação, mas, também, podem ser um teatro para os atores representarem seus papéis

imbuídos, ou não, de interesses políticos, econômicos, étnicos e religiosas, enfim, a festa

como um grande palco disponível para a sociedade e quem quiser encenar.

Na História da Arte verificam-se vários exemplos de representações relacionadas ao

culto como sendo uma necessidade humana. Pinturas rupestres, como as encontradas nas

cavernas de Altamira, na Espanha e, Lascaux na França, apresentam desde tempos imemoriais

o mito das origens e da sobrevivência, um símbolo mitológico freqüentemente utilizado nas

ocasiões comemorativas. Nesse sentido, para caracterizar o mito buscou-se apoio nas palavras

de Sandra Pesavento7:

[...] uma tendência imemorial, presente em todas as sociedades, de indagação sobre o passado. A busca de pai mítico e da gênese da identidade local é, pois, um elemento recorrente que parece responder a necessidades telúricas e ancestrais de toda a comunidade.

Entretanto, observa-se que as comemorações de aniversário da imigração alemã não se

restringem-a São Leopoldo, sendo realizadas em outras cidades do estado; esse fato deriva das

divisões políticas e a conseqüente criação de novos municípios que anteriormente pertenciam

àquela região, como Novo Hamburgo, por exemplo, elevado à condição de município

7 PESAVENTO, Sandra J. A invenção da sociedade gaúcha. Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 14, n. 2, p. 383-386,

1993.

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independente no ano de 1927. Porém, a influência germânica no povoamento e formação

social do estado do Rio Grande do Sul apresenta-se, desde o século XIX, associada a

indeléveis traços da cultura alemã, no culto às tradições e às festividades.

O Decreto de número 5.591 de vinte e três de maio de mil novecentos e trinta e quatro,

conforme os Anais da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, registrou o dia 25 de

Julho como feriado estadual, instaurando, assim, o Dia do Colono. Porém, conforme Weber8 o

nome do feriado não estava claro, a denominação "Dia do Colono" não constava na imprensa

e para referir-se ao feriado utilizava-se o colono como sendo um elemento trabalhador.

A categoria Colono é usada no decreto somente quando referido dia do colono [...] a interpretação de que colono foi usado, tal como o fora, pelo jargão oficial do sistema de colonização, designando-os como descendentes de imigrantes europeus9.

Porém, o “Dia do Colono” obteve uma conotação atrelada ao trabalhador rural e

expandiu-se para o criador de gado e o fazendeiro, segundo Weber.

Em comemoração à chegada dos primeiros imigrantes alemães, em 25 de Julho de

1930, Getúlio Vargas prestigiou as homenagens com sua presença, quando ocupava, na época,

o cargo de Presidente do Estado do Rio Grande do Sul.

Ainda não havia sido deflagrada a Segunda Guerra Mundial e as relações econômicas

entre Brasil e Alemanha encontravam-se saudáveis.

Segundo Weber10, no ano de 1934 comemorou-se os cento e dez anos da imigração

alemã no estado e, também, os setenta anos da cidade de São Leopoldo, com entusiasmo do dia

do colono com direito concedido pelo governador a comemorar a data. Assim, o "25 de Julho"

como uma data festiva fazia parte da história dos alemães no Brasil. Os festejos prosseguiam

nos redutos alemães e nas comemorações em Porto Alegre, a bandeira da Alemanha nazista

8 PESAVENTO,1993, p. 92. 9 SEYFERTH, Giralda. A representação do trabalho alemão na ideologia étnica teuto-brasileira. Boletim do

Museu Nacional, Rio de Janeiro, n. 37, 20 out. 1982. p. 94. 10 WEBER, 2000, p. 106.

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encontrava-se em destaque hasteada juntamente com as bandeiras brasileira e do Rio Grande do

Sul; mas quanto a São Leopoldo, Weber11 não se reporta a tal bandeira nazista.

No ano de 1935, em São Leopoldo, a data foi comemorada com missas e cultos e

substituição de nomes de ruas lusos para germanos, sendo os festejos lembrados por Flores da

Cunha quando de sua fala na exposição do centenário farroupilha12.

Seguiram-se as comemorações do 25 de Julho e, em 1936, Gertz13 salienta:

A liderança nacional do partido nazista e a representação diplomática criaram, em 3 de maio, uma entidade cultural denominada Federação 25 de Julho. Dentre suas propostas constava a ampliação, para todo o Brasil, dos festejos do 25 de julho nos locais onde residiam descendentes de alemães.

O ano de 1937 foi um marco divisório nas comemorações do "25 de Julho", quando a

nacionalização propugnada pelo Estado Novo passou a vigorar, principalmente, com a

intervenção do governo do estado, nomeando Manuel Daltro Filho em substituição a Flores da

Cunha. Em São Leopoldo, os festejos passaram a pequenas solenidades isoladas, como

inaugurações, por exemplo, e o jornal Correio do Povo, em 24 de julho de 1937, transcreveu

o discurso feito pelo prefeito da cidade, onde o mesmo apresentava as dívidas que

inviabilizavam uma autonomia econômica ao município.

Com as homenagens ao Exército, em 1938, pela Batalha do Riachuelo, verifica-se uma

supressão dos interesses pelo "25 de Julho", visto que aquele sugeria a existência de dois

inimigos para o Brasil, centralizados no comunismo russo e no fascismo alemão.14

Assim, os festejos não ocorreram mais como em anos anteriores, sendo o dia lembrado

apenas pelo feriado municipal e por algumas atividades sociais discretas, que seguiram-se por

1940 e 1941, com alguns incidentes inexpressivos frente aos dos anos seguintes.

11 WEBER, 2000, p. 109. 12 A Federação, Porto Alegre, 21 set. 1935. 13 GERTZ, René. O fascismo no Sul do Brasil. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1987. p. 73. 14 DIAS, Alfredo Lyno. Glória do exército. Correio de São Leopoldo, São Leopoldo, 18 jun. 1936.

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Nesse meio tempo, o governo Vargas havia viabilizado um acordo de financiamento

junto aos EUA atrelando-se aos Aliados e declarado guerra à Alemanha. Nesse sentido,

recrudesceram os ânimos, tornando-se impossíveis as comemorações de aniversário da

imigração alemã. No ano de 1942, ocorreu um sério incidente envolvendo parte da população

de São Leopoldo, que apedrejou o Monumento ao Imigrante protestando contra a Alemanha

pelo bombardeio do navio brasileiro Cairú. Frente aos acontecimentos, foi cogitada a

instalação de um novo monumento no local do colono com uma estatuária que representasse o

orgulho nacional simbolizado na figura de um marujo vítima da irracionalidade nazista. Em

conseqüente represália, a antiga Praça Centenário passou a denominar-se Praça Tiradentes.

Em 1946, mesmo com o final da guerra, os festejos não ocorreram devido aos

constrangimentos anteriores impossibilitando as comemorações, suprimindo-se assim, a

imagem do imigrante alemão. Dessa forma, em São Leopoldo, tentou-se apagar a lembrança

do imigrante germânico, destacando o herói brasileiro, propagando, assim, um símbolo

nacional.

No ano de 1947, observa-se um tímido ressurgimento das comemorações do dia do

colono visando o restabelecimento da identidade das colônias alemãs, mas em São Leopoldo

as relações frente à sociedade ainda não apresentavam clima para comemorações efusivas.

Contudo, as animosidades não eram mais generalizadas. Enquanto em São Leopoldo ainda

vigoravam suspeitas à comunidade germânica, em Novo Hamburgo, por outro lado,

ocorreram comemorações, incluindo feriado facultativo na cidade. Em São Leopoldo, só no

ano de 1949 observa-se uma tentativa em restaurar as comemorações do Dia do Colono,

tencionando apagar da memória os ressentimentos anteriores e inserindo os imigrantes na

sociedade brasileira. Assim, publicamente, os festejos retomam seu lugar em São Leopoldo

com um matiz voltado para a política, objetivando a inserção dos descendentes germânicos

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aos cargos públicos, quando Weber15 relaciona a restauração do monumento ao imigrante

depredado em 1942. Porém, dada a inobservância de festejos públicos grandiosos

relacionados à imigração alemã no estado, acredita-se que as tentativas em retomar as

comemorações da imigração no estado com seu restabelecimento efetivo, somente foram

possíveis no ano de 1974. Essa hipótese apresenta-se devido à dimensão observada em nível

internacional das comemorações dos cento e cinqüenta anos da imigração alemã, talvez

também, por inserir-se em outro contexto político.

2.2 UMA APRECIAÇÃO SOBRE A MEMÓRIA

2.2.1 Definição de Conceitos

É importante salientar que a aplicação de alguns conceitos arrolados a essa pesquisa

pertencem a matrizes teóricas diferenciadas como a Nova História e o Marxismo, por

exemplo. Não buscou-se uma linha historiográfica específica mas, sim definir alguns dos

conceitos em que acredita-se estarem diretamente relacionados com o tema abordado.

Portanto, seguindo uma linguagem acadêmica relacionando as Ciências Humanas, o

enfoque atribuído ao estudo das Comemorações do Sesquicentenário da Imigração Alemã no

Estado do Rio Grande do Sul apresenta a necessidade da utilização, como recurso, de alguns

conceitos relacionados à memória.16 Dessa forma e com o devido respaldo teórico serão

abordados alguns conceitos referentes à temática. Ratifica-se que a apresentação desses

15 WEBER, 2000, p. 149. 16 ISQUIERDO, Ivan. Que és la memória. Buenos Aires: Fundo de Cultura Ecônomica de Argentina, 1992.

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conceitos possuem como objetivo torná-los cognoscíveis, já que os mesmos estão, direta ou

indiretamente, atrelados às comemorações.

Comumente entende-se ou associa-se a memória a uma lembrança. Porém, seu

conceito não se resume a algo tão simples. Dada a sua complexidade, a memória tornou-se um

fenômeno individual e psicológico ligado ao mundo social, porém modificando-se com o

surgimento e a presença da escrita. Observa-se que a memória, com o passar dos tempos,

tornou-se um objeto de extrema importância para os estados atingirem seus objetivos, para,

com a produção de monumentos e documentos, poderem manipular a História.

Como aporte a esta pesquisa observa-se que a memória não se encontra,

necessariamente, atrelada ao conceito de História, se por História se entende uma elaboração

mental e sustentação documental, o que a distancia da ficção. Quando a proposta apresentada

é a História, desvincula-se a memória esperando-se pela veracidade dos fatos.

Nesse sentido, acredita-se, com base não apenas nos indicadores desta pesquisa, que as

comemorações representam um espaço público e privado privilegiado para a renovação e a

perpetuação da memória. Esses espaços simbolizam cenários para que atores de vários

segmentos, principalmente, do político e do econômico, possam posicionar-se frente às

sociedades representando seus papéis e interesses, vinculando-os ao simbólico e ao mito.

No entanto, entende-se que estudar comemorações implica uma oportunidade no

conhecimento de enfrentamentos, nem sempre visíveis, dos diversos segmentos da sociedade.

Nesse sentido, necessita-se não apenas olhar o passado, mas sim ver esse passado, pois ver

abrange codificações e registros anteriores guardados na experiência. Uma imagem do

passado pode não expressar a realidade vivida, assim os túmulos, por exemplo, podem ser

alegorias e a memória por ser seletiva pode trabalhar com fatos e com imagens que se

consagraram na História. Contudo, acredita-se que um registro não substitui um fato, cabendo

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ao pesquisador a filtragem pois os atores sociais vestem máscaras de acordo com seus papéis

na sociedade.

Com a temática deste trabalho apontando para o ano de 1974, quando o general

Ernesto Geisel assume a presidência do Brasil, inserido em um regime militar e no mesmo

ano acontecendo as comemorações da imigração alemã no estado, verifica-se uma relação

íntima entre sociedade, política, etnia e economia. Frente ao amálgama verificado nas

comemorações de aniversário da imigração alemã, apresenta-se a necessidade da abordagem

de alguns conceitos seguidos de breves comentários, contribuindo para a consecução deste

estudo. Apresentados os objetivos deste sub-capítulo, seguem os conceitos de:

Memória17, imaginário social, mentalidade, tradição, germanismo,

etnia, raça, memória coletiva e história social.

Pierre Nora18, referindo-se à memória, salienta que ela encontra-se em crise. Esse

autor atribui magia à memória e evidencia que ela se alimenta de lembranças, porém, vagas,

múltiplas e facetadas. Também a divide em memória material, simbólica e funcional. Para

Nora, a memória material estaria relacionada aos depósitos de arquivos e museus; já a

memória simbólica seria aquela que caracteriza um conhecimento vivido por uma minoria, e a

memória funcional representaria a garantia da transmissão e da continuidade. A memória,

então, segue em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento,

inconsciente de suas deformações, exposta e vulnerável a sucessivas manipulações, daí sua

crise, distanciando-se da História. Percebe-se com o autor que memória e História não são

sinônimos, acredita-se que ocorre uma adequação de ambas, mas a memória está em constante

evolução e suscetível às mais diversas manipulações. A História, para o autor, seria uma

reconstrução incompleta do que não existe mais; História seria, assim, uma operação

17 Sobre Memória ver: BERGSON, Henri. Matéria e memória. São Paulo: Martins Fontes, 1990. Também,

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Vértice, 1990. 18 NORA, Pierre. Entre memória e história. In: Projeto História. Revista do programa de Estudos de Pós-

Graduação em História da PUCSP. São Paulo, 1981.

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intelectual que necessita de análise crítica do historiador para com seu objeto. Pode-se dizer,

balizado por Nora, que a história trabalha com critérios científicos e um certo grau de

ceticismo em detrimento da memória espontânea. As repetições sucessivas, as festividades

são, portanto, uma maneira de propagar, de reconstruir uma memória que não existe mais sob

a condição romanceada de fazer história. Então, o estudo da história como operação

intelectual necessitando de análise crítica e vertical diferencia-se da memória que pode ser

suscetível, como já fora mencionado, ao esquecimento, à construção, à manipulação e à

deformação.

Desde a antigüidade, pode-se dizer que as antigas civilizações criaram mecanismos de

propagação da memória, como o calendário, a epigrafia, bibliotecas (posteriormente),

arquivos e museus. As religiões, como o judaísmo, por exemplo, desenvolveram uma espécie

de apelo à recordação, fazendo com que os hebreus se constituíssem no povo da memória por

excelência19; o cristianismo, no decorrer dos séculos, cindido do judaísmo, soube perpetuar o

culto à memória utilizando-se de mecanismos como o batismo, a comunhão, a crisma, a

missa, o casamento e a extrema unção. Assim, o exercício do Natal, da crucificação e da

ressurreição de Cristo serviram para que, durante todos os anos, no decorrer dos séculos, se

propagasse a memória do salvador nas gerações futuras, fortalecendo as bases religiosas e sua

permanência durante milênios. Também a memória dos mortos com as cerimônias fúnebres e

os túmulos, grandiosos ou não, permaneceram como uma fonte de buscar no passado alguma

espécie de sustentáculo para o presente dos vivos. Outro complemento significativo, pode-se

dizer, deu-se com a instauração do Túmulo do Soldado Desconhecido, que associou a coesão

de uma memória comum em torno de uma nacionalidade, formando uma dualidade orgânica

(perfeição para Miquelângelo),20 em prol da nacionalidade. Nesse caso, pode-se apresentar a

19 LE GOFF, Jacques. Memória. In: ENCICLOPÉDIA Einaudi. Porto: Imprensa Nacional, 1985. (Memória-

História ; v. I) 20 Miguel Ângelo Buonarroti (1475-1564), pintor renascentista italiano.

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passagem da obra de Karl Marx, onde o autor, inequivocamente, salienta o passado, seus

personagem e instituições exercendo poder sobre as civilizações do presente.

Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha, mas sob aquelas circunstâncias com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime o cérebro dos vivos como um pesadelo. E justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nessas épocas de crise os homens conjuram ansiosamente em seu auxílio os espíritos do passado, tomando-lhes emprestado seus nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar, nessa linguagem emprestada, a nova cena da história universal.21

O advento da fotografia,22 no final do século XIX, rompeu com a tradição artística

idealizada e romanceada propalada pela pintura, protagonizando um outro momento e fazendo

com que o álbum de família se tornasse significativo na perpetuação de uma memória

familiar. Portanto, são vários os elementos que se associam à memória, fazendo com que ela

se tornasse uma atividade fundamental entre as sociedades.

O conceito de imaginário social deve ser elencado também e para tanto buscou-se em

Branislaw Baczko23 uma breve análise, quando o autor apresenta o conceito como sendo um

conjunto de representações, crenças, desejos, sentimentos nos quais os indivíduos ou grupos

vêem a realidade e a si próprios. Para Baczko: "Os imaginários sociais e os símbolos em que

eles se assentam fazem parte de sistemas complexos tais como os mitos, as religiões, as

utopias, as ideologias."

Para o conceito de mentalidade buscou-se fundamentação teórica em Peter Burke24,

quando o pesquisador apresenta o conceito como sendo uma representação coletiva, mental ou

mesmo uma ilusão compartilhada por várias pessoas, grupos ou sociedades dentro do estudo

21 MARX, Karl. O Dezoito Brumário de Louis Bonaparte. São Paulo: Centauro, 2000. p. 15-17. 22 KOSSOY, Boris. Fotografia e história. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. 23 BACZKO, Bronislaw. Imaginário social. In: ENCICLOPÉDIA Einaudi. Porto: Imprensa Nacional, 1985.

(Antropos-Homem, v. 5), p. 312. 24 BURKE, Peter. A escola dos annales (1929-1989): a Revolução Francesa da historiografia. São Paulo:

UNESP, 1997. p. 80.

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da História. Já o historiador Lucien Febvre25, apresenta a possibilidade do surgimento de

problemas ao observar-se os fatos do passado com olhos anacrônicos, pois esses tendem a

falsificar a realidade. Febvre, como historiador das mentalidades, salienta a importância de

uma análise vertical no que vem a ser representação, além do que realmente importa nas

culturas do passado, portanto aconselha aos pesquisadores a existência de um trabalho

investigativo e meticuloso dentro da História. Para Febvre, no entanto: "Criações de conceitos

oriundos de inteligências desencarnadas, vivendo depois sua própria vida fora do tempo e do

espaço, formam estranhas cadeias com anéis ao mesmo tempo irreais e fechados."

Para Jacques Le Goff26, existe uma imprecisão centralizada na história das mentalidades, e

essa imprecisão consiste no seu maior atrativo; o autor também visualiza na história das

mentalidades uma ramificação dentro do estudo da História, apresentando-a, então, como um

mozaico, uma colcha de retalhos, aproximando-se, nesse sentido, de outras áreas do

conhecimento, como a etnologia, a sociologia e a psicologia social.

Quanto ao conceito de tradição, buscou-se sustentação teórica em Eric Hobsbawm27,

objetivando um aporte teórico suficiente para contextualizá-lo frente ao tema proposto.

Objetivando evitar os intermináveis discursos teóricos que abrangem os conceitos

inseridos na consecução dessa pesquisa, optou-se por apresentar um mínimo possível de

autores.

Nesse momento, busca-se em Eric Hobsbawm o conceito de tradição. Porém o autor

concentrando-se nos cerimoniais, propõe ao historiador uma observação vertical frente ao estudo

das cerimônias. Esse autor faz um alerta quanto ao estudo das comemorações, inclusive salienta a

possibilidade de uma concepção nociva inserida nesses eventos festivos. Hobsbawm fundamenta

sua teorização, argumentando em sua defesa pela existência e pela consolidação

25 FEBVRE, Lucien. História e psicologia. In: ENCYCLOPÉDIE Française. Paris: Librairie Larousse, 1938. t. 8. 26 LE GOFF, Jacques. A história nova. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 27 HOBSBAWM, Eric. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

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31

preponderantemente ideológica dos cerimoniais, tornando-os vulneráveis e podendo ser utilizados

como propaganda em defesa dos interesses mais diversos. Seguindo a contextualização em

Hobsbawm, tende-se a acreditar que os festejos são, também, comemorações e, portanto, conclui-

se que suscetíveis às manipulações dos segmentos político, econômico, religioso, jurídico, enfim

de todo o campo social, dependendo de seus interesses. Reforçando o posicionamento de

Hobsbawm, segue uma citação:

Mesmo que o texto de um ritual repetido não sofra alterações no tempo, seu significado pode alterar-se profundamente, dependendo da natureza do contexto. Porém, em um período de mudança, conflito ou crise, o ritual pode permanecer deliberadamente inalterado, de maneira a dar a impressão de continuidade, comunidade e segurança, embora existam indícios contextuais esmagadores em contrário.28

Acredita-se, tendo-se por base Hobsbawm, que a pompa dos cerimoniais públicos

possuem por objetivo manter viva uma memória distante, fazendo com que os rituais, os

festejos e as comemorações, enfim, proporcionar uma certa retomada à antigüidade ligada a

um passado imemorial onde as repetições sucessivas, ano após ano venham a formular um

acontecimento tradicional. Verifica-se, então, que as repetições sucessivas podem

proporcionar o início de uma tradição incontestável, até mesmo quando estas repetições

sucessivas encontrem suas raízes em um curto espaço no tempo.

Quanto ao conceito de germanismo, buscou-se em René Gertz29 um suporte teórico e

uma contextualização oferecendo sustentação para a consecução da temática que abrange,

também, imigração alemã. Para Gertz, o Deutschtum costuma ser traduzido por germanismo,

assim esse autor argumenta que: "Poderia usar-se a expressão nacionalismo alemão, mas

interessantemente essa expressão não é usada nem pelos apologistas alemães e teuto-

brasileiros que defendem a posição, nem pelos autores brasileiros que a atacam."

28 HOBSBAWM, 1997, p. 114. 29 GERTZ, 1987, p. 92-93.

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32

Porém, de uma maneira geral e segundo Gertz, o Deutschtum apresenta-se como uma teoria

e uma prática em defesa da manutenção das populações de origem alemã. Houve, assim, para o

autor, uma difusão consciente de propagação dos costumes alemães dentro do território brasileiro:

A difusão consciente desta posição iniciou em fins do século passado e no século XX ela aparece em diferentes graus em quase todas as instituições existentes nas regiões de colonização alemã no Sul do Brasil: os jornais de língua alemã, as escolas, as associações culturais e esportivas, as igrejas.30

Concordando com a argumentação de Gertz, apresenta-se as instituições sociais com

um mecanismo de propagação dos costumes e uma maneira como promover a cultura de

origem dos imigrantes em solo brasileiro, então atrelado ao contexto, acredita-se que uma

citação de José Eggers31 possa de alguma maneira ilustrar essa situação:

A sociedade debaixo da denominação Orpheus é uma sociedade de homens, que tem por fim exercitar, cultivar e enobrecer o canto alemão, influindo e animando o gosto por ela, a fim de promover por meio dele, uma verdadeira vida sociável e harmoniosa entre os patrícios alemães.

