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    1/38DEPARTAMENTO DE ESTADO DOS EUA / BUREAU DE PROGRAMAS DE INFORMAÇÕES INTERNACIONAIS

    GLOBALFINANCEIROSISTEMA

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    Programas de Informações Internacionais:

    Coordenador Jeremy F. CurtinEditor executivo Jonathan Margolis

    Diretor de criação George Clack Editor-chefe Richard W. Huckaby Editora-gerente Anita N. GreenGerente de produção Christian Larson Assistente de gerente de produção Chloe D. EllisProdutora Web Janine Perry

    Editora de cópias Kathleen Hug Editora de fotografia Maggie Johnson SlikerProjeto da capa Min Yao

    Especialista em direitos autorais Yvonne ShanksEspecialista em referências Anita N. GreenRevisora do português Marília Araújo

     

    O Bureau de Programas de Informações Internacionaisdo Departamento de Estado dos EUA publica umarevista eletrônica mensal com o logo eJournal USA.Essas revistas analisam as principais questões enfrentadaspelos Estados Unidos e pela comunidade internacional,bem como a sociedade, os valores, o pensamento e asinstituições dos EUA.

     A cada mês é publicada uma revista nova em inglês,seguida pelas versões em francês, português, espanhol erusso. Algumas edições também são publicadas em árabe,chinês e persa. Cada revista é catalogada por volume e pornúmero.

     As opiniões expressas nas revistas não refletemnecessariamente a posição nem as políticas do governodos EUA. O Departamento de Estado dos EUA nãoassume responsabilidade pelo conteúdo nem pelacontinuidade do acesso aos sites da internet para os quaishá links nas revistas; tal responsabilidade cabe única eexclusivamente às entidades que publicam esses sites.Os artigos, fotografias e ilustrações das revistas podemser reproduzidos e traduzidos fora dos Estados Unidos,a menos que contenham restrições explícitas de direitosautorais, em cujo caso é necessário pedir permissão aosdetentores desses direitos mencionados na publicação.

    O Bureau de Programas de Informações Internacionaismantém os números atuais e os anteriores em váriosformatos eletrônicos, bem como uma relação daspróximas revistas em http://www.america.gov/publications/ 

    ejournals.html .Comentários são bem-vindos na embaixada dos EUA noseu país ou nos escritórios editoriais:

    Editor, eJournal USAIIP/PUBJU.S. Department of State301 4th St. S.W. Washington, DC 20547United States of America 

    E-mail: [email protected]

    DEPARTAMENTO DE ESTADO DOS EUA / MAIO DE 2009 

    VOLUME 14 / NÚMERO 5

    http://www.america.gov/publications/ejournalusa.html 

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    Em retrospectiva, a bolha nomercado imobiliário americano,a primeira indicação do que setornaria uma crise financeira global no

    quarto trimestre de 2008, deveria ter sido

    óbvia. Os preços dos imóveis haviam subido

    acima dos salários do americano médio,

    mas a disponibilidade de novos produtos

    hipotecários mais arriscados incentivou

    a corrida à casa própria. E, mais ainda, ainflação nos valores dos imóveis fez com que

    muitos proprietários de casas se sentissem

    ricos. Nos Estados Unidos, historicamente

    os preços dos imóveis sempre tiveram

    tendência de alta. Portanto, o que deu errado?

    E como o fracasso em um setor da

    economia americana ajudou a desencadear o que muitos têm visto como a maior crise econômica mundial desde a

    Grande Depressão da década de 1930? Para esta edição de eJournal USA, pedimos a seis especialistas em finanças sua

    opinião sobre como a crise global surgiu e exemplos de como o mundo reagirá a esse problema comum.

    O cientista político Mark Blyth começa relacionando seis eventos que contribuíram para a crise. John Judis, editorsênior da revista The New Republic , explica em seguida o sistema monetário internacional examinando acordos desde a

    Conferência de Bretton Woods em 1944 até as atuais negociações entre as nações.

    Charles Geisst, historiador financeiro, escreve que o aperfeiçoamento da informática, que possibilitou negociações

    ao redor do globo 24 horas por dia, sete dias por semana, e a facilidade de comercializar contribuíram para o problema.

    “Os clientes conseguiam a execução de suas operações com ações com rapidez inimaginável em meados dos anos 1990.

    Os volumes e o apetite para as transações pareciam não ter fim.” Quando os valores dos ativos começaram a cair, a crise

    no setor bancário e de seguros se deu em alguns meses.

    O famoso investidor George Soros defende que a regulamentação é necessária para limitar o crescimento de bolhas

    de ativos. Mas Soros também adverte que não se deve ir longe demais: “As regulamentações devem ser mantidas no

    mínimo necessário para assegurar a estabilidade.” O professor de Direito Joel Trachtman endossa o pedido por maisregulamentação junto com o aperfeiçoamento da governança corporativa. Concluindo, o professor de Economia Richard

    Vedder descreve a história de vários acordos de comércio e organizações internacionais e seu papel nos dias de hoje.

    Não faltam especialistas no mundo com opiniões sobre as causas da crise atual e as receitas para sair dela, e é

    verdade que um outro grupo de especialistas poderá oferecer perspectivas diferentes das aqui apresentadas. Mas talvez

    seja surpreendente a frequência com que determinadas ideias comuns surgem nesses artigos: que a natureza dos

    mercados é cíclica, que as relações comerciais globais são interdependentes e que uma regulamentação moderada do

    mercado é uma coisa boa.

    — Os editores 

    Sobre Esta Edição

    Em reunião na Casa Branca com seus assessores econômicos, o presidente Barack Obama falacom a imprensa em 10 de abril de 2009

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    DEPARTAMENTO DE ESTADO DOS EUA / MAIO DE 2009/ VOLUME 14 / NÚMERO 5 

    http://www.america.gov/publications/ejournalusa.html

    O Sistema Financeiro Global:Seis Especialistas Falam sobre a Crise

     Visão geral

    O Fim do Capitalismo Americano?Mark Twain, Lake Wobegon e aCrise AtualM ARK  BLYTH, PROFESSOR  DE ECONOMIA  POLÍTICA  INTERNACIONAL, UNIVERSIDADE DE BROWNEmbora o tipo de crise financeira que enfrentamoshoje não tenha precedentes, o mesmo não se podedizer das crises do capitalismo. Elas são comuns.

    Questões internacionais

    Os Estertores da Dívida JOHN B. JUDIS, EDITOR  SÊNIOR , T HE  N EW  R EPUBLIC 

    Os economistas conhecem a falha fatal do nosso

    sistema monetário internacional — mas nãoconseguem chegar a uma solução.

