O simobolismo na arte e suas expressões na clínica Junguiana

81
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SANTOS CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS E SAÚDE CURSO DE PSICOLOGIA MARCELLY LIMA SOARES O SIMBOLISMO NA ARTE E SUAS EXPRESSÕES NA CLÍNICA JUNGUIANA

description

Trabalho de conclusão de curso de Psicologia.

Transcript of O simobolismo na arte e suas expressões na clínica Junguiana

UNIVERSIDADE CATLICA DE SANTOS

9

UNIVERSIDADE CATLICA DE SANTOSCENTRO DE CINCIAS SOCIAIS APLICADAS E SADECURSO DE PSICOLOGIA

MARCELLY LIMA SOARES

O SIMBOLISMO NA ARTE E SUAS EXPRESSES NA CLNICA JUNGUIANA

SANTOS2014MARCELLY LIMA SOARES

O SIMBOLISMO NA ARTE E SUAS EXPRESSES NA CLNICA JUNGUIANA

Trabalho de concluso de curso apresentado como exigncia parcial para a obteno do ttulo de Psiclogo da Universidade Catlica de Santos.

Orientador: Prof. Dra. Luana Carramillo GoingSANTOS2014MARCELLY LIMA SOARESO SMBOLISMO NA ARTE E SUAS EXPRESSES NA CLNICA JUNGUIANA

Banca Examinadora___________________________________ Profa. Me. Eliana Bruno Ferreira de Almeida.

___________________________________Profa. Me. Iara Cndida Chalela Genovese. Orientador

___________________________________Prof. Dra. Luana Carramillo Going. Data da aprovao ____________________________________AGRADECIMENTOS

Agradeo primeiramente a Deus por todas as bnos e realizaes que vem proporcionando a toda a minha famlia e a mim, ao longo de meus breves vinte e dois anos. Agradeo tambm aos meus anjos da guarda, que sempre foram fiis e me protegeram nesses cinco anos durante minhas longas jornadas de moto da minha casa no Guaruj at a Universidade.

Agradeo incondicionalmente ao meu pai, que mesmo tendo estudado pouco, a pessoa mais inteligente que eu conheo e que mais me incentiva a estudar e crescer, tanto como ser humano quanto como profissional. Eu no estaria concluindo a Universidade se no fosse por ele e sua ambio, que sempre trabalhou duro para proporcionar o melhor para mim e para minhas irms. Ele o meu heri, meu maior exemplo de ser humano e o grande amor da minha vida.Agradeo a minha me, que sempre esteve presente em todos os momentos da minha vida, cuidando de mim, me protegendo, me aconselhando e me desejando sempre o melhor. Foi com ela que aprendi o verdadeiro significado do amor, da doao e do cuidado ao prximo sem cobrar nada em troca.

Agradeo a minhas irms mais velhas, mulheres incrveis, a quem me espelho desde que me conheo por gente e que me ensinam diariamente a ser tanto uma pessoa melhor, quanto uma profissional completa. A elas devo tudo que sou e quem serei no futuro. Agradeo tambm aos meus trs sobrinhos, crianas lindas e inteligentes que me ensinam muito e contagiam com seu amor e alegria.Agradeo ao Danillo, meu melhor amigo, namorado, confidente, porto seguro e exemplo como pessoa e profissional que me proporcionou os melhores 6 anos da minha vida. Sem ele eu no teria foras para completar esta etapa to importante.Agradeo, por fim, a Carl Gustav Jung que me inspira todos os dias em minha profisso, a todos os meus clientes que me proporcionaram o maior aprendizado que eu poderia ter e a todos os professores do curso de Psicologia que me ensinaram a profisso da minha vida e tornaram esse sonho possvel; Em especial a minhas supervisoras professora Eliana Bruno e Iara Chalela, a quem devo tudo e mais um pouco, e a minha querida orientadora professora Luana Going, meu maior espelho profissional, a quem guardarei pra sempre em meu corao.

.

A criao de algo novo consumado pelo intelecto, mas despertado pelo instinto de uma necessidade pessoal. A mente criativa age sobre algo que ela ama.Carl Gustav JungSOARES, Marcelly Lima. O SIMBOLISMO NA ARTE E SUAS EXPRESSES NA CLNICA JUNGUIANA. 2014. Trabalho de Concluso de Curso. Psicologia. Universidade Catlica de Santos.RESUMOO presente trabalho discorre acerca da utilizao da expresso artstica aliada mitologia como mtodo teraputico passvel de anlise no enfoque clnico sob a tica da psicologia analtica. Atravs das mais variveis formas da arte, o homem capaz de expressar-se simbolicamente estabelecendo um dilogo entre seu inconsciente e sua realidade. Por ser repleta de smbolos, para se chegar ao sentido interno da arte necessria uma interpretao. A psicologia junguiana compreende a funo psquica do smbolo de reconhecer e unir, representando uma ponte que interliga o lado da conscincia com o do inconsciente. Jung (1964) afirma que a psique retm muitos traos dos estgios anteriores da evoluo da mente humana. A psicologia analtica chamou de inconsciente coletivo a parte da psique que retm e transmite a herana psicolgica comum da humanidade. A funo principal do mito exprimir as estruturas universais arquetpicas do esprito humano e do mundo, revelando o inconsciente das sociedades e suas formas de resolver suas tenses e, conflitos inconscientes ao longo da histria da humanidade. Nas relaes teraputicas da clnica junguiana, as dimenses inconscientes do terapeuta e do paciente esto presentes em constante interao, o que favorece o estabelecimento do vnculo teraputico e a observao das imagens inconscientes das produes artsticas, sonhos, fantasias, entre outras. A partir da reflexo dos conceitos anteriores, este estudo tem como meta discorrer acerca dos preceitos da arteterapia junguiana e sua atuao na clnica; explicitar a importncia da arte e seu grande poder transformador na histria da humanidade como busca da livre expresso do ser; e abrir novas possibilidades de reflexo acerca da dimenso do tema e reas de atuao. O mtodo e procedimento adotados na elaborao deste trabalho foram respectivamente a pesquisa exploratria e bibliogrfica. Foram utilizados artigos cientficos, teses, monografias e livros. Ao final concluiu-se que o dilogo entre o inconsciente e a realidade mediados atravs do simbolismo da arte atrelada ao mito, capaz propiciar o reequilbrio psquico e restabelecimento da vida simblica dos sujeitos. Ao utilizar a arte na prtica clnica, o analista proporciona condies para que o indivduo compreenda melhor seus sentimentos, favorecendo seu autoconhecimento, e permitindo que o ego seja alimentado de novas perspectivas de desenvolvimento.Palavras-chave: Simbolismo nas artes. Mitologia. Processo criativo. Arteterapia. Psicologia Analtica.

ABSTRACT

This paper discusses about the use of artistic expression combined with mythology as likely therapeutic method of analysis in the clinical focus from the perspective of analytical psychology. The art is a form of human communication widely used throughout history, and through its most varied forms, man is able to express himself symbolically establishing a dialogue between the unconscious and its reality. An interpretation to be filled with symbols, to get to the inner meaning of art is required. Jungian psychology understands the psychic function of the symbol of recognizing and uniting, representing a bridge that connects the side of consciousness with the unconscious. Jung (1964) states that the psyche retains many traces of the earlier stages of evolution of the human mind. Analytical psychology called the collective unconscious part of the psyche that retains and transmits the common psychological inheritance of mankind. The main functions of myth is to express the universal structures of the human mind and the world, revealing the unconscious of societies and their ways of resolving its tensions, conflicts or unconscious contradictions throughout the history of mankind. In Jungian clinical therapeutic relationships, the unconscious dimensions of the therapist and the patient are present in constant interaction, which favors the establishment of the therapeutic relationship and the observation of unconscious images of artistic productions, dreams, fantasies, etc. From the reflection of previous concepts, this study aims to argue about the precepts of Jungian art therapy and its role in the clinic; explain the importance of art and its great transforming power in human history as the pursuit of free expression of self; and open new possibilities for reflection about the size of the subject and practice areas. The method and procedure adopted in the preparation of this work were respectively exploratory and literature. Scientific papers, theses, monographs and books were used. At the end it was concluded that the dialogue between the unconscious and the mediated reality through symbolism tied to the myth of art, can provide the psychic rebalancing and restoring the symbolic life of the subjects. By using the art in clinical practice, the analyst provides conditions for the individual to better understand their feelings, encouraging their self, and allowing the ego to be fed new development prospects.

Keywords: Symbolism in art. Mythology. Creative process. Art therapy. Analytical Psychology.

SUMRIOINTRODUO.............................................................................................................8

1. A ARTE COMO FORMA DE EXPRESSO91.1 Sobre a arte91.2 Sobre os smbolos111.3 O simbolismo nas artes........................................................................................132. O PODER TRANSFORMADOR DA LINGUAGEM SIMBLICA..........................182.1 Sobre o mito.........................................................................................................182.2 Funes do mito...................................................................................................202.3 O mito na abordagem Junguiana.........................................................................232.4 Descobrindo o mito na prtica clnica...................................................................273. PSICOTERAPIA E ARTETERAPIA NA EXPRESSO DO SER..........................323.1 Sobre a psicoterapia junguiana............................................................................323.2 Sobre a arteterapia...............................................................................................364. OBJETIVO.............................................................................................................404.1 Problema..............................................................................................................404.2 Hopteses............................................................................................................40

5. MTODO................................................................................................................415.1 Procedimento.......................................................................................................416. DISCUSSO..........................................................................................................42 CONSIDERAES FINAIS.......................................................................................51REFERNCIAS53

INTRODUO

A arte sempre esteve presente na vida do ser humano, revelando-o e destacando-o no mundo. Ela representa uma forma de comunicao muito usada ao longo da histria pelo homem para expressar ao seu redor o que ocorre em seu mundo interior. Atravs das mais variveis formas, o ser humano capaz de expressar-se simbolicamente atravs da arte, no importando se na msica, na pintura, na modelagem ou nas artes cnicas.

Estudaremos nesta pesquisa a arte enquanto processo teraputico capaz de proporcionar condies para que o indivduo estabelea um dilogo entre seu inconsciente e sua realidade, favorecendo seu autoconhecimento enquanto compreende os aspectos simblicos das atividades expressivas.

A escolha do tema se deu a partir do interesse pelos processos artsticos como um todo e pelo idealizador da abordagem Junguiana, Carl Gustav Jung, que atravs de seus estudos incluiu ao pensando ocidental novos enfoques a respeito dos processos psquicos e da dimenso transcendente do ser humano. Ele valorizou a anlise das imagens simblicas projetadas nas produes artsticas dos pacientes dentro do enquadre psicoteraputico, influenciando o desenvolvimento das prticas arte teraputicas.