Quanto às comemorações do dia 25 de julho que marcam a chegada dos imigrantes

alemães ao Rio Grande do Sul, pode-se observar que os costumes germânicos entre seus

descendentes marcariam uma memória possível, reconstituída e repassada para a

posteridade.

Assim, para Gertz, germanismo é a tradução da palavra Deutschtum e designa uma

ideologia formulada antes da estruturação do Estado Nacional alemão moderno em 1871,

define-se, também, como uma ideologia e uma prática em defesa do germanismo nas

populações de origem alemã no Rio Grande do Sul. Para Gertz, a intenção em manter vivo o

germanismo confundia-se com os interesses econômicos da Alemanha a partir do último

quartel do século XIX e sua manutenção garantiu-se através de escolas, igrejas, associações

recreativas, esportivas e culturais.

30 GERTZ, 1987, p. 93. 31 EGGERS, José C. Sociedade Orpheu: a poesia estética de suas imagens no contexto Leopoldense. São

Leopoldo: Pallotti, 1998. p. 12.

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33

Objetivando uma continuidade na abordagem dos conceitos utilizados na pesquisa,

passemos à etnia, importante no momento em que este estudo se encontra inserido no

contexto da imigração e, nesse caso específico, nas comemorações de aniversário da chegada

dos alemães ao Rio Grande do Sul. Buscou-se em Mário Stoppino32 uma contribuição teórica.

Em Stoppino, etnia compreende um grupo social cuja identidade se define pela comunidade

de língua, cultura, tradição, monumentos históricos, território, e informa que “esta palavra

parece ter sido usada pela primeira vez em 1896 no livro Les Sélections Sociales, de Lapouge.

É sinônimo de outras expressões, como comunidade étnica e lingüística, nacionalidade

espontânea e nacionalismo sem Estado.”

Dando-se seguimento ao apresentado, acredita-se que pertencer ao mesmo território e

falar a mesma língua assim como possuir as mesmas tradições pode ocasionar nas populações

alguns vínculos de união ou de relações de solidariedade, na tentativa de viabilizarem seus

interesses coletivos. A etnia encontra-se, nesse sentido, desassociada da noção de extensão

territorial, sendo que suas peculiaridades não se vinculam a instâncias políticas de Estado.

Lembremo-nos ainda que a etnia não necessita obrigatoriamente de um Estado para manter-

se e que existem grupos étnicos divididos por fronteiras de Estados Nacionais sem

abandonar a premissa de etnias configuradas. Entretanto, para desmembrar o conceito de etnia

do conceito de nação, pode-se citar o exemplo da França, onde se encontram agregados vários

grupos étnicos, como os bascos, os alsacianos, os bretões, entre vários outros.

Contudo, Mário Stoppino alerta para uma maior criticidade quanto ao conceito de

etnia, pois o mesmo, atrelado a junções ou simbioses distorcidas, pode vir a proporcionar

certa simplificação, levando-o ao senso comum e à utilização de critérios não científicos.

Nesse sentido, o autor argumenta que:

32 STOPPINO, Mário. Etnia. In: BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. 5. ed. Brasília: Ed. da

Universidade, 2000. p. 449-450.

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34

Não fizemos o uso de raça como critério fundamental da definição de etnia. Esse conceito, tal como é normalmente usado, não tem fundamento científico. Os únicos fins com que tem sido e continua a ser usado são os de justificar a discriminação e alimentar o ódio racial, bem como o de criar e manter a hostilidade entre os grupos humanos.33

Seguindo as diretrizes do autor, pode-se dizer que, atrelado ao senso comum, o

conceito de raça designa pequenos grupos, comunidades, sociedades e até cultura. Porém, faz-

se necessária uma pequena análise teórica referente ao conceito de raça, devido à

complexidade e ambigüidade da definição que o mesmo impõe. Sendo assim, raça, para Clara

Queiroz34, vem a ser um termo que não possui correspondência precisa na linguagem

científica e que expressa uma grande dificuldade no campo da sociologia e da antropologia

para ser definido. Queiroz analisa o conceito de raça da seguinte forma: “Não existe

fundamento biológico que permita a subdivisão racial da espécie humana [...]. Nenhum ser

humano pode ser um representante típico de qualquer raça. O organismo humano permanece

substancialmente idêntico, salvo diferenças devidas à adaptação.”

Na consecução dessa pesquisa, a memória coletiva apresenta uma significativa

contribuição no instante em que estabelece relações entre o individual e o coletivo. No

pensamento de Maurice Halbwachs35, e considerando a relevância de sua obra intitulada A

Memória Coletiva, consagrada por algumas áreas do conhecimento como leitura obrigatória,

tornando-se referência clássica sobre o estudo, o autor observa que o indivíduo compreende-

se e é compreendido dentro do plano social, fazendo dessa forma com que as instituições, os

costumes, as trocas de idéias, a língua e o comportamento tornaram-se possíveis apenas com

a sociedade. A sociedade, para o autor, possui um papel determinante quando a inserção do

indivíduo está determinada pela objetivação em compreender a si e os outros, sendo assim,

as instituições humanas seriam inconcebíveis sem a sociedade. A sociedade condiciona,

33 STOPPINO, 2000, p. 449-450. 34 QUEIROZ, Clara. Raça. In: ENCICLOPÉDIA Einaudi. Porto: Imprensa Nacional, 1991. (Hereditariedade –

Organismo ; v. 19). 35 HALBWACHS, 1990.

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35

para Halbwachs, o indivíduo desde a infância até a maturidade, fazendo com que a inserção

individual dentro do coletivo pareça inevitável, uma vez que ela é o elemento transmissor

das instituições. O indivíduo apenas consegue perpetuar sua memória através do outro que

cultuará suas lembranças materiais e imateriais. Os túmulos e os monumentos apresentam-

se, então, como importantes mecanismos, fazendo com que a memória dos mortos

permaneça viva e objetivando na sociedade uma responsabilidade de propagação póstuma,

fazendo com que o indivíduo encontre dependência nos outros, objetivando a perpetuação

de sua memória.

Em Philippe Joutard36, a memória coletiva surge quando as lembranças vividas ou

transmitidas retornam de forma repetida e são apresentadas como propriedade da comunidade.

Philippe Joutard, ao analisar o conceito de memória coletiva, sugere uma espécie de

alucinação simplificada caracterizada pela idealização, como se observa em sua citação:

Ela idealiza o passado que se torna - o belo passado -, apagando as tensões sociais e as lutas de clãs numa visão unanimista e pacífica. Acontece, no entanto, que uma comunidade baseia sua legitimidade e sua identidade na recordação histórica. Mas, nesse caso, a memória é terrivelmente simplificadora: ela se organiza em torno de um acontecimento fundador onde os fatos anteriores ou posteriores são assimilados a este ou esquecidos.

As necessidades surgidas no estudo das comemorações apontam para uma abordagem

de história social, pela suposição de grupos inseridos dentro da sociedade. Nesse sentido, a

história social em sua relação com as comemorações necessita de uma abordagem conceitual

tendo como objetivo enriquecer esse trabalho e o estudo da História.

Observa-se que o estudo da História social surgiu no contexto da historiografia francesa

e foi ela quem tornou possível, este estudo, também para os historiadores. Com a historiografia

francesa, então, o estudo da história social passou a fazer parte dos domínio da História.

36 JOUTARD, Philippe. Memória coletiva. In. BURGUIÉRE. André. Dicionário das ciências históricas. Rio de

Janeiro, 1993. p. 528.

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36

Foi com os Annales d'Histoire Sociale que a preocupação em acentuar grupos sociais

limitados por características particulares surgiram, no segundo quartel do século XX, fazendo

com que a abordagem em monografias sociais sobre populações urbanas obtivessem respaldo

no estudo da história não mais restrita à sociologia. O estudo de uma história social em Yves

Lequin37 apresenta-se verossímil visualizando possibilidades quanto as suas pesquisas tendo

em vista uma observação atenta aos seus devidos critérios científicos proporcionando

credibilidade e fortalecimento à ciência histórica.

Privilegiando as histórias da vida individual e os relatos da experiência, a História Social mais recente não se distancia de um estatuto científico. À sua maneira, ela só faz adaptar-se às incertezas da identidade coletiva numa sociedade em mutação que, como ela, progride mascarada.

A colaboração entre os historiadores e um diálogo com outras disciplinas, dentre elas a

sociologia, geografia, antropologia, etnologia, psicologia, além de uma abertura para

utilização nas fontes de pesquisa em arquivos fiscais, demográficos e militares favoreceu os

historiadores, possibilitando a obtenção de uma nova abordagem em seu campo de trabalho

dentro da pesquisa Histórica.

Como encerramento das considerações exploradas sobre a memória e suas definições

correlatas, observou-se a importância na elaboração de análises de breves observações quanto

aos conceitos relacionados por essa pesquisa. Respaldados por referenciais teóricos que

fornecem conceituações necessárias e pertinentes a esse trabalho acredita-se que uma

adequação dos conceitos explorados apresenta-se imprescindível pela complexidade de

definições academicamente consistentes evitando-se o senso comum. Pois, o conceito de raça

e de etnia podem ser empregados indevidamente, levando-os a uma conotação com

significado e um sentido pejorativo. Abordagens teóricas elucidativas alicerçadas em

37 LEQUIN, Yves. História social. In: BURGUIÉRE, André. Dicionário das ciências históricas. Rio de Janeiro:

Imago, 1993. p. 723-724.

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37

referenciais teóricos variados viabilizam um enobrecimento da pesquisa, objetivando, com a

discussão teórica, auxiliar o estudo da História longe de preconceitos.

2.2.2 Os Cento e Cinqüenta Anos de Imigração Alemã no Rio Grande do Sul

2.2.2.1 As Comemorações do Sesqui em São Leopoldo

Pode-se afirmar, observando as fontes, aliás em grande número, devido a repercussão

internacional do evento, que a cidade de São Leopoldo viveu seus dias de glória no ano de

1974, quando se comemorou o aniversário de cento e cinqüenta anos da imigração alemã no

Rio Grande do Sul. Esses festejos comemorativos marcariam a história política e social não só

da cidade de São Leopoldo, mas do Rio Grande do Sul em geral. Dada a grandiosidade das

comemorações, sua repercussão na mídia, a presença de convidados ilustres, a

industrialização da cidade, o público que as prestigiou, os eventos oficiais, enfim, tudo tornou

o ano de 1974 com os festejos em uma grande apoteose em torno da imigração alemã.

Uma comitiva de ministros de Estado, juntamente com a primeira dama Sra. Lucy

Geisel, a herdeira do casal presidencial Sra. Amália Geisel, personalidades importantes da

Alemanha e, evidentemente, o próprio presidente Geisel figuraram como as mais

representativas presenças no principal dia das comemorações. A população, contudo, já havia

sido convidada para o grande dia muito antes do acontecimento, pois os jornais, as revistas, a

televisão e o rádio veiculavam o acontecimento com a ilustre presença do presidente e sua

família, também vários dos acontecimentos envolviam diretamente a população. Apesar de

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38

haver chovido no dia magno, 25 de julho, dia da chegada dos primeiros imigrantes, a

população foi às ruas homenagear o presidente da nação. Nesse dia, foi oferecido um almoço

na Sociedade Orpheu, em homenagem às autoridades ali presentes. Constavam na lista de

homenageados o ministro alemão da cultura Bernhard Vogel, representante oficial da

República Federal da Alemanha, o embaixador alemão, Sr. Horst Röding, o deputado federal

e representante do Parlamento Alemão, Sr. Franz Josef Strauss, o cônsul alemão Werner von

Beyne, o ex-cônsul alemão Cristian Zinsser, o historiador Jean Roche, quatorze jornalistas

representantes dos maiores veículos de comunicação social da RFA, o governador do Estado

do Rio Grande do Sul, Sr. Euclides Triches, o secretário da Casa Civil, Sr. Victor Faccioni, o

Presidente da Comissão Executiva do Sesquicentenário, Sr. Rodolpho Englert e,

evidentemente, o Presidente do Brasil e sua família.

Todo este séquito de personalidades não estaria em São Leopoldo por pouca coisa,

assim os festejos do Sesquicentenário, como já se comentou, foram um mega acontecimento.

Entretanto, mesmo com a envergadura política, verificada em um primeiro momento, nas

comemorações, observou-se um vácuo de estudos sobre o período que desemboca no ano de

1974, a ascensão de Geisel à presidência do Brasil, os cento e cinqüenta anos da imigração

alemã e a industrialização da cidade de São Leopoldo.

Para o principal dia dos festejos, foi construído um palanque às margens do Rio dos

Sinos, onde foi apresentado um espetáculo encenando com vários atores e figurantes, a

chegada, em 1824, dos trinta e oito primeiros imigrantes alemães a São Leopoldo.

A programação do Sesquicentenário, oficialmente, iniciou em março de 1974. Os

eventos relacionados às festividades, contudo, não ocorreram só na cidade de São Leopoldo,

mas em várias outras regiões, até mesmo em Porto Alegre, onde se verificaram, no decorrer

do ano, vários eventos ligados à Alemanha e aos alemães. Verificou-se para este estudo as

maiores incidências de eventos em cada cidade, constatando-se que, além de São Leopoldo, a

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39

cidade que mais pôs em evidencia o Sesquicentenário foi a Capital do Estado. Para dar uma

idéia desses eventos, seguem algumas programações38:

Março de 1974:

Porto Alegre - Concurso de ensaios sobre a imigração alemã patrocinado pelo Instituto de

Ciências Humanas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul;

Abril de 1974:

Porto Alegre - de abril a novembro: "Momentos Supremos da Arte Alemã", ciclo de palestras

patrocinado pelo Instituto cultural Brasileiro-Alemão;

Porto Alegre - Abertura da semana "Ruderverein Freundschaft" no Grêmio Náutico União;

Porto Alegre - concursos escolares em diversos níveis de ensino, de redações e trabalhos obre

a imigração alemã, organizado pelo Departamento de Assuntos Culturais e da Secretaria de

Educação e Cultura do Estado;

Porto Alegre - Concurso da Rainha do Sesquicentenário no Palácio do Comércio;

Maio de 1974:

Porto Alegre - Início das Comemorações dos cento e cinqüenta anos da imigração alemã na

SOGIPA, com inauguração do terceiro piso do prédio com o nome de Imperatriz Leopoldina e

placa de bronze;

São Leopoldo - Lançamento oficial da coleção de cinco selos comemorativos da série "Etnia

Brasileira", promovido pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos;

Porto Alegre - Festa típica denominada "Noite Bávara", promovida pelo Centro Cultural 25

de Julho;

Porto Alegre - Concerto do pianista austríaco Joerg Dömus, patrocinado pela Prefeitura

Municipal;

38 Relatório da Comissão Executiva para os Festejos do Sesquicentenário da Imigração Alemã no Rio Grande do

Sul e Álbum Oficial do Sesquicentenário da Imigração Alemã, p. 307-310.

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São Leopoldo - Comemoração do III centenário de nascimento do Visconde de São

Leopoldo, desembargador José Feliciano Fernandes Pinheiro, primeiro presidente da

Província de São Pedro do Rio Grande do Sul;

Porto Alegre - Dia das mães com a escolha da mãe Teuto-Brasileira mais idosa, patrocínio do

Conselho Estadual de Entidades Femininas;

Porto Alegre - Campeonato hípico com a presença de amazonas alemãs (do dia 7 ao 19);

Porto Alegre - Homenagem da VARIG em seu 47º aniversário ao Sesquicentenário da

imigração com solenidade e inauguração de placa de bronze;

Porto Alegre - Concerto do quarteto alemão "Melos Quarter", patrocínio Prefeitura

Municipal de Porto Alegre;

Junho de 1974:

Porto Alegre - Abertura do encontro de "Música Alemã", promovido pelo Centro Cultural da

PUCRS;

Porto Alegre - Comemoração do 119º aniversário da Sociedade Germânia, placa de bronze

em homenagem à Imperatriz Leopoldina, jantar festivo e baile de gala;

Porto Alegre - Festa com as comemorações de aniversário de 111º Sociedade Leopoldina

Juvenil(esta festa durou dois dias - 21 e 22 de junho - em torno da comemoração da

associação e do Sesquicentenário de imigração alemã);

São Leopoldo - Baile na Sociedade Ginástica;

São Leopoldo - Jantar de Integração oferecido pela Prefeitura Municipal da cidade;

São Leopoldo - I Salão de fotografias do Rio Grande d o Sul;

Porto Alegre - festival Brahms, no auditório do Palácio farroupilha;

Porto Alegre - Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Economistas Agrícolas, em

homenagem ao Sesquicentenário;

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São Leopoldo - dia 23.06. às 20 horas Abertura da Exposição da Casa do Imigrante Alemão,

no Museu Histórico Visconde de São Leopoldo;

Porto Alegre- Abertura da "Mostra de Artistas Teuto-Brasileiros Falecidos", promoção

Museu de Artes do Rio Grande do Sul;

Porto Alegre - Sessão festiva alusiva ao 25 de julho, Centro Cultural 25 de Julho;

São Leopoldo - Exibição de danças folclóricas com grupos alemães;

São Leopoldo - Inauguração da Feira do Sesquicentenário e Exposição da Imprensa Alemã

no RGS;

É importante mencionar-se que dia 21 de Julho do ano de 1974 foi dedicado a inaugurações

de monumentos aos Cento e cinqüenta anos da imigração alemã em diversos municípios do

Estado;

DIA 25 DE JULHO DE 1974 (Quinta-feira):

São Leopoldo - 9 h 30 min.-. hasteamento de bandeiras e hino Nacional;

- Discursos oficiais;

- Desfile e exibição de bandas alemãs;

- Réplica da chegada dos imigrantes alemães às margens do Rio dos Sinos;

- Clarinada evocativa, tiros de canhão, repicar de sinos;

- Danças folclóricas brasileiras e alemãs com grupos vindos da Alemanha;

- Bênção ecumênica;

- Almoço oferecido pela Prefeitura de São Leopoldo às autoridades visitantes;

- Inauguração do SESQUIBRAL Exposição industrial, comercial, agrícola, cultura e com

exibição de orquestra alemã;

- 18h 30 min. - Marcha até o Monumento do Centenário na Feitoria Velha com bandeiras e

tochas ;

- 20 h. - fogos de artifício , espetáculos, concertos ao ar livre;

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42

Passado o dia 25 de julho, as festividades ainda permaneceram, principalmente nas

cidades de São Leopoldo e Porto Alegre, e em São Leopoldo, as festividades somente

terminaram no dia 22 de dezembro, quando se deu o encerramento dos festejos com a

inauguração do Monumento Oficial ao Sesquicentenário da Imigração Alemã, na Praça 20 de

Setembro, e a exibição de fogos simbólicos.

As referências de várias cidades do interior do Estado e da região metropolitana

podem ser consideradas normais, já que várias dessas cidades possuem imigração alemã, mas

as constantes referencias a Porto Alegre pareciam um pouco fora do contexto, mesmo

sabendo-se da existência de vários clubes germânicos na cidade e do Hospital Moinhos de

Vento, que foi fundado por alemães. Porém, o que chamava a atenção nos eventos era a

presença do governo do Estado, como patrocinador, em todos. Havia a uma implicação nos

festejos também para os italianos, que comemorariam cem anos de imigração no ano de 1975,

talvez por isso a cidade de Caxias do Sul tenha apresentado no dia 17 de agosto de 1974 um

concerto em homenagem ao Sesquicentenário da Imigração Alemã com solistas alemães

vindos de Salzburg, na Alemanha. O patrocínio da apresentação cultural em Caxias do Sul foi

feito pela Prefeitura da cidade e pelo governo do Estado do Rio Grande do Sul.

O Governador do Estado do Rio Grande do Sul era de origem italiana39, poderia haver

algum interesse nas comemorações. Assim, para patrocinar as comemorações festivas de

diversas etnias no Rio Grande do Sul, foi criado no ano de 1973 o Biênio da Colonização e

Imigração no Estado fornecendo base para os Cento e Cinqüenta Anos da Imigração Alemã e,

posteriormente, os Cem Anos da Imigração Italiana no Estado.

O Biênio da Colonização e Imigração foi viabilizado em forma de lei pelo governo do

Estado tendo como objetivo elaborar um painel de comemorações a serem realizadas em dois

anos, que seriam, respectivamente, os anos de 1974 e 1975.

39 Governador Euclides Triches.

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43

Em 1973, portanto, antes do Sesquicentenário, o governo do Estado aprovou pelo

Decreto de número 22.410, em 22 de abril, o Biênio da Colonização e Imigração no Estado do

Rio Grande do Sul. Posteriormente foi apresentado pelo Diário Oficial de 25 de abril de 1973,

com o número 231. Esses dados se encontram no Relatório Oficial do Biênio da Colonização

e Imigração e estão anexados no final desse trabalho.

O documento apresentava as intenções do governo do Estado em integrar e

homenagear as etnias e correntes imigratórias que povoaram o Rio Grande do Sul.

No documento40 , verificam-se as intenções e atribuições do governo, que também

apresenta a exaltação de civismo daqueles povos que, depois de lutas, corajosamente

ocuparam áreas que constituem o Rio Grande do Sul.

Analisando-se os objetivos do Biênio da Colonização e Imigração, percebeu-se a

intenção em homenagear as diversas etnias existentes no Estado. Contudo, examinando-se a

documentação, percebeu-se uma maior atenção do Biênio para com os alemães e os italianos.

O símbolo do Biênio deveria aparecer em todos os eventos patrocinados pelo governo

do Estado. Como se observou, o Biênio destinava-se a proporcionar destaque a todas as

correntes de imigração no estado, porém o Relatório Oficial apresenta a seguinte transcrição:

Sua utilização foi largamente realizada, vindo a marcar todas as iniciativas postas em prática, a partir de sua criação. Desde um simples papel de correspondência até os dois maiores monumentos perpetuadores das celebrações do Sesquicentenário da Imigração Alemã e do Centenário da Imigração Italiana [...] o Símbolo do Biênio, que se tornou a imagem familiar ao povo riograndense durante os dois anos transcorridos.41

Observa-se no Relatório do Biênio a intenção prioritária em celebrar os feitos e as

contribuições pioneiras dos imigrantes alemães e italianos. Porém, não se verificou no

documento a mesma ênfase e proporção relacionando as demais correntes imigratórias que se

40 Relatório Oficial do Governo do Estado para o Biênio da Colonização e Imigração no Estado. 41 Ibid., p. 15.

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fixaram no Rio Grande do Sul, como os japoneses ou os poloneses. O Biênio da Colonização

e Imigração em seu artigo primeiro decreta:42:

Art. 1º - Fica instituído o Biênio da Colonização e Imigração, com o fim de celebrar, nos anos de 1974 e 1975, o feito dos pioneiros, o sesquicentenário da imigração alemã, o centenário da imigração italiana e a contribuição das demais correntes migratórias que se fixaram no Rio Grande do Sul.