     A Globalização e o Sistema Financeiro dos EUACHARLES R. GEISST, PROFESSOR  DE FINANÇAS,F ACULDADE DE M ANHATTAN A globalização ajudou a estimular a atual crisefinanceira e sem dúvida servirá para ajudar aresolvê-la.

    Box: Avanços na EconomiaLíderes americanos falam sobre o futuro.

    Cronologia das Bolhas de AtivosFinanceiros

    O papel da regulamentação

    Regulamentação Revisitada: A Teoriado Equilíbrio de Mercado está ErradaGEORGE SOROS, PRESIDENTE, SOROS FUND M ANAGEMENTEmbora a regulamentação internacional deva serfortalecida para que o sistema financeiro globalsobreviva, devemos estar alertas para não ir longedemais. Os mercados são imperfeitos, mas asregulamentações são ainda mais.

    Problemas Financeiros Globais: Causas, Curas, Respostas JOEL P. TRACHTMAN, PROFESSOR  DE DIREITO INTERNACIONAL, UNIVERSIDADE TUFTSSem dúvida, os historiadores da economiadiscutirão durante os próximos anos sobre ascausas da crise financeira global. O principalfator causal foi macroeconômico, mas umaregulamentação apropriada poderia ter evitado oucorrigido a crise.

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     Visão histórica do comérciointernacional

    O Sistema Financeiro Global em TransformaçãoR ICHARD V EDDER , PROFESSOR  HONORÁRIO DE ECONOMIA , UNIVERSIDADE DE OHIODurante o fim do século 19 e o começo do século 20,havia pouca coordenação das finanças internacionais.Isso mudou muito após a Segunda Guerra Mundial,e as mudanças ainda continuam.

      Recursos Adicionais

      Glossário

      Livros, Artigos, Relatórios, Sites e Vídeos Relacionados com a EconomiaGlobal

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    Embora o tipo de crise financeira que enfrentamos hoje nãotenha precedentes, o mesmo não se pode dizer das crises docapitalismo. Elas são comuns.

     Mark Blyth é professor de Economia Política

    Internacional da Universidade de Brown. É autor dolivro Great Transformations: Economic Ideas andPolitical Change in the Twentieth Century [GrandesTransformações: Ideias Econômicas e Mudanças Políticasno Século 20].

    Se você lançar mão do que os estatísticos chamamde série temporal de retornos do setor bancário dosEUA de 1947 a 2008, é possível traçar, com algumaconfiança, a taxa média de rentabilidade do setor ao longodo tempo, os picos (dos anos 1990 a meados dos anos

    2000), as depressões (de 1947 a 1967) e o crescimentoacentuado da rentabilidade do setor nos últimos dez anos.Caso sejam adicionados os dados do período entre agostode 2008 e abril de 2009, a série inteira, da mesma formaque o sistema bancário descrito por ela, simplesmente vaipelos ares. Médias, índices, variações e coisas semelhantesse diluem, tal a gravidade dos recentes acontecimentos.De fato, quando o ex-presidente do Federal Reserve dosEUA, Alan Greenspan, admite que o seu entendimentodos processos de mercado havia sido extremamente falho,

    O Fim do Capitalismo Americano?

    Mark Twain, Lake Wobegon e a Crise AtualMark Blyth

    O presidente Barack Obama discursa na Cúpula do G-20 em Londres, em 2 de abril de 2009

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    e quando o atual presidente, Ben Bernanke, afirma queenfrentamos a maior crise desde a Grande Depressão,deveríamos, provavelmente, encará-la com seriedade.

    E ela é séria. Com uma enorme redução de US$ 1,3trilhão em ativos e US$ 3,6 trilhões em passivos, juntocom a perda de metade do valor do mercado acionário,o sistema financeiro dos EUA se encontra ou sob severoestresse, insolvente, ou, segundo alguns, em situaçãoainda pior, no final de suas forças. O fim do capitalismo já foi anunciado muitas vezes antes. E, no entanto, paraparafrasear o escritor e humorista Mark Twain, as notíciasde sua morte têm sido grandemente exageradas.

    O capitalismo americano que vai emergir dessa criseserá diferente da versão altamente “financeirizada”, dirigidapelo consumo e marcada pelos desequilíbrios comerciaisdesenvolvidos nas duas últimas décadas. A sua mudançapode ser comprovada na medida em que Wall Streetpropriamente dita já não existe mais. Mas o que as pessoastendem a esquecer é que já passamos por isso. Embora otipo de crise financeira que enfrentamos hoje não tenhaprecedentes, o mesmo não se pode dizer das crises docapitalismo: elas são comuns. É que essa em especial atingiumais os Estados Unidos do que qualquer outra região do

    mundo. Mas já passamos por isso antes e sobrevivemos,até mesmo porque o presente não é uma cópia do passado.Trazer de volta essas lembranças modera a expectativa deque o capitalismo dos EUA tem seguido seu curso natural.

    O PROBLEMA DE L AKE W OBEGON (ONDE TODOS ESTÃO  ACIMA DA MÉDIA)

    Embora certamente existam vários plausíveiscandidatos a culpados pela crise — que vão da cultura

    dos bônus nos bancos à poupança chinesa e à parcimôniaalemã —, centrar-se no presente imediato pode esconderuma série de causas mais profundas. Analisar a crise em

    sua perspectiva correta requer que voltemos quase 30anos no tempo com o inesperado casamento da liquidezilimitada com classes de ativos limitados. Seis processosconjuntos nos levaram ao ponto em que nos encontramosatualmente.

    Primeiro, no início dos anos 1980, os principaiscentros financeiros mundiais desregulamentaram seusmercados internos de crédito e abriram suas contasfinanceiras. Essa “globalização das finanças” resultouem um crescimento espetacular da liquidez disponíveldiante do entrelaçamento de mercados anteriormenteisolados. Segundo, essa liquidez recebeu um impulso

    gigantesco com o desenvolvimento de novos instrumentosfinanceiros, especialmente técnicas de securitização e o usocada vez maior de derivativos de crédito. Terceiro, dadoesse crescimento da liquidez global, as taxas de juros decurto e longo prazo começaram a cair de forma abrupta.Em 1991 as taxas de fundos federais e prime  (e, destamaneira, as taxas de juros globais) iniciaram sua longaqueda da casa dos dois dígitos para baixas históricas.