No primeiro captulo aborda-se a teoria da arte no mais enquanto imitao, mas destacando a atividade criativa em si e suas formas de expresso passveis de serem analisadas atravs de seu forte simbolismo. So apresentados tambm o conceito e funo dos smbolos, e alguns exemplos do simbolismo nas artes analisados em obras de Jung. O segundo captulo apresenta o conceito de mito e suas principais funes simblicas na psique humana, que visam, sobretudo, exprimir os contedos do inconsciente coletivo, ou seja, das estruturas universais do esprito humano e do mundo, revelando o inconsciente das sociedades e suas formas de resolver suas tenses, conflitos ou contradies inconscientes ao longo da histria da humanidade.

Por fim, no terceiro captulo discorremos sobre a psicoterapia de base analtica, seus preceitos e conceitos mais importantes e a aplicao da arteterapia no enfoque clnico.

1. A ARTE COMO FORMA DE EXPRESSO

Arte a expresso mais pura que h para a demonstrao do inconsciente de cada um. a liberdade de expresso, sensibilidade, criatividade, vida. Carl Gustav Jung 1.1 Sobre a arte

Podemos chegar a diversas concluses acerca do que caracteriza ou no algo como arte, porm o que nos interessa nesta pesquisa discorrer sobre as implicaes da arte e suas vrias formas de expresso na vida psquica do ser humano ao longo do seu contexto scio-histrico. A arte no pode ser considerada apenas como um elemento esttico de contemplao, mas tambm em sua relevncia como ferramenta transformadora e de comunicao das experincias subjetivas do homem.

Com base nos preceitos filosficos acerca da conceitualizao da arte, Almeida (2000) apresenta um ensaio acerca das teorias e argumentos da esttica.

Para o autor, muitos filsofos e artistas romnticos do sculo XIX, insatisfeitos com a teoria da arte como imitao, propuseram uma definio de arte que procurava se libertar destas limitaes. Tratava-se da teoria da arte como expresso, que deslocava para o artista a chave da compreenso da arte. Esta teoria afirma que uma obra considerada arte se exprime os sentimentos e emoes do artista. Nesse sentido, ele ressalta que muitos artistas reconhecem a importncia de certas emoes sem as quais as suas obras no teriam certamente existido. A partir dessa reflexo, se verdade que a arte provoca em ns determinadas emoes ou sentimentos, ento porque tais sentimentos e emoes existiram no seu criador e deram origem a tais obras.

Jung (1991) estabelece uma estreita conexo entre a psicologia analtica e a arte, baseando-se no fato de que a arte e suas manifestaes, assim como toda atividade humana oriunda de causas psicolgicas, podem e devem ser submetidas a consideraes de cunho psicolgico, sendo assim, consideradas como objeto de estudo da psicologia.

Partindo desse pressuposto, Jung (1991) afirma que se deve limitar o ponto de vista psicolgico apenas aos aspectos da arte que existem no processo de criao artstica. Ele compara esta distino ao terreno da religio, onde as consideraes psicolgicas s se aplicam aos fenmenos simblicos e emocionais, no tocando na essncia da religio. Por possuir uma natureza prpria, a arte no pode ser considerada como cincia, devendo ser tratados apenas seus aspectos que podem ser submetidos pesquisa psicolgica, no violando assim sua natureza. O autor exemplifica que assim ocorre tambm com a essncia dos sentimentos, cujo intelecto, apesar de se esforar, nunca conseguir explicar nem muito menos entender por completo.

Silveira (1981) reafirma que a psicologia analtica no busca conceituar o que a arte, mas sim, contribuir no processo de interpretao das imagens simblicas e seus significados, aprofundando-se na estruturao da obra de arte e da atividade criativa em si. A autora saliente que existem dois diferentes processos na criao de uma obra de arte. O primeiro processo demostra ser bastante acessvel e de fcil compreenso e estaria mais vinculado inteno do artista do que ao que ele deseja representar. J o outro em contrapartida pode ser comparado com uma inspirao avassaladora que parece escapar ao prprio artista que o concebe, e que o move a dar determinada forma a sua arte. O primeiro denominado processo psicolgico e o segundo visionrio. Deve-se levar em conta que um processo no anula o outro e que mesmo no primeiro caso, o artista no escapa da influncia do inconsciente (si-mesmo).

Jung (1991 apud NASTARI, 2007) ressalta que a obra traz em si a sua prpria forma; logo tudo aquilo que o produtor da obra gostaria de acrescentar, ser recusado, e tudo aquilo que ele gostaria de aceitar, lhe ser imposto. Nesse sentido, enquanto o consciente do artista est perplexo e vazio diante do fenmeno, ele inundado por uma torrente de pensamentos e imagens que sua prpria vontade jamais pensou em criar ou trazer a tona. Mesmo contra sua vontade, ele tem que reconhecer que nisso tudo sempre o seu si mesmo/sua natureza mais ntima que fala, se revelando por si mesma e anunciando abertamente aquilo que ele nunca teria coragem de falar.

Compreendemos, portando, com base em Mulholland (2003 apud NASTARI, 2007) que a expresso artstica s passvel de existir atravs da representao dos sentimentos e emoes experimentados pelo artista, suas percepes e contedos de sua conscincia, que so concretizados e transformados em formas e imagens. Assim sendo, Nastari (2007) afirma que a expresso artstica uma forma de representao, seja ela representante da realidade, puramente como uma cpia elaborada pela cognio intencional do artista, ou seja, ela intuda de alguma maneira pelo mesmo.

Baseado na concepo da arte enquanto representao, Bilbao e Cury (2006 apud NASTARI, 2007) salientam que quanto maior for distncia entre a expresso exterior da obra e o sentido interno do artista, maior ser a dificuldade em fazer uma correspondncia direta. A arte composta de smbolos, e para se chegar ao seu sentido interno necessria uma decodificao que possa estabelecer o sentido interno que corresponda ao signo externo, e para que isso ocorra, a interpretao necessria.

1.2 Sobre os smbolos

Segundo Bello (1998 apud NASTARI, 2007), o smbolo pode ser entendido como uma fora orientadora que indica uma possibilidade adormecida na inteligncia inconsciente. Ele vem dos nveis mais profundos da mente e configura-se como uma forma de energia psquica. A expresso simblica se manifesta atravs de uma imagem, e quanto mais energia psquica estiver contida em um smbolo, maior ser seu efeito na conscincia. O smbolo pode ser apreendido atravs de uma dimenso no verbal que diferentemente da palavra no pode ser explicada por um significado exato. O smbolo representa realidades mltiplas, possui uma vida prpria e segue seu prprio processo de desenvolvimento.

De acordo com a Enciclopdia Mirador Internacional (1986) a palavra smbolo tem sua origem no termo grego symbolon, que significa marca, sinal de reconhecimento, derivado do verbo grego symbllein que significa colocar junto, fazer coincidir, juntar. A partir do significado do termo, podemos perceber que ele exprime a ideia de juno de iguais que foram separados.

Jung (1991) apresenta a funo psquica do smbolo de forma semelhante; reconhecer e unir. Assim podemos compreender o smbolo como uma ponte que interliga dois lados; o lado da conscincia com o do inconsciente. Ao assumir funo semelhante no processo teraputico, a arte se torna o smbolo mediador para o indivduo, se tornando uma ponte entre o consciente e o inconsciente que propicia o reequilbrio psquico e o restabelecimento da vida simblica.

Segundo Silveira (1981) os smbolos na perspectiva de Jung, so a expresso de coisas significativas para as quais no h, no momento, formulao mais perfeita. Eles possuem vida prpria, atuam e alcanam dimenses que no podem ser atingidas pelo conhecimento racional ou pelo pensamento lgico, caso contrrio esvaziam-se e morrem. A autora difere o conceito junguiano do conceito psicanaltico de smbolo. Para a psicanlise, representaes disfaradas de contedos reprimidos no inconsciente so consideradas smbolos, porm para a psicologia analtica so apenas sinais. Na concepo junguiana, o smbolo se apresenta como uma linguagem universal infinitamente rica e capaz de exprimir por meio de imagens muitas coisas que transcendem das problemticas especficas dos indivduos.

Jung (1964) ressalta a diferena entre os sinais e os smbolos. Sinais servem apenas para indicar objetos a que esto ligados, e smbolo pode ser entendido como um termo, um nome ou mesmo uma imagem que nos pode ser familiar na vida diria, embora possua conotaes especiais alm do seu significado evidente e convencional. Uma imagem simblica quando implica em algo alm de seu significado manifesto, pois seu aspecto inconsciente nunca precisamente definido. O autor complementa que quando exploramos um smbolo, somos conduzidos a ideias que esto fora do alcance de nossa razo.

Baseado nessas definies compreende-se na viso do autor que o homem necessita da linguagem simblica como representao de conceitos que no podem ser definidos ou compreendidos integralmente. Ao conceito de divino, por exemplo, que est fora do alcance da compreenso humana, empregado por quase todas as religies uma linguagem simblica que se exprime em forma de imagens.

Calil (2010) afirma que o que distingue o ser humano das demais espcies na escala evolutiva a capacidade de registrar por vontade prpria sua presena e seus valores por onde transita. A necessidade de dar forma aos prprios smbolos atende ao chamado do inconsciente do ser humano e, segundo o autor, dentre todas as produes oriundas do inconsciente, a capacidade de auto expresso por meio da arte talvez seja a mais intrigante capacidade do homem de dar forma sua subjetividade. Forma essa encontrada pelo inconsciente para organizar seu prprio caos. Para ele a primeira manifestao do potencial de comunicao humano atravs dos smbolos foi pintura.

1.3 O Simbolismo nas artes

A histria do simbolismo mostra que tudo pode assumir uma significao simblica: Tanto objetos naturais (pedras, plantas animais), fabricados pelo homem (casas, carros) quanto, por exemplo, formas abstratas como o quadrado e crculo.

Segundo Jung (1964), atravs de sua propenso para criar smbolos, o homem confere enorme importncia psicolgica a objetos ou formas, dando-lhes expresso. O autor pretende examinar o simbolismo nas artes plsticas, apresentando o fenmeno da arte como expresso simblica das condies psicolgicas do mundo. O autor retrata as significaes psicolgicas destes smbolos, que se mantiveram constantes desde as mais primitivas expresses da conscincia at as artes mais sofisticadas do sculo XX. Ele cita trs motivos recorrentes para ilustrar a presena e a natureza do simbolismo na arte, em vrias e diferentes pocas: a pedra, o animal e o crculo.

Com relao pedra, at mesmo as que no eram trabalhadas de alguma maneira possuam uma significao altamente simblica para as sociedades primitivas. Pedras naturais e em forma bruta eram utilizadas como lpides ou objeto de venerao religiosa nas culturas primitivas por serem consideradas moradas de espritos ou deuses. Em muitos santurios de pedra famosos como os alinhamentos geomtricos de pedras na Bretanha e o crculo de pedras de Stonehenge, a divindade representada por muitas pedras brutas arrumadas em configuraes precisas.