Uma das propostas do Biênio da Colonização e Imigração era o de proporcionar ao

Rio Grande do Sul uma visibilidade internacional e para isso, utilizou-se do culto às tradições,

demonstrando o progresso da região, principalmente na Europa, na tentativa de obter

investimentos e com isso enriquecimento econômico.

Oficializado por decreto e fazendo parte da Constituição do Estado do Rio Grande

do Sul, o Biênio da Colonização e Imigração possuía uma hierarquia. No primeiro escalão

encontrava-se a Comissão Central, presidida pelo Governador e mentor intelectual do

Decreto, Sr. Triches. Logo em seguida vinha a Comissão de Honra, integrada pelo

Governador 43 e pelo Vice-Governador. Utilizando as atribuições que lhe conferiam, o

governador convidou para atuarem ao seu lado os Senadores e Deputados Federais

representantes do Rio Grande do Sul. Participavam, também, da Comissão de Honra, e a

convite de Triches, o Cardeal Arcebispo de Porto Alegre, o Presidente da Assembléia

Legislativa do Estado, o Presidente do Tribunal de Justiça, o Comandante do III Exército, o

Comandante do 5º Distrito Naval e o Comandante da 5ª Zona Aérea.

Examinando-se a documentação, pode-se concluir que havia no Biênio, a conivência

dos segmentos mais significativos de poder no Estado. Observa-se que o governo

providenciou a legitimação de sua criação respaldando-se na Igreja, no Legislativo, no

Judiciário e nas Forças Armadas. Assim, acredita-se que atrelou as comemorações e

42 Relatório Biênio da Colonização e Imigração. p. 40 (Anexos). 43 O documento sugere o poder de atuação do governador frente a escolha dos participantes nas comissões.

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festividades ao poder e aos seus protagonistas. Desse modo, o prólogo do Relatório do

Biênio da Colonização e Imigração foi uma espécie de propaganda para o governo da época.

A iniciativa do Governo do Estado de promover, nos anos de 1974 e 1975, o Biênio da Colonização e Imigração, ensejou um grande e variado programa de comemorações em homenagens às diversas correntes étnicas, que se fixaram no Rio Grande do Sul. Os imigrantes se integraram no espírito brasileiro de corpo e alma e nos trouxeram um riquíssimo legado de valores culturais e humanos [...]. O Biênio serviu para que a Europa redescobrisse o Rio Grande do Sul. Os frutos do novo e intenso intercâmbio que o Biênio veio proporcionar, em campos tão amplos e fecundos como os da economia, da tecnologia, da cultura e das artes, hão de servir certamente aos nossos foros de desenvolvimento e de civilização [...].44

O empenho, a dedicação, a distribuição de verbas com vários patrocínios, enfim, a

participação efetiva do governo do estado nas comemorações da imigração alemã

suscitaram questionamentos a que se buscou responder através de instrumentalização

metodológica baseada na História Oral. Entrevistaram-se, então, alguns personagens

importantes que se destacaram no período tanto na política quanto na sociedade. Porém,

efetuou-se uma seleção nas entrevistas para relacionar as mais significativas neste contexto.

Nesse sentido, os entrevistados que mais contribuíram foram o Presidente da Comissão dos

Festejos do Sesquicentenário Sr. Germano Möehlecke, o Prefeito de São Leopoldo entre

1973 e 1776, Sr. Henrique da Costa Prieto, e o Ministro do Trabalho Sr. Arnaldo da Costa

Prieto (atuou no governo Geisel).

Em entrevista com Sr. Germano Möehlecke45, perguntou-se a origem do dinheiro para

a consecução dos festejos verificados no resultado do empreendimento e na grandiosidade do

acontecimento. Também, quanto ao fornecimento de passagens, tendo em vista a quantidade

44 Relatório Oficial do Biênio da Colonização e Imigração, p. 9. 45 Presidente da Comissão Municipal das Comemorações do Sesquicentenário da Imigração Alemã no Município

de São Leopoldo e Vice-presidente da Comissão Central das Comemorações no Estado. Entrevista com Sr. Germano Oscar Möehlecke, efetuada no dia 6 de novembro de 2003, às 15 horas e 45 minutos no Museu do Trem na Cidade de São Leopoldo concedida à Nara Simone Roehe, aluna do Programa de Pós–Graduação em História na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Seguindo a metodologia oral, foi efetuada carta de autorização assinada pelo entrevistado e pela entrevistadora para disponibilização do material gravado juntamente com o preenchimento de dados pessoais preenchidos a punho pelo entrevistado.

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de alemães na cidade entre autoridades, bandas com todos os músicos, dançarinos, artistas,

enfim, um séquito considerável. O que ele respondeu:

Na época, essas comemorações dos cento e cinqüenta anos mexeram com todo o mundo. Houve uma comoção geral, mas, o Governador do Estado era de origem italiana, o Triches, então ele criou o biênio da imigração e da colonização. Assim, em 1974 os alemães fizeram 150 anos e no ano seguinte, 1975, os italianos faziam cem anos, então, ele nos apoiou muito, havia interesses, pois, no próximo ano seria a vez deles, os italianos. Foi a comissão dos festejos estadual quem forneceu as passagens com o auxílio e patrocínio de alguns hotéis. O governo liberava verba, o Estado, realmente apoiou bastante.

Com os dados da entrevista acredita-se no interesse do governador Triches em

enaltece, também, à etnia italiana frente a sociedade. O momento seria oportuno, tendo em

vista as saudáveis relações econômicas entre Alemanha e Brasil que engrandeceriam,

também, os italianos, na carona do Sesquicentenário.

Outro dado importante para essa pesquisa encontra-se no término de mandato do

governador Triches, que acabaria no final de 1974, assim como foi aprovado em lei, o Biênio

da Colonização e Imigração continuaria vigente, mesmo com outro governante. O que fez o

governador Sinval Guazzelli, seu sucessor regozijar-se em discurso, referindo-se à acolhida

do governo anterior frente à oportunidade apresentada pelos eventos de aniversário dos

alemães e dos italianos transpondo as fronteiras do Rio Grande do Sul. Justificando as

homenagens do governo aos imigrantes, que com a evocação étnica dos pioneiros soube

renovar os anseios de progresso do Estado e do país.

No Relatório final do Biênio, em prestação de contas ao governador, encontram-se

relacionados os interesses econômicos do Estado e que se concretizaram com as comemorações.

Segundo o Relatório, os festejos proporcionaram excelentes transações comerciais

caracterizadas nos dois eventos principais: o Sesquicentenário alemão e o centenário italiano.

Portanto, uma das propostas do Biênio da Colonização e Imigração era a de

proporcionar ao Rio Grande do Sul uma visibilidade internacional e utilizou-se do culto às

tradições para demonstrar o progresso da região na Europa, abrindo assim perspectivas de

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investimentos no Estado. Sendo assim os interesses do governo do Estado não seriam

infundados, pois demonstraria com as festividades a importância do imigrante para a

sociedade brasileira, também exibiria seus produtos exibindo o trabalho das colônias como

representativas do desenvolvimento da nação. Inserindo definitivamente o imigrante no

contexto social, político e econômico do Brasil.

É digno de nota, porém, que os participantes do teatro representando os primeiros

trinta e oito imigrantes alemãs a aportarem, em 1824, em São Leopoldo, segundo os

organizadores dos festejos, eram em sua maioria, descendentes de italianos dirigidos por

professores universitários ligados à Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

Mesmo entendendo-se nas comemorações uma descapitalização por parte do governo

estadual, verifica-se que sua iniciativa em viabilizar dois anos de comemorações objetivava

resultados dada a representatividade das festas em todos os segmentos, inclusive pelo

reconhecimento étnico e cultural relacionado à possibilidade de os imigrantes ressurgirem

como atuantes frente ao progresso e desenvolvimento do estado do Rio Grande do Sul. E na

observação do documento apresentado a seguir, pode-se entender as festividades como uma

homenagem e uma tentativa em recuperar a imagem do imigrante.

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Fonte: Arquivo pessoal Sr. Germano Möehlecke

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Em continuidade, quanto às questões de recuperação da auto-estima do imigrante

frente aos períodos anteriores de depreciação do colono na sociedade brasileira, o Sr.

Möehlecke argumenta:

Ela já vinha vindo, eu sentia isso na pele, por ser de origem alemã porque quem não sabia falar bem o português era tido como um brasileiro de segunda classe. As pessoas sentiam-se acanhadas, inclusive depois da nacionalização do Brasil, proibindo ainda o alemão. Em 1949 repuseram o colono, o monumento que havia sido derrubado, então houve o retorno e a auto–estima voltou a funcionar, mas, eu acho que aquela superioridade que havia anteriormente não existia mais. Nós tínhamos a questão da língua, de manter as tradições como uma manutenção da cultura e não para afirmar que uma nação é melhor do que a outra. Na década de 1950 já foi mudando e quando chegou as comemorações do sesquicentenário, então, já era outra mentalidade.

Quanto à visita do presidente da República, observou-se que sua presença no Estado

foi bastante utilizada pela imprensa na tentativa de ufanar a população. Nesse sentido, faz-se

necessário dizer que Ernesto Geisel atuou como o vigésimo primeiro Presidente do período

republicano e o primeiro no exercício máximo da política brasileira a seguir uma religiosidade

não católica (era luterano); sua permanência no Executivo, desde a ascensão até o término,

deu-se do dia 15 de março de 1974 até 15 de março de 1979, quando, ainda dentro de um

contexto militar com eleições indiretas, escolheu para sucedê-lo o, também, general João

Batista Figueiredo. O general Ernesto Geisel era descendente de imigrantes alemães e nasceu

na cidade de Bento Gonçalves, interior do Estado do Rio Grande do Sul no dia 3 de agosto de

1907. Assumiu a Presidência do Brasil aos 66 anos de idade e faleceu no Rio de Janeiro em

12 de setembro de 1996. O presidente era filho de Augusto Geisel, convicto luterano que

emigrara para o Brasil no ano de 188446 e que, posteriormente, tornou-se professor na região

de Bento Gonçalves. Portanto, a ascendência do Presidente surgia como uma oportunidade

que não poderia passar desapercebida, e justamente no momento em que se cultuavam às

tradições. Assim, verifica-se que a etnicidade e a posição de Geisel como líder máximo na

46 ARAUJO, Maria Celina; CASTRO, Celso. Ernesto Geisel. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1997.

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política brasileira foram utilizados como estímulo aos imigrantes e propaganda nas festejos da

imigração alemã. A revista Rua Grande47, por exemplo, referiu-se dessa forma:

E a efeméride do Sesquicentenário se engalana ainda mais por encontrar na Presidência da Republica um filho de imigrantes e colonos, o General Ernesto Geisel, e no Ministério do Trabalho, o leopoldense, Arnaldo da Costa Prieto, continuador da obra de outro leopoldense, Lindolfo Collor, criador e primeiro ocupante desse Ministério.

O Prefeito da cidade de São Leopoldo da época das comemorações de 1974, Sr.

Henrique da Costa Prieto48, ofereceu algumas contribuições a este trabalho, e em entrevista,

salientou:

Os festejos do Sesquicentenário oportunizaram a aproximação econômica do Brasil com a Alemanha. Em um primeiro momento foram enviado da Alemanha apenas cinqüenta mil marcos para iniciar a parceria, mas claro que a presença do Presidente Geisel como líder da República e sua descendência germânica contribuíram para isso. Acredito que a ascendência dele (Geisel) tenha sido responsável pela aproximação do governo brasileiro com o alemão. O desenvolvimento econômico verificado nas regiões de imigração alemã como São Leopoldo, por exemplo, não ocorreram em outras regiões do país e isso foi Geisel quem fez.

Com as palavras do ex-prefeito da cidade tentou-se verificar a veracidade dos fatos e

para isso, procurou-se a matriz no Rio Grande do Sul da Câmara de Comércio Brasil-

Alemanha sediada em Porto Alegre, onde solicitou-se documentação. Essa instituição

forneceu o auxílio de uma pessoa encarregada do setor de pesquisa e a mesma, já de início,

verbalizou que a cidade de São Leopoldo havia vivido o seu período de ouro no ano de 1974

com o governo Geisel e a instalação de empresas como a Stihl, Gedore, Barmag, Bessey,

entre outras na região, formando o Distrito Industrial da cidade. Acentuou, também, que as

Comemorações do Sesquicentenário da Imigração Alemã na cidade de São Leopoldo foram o

grande acontecimento, acentuando as relações entre as nações brasileira e a alemã. Inclusive

47 Edição Especial da Revista Rua Grande, São Leopoldo, 1974, p. 1. Museu Histórico Visconde de São

Leopoldo. 48 Henrique da Costa Prieto Prefeito da cidade de São Leopoldo entre os anos de 1973 até 1977. Entrevista

efetuada na manhã do dia 6 de novembro de 2003 às 8:00 horas na sede da Secretaria Municipal do Meio Ambiente de São Leopoldo; concedida à Nara Simone Roehe, aluna do Programa de Pós – Graduação em História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Seguindo a metodologia da história oral, segue em anexo a carta de autorização assinada pelo entrevistado.

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comentou sobre o dique de contenção das águas do Rio dos Sinos, de modo que havia, então,

mais coisas a serem pesquisadas. Quanto a um destes assuntos, verificou-se, posteriormente

na entrevista do Sr. Germano Möehlecke49 o seguinte:

A festa do Sesquicentenário foi o grande boom para a industrialização da cidade de São Leopoldo, inclusive das relações com a Alemanha. As comemorações serviram como propaganda na Alemanha. Naquela época ele não estava todo pronto ainda (o dique), eu sei que os alemães trabalhavam. Era uma obra muito cara, muito importante e que demorou muito tempo. Inclusive a gente se surpreende quando vê na televisão as enchentes deles. Aqui, a água ia até a cintura e as fábricas na beira do rio sofriam com isso. A ajuda deles, a principal, a básica, o dinheiro grosso veio da Alemanha. O governo do Estado do Rio Grande do Sul colaborou, o governo municipal, o governo federal do Brasil também, mas, para a Alemanha ficou a maior parte, um banco alemão que não recordo o nome financiou a obra. Como vinha muito dinheiro da Alemanha, o pessoal daqui começou a tomar vergonha na cara e colaborar também, aí a coisa se realizava.

Segundo o entrevistado, foram os bancos alemães que financiaram a construção do

dique que, nas palavras do Prefeito da época, Sr. Henrique Prieto fora a obra do século.

Entretanto para Möehlecke a mão-de-obra não era alemã, mas os engenheiros e o

financiamento foi todo disponibilizado pela Alemanha. Aqui vale reportar a obra de Muniz

Bandeira50 onde o autor sugere que a Alemanha necessitava de mercados para exportação e

consumo de seus produtos no intuito de desenvolver-se economicamente, assim acredita-se

que aquela nação não se privaria de prover investimentos em estrutura no Brasil obtendo com

isso uma melhor absorção de sua indústria. Observa-se a fotografia do dique nas margens do

rio:

49 Entrevista op. cit. 2003. 50 BANDEIRA, Luís A. Muniz. O milagre Alemão e o desenvolvimento do Brasil: as relações da Alemanha

com o Brasil e a América latina (1949-1994). São Paulo: Ensaio, 1994.

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Fonte: Arquivo pessoal Sr. Henrique da Costa Prieto

Quanto às empresas alemãs instaladas na cidade de São Leopoldo atribuídas ao

governo Geisel, examinando-se a documentação, verificou-se que, em especial a Andreas

Stihl Moto-Serras Ltda, inaugurou sua filial na cidade no mês de janeiro de 1973, portanto o

Presidente ainda era Médici e não Geisel, motivo pelo qual se acredita em um equívoco do Sr.

Prieto. O Sr. Möehlecke, reportando-se às empresas que se instalaram na região, argumentou

que acompanhou a comissão de estudos econômicos na Alemanha e as negociações ocorreram

entre os anos de 1972 e 1973, ainda afirmou que se recorda bem dos fatos, pois o Prefeito

Prieto concedera-lhe "carta branca".

Também, as negociações com os participantes de orquestras, os dançarinos e as

personalidades alemãs para a cidade de São Leopoldo haviam sido viabilizadas no ano de

1973, sendo assim, Geisel não possuía nenhuma relação com os contatos, já que assumiu a

Presidência somente em março de 1974. Nesse sentido, apresenta-se mais um fragmento da

entrevista do Sr. Möehlecke:

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Bom, o dinheiro das passagens foi dado pelo governo do Estado e o governo Federal não ajudou com nada. Não houve envolvimento direto, até porque era um governo militar. Foi o começo da gestão dele que assumiu em março e a festa foi em julho. Havia, porém, uma segurança muito grande, pois temia-se o que aconteceu com Kennedy, uma série de coisas foi prevista. Quanto ao Geisel, é claro que influiu, mas de forma indireta, muitos alemães vieram porque sabiam que o Brasil era governado por um presidente alemão.

O Relatório da Comissão Executiva para os Festejos apresenta na página de número

nove (9) um interesse por parte da imprensa da República Federal da Alemanha em torno dos

festejos do sesquicentenário da imigração. No documento, a vinda da imprensa tornou-se

importantíssima quando verificada a imagem distorcida do Brasil na Europa, nesse sentido as

comemorações serviriam como propaganda benéfica não somente na Alemanha, mas em todo

o continente europeu. Segundo impresso no Relatório da Comissão Executiva dos festejos, na

página 33(trinta e três) do documento, jornalistas representando veículos de comunicação

social da Alemanha estiveram no Rio Grande do Sul para fazer a cobertura dos festejos do

Sesquicentenário, e esse fato vem a corroborar a importância do evento em todo o Estado, no

país e sua repercussão mundial. Na imprensa local, apresenta-se algumas notas importantes:

O jornal Correio do Povo51 veiculou várias notas, porém aqui selecionou-se uma em

que se observa a importância destinada às colônias germânicas, ressurgindo, assim, o orgulho

de ser alemão:

As comemorações do Sesquicentenário da Imigração alemã no Rio Grande do Sul assumiram, já em seu início, dimensões das mais expressivas e tocantes. Ficou plenamente demonstrado o quanto faz parte da vida gaúcha a contribuição alemã. A visita do Presidente da República, acompanhado da família e de ministros e a presença de altas autoridades da República Federal da Alemanha comprovaram o que a colonização alemã significa para as duas nações.

O mesmo periódico reproduz a fala do Ministro da Alemanha:

A ligação entre o Sul do Brasil e a Alemanha é estreita. O Ministro Bernhard Vogel, representante do governo alemão nas festividades do Sesquicentenário ao discursar destacou: [...] Não viemos aqui para suscitar saudades, mas sim para dizer que na terra de seus antepassados, vocês não foram esquecidos [...]52

51 Correio do Povo, Porto Alegre, 26 jul. 1974. 52 Ibid.

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No segmento dado as apresentações na mídia escrita do estado, um cronista do jornal

Correio do Povo53, Sr. José Távora, segue seu discurso ufanado relacionando a encenação do

barco representando a chegada dos trinta e oito primeiros imigrantes em 1824 a São

Leopoldo:

Com a presença do Presidente Ernesto Geisel e altas autoridades internacionais e rio–grandenses, um espetáculo maravilhoso quebrou a rotina aquática do Sinos, legendário rio às margens da movimentada cidade de São Leopoldo. Foi a marca mais viva da recordação dos 150 anos de lutas em nosso Estado. Estava presente o retrospecto de famílias germânicas que galgaram os degraus da vitória nos meandros da vivência rural. Era, enfim, a réplica de um sonho hoje realidade. Um sonho que figura nos anais da história como uma imagem metamorfoseada pelo folclore, a tradição rútila do além–mar e a espiritualidade missionária [...]. Heróica, sim, em seus quadros de integração racial. Vimos ali na réplica do superlotado lanchão54 não apenas plêiade de famílias alemãs. Vimos o negro, o escravo, o índio, o português, vimos enfim, a brasilidade mais homogênea em sua mescla de raças tão bronzeadas pelo sol promissor, a espargir seus raios por planuras e coxilhas da velha Província de São Pedro.

O Álbum Oficial do Sesquicentenário apresenta em suas paginas uma fotografia com a

representação da chegada dos imigrantes com os dizeres ao lado: réplica humana e humilde da

chegada há 150 anos atrás. 55

Fonte: Álbum Oficial do sesquicentenário da Imigração Alemã

53 Correio do Povo, Porto Alegre, 30 jul. 1974. 54 O autor refere-se ao teatro representando a réplica da chegada dos imigrantes alemães ao Rio Grande do Sul. 55 DUARTE, Wolkler Tavares (Org.). Sesquicentenário da imigração alemã: álbum oficial. Porto Alegre:

EDEL, 1974. p. 298.

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Uma outra observação de sentimentalismo se pode observar na página do jornal com

os dizeres: "o general chorou ao ver a réplica de chegada dos imigrantes". Nesse sentido, a

emoção aflora na população, fazendo um chamamento ao mito do imigrante progressista,

empreendedor que sobreviveu às difíceis provações naquela terra hostil e, nos festejos dos

cento e cinqüenta anos de colonização, em 1974, ressurge tendo na presença do presidente da

republica um exemplo do imigrante vencedor.

Fonte: Jornal Correio do Povo

A revista Rua Grande em sua edição anual e comemorativa do Sesquicentenário no

ano de 1974 apresentou o seguinte prólogo:

De João Daniel Hillebrand, na verdade o primeiro grande comandante, a Henrique da Costa Prieto, Prefeito do Sesquicentenário, o prezado leitor tem em suas mãos com esse guia uma síntese do que é São Leopoldo, berço da imigração alemã no Rio Grande do Sul. O trabalho alemão desenvolvido desde a velha Collonia Allemã de São Leopoldo até a São Leopoldo do Sesquicentenário, integrado ao esforço conjunto de outras etnias, fez de nossa cidade um centro histórico, econômico, cultural, social e religioso que é o orgulho do Rio Grande do Sul. E a efeméride do Sesquicentenário se engalana ainda mais por encontrar na Presidência da República um filho de imigrantes e colonos, o General Ernesto Geisel, e no Ministério do Trabalho, o leopoldense Arnaldo da Costa Prieto, continuador da obra de outro

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leopoldense, Lindolfo Collor, criador e primeiro ocupante desse ministério [...] Temos cento e cinqüenta anos de experiência.56

Para Sérgio Alves Teixeira57, existe uma convergência de poderes com relação às

festividades, que desse modo exaltam o poder dominante sobre os poderes postos à margem e

representam no imaginário coletivo uma coesão social e uma memória manipulada. Nesse

sentido, para esse autor:

Os colonos que as festas exaltam, parece-me, não se encaminharão no rumo cogitado por Martins, nem poderia ser de outro modo, já que elas se preocupam em produzir colonos politicamente assépticos. Repito que nem poderia ser outro seu interesse, afinal seus organizadores são todos integrantes das camadas dominantes. Sem pretender fazer jogo de palavras, sem dúvida isso demonstra que o poder místico dos fracos pode ser instrumento de poder objetivo dos fortes.