    Quarto, diante dessas mudanças, o setor bancáriocomercial dessas economias agora dirigidas pelas finançastornaram-se cada vez mais concentrados. O créditobancário disponível subiu vertiginosamente, ao mesmotempo que a privatização de antigas responsabilidades doEstado, em especial as pensões, estimulou o crescimentode grandes investidores institucionais não bancários,todos em busca de retornos “acima da média”, já queseus empregos dependiam da superação de alguma médiados indicadores de desempenho, normalmente o retornoanual do índice Standard & Poor’s 500 ou o índice dedesempenho do seu setor.

    Quinto, o déficit da conta corrente dos EUAaumentou em proporções historicamente sem precedentesem relação ao produto interno bruto. Na verdade, os

    Estados Unidos tomaram emprestado de 3% a 6% doPIB a cada ano por um período de mais de 20 anos, ea realização de empréstimos a taxas de juros tão baixasacabou criando uma sensação de dinheiro gratuito dadasas taxas de crescimento às quais estávamos acostumados.

    Sexto, e talvez o que tenha facilitado o caminho paratudo o que foi descrito acima, foi a mudança em umaideologia profundamente arraigada ocorrida nos EstadosUnidos entre 1970 e 2000. Isto é, os mercados passarama ser vistos por políticos, analistas e o público em geral

    O presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, depõe no Congressoamericano

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    como maravilhas de autorregulação, capazes de produzirretornos cada vez mais elevados, livres de risco, bastandopara isso invalidar as regulamentações ineficientes e cheiasde falhas do Estado, o que foi conseguido por meiode favores prestados a políticos de ambos os partidos. Junte tudo isso, e o resultado é um setor financeiro quedepende continuamente de retornos acima da média, aomesmo tempo que se torna parte cada vez maior e maisimportante do produto interno bruto dos EUA.

    OS LIMITES DE L AKE W OBEGON 

    O problema em se perseguir uma média móvel éque ela mostra uma tendência de alta contínua. Aquinos deparamos com um problema de classes de ativos:o número limitado de categorias de ativos a partir doqual os investidores podem buscar retornos acima damédia. Apenas algumas dessas classes estão disponíveis:participações acionárias (ações), dinheiro vivo (mercado

    monetário) e renda fixa (títulos), aos quais se podeadicionar imóveis e commodities. Se participaçõesacionárias, títulos e instrumentos do mercado monetárioforem considerados investimentos recíprocos dentro deuma classe, então os mercados acionários, relativamentesubvalorizados no início dos anos 1990, tornam-se o lugaróbvio para se procurar tais retornos. O enorme volumede liquidez em sua busca por retornos acima da médiaprimeiro inundou os mercados de ações dos EUA e depoisdisso alcançou rapidamente os mercados acionários globais

    entre meados e final dos anos 1990.Depois do estouro dessa bolha específica, de formamais espetacular no Leste Asiático, nem os títulos, nema renda fixa, por si sós, forneceriam os retornos acima damédia que os mercados — e todos nós que dependíamosdeles — agora esperavam. A próxima parada dosinvestidores foi, portanto, a malfadada bolha ponto-com,e depois disso a próxima classe mais óbvia de ativos, osimóveis — daí, o boom imobiliário global, que começouexatamente quando a bolha ponto-com estourou no final

    Navios porta-contêineres com importações de países asiáticos são descarregados nas docas de Nova Jersey    ©   A   P   I  m  a  g  e  s

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    dos anos 1990. Em 2008 essa bolha imobiliária haviaficado sem (bons) tomadores de empréstimos, em partedevido à elevação das taxas de juros pelo presidente doFederal Reserve, Alan Greenspan, em meados dos anos2000. O resultado da procura de um novo retorno foi quea classe remanescente de ativos, as commodities, tornou-se a próxima bolha, com o petróleo quadruplicandode preço e os alimentos básicos aumentando de 40%a 70% em pouco mais de um ano. Entretanto, comexceção do petróleo, esses mercados eram pequenosdemais para sustentar tais volumes de liquidez, e essasbolhas estouraram rapidamente. O colapso do mercadode commodities combinado com as perdas do setorde subprime  do mercado de derivativos hipotecáriosdesencadeou a crise atual. 

    Embora seja chamada de “crise do subprime ”, ela talvezseja mais bem descrita como o gatilho do subprime  parauma crise sistêmica causada quando todos esses fatores seuniram por intermédio de práticas de gestão de risco dosatores financeiros. Embora os bancos e outras instituiçõesfinanceiras tenham sofisticado os modelos de gestão deseus vários riscos (crédito, liquidez, etc.), essas mesmastecnologias podem criar instabilidades nos mercados tantoao impedir que seus usuários enxerguem os chamados“riscos de cauda”, o que acaba por representar uma via

    de risco para as carteiras comunsnas classes de ativos, já que todosusam o mesmo caminho, ou ao

    vincular os ativos na busca porliquidez, à medida que as posiçõesvão sendo apresentadas durante adesalavancagem dos bancos. Assim,o que é racional para um bancopode criar risco sistêmico para todosos outros à medida que as posiçõesdos ativos se tornam correlacionadasem série nos aspectos positivo enegativo da bolha.

     Assim que todo o sistemabancário ficou cheio de

    derivativos hipotecários e swaps  deinadimplência de crédito, a crise sóestava esperando para acontecer. Elase manifestou quando as perdas devários grandes bancos americanosdesencadearam a queda do LehmanBrothers, que por sua vez provocouprejuízos enormes nos mercadosligados de forma sistêmica, em

    especial no mercado de swaps  de inadimplência de crédito. A liquidez secou. Era o início da crise. Como vai ser oseu desenrolar a partir deste ponto, qualquer um poderealmente conjeturar, mas ela marca o fim do capitalismoamericano? Há inúmeras razões para crer que esse não é ocaso, e a injunção de Mark Twain ainda está de pé.

    M ARK  T WAIN E  AS TRÊS RAZÕES PARA MANTER   A ESPERANÇA

    Vale a pena observar que, embora o presidente doFederal Reserve, Ben Bernanke, tenha afirmado queenfrentávamos a maior crise desde a Grande Depressão,ele não disse que enfrentamos uma crise tão grande como

    aquela. Entre 20% e 40% de desemprego, derrocadado comércio mundial, desvalorizações competitivasdesastrosas da moeda, níveis tarifários absurdos e o colapsoda democracia foram a realidade da Grande Depressãoem todo o mundo. Enfrentamos tempos desafiadores naatual crise, e sempre existe a possibilidade de as coisas setornarem ainda piores, mas elas não estão tão ruins assimem nenhum lugar. Isso me dá razão para ser otimistacom relação à observação de Mark Twain, principalmenteporque há uma imensa diferença entre o mundo dos anos

    Na chamada “sexta-feira negra” em 1929, investidores observam o quadro-negro, enquanto os valores dasações despencam

       ©   H  u   l   t  o  n -   D  e  u   t  s  c   h   C  o   l   l  e  c   t   i  o  n   /   C   O   R   B   I   S

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    1930 e o mundo no qual vivemos atualmente. A flecha dotempo assinala sempre “o viver para frente”, de modo queas condições do presente nunca são as mesmas do passado.