Desde muito cedo o homem comeou a tentar exprimir aquilo que sentia ser a alma de uma rocha trabalhando-a, de modo que em muitos casos a forma esculpida era uma aproximao mais ou menos definida da figura humana, como por exemplo, dolos primitivos com feies humanas. Segundo o autor, contedos inconscientes mais ou menos precisos eram projetados sobre a pedra animizando-a, tornando-a viva. Esta tendncia primitiva de apenas sugerir uma figura humana, conservando muito da forma natural da pedra, pode ser encontrada tambm na escultura moderna, em muitos exemplos que nos mostram a preocupao do artista em manter a expresso prpria da pedra, usando-se uma linguagem mitolgica, permite-se que a pedra fale por ela mesma.

Jung (1964) afirma que o segundo motivo recorrendo o animal. Imagens de animais datadas entre 60.000 e 10.000 anos A.C. foram descobertas nas paredes de cavernas da Frana e da Espanha no final do sculo XIX, e no incio do sculo XX arquelogos comearam a perceber sua extrema importncia e a pesquisar o seu significado. Segundo Kuhn (apud JUNG, 1964) os habitantes dessas regies onde as pinturas foram encontradas recusavam-se a chegar perto destas cavernas, pois uma espcie de temor religioso ou talvez um medo dos espritos que pairavam entre as rochas e as pinturas, os detinha. As cavernas eram compostas de passagens estreitas, escuras e midas at chegar ao local onde se abrem, de repente, as grandes cmaras pintadas. O acesso difcil parece expressar o desejo dos homens primitivos em salvaguardar dos olhares comuns o que estas cavernas guardavam e todas as cerimnias que ali aconteciam, alm de proteger o seu mistrio.

As pinturas paleolticas das cavernas no eram simples reprodues da natureza, mas consistiam em figuras de animais que demostravam terem sido pintadas com a inteno de serem utilizadas como alvo. Um urso de argila na caverna apresentava 42 orifcios. Jung (1964) salienta que o animal pintado tem a funo de um substituto, que ao ser massacrado simbolicamente, assegura a morte do animal verdadeiro. A explicao psicolgica subjacente uma forte identificao entre o ser vivo e sua imagem, que considerada a alma daquele ser.

O motivo animal simboliza habitualmente a natureza primitiva e instintiva do homem. A abundncia de smbolos animais na arte de todos os tempos no acentua apenas a importncia do smbolo, mas mostra tambm o quanto vital para o homem integrar em sua vida o contedo psquico do smbolo; o instinto. O animal em si no bom nem mau, mas obedece a seus instintos, e segundo o autor, o fundamento da natureza humana tambm o instinto.

Por fim, o terceiro motivo recorrente o crculo. Jung (1964) cita a importncia do crculo como um smbolo do self. Para ele, o crculo expressa a totalidade da psique em todos os seus aspectos, incluindo o relacionamento entre o homem e a natureza, e indica sempre o mais importante aspecto da vida sua extrema e integral totalizao. Ele assinala que o smbolo autntico s aparece quando h necessidade de expressar aquilo que o pensamento no consegue formular ou que apenas adivinhado ou pressentido. Calil (2010) afirma que o crculo um smbolo ancestral que est presente em todas as antigas civilizaes, mantendo at os dias atuais a mesma fora representativa de sua origem. Apresenta a forma perfeita, sem comeo ou fim que estrutura com sua harmonia e dinamismo, a totalidade.

Santa Catarina (2009 apud CALIL 2010) destaca que as pesquisas antropolgicas de Jung, baseadas em 14 anos de estudos de diversas civilizaes primitivas, evidenciaram a tendncia do homem a desenhar crculos, desde os tempos mais remotos, principalmente em perodos de crise. Desenhos circulares denominados mandalas em snscrito, ajudavam aquela sociedade a encontrar sada para as suas aflies, constatando que embora aqueles povos no possussem o conhecimento do poder que este smbolo exercia na psique, era um impulso interno que buscava sua integrao.

A autora afirma que diversos outros significados foram sendo gradativamente apreendidos ao repertrio simblico atravs das novas experincias e experimentaes, contudo os valores ancestrais permanecero sempre inalterados:

Todos os smbolos com que o homem buscou explicaes, seja por meio da mitologia ou em outras formas, encontram-se to vivos hoje como sempre estiveram. Expressam-se nas artes, na religio e nos processos psquicos por meio dos sonhos e das fantasias. O crculo, a esfera e o redondo continuam a representar a divindade, aquilo que completo e suficiente em si mesmo, o eu integrado e expresso por meio do mandala. (SANTA CATARINA, 2009, p. 21 apud CALIL, 2010, p. 13-14).

Jung (1964) apresenta o crculo como um smbolo da psique e o quadrado como smbolo da matria terrestre, do corpo e da realidade. Ele ressalta que na maior parte das obras da arte moderna foi observado que a conexo entre estas duas formas primrias ou no existe ou absolutamente livre e acidental, o que expressa simbolicamente o estado psquico do homem do sculo XX: sua alma perdeu as razes e ele est ameaado de uma dissociao. O autor alerta que no devemos desprezar a frequncia com que os smbolos do quadrado e do crculo aparecem, e que parece haver um impulso psquico constante para trazer conscincia os fatores bsicos de vida que eles simbolizam:

O smbolo do crculo tem representado, e eventualmente ainda representa, uma parte curiosa de um fenmeno invulgar da nossa vida de hoje. Nos ltimos anos da Segunda Grande Guerra houve "rumores" a respeito de vises de corpos voadores redondos, que se tornaram conhecidos como "discos voadores" (ou "objetos voadores no identificados. Em outras palavras, estas "vises", como tambm se pode verificar em muitos sonhos de agora, so uma tentativa da psique inconsciente coletiva para curar a dissociao de nossa poca apocalptica atravs do smbolo do crculo. (JUNG, 1964, p. 249)

Para explicar a funo dos smbolos, Jung (1964) nos apresenta o conceito de smbolos culturais e sua importncia para a harmonia da psique humana.

Segundo ele, smbolos culturais so aqueles empregados para expressar verdades eternas, sendo utilizados at os dias atuais em muitas religies. Eles passaram por inmeras transformaes e longos processos de elaborao mais ou menos conscientes, tornando-se imagens coletivas aceitas pelas sociedades civilizadas. Na edificao da sociedade humana constituem-se em foras vitais e elementos importantes da nossa estrutura mental. Ao reprimir estes smbolos, sua energia psquica que parece ter se dispersado, vai servir para reviver tendncias predominantes no inconsciente que no tenham encontrado oportunidade de expressar-se ou de serem autorizadas a levar uma existncia desinibida no consciente, formando uma sombra destruidora, que transforma at mesmo as tendncias que poderiam exercer uma influncia benfica, em demnios.

Jung (1964) alerta para as consequncias do afastamento do homem moderno com a experincia simblica:

O homem moderno no entende o quanto o seu "racionalismo" (que lhe destruiu a capacidade para reagir a ideias e smbolos numinosos) o deixou merc do "submundo" psquico. Libertou- se das "supersties" (ou pelo menos pensa t-lo feito), mas neste processo perdeu seus valores espirituais em escala positivamente alarmante. Suas tradies morais e espirituais desintegraram-se e, por isto, paga agora um alto preo em termos de desorientao e dissociao universais. (JUNG, 1964, p.94)

Ele menciona descries feitas por antroplogos sobre as consequncias do impacto da civilizao moderna s sociedades primitivas e seus valores espirituais. Essas sociedades perdem o sentido da vida, sua organizao social se desintegra e os prprios indivduos entram em decadncia moral. Enquanto os conceitos instintivos ainda enchiam o esprito do homem, a sua conscincia podia integr-los numa disposio psquica coerente. A avanada conscincia do homem civilizando privou-se dos meios de assimilar as contribuies complementares dos instintos e do inconsciente, que eram exatamente os smbolos numinosos tidos como sagrados por um consenso geral. Com o aumento do conhecimento cientfico ocorre tambm a diminuio do grau de humanizao do nosso mundo, pois o homem j no est mais envolvido com a natureza, e os fenmenos perderam aos poucos suas implicaes simblicas.

O autor cita o fim do contato do homem com a natureza e a profunda energia emocional que esta conexo simblica alimentava. O trovo j no a voz de um deus irado, nem o raio o seu projtil vingador; os rios no abrigam mais espritos e as rvores j no so o princpio de vida do homem; as serpentes no encarnam mais a sabedoria ou as cavernas so habitadas por demnios. Pedras, plantas e animais j no podem falar ao homem e o homem no se dirige mais a eles na pretenso de que possam entend-lo.2. O PODER TRANSFORMADOR DO MITO E DA LINGUAGEM SIMBLICA

A Idade Mdia, a Antiguidade e a Pr-histria ainda no esto extintas, como muitos 'esclarecidos' pensam, mas continuam alegremente vivas, em segmentos significativos da populao. Carl Gustav Jung2.1 Sobre o Mito

Segundo Chaui (2000) o mito narra origem de algo; a criao da terra, dos homens, do fogo, do bem e do mal etc. A palavra mito tem origem no grego mythos que refere-se tanto ao conceito de narrativa, quanto de linguagem. Os gregos entendem o mito como um discurso verdadeiro proferido por um narrador de autoridade e confiabilidade que testemunhou diretamente o que est narrando ou recebeu a narrativa de quem de fato testemunhou. Portando, enquanto linguagem ele no representa qualquer narrativa, mas a maneira pela qual atravs das palavras, os seres humanos organizam a realidade e a interpretam.

A autora cita a importncia da linguagem enquanto forma de expresso que distingue os homens dos aninais por possurem o dom da palavra (do grego logos) e com ela exprimirem valores (o bom e o mau, o justo e o injusto) que tornam possvel a vida social e poltica. O termo logos teve sua origem na sntese de trs ideias: fala, pensamento e realidade. Ele representa a palavra racional do conhecimento do real. discurso (argumento e prova), pensamento (raciocnio e demonstrao) e realidade (ou seja, os nexos e ligaes universais e necessrios entre os seres) (CHAUI, 2000, p. 175).

Essa dupla dimenso da linguagem (mythos e logos) explica por que na sociedade ocidental podemos comunicar-nos e interpretar o mundo sempre em dois registros contrrios e opostos: o da palavra solene, mgica, religiosa, artstica, e o da palavra leiga, cientfica, tcnica, puramente racional e conceitual (p.176). Nesse pressuposto, muitos filsofos afirmam que uma cincia nasce quando uma explicao que era mtica, mgica ou artstica cede lugar a uma explicao racional, causal e metdica.

Chaui (2000) afirma que segundo a tradio filosfica (sobretudo a partir do sculo XVIII e do sculo XIX) a lgica uma evoluo do esprito humano do mito, em que o mito representava uma fase da civilizao que antecedia o advento do pensamento lgico, considerado a etapa posterior e evoluda do pensamento e da civilizao. Essa tradio remete o mito como sendo pertencente a culturas inferiores, primitivas ou atrasadas, enquanto o pensamento racional pertencente a culturas superiores.