Entrementes, as comemorações estão intimamente atreladas aos poderes vigentes e

tentam perpetuar uma memória através das representações simbólicas agregando vários

segmentos sociais e, no caso do Sesquicentenário da imigração alemã no Vale dos Sinos, um

apelo aos sentimentos étnicos da população fazendo uma simbiose estrutural política,

econômica e social visando a permanência dos poderes instituídos.

Enfocando o político, ou uma de suas variações nos festejos, apresentam-se as várias

manifestações de agradecimento ao Presidente Geisel, o que poderia, devido à ascendência

étnica germana do Presidente Geisel, conhecido como “o alemão”, haver favorecido o

relacionamento e um intercâmbio com a Alemanha. O jornal Vale do Sinos em sua edição

comemorativa aos cento e cinqüenta anos de imigração alemã no estado apresentou cem

páginas no dia 25 de julhos de 1974, acrescida de um encarte especial com o guia do Vale do

Sinos, e nessa tiragem observa-se uma caracterização do Presidente Geisel como sendo:

56 Revista Rua Grande. Edição Especial Comemorativa do Sesquicentenário da Imigração Alemã de 1974. 57 TEIXEIRA, Sérgio Alves. Os recados das festas: representações do poder no Brasil. Rio de Janeiro:

FUNARTE, 1988. p. 57-58.

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Fonte: Jornal Zero Hora, 25 jul. 1974.

Também, o Jornal do Comercio, editado no dia 25 de julho de 1974, em encarte

especial aos cento e cinqüenta anos da imigração no Estado, sistematizou uma epopéia da

imigração, ilustrada em quadrinhos de forma bastante didática com o titulo Tempos Heróicos,

como se pode observar em alguns momentos selecionados para este estudo.

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Fonte: Jornal do Comércio, 25 jul. 1974

Para finalizar as abordagens em alguns jornais e revistas que se analisou, apresenta-se

no jornal Vale dos Sinos e na revista Rua Grande as freqüentes manifestações de

agradecimentos a Geisel devido ao ufanismo depositado na figura do Presidente e a atribuição

do sucesso das festividades ao mesmo.

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Figuras de agradecimento à Geisel:

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Outro importante fato apresenta-se na condecoração do Governador do Estado, Sr.

Triches, sendo condecorado pelo governo da República Federal da Alemanha com a Grande

Cruz de Distinção em Estrelas, honraria concedida pelo Ministro da Educação e Cultura da

Renânia, Sr. Bernhardt Vogel. Também o Sr. Rodolpho Englert, Presidente da Comissão

Executiva do Sesquicentenário da Imigração foi agraciado com a Grande Cruz do Mérito da

República Federal da Alemanha como se observa nas fotos aqui apresentadas:

Fotos das condecorações:

Esse capítulo não poderia ser fechado sem antes abordar-se o Álbum Oficial do

Sesquicentenário da Imigração Alemã.. 58 Vista a importância política e econômica do evento de

aniversário da imigração alemã no Estado, o álbum recebeu edição de luxo, com tiragem ilustrada

58 DUARTE, 1974, p. 10-11, 220-222, 264, 284.

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e limitada em alemão e português. Porém, e o que interessa a esse trabalho, são as conclusões

obtidas através de análises do Álbum Oficial do Sesquicentenário. Uma delas encontra-se na

página nove, logo no início do álbum, onde a fotografia de Geisel aparece em destaque medindo,

aproximadamente, 30 cm., ou seja, as dimensões do álbum, munido da faixa presidencial como o

Presidente do Brasil. Outra identificação interessante apresenta-se na relação iconográfica dada à

figura do presidente e às grandes empresas alemãs inseridas no Brasil, porém sem devaneios nem

tentativas de apresentar os fatos de forma que venham a corroborar as hipóteses desta pesquisa,

acredita-se que o álbum possui uma dupla função. Escrito em alemão e português, distribuído na

Alemanha e no Brasil, ele sugere, em seu início, um presidente de origem e sobrenome alemão e,

no desenvolvimento do álbum, encontram-se filiais de grandes empresas e seus lucros no país,

assim pode-se perceber uma segurança do governo militar e uma estabilidade propagada na

Alemanha. Com isso, visando uma representação para o exterior e, internamente, uma

manifestação de orgulho para os imigrantes e seus descendentes no país. As observações

apresentadas não são infundadas tendo em vista a análise iconográfica representada na figura do

general somente rivalizando seu destaque e expressividade no encarte, com a Volkswagen, a

VARIG, a Indústria Química, a Mercedes-Benz e o Instituto Cultural Brasileiro-Alemão. E é

nesse sentido, que se acredita na identificação do álbum como um mecanismo de propaganda,

estampando, em suas páginas, o desenvolvimento dos imigrantes e seus descendentes, além,

evidentemente, de um retorno econômico proporcionado pelo Brasil às filiais de empresas alemãs.

O álbum ilustrado com sua edição especial de luxo também representa o Biênio da

Colonização e Imigração, assim na acuidade e esmero dessa edição pode-se observar a

representatividade do imigrante, principalmente alemão, projetando-se uma imagem étnica

ressurgindo em grande estilo na sociedade brasileira.

Com uma análise dos festejos dos cento e cinqüenta anos da imigração alemã, no ano de

1974, frente à documentação, observa-se uma conotação social, étnica, política e econômica.

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Social, no sentido em que mobilizou toda a população a colaborar, seja na venda dos selos

comemorativos, na organização de chás para senhoras da comunidade, juntamente com as

primeiras damas do município e do Estado, na pintura e manutenção das casas que,

patrocinados pela prefeitura e pelo governo do Estado, proporcionariam uma estética favorável

aos visitantes da Alemanha, fazendo propaganda quanto à captação de investimentos na cidade.

Então, pode-se dizer que a sociedade participou também como protagonista, espectadora,

coadjuvante e figurante nas comemorações em São Leopoldo, principalmente no momento da

representação teatral encenando a chegada dos primeiros imigrantes no ano de 1824.59

Por fim e, analisando-se as documentações, pode-se perceber que as comemorações do

Sesquicentenário da Imigração Alemã no Estado, não tiveram um caráter contemplativo e

saudosista, mas sim de interesses econômicos, onde os poderes vigentes souberam utilizar a

oportunidade dos cento e cinqüenta anos da imigração alemã fazendo uma simbiose política,

econômica, étnica e social. Porém, acredita-se que, mesmo assim, os imigrantes tiveram o seu

grande momento ou o que pode-se chamar de apoteose colonial. Nesse sentido, acredita-se

que o momento era propício para um investimento nas comemorações e a diversidade étnica

do Estado serviria como propaganda no exterior com objetivos econômicos para o

desenvolvimento do Rio Grande do Sul.

No próximo capítulo, portanto, serão apresentada as implicações relacionadas aos

imigrantes alemães onde, naquele período, uma festa grandiosa para comemorar a imigração não

seria possível e, também, as condições que viabilizaram a aproximação do Brasil com a República

Federal da Alemanha.

59 Os jornais salientaram a emoção do Presidente quando da representação dosa chegada dos imigrantes e

veicularam "o dia em que Geisel chorou".

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3 A COMUNIDADE ALEMÃ SOB SUSPEITA

3.1 IMIGRANTES ALEMÃES: UMA AMEAÇA A ORDEM VIGENTE

Em contato com as fontes observou-se que os festejos em torno do Sesquicentenário

da Imigração Alemã no Rio Grande do Sul tiveram uma repercussão nacional e internacional

devido, principalmente, ao espaço proporcionado pelos meios de comunicação social, tanto

brasileiros como alemães.

Com uma análise nas festividades em torno da imigração alemã no Estado, observou-

se que a grandiloqüência das comemorações em São Leopoldo com representantes políticos

da RFA, com a presença do Presidente Geisel e de sua família, com os vários eventos

ocorridos e com os investimentos da Alemanha na cidade não haviam ocorrido anteriormente

ao ano de 1974. Também verificou-se que com os festejos do Sesquicentenário, as regiões de

imigração alemã conseguiram um reconhecimento nacional e internacional de seus produtos e

de sua indústria que, expostos nas feiras das comemorações como a SESQUIBRAL60,

passariam a converter o colono alemão em uma espécie de símbolo empreendedor de grande

importância para o desenvolvimento do Brasil. Mas, nem sempre foi assim e, é esse histórico

que abordaremos a partir de agora.

A diversidade étnica da sociedade brasileira apresentava-se, desde o início do século

XX, como um problema frente à tentativa de padronização cultural propugnada pelos

governantes. Com a necessidade de obter um controle sobre os segmentos sociais, o Estado,

legitimado por um discurso de nacionalização, aprimorou seus mecanismos coercitivos e

60 Exposição Industrial, comercial, agrícola, cultural e esportiva iniciada em 25 de julho de 1974 até 11 de agosto

do mesmo ano, nos pavilhões da FENAC na cidade de Novo Hamburgo.

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repressivos frente à população. A criação, em 1922, do Partido Comunista e o posterior

movimento de 193561 oportunizaram ao governo brasileiro uma maior fiscalização

centralizada nas regiões de imigração. Verifica-se que, conforme o momento político, os

imigrantes alemães representariam características diferenciadas, passando de colaboradores

frente ao progresso brasileiro para posteriormente personificarem perigo e uma ameaça à

segurança nacional.

Portanto, no final do século XIX, surgiram literaturas debruçadas em um contexto

internacional inserido no Imperialismo das nações industrializadas, onde a Alemanha,

seguindo a sistemática européia, se interessaria pelo Brasil. Supostamente as regiões de

colonização no sul do país despertavam a cobiça da Alemanha ocasionando um perigo para o

Brasil. A campanha contra o perigo alemão62 obteve, segundo René Gertz63, alguns veículos

de divulgação e dentre eles apresenta:

Além de freqüentes referências ao assunto na imprensa brasileira, circularam nessa época diversos pequenos livros entre os quais cabe destacar O alemanismo no sul do Brasil: seus perigos e meios de os conjurar, de Sílvio Romero, O perigo prussiano no Brasil, de Arbivohn (pseudônimo de Raimundo bandeira), O pan-germanismo no sul do Brasil, de Raul Darcanchy; em reação aos quais, naturalmente, também surgiram escritos em sentido contrário, como A defesa da Alemanha e dos alemães do sul do Brasil, de Augusto Porto Alegre.

Com a deflagração da Primeira Guerra Mundial, as relações entre Brasil e Alemanha

foram rompidas, atingindo a rotina dos alemães ou descendentes em território brasileiro. Na

observação de Gertz64, a guerra determinou que o "perigo alemão" ultrapassasse o campo da

literatura e se configurasse em agressões que atingiriam o patrimônio cultural, material e

61 Comunistas, socialistas e tenentes de esquerda formaram em 1935 a Ação Nacional Libertadora (ANL)

liderada por Luís Carlos Prestes porém em junho do mesmo ano o governo decretou o fechamento da ANL fazendo com que em novembro militares dessa organização promovessem insurreições nos quartéis de Natal, Recife e Rio de Janeiro. Sob o comando de Luís Carlos Prestes tencionavam depor Getúlio Vargas e instaurar um governo revolucionário mas sem apoio popular o movimento conhecido como INTENTONA COMUNISTA foi rapidamente sufocado pelo governo.

62 GERTZ, René. O perigo alemão. Porto Alegre: UFRGS, 1991. 63 GERTZ, René. O aviador e o carroceiro: política, etnia e religião no Rio grande do Sul dos anos 20. Porto

Alegre: EDIPUCRS, 2002. p. 124. 64 Ibid., p. 125.

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individual das comunidades germânicas. Terminada a guerra e com a derrota alemã,

apresentou-se a supressão de seus interesses imperialistas que configuravam em perigo para o

Brasil, e a partir de 1920 as relações diplomáticas entre as duas nações foram aos poucos

sendo retomadas. Em 1922, o pastor Alfred Funke65 saiu em defesa da Alemanha, publicando

um livro referente aos cem anos da Independência do Brasil, imbuído da contribuição alemã

no período de 1822 até 1922. Observa-se que nos primeiros anos após a guerra apresentou-se

uma mobilização com a iniciativa de reconstruir a imagem dos alemães proporcionando a

restauração de seu prestígio dentro do Brasil. Objetivando a recuperação alemã frente à

sociedade, em 1922, o professor Backhäuser66, membro da Escola Técnica do Rio de Janeiro,

fundou uma agremiação representativa com seções em todo o Brasil, a essa Sociedade

Brasileira de Amigos da Alemanha, à qual aderiram várias personalidades.67 A revista O

Pharol e sua circulação no Rio Grande do Sul dentro do período também objetivava uma

eliminação do que, nas palavras de Gertz68, seria um antialemanismo.

Seis anos após o término da guerra, chegaria o aniversário dos cem anos da imigração

alemã no Rio grande do Sul, que no pensamento do Sr. Schinke:69:“Serviria como alavanca

frente à necessidade de resgatar a auto-estima das colônias”. Referindo-se ao período da

Primeira Guerra Mundial, acrescenta:

Alemães e descendentes receberam perseguições e discriminações de toda a ordem evidenciadas na área cultural e educacional também na área política ao ponto de poucos se engajarem na lide, mesmo com o desenvolvimento econômico que despontava.

Assim, segundo o entrevistado, foi organizado junto aos festejos em 1924 uma grande

exposição comercial e industrial com o intuito de demonstrar ao Brasil a pujança econômica da

65 FUNKE, Alfred. O Brasil e Alemanha, 1822-1922. Berlim: Internacional, 1923. 66 Der Auslanddeutsche, a. 5, n. 24, 1922 e a. 6, n. 7, 1923. 67 GERTZ, 2002, p. 126 68 Ibid., p. 126. 69 Entrevista de. Werner Schinke em sua residência (transformado em museu) na cidade de Estrela concedida a

Nara Simone Roehe no mês de setembro de 2002.

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região viabilizada através do setor coureiro-calçadista e recuperando a estima das colônias alemãs.

As comemorações do Centenário com a presença do Presidente do Estado Borges de

Medeiros e altas autoridades é analisada por Schinke como uma retomada de consciência por

parte dos imigrantes e sua valorização em um período em que haviam sido renegados na

sociedade brasileira.

Weber70 com seu estudo centralizado nas Comemorações da Imigração alemã em 1924

verifica que a data representou uma nova etapa na presença dos imigrantes alemães e seus

descendentes evidenciada nos movimentos de recuperação da imagem das comunidades

germânicas. Sua pesquisa analisa as comemorações do 25 de julho, também, como sendo uma

tentativa de reverter a situação criada pela guerra na opinião pública e frente à sociedade

brasileira.

Durante o conflito tanto Brasil quanto a Alemanha haviam confiscado os bens um do

outro e as indenizações de guerra caracterizavam um problema a ser resolvido pelas nações. A

década de 1920 apresentou-se como um momento de expansão da corrente imigratória e onde a

entrada de alemães superou o decênio de 1890. As implicações econômicas posteriores à guerra

na Alemanha fizeram com que os alemães buscassem alternativas em outros países e, chegando

ao Brasil passaram a obter a nomenclatura de "alemão novo". Dentre esses imigrantes, muitos

apresentavam boa formação educacional, como os militares que atuaram no exército, possuindo

formação acadêmica, mas também, entrou no país uma verdadeira escória, ao ponto de a

expressão "alemão novo" virar nome feio.71

Em 1926, assuntos relativos à imigração para o Brasil no pós-guerra continuavam

tanto que a revista Der Auslanddeutsche de Stutttgart transcrita na Deutsche Zeitung de São

70 WEBER, 2000. 71 GERTZ, 2002, p. 128.

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Paulo, mencionando a temática, apresentou uma nota com as seguintes palavras: "Oh, Senhor!

Afasta de nós essa bênção"72:

Na Primeira Guerra Mundial Brasil e Alemanha encontravam-se em lados opostos e

com o final do conflito apresentariam uma forma relativa e desarticulada em suas relações

fazendo com que na década de 1920 a comunidade germânica se mobilizasse objetivando seu

restabelecimento na sociedade. Verificando a exposição industrial e comercial alusivas às

festividades dos cem anos da imigração alemã no Rio Grande do Sul, pode-se acreditar que as

comemorações do ano de 1924 inseriram-se em um contexto de restauração da imagem do

imigrante e sua importância na formação social do Brasil. Porém, com a projeção de regimes

autoritários e a posterior instauração do Estado Novo as áreas de colonização ressurgiriam

centralizando as atenções do governo e apresentando o ressurgimento do "perigo alemão"73

inseridos nas regiões de imigração germânica.

Durante a Segunda Guerra Mundial, em 1941, Getúlio Vargas conseguiu junto aos EUA

um financiamento para consecução da obra que permitiria o desenvolvimento econômico do

Brasil. Esse acordo favorecendo a construção da Usina Siderúrgica de Volta Redonda

ocasionou, em 1942, a associação do governo brasileiro aos Aliados e a conseqüente declaração

de guerra ao Eixo. Assim, os imigrantes alemães passaram a sofrer constrangimentos e

retaliações observada nas concessões de Salvo Condutos, por exemplo.

A posição de alinhamento do Brasil frente aos americanos conferia ao governo brasileiro a

declaração de guerra aos alemães. Combatendo em lados opostos da guerra, as duas nações

apresentavam-se como inimigas, o que transformou as regiões de imigração alemã em potenciais

súditos do Reich inseridos no território nacional. Porém, é importante observar que havia

descendentes de imigrantes não politizados, representando um equívoco a generalização da inserção

72 Der Auslanddeutsche, Stuttgart, a. 9, n. 14, 1926, p. 468 apud GERTZ, 2002, p. 129. 73 "Quanto ao apregoado perigo alemão, [...] ele jamais passou de uma lenda inteligentemente explorada pelos

seculares inimigos da Alemanha" FERREIRA, J. Nunes. O Echo, Porto Alegre, a. 9, n. 3, 1924, p. 89 apud GERTZ, 2002, p. 129.

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nazista entre a comunidade alemã. Contudo, decorrente de entrevistas e documentação selecionada

observa-se um exemplo que pode traduzir uma euforia não generalizada relacionada a nova ordem

política da Alemanha. O texto a seguir é de 1934, escrito a punho foi traduzido do alemão e

encontra-se no museu da família Schinke na cidade de Estrela.

09.09.1934

Ao aniversariante Dr.Karl Schinke Rumpumblum, rumpumblum Soa por todo o vilarejo! Era um jovem da Silésia Que Karl se chamava. Ele era inteligente e organizado Dele se ouvia muitas peraltices E, enquanto estudava, muitos “copos” degustava Muito ânimo demonstrava E com isso foi a grandes viagens Como médico costurou muitos cavalheiros na África De vez em quando curava um “Hottentotte” Quem sabe com seus trapos E isso sem muita demora, Lá estava ele à espreita E para o Brasil se foi quando um navio zarpou Ele curava à sua maneira Mas nunca como o Dr. Eisenbarth! Ah! Não! Com palavras aveludadas Não como ele, quero atentar Muitos lhe agradecem a vida, Por isso seu amor enverdece e ramifica-se Em torno dele pensativo Age rápido em levar socorro ao doente Assim se passava ano e ano. Seu coração permanece na Alemanha Ele sangrava quando sua pátria sofria a desonra Mas, quando a cultura veio, A terra recebeu de Deus seu condutor Aí, viu-se ele erguer as mãos para saudar os alemães: “Heil! Hitler! Heil!” Eu participo nessa tua obra. Rumpumblum! Rumpumblum! Soa por todo o vilarejo! O homem vive já – ele não é “fraco”, um ¾ de século! Por isso não devemos deixar de lado, Devemos congratulá-lo! Um “golinho”!

Ass.: Ig - nazi - us

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Na convergência do momento e relacionado a essa proposta de trabalho procurou-se

verificar baseado no documento com descrições humorísticas do poeta a ação que possibilitou

a reação coercitiva do governo brasileiro nas regiões de imigrantes alemães. Observando-se os

versos em que o autor se refere a Hitler como o salvador trazido por deus à pátria combalida,

a saudação nazista, a assinatura do tal Ignácius em separado apresenta um ardoroso partidário

do Fuehrer. É importante salientar também, que na cidade de Novo Hamburgo havia um

núcleo Nacional-Socialista, do qual o filho do aniversariante, Guenther Schinke, fazia parte.

Em decorrência, a ação repressiva do governo fazia-se sentir e, em entrevista com o Sr.

Schinke, que vem a ser neto do homenageado, surgiram as seguintes palavras representando o

incômodo dos alemães e seus descendentes durante o período no Brasil.

Nós tínhamos que usar sempre os salvo-condutos sempre junto conosco, senão, poderíamos ser presos. Havia ainda os salvo-condutos especiais que eram para alemães natos. Essa documentação servia como uma espécie de identidade para circularmos dentro das regiões de São Leopoldo e Novo Hamburgo, principalmente, esse era o meu caso.

A política de repressão social e as atribuições de departamentos como o DOPS fornecem

uma documentação importante para o estudo de conflitos sociais com suas características de

sujeição ou de resistência. A utilização destes órgãos fazia com que o governo conseguisse manter

seu caráter autoritário objetivando a imposição de um pensamento oficial dentro da sociedade, no

qual os imigrantes e seus descendentes encontravam-se, supostamente refratários. Então, como

elementos exógenos, os imigrantes deveriam cumprir determinadas leis, como circular munidos

de documentação especial, por exemplo. Assim, os salvo-condutos para imigrantes eram bastante

comuns no período da guerra.

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Documento com data de 1942 fornecido pelo DOPS74

Especial para Estrangeiros.

Figura: Salvo-Conduto Especial para estrangeiros Fonte: Acervo particular Sr. Werner Helmuth Erich Schinke

74 Delegacia de Ordem Política e Social obtido como um dos órgãos de política repressiva do governo Vargas.

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Documento obrigatório aos descendentes de alemães75 em 1943.

Figura: Salvo-Conduto para imigrantes Fonte: Acervo particular Sr. Werner Helmuth Erich Schinke

75 Salvo Conduto Comum utilizado por descendentes de alemães obrigatório para a circulação dentro da área

metropolitana; fornecido pelo Sr. Werner Schinke quando da entrevista.