    Três dessas condições que dizem respeito aos dias de hojee que são diferentes daquelas dos anos 1930 nos dão aoportunidade de não repetir os erros do passado.

     A primeira lição aprendida é que as lições podem seraprendidas. Não estamos fadados a repetir a década de1930 exatamente porque podemos refletir sobre comoaqueles anos foram penosos e como as ações empreendidaspara nos proteger individualmente nesse período nãocontribuíram de forma alguma para o bem-estar coletivo.Essas lições aprendidas fizeram com que nações de todoo mundo introduzissem estabilizadores automáticos emsuas economias, a fim de evitar o colapso do consumo

    que levaria a reivindicações nacionalistas e protecionistasno caso de uma crise externa, e confiassem na cooperaçãomultilateral para prevenir erros óbvios de política. Pode-seargumentar legitimamente que países diferentes aprendemlições diferentes. Portanto, os alemães estão preocupadoscom as consequências inflacionárias dos gastos que os EUAquerem que os europeus realizem para evitar o desempregoque os americanos temem. Mas a finalidade de reuniõescomo a do G-20 é discutir essas diferenças e encontrarespaço para acordos sobre políticas. Trata-se de uma questãode equilíbrio entre estímulo e regulamentação, e ambos oslados do Atlântico sabem que precisam encontrar pontosem comum para poder avançar. 

    Minha segunda razão para ser otimista deriva do novoMAD (destruição mútua assegurada). Durante a GuerraFria, falamos da “destruição mútua assegurada”, na qualos Estados Unidos e a União Soviética possuíam tantasarmas nucleares que um lado não podia destruir o outrosem causar a própria destruição. Troque “mútua” por“monetária” e você obtém o novo MAD — “destruiçãomonetária assegurada” — que existe entre a China e osEstados Unidos. Uma consequência da financeirizaçãoda economia dos EUA foi que conseguimos fazer

    com que a China trocasse bens reais por papel e umaterrível taxa de retorno para segurar o papel por maisde 20 anos, no decorrer dos quais os chineses (e outraseconomias do Leste Asiático) construíram um comércioextraordinariamente grande e superávits de contacorrente. De forma essencial, sem ninguém jamais fazerformalmente tal aposta, os Estados Unidos fizeram umaaposta de mão única de que nossa economia podia ser

    operada com base nas finanças, em uma divisão global detrabalho, na qual a China produzia os bens em troca dedólares que nos seriam emprestados de volta, de modo

    que pudéssemos consumir seus produtos. Esse sistematambém acabou. A China precisa consumir mais, e osEstados Unidos precisam produzir algo além de derivativoshipotecários, e ambos os lados sabem disso. Será penosochegar até lá, mas a alternativa, a chamada destruiçãomonetária assegurada, na qual o dólar é vendido abaixo doseu valor e os câmbios entram em colapso, é outra políticaindividualmente racional e coletivamente desastrosa, quetodas as partes, dessa vez, sabem como evitar.

    Terceiro, ocorreu o fracasso de outra ideologia. Acrença de que os mercados são inevitavelmente bonse autorreguladores, enquanto os Estados são sempre

    ruins e mais parecem monstruosidades com excesso deregulamentação, é um pesadelo recorrente na história docapitalismo. Os anos 1930 nos ensinaram que essa crençanos mercados e na autorregulação era uma falácia e nosdeu uma era keynesiana de finanças reguladas e Estadosde bem-estar social. A década de 1970, outro período decrise do século 20, nos ensinou que Keynes estava errado eque os mercados abertos e as finanças desreguladas eram ocaminho a seguir. Esse sistema, que pode ser chamado deglobalização neoliberal, foi o sistema que explodiu. Destemodo, qual será a lição que temos de aprender desta vez?

     A lição que deve ser aprendida da crise em todasua extensão é que os mercados e os Estados semprese sobrepõem mutuamente em toda parte de formaconstitutiva, antagônica e produtiva. O capitalismo comosistema floresce melhor em um ambiente de regulaçãodiscreta dos Estados, e o capitalismo americano não édiferente. O equilíbrio exato entre o Estado e o mercado éuma questão política a ser decidida pelas diferentes nações.Mas a necessidade de haver um equilíbrio é algo que amaioria dos países, até mesmo os Estados Unidos, aceitaatualmente.

     Assim, a injunção de Mark Twain continua de pé.

     As notícias sobre a morte do capitalismo dos EUA sãoexageradas e provavelmente continuarão assim até queestejamos dispostos a aprender que as lições do passadopodem de fato ser aprendidas. n

     As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente a posição nemas políticas do governo dos EUA.

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    Os economistas conhecem a falha fatal do nosso sistemamonetário internacional — mas não conseguem chegar auma solução

     John B. Judis é editor sênior da revista The NewRepublic e professor visitante da Fundação Carnegie para a

    Paz Internacional.

    Os acontecimentos dos últimos meses vêmservindo de curso intensivo sobre osinstrumentos e arranjos abstratos e obscurosque descarrilharam a economia mundial. De títuloslastreados em hipotecas a swaps  de inadimplência decrédito, o sistema monetário internacional está emgrandes apuros.

    Durante décadas, os Estados Unidos confiaram emarranjos financeiros tortuosos vinculando sua economiaà da China e do Japão. Esse sistema informal permitiuque os países asiáticos registrassem enormes superávitsde exportação com os Estados Unidos, ao mesmo tempoque possibilitou que os Estados Unidos registrassem

    enormes déficits orçamentários sem ter de elevar taxasde juros ou impostos e administrassem imensos déficitscomerciais sem depreciar sua moeda abruptamente. Alguns banqueiros, economistas internacionais e altasautoridades como o presidente do Federal Reserve, BenBernanke, acham que esse sistema informal contribuiupara a crise financeira atual. E, o que é pior, temem queesse colapso possa transformar o declínio econômicopairando no horizonte em algo semelhante à depressãomundial da década de 1930.

    Os Estertores da Dívida 

     John B. Judis

    Em 1944, a Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas em Bretton Woods, New Hampshire, decidiu que o dólarsubstituiria a libra esterlina como moeda aceita mundialmente

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    O sistema original de Bretton Woods surgiu naconferência realizada em um hotel em New Hampshire,em julho de 1944. Os principais economistas americanos

    e ingleses culparam a Grande Depressão e, até certoponto, a Segunda Guerra Mundial pelo colapso dosistema monetário internacional no início dos anos 1930 eestavam determinados a criar uma organização mais estávelna qual o dólar substituiria a libra esterlina como moedaaceita mundialmente.