As explicaes mticas so julgadas como resduos de uma fase passada da evoluo da humanidade, destinada a desaparecer atravs da evoluo cientfica. Nos dias atuais, sabe-se que esta concepo evolutiva est equivocada, sendo o pensamento mtico pertence ao campo do pensamento e linguagem simblico coexistentes com o campo do pensamento e da linguagem conceituais.

A autora salienta que duas linhas de estudos mostraram essa coexistncia; A primeira linha vem da antropologia social, que estuda os mitos das antigas e atuais sociedades, mostrando que no caso de nossas sociedades, a presena simultnea do conceitual e do mtico decorre do modo como a imaginao social transforma em mito aquilo que o pensamento conceitual elabora nas cincias e na Filosofia. Pode-se observar o carter mgico-maravilhoso dado as invenes tecnolgicas da atualidade para vermos a passagem da cincia ao mito.A segunda linha vem da neurologia e da anlise da anatomia da fisiologia do crebro humano, mostrando que esse rgo possui dois hemisfrios; um deles localizando-se a linguagem e o pensamento simblicos e no outro a linguagem e o pensamento conceituais.

Os artistas desenvolvem mais o hemisfrio simblico enquanto os cientistas desenvolvem mais o hemisfrio conceitual e lgico. Assim, a predominncia de uma ou outra forma do pensamento depende, por um lado, das tendncias pessoais e da histria da vida dos indivduos e, de outro lado, do modo como uma sociedade ou uma cultura recorrem mais a uma do que outra forma para interpretar a realidade, intervir no mundo e explicar-se a si mesma.

2.2 Funes do Mito

Chaui (2000) cita o antroplogo Claude Lvi-Strauss, que estudou o pensamento selvagem para mostrar que os chamados selvagens no so atrasados nem primitivos, mas operam com o pensamento mtico. O mito e o rito segundo Lvi-Strauss, no so lendas nem fabulaes, mas uma organizao da realidade a partir da experincia sensvel enquanto tal.

Para explicar a composio de um mito, Lvi-Strauss se refere a uma atividade que existe em nossa sociedade e que, em francs, se chama bricolage. Que faz um bricoleur, ou seja, quem pratica bricolagem produz um objeto novo a partir de pedaos e fragmentos de outros objetos e vai reunindo, sem um plano muito rgido, tudo o que encontra e que serve para o objeto que est compondo. O pensamento mtico faz exatamente a mesma coisa, isto , vai reunindo as experincias, as narrativas, os relatos, at compor um mito geral. Com esses materiais heterogneos produz a explicao sobre a origem e a forma das coisas, suas funes e suas finalidades, os poderes divinos sobre a Natureza e sobre os humanos.

Ainda Segundo Chaui (2000), o mito possui trs caractersticas principais; A funo explicativa em que o presente explicado por alguma ao passada cujos efeitos permaneceram no tempo; A funo organizativa em que o mito organiza as relaes sociais (de parentesco, de alianas, de trocas, de sexo, de idade, de poder, etc.) de modo a legitimar e garantir a permanncia de um sistema complexo de proibies e permisses; e A funo compensatria em que o mito narra uma situao passada, que a negao do presente e que serve tanto para compensar os humanos de alguma perda como para garantir-lhes que um erro passado foi corrigido no presente, de modo a oferecer uma viso estabilizada e regularizada da natureza e da vida comunitria.

A autora afirma tambm que o mito opera de trs formas; Na primeira rene e relaciona elementos heterogneos, fazendo com que eles ajam uns sobre os outros, em segundo lugar, dando s coisas, aos fatos e s instituies um sentido analgico e metafrico, isto , uma coisa substitui e representa outra, e na terceira o mito estabelece relaes entre os seres naturais e humanos.

A juno de elementos heterogneos pode ser demonstrada nos mitos que apresentam corpos de crianas como estrelas, lgrimas de uma deusa como chuva, o dia como sendo o carro do deus Apolo, a noite como manto de uma deusa, o tempo como deus Cronos na mitologia grega etc. O sentido analgico e metafrico pode ser demonstrando no mito de dipo, em que a relao dos humanos com o solo, os ps e o modo de andar, portanto, com a terra, simboliza ou metaforiza uma questo muito grave: os humanos nasceram da terra ou da unio de um homem e de uma mulher? Se da terra, deveriam ser imortais. No entanto, morrem. Para exprimir essa angstia, o mito simboliza a dificuldade para se relacionar com a terra atravs do andar; Labdco, av de dipo, quer dizer coxo; Laio, pai de dipo, quer dizer p torto; dipo quer dizer p inchado. Por ultimo, o mito estabelece relao entre os seres naturais e humanos narrando humanos que nasceram de animais, os astros decidindo a sorte e o destino dos humanos, ou cores, metais e pedras definindo a natureza de um humano. Chaui (2000) afirma que o mito tem como funo resolver, num plano simblico e imaginrio, as antinomias, as tenses, os conflitos e as contradies da realidade social que no podem ser resolvidas ou solucionadas pela prpria sociedade, criando, assim, uma segunda realidade, que explica a origem do problema e o resolve de modo que a realidade possa continuar com o problema sem ser destruda por ele. O mito cria uma compensao simblica e imaginria para dificuldades, tenses e lutas reais tidas como insolveis e consegue essa soluo imaginria porque opera com a lgica invisvel e subjacente organizao social. Alm de ser uma lgica da compensao, uma lgica da conservao do social, instrumento para evitar a mudana e a desagregao do grupo.

O mito ultrapassa as fronteiras da sociedade onde foi suscitado, pois sua explicao visa exprimir estruturas universais do esprito humano e do mundo, que revela uma estrutura inconsciente da sociedade, de tal modo que possvel distinguir a estrutura inconsciente universal e as mensagens particulares que cada sociedade inventa para resolver as tenses e os conflitos ou contradies inconscientes. Os acontecimentos narrados exprimem, simultaneamente, uma estrutura geral do pensamento humano e uma soluo parcial que uma sociedade determinada encontrou para o problema. Assim, a diferena homem-vegetal, homem-animal, homem-mulher, vida-morte, treva-luz uma diferena que atormenta universalmente todas as culturas, mas cada uma delas possui uma narrativa mtica especfica para responder a esse tormento.Nesse sentido, Aranha (1993) cita relatos de ndios habitantes das terras brasileiras sobre as origens do mundo, relacionando suas semelhanas com os relatos gregos dos tempos homricos; Nos relatos dos ndios encontramos o mito da origem do dia e da noite narrando que alguns ndios ao transportarem um coco, ouviram sair de dentro dele rudos estranhos e no resistiram tentao de abri-lo, apesar de recomendaes contrrias, deixando escapulir ento a escurido da noite. Por piedade divina, a claridade lhes foi devolvida pela Aurora, mas com a determinao de que nunca mais haveria s claridade, como antes, mas alternncia do dia e da noite. Os gregos dos tempos homricos relatam a lenda de Pandora, que, enviada aos homens, abre por curiosidade a caixa de onde saem todos os males. Pandora consegue fech-la a tempo de reter a esperana, nica forma de o homem no sucumbir s dores e aos sofrimentos da vida. Observando os dois relatos, percebemos muitas semelhanas: ambos falam de curiosidade, desobedincia e castigo (a escurido ou os males).A autora tambm apresenta algumas ideias do filsofo romeno Mircea Eliade, que cita como uma das funes do mito, fixar os modelos exemplares de todas as atividades humanas significativas de modo que os homens imitem os gestos exemplares dos deuses, repetindo assim suas aes. Quando questionados sobre o porqu de celebrarem determinadas cerimnias, muitos povos nativos afirmam que o fazer porque seus ancestrais assim o prescreveram, ou porque assim fizeram os deuses. O homem primitivo imita os deuses em suas aes, nos ritos que atualizam os mitos primordiais, pois acreditam que caso no o faam a semente no brotar da terra nem a rvore dar frutos, a mulher no ser frtil ou o sol nascer novamente. Essa forma sobrenatural de descrever a realidade coesa com a maneira mgica pela qual o homem age sobre o mundo. Isso pode ser observado com os inmeros ritos de passagem ainda bastantes presentes nos tempos atuais; do nascimento, do casamento, da morte, da infncia para a idade adulta etc. Nesse sentido, seria como se sem esses ritos os fatos naturais descritos no pudessem se concretizar de fato.

2.3 O mito na abordagem Junguiana

Segundo Jung (1964) atravs dos mitos e imagens simblicas que lhe sobreviveram, a histria antiga do homem est sendo redescoberta de maneira significativa. medida que os arquelogos pesquisam mais profundamente o passado, vamos atribuindo mais valor s esttuas, desenhos, templos e lnguas que nos contam velhas crenas. Filsofos e historiadores nos mostram que as mesmas formas simblicas podem ser encontradas, sem sofrer qualquer mudana, nos ritos ou nos mitos de pequenas sociedades tribais ainda existentes nas fronteiras da nossa civilizao.

Estas pesquisas contribuem para corrigir a atitude unilateral de pessoas que afirmam que tais smbolos pertencem a povos antigos ou a tribos contemporneas atrasadas, sendo, portanto alheias s complexidades da vida moderna. Os mitos dos antigos gregos ou dos ndios americanos ainda so lidos nos dias atuais, mas no se consegue descobrir qualquer relao entre estas histrias e nossa prpria atitude de hoje; No entanto essas conexes existem e os smbolos que as representam no perderam importncia para a humanidade.

O autor afirma que a Escola de Psicologia Analtica foi a que mais contribuiu para a compreenso e reavaliao destes smbolos eternos nos dias de hoje, auxiliando na eliminao da distino arbitrria entre o homem primitivo, para quem os smbolos so parte natural do cotidiano, e o homem moderno que, aparentemente, no lhes encontra nenhum sentido ou aplicao.

Jung (1964) afirma que a mente humana tem sua histria prpria em que a psique retm muitos traos dos estgios anteriores da sua evoluo. Os contedos do inconsciente exercem sobre a psique uma influncia formativa, e por mais que conscientemente possamos ignorar a sua existncia, inconscientemente reagimos a eles atravs dos sonhos, que representam formas simblicas atravs das quais esses contedos podem se expressar. Os indivduos inicialmente tm a impresso de que seus sonhos so espontneos e desconexos, porm o analista, ao fim de um longo perodo de observao, consegue constatar uma srie de imagens onricas com estrutura significativa.

Alguns destes smbolos onricos provm daquilo que a psicologia analtica chamou de "o inconsciente coletivo" isto , a parte da psique que retm e transmite a herana psicolgica comum da humanidade. Estes smbolos so to antigos e to pouco familiares ao homem moderno que este no capaz de compreend-los ou assimil-los diretamente. Nesse sentido, o analista torna-se til ao auxiliar o indivduo na compreenso desses smbolos para que ele possa eventualmente mudar sua atitude para com a vida. O paciente possivelmente ou precisar ser libertado de uma sobrecarga de smbolos que se tenham tornado gastos e inadequados, ou talvez necessite de ajuda para descobrir o valor permanente de algum velho smbolo que esteja tentando renascer sob uma forma nova e atual.