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A repressão enfrentada pelos imigrantes alemães no Brasil durante o Estado Novo

sugere, como se pode observar, uma situação complicada e de minimização da imagem do

colono passando a ser um cidadão de segunda classe, além de perigoso. Esse dado pode-se

observar no documento a seguir, onde o Sr. Wolfram Metzler, ao receber como pagamento

uma arma de fogo, por serviços prestados, foi condenado e preso em 1942, por ser

considerado alemão armado e perigoso. A documentação posterior, no entanto, apresenta a

absolvição do Sr. Metzler, mas somente no ano de 1946, quando o autoritarismo de Vargas já

havia arrefecido.

Figura: Procuração do Sr. Wolfram Metzler para sua esposa em virtude de sua prisão, em 1942. Fonte: Acervo particular Sr. Nocolau Metzler

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Figura: Alvará de soltura concedido ao Sr. Wolfram Metzler no ano de 1944 Fonte: Acervo particular Sr. Nicolau Metzler

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Com base nas fontes apresentadas, acredita-se que a iniciativa do governo do Estado

em criar o Biênio da Colonizacão e Imigração, patrocinando esses eventos, possuía, além da

intenção econômica, também proporcionar uma melhora na imagem do imigrante como

elemento de grande contribuição para o Rio Grande do Sul.

Um estudo que aborda a diversidade étnica, principalmente as perseguições contra os

alemães e seus descendentes durante a Segunda Guerra Mundial, encontra-se na tese de

doutorado de José Plínio Fachel.76 Este autor pesquisou alguns acontecimentos na região sul

do Estado do Rio Grande do Sul.

Assim, verificou-se que as regiões de imigração, no Brasil, apresentaram formas

diferenciadas conforme o olhar e o momento político em que se encontravam.

Mas, terminada a Segunda Guerra Mundial, as coisas mudariam e surgiria uma nova

ordem delimitada pelos vencedores que se dividiriam em dois blocos de poder, um no Leste e

outro no Oeste.

Estabelecidos os poderes dos vencedores e dos vencidos na guerra, os países

periféricos, atrelados diretamente a um dos dois blocos, estavam impedidos, por eles, de uma

ação independente nas suas relações exteriores que assim, perpetuavam suas dependências e

estagnariam seus desenvolvimentos. Foi, entretanto, no início da década de 1950.77 que a

denominada Guerra Fria tornou-se quente, acirrando as disputas entre os dois grandes blocos

representados pelos Estados Unidos da América e pela União das Repúblicas Socialistas

76 FACHEL, José Plínio. As violências contra alemães e seus descendentes durante a Segunda Guerra

Mundial em Pelotas e São Lourenço do Sul. Pelotas: UFPel, 2002. 77 Historicamente o auge da Guerra Fria deu-se entre os anos de 1950 e 1954, período imediatamente posterior à

vitória da revolução chinesa e à explosão da primeira bomba atômica soviética (1949), também período da Guerra da Coréia. Nos EUA os senador republicano Joseph Mac Carthy (1907-1957), promoveu uma verdadeira "caça às bruxas" denominada Macarthismo com uma série de retaliações contra órgãos públicos em todas os segmentos da sociedade mas, principalmente no meio intelectual. Combatia contumazmente os democratas. Contudo, o poder do senador emanava das eleições de 1952, quando obteve a presidência do Congresso, com total apoio da ala conservadora republicana. Sua tese consistia em que os infortúnios dos Estados Unidos em política externa somente poderiam ser explicados pela infiltração, na máquina governamental, de espiões comunistas e seus acólitos, que suprimiam a ação do Estado, permitindo, assim, a vitória da União Soviética. In: BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. 5. ed. Brasília: Ed. da Universidade, 2000. p. 725-726.

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Soviéticas, que tentariam captar para si as outras nações, objetivando o domínio do mundo

sem consultar ou obter uma prévia escritura de Adão.

3.2 CONJUNTURA EXTERNA BIPOLAR

3.2.1 Brasil x EUA: dissensões em uma parceria

Em uma estrutura externa pontuada pela Guerra Fria, frente aos antagonismos

polarizados pelos epicentros Washington e Moscou, optou-se pelas relações do Brasil para com

os Estados Unidos da América. Essa opção deve-se, evidentemente, ao tradicional alinhamento

político e econômico brasileiro para com os norte-americanos desde a Segunda Guerra, quando

Vargas negociou o financiamento da Companhia Siderúrgica Nacional, em 1941, com os EUA

associando-se aos aliados como já se mostrou neste estudo.

O término da Segunda Guerra Mundial modificou a estrutura internacional, fazendo

com que países como o Brasil ambicionassem uma certa inserção econômica frente à situação

externa caracterizada pelo predomínio das potências do Leste e do Oeste.

Havia, imperativamente, uma necessidade de representação no mercado político

internacional com uma efetiva intensificação nas relações exteriores objetivando fortalecer as

diretrizes para uma política externa independente (PEI).78 Além da convergência política,

78 A iniciativa de uma política externa independente havia sido adotada, timidamente, por Vargas, aprofundada por

Juscelino Kubitschek, fortalecida nos governos de Jânio Quadros e João Goulart. Com a intervenção dos militares, a PEI foi abandonada; mais tarde, com as divergências de interesses entre Norte e Sul, tal política foi retomada com os generais Costa e Silva, com Médici e, principalmente, com Geisel. Contudo, é importante salientar que Cuba continuou fora das relações internacionais brasileiras até o ano de 1985, com José Sarney no poder.

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ideológica e econômica, o Brasil encontrava-se alinhado geograficamente à potência

Ocidental e essa situação geopolítica compelia os norte-americanos a uma hegemonia, no

sentido de obter, na região, importante mercado externo e parcerias político-econômicas,

mantendo sua predominância no continente e a propagação do seu modo de produção79,

contrapondo-se aos russos.

Os EUA, após a Segunda Guerra Mundial, objetivaram como prioridade a contenção do

comunismo e, para isso, intensificaram suas relações internacionais, principalmente as com a

América Latina. A convergência do olhar norte-americano para a América Latina e sua

preocupação deram-se inicialmente com a Guatemala, onde o governo cooperava desde a década

de 1930 com os EUA. Empresas norte-americanas, como a United Fruit Company, eram as

maiores proprietárias de terras no país em que o governo, durante a Segunda Guerra Mundial,

havia sido grande colaborador dos EUA. Nesse sentido, torna-se importante a citação de Schoults:

“A ditadura de Jorge Ubico cooperou extensivamente com os EUA durante a guerra, mas sua

maior contribuição fora permitir que o FBI destruísse a colônia de imigrantes alemães”.80

Havia a necessidade de contenção do comunismo, que, desde o início da Guerra Fria,

preocupava os norte-americanos. As atenções contudo voltavam-se para a Europa, devido a

sua proximidade com a Rússia, tanto que o plano Marshall81 de colaboração econômica para

os países perdedores na Segunda Guerra havia sido destinado não simplesmente com o intuito

de refazer as nações destruídas pela guerra, mas, sobretudo, neutralizar o poder dos soviéticos,

porque o continente europeu tornara-se o foco do confronto entre o comunismo e o

capitalismo.

79 No contexto de Guerra Fria com as hostilidades ideológicas declaradas entre EUA e URSS, optar-se-á pelo

conceito de "modo de produção" como representação sócio-econômica das potências antagônicas. Porém, com a queda do bloco socialista, tornou-se comum a utilização do conceito de sistema de mercado, cunhado pelo americano John Galbraith, na década de 1990.

80 SCHOULTZ, Lars. Estados Unidos: poder e submissão. São Paulo: EDUSC, 2000. p. 373-374. 81 Plano de desenvolvimento econômico para os países perdedores no pós-guerra, derivado do nome do

Secretário de Estado Norte-americano, George Marshall.

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No período que precedeu a Segunda Guerra, no entanto, a América Latina estava

longe da ameaça comunista; contudo, com a mudança de governo na Guatemala, sua reforma

agrária e a desapropriação das terras de empresas norte-americanas urgia a necessidade de

uma política intensiva, pois o germe vermelho havia atingido o continente americano.

Com a revolução cubana, em 1959, e sua posterior guinada para a esquerda82,

alinhando-se aos soviéticos, que culminou, durante o período, na crise dos mísseis83, durante o

governo do democrata John Kennedy (1960-1963), nos EUA, os norte-americanos mudaram

para um posicionamento mais efetivo e coercitivo frente à América Latina, neutralizando e

intimidando essas nações.

Inserido no contexto latino-americano e encontrando-se na região meridional,

propugnando por um engajamento político com a potência do bloco Ocidental, o Brasil

surgiria como peça importante, tentando, no período, uma certa independência nas suas

relações exteriores.

A tentativa dos governos brasileiros em conseguir novos parceiros comerciais,

objetivando seu desenvolvimento econômico, será mostrada num breve panorama, que aborda

os primórdios dos desentendimentos entre os EUA e o Brasil, com uma posterior aproximação

brasileira com a República Federal da Alemanha, ou RFA.

A conjuntura internacional pontuada pelo sistema bipolar apresentando divergências

de interesses entre Brasil e EUA registra uma assimetria no relacionamento entre ambas as

nações. Observa-se que, no final da Segunda Guerra Mundial, portanto no início da década de

1950, já surgia uma competição entre os norte-americanos e a Alemanha pelo mercado

82 BOBBIO, Norberto. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. São Paulo: UNESP,

1995. Ver também, ALTMANN, Werner. México e Cuba: revolução, nacionalismo e política externa. São Leopoldo: UNISINOS, 2001.

83 Compreendida a poucos quilômetros da Flórida, a Ilha de Cuba tornara-se indigesta para os americanos durante a Guerra Fria; no ano de 1960 Kennedy assumiu o poder; em 1961 rompera relações diplomáticas com Cuba.

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interno brasileiro, transformando o Brasil em um campo propício para uma batalha

econômica entre as duas nações industrializadas.

A disputa econômica, que envolvia diretamente a potência do norte e a Alemanha

Ocidental, se deflagraria, em conseqüência, na instalação das indústrias automobilísticas de

ambas as nações em território brasileiro.

Para tanto, tomando-se por base os antagonismos entre Brasil e EUA, em um contexto

de bipolaridade internacional, apresentar-se-á um breve histórico dessas relações discordantes,

o qual se centrará, em um primeiro momento, na instalação da indústria automobilística.

Contudo, o segmento energético, as divergências econômicas entre Brasil e EUA,

estabelecidas pelo Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) e pelo Fundo Monetário

Internacional (FMI), serão abordados com o objetivo de demonstrar o que levou o Brasil a

procurar novas vias de mercado e aproximar-se da Alemanha.

Desde o início da Guerra Fria, término da Segunda Guerra, o governo do general

Eurico Gaspar Dutra (1946-1951) foi surpreendido por um desequilíbrio na balança comercial

configurado na diminuição das taxas de exportações e excessos nas importações.

O Brasil seguia, naquele momento, um liberalismo econômico e não havendo mais

como escoar suas exportações para a Europa, passou a depender, quase que exclusivamente,

dos Estados Unidos da América. Nesse sentido, importava dos norte-americanos desde

automóveis, artigos de luxo, aparelhos eletrodomésticos até matéria plástica. Muniz

Bandeira84, ao tratar das relações Brasil e Alemanha, pronuncia-se da seguinte maneira quanto

ao nosso relacionamento com os EUA:

Essa dependência tornara-se incômoda, pois, no contexto da Guerra Fria, alinhara incondicionalmente o Brasil aos EUA, ao ponto de proscrever o Partido Comunista e romper ligações comerciais e diplomáticas com a URSS, sem nada receber por tamanha devoção.

84 BANDEIRA, 1994.

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As críticas ao governo Dutra faziam-se ecoar, e Getúlio Vargas, por seu turno,

pronunciava-se85 no sentido de denunciar o governo de seu sucessor86 Vargas divergia,

também, das elites políticas e militares internas na maneira em que os Estados Unidos da

América, através do Plano Marshall, disponibilizaram vultuosos capitais para a reconstrução

da Europa, sobretudo para a Itália e a Alemanha, nações que combatera durante a guerra;

assim, Getúlio Vargas verbalizava87 seu ressentimento devido à supressão de investimentos

econômicos por parte dos americanos ao Brasil com a conivência das elites nacionais.

Durante seu retorno à presidência, de 1951 até 1954, o nacionalismo apregoado por

Vargas em sua nova gestão contrariava os interesses norte-americanos. Sua administração

suscitava, evidentemente, manifestações discordantes dentro da sociedade, principalmente nos

segmentos mais conservadores, que acentuavam uma certa frivolidade de esquerda no

governo, visando, dessa forma, os interesses da URSS em detrimento dos Estados Unidos da

América.

Mormente no ano de 1951, no cumprimento das funções do Executivo, Vargas enviou

um memorando aos EUA apresentando interesse na instalação de uma indústria

automobilística no Brasil; essa empresa seria a Ford Motor Co., a ser instalada no estado de

São Paulo. Porém, a empresa americana rejeitou a proposta, aceitando, sim, a fabricação mas

não montagem de veículos automotivos no país. Vargas criou uma comissão enviada aos

EUA, mais especificamente a Detroit, sede da indústria Ford. No entanto, arrefecendo a

negociação, a comitiva foi informada de que a implantação de uma indústria no Brasil seria

dispendiosa e bastante complicada. Dessa maneira, para dissuadir os americanos, em janeiro

de 1953 inaugurou-se a primeira exposição brasileira de peças e acessórios para automóveis

85 Pronunciamento de Getúlio Vargas na noite de 31.12.1951. Bericht, Conselheiro Hans U, von Marchateler ao

Auswärtiges Amt, Rio de Janeiro, 04.01.1952, Auswärtiges Amt, AA-PA, Band 2,205-00/9 2.205 Tg G. Nr. 9/52 . Cf. BANDEIRA, 1994, p. 69-72.

86 É necessário lembrar que Dutra foi sucessor de Vargas em 1945 e antecessor em 1951. 87 Telegrama secreto. Embaixador Herschell V. Johnson ao departamento de Estado, Rio de Janeiro, 09.05.1952,

8 p.m., NA 800-05/325-925; telegrama Memorandum, confidencial, a) Sterling J. Cottrel, Office of South America Affairs, Washington, 12.01.1953, NA 923/ 512/1 - 1253. Id., Ib.

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no Rio de Janeiro. Dessa forma, a repercussão da exposição fez com que a Ford inaugurasse

em São Paulo uma planta de montagem, mas Henry Ford II, como represália a Vargas,

cancelou sua visita ao Presidente, visto que o governo de Vargas, no sentido de promover o

desenvolvimento nacional, proibira a importação de peças e acessórios para automóveis

fabricados no Brasil.88

Durante o mesmo ano de 1953, também a General Motors iniciou sua planta de

montagem em São Paulo, mas tanto essa quanto a Ford dificultariam as negociações alegando

não haver, no mercado brasileiro, uma demanda suficiente para viabilizar o projeto de ambas

as empresas.

Nesse contexto de iniciativas bilaterais e tentativas conciliatórias, a República Federal

da Alemanha entrou no cenário, fomentando uma competição entre as empresas

automobilísticas alemãs e americanas pela fatia do incipiente mercado brasileiro. Assim, a

Mercedes-Benz e a Volkswagen apresentaram propostas de instalação, porém, em

consonância com as indústrias norte-americanas, a não montagem de veículos no Brasil.

Mais tarde e, passada a sucessão com o suicídio de Vargas, durante o governo de

Juscelino Kubitschek (1956-1960), foi criado o Grupo Executivo da Indústria

Automobilística, com a sigla de GEIA, que viria a inaugurar uma fábrica da Mercedes no

Brasil; assim, instalou-se no país a fábrica da DKW-Vemag, que deu início à produção do

automóvel DKW.

Portanto, incentivada pelo processo de instalação automobilística iniciado, no final de

1957, a Volkswagen começou a produção de suas caminhonetes ou utilitários, denominados

Kombi.

Com o transcorrer do ano de 1958, o fornecimento de veículos da empresa

Volkswagen chegara a 27% de peças nacionais comprometendo-se a alcançar 90%89 até o

88 BANDEIRA, 1994, p. 125. 89 Ibid., p. 125.

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final daquele ano. Então, diante desses fatos, o Consulado-Geral da RFA em São Paulo

manifestou-se dizendo que: "foram as empresas alemãs que compeliram as americanas a

começarem no Brasil suas fabricações, se o mercado não quisessem perder."90

Analisando-se a conjuntura interna brasileira, observar-se também que com a

introdução das empresas automobilísticas a vulnerabilidade de combustível no Brasil

aumentara, tornando-o frágil quanto à crise energética que posteriormente, e de forma

profunda, assolaria o mundo Ocidental.

Grosso modo, pode-se dizer que foi no final da década de 1950 e por iniciativa do

governo Kubitschek (1956-1960) que o Brasil se tornou dependente do petróleo importado.

Kubitschek implementara, em sua gestão, um plano global para o desenvolvimento da

economia nacional, cujo objetivo centralizava-se na melhoria das condições em infra-estrutura

para o desenvolvimento da indústria. Seu governo propugnava, para o segmento da energia,

do transporte, da indústria de base, além da educação e da alimentação, uma atenção especial,

visualizando um desenvolvimento econômico de cinqüenta anos em cinco.

O governo Kubitschek necessitava, em concordância com sua proposta de campanha,

viabilizar estradas de rodagem no intuito de interligar as distantes regiões brasileiras. Dessa

maneira, implementara um sistema de transporte que potencializara as rodovias em

detrimento das vias férreas.

Nesse sentido, para Thomas Skidmore91, "em um país tão vasto, o custo inicial por

milha era mais baixo para construir uma rodovia do que uma ferrovia".

Entrementes, com a implementação de fábricas estrangeiras, como a Ford e a

Mercedes, os caminhões cruzavam o país em estradas pavimentadas que, segundo o governo,

eram menos onerosas, exigindo um capital menor do que o investido na via férrea. Os

caminhões em circulação passaram a utilizar como combustível o óleo diesel, que, durante o

90 BANDEIRA, 1994, p. 125. 91 SKIDMORE, Thomas E. Brasil: de Castello a Tancredo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. p. 350.

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período, encontrava-se em abundância no mercado internacional e, para minimizar os custos,

a Petrobrás, empresa petrolífera nacional criada por Vargas, incumbia-se do refino e da

distribuição do óleo importado.

Concomitante à uma industrialização em curto prazo promovida por JK no final da

década de 1950, o Brasil passava por um grande obstáculo, que se refletiu na falta de energia

para atender à demanda do crescimento interno e à aceleração industrial.

Fazia-se necessário para o país a capacitação de geração térmica de energia para

sustentar, nesse período, a grande expansão da indústria.

Segundo especialistas da época, o Brasil encontrava-se neutralizado quanto a reservas

energéticas, e essa supressão ou despreparo configuraria uma iminente paralisação nacional,

devido à sua dependência do exterior. Dessa forma, subtraído de reservas energéticas e com a

aceleração industrial, durante os próximos anos, o Brasil entraria em colapso. Também as

oscilações internacionais no preço do petróleo, elemento indispensável à construção econômica

brasileira, tornaram-se um problema no período em que o país tentava posicionar-se frente às

outras nações em uma conjuntura externa de poderes polarizados entre EUA e URSS.

Pode-se observar, portanto, que o Brasil tornara-se, especialmente durante as décadas

de 1950 e 1960, suscetível à gangorra do mercado internacional, devido à sua dependência de

importação energética.

Dando seguimento ao que foi apresentado anteriormente, as relações entre Brasil e

Estados Unidos estavam, aos poucos, refluindo, desde o final da Segunda Guerra Mundial.

Porém, com a intervenção militar92 no ano de 1964, os governantes brasileiros ainda tinham

92 Como discussão teórica, o conceito de Revolução não será empregado nesse estudo devido ao seu caráter

social participativo. Segundo Dreifuss, a ação da elite diferencia o movimento de classe que levou à intervenção em 1º de abril, a um mero golpe militar. Ver: DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. Petrópolis: Vozes, 1981. A terminologia "golpe", no entanto, para Souto Maior, apresenta uma conotação simplista o que, no caso brasileiro, em 1964, possui certa veracidade; nesse sentido, usar-se-á a expressões movimento militar e ou intervenção do exército. SOUTO MAIOR, Luiz A. A diplomacia econômica brasileira no pós-guerra (1964-1990). In. ALBUQUERQUE, José Aguilhon (Org.). Sessenta anos de política externa (1930-1990). São Paulo: Cultura, 1996. v. 1. Crescimento, modernização e política externa. p. 267-296.

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nos Estados Unidos da América um possível aliado para sua Política Externa. Nesse sentido,

nos primeiros anos dos governos militares e, principalmente, nos governos dos generais

Castello Branco e Costa e Silva, as exportações de produtos brasileiros para os EUA caíram

consideravelmente. Essa diminuição, contudo, deu-se, segundo Lohbauer93, de forma

estrutural e não política. Para esse autor, o Brasil encontrava-se politicamente, naquele

momento, bastante favorável às posições do Departamento de Estado Norte-americano.

Indubitavelmente, durante o governo do general Costa e Silva (1967-1969), no

contexto militar, observa-se uma retomada ou iniciativa de desarticulação com o domínio da

potência norte-americana. Mormente, para entender-se os primórdios da aproximação do

Brasil com Alemanha, principalmente durante o governo Geisel, que é o mote desse estudo,

deve-se historiar os principais acontecimentos que possibilitaram um distanciamento das

relações entre Brasil e Estados Unidos da América.

Nesse sentido, o Brasil, durante o período estudado, necessitava de maior liberdade

econômica para transitar e viabilizar sua autonomia, tentando, assim, uma aproximação com

os países periféricos em uma conjuntura polarizada, desvinculando-se ou neutralizando a

inserção das potências dominantes dentro do território nacional. Havia, nesse contexto, a

urgência de uma Política Externa Independente para captar novas parcerias e desenvolver suas

diretrizes econômicas. Entretanto, alguns problemas se apresentariam causando instabilidade

nas relações entre Brasil e Estados Unidos. Tais implicações enfrentadas pelo governo

brasileiro levariam ao arrefecimento nas relações com o Norte e estariam relacionadas

diretamente com o segmento energético nuclear para o abastecimento industrial brasileiro.94

Terminada a Segunda Guerra Mundial e estabelecida a dualidade de poderes entre

Leste e Oeste, os EUA passaram a suprimir, com relativo sucesso (exceto os casos da França,

93 LOHBAUER, Christian. Brasil - Alemanha: fases de uma parceria (1964-1999). São Paulo: Fundação

Konrad Adenauer, 2000. 94 SKIDMORE, 1988.