    O dólar tornou-se o meio aceito para o câmbiointernacional e moeda de reserva universal. Caso os paísesacumulassem mais dólares do que poderiam usar, teriamsempre a possibilidade de trocá-los por ouro com osEstados Unidos. Mas com os Estados Unidos registrandoconstantemente um grande superávit comercial — o quesignificava a necessidade de os países sempre terem dólaresà mão para comprar bens americanos — havia inicialmentepouco risco de corrida aos depósitos de ouro dos EUA.

    Bretton Woods começou a fraquejar durante a Guerrado Vietnã, quando os Estados Unidos estavam enviandobilhões de dólares para o exterior para financiar a guerra eadministrando um déficit comercial, ao mesmo tempo queos gastos com o déficit no âmbito interno impulsionavama inflação em uma economia superaquecida. Os paísesprocuraram então trocar dólares supervalorizados por marcosalemães, e a França e a Grã-Bretanha prepararam-se parasacar seus excedentes de dólares em Fort Knox (o depósito deouro dos Estados Unidos). Em resposta, o presidente Richard

    Nixon primeiramente fechou a janela do ouro e em seguidaexigiu que a Europa Ocidental e o Japão concordassem comnovas taxas de câmbio em que o dólar valeria menos ouro, eo iene e o marco alemão valeriam mais em relação ao dólar.Isso tornaria as exportações americanas mais baratas e asimportações japonesas e da Alemanha Ocidental mais caras,minorando o desequilíbrio comercial e estabilizando o dólar.

     Ao impor uma tarifa temporária, Nixon teve sucessoao forçar esses países à revalorização, mas não em criar umnovo sistema de taxas de câmbio estável. Em vez disso,os valores das moedas começaram a flutuar. E, quando ainflação disparou no final da década de 1970, o sistema,que ainda se baseava no dólar como moeda universal,parecia prestes a explodir em uma disputa entre moedas.

    BRETTON W OODS II

    Foi quando começou a surgir um novo arranjomonetário. Os economistas muitas vezes referem-se a elecomo “Bretton Woods II”, mas o mesmo não resultou deuma conferência ou de um acordo entre as maiores potênciaseconômicas do mundo. Em vez disso, ele foi a soma de várias

    decisões individuais — a princípio dos Estados Unidos, do Japão e da Arábia Saudita e, mais tarde, dos Estados Unidos ede outros países asiáticos, principalmente da China.

    Bretton Woods II tomou forma durante o primeiromandato do presidente Ronald Reagan. Para combater ainflação, Paul Volcker, então presidente do Federal Reserve,aumentou as taxas de juros acima de 20%. Isso desencadeouuma recessão aguda — com o desemprego ultrapassando10% no quarto trimestre de 1982 — e grandes déficitsorçamentários, pois os gastos governamentais aumentavammais rápido do que a receita fiscal. O valor do dólartambém subiu, à medida que outras nações se aproveitavamdas altas taxas de juros americanas. Isso prejudicou asexportações americanas, e o déficit comercial dos EUAaumentou ainda mais, à medida que os americanoscomeçaram a importar bens excessivamente baratos doexterior enquanto os estrangeiros evitavam comprarprodutos americanos subitamente encarecidos. O governoReagan enfrentou um impasse: se tentasse reduzir o déficitcomercial mediante a redução do déficit orçamentário,o crescimento seria sufocado; mas se tentasse estimular aeconomia aumentando o déficit, as taxas de juros teriamde ser mantidas altas para vender um volume adequado dedívidas do Tesouro, o que também engessaria o crescimento.Naquele ponto, o Japão, juntamente com a ArábiaSaudita e outras nações da Opep (Organização dos PaísesExportadores de Petróleo), vieram em socorro.

    No fim da Segunda Guerra Mundial, o Japão adotou

    uma estratégia de crescimento econômico que sacrificou oconsumo interno com a finalidade de acumular superávitspara serem investidos em indústrias exportadoras —inicialmente aquelas com uso intensivo de mão-de-obra,como a de tecidos, mas em seguida as que requerem muitocapital, como siderúrgicas e montadoras de automóvel.Essa estratégia voltada para a exportação foi auxiliada nosanos 1960 por um iene subvalorizado, mas, após o colapsode Bretton Woods, o Japão foi ameaçado por um dólarmais barato. Para manter as exportações em alta, o Japãosegurou o valor do iene baixo intencionalmente, medianteo controle severo do gasto de dólares acumulados pelo paísdevido ao superávit comercial com os Estados Unidos. Emvez de usá-los para comprar bens ou investir na economia japonesa ou ainda trocá-los por ienes, o Japão começoua devolvê-los aos Estados Unidos com a compra deempresas, imóveis e, acima de tudo, dívidas do Tesouro.

    Esse investimento em letras, obrigações e notas doTesouro — em conjunto com aquisições semelhantes porparte dos sauditas e de outros produtores de petróleo, quenecessitavam colocar seus petrodólares em algum lugar —tirou os Estados Unidos de seu dilema econômico. Com asaquisições feitas pelo Japão, os EUA não tiveram de manter as

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    taxas de juros altas para atrair compradores para os títulos doTesouro e não precisaram aumentar impostos para reduziro déficit. Até onde os historiadores sabem, os governantesde ambos os países nunca concordaram explicitamente queTóquio financiaria o déficit americano ou que Washington

    permitiria que o Japão mantivesse o iene subvalorizado eum enorme superávit comercial. Mas o acordo informal —descrito com brilhantismo em The Weight of the Yen [O Pesodo Iene]  de R. Taggart Murphy — tornou-se a pedra angularde um novo arranjo econômico internacional.

     A estrutura básica de Bretton Woods II resistiu ao longodos últimos 20 anos, mas novos atores entraram no jogo.Como narra o colunista Martin Wolf do Financial Times  em seu livro A Reconstrução do Sistema Financeiro Global , ospaíses asiáticos, liderados pela China, adotaram uma versãoda estratégia do Japão para o crescimento impulsionado pelasexportações em meados da década de 1990 após as crises

    financeiras que assolaram o continente. Eles mantiveramo superávit comercial com os Estados Unidos. E, em lugarde trocar dólares por sua própria moeda ou investi-los emâmbito interno, eles, a exemplo dos japoneses, reciclaram-nos em letras do Tesouro e outros ativos denominados emdólares. Isso manteve baixo o valor de suas moedas emrelação ao dólar e perpetuou o superávit comercial, pormeio do qual adquiriram os dólares em primeiro lugar. Em junho de 2008, a China detinha mais de US$ 500 bilhõesem dívidas do Tesouro americano, perdendo apenas para o

     Japão. Os bancos centrais do Leste Asiático tornaram-se oequivalente ao pós-Bretton Woods do Fort Knox.