Segundo o autor, o analista precisa adquirir um conhecimento mais amplo das suas origens e do seu sentido antes de explorar eficientemente o significado dos smbolos com o paciente, pois as analogias entre os mitos antigos e as histrias que surgem nos sonhos dos pacientes de agora no so analogias triviais nem acidentais, mas existem porque a mente inconsciente do homem moderno conserva a faculdade de fazer smbolos, antes expressos atravs das crenas e dos rituais do homem primitivo. Esta capacidade de fazer smbolos ainda continua a ter uma importncia psquica vital ao ser humano que depende muito mais do que imagina da profunda influencia tanto em suas atitudes quanto no comportamento, das mensagens trazidas por estes smbolos.

Nesse sentido, Jung (1964) cita um surpreendente e familiar exemplo a todos os que nasceram numa sociedade crist; o Natal. Nesta poca, manifestada a emoo ntima que desperta o nascimento mitolgico de uma criana semidivina, apesar de no se possuir necessariamente qualquer crena religiosa. Sem que se perceba, sofremos a influncia do simbolismo do renascimento; remanescncia de uma antiqussima festa de solstcio que exprime a esperana de que se renove a esmaecida paisagem de inverno do hemisfrio norte. Nos tempos atuais, apesar de toda a nossa sofisticao, ainda celebramos esta festa simblica da mesma forma com que, na Pscoa, nos juntamos aos nossos filhos no ritual dos ovos de Pscoa ou dos coelhos. Acabamos no perceber a conexo entre a histria do nascimento, morte e ressurreio de Cristo com o simbolismo folclrico da Pscoa, no entanto, um complemento do outro.

O suplcio da cruz na Sexta-Feira Santa parece, a princpio, pertencer ao mesmo tipo de simbolismo da fecundidade que vamos encontrar nos rituais de homenagem a outros "salvadores", como Osris, Tammuz e Orfeu. Tambm eles tiveram nascimento divino ou semidivino, desenvolveram-se, foram mortos e ressuscitaram. Nas religies cclicas a morte e a ressurreio do deus-rei era um mito eternamente recorrente, diferente da ressurreio de Cristo no Domingo de Pscoa cuja ocorrncia d-se uma nica vez, e o ritual apenas a comemora. Este sentido de carter definitivo ser talvez uma das razes por que os primeiros cristos, ainda influenciados por tradies anteriores, sentiam que o cristianismo deveria ser suplementado por alguns elementos dos ritos de fecundidade mais antigos. Precisavam que esta promessa de ressurreio fosse sempre repetida. E o que simbolizam o ovo e o coelho da Pscoa.

Com esse exemplo, Jung (1964) demostra como o homem continua a reagir s profundas influncias psquicas que, conscientemente, rejeita como simples lendas folclricas ou discursos supersticiosos. Quanto mais detalhadamente se estuda a histria do simbolismo e do seu papel na vida das diferentes culturas, mais nos damos conta de que h tambm nesses smbolos um forte sentido de recriao. Alguns smbolos relacionam-se com a infncia e a transio para a adolescncia, outros com a maturidade a experincia da velhice, quando o homem est se preparando para a sua morte inevitvel, e esta progresso de ideias simblicas podem ocorrer na mente inconsciente do homem moderno da mesma maneira que nos rituais das sociedades do passado. Nesse sentido, este elo crucial entre os mitos primitivos e os smbolos produzidos pelo inconsciente de enorme valor prtico para o Analista, permitindo-lhe identificar e interpretar estes smbolos em um contexto que lhes confere tanto uma perspectiva histrica quanto um sentido psicolgico.

Baptista e Ribeiro (2001 apud NASTARI, 2007) apresentam o estudo dos smbolos na prtica teraputica. Essa prtica traz consigo a possibilidade de entendimento e reconhecimento do valor integrador e orientador do mito, que se configura como uma narrativa de carter simblico profundamente relacionado com uma dada cultura e/ou religio. O mito nos faz acessar o simblico universal arquetpico.

Ainda segundo os autores, entende-se como arqutipo padres de estruturao do desempenho psicolgico ligados ao instinto. So partes herdadas da psique e no podem ser completamente integrados nem esgotados em forma humana. Os arqutipos podem ser considerados frmas vazias preenchidas por imagens arquetpicas atravs dos mitos e do fazer artstico. Esses smbolos que preenchem as frmas representam contedos que falam tanto do percurso de cada um, quanto contam a histria da humanidade, abrindo espao ento para a tomada de conscincia de seu significado.

Para Campbell (1990 apud NASTARI, 2007), os seres humanos no buscam sentidos para vida e sim uma experincia de estarem vivos, de modo que as vivncias no plano puramente fsico tenham ressonncia no interior de seu ser. Nesse sentido os mitos representam pistas para o que somos capazes de conhecer e experimentar em ns mesmos, nos ajudando a buscar essa experincia interiormente.

Nastari (2007) afirma que todas as culturas possuem seus mitos, que se configuram como expresses particulares de arqutipos comuns a toda a humanidade. Os mitos de Criao, por exemplo, esto presentes em quase todas as culturas ou sistemas religiosos, assim como os mitos relacionados s jornadas heroicas. A autora ressalta que o importante compreender que a linguagem mtica via de expresso do inconsciente coletivo.

Baptista e Ribeiro (2001 apud NASTARI, 2007) salientam que a clnica junguiana utiliza-se da amplificao do smbolo, ou seja, da busca da integrao deste na vida do sujeito, levando em conta sua histria pessoal e subjetiva, tendo como finalidade facilitar o entendimento daquele pelo cliente. Enquanto ferramentas utilizadas na clnica, a mitologia pode contribuir com diversas imagens arquetpicas enquanto a arteterapia, com variados instrumentos que facilitam a expresso dessas imagens num plano concreto. Segundo os autores, ambas so profundamente esclarecedoras e teraputicas, possibilitando a compreenso do smbolo pelo Ego.

Ainda segundo os autores, se aliarmos a arteterapia ao trabalho com a mitologia na prtica clinica, as tcnicas expressivas propiciariam a vivncia de desdobramento das atitudes e escolhas presentes no futuro, facilitando a compreenso de nossas construes e de nossos passos, assim como o caminho para quais estes apontam. Ou seja, se o cliente conhece o mito, seja este contado por seu analista ou conhecido por ele prprio, possvel que ele passe a compreender que sua energia o est levando a manifestar um determinado tipo de atitude arquetpica na vida, concretamente, cabendo a ele corrigir a rota, ou deixar que flua nesse caminho. Agora enquanto verdadeira escolha consciente.

2.4 Descobrindo o mito na prtica clnicaBoechat (2006) afirma quetoda teoria psicolgica tem uma psicopatologiaque fundamenta seu construto terico, sendo a esquizofrenia base para o fundamentoterico da psicologia analtica de Jung. Desde o incio de sua formulao, Jung atribuiu importncia essencial para a mitologia visto que considerava o contedo esquizofrnico profundamente coincidente ao mito.No incio de sua carreira no Hospital Burghlzli ao lado do Dr. Eugen Bleuler, Jung trabalhou com esquizofrnicos e descobriu em seus delrios os chamados mitologemas, ou mitemas, fragmentos de mitos que apontam para uma origem coletiva desses contedos delirantes. Os mitologemas foram uma pista para a existncia do inconsciente coletivo e forneceram ao psiquiatra suo uma perspectiva simblica a partir da qual pde-se compreender o sentido dos delrios. Segundo Boechat (2006)o delrio no impenetrvel nem sem sentido como declara a psiquiatria clssica, mas possui um sentido prprio desde que para compreend-lo se utilize um de um pressuposto simblico. Jung seguiu Bleuler ao no manter apenas uma posio diagnstica frente a esquizofrenia, mas ao procurar sempre um contedo simblico. Para o autor, se no partirmos de um pressuposto simblico ou de associaes, tal aliterao totalmente incompreensvel do ponto de vista da conscincia, entretanto Jung persistiu na convico que desde que partamos de um pressuposto simblico, todo delrio teria um ncleo compreensvel.O caso Babettedescrito por Jung no Livro A psicologia da demncia precoce de 1906, famoso pelo paciente apresentar um delrio em forma de uma aliterao totalmente irracional e incompreensvel ao dizer: eu sou o sino, eu sou o sino, eu sou o sino. Posteriormente com uma branda melhora na comunicao do paciente, ele afirmou admirar o poeta Schiller, autor de O sino. Babette, filha de importante famlia sua, havia sido abandonada no grande hospital cantonal Brghozli e ao sentir-se sem valor ou importncia, seu delrio ao dizer eu sou o sino, era a forma de seu inconsciente dizer: eu sou importante, eu tenho valor. Boechat (2006) ressalta o importante conceito de compensao formulado por Jung e imprescindvel para a formulao terica da psicologia analtica. Com base nesse conceito, o delrio opera compensando a atitude da conscincia, assim como o sonho tambm compensa a atitude consciente do sonhador, regendo a relao entre os dinamismos conscientes e inconscientes, operando por uma homeostase psquica.

No exemplo citado acima pelo autor, a imagem do sino de Schiller aponta para uma figura literria da experincia em nvel pessoal da paciente, isto ; por uma srie de associaes conscientes, seu gosto pela poesia de Schiller, seu estado de profunda depresso e sentimento de abandono consciente, entre outros fatores da conscincia, o que tornam o contedo delirante passvel de explicao. Entretanto, o autor afirma que h diversas situaes nas quais o contedo do delrio apresenta-se como um mito de tonalidade coletiva, impessoal. Segundo Boechat (2006)quando a tenso dos opostos (consciente e inconsciente) quase insustentvel, o delrio apresenta contedos pertencentes ao inconsciente coletivo, mantendo suas caractersticas de compensao homeosttica, porm originando mitologemas.

O autor cita o bastante conhecido exemplo do paciente do falo solar, que nas prprias palavras de Jung em famosa entrevista para a TV BBC de Londres, deu a pista (hint) para descoberta do inconsciente coletivo. No relato, o paciente puxa Jung pela lapela do palet e diz com muita ansiedade: Doutor olhe o sol, como tem um falo, o falo do sol que a origem dos ventos... Se o senhor balanar a cabea da esquerda para a direita ver o falo solar tambm oscilando, ele a origem dos ventos....

Boechat (2006)afirma que Jung naturalmente pensou se tratar de um contedo delirante sem sentido lgico nenhum como tantos outros, todavia anotou em seu bloco de notas, e quatro anos mais tarde encontrou em Paris o famoso Manuscrito Papiro de Paris da Religio Mitraica em que havia uma orao quase idntica fala delirante de seu paciente esquizofrnico: Se olhares para o oriente vers o falo solar, que se move do oriente para o ocidente. Este falo se move originando os ventos. O autor afirma que para Jung foi importante que o paciente no tivesse conhecimento do mito e tivesse pouca cultura geral. Esse exemplo segundo o prprio autor serviu de base para a formulao da teoria do inconsciente coletivo e dos arqutipos.