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Inglaterra e, obviamente, Rússia), a proliferação da tecnologia nuclear. Nesse sentido, as

nações periféricas, não possuindo outra alternativa, deveriam obter a transferência de

tecnologia nuclear por meio de uma grande potência. No caso do Brasil, como já fora

evidenciado anteriormente, a potência seriam, obviamente, os Estados Unidos da América.

Historiando assim, as relações bilaterais entre o governo brasileiro e a potência do

Norte, observa-se que, desde a década de 1960, os americanos do norte tornaram-se o

principal investidor no Brasil, chegando a configurarem o maior parceiro comercial, inclusive

durante a intervenção militar.

Porém, a agenda energética fomentaria um acirramento nas relações entre o Norte e o

Sul e deixaria, nesse momento, de transitar na órbita econômica, passando, diretamente, para

a esfera da política estratégica de segurança nacional.

Consonante ao período, os EUA enviariam, em julho de 1967, em ação diplomática, o

presidente da Comissão de Energia Atômica Americana que tentara persuadir o governo

brasileiro a atender a política de desarmamento das potências nucleares a realizar-se no

encontro de Genebra.

No final da década de 1960, o general Costa e Silva, apoiado pela direita nacionalista

das Forças Armadas, recusava-se a assinar o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares

(TNP), considerando-o discriminatório95. Observava que o Tratado de Não Proliferação de

Armas Nucleares deveria ser desaprovado, pois serviria como um mecanismo utilizado pela

União Soviética e por Washington como que preventivo na preservação de suas hegemonias

frente aos países não industrializados; tanto que o Embaixador Mário Gibson Barboza96, então

Ministro das Relações Exteriores, chegou a caracterizar o TNP como "leonino" na defesa dos

interesses das corporações do Leste e Oeste, frente à transferência tecnológica às nações que

95 BANDEIRA, 1994, p. 191-192. 96 BARBOZA, Mário Gibson. Na diplomacia: o traço todo da vida. Rio de Janeiro: Record, 1992.

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necessitavam, em um curto e médio prazo, do desenvolvimento industrial.97 Dessa forma,

acreditavam que estariam estagnando seus desenvolvimentos econômicos internos e

perpetuando suas dependências frente às nações industrializadas que pretendiam manter seu

status quo mundial. No ano de 1968, o governo Costa e Silva, por não compactuar com o

programa nuclear americano, entrara em contato com a Alemanha Ocidental objetivando a

possibilidade de um acordo de cooperação mútuo entre os dois países, pois a RFA desenvolvera,

em nível de demonstração técnica dois processos para separação do isótopo U-235.98 Nesse

momento, entretanto, a iniciativa alemã divergia do Tratado de Paris (1955) que, como

retratação de guerra, sancionava a impossibilidade daquela nação em produzir urânio

enriquecido em escala industrial dentro de seu território. Impossibilitada da viabilização

energética e na esfera capitalista, então, a Alemanha supria seu fornecimento interno

diretamente dos Estados Unidos.

O governo Costa e Silva, divergindo das iniciativas norte-americanas, entretanto,

assinara o Tratado para Proscrição de Armas Nucleares na América Latina na cidade do

México. A nação brasileira posicionava-se, inclusive, como um de seus principais

articuladores99 a iniciativa, evidentemente, transgrediria o alinhamento Norte-Sul e viria a

arrefecer os ânimos com os Estados Unidos.

No ano de 1972, durante o governo do general Médici (1969-1973), portanto, o Brasil

firmava as negociações com a empresa americana Westinghouse para a instalação da primeira

usina de produção de energia nuclear em Angra dos Reis no Estado do Rio de Janeiro.

97 É importante salientar-se que a transferência de tecnologia atômica proporciona aos receptores, tanto o

desenvolvimento energético viabilizando, assim, a energia necessária para a industrialização como, também, a produção de materiais bélicos como a bomba atômica, por exemplo. Nesse sentido torna-se difícil, em uma inspeção, a caracterização da produção energética para fins econômicos e ou militares.

98 BANDEIRA, 1994, p. 191. 99 Tratado de Tlatelolco no México em 1967; Ver: PALMA, Hugo. América Latina: limitación de armamentos

y desarme en lá región. Lima: CEPEL, 1986.

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Observa-se que as empresas norte-americanas Westinghouse e a General Electric

possuíam 50% na fatia do mercado internacional de reatores e preservavam para os Estados

Unidos todo um monopólio tecnológico.

Mesmo firmado o acordo, o governo brasileiro não compactuava com as imposições

das empresas americanas que suprimiram o conhecimento do detalhamento tecnológico,

segundo observara o então Chefe do Gabinete Militar.100

O impasse, contudo, dava-se na esfera da insatisfação dos militares brasileiros

inconformados com o monopólio norte-americano frente a instabilidade de provisão do urânio

enriquecido fornecido pela nação norte-americana. Também as sanções impingidas pelas

empresas monopolizadoras de energia nuclear impossibilitavam que o Brasil obtivesse a

transferência dos conhecimentos científicos e tecnológicos, tornando-os dependentes dos

norte-americanos. Alijavam o governo brasileiro de todo o acesso do ciclo de produção da

energia nuclear, tornando-o incapaz de desvencilhar-se da dependente importação proferida

pela chancela das corporações norte-americanas. Dessa forma, tornar-se-ia improdutivo o

acordo, pois a provisão do urânio que efetivamente levaria à diminuição da dependência

energética externa brasileira somente se concretizaria com a absorção de toda a tecnologia

nuclear importada, formando, assim, um impasse político-estratégico para a segurança e a

soberania nacional.

Portanto, como observou-se anteriormente, desde o final da década de 1960, tornara-se

imperativo para o governo brasileiro, sobretudo devido ao seu desenvolvimento interno e a

acelerada industrialização, a emergência de capacitar o país com fontes alternativas de

energia.

Posteriormente, solapado pelo antagonismo no Oriente Próximo, o Brasil propugnava

uma ação bilateral no sentido de tornar-se independente frente ao abastecimento energético

100 General Hugo Abreu, Chefe do Gabinete Militar e Secretário Geral do Conselho de Segurança Nacional no

Governo de Geisel. Ver: ABREU, Hugo. Tempo de crise. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979.

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externo. Dessa forma, não sucumbiria às desfavoráveis oscilações no preço de mercado e nem

às incertezas quanto ao suprimento do produto que, como se observou anteriormente, devido a

sua demanda interna, tornara-se dependente.

Centralizando-se, então, os indicadores que proporcionariam a assimetria da parceria

Norte-Sul e afetariam as relações entre o Brasil e os Estados Unidos, entrar-se-á na

implicação energética, propriamente dita, viabilizada pela supressão no petróleo de conjuntura

internacional que afetou diretamente a nação brasileira.

Nesse sentido, foi durante o ano de 1973 que se apresentou ao mundo a vulnerabilidade

das nações com relação ao suprimento de energia fornecido pelo Oriente Médio.

As ações beligerantes entre israelenses e palestinos, desde 1967101, com a posterior

retomada dos territórios, provocara uma guerra no ano de 1973102, que se tornaria

determinante na dinamização do abastecimento externo de petróleo.

As hostilidades nas regiões petrolíferas culminariam na elevação venal do petróleo no

mercado internacional, tornando-se impraticável sua aquisição pelas outras nações. Os

acontecimentos no Oriente Médio protagonizados pelos países exportadores de petróleo,

evidentemente, viabilizaram uma supressão mundial no abastecimento internacional do

produto.

Indubitavelmente, na deflagração da denominada Guerra do Yom Kippur, percebia-se

claramente as posições seguidas pelos Estados Unidos da América e pela União Soviética,

coincidentemente as grandes potências protagonistas da bipolarização mundial.

101 Guerra dos Seis Dias protagonizada por Israel, na qual anexou ao seu território parte do Egito, Síria e

Jordânia. 102 Em 1973 Egito e Síria atacaram Israel na denominada Guerra do Yom Kippur (dia de penitência em que são

praticadas as caridades, o perdão das ofensas alheias, reparação de faltas cometidas para que Deus ainda perdoe a sentença decretada no Rosh Hashaná - Ano Novo judaico e comemoração do aniversário da criação do mundo-), nesse dia o senhor do universo julga cada ser humano e decreta seu destino, também é conhecido como Yom Ha 'Din. SOBEL, Henry. Os porquês do judaísmo. São Paulo: Congregação Israelita Paulista, 1983. A guerra consistia na recuperação dos territórios tomados por Israel no ano de 1967; os israelenses lançaram uma contra-ofensiva devido ao seu aparato bélico fornecido pelos EUA, superior ao dos árabes proporcionado pela URSS.

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Conscientes da demanda mundial, os árabes dispunham, então, de um eficiente

mecanismo de revogação econômica contra o Ocidente e, portanto, uma potente arma política

configurando-se na iniciativa de retaliação da distribuição internacional do petróleo.

Os conflitos no Oriente Médio deflagrariam um partidarismo evidente entre o bloco

socialista e o capitalista que ocasionaria na supressão do abastecimento petrolífero mundial e

que se caracterizaria na crise internacional do petróleo.103 Na posição de Vizentini,104: "o

embargo petrolífero era seletivo e houve uma grande diminuição na sua produção, nesse

sentido, no ano de 1974 e, atingindo os países que apoiavam Israel, o preço do barril de

petróleo quadruplicou seu valor venal estimulando a especulação"

Durante essa pequena abordagem observou-se que o suprimento de enriquecimento de

urânio era monopolizado por empresas norte-americanas e, no contexto da crise internacional

do petróleo, apresentara-se a fragilidade mundial e, principalmente, brasileira quanto à

disposição energética. Surgiria, então, a emergência de capacitar-se o Brasil com outras fontes

alternativas através da parceria com os países industrializados.

O governo brasileiro, assim se empenharia em dinamizar um acordo energético

alternativo diminuindo sua dependência para com os EUA que, desde 1968, propusera-lhe um

programa insatisfatório sem transferência tecnológica e divergindo às ambições e aos

interesses dos militares.

Mormente desde o início da Guerra Fria, o Brasil estivera alinhado à esfera capitalista

Ocidental, no entanto, em alguns momentos, as relações bilaterais com a potência do Norte

não asseguraram as aspirações brasileiras fazendo com que, os governantes visualizassem

uma política externa independente.

Entrementes, como sistemática de trabalho e, procurando atingir uma certa linearidade

conjuntural do transcurso histórico, finalizar-se-á este breve percurso das relações entre Brasil

103 VIZENTINI, Paulo. Oriente Médio e Afeganistão: um século de conflitos. Porto Alegre: Leitura XXI, 2002. 104 Ibid., p. 58.

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e EUA abrangendo as implicações do Protecionismo Econômico que infligiriam uma certa

assimetria no alinhamento entre as duas nações e levariam a nação brasileira a buscar novos

parceiros, principalmente na Europa. Quanto ao que se refere a capacitação da energia

nuclear, oportunamente e em outros momentos, abordar-se-á essa temática devido a sua

relevância no contexto das relações internacionais. Assim, finalizando este capítulo,

continuar-se-á com o histórico das implicações entre Brasil e Estados Unidos, tencionando-se

obter os indicativos para o prolongamento desse estudo que dar-se-á na aproximação entre o

Brasil e Alemanha Ocidental.

Com uma política conciliatória visualizando consolidar seu poder hegemônico, os

EUA, na esfera capitalista, mantinham um discurso condizente à sua posição de liderança em

uma conjuntura bipolar durante o pós-guerra. Tendo em vista sua hegemonia, os norte-

americanos assinalariam com os aliados, nesse caso, o Brasil, uma relação especial de

parcerias. Assim, durante os primeiros anos da Guerra Fria, os Estados Unidos foram o

principal investidor, aliado militar e parceiro comercial do Brasil.

Portanto, devido às observações anteriores, acredita-se que as relações entre Brasil e

EUA não haviam sido tranqüilas mesmo no período da intervenção militar, como apontam

alguns teóricos.

Salienta-se, nesse sentido, a citação de Amado Cervo e de Clodoaldo Bueno:105

O Brasil via o mundo divido ente ricos e pobres, aspirava a um desenvolvimento autônomo e tentava dar rumo independente a sua política exterior. Os EUA viam-no dividido ideologicamente, não tinham o desenvolvimento brasileiro entre seus objetivos externos e pretendiam cooptá-lo à sua meta de contenção ao comunismo. O crescimento brasileiro lhes era prejudicial, ao menos que fosse induzido e controlado por seus banqueiros e empresas. Quase tudo levava ao conflito.

A iniciativa de uma política externa independente no governo de João Goulart possuía

os indicadores de viabilizar certa autonomia econômica frente aos dois pólos dominantes,

105 CERVO, Amado; BUENO, Clodoaldo. A política externa brasileira. São Paulo: Ática, 1996. p. 366-367.

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principalmente, quanto as restrições de inserção ao mercado americano, também o

desinteresse dos EUA em apoiar uma reforma no sistema comercial e financeiro internacional

que se tornara inadequado, mas, em vigência desde o final da Segunda Guerra.

Os interesses nacionais punham em risco as manifestações conciliatórias entre as

nações brasileira e norte-americana e, durante o governo Costa e Silva, como se observou

anteriormente, iniciaram-se incompatibilidades mais significativas. Souto Maior,106 em uma

abordagem sobre a política Americana salienta: "a proposta da política econômica norte-

americana é legitimada por um discurso liberal, que é desmentido na sua aplicação de

salvaguardar os interesses setoriais norte-americanos."

Para esse autor, setores econômicos como o GATT (Acordo Geral Sobre Tarifas e

Comércio) e o FMI (Fundo Monetário Internacional), criados no final da Segunda Guerra

Mundial, possuíam e possuem como objetivo regulamentar as relações financeiras e

comerciais entre os países de economia de mercado, neutralizando as ações das nações

dependentes dos blocos Norte-Sul no período da Guerra Fria e, favorecendo os EUA.

Observando-se a premissa apresentada e tendo em vista a experiência diplomática de Souto

Maior, acredita-se que o distanciamento Norte-Sul tornou-se evidente na esfera econômica.

Então, dando aporte ao explicitado, os atritos surgiram, principalmente, nos segmentos da

transferência de tecnologia nuclear (com o adendo ao Tratado de Não Proliferação de Armas),

na limitação à importação do café solúvel, no acordo do cacau, na parcela brasileira de

distribuição da quota do açúcar, na supressão brasileira aos fretes bilaterais, na alíquota e

restrição aos produtos como têxteis, calçados e bolsas, viabilizando, assim, um protecionismo

do mercado norte-americano. Em contrapartida, observa-se que o posicionamento brasileiro

na defesa de seus interesses nacionais de desenvolvimento interno também levou o Brasil a

tensões com os EUA.

106 SOUTO MAIOR, 1996, p. 353.

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Propugnando uma iniciativa de conciliação bilateral, posteriormente, o presidente

Médici, em 1971, visitou os EUA, inserido no contexto das divergências e interesses

econômicos, objetivava, contudo, uma cooperação bilateral. No entanto, para além das

implicações econômicas desencadeadas desde o início dos antagonismos Leste-Oeste, acredita-

se que a fricção entre EUA e Brasil deram-se, também, no âmbito político-estratégico, devido

ao acordo de cooperação nuclear com a RFA e quanto às diretrizes para os Direitos Humanos

propugnados por Washington, que ultrapassam, porém, o período aqui abordado.

Portanto, como este estudo não se centraliza especificamente nas relações entre Brasil e

EUA, apenas historiou-se brevemente (dentro de um contexto externo ideológico da Guerra Fria

e interno de autoritarismo militar) alguns dos mecanismos que podem ter proporcionado

mudanças dentro do processo conjuntural, levando o Brasil a uma diversificação de suas

relações internacionais, distanciando-se de seu tradicional parceiro econômico e, gradualmente,

aproximando-se da Alemanha Ocidental. Acredita-se, dessa maneira, que o distanciamento

brasileiro com relação à potência do Norte e sua aproximação com a RFA dera-se como opção

alternativa para as aspirações dos governos militares. Conjectura-se que, em um período de

fragilidade dos EUA, embrenhados externa (quanto a Guerra do Vietnã)107 e internamente (com

107 A Indochina (como chamava-se Laos, Camboja e Vietnã) encontrava-se sob o imperialismo francês desde

1860, contudo, durante a Segunda Guerra Mundial, fora ocupada pelos japoneses. A iniciativa de expulsão dos "invasores" deu-se pelo fundador do Partido Comunista Ho Chi Minh que, logo após a retirada dos japoneses, formou a República Democrática do Vietnã no Norte do país, apoiado pela URSS. Em 1954, com a descolonização, a França perdera sua colônia e a região foi dividida em duas: Vietnã do Norte, comunista, com sua capital em Hanói, e Vietnã do Sul, capitalista e capital em Saigon. Fora decidido, então, que haveria eleições para unificar o país. Naquele momento, os EUA intervieram e, temendo a popularidade de Ho Chi Minh, sancionaram um plebiscito destituindo o Imperador que morava na França e instalaram uma república na região. Para o Executivo foi escolhido um presidente alinhado ao capitalismo, e a presença francesa dava, então, lugar aos americanos. Em 1959, apoiados por vários segmentos da população e pela Rússia, iniciaram uma guerrilha pela libertação do Sul, conhecida como vietcongue. No ano de 1963, o Presidente vietnamita foi assassinado, e os americanos intervieram diretamente, pois, acreditavam que o Sudeste asiático seria um componente de uma fileira de peças e, se sucumbisse ao comunismo levaria todas as outras consigo. Com o apoio soviético e chinês, os vietnamitas surpreenderam os americanos no ano de 1968, fazendo-os retroceder. A televisão, que, segundo Hobsbawm fora inventada no ano de 1950, apresentava os fatos ao vivo, fazendo com que a opinião pública partisse para retaliações ao governo norte-americano; o número de baixas americanas era enorme, os custos financeiros incalculáveis, o que forçava o aumento de impostos, juntamente com a insatisfação popular dentro dos EUA. As mobilizações dos jovens com músicas pacifistas, o movimento hippie, cujo lema era "faça amor não faça guerra", entoava por todos os cantos, transformando-se em um modismo de envergadura planetária. Assim, derrotado no campo de batalha e pressionado pela população, o governo americano decidiu retroceder e, em 1973, retirou suas tropas do Vietnã.

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o Caso Watergate)108, o governo de Washington estava impossibilitado de exercer uma ação

mais coercitiva sobre as nações capitalistas periféricas. Nesse sentido, o Brasil, buscando

diversificar suas relações internacionais, encontrou na Alemanha uma parceria alternativa fora

da órbita dos EUA, atingindo, assim, no início da década de 1970, estreitos laços de

cooperação mútua e encontrando sua plenitude durante o quadriênio da gestão Geisel.

3.2.1.1 A Aproximação do Brasil com a Alemanha

Tomando-se consciência do estado da Alemanha no pós-guerra e as sanções já

apresentadas nesse estudo, pelas nações vencedoras, como poderá então essa nação competir

no mercado internacional com países como os EUA e a URSS? Baseando-se nisso que

resolveu-se situar o leitor quanto a algumas curiosidades da RFA.

Recomeçar das cinzas seria um pouco apologético e não é o caso deste trabalho.

Assim, inicia-se essa abordagem com o final da Segunda Guerra Mundial.

Terminada a guerra, o território do país foi dividido em quatro zonas de ocupação

pelos EUA, Reino Unido, França e URSS. A região da Alemanha ficou dividida, no entanto,

em um a fronteira entre os dois blocos: ocidental e oriental e linha de frente da Guerra Fria.

Em 1949, a zona de ocupação ocidental com sistema de mercado capitalista foi

reunida para formar uma democracia parlamentarista consolidando a República Federal da

108 Segundo o Jornal Washington Post, acólitos republicanos invadiram secretamente a sede do partido

democrata situado no edifício Watergate com o intuito de obter documentações e que o presidente republicano Richard Nixon estava ciente da situação. A espionagem partidária transformou-se em escândalo político dividindo a opinião pública, tanta repercussão forneceu o caso que, em 1974, Nixon teve de renunciar à presidência para não sofrer impeachment..Ver também, Bob Woodward com Todos os Homens do Presidente transformado em filme) e os sites: http://www.comunicação.uniceub.br/projeto/emrede/cinema/resenha.htm; http://www.igutenberg.org/watr.html e; http://www.cehcom.univali.br/monitordemidia/páginas/materiais.php?id=92

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Alemanha. O novo Estado, a partir dos anos 1950, seguia os passos de uma reconstrução da

nação combalida pela guerra sob o comando do chanceler Konrad Adenauer. No ano de 1961,

porém, com o pacto de Varsóvia foram fechadas as fronteiras orientais com o Ocidente em

um processo que culminou na construção do Muro de Berlim, dividindo a nação entre os

vencedores da Segunda Guerra: de um lado a República Federal da Alemanha, alinhada ao

Ocidente, e de outro lado a República Democrática Alemã, atrelada ao socialismo soviético.

A RFA centralizava-se em Bonn e a RDA em Berlim. Entretanto, em uma contextualização

bipolar, a RFA conseguiu, em poucos anos a posição de terceira colocada na economia

mundial, ficando atrás somente das duas grandes potências.

Para apresentar a aproximação entre Brasil e Alemanha, inicialmente, faz-se

necessária uma rápida abordagem do conceito de política, já que se verifica uma retomada dos

estudos históricos que se distanciam do culto aos personagens, como reis, imperadores,

príncipes e chefes de Estado. Assim, recorre-se a uma citação de René Rémond, 109 para uma

breve análise:

No Antigo Regime, a história era naturalmente ordenada tendo em vista a glória do soberano e a exaltação da monarquia. As revoluções que derrubaram os regimes monárquicos não destronaram a história política de sua posição preeminente, apenas mudaram seu objeto. Em vez de fixarem-se na pessoa do monarca, a História Política voltou-se para o estado e a Nação, consagrando daí em diante suas obras à formação dos Estados Nacionais, às lutas por sua unidade de emancipação, às revoluções políticas, ao advento da democracia, às lutas partidárias, aos confrontos entre as ideologias políticas.110

Rémond apresenta a História Política como diretamente vinculada às ciências sociais

acrescenta também que a troca com outras disciplinas veio a dar-lhe um novo enfoque e uma

nova abordagem.