     V  ANTAGENS E DESVANTAGENS

     Até recentemente, esse acordo apresentava vantagensclaras para os Estados Unidos: evitar aumento de impostos,manter a riqueza sempre crescente no topo da escala derenda e preservar o dólar como moeda internacional. Sem oBretton Woods II, é difícil imaginar que os Estados Unidosseriam capazes de financiar as guerras no Iraque e no Afeganistão, ao mesmo tempo que reduziam impostos. Poroutro lado, a China e outros países asiáticos passaram quaseuma década livres de crise financeira. E a economia mundialaproveitou-se dos custos baixos das transações e da relativa

    estabilidade dos preços por haver uma moeda única para ospaíses usarem na compra e venda de bens.Mas houve desvantagens decorrentes de Bretton

     Woods II. Algum país poderia chantagear os EstadosUnidos, ameaçando sacar seus dólares. É evidente que, seum país como a China começasse realmente a descarregarseus dólares, prejudicaria sua própria situação financeiratanto quanto prejudicaria a dos Estados Unidos. Mas oseconomistas Brad Setser e Nouriel Roubini argumentam queaté mesmo a ameaça implícita de dumping de dólares — oude interromper sua compra — poderia limitar a margemde manobra dos EUA no exterior. “A capacidade de enviaruma ordem de ‘venda’ que agite os mercados pode não dar àChina o direito de veto à política externa dos EUA, mas comcerteza aumenta o custo de qualquer política americana a quea China se oponha”, eles escreveram.

    No Japão, na China e em outros países asiáticos,também houve um lado negativo no acordo geral. Oexcedente em dólar ganho com o comércio com os EstadosUnidos não foi usado para elevar o padrão de vida, masfoi gasto com títulos do Tesouro. Segundo Martin Wolf:“A China tem cerca de 800 milhões de pobres, no entantoo país agora consome menos da metade do PIB [produtointerno bruto] e exporta capital para o resto do mundo.”

    No que diz respeito ao interesse mais imediato,

    Bretton Woods II contribuiu para a atual crise financeirapor facilitar as taxas de juros baixas que incentivaram abolha imobiliária. O que aconteceu foi o seguinte: em2001, os Estados Unidos sofreram uma recessão branda,resultante em grande parte da capacidade excedente dossetores de telecomunicações e informática. A recessão teriasido muito mais grave, mas, como os estrangeiros queriamcomprar dívidas do Tesouro, o governo Bush pôde reduzirimpostos e aumentar gastos, mesmo quando o FederalReserve baixou as taxas de juros a 1%. A economia teve

    Em audiência do Senado dos EUA em 1945, são exibidas notasestrangeiras

       ©   T   h  o  m  a  s   D .    M  c   A  v  o  y   /

       T   i  m  e   L   i   f  e   P   i  c   t  u  r  e  s   /   G  e   t   t  y   I  m  a  g  e  s

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    fraca recuperação durante os quatro anos seguintes. Asempresas, ainda preocupadas com a capacidade excedente,continuaram relutantes em investir. E, em vez disso,

    pagaram as dívidas, compraram suas próprias ações eguardaram dinheiro. Os bancos e outras instituiçõesfinanceiras, apreensivos em relação ao mercado de açõesdesde o estouro da bolha ponto-com, investiram emtítulos lastreados em hipotecas e outros derivativos.

     A recuperação anêmica da economia foi impulsionadapelo aumento dos gastos de consumo Os salários reaiscaíram de fato, mas os consumidores continuaram a fazerdívidas, gastando mais do que ganhavam. Incentivados portaxas de juros baixas — junto com novos acordos subprime  — os consumidores compraram casas, aumentando os seuspreços. O “efeito riqueza” criado por esses compradores deimóveis sustentou ainda mais a demanda de consumo elevou a uma bolha imobiliária. Quando o preço das moradiascomeçou a cair, a bolha estourou e a demanda de consumoe o investimento das empresas entraram em processo deestagnação. O pânico financeiro disseminou-se com rapidez,abrangendo não somente os títulos lastreados em hipotecas eoutros tipos de derivativos, mas também dos Estados Unidospara outros países, principalmente da Europa, que haviamcomprado esses produtos financeiros americanos.

    E isso não foi tudo. À medida que a demandaamericana por exportações chinesas parou de crescer, aeconomia da China começou a sofrer. A China passoupelo equivalente a uma recessão, com repercussões em toda

    a Ásia. O mais importante para os Estados Unidos é que aChina não tinha mais dólares excedentes para sustentar omercado de letras do Tesouro americano.

     A JUSTES NECESSÁRIOS

     As consequências poderiam ser ainda mais terríveis.No passado, os países em recessão podiam contar com aajuda de países com economias em crescimento para darvazão às suas exportações e investimentos. A esperançadesta vez é que o crescimento econômico na Ásia e, emespecial, na China, possa barrar a recessão americana

    e europeia. A China depende das exportações para osEstados Unidos, e os americanos dependem do capitalchinês. Se esse relacionamento econômico especial seromper, como parece começar a ocorrer, isso poderia levara uma recessão global com possibilidade de se transformarna primeira depressão desde a década de 1930.

    Os formuladores de política devem reconhecer que,embora Bretton Woods II não seja o produto de umacordo internacional, também não é um sistema de “livremercado” baseado em moedas flutuantes. Ao contrário, é

    sustentado por políticas nacionais específicas. Os EstadosUnidos consentiram com grandes déficits comerciais — eseus efeitos sobre a mão-de-obra do país — em troca de

    financiamento externo dos seus déficits orçamentários. Ea Ásia aceitou um padrão de vida mais baixo em troca decrescimento impulsionado pelas exportações e menor riscode crises monetárias.

     A China, o Japão e outros países asiáticos — por sisós ou com ajuda do governo Obama — terão de fazersua parte. De fato, a China pode já ter começado a fazerisso mediante o anúncio, no último trimestre, de umplano de estímulo ao investimento público no valor deUS$ 586 bilhões em moradia, transporte e infraestrutura.Se a China reinvestir seu superávit comercial em suaeconomia doméstica, ocorrerá um aumento da demanda deimportações e consequente valorização do iuane, reduzindoo superávit comercial da China com o Ocidente.