A presena dos mitologemas, ou seja, da mitologia nas produes delirantes de esquizofrnicos est na prpria gnese da teoria junguiana do inconsciente coletivo. Segundo Boechat (2006) Jung formulou teoricamente como se d a presena do mito no dinamismo consciente-inconsciente, afirmando que a psique inconsciente regida pelo pensamento circular, onrico, ou mitolgico e o inconsciente opera pelo mecanismo associativo de imagens mitolgicas.

O autor afirma que assim como no conhecido exemplo do falo solar, diversos outros psicticos, como o paciente de Jung e Freud Schreber, incluram entre seus delrios essa mesma imagem, que tambm aparece em muitssimas outras religies e obras de arte. Daniel Paul Schreber foi um culto jurista alemo que apresentava graves surtos psicticos que surgiram quando era promovido de cargo como jurista. Ele publicou em 1903 o livro Memrias de um doente de nervos em que descreve suas vivncias psicticas. Em uma delas, v-se como mulher, nua, sendo fecundadopor um sol flico. Jung impressionado com a presena marcante do Falo Solar fecundante novamente e com o forte material mitolgico nos delrios de Schreber comeou a questionar o problema da libido exclusivamente sexual.

Segundo Boechat (2006)o psictico apresenta as imagens psquicas mais livres de censura da conscincia. O mundo das psicoses um mundo mitolgico, portando se torna fundamental evidenciar os mitologemas dos delrios nas observaes clnicas das psicoses. O autor menciona um evento que presenciou no Hospital Psiquitrico Pedro II, em que um paciente extremamente regredido se escondia debaixo do leito, no querendo conversar nem com mdicos, enfermagem ou pessoa alguma. Ao insistir durante alguns dias para que o paciente sasse debaixo do leito, o autor narra at que ao finalmente sair, o paciente mostrou-lhe um cigarro e pediu-lhe para que o acendesse. Aps t-lo acendido ele disse: Dr., ns somos esse cigarro,s que eu s a parte acesa e o sr. a parte apagada....

Para o autor, o paciente acabava de mitologizar intensamente sua relao com ele, representando-a pelo cigarro aceso. O fogo, representante arcaico da divindade, funcionou neste caso como elemento catalizador do smbolo central da psique, o arqutipo do Self. O paciente esquizofrnico sentia-se prximo ao fogo, logo ao Self, e o autor, na parte apagada do cigarro, junto ao princpio da realidade, representando o pragmatismo sobre o qual se poderia construir uma realizao teraputica construtiva.

Boechat (2006)afirma que na psicologia analtica os contedos psquicos no so apenas conceitos abstratos tericos, como id, inconsciente ou arqutipo, mas sim personificados; personagens internos vivos, deuses. Para o autor, as aplicaes do mito na prtica so fundamentais, pois o movimento da libido inconsciente se d por associao de imagens mitolgicas, e ao detectar a imagem que domina o quadro clnico de um paciente, pode-se no s perceber o diagnstico, ou seja, qual a figura arquetpica mitolgica que est dominando seu processo de individuao naquele momento, mas tambm qual seu prognstico e evoluo.

Ainda segundo o autor, trabalha-se em psicologia analtica com oprocesso de amplificao criado por Jung, que se mostra equivalente a arcaicos modos de contar estrias que sempre existiriam em todas as culturas. No antigo xamanismo, por exemplo, os xams sempre utilizaram antigas lendas no tratamento de doenas mentais e fsicas. paradigmtico o exemplo que Lvi-Strauss relata do xam Cuna do Panam que utiliza cantar um mito tradicional para facilitar um parto de uma paciente.

Boechat (2006)relata um caso clnico em que uma paciente depressiva que se encontrava em um casamento e uma vida profissional sem muitas perspectivas, descobriu na anlise atravs da tcnica expressiva das esculturas, um caminho para seu desenvolvimento pessoal.

O autor relata que de incio, por resistncia, a paciente tentou desvalorizar os objetos artsticos que criava com as mos, ou a prpria atividade manual em si, mas explica que esta desvalorizao era parte de seu processo depressivo que se originou na infncia aos quatro anos de idade, quando a paciente foi vtima de abuso sexual. Sua depresso era tal que qualquer interpretao de sua dificuldade em realizar um trabalho profissional adequado seria pouco eficaz e aludida a explicaes de como a sociedade industrial desvaloriza o trabalho manual e artstico em prol do trabalho puramente mental.

Em virtude de sua intensa regresso na poca, uma amplificao adotada foi uma referncia ao mito dos anes nos contos de fada e nos diversos mitos, os anes dos Niebelungos, no ciclo O Anel dos Niebelungos, Os anes esto sempre prximos de ouro e riquezas, como os anes do conto Branca de Neve. Na mitologia grega, os anes aparecem em sua criatividade como as Dctilos e Cabiros. Na mitologia do corpo, os anes so a mitologizao da criatividade das mos e a possibilidade de relativizar a conscincia centrada unicamente no crtex cerebral, levando a conscincia para o corpo todo.

Boechat (2006)afirma que a mitologia dos anes foi uma amplificao do processo de individuao da paciente que dependeu nesta fase da conscincia das mos, complementando a conscincia cortical. O trabalho manual veio em muito a reforar todo o trabalho de elaborao da anlise de seus complexos sexuais familiares no resolvidos de infncia e s posteriormente a interpretao direta pde ser integrada totalmente dentro do processo de individuao.

3. PSICOTERAPIA E ARTETERAPIA NA EXPRESSO DO SER

Sua viso se tornar clara somente quando voc olhar para dentro do seu corao. Quem olha para fora, sonha. Quem olha para dentro, desperta. Carl Gustav Jung

3.1 Sobre a Psicoterapia Junguiana

Segundo Jung (1981 apud SANTANNA, 2001), a psicoterapia um processo dialtico entre dois sistemas psquicos; o do analisando e o do analista, que marca um encontro significativo entre duas pessoas, e resulta em uma mtua transformao. Nesse sentido, o ideal positivista de distanciamento absoluto do objeto de estudo na figura do analista como portador do saber e do poder de alterar a realidade psquica do outro, no cabe ao processo psicoterpico e desaparece, dando espao ao que de fato importa; a capacidade de relacionamento humano e a entrega incondicional do terapeuta ao processo de desenvolvimento psquico do outro.

Ainda segundo o autor, na relao teraputica est presente no apenas a dimenso consciente, mas, sobretudo, a dimenso inconsciente do terapeuta e do paciente, em que o ego e o inconsciente do terapeuta e seu paciente esto em constante interao, favorecendo o estabelecimento do vnculo teraputico, da transferncia e da contratransferncia, e as constelaes arquetpicas. A relao teraputica pode ser estabelecida mediante o discurso e a compreenso racional e causal dos fatos e experincias do paciente na esfera da conscincia, entretanto na esfera do inconsciente, a intuio substitui a razo, e a percepo toma consistncia na observao das imagens que fluem do inconsciente por intermdio de fantasias, sonhos, sensaes corporais, delrios, etc., possibilitando acesso quilo que est constelado no inconsciente.

Jung (1981 apud SANTANNA, 2001) afirma que o processo psicoterpico se d em diferentes estgios: confisso, esclarecimento, educao e transformao. A confisso ocorre no incio do processo em que a causa do conflito psquico partilhado com o terapeuta. Sobre a conscincia, o efeito dela de alvio, uma vez que o que estava reprimido pde ser revelado numa confisso consciente. O segundo estgio a elaborao consciente desse conflito e a compreenso de suas possveis causas e implicaes. No terceiro estgio, trata-se de buscar a reeducao do indivduo em face de uma nova adaptao ao meio. Esses trs primeiros estgios atendem s necessidades teraputicas do indivduo socialmente orientado cuja conscincia se adapta ao sistema coletivo em que est inserido.

Para o autor, no caso de indivduos psiquicamente diferenciados, cujo sistema de adaptao no se ajusta ao modo coletivo, necessrio um quarto estgio, a transformao , que deve conduzi-lo ao desenvolvimento de um sistema adaptativo individual. nesse estgio que mediante o confronto intenso com o inconsciente o conflito deve ser integrado, proporcionando o nascimento de uma nova ordem psquica.

Santanna (2001) ressalta que se os efeitos teraputicos dos trs primeiros estgios forem facilmente observveis por meio das atitudes e do acrscimo de conscincia do paciente, os do processo de transformao s podem ser identificados mediante a observao do fluxo e desenvolvimento das imagens psquicas tanto do paciente como do analista. No quarto estgio a elaborao e compreenso cedem lugar ao cultivo da alma, que visa muito mais remetaforizao da conscincia do que literalizao do inconsciente. Neste, o foco da conscincia e da adaptao ao coletivo deslocado para o processo de individuao subjacente. A conscincia deve abranger os paradoxos para transformar-se, e eles s adquirem expresso mediante a linguagem metafrica ou simblica. necessria uma aproximao efetiva do discurso imagtico para que as transformaes mais profundas da psique se realizem.

Santanna (2001) reafirma o carter criativo que o inconsciente possui segundo a psicologia analtica, representando a base dinmica e a fonte de toda a vida psquica e no apenas um conjunto de contedos indisponveis conscincia. O conceito de inconsciente coletivo introduzido pelo autor enquanto totalidade dos arqutipos, ou seja, prefigurao instintiva do desenvolvimento. Nessa perspectiva, a adaptao da humanidade vida se constitui enquanto conjunto de possibilidades adaptativas acumuladas e registradas ao longo de sua histria na psique coletiva como sistemas vivos de reao e aptides determinantes da vida individual. O autor, entretanto afirma com base em Jung (1986 apud SANTANNA, 2001) que o inconsciente no se configura apenas enquanto preconceito histrico gigantesco, visto que os arqutipos nada mais so do que formas atravs das quais se expressam os instintos e se origina o impulso criador.

Em oposio ao proposto inicialmente pela escola psicanaltica, os processos ditos primrios, no precisam ser traduzidos para uma linguagem discursiva a fim de integr-los conscincia. Segundo o autor, seria um erro admitir a possibilidade de reduzir esses contedos conscincia graas ao entendimento e estruturao da experincia psquica mediante a palavra, e caso isso ocorra, o material psquico fica empobrecido. Todavia quando mantidos em sua forma natural, esses contedos enriquecem a conscincia e podem aos poucos revelar seus mltiplos e singulares significados s vrias dimenses da vida.

Santanna (2001) afirma que a funo da conscincia no apenas reconhecer e introjetar o mundo exterior atravs dos sentidos, mas, sobretudo traduzi-lo criativamente para a realidade psquica. Segundo Jung (1986 apud SANTANNA, 2001) a causa dos conflitos psquicos est na ciso da conscincia com o inconsciente coletivo, base instintiva da psique, e ele prope que o esforo teraputico seja no sentido de estabelecer uma ponte entre o ego e o self, estabelecendo assim uma funo transcendente, originria na funo compensatria da psique.