109 RÉMOND, Réne (Org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: UFRJ/ FGV, 1996. 110 Ibid., p. 15.

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“A história política deve bastante à troca com outras disciplinas: Sociologia, direito

público, psicologia social, psicanálise, lingüística, matemática, informática, cartografia, entre

outras.”111

Enfatizando a superestrutura inserida no marxismo, a História Econômica suprimiu a

Política que ficou à margem da historiografia. Entretanto, para Rémond, nos dias de hoje, a

dimensão política tende a inserir-se nos fatos coletivos, pois, sem dúvida, é uma modalidade

da prática social. No posicionamento do autor observa-se:

Se o político é uma construção abstrata, assim como o econômico ou o social, é também a coisa mais concreta com que todos se deparam na vida, algo que interfere na sua atividade profissional ou se imiscui na sua vida privada. [...]o político é como esses Estados dos quais a geografia não delineou previamente os contornos e a história não parou de modificar os limites: o político não tem fronteiras naturais. Ora ele se dilata até incluir toda e qualquer realidade e absorver a esfera do privado.112

Finalizando a abordagem teórica de René Rémond, entende-se política como:

“conquista, o exercício, a prática do poder, assim os partidos são políticos porque tem como

finalidade, e seus membros como motivação, chegar ao poder.”113

As relações entre o Brasil e a Alemanha remontam, porém de longa data, levando,

inclusive, Muniz Bandeira a afirmar que o primeiro alemão a adentrar-se na selva brasileira

fora Hans Staden.114 Também se sabe que Alemanha, àquela época, encontrava-se dividida

em vários principados e ducados, atrelados ao Sacro Império Romano Germano assim, não se

dispunha de mecanismos para empreendimentos substanciais no além-mar. Contudo, a

Holanda disputava com Portugal e Espanha suas possessões na América, nesse sentido, pode-

se destacar também, Maurício de Nassau115 dentre os alemães que estiveram no Brasil no

111 RÉMOND, 1996, p. 29. 112 Ibid., p. 442. 113 Ibid., p. 444. 114 Em 1550 Hans Staden de Homberg chegou ao Brasil, posteriormente, tornou-se prisioneiro, permanecendo

por nove meses em cativeiro entre os índios antropófagos Tupinambás. BANDEIRA, 1994. 115 Johann Moritz von Nassau Siegen - Dillemburg fora Almirante e Governador - Capitão da Nova Holanda

(colônia que a Cia. das Índias Ocidentais tentou implementar em solo brasileiro (1630 a 1654) que compreendia os domínios de Pernambuco até o Maranhão.

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início da colonização. Quanto aos imigrantes alemães que chegaram no Brasil em 1824,

acredita-se que o enlace dinástico entre as casas dos Bragança (D. Pedro I) e os Habsburgo

(D. Leopoldina) tenha sim, despertado interesses no governo do rei D. João VI motivando-o a

incentivar a imigração dos alemães. Porém, deve-se observar que havia animosidades do

governo brasileiro e um certo receio para com os ingleses, franceses, espanhóis, holandeses

tornando imperativa a neutralização dessas nações quanto às suas ambições em apossarem-se

do Brasil. Sendo assim, os interesses imperialistas destes Estados podem ter inviabilizado

suas imigrações para o Brasil fazendo com que o governo do império optasse por uma

alternativa mais segura.

Possivelmente também, os valores e a identidade cultural atrelada à Europa,

juntamente com as várias ondas de imigração alemã nos últimos cento e cinqüenta anos

contribuíram para aprofundar as relações entre a Alemanha e o Brasil. No entanto, como já se

observou, foi durante um período gradual que se deu o relacionamento que terá por ápice os

anos do governo Geisel.

No ano de 1978 Ernesto Geisel visitou a RFA e esta foi a primeira vez, desde D. Pedro

II em 1877, quando foi a Berlim estreitar relações com o Kaiser Guilherme I, que um chefe de

Estado brasileiro compareceu à Alemanha.

Relacionado as relações entre Brasil e Alemanha, quando da busca de

documentação, visitou-se a Câmara de Comércio Brasil Alemanha (AHK) no ano de 2003,

na cidade de Porto Alegre. Neste estabelecimento, conseguiu-se um volume da publicação

do catálogo de associados a esse órgão econômico.116 Nas páginas iniciais apresentam-se

algumas considerações sobre as relações entre os dois países, assim, selecionou-se alguns

fragmentos:

116 LEGE, Klaus-Wilhelm. Livro de Associados das Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha. São

Paulo: Câmara Brasil-Alemanha, 2002. p. 8-18.

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As Câmaras de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha atuam há quase 90 anos no país a serviço da colaboração entre as macroeconomias da Alemanha e do Brasil, que são amplamente complementares. Aproximadamente 1.000 empresas estão associadas nas Câmaras; não apenas firmas de capital e Know-how alemão, mas também, empresas brasileiras ligadas ao comércio exterior, bem como empresas e instituições radicadas na Alemanha [...]. De acordo com sua orientação bilateral atuam e contribuem para a intensificação das relações econômicas.

O encarte apresenta uma definição quanto ao relacionamento entre as duas nações e os

motivos pelos quais os dois países se aproximaram. Menciona que a economia alemã

posiciona-se como a segunda em investimentos no Brasil, estando somente atrás dos EUA, e

acrescenta a posição do Brasil como prioridade dentro da América Latina em termos de

oportunidades para a Alemanha. Examinando-se o livro, observa-se que a Alemanha

considerava a posição de domínio do Brasil na América do Sul como um dos fatores que

tornou esse país extremamente atraente para os investimentos alemães.

Pode-se dizer, no entanto, que o primeiro investimento significativo da RFA no Brasil

fora a fundação no ano de 1952, da Siderúrgica Mannesmann, em Minas Gerais;

posteriormente, como já havia sido mencionado no capítulo anterior, durante o governo

Kubitschek (1956-1960) a instalação das empresas automobilísticas.

O cientista político Christian Lohbauer, em sua tese de doutorado, pronuncia-se dessa

forma quanto aos investimentos da Alemanha no Brasil: “O Brasil se tornaria, depois da Segunda

Guerra Mundial, e especialmente no começo dos anos 70, o "Eldorado" dos investidores alemães.

Mais de dois terços dos investimentos alemães na América do Sul vieram para o Brasil.”117

Para Lohbauer, a iniciativa de investimentos alemães no Brasil dera-se em dois

momentos bem definidos, sendo o primeiro entre os anos de 1956 a 1961; posteriormente,

a participação da RFA reiniciara em 1967, obtendo um impacto nos anos de 1971. Em sua

pesquisa, o autor apresenta um segundo momento nas relações entre os dois países que se

dará durante o governo Médici com a iniciativa de desenvolvimento da indústria pesada.

117 LOHBAUER, 2000, p. 52.

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Pode-se observar ,e reforçando a posição do autor, que no ano de 1971, realizou-se em

São Paulo a exposição intitulada "A Alemanha e sua Indústria"; essa exposição, fora

concebida como sendo a maior feira da indústria alemã, dentro do período, realizada no

exterior.118

Analisando-se, porém, as pesquisas realizadas sobre a temática de aproximação do

Brasil com a Alemanha, acredita-se que, mesmo com a intervenção militar ocasionada em

primeiro de abril do ano de 1964, as relações entre as nações continuariam.

Após a posse de Castello Branco, o Presidente da Alemanha, no mês seguinte, visitou

o Brasil com a intenção de solucionar algumas questões pendentes dos governos anteriores.

Mesmo alinhado aos Norte-americanos, o governo do Marechal Humberto Castello Branco

dera seguimento às negociações com a RFA quanto à liquidação dos bens da Alemanha

confiscados durante a Segunda Guerra Mundial e a intenção da Lufthansa em viabilizar uma

maior freqüência de vôos semanais, além de salvaguardar garantias aos investimentos alemães

na gestão de seu governo.

Empresas como Bayer, Hoechst, Basf, Siemens e AEG instalaram-se durante o

período na república brasileira impulsionadas pelo desenvolvimento interno da nação,

conseguindo, assim, lucro para suas matrizes na RFA das suas filiais nos mercados

emergentes, no caso o Brasil. Contudo, deve-se observar a relação obtida como bilateral entre

Brasil e RFA e relativizar os investimentos alemães no Brasil devido ao descompasso

industrial e tecnológico que separava as duas nações. Também como se mostrou

anteriormente, havia a necessidade de encontrar parceiros alternativos fora do eixo Leste e

Oeste além da necessidade de transferência tecnológica urgente à nação brasileira,

principalmente, durante o período da crise internacional do petróleo.

118 LIPKAU, Ernst Günther. Die Wirtschaftliche Präsenz Deutschlands in brasilien vor dem Ersten

Weltkrieg. Sonderdruck im Auftrag der Deutsch Brasilianischen Industrie: und Handelskammer aus dem Martius. São Paulo, Staden Jahrbuch, 1998.

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Mesmo o Brasil estando inserido, naquele momento, em um contexto militar de

repressão, a nação possuía uma Constituição que reservava direitos aos investidores

estrangeiros e uma certa estabilidade política com um governo coercitivo; também e, por sua

extensão geográfica, com a industrialização efetivada em anos anteriores, o Brasil encontrava-

se com grandes centros urbanos formando zonas de conturbação populacional com mão-de-

obra barata e, evidentemente, consumidora. Nesse sentido, a conjuntura interna do país levava

os empreendedores a investirem no Brasil; então, nesse segmento de oportunidades, Lohbauer

postula a viabilidade do mercado brasileiro:

Uma boa parte dessas empresas que vieram ao Brasil já estavam saturadas da pressão que os sindicatos da RFA exerciam sobre seus negócios. A decisão por um investimento longe da Europa também simbolizava um voto de desconfiança em relação ao governo brasileiro.119

Sobretudo, observa-se, evidentemente, que os investimentos da RFA foram salutares

para a economia brasileira. Nesse sentido, essa parceria proporcionaria ao Brasil,

principalmente durante os anos de 1966 a 1975, um acréscimo nas exportações dos produtos

brasileiros, fazendo com que esse país também se modernizasse industrialmente. No início da

década de 1970, portanto, o período que precede o governo Geisel, o Brasil encontrava-se

estruturalmente preparado para absorver novos investimentos oriundos da Alemanha,

inclusive na região sul do país abrangendo as áreas de imigração alemã que, segundo

Oberacker:

As empresas teuto-brasileiras no triângulo Brusque/Blumenau/Joinville em Santa Catarina, no triângulo Porto Alegre/São Leopoldo/Novo Hamburgo no rio Grande do Sul, bem como em Curitiba e Belo Horizonte, alcançaram importância continental. Em Blumenau, a indústria têxtil Companhia Hering se tornaria a quarta maior fábrica têxtil do mundo.120

A orientação externa da política brasileira vinha tomando curso, como se observou,

nos anos anteriores ao governo Geisel. Tomando-se por base uma certa descentralização

119 Cf. LOHBAUER, 2000, p. 54. 120 OBERACKER, Karl; ILG, Karl. Die Deutschen in Brasilien. In: FRÖSCHLE, Hartmut (Hrsg.). Die Deutschen

in Lateinamerika: Schicksal und Leistung. Tübingen: Horst Erdmann, 1979. p. 169-300.

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brasileira quanto à potência do Norte, consubstanciada na dependência política, estratégica e

econômico dos EUA. fazia-se necessário para o Brasil a captação de novos parceiros na

viabilização do seu projeto de desenvolvimento em um cenário de Guerra Fria.

Nesse sentido, convergiam os interesses brasileiros e europeus, no âmbito de estreitar

suas políticas externas, assim, conferindo-lhes independência frente aos norte-americanos.

Acredita-se que havia no contexto das relações entre Brasil com a Europa, principalmente a

RFA, uma tentativa de ampliação dos seus espaços, em uma conjuntura bipolar, tanto

econômicas como políticas. Segundo Lessa121, a crise do petróleo tornara-se determinante

para os países europeus buscarem novas parcerias e mobilizarem-se no sentido de uma disputa

entre eles próprios ou com os EUA no suprimento de matérias-primas além de mercados para

exportação e investimentos. No contexto internacional, com uma possível mobilidade de

ações, Antônio Carlos Lessa posiciona-se dessa forma:

os europeus observaram que o momento de rearranjo do cenário internacional, com as superpotências empenhadas em um processo de distensão no plano estratégico, combinado com a crise que semeava desarranjos econômicos em nível global, proporcionava uma janela de oportunidades para a afirmação de uma margem maior de independência dos desígnios de segurança da Guerra Fria e para a delimitação de novos espaços de expansão econômica, ainda que em detrimento dos interesses da potência hegemônica.122

Lessa analisa que houve uma necessidade dos europeus ocidentais em transferir capital

e tecnologia ampliando, assim, suas economias, pois:

Os dólares provenientes do superávit dos países produtores de petróleo eram alocados em grande parte no mercado financeiro europeu, necessitando de reciclagem, o que era propiciado pela injeção de capitais em mercados emergentes e potenciais. Implementou-se uma política de empréstimos para países em desenvolvimento, sem condicionalidades e com baixas taxas de juros, o que foi reforçado por financiamentos para projetos de desenvolvimento específicos ou com investimentos de empresas de origem européia nestes países. Estes investimentos se direcionavam principalmente para áreas industriais onde havia possibilidade de transferência de tecnologia.123

121 LESSA, Antônio Carlos M. A estratégia de desenvolvimento: sonho e fracasso. Brasília: FUNCEP, 1988. 122 Ibid. 123 Ibid., p. 95.

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Com seu crescimento dinamizado na década de 1970, atrelado a um distanciamento

frente aos EUA, a RFA pôde estreitar seus laços com a América Latina. Já o Brasil, com sua

potencial reserva de recursos naturais associada ao seu mercado consumidor intensificado

pelo crescimento econômico, atraia os interesses alemães. Assim, acredita-se que durante o

período estudado a flexibilização da transferência de tecnologia vinculada à crise

internacional do petróleo possibilitou uma iniciativa de participação entre o Brasil e a

Alemanha Ocidental.

A relação de cooperação entre Brasil e Alemanha pretendia encontrar um sentido

diferenciado buscando a possibilidade de estabelecer uma identidade de interesses mútuos,

mesmo com o estágio diferente de desenvolvimento dos dois países, distanciando-se, segundo

alguns autores, das relações de dominação estabelecidas pelos Norte-americanos.

Entretanto, observando-se todo o postulado anterior, acredita-se que a política externa

sem barreiras ideológicas acentuadas nos governos Costa e Silva e Médici, encontrariam seu

apogeu na gestão de Geisel. Em 1974, e configurando-se no pragmatismo responsável,

objetivava, também, como os governos anteriores, um Desenvolvimento Nacional que nem

sempre se conciliavam com a potência do Norte. No ano de 1964 na cerimônia de

homologação dos novos diplomatas, o Presidente Castello Branco apresentava a linha

doutrinária referente à política externa a ser seguida em seu governo:

No presente contexto de uma confrontação de poder bipolar, com radical divórcio político ideológico entre os dois centros, a preservação da independência pressupõe a aceitação de um certo grau de interdependência, quer no campo militar, quer no econômico, quer no político. [...] a política externa não pode esquecer que fizemos uma opção básica, da qual decorre uma fidelidade cultural e política ao sistema democrático Ocidental.124

124 CASTELLO BRANCO, Humbert de Alencar. A diplomacia da revolução. Discurso pronunciado na ocasião

de entrega dos diplomas aos candidatos aprovados por concurso à carreira de diplomata em 31 de julho de 1964.

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A política de opções de parceiros indispensáveis pronunciados por Geisel desde seu

primeiro discurso como presidente eleito no Colégio Eleitoral, diferenciava-se claramente do

governo Castello Branco com um conceito evidente de fronteiras ideológicas nas relações

exteriores. Em sua argumentação proferida durante a primeira reunião ministerial de sua

gestão, Geisel oportuniza a intenção de um pragmatismo responsável.125

Nosso relacionamento com as nações irmãs da circunvizinhança, de aquém e além mar [...] estará a serviço em particular dos interesses do nosso comércio exterior, da garantia do suprimento adequado de matérias-primas e produtos essenciais e do acesso à tecnologia mais atualizada de que não dispomos, ainda [...] para tanto, far-se-ão com prudência e tato, mas com firmeza, as opções e realinhamentos necessários.

Enfim, as relações entre Brasil e Alemanha, intensificadas no ano de 1974,

apresentaram-se como um reflexo das dificuldades internas da nação brasileira, inserida em

uma conjuntura externa demarcada pela supressão econômica mundial configurada na crise

internacional do petróleo e no prolongamento gradual das divergências de interesses entre

Norte-Sul, ocasionando a deterioração das relações entre o Brasil e EUA.

Porém, a desarticulação das relações com o Norte já se fazia sentir desde Costa e

Silva, de 1964 até 1973 já havia o que se pode apresentar como nascimento de uma parceria

com a Alemanha, oportunizando, assim, ao governo Geisel as vias de acesso já

pavimentadas no estabelecimento das relações com a RFA; porém, os laços efetivos de

estreitamento e cooperação que, inclusive, chegaram a obter a denominação de "aliança

especial", serão definidos durante os anos de gestão do presidente Ernesto Geisel,

inaugurado no ano de 1974.

125 Discurso do Presidente Geisel reunião ministerial realizada no Palácio do Planalto, Brasília em 19 de abril de

1974, Resenha de Política Exterior do Brasil, a. 1, n. 1, p. 9.

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3.2.1.2 O governo do general Ernesto Geisel

Como as comemorações da imigração alemã no Estado do Rio Grande do Sul

ocorreram no ano de 1974, evidentemente, não se poderia deixar de abordar o governo do

presidente Geisel, até porque ele foi o personagem de grande vulto nos festejos e contribuiu

para as hipóteses desta dissertação. Portanto, para encerrar-se este trabalho será efetuado um

exame em sua gestão com alguns de seus discursos arrolados.

O presidente Médici às vésperas de entregar a faixa presidencial agraciou Ernesto

Geisel com o primeiro lugar na fileira sucessória adicionando-lhe a prerrogativa de ascensão

direta rumo ao Poder Executivo.

A indicação apresentada por Médici resultou na eleição de Geisel que, através do voto

indireto sancionado pelo Colégio Militar, foi empossado oficialmente no ano de 1974,

iniciando, assim, o quatriênio do general Ernesto Geisel, também conhecido por o alemão,

devido à sua ascendência germânica de confissão luterana, que o consagrou como o primeiro

presidente não católico a governar o Brasil.

Observando-se a documentação, pode-se pensar que os acontecimentos ocorridos

durante o ano de 1974 foram irrelevantes e poderiam passar desapercebidos.

Entretanto, com a sistematização dos documentos verificou-se os objetivos desse

estudo na identificação de fatores concomitantes, e acredita-se numa possível junção de

diversos setores sociais proporcionando uma pluralidade unificada por interesses individuais e

coletivos tencionando uma unidade comum.

Acredita-se que houve uma unificação de grupos sociais, políticos, econômicos,

religiosos e étnicos formulando um amálgama verificado nas Comemorações do

Sesquicentenário da Imigração Alemã no Rio Grande do Sul.

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105

Com sua ascensão à Presidência, Geisel atingira a prerrogativa de legitimação pelas

Forças Armadas inserida em uma conjuntura ditatorial, na qual personificou um poder

absoluto.

Em seu governo, Geisel propugnava o início à uma abertura democrática lenta e

gradual, porém, instrumentalizado pelo suposto poder absoluto, pois durante seu mandato

destituiu o Congresso, ressuscitando o AI-5, sem maiores pudores.

Entretanto, os jornais da época veiculavam um general emocionado quando de sua

visita às Comemorações da Imigração Alemã em São Leopoldo. Assistindo ao teatro que

remontava a chegada dos primeiros imigrantes em 1824, Geisel chorou. Noticiava-se a

emoção do mais importante descendente de imigrantes alemães no país.

Identificando-se os noticiários, supõe-se uma relação com o culto à memória, a

lembrança do imigrante exaltando a etnicidade em comunhão com a história dos

antepassados.

Entre as Comemorações do Sesquicentenário e a posse de Geisel à presidência

observa-se um breve espaçamento temporal. Assim, como hipótese para esse estudo, pode-se

dizer que, no ano de 1974, já pairava uma brisa refrescante advinda do Leste, onde Geisel

encontrara as portas de acesso abertas, tornando as Comemorações do Sesquicentenário uma

espécie de apoteose das relações econômicas entre Brasil e Alemanha.

Quando examinados os periódicos, observa-se a exploração das origens étnicas de

Geisel, apresentando uma possibilidade de símbolo centralizado na imagem do presidente

descendente de imigrantes alemães vinculando-se a uma identificação coletiva.

Frente às observações, identificou-se na documentação uma repercussão internacional

relativa aos festejos, que adicionadas às representações políticas do Governador do Estado, do

Presidente da República e de autoridades da Alemanha, proporcionariam às Comemorações

do Sesquicentenário a configuração de um grande acontecimento, ultrapassando as fronteiras

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106

de São Leopoldo. A projeção verificada nos Cento e Cinqüenta Anos da Imigração Alemã

deve-se, segundo a hipótese principal deste trabalho, ao interesse da Alemanha e do brasil em

manter boas relações naquele momento. Analisando-se documentos referentes às relações

exteriores, identifica-se uma ação diplomática flexível com retrocessos e avanços, segundo os

momentos, as necessidades e potencialidades dos dois países. Assim, a cidade de São

Leopoldo, berço da imigração alemã, comemorando o aniversário da colonização, pôde

naquele momento, viabilizar o corolário das relações econômicas entre Brasil e Alemanha.

Uma análise nos pronunciamentos do Presidente Geisel foi efetuada contribuindo na

consecução desta pesquisa, assim, fragmentos de dois discursos de Geisel serão citados, sendo

o primeiro, em 15 de janeiro de 1974, quando falou à nação, logo após a decisão do de

Colégio Eleitoral:126

Por isso, também, nunca poderei dispensar a compreensão de todos os bons brasileiros, os quais, nas reservas profundas de seu civismo e de sua fé nos supremos valores ético-sociais, bem se dão conta do que estabilidade e ordem representam como penhor essencial do progresso e do bem-estar de todo o povo. Pois ordem e estabilidade espero poder garanti-vos, a par da dedicação integral com que me devotarei à missão que, para suprema honra minha, ora me é atribuída, de conduzir o Brasil, tão caro a todos nós, em mais um largo e seguro e decisivo avanço para seus elevados destinos de grande nação, próspera e coesa, generosa e justa.

Na próxima citação, verifica-se o discurso da primeira reunião ministerial ocorrida em 19 de

março do ano de 1974:127

A grande expansão e diversificação de nosso setor externo, realizada nesses dez anos, levou o comércio exterior do Brasil ao valor de doze bilhões de dólares em 1973, o que possibilita ao país enfrentar confiantemente os desafios mais sérios do futuro.

Nos discursos de Geisel em seus primeiros dois anos de governo observa-se

seguidamente a utilização dos termos ordem, progresso e desenvolvimento, porém, quanto

às "veleidades subversivas" com a conseqüente reação repressiva, apenas aparecem nos

126 GEISEL, Ernesto. Discursos: volume I - 1974. Brasília: Assessoria de Imprensa e Relações Públicas da

Presidência da República, fev. 1975. p. 25. 127 Ibid., p. 35

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primeiros pronunciamentos. Observa-se que a ação da guerrilha armada nesse período era

quase inexistente, dada a coerção efetivada pelos militares que o antecederam.