    Esse tipo de ajuste — em que os Estados Unidos secomprometem a reduzir seu déficit comercial, e a China, o Japão e outros países asiáticos se afastam de sua estratégiade crescimento impulsionado pelas exportações — é aopção defendida por muitos formuladores de políticaamericanos. Mas há um sentimento cada vez maior,em particular na Europa, que além dessas medidas, aseconomias mais importantes do mundo precisam adotar umnovo sistema monetário internacional — ou, pelo menos,reformular em profundidade o existente. O primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, pediu com todas as

    letras um “novo Bretton Woods — para criar uma novaarquitetura financeira internacional para o futuro”. Brownquer fortalecer o Fundo Monetário Internacional, de formaque funcione como “um sistema de alerta antecipado e ummecanismo de prevenção de crises para o mundo todo”.Ele também defende que o FMI ou uma nova organizaçãomonitorem as transações financeiras internacionais.

    Mas serão necessários, com toda a certeza, ajustesno papel do dólar. A era do dólar pode não ter acabado,mas as condições especiais sob as quais ele reinou duranteas últimas décadas estão desaparecendo nesse turbilhãoda recessão e da crise financeira. O sistema original deBretton Woods foi o produto de um acordo deliberadoe lançou as bases de um crescimento estável. Um novoacordo Bretton Woods dependerá em boa parte dasescolhas da comunidade internacional. n

    Este artigo foi extraído de um artigo com o mesmo nome publicado na revistaThe New Republic, de 3 de dezembro de 2008. Copyright © 2008 The

    New Republic, LLC.

     As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente a posição nemas políticas do governo dos EUA.

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     A globalização ajudou a estimular a atual crise financeira esem dúvida servirá para ajudar a resolvê-la.

    Charles R. Geisst é professor de Finanças da Faculdadede Manhattan. Entre seus vários livros estão Wall Street: AHistory [Wall Street: Uma História], e ele é o editor daEncyclopedia of American Business History [Enciclopédiada História das Empresas Americanas].

    Nas décadas após a Segunda Guerra Mundial,a ideia da globalização tornou-se cada vezmais popular quando se descrevia o futuro

    da economia mundial. Um dia, os mercados de todosos tipos de bens e serviços se tornariam integrados e osbenefícios seriam visíveis.Os padrões de vida se elevariamem todos os lugares com a queda das barreiras aocomércio, à produção e ao capital. A meta era notável e foiparcialmente realizada. Mas recentemente encontrou umgrande obstáculo no caminho.

     A globalização tem muitas conotações. Originalmente,significava facilidade de acesso internacional. As barreirasao comércio e aos investimentos desapareceriam, e o fluxointernacional de bens e serviços aumentaria. O livre comércioe os mercados comuns foram criados para facilitar essa ideia.Um mundo sem barreiras ajudaria a distribuir a riqueza dosricos para a população pobre de modo mais igualitário.

     Até hoje, apenas os serviços financeiros tiveramsucesso em se tornar verdadeiramente globais. Os

    mercados financeiros em rápida transformação, auxiliadospor tecnologias rápidas como a luz, eliminaram asfronteiras nacionais em muitos casos, tornando muitofáceis os investimentos internacionais. As restriçõesgovernamentais foram eliminadas em quase todos osprincipais centros financeiros, e os estrangeiros foramestimulados a investir. Isso abriu um amplo panorama depossibilidades de investimento.

    Esse fenômeno não é novo. Desde a Segunda GuerraMundial, muitos governos afrouxaram as restrições sobre

     A Globalização e o Sistema Financeiro dos EUA 

    Charles R. Geisst

    Tecnologia rápida como a luz torna os investimentos internacionais   ©   A   P   I  m  a  g  e  s

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    suas moedas, e hoje o mercado de câmbio é o maiordo mundo, o mercado com maior liquidez financeira eoperações ininterruptas. E não há distinções por causa de

    peculiaridades ou restrições nacionais para as principaismoedas. Se os governos permitirem que suas moedas sejamcomercializadas livremente, como na maioria dos paísesdesenvolvidos, então um dólar ou um euro podem sercomercializados em Hong Kong ou Tóquio com a mesmafacilidade que em Dubai ou Nova York.

    COMÉRCIO TRANSNACIONAL

    Outros mercados financeiros seguiram esse precedenterapidamente. Os mercados de títulos do governo, osmercados de títulos privados e os mercados de ações

    começaram a desenvolver vínculos baseados em tecnologiasnovas e mais rápidas. Há 40 anos, Gordon Moore, um dosfundadores da gigante da informática Intel, fez seu famosoprognóstico (Lei de Moore), segundo o qual a capacidadedos microchips seria duplicada a cada dois anos. Os chipsnovos e mais rápidos tinham capacidade para acomodarum número cada vez maior de transações financeiras, e talcapacidade rapidamente gerou ainda mais transações. Logoos negociantes conseguiram cruzar mercados e fronteirasnacionais com uma facilidade que fez inveja a partidáriosda globalização em outros setores da economia. Duranteo mesmo período, as montadoras estavam promovendo aideia de um carro universal, porém sem o mesmo sucesso.

     Wall Street e os outros principais centros financeirosprosperaram. Os clientes conseguiam a execução desuas operações com ações com rapidez inimaginável emmeados dos anos 1990. A NYSE (Bolsa de Valores deNova York) e o Nasdaq (Sistema de Cotação Automatizadada Associação Nacional de Corretoras de Valores)abandonaram seus antigos métodos de cotação de preçosdas ações em frações e adotaram o sistema decimal. Oscomputadores não funcionavam bem com frações, e ométodo antigo não estimulava o comércio na velocidade

    da luz. Os clientes passaram a poder negociar usandoo computador em vários dos principais mercados namesma velocidade em que negociavam em seus própriosmercados. Nascia um verdadeiro comércio transnacional,com os serviços financeiros fazendo inveja a outros setoresque há muito sonhavam com a globalização.

    Os resultados foram surpreendentes. O volume naNYSE aumentou de um recorde de 2 bilhões de açõesem 2001 para um recorde de 8 bilhões em 2008. Ovolume diário nos mercados de câmbio estava na casa de

    um trilhão de dólares. Os diversos mercados de títulosemitiam mais de um trilhão em novos títulos anualmente,mais do que os bilhões registrados em anos recordes

    anteriores. O valor das fusões e aquisições também chegouà casa dos trilhões anuais. Os volumes e o apetite para astransações pareciam não ter fim.

    UM CICLO TRADICIONAL

     A economia americana tradicionalmente testemunhoulongos períodos de prosperidade antes de desacelerarsignificativamente, o que geralmente ocasionava umaparada temporária por uma bolha de ativos que acabavaesgotando seu ar quente. A situação se repetiu muitas vezesdesde 1793, quando a primeira grande retração econômica

    foi registrada em Nova York. Problemas semelhantes foramregistrados pelo menos oito vezes até 1929. Cada boom foiseguido de um colapso, alguns mais sérios que os outros. Adepressão pós-1929 foi o prenúncio de extensas reformasdo sistema bancário e dos mercados de títulos.

     Até 1929, essas recessões eram chamadas de “pânicos”.O termo “depressão” foi usado uma ou duas vezes noinício do século 20, mas durante a década de 1930 otermo passou a ser associado exclusivamente àqueladécada. O ciclo tradicional ainda está em evidência. Arecessão de 2001 seguiu o colapso das empresas ponto-com e muitos dos day traders  que haviam empregadoas novas tecnologias da computação passaram à posiçãode espectadores, como seus antepassados haviam feitono século 19. Seguiu-se uma recessão, diminuindotemporariamente o apetite dos ganhos especulativos.

    Os séculos 19 e 21 tinham mais em comum doque se podia imaginar. Após obter sua independênciada Grã-Bretanha, os Estados Unidos haviam se tornadodependentes do capital estrangeiro durante os primeiros120 anos de existência. Até a Primeira Guerra Mundial,grande parte da infraestrutura e da indústria americanashavia sido financiada com dinheiro do exterior, títulos, em

    sua maioria. Os americanos produziam a maioria dos bense serviços de que precisavam, mas o capital era semprepouco até a guerra mudar o contexto geopolítico.

     A situação permaneceu inalterada até o final dadécada de 1970, quando a posição foi novamenterevertida. A taxa de poupança doméstica nos EUAdeclinou, e o capital estrangeiro afluiu ao país. Os títuloseram mais uma vez os favoritos, mas os mercados deações também se beneficiaram substancialmente. Osconsumidores, responsáveis por cerca de dois terços do

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    produto interno bruto americano desde a década de 1920,compravam bens nacionais e importados, enquanto osestrangeiros forneciam o capital necessário para financiaro governo federal e muitos setores americanos. A situaçãopersiste até hoje, com cerca de metade dos títulos doTesouro americano em circulação nas mãos apenas dogoverno chinês.

    OBOOM

     DAS HIPOTECAS Após o colapso das empresas ponto-com e dos

    escândalos da Enron e da WorldCom, parecia que estavana hora de Wall Street dar uma pausa para tomar fôlego,devido à falta de novas ideias para alavancar uma novabolha. Mas foi uma combinação de tendências cíclicasque reapareceram e, juntas, estimularam o maior boom decurto prazo jamais visto. A globalização, um influxo decapital estrangeiro e análises financeiras esotéricas uniram-se aos imóveis residenciais para produzir o mais explosivo— e potencialmente destrutivo — ciclo de boom/colapso

     já testemunhado na história americana. A recente bolha do mercado foi criada pelo boom dos imóveis residenciais. Normalmente, o mercado dessesimóveis acompanha os booms  nas bolsas, mas não oscausa. No rastro do colapso das ponto-com e do traumapós-11 de setembro, a situação se reverteu. As residênciasse tornaram o centro da atenção de muitos investidores.Muitas pessoas compraram seu primeiro imóvel, e muitosoutras reivindicaram o refinanciamento de suas hipotecas. A novidade não passava na verdade de um fato velho

    elegantemente disfarçado pelasfinanças modernas.

    Foi difícil detectar esse fenômeno

    em seus estágios iniciais. Todos osfatores que convergiram para produzi-lo já haviam sido vistos antes. Muitosdeles eram métodos financeiros bemconhecidos e comprovados pelotempo. A securitização havia sidousada por várias décadas pelas agênciasde financiamento de imóveis dos EUApara converter grupos de hipotecasresidenciais em títulos adquiridospor investidores. Isso propiciou osurgimento de fundos ainda mais

    disponíveis para o mercado de imóveisem um momento de alta demandaapós 2001. A novidade em Wall Street

    passou a ser o financiamento do “sonho americano” — aideia de que todos deveriam ter sua casa própria.

     A demanda por títulos securitizados mostrou-se forte,tanto que as casas de títulos de Wall Street começarama produzi-los cada vez mais depressa. Grande parte dademanda veio dos investidores estrangeiros — bancoscentrais, bancos, fundos de riqueza soberana e empresasde seguros — todos seduzidos pelos rendimentosatraentes. Os dólares estavam sendo reciclados por essesinvestidores, especialmente bancos centrais e fundos deriqueza soberana, a partir dos saldos das contas correntesque estavam acumulando nos Estados Unidos. O dinheirosaía dos Estados Unidos quando os americanos adquiriamprodutos importados de fabricantes estrangeiros e voltavapara o país em forma de investimento.

     V ÍTIMAS DO PRÓPRIO SUCESSO

    O boom das hipotecas começou após 2001 e emalguns anos estava em pleno progresso. A demanda por

    títulos lastreados em hipotecas continuou forte e emseguida as hipotecas subprime , os swaps  de inadimplênciade crédito e outras garantias exóticas baseadas emderivativos tornaram-se parte das garantias de ativos. Nofinal do terceiro trimestre de 2007, com o aumento dastaxas de juros de curto prazo, antes em baixas históricas,essas garantias começaram a ruir, e o valor dos ativoscomeçou a cair, gerando crise no setor bancário e deseguros em alguns meses. No passado, sem a tecnologia, osresultados teriam levado anos.

    O boom imobiliário no Vale do Silício, Califórnia, antes da bolha de ativos das ponto-com pressagiou acrise hipotecária de 2008

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    O boom recebeu imensurável ajuda dadesregulamentação dos mercados financeiros americanosem 1999, culminando oficialmente após duas décadas de

    afrouxamento gradual das regras outrora rigorosas. O novoambiente financeiro criado permitiu que bancos e bancosde investimentos coabitassem, algo não permitido desde1933. Quando começaram a compartilhar os benefíciosda desregulamentação sob o mesmo teto, as ideias maisantigas de gestão de riscos começaram a ruir, em umabusca maior por lucros.

     A crise dos mercados de crédito e de garantias marcao fim de um legado de quase 40 anos das agências federaisde financiamento de imóveis e de todos os benefícios porelas proporcionados desde a aprovação da legislação socialdurante a década de 1960. Wall Street, os mercados de

    crédito e o setor imobiliário dos EUA foram vítimas dopróprio sucesso quando os mercados entraram em colapsoem 2008. A ganância