Nesse sentido, Santanna (2001) afirma que o cultivo das imagens no processo psicoterpico, pode facilitar uma passagem da relao puramente egica para a integrao da dimenso inconsciente; uma sada da persona do analista que cura, para a dimenso instintiva da psique, que pode produzir um redimensionamento da situao psquica na sua totalidade. A psicologia analtica, contrariamente a muitas teorias psicolgicas, entende que o desenvolvimento do ego um processo contnuo cuja tendncia constituir no uma personalidade monoltica e absoluta, mas relativiz-la em favor da dimenso instintiva da psique, que capaz de constituir uma personalidade mais ampla, fluida e criativa.

Jung (1986 apud SANTANNA, 2001) afirma que h duas maneiras bsicas de se adaptar realidade: uma neurtica em que h um ego estruturado que tende cristalizao e ao empobrecimento, prejudicado pela falta de contato com os movimentos adaptativos e criativos do inconsciente e outra psictica em que o ego uma estrutura fluida, pouco continente, permeada de contedos do inconsciente pessoal e coletivo.

Santanna (2001) afirma que na atitude neurtica o inconsciente pressiona o ego com sonhos, fantasias, atos compulsivos e sintomas neurticos no exerccio de sua funo compensatria, e a atitude teraputica deve favorecer a flexibilizao do ego atravs da relao com a base instintiva da psique de onde podem emergir novas possibilidades de desenvolvimento psquico.

A observao das imagens interiores assume papel teraputico de grande importncia por terem um apelo imediato, com a vantagem de dificilmente serem manipuladas defensivamente pelo ego por meio do discurso, na medida em que estabelecem uma ponte com o inconsciente permitindo que o ego seja alimentado de novas perspectivas de desenvolvimento. O autor recomenda caso no haja produo espontnea de fantasias, a utilizao de alguma tcnica facilitadora, que deve ser sugerida a partir do estado afetivo inicial. Pessoas com facilidade de expresso por desenho, pintura ou escultura, podem expressar concretamente os contedos inconscientes por meio de imagens.

Ainda segundo Santanna (2001) na atitude psictica a funo egica de distino e delimitao prejudicada, atribuindo fantasia carter de realidade. No tratamento da psicose, entretanto, o fluxo das imagens deve ser objetivado e despontencializado, para que a estrutura egica possa se organizar e fortalecer. Jung (1986 apud SANTANNA, 2001) afirma ser possvel atravs de medidas teraputicas comuns, levar a mente do paciente a uma distncia segura de seu inconsciente induzindo-o a representar sua situao psquica num desenho ou num quadro. Atravs do desenho, o caos que nos parece impossvel compreender e formular pode ser visualizado e objetivado, podendo ento ser observado distncia, analisado e interpretado pela conscincia. Ainda segundo o autor, quando o paciente se v ameaado pelos afetos da experincia originria, as imagens por ele projetadas serviro para aplacar o terror.

Nesse sentido, conclui-se que mediante tcnicas expressivas ou estudo de mitos e contos de fadas, a fantasia se corporifica e se distancia do sujeito favorecendo uma relao consciente com ela. A utilizao de formas estruturantes como as mandalas tambm auxiliam identificando se a base instintiva da psique est reagindo compensatoriamente desestruturao psquica.

3.2 Sobre a Arteterapia

Segundo Coqueiro; Vieira e Freitas (2010) a arteterapia constitui-se como uma prtica transdisciplinar, pois um dispositivo teraputico que absorve saberes das diversas reas do conhecimento, com a finalidade de resgatar o homem em sua integralidade atravs de processos de autoconhecimento e transformao. A Associao Brasileira de Arteterapia a define como um modo de trabalho que utiliza a linguagem artstica como base da relao cliente-profissional. Define-se como sua essncia a criao esttica e a elaborao artstica em prol da sade.

Ainda segundo os autores, a arteterapia um processo predominantemente no verbal, por meio do qual principalmente atravs das artes plsticas, acolhe o ser humano com toda sua complexidade e dinamicidade, procurando aceitar os diversos aspectos dos pacientes, como os afetivos, culturais, cognitivos, motores, sociais entre outros, e configurando-se como ferramenta importante na sade mental.

De acordo com Nastari (2007) a arte est em expanso no Brasil e no cenrio internacional, e apesar de ainda ser vista como uma prtica alternativa demonstra resultados no sentido de busca de sade e restaurao do equilbrio do indivduo. Nesse sentido, a autora ressalta que as primeiras pesquisas nos remetem relao entre a arte e a psiquiatria. Com base em Andrade (2000 apud NASTARI, 2007), Max Simom, mdico psiquiatra, publicou em 1876 pesquisas sobre manifestaes artsticas de doentes mentais e fez uma classificao de patologias segundo essas produes. Em 1888, Lombroso, advogado criminalista, fez anlises psicopatolgicas dos desenhos de doentes mentais pra classificar doenas. Outros nomes da psiquiatria europia, entre eles Morselli, Julio Dantas e Fursac, tambm se dedicaram aos estudos a respeito de produes artsticas dos doentes mentais.

A autora ressalta que a arteterapia ainda muito associada e utilizada em sade mental, entretanto, atualmente sua abrangncia ampliou-se consideravelmente, sendo aplicada como mtodo teraputico em diversos contextos, intuies e grupos diferentes. uma formao que pode ser estudada por distintos profissionais de sade, tais como psiclogos, mdicos, fonoaudilogos, fisioterapeutas, utilizando-a isoladamente no seu exerccio profissional ou em grupos multidisciplinares.

Segundo Coqueiro; Vieira e Freitas (2010) a arteterapia firmou-se como campo especfico do conhecimento, nos Estados Unidos em 1940, com o trabalho da Psicloga, educadora e artista plstica Margareth Naumberg, conhecida como percussora da arteterapia por estabelecer as fundamentaes tericas para seu desenvolvimento, alm de demarc-la como rea do saber. A Psicologia Junguiana, anterior a Naumberg, j na dcada de 1920 apropriou-se da expresso artstica como parte do processo psicoterpico, considerando as imagens enquanto representaes da simbolizao do inconsciente individual e do inconsciente coletivo.

No Brasil, dois psiquiatras se destacam por suas contribuies na fundamentao terica da arteterapia: Osrio Csar, em 1923 no hospital do Juqueri em So Paulo, sob a influncia da Psicanlise, e Nise da Silveira, em 1946 no Centro Psiquitrico Dom Pedro II, no Rio de Janeiro sob a influncia junguiana, que buscava compreender as imagens produzidas pelos pacientes.Vasconcellos e Giglio (2007) citam outra autora que estudou os aspectos teraputicos do ato de pintar e desenhar. Zimmermann (1992 APUD VASCONCELLOS E GIGLIO, 2007) destacou que por meio da catarse, nesse processo teraputico ocorre a canalizao da energia contida, podendo desencadear a redistribuio da energia psquica durante a elaborao artstica, mencionando a oportunidade de oferecimento de espao continente s projees de contedos inconscientes durante o processo expressivo.

Ainda segundo os autores, com a ampliao do enfoque da arteterapia a partir da dcada de 20, a prtica passou a contemplar no somente a possibilidade de diagnstico, mas tambm sendo destacado seu aspecto teraputico. O processo de arteterapia se baseia no reconhecimento de que os pensamentos e os sentimentos mais fundamentais do homem, derivados do inconsciente, encontram sua expresso em imagens e no em palavras, e salientam que cada indivduo, treinado ou no em arte, tem uma capacidade latente de projetar seus conflitos internos em forma visual. Naumburg (1991 apud VASCONCELLO E GIGLIO, 2007) afirma que quando os pacientes visualizam suas experincias internas projetando seus conflitos em forma visual frequentemente eles se tornam mais articulados verbalmente.

Andrade (2000 apud VASCONCELLO E GIGLIO, 2007) faz uma distino entre duas linhas de atuao: arte como terapia e arte psicoterapia. Na primeira delas, o foco principal da terapia est no processo artstico, considerando suas propriedades curativas. Na segunda vertente, os recursos artsticos so utilizados amplamente durante o processo psicoteraputico, que acrescenta o mundo das imagens como mecanismo de comunicao entre paciente e psicoterapeuta (nesse caso, com a utilizao de tcnicas de artes plsticas). Ainda segundo o autor, nessa segunda linha de atuao a expresso artstica ocorre dentro de um enquadre psicoteraputico especfico, seguindo princpios, tcnica, embasamentos tericos e objetivos que visam fundamentalmente o desenvolvimento emocional do indivduo.

Segundo Eleoterio e Damio-Junior (2010) a clnica um dos espaos onde o psiclogo pode processar seu fazer, no entanto, salientam que ao optar pelo referencial da Psicologia Junguiana, h outros contedos que esse profissional precisar utilizar. Nessa perspectiva, o psicoterapeuta poder buscar uma aproximao do inconsciente por meio das tcnicas de projeo das imagens internas, uma vez que no processo de atendimento, no h uma utilizao de tcnicas que sejam dadas a priori. Ainda segundo os autores, a tcnica uma ferramenta que permite interveno profissional, e o momento de utiliz-la depender tanto da fase do processo teraputico, da situao de vida do paciente e da demanda para a existncia do atendimento, quanto da formao do psiclogo e da sua experincia para definir qual o momento mais adequado para utiliz-la.

O uso das tcnicas de projeo das imagens internas (pinturas, desenhos, escultura, caixa de areia) ajuda na liberao de contedos inconscientes de forma ldica e eficaz. Levo os pacientes a se exprimirem por meio de um pincel, de um lpis, de uma pena, quando atingem um certo estgio em sua evoluo. (JUNG, 2004, p. 46 apud ELEOTERIO E DAMIO-JUNIOR, 2010, p.65). Ainda segundo Jung (1975 apud GAILLARD, 2010) a arte nos precede e nos faz viver o que, muitas vezes, se encontra fora de nosso alcance.

Segundo Philippini (1996, apud NASTARI, 2007) o arteterapeuta configura-se como um facilitador do processo criativo que busca sempre ultrapassar a tcnica valendo-se da inteno e da sensibilidade. O foco est no sujeito-criador e o profissional da arteterapia tem como intuito procurar estar atento aos caminhos que o sujeito aponta, estando aberto a escut-lo, perceb-lo e colocar-se a disposio do sujeito no empreendimento dessa jornada. Gaillard (2010) ressalta que cabe a ns aprender a reconhecer, a pensar e a trabalhar o que a arte nos apresenta de forma comovente, mas extremamente enigmtica, e nos desafia a participarmos corajosa e pessoalmente de nossa relao com o inconsciente, de nossa prpria capacidade de expresso, de representao e de dramatizao.