Quanto às constantes alusões, em seus discursos, referindo o progresso e o

desenvolvimento pode-se identificar, nesse momento, uma realidade diferenciada para sua

gestão onde não priorizava mais as divergências ideológicas mas a manutenção econômica.

Com a crise internacional do petróleo, apresentada anteriormente neste estudo,

observa-se nos discursos de Geisel uma centralização no segmento econômico, objetivando o

desenvolvimento. Então, como representante da nação e frente às necessidades do país, suas

relações diplomáticas não estariam mais condicionadas à ideologias, mas aos interesses

internos do Brasil. Assim, pela primeira vez dentro de uma contextualização ideológica

bipolar, a atuação diplomática dos governos civis e militares que antecederam Geisel na

presidência, chegaria em 1974, a sua plenitude com seus resultados conferidos na

contabilização de investimentos alemães no Brasil.

Pode-se dizer que Geisel, em sua trajetória, foi um carreirista dentro do Exército

brasileiro, pois sua formação dera-se dentro das Forças Armadas; estudou no Colégio Militar

em Porto Alegre de 1921 até 1924, continuou seus estudos na Escola Militar do Rio de

Janeiro para, em seguida, obter o condicionamento eliminatório ao oficialato, obtendo o

primeiro lugar na turma. Percorreu, portanto, um caminho ortodoxo no Exército brasileiro

com alguns hiatos políticos, até assumir, em 1974, a Presidência da República.

Apoiou, em 1930, a tomada de poder por Getúlio Vargas, participou ativamente da

campanha contra os constitucionalistas, no ano de 1932, em São Paulo. Em 1934, Geisel

ocupou, por pouco tempo, a Secretaria de Finanças e Obras Públicas da Paraíba,

posteriormente, no ano de 1945 freqüentou o Army Command and General Staff College em

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Fort Leavenworth, no Kansas (EUA), escola norte-americana onde estudaram os

castelistas.128

Durante os anos de governo de Euríco Gaspar Dutra, meados de 1946-1947, Geisel

exerceu influência controlando a esquerda e os comunistas, compôs, também, o corpo

permanente da Escola Superior de Guerra (ESG).

Em 1961, quando Jânio Quadros renunciou, encontrando-se o vice-presidente João

Goulart no exterior, em visita à República Popular da China, Geisel fora nomeado Chefe

da Casa Civil pelo Presidente da Câmara dos Deputados que havia assumido

interinamente o Executivo em virtude da renúncia do Presidente e ausência do substituto

legal no poder.

Quando do movimento militar, em 1964, que destituiria o Presidente João Goulart,

os castelistas obtiveram ampla inserção, onde, depois da tomada de poder pelas Forças

Armadas, Geisel atuou na pressão militar sobre o Congresso Nacional para empossar

Humberto de Castello Branco como Presidente da República. Durante o governo de

Castello Branco, ocupou o Gabinete Militar e, em 1969, Geisel foi designado para a

presidência da Petrobrás onde, segundo a opinião de Barros,129 “foi no gigantesco

monopólio do petróleo que o General obteve oportunidade de aprimorar suas qualidades

de tecnocrata militar”.

Com o apoio da ARENA (partido atrelado ao governo) e, após deixar a Petrobrás,

Geisel foi indicado pelo general Emílio Garrastazu Médici (1969-1973) para sucedê-lo no

Executivo, assumindo o cargo em 15.03.1974 até 15.03.1979, quando repassou a liderança da

nação brasileira ao também militar general João Batista Figueiredo.

128 VIANA FILHO, Luís. O Governo Castelo Branco. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1975. Grupo de militares

moderados ligados à Escola Superior de Guerra (ESG), também conhecidos como grupo da "Sorbonne" instituição patrocinada pelos militares que proporcionava cursos em instituições militares no exterior para professores da ESG, estagiários e civis. Como oficiais Castelistas pode-se destacar: Golbery do Couto e Silva, Cordeiro de Faria, Ernesto Geisel, Bizarria Mamede entre outros.

129 BARROS, Adirson de. Março: Geisel e a Revolução Brasileira. Rio de Janeiro: Artenova, 1976.

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O governo Ernesto Geisel iniciou sua gestão centrando-se no segmento econômico,

para tanto lançara no ano de 1974 o II Plano Nacional de Desenvolvimento que somente

passou à prática no segundo ano de seu governo. Seu plano fixava uma taxa de crescimento

econômico de 10% ao ano baseado em bens de consumo duráveis e bens de capital. No

entanto, o governo Geisel possuía algumas metas que pretendia alcançar até o final de sua

gestão, resolvendo algumas questões prioritárias como, por exemplo:

a -Captar o apoio majoritário dos militares neutralizando o poder da denominada "linha dura"

nas Forças Armadas; os militares de orientação mais conservadora favoráveis à ação

coercitiva e que para Skidmore130: “muitos daqueles militares estavam diretamente envolvidos

na rede de tortura que funcionava sob o comando do Exército.”

b -Concomitante a supressão da ala conservadora (linha dura), o governo Geisel, priorizava

a contenção da guerrilha subversiva, contudo, torna-se necessário abordar que durante os

anos de repressão dos generais Costa e Silva e Médici, a guerrilha havia sido quase que

totalmente exterminada; porém, mesmo que ela não existisse mais, acredita-se que a

iniciativa do governo serviria para tranqüilizar a linha dura e inibir os remanescentes da

esquerda armada.

c -Uma terceira prioridade do governo centrava-se na retomada da democracia onde Souto

Maior apresenta seu trocadilho: “O pragmatismo diplomático de Geisel terá de ser

responsável da mesma forma que a sua abertura democrática terá de ser lenta, gradual e

segura.”131

d - Outra meta proposta pelo governo Geisel a ser atingida apontava para a manutenção das

altas taxas de crescimento econômico propagadas durante a gestão anterior do general Médici.

Ao assumir a presidência em 1974, Geisel recebeu um país diferente devido a conjuntura

130 SKIDMORE, 1988, p. 319-321. 131 SOUTO MAIOR, 1996, p. 341.

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interna e principalmente externa, passando para pauta das prioridades de seu governo

operacionalizar e dinamizar a economia, então, com uma abertura nas relações exteriores.

Quando assumiu a presidência do Brasil, em 1974, Geisel encontraria uma realidade

diferente do governo Médici que havia sido pontuada pelo "milagre brasileiro", assim as

dificuldades sociais e econômicas internas levariam o governo a reorientar suas relações

exteriores.

A crise do petróleo que abalou o mundo adentraria a gestão Geisel, forçando-o a uma

política sem barreiras ideológicas tendo em vista o distanciamento que se prolongava, durante

os anos anteriores, com relação aos Estados Unidos da América. O governo, no entanto,

redirecionou o caminho para a vertente européia propugnando viabilizar seu desenvolvimento.

Portanto, durante os anos anteriores, foram trilhados os caminhos por onde surgiria, no

governo Geisel a denominada "aliança especial" entre Brasil e Alemanha, mas deve-se

relativizar esse relacionamento como se pode observar nos dizeres de Schwarz:132

quando os estados são muito fracos ou se encontram em situação muito exposta para poder se defender de seus inimigos eles consolidam alianças [...] O objetivo principal das alianças nos tempos modernos é assegurar a paz contendo a ação de oponentes mais fortes. Alianças são mais defensivas do que ofensivas, mais orientadas à manutenção do status-quo do que à expansão.

A política do "pragmatismo responsável" proferido por Geisel em seus discursos,

atrelada, posteriormente, a um "relacionamento especial" com a RFA dera-se de maneira

estratégica objetivando um distanciamento da potência do Norte. O Brasil buscava, assim, na

Alemanha os mecanismos necessários para viabilizar sua expansão econômica interna, onde,

dentro do período examinado, a RFA encontrava-se como terceira potência industrial no

mundo capitalista.

132 SCHWARZ, Hans-Peter. Der Faktor Macht im heutigen staatensystem. In: KAISER, Karl; SCHWARZ,

Hans-Peter (Hrsg.). Weltpolitik, Strukturen, Akteure, Perspektiven. Stuttgart: Bundeszentrale für Polit. Bildung, 1985. p. 66.

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Com o histórico apresentado até o momento, observou-se que as diretrizes para o

relacionamento entre Brasil e Alemanha já vinha sendo traçada nos governos que

antecederam Geisel. Portanto, como hipótese deste estudo, acredita-se que não foram os

antecedentes étnicos e religiosos do Presidente conhecido como "o alemão" que viabilizaram

esse relacionamento, mas a conjuntura interna e externa do período.

Na análise do jornalista Élio Gaspari133 em seu livro sobre Geisel, observa-se: “Em sua

vida misturavam-se os valores dos colonos alemães do Rio Grande do Sul e as ansiedades

daquela geração de militares.”

Entretanto, na argumentação de Araujo e Castro134 quanto ao relacionamento de Geisel

com a Alemanha, não existem evidências de que o presidente tenha estreitado os laços entre

Brasil e a RFA por motivações pessoais relacionadas diretamente com suas origens germânicas.

Mas observando-se a visita de Geisel aos festejos das comemorações dos cento e

cinqüenta anos da imigração alemã no Rio Grande do Sul, pode-se concordar com

Lohbauer135, dessa forma: “É bastante provável que sua simpatia pelo país seja oriunda da

educação e cultura que herdou da família e que ajudaram a formar sua personalidade”.

Algumas empresas já se haviam instalado na cidade de São Leopoldo, antes de Geisel

assumir e a drenagem do Rio dos Sinos com a construção do dique já estava sendo efetivada

com dinheiro disponibilizado direto de bancos alemães.

À seguir será mostrado um quadro com os investimentos alemães no Brasil onde se

observa uma diferenciação relacionada aos períodos porém, verifica-se que o relacionamento

entre os dois países estende-se por um período bastante anterior ao ano de 1974.

133 GASPARI, Élio. A ditadura derrotada. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 27. 134 ARAUJO; CASTRO, 1997. 135 LOHBAUER, 2000, p. 58.

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3.3 INSERÇÃO DE INVESTIMENTOS ALEMÃES NO BRASIL ENTRE 1964 E 1983

DM (Deutsche Mark)

Milhões136

1964 25.1.

1965 15.4

1966 47.4

1967 72.8

1968 227.5

1969 155.8

1970 128.0

1971 178.6

1972 158.1

1973 189.1

*1974 427.8

*1975 450.5

*1976 576.5

*1977 587.8

*1978 424.3

1979 532.9

1980 562.7

1981 731.0

1982 603.2

1983 528.6

136 Dados coletados junto à Câmara Brasil Alemanha em julho de 2002, sediada no Rio Grande do Sul à Rua Dr.

Florêncio Ygartua, 70, Porto Alegre. Ver também, BANDEIRA, 1994, p. 202.

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Analisando-se as datas, supõe-se que, mesmo em períodos críticos, observados

externamente na conjuntura bipolar e, internamente, com a ação de resistência aos governos

militares, exemplificado no seqüestro do embaixador alemão, em 1970137, as relações econômicas

entre os dois países se mantiveram constante. Identificou-se uma continuidade nos investimentos

alemães em território brasileiro, porém a sistematização e a intensificação somente ocorreram a

partir de 1974, nos anos Geisel, quando a Alemanha posicionou-se como seu grande parceiro

econômico. Assim, ao observar-se o quadro, tem-se a impressão de que foi somente no governo

Geisel que as relações entre as duas nações tiveram um estreitamento efetivo. E foi isso que essa

pesquisa procurou demonstrar: que não ocorreu nenhuma mágica, mas um longo processo de

convergências e divergências com a nação dominante, os EUA, que possibilitariam um

estreitamento das relações com a Alemanha como sendo uma via de acesso ao desenvolvimento

alternativa para o Brasil. A Alemanha, por outro lado, precisando de mercados novos para um

escoamento de seus produtos e com alguns constrangimentos internos causados pelos sindicatos, via

no Brasil uma oportunidade e uma segurança para seus investimentos.

O Brasil, nesse período, foi o preferido para os investimentos da Alemanha dentro da

América Latina, pois, desde 1964, encontrava-se preparado e seguro com os militares no

poder. Falando-se em América Latina, pensou-se no Chile, mas atentando-se para a memória,

sabe-se que no ano de 1973 aquele país encontrava-se numa grande instabilidade política,

econômica e social com a destituição de Allende138e a tomada de poder pelo general Pinochet.

Logo, não seria um país para investir-se naquele momento.

137 No ano de 1970, o grupo guerrilheiro Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), liderado por Carlos

Lamarca, seqüestrou o embaixador da Alemanha Ocidental. Ver site: http://www.angelfire.com?de2/cheguevara/lamarca.htm

138 Como esse trabalho pontua também a memória, ao falar do Chile, lembrei-me do nobre amigo de Allende, o poeta Pablo Neruda, que morreu naquele mesmo ano de 1973, quando o presidente Allende foi destituido pelos militares.

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Quanto ao Brasil, o país já havia passado por momentos mais críticos, com a ditadura

dos militares estabelecida. Por exemplo, no ano de 1973, o governo Médici havia

praticamente exterminado a esquerda armada que causava resistência à ditadura.

Ocorrido em um período recente da história brasileira, a ditadura militar sugere caracteres

próprios, proporcionando abordagens múltiplas e relevantes para entender-se a história nacional;

assim, acredita-se na importância de pesquisas relacionadas ao período. Os segmentos arrolados

em um estudo sobre a ditadura perpassam as relações sociais de acomodação e resistência,

envolvendo também relações internacionais e diplomáticas, evidenciadas pela polarização

econômica e ideológica propugnada pelas potências do Leste e do Oeste, naquele período da

história. Portanto, quando assumiu o governo, Ernesto Geisel, obrigatoriamente, posicionou-se

frente a uma nova realidade verificada na crise do petróleo, principalmente, o que o aproximou

ainda mais da alternativa européia tendo na RFA seu grande parceiro. Mas Geisel não estabeleceu

sozinho essas relações diplomático-econômicas nem com a sua força fleumático-prussiana, teria

sido suficiente para isso. O relacionamento econômico entre as duas nações deu-se por

necessidade de ambas, e o general alemão encontrou as portas abertas de um caminho viabilizado

bem antes dele.

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4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As comemorações do Sesquicentenário da Imigração Alemã no Rio Grande do Sul, sem

dúvida alguma, foram um grande acontecimento ocorrido no ano de 1974, porém, na cidade de

São Leopoldo elas tornaram-se ainda mais significativas pelo fato de ser aquela cidade o berço da

colonização alemã no Estado.

Com um exame dos documentos utilizados na construção deste trabalho, conseguiu-se os

esclarecimentos quanto aos questionamentos levantados anteriormente a essa pesquisa.

Com um breve histórico das relações entre Brasil e Alemanha demonstrando a

conjuntura que propiciou a aproximação das duas nações abordou-se a política externa

brasileira, que levou, naquele momento, o Brasil a desentender-se com os EUA. Também a

necessidade de viabilizar novas parcerias procurando solucionar os problemas pontuados pela

bipolarização mundial do período terminou por fazer com que Brasil e Alemanha se unissem

frente à necessidade dos dois países em diversificar seus mercados objetivando seu

desenvolvimento. Verificou-se com este estudo que as negociações brasileiras com a

Alemanha desenvolveram-se em um longo período, porem, terminada a Segunda Guerra e os

dois paises configurando-se como periféricos frente à hegemonia dos dois vencedores já

iniciaram negociações que se concretizaram na instalação das empresas automobilísticas, na

década de 1950.

Percebeu-se que o processo de industrialização brasileiro iniciado por Vargas e viabilizado

por JK apresentou uma grande suscetibilidade e deficiência energética do Brasil. Nesse sentido,

surgiu uma necessidade urgente em capacitar a nação com novas e diversificadas fontes

energéticas, mas frente à bipolaridade mundial do pós-guerra, mesmo o Brasil possuindo uma dos

solos mais profícuos em urânio, os EUA e a URSS detinham o monopólio do enriquecimento

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desse produto que produziria tanto energia quanto a famosa bomba atômica. Com os tratados

internacionais depois da Segunda Guerra Mundial, ficou estabelecido que as nações periféricas

somente poderiam utilizar o enriquecimento de urânio para fins pacíficos. Contudo, a crise

internacional energética causada pela diminuição no abastecimento de petróleo no mercado

internacional tornou-se determinante na intensificação das relações do Brasil com a Alemanha.

Quanto ao Brasil e sua aproximação com a RFA, percebe-se que aconteceu devido ao fato de

ocorrerem, no período, alguns desentendimentos com a potência do Norte verificadas na

discordância de interesses entre o Brasil e EUA. As negociações relacionadas à transferência de

tecnologia energética ou nuclear incentivou os governantes brasileiros a buscarem rotas

alternativas e o Sesquicentenário, naquele período, passou a ser uma espécie de símbolo de união

entre duas nações fazendo uma ligação econômica no ano de 1974 entre o Brasil e Alemanha.

Quando das comemorações dos cento e oitenta anos da imigração, ocorridos no ano de

2004, além da ausência do presidente Luis Inácio Lula da Silva, conseguiu-se a informação da

comitiva dos festejos que a Alemanha não enviou representantes, tendo em vista que não se

interessava mais pelo mercado brasileiro. Na avaliação efetuada pela comitiva dos cento e oitenta

anos de imigração alemã no Estado, os alemães, neste momento histórico, encontravam-se

voltados para o mercado chinês e não mais para a América Latina. Esses dados recentes, levam à

conclusão de que o Sesquicentenário foi utilizado como uma amostragem dos interesses

econômicos mútuos, mas que o evento, também, conseguiu elevar a memória combalida do

imigrante alemão. Outra hipótese deste trabalho encontra-se na criação dos dois anos de

comemorações que possibilitou aos imigrantes italianos um certo vulto com propaganda na

Europa aproveitando o ensejo das boas relações entre Brasil e Alemanha. Contudo, esta última

hipótese permanece em aberto, pois o objetivo desta pesquisa centralizou-se na imigração alemã e

sobre as questões dos italianos apenas se conjeturou devido ao aniversario de cem anos de

imigração comemorados no ano de 1975.

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117

Quanto as origens germânicas do presidente Geisel enaltecidas nos periódicos,

verificou-se através da documentação que não foram as responsáveis pela opção da Alemanha

como parceira econômica, mas, como se mencionou anteriormente, a conjuntura externa que

propiciou a aproximação dos dois países. Pode ter havido, sim, uma simpatia por parte de

Geisel no momento em que sua formação se dera no seio de uma família com costumes

germânicos, pois seu pai era natural da Alemanha.

No momento em os acordos com os EUA não favoreciam o Brasil quanto à transferência

de tecnologia nuclear, a Alemanha seria uma alternativa e, não por acaso, a crise mundial

ocasionada pelo petróleo, iniciada entre os anos de 1967 e que obteve sua culminância entre os

anos de 1973 e 1974, ao mesmo tempo em que afastou o Brasil dos EUA, aproximou-o da RFA.

Desse modo, as relações entre as duas nações já se encontravam estabelecidas, mas devido às

implicações apresentadas ao governo Geisel, apenas foram intensificadas, o que se verifica com o

quadro de investimentos econômicos alemães no Brasil, principalmente a partir do ano de 1974.

Sugere-se que os festejos do Sesquicentenário da imigração alemã no ano de 1974 foram o

corolário das relações entre Brasil e Alemanha e quanto ao general Geisel, quando assumiu a

presidência em marco do mesmo ano, ele já havia encontrado as vias de acesso para a Alemanha

pavimentadas, cabendo-lhe dar seguimento a um processo iniciado por seus antecessores de

governo.

Quanto aos patrocinadores dos festejos, examinando-se a documentação, obteve-se a

oportunidade de perceber que não só a Alemanha investiu, mas houve também interesse do

governo do Estado em financiar as comemorações. Mesmo dispendiosas para o governo do

Estado, as comemorações com o estimulo do Biênio, conseguiram atingir os objetivos de captar

investimentos do exterior, e principalmente da Alemanha.

A figura do imigrante também se elevou e, com a propaganda de seus produtos nos

festejos e a repercussão que tiveram, transformaram o colono em empreendedor, beneficiando a

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nação brasileira. Com o Sesquicentenário da imigração alemã, o imigrante conseguiu sua inserção

efetiva na sociedade, pois nos períodos das duas guerras mundiais, sua imagem havia sido

combalida, representando perigo à população e suspeita para as autoridades. O pejorativo adjetivo

colono foi modificado com as homenagens, transformando-o em herói desbravador.

A presença de Ernesto Geisel na Presidência da República como um representante de

alemães proporcionou um importante fortalecimento para a firmação da imagem do imigrante.

Quanto ao governador Triches, mesmo no final de seu mandato, soube aproveitar o ensejo ou a

convergência dos fatos e transformou o aniversario da imigração alemã no Estado em um

momento propício para comemorar, principalmente, pelas boas relações econômicas entre a RFA

e o Brasil. Dessa forma produziu uma propaganda no exterior aproveitando a diversidade étnica

do Rio Grande do Sul, captando investimentos para o Estado e enaltecendo seu governo através

dos recursos captados. Contudo é importante dizer que o coloninho, no ano de 1974, já tornara-se

um empreendedor assim, o momento seria de comemorar com o Sesquicentenário e muitos

eventos. O fornecimento de dinheiro da Alemanha para a construção do dique de contenção das

águas do rio dos Sinos e a instalação de empresas alemãs em São Leopoldo proporcionaram

modernização e prepararam estruturalmente a cidade para consumir apropriadamente a produção

alemã. Sugere-se que a Alemanha com o patrocínio da urbanização de São Leopoldo objetivava o

escoamento dos seus produtos, uma vez que uma sociedade urbana requer mais consumo. E o

governo do Estado atingia seus objetivos na arrecadação dos impostos justificando os

investimentos no Biênio da Colonização e Imigração.

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Jornal do Comércio

Jornal Zero Hora

São Leopoldo

Jornal Deutsche Post

Revista Rua Grande

Novo Hamburgo

Jornal O 5 de abril

Acervos pesquisados

Arquivo da Unijuí (Ijuí/RS)

Câmara de Comércio Brasil-Alemanha (Porto Alegre/RS)

Instituto Histórico e geográfico do Rio Grande do Sul (Porto Alegre/RS)

Museu Histórico Visconde de São Leopoldo (São Leopoldo/RS)

Depoimentos Orais

Arnaldo da Costa Prieto

Germano Oscar Möehlecke

Henrique da Costa Prieto

Guisela Schinke

Werner Helmuth Erich Schinke

Wolfram Nicolau Metzler

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ANEXOS

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