Jung em vrios momentos cruciais de sua vida, orientou-se pelo caminho das criaes artsticas, colocando por assim dizer, a mo na massa. Especialmente depois de seu rompimento com Freud, entregou-se no jardim de sua casa a tentativas de construo, de modelagem e de escultura, dedicando-se principalmente ao desenho, pintura e caligrafia. Estando mais uma vez a frente de seu tempo, mesmo ainda no se tratando de arteterapia, experimentou a tcnica em si mesmo e depois sem seus pacientes.

Gaillard (2010) cita uma frase de Jung em um de seus primeiros escritos publicado em 1916, que data o incio de seu trabalho como analista que consistiu em conjugar, num mesmo movimento de pesquisa, o trabalho das mos (atravs da criao artstica) e o do pensamento; "As mos, muitas vezes, conseguem decifrar um enigma com o qual a mente se debate em vo".4. OBJETIVO

Este trabalho tem como objetivo discorrer acerca dos preceitos da arteterapia Junguiana, abrindo novas possibilidades de reflexo acerca da dimenso do tema e reas de atuao.

4.1 Problema

A expresso artstica pode ser considerada como mtodo teraputico passvel de ser analisado para a compreenso da manifestao do inconsciente?

4.2 Hipteses

A teoria Junguiana considerada como via de compreenso do universo mental atravs da anlise da expresso artstica no processo psicoterpico. A arteterapia como mtodo teraputico propicia a independncia, uma vez que os sujeitos tornam-se mais ativos e motivados.

5. MTODO

Classifico minha pesquisa como sendo exploratria, pois segundo Gil (2010) seu objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torn-lo mais explcito ou a constituir hipteses. Pode-se dizer que estas pesquisas tm como objetivo principal o aprimoramento de idias ou a descoberta de intuies. Seu planejamento , portanto, bastante flexvel, de modo que possibilite a considerao dos mais variados aspectos relativos ao fato estudado. Na maioria dos casos, essas pesquisas envolvem: (a) levantamento bibliogrfico; (b) entrevistas com pessoas que tiveram experincias prticas com o problema pesquisado; e (c) anlise de exemplos que estimulem a compreenso (SELLTIZ et ai., 1967, p. 63 apud GIL, 2010).

5.1 Procedimento O procedimento empregado na elaborao deste projeto de pesquisa ser a pesquisa bibliogrfica, pois segundo Gil (2010), ela elaborada com base em material j publicado que inclui material impresso, como livros, revistas, jornais, teses, dissertaes e anais de eventos cientficos.

6. DISCUSSO

O incio da carreira de Jung no Hospital Burghlzli ao lado do Dr. Eugen Bleuler e seu trabalho com pacientes esquizofrnicos, sem dvida foi uma grande contribuio para a formulao da Psicologia Analtica. Suas inmeras descobertas acerca dos delrios dos pacientes esquizofrnicos forneceram ao psiquiatra suo uma perspectiva simblica a partir da qual se pde compreender o sentido dos delrios tornando possvel a elaborao de diversos conceitos. Jung percebeu que os contedos apresentavam fragmentos de mitos, o que apontou para uma origem coletiva desses contedos delirantes, ditos mitologemas, que representaram uma pista para a descoberta da existncia do inconsciente coletivo e os arqutipos.

O caso Babettedescrito por Jung no Livro A psicologia da demncia precoce de 1906, citado nos captulos anteriores teste trabalho, apresenta o importante conceito de compensao formulado por Jung e imprescindvel para a formulao terica da psicologia analtica, assim como o bastante conhecido exemplo do paciente do falo solar tambm citado, apontou para a presena da mitologia nas produes delirantes de esquizofrnicos, e nas prprias palavras de Jung em famosa entrevista para a TV BBC de Londres, deu a pista (hint) para a descoberta do inconsciente coletivo. Jung formulou teoricamente como se d a presena do mito no dinamismo consciente-inconsciente, afirmando que a psique inconsciente regida pelo pensamento circular, onrico, ou mitolgico e o inconsciente opera pelo mecanismo associativo de imagens mitolgicas.

Diversos outros psicticos, como o paciente Schreber de Jung e Freud, incluram entre seus delrios importantes contedos simblicos, que tambm aparecem em muitssimas outras religies e obras de arte, impressionando Jung com o forte material mitolgico presentes nesses, e impulsionando-o a questionar o problema da libido exclusivamente sexual de Freud.

Em vrios momentos cruciais da vida de Jung, especialmente depois de seu rompimento com Freud, ele orientou-se pelo caminho das criaes artsticas entregando-se no jardim de sua casa as tentativas de construo, de modelagem e de escultura, e dedicando-se principalmente ao desenho, pintura e caligrafia. Estando mais uma vez a frente de seu tempo, mesmo ainda no se tratando de arteterapia, experimentou a tcnica em si mesmo e depois sem seus pacientes. Conforme fala do prprio autor; "as mos, muitas vezes, conseguem decifrar um enigma com o qual a mente se debate em vo". Segundo ele:

Os elementos pictricos que no correspondem a nenhum lado externo devem provir do ntimo... Como esse ntimo invisvel e inimaginvel mas pode influenciar a conscincia de um modo muito eficaz, levo os meus pacientes, sobretudo os que sofrem de tais efeitos, a reproduzi-los da melhor maneira possvel, atravs da forma pictrica. A finalidade desse mtodo de expresso tornar os contedos inconscientes acessveis e, assim, aproxim-los da compreenso. Com essa teraputica consegue-se impedir a perigosa ciso entre a conscincia e os processos inconscientes. Todos os processos e efeitos de profundidade psquica, representados pictoricamente, so, em oposio representao objetiva ou consciente, simblicos, quer dizer, indicam da melhor maneira possvel, e de forma aproximada, um sentido que, por enquanto, ainda desconhecido. (JUNG, 1935/1985, p.120 apud VASCONCELLOS E GIGLIO, 2007, p. 379)

Carl Gustav Jung incluiu ao pensando ocidental, atravs de seus estudos em diversas reas como alquimia, mitologia, arte, histrias de vrias culturas e religies, novos enfoques tanto a respeito dos conceitos que analisam e explicam os processos psquicos quanto a partir da introduo de uma abordagem de trabalho e tcnicas diferenciadas e bem a frente de seu tempo.

A prpria definio de psicoterapia para a abordagem junguiana tida como uma relao de troca entre dois sistemas psquicos; o paciente e o analista. O analista deve considerar cada caso como uma nova teoria que necessita de tcnicas e ferramentas que no sejam definidas a priori, mas a partir dos desdobramentos do vnculo e processo teraputico. A clnica junguiana afasta o modelo mdico em que o analista participaria apenas com seu saber, analisando e compilando os dados fornecidos pelo paciente para depois fornecer diagnstico, prognstico e tratamento, pois parte do princpio que uma profunda transformao somente se processa a partir da relao verdadeira entre analista e paciente.

A relao teraputica pode inicialmente ser estabelecida mediante o discurso e a compreenso racional e causal dos fatos e experincias do paciente na esfera da conscincia, entretanto na esfera do inconsciente, a intuio e a percepo substituem a razo e elas tomam consistncia na observao das imagens que fluem do inconsciente por intermdio de fantasias, sonhos, sensaes corporais, delrios, entre outros, possibilitando acesso quilo que est constelado no inconsciente. A observao das imagens interiores assume papel teraputico de grande importncia na clnica junguiana, pois dificilmente so manipuladas defensivamente pelo ego por meio do discurso, e estabelecendo uma ponte com o inconsciente permitindo que o ego seja alimentado de novas perspectivas de desenvolvimento.

Ao considerarmos as produes artsticas ao longo da histria da humanidade enquanto formas de expresso da subjetividade e dos contedos inconscientes, abrimos preceitos para a anlise desses contedos sob a tica da psicologia analtica. Conforme pode ser observado no livro O homem e seus smbolos citado neste trabalho nos captulos anteriores, Jung atesta a grande quantidade de smbolos universais, ditos arquetpicos advindos do inconsciente coletivo, presentes em vrias obras de diferentes culturas e pocas diferentes.

Por serem repletas de smbolos, para se chegar ao sentido interno das obras de arte necessria uma decodificao, e para que isso ocorra a interpretao necessria. Ao observarmos a etimologia da palavra smbolo e a prpria definio de Jung para o termo, percebemos que ele exprime a ideia de juno de iguais que foram separados. A psicologia junguiana apresenta a funo psquica do smbolo de forma a reconhecer e unir, o que nos possibilita sua compreenso enquanto uma ponte que interliga dois lados; o lado da conscincia com o do inconsciente, propiciando o reequilbrio psquico e o restabelecimento da vida simblica dos sujeitos.

O estudo dos smbolos na prtica teraputica traz consigo a possibilidade de entendimento e reconhecimento do valor integrador e orientador do mito, que se configura como uma narrativa de carter simblico profundamente relacionado com uma dada cultura e/ou religio que nos faz acessar o simblico universal arquetpico. As trs caractersticas principais do mito; funo explicativa, organizativa e compensatria e o modo como ele opera reunindo e relacionando elementos heterogneos de modo que ajam uns sobre os outros, dando s coisas, aos fatos e s instituies um sentido analgico e metafrico que estabelece relaes entre os seres naturais e humanos, podem ser relacionados ao importante conceito de compensao formulado por Jung e imprescindvel para a formulao terica da psicologia analtica.Com base nesse conceito, o delrio opera compensando a atitude da conscincia, assim como o sonho tambm compensa a atitude consciente do sonhador, regendo a relao entre os dinamismos conscientes e inconscientes, operando por uma homeostase psquica. A causa dos conflitos psquicos est na ciso da conscincia com o inconsciente coletivo, base instintiva da psique, e ele prope que o esforo teraputico seja no sentido de estabelecer uma ponte entre o ego (conscincia inferior) e o self (centro de toda a personalidade), estabelecendo assim uma funo transcendente, originria na funo compensatria e autorreguladora da psique. A funo transcendente exprime-se por meio do smbolo e busca realizar-se na totalidade, preenchendo a lacuna entre o consciente e o inconsciente, e representando um vnculo entre dados racionais e irracionais.

O mito resolve num plano simblico e imaginrio, as antinomias, as tenses, os conflitos e as contradies da realidade social que no podem ser resolvidas ou solucionadas pela prpria sociedade, criando, assim, uma segunda realidade que explica a origem do problema e o resolve de modo que a realidade possa continuar com o problema sem ser destruda por ele. Nesse sentido o mito cria uma compensao simblica e imaginria para dificuldades, tenses e lutas reais tidas como insolveis e consegue essa soluo imaginria porque opera com a lgica invisvel e subjacente organizao social. Todas as culturas possuem seus mitos, que se configuram como expresses particulares de arqutipos comuns a toda a humanidade. A linguagem mtica via de expresso do inconsciente coletivo. Os mitos de Criao, por exemplo, esto presentes em quase todas as culturas ou sistemas religiosos, assim como os mitos relacionados s jornadas heroicas. Conforme podemos compreender a partir das concluses anteriores, atravs do mito temos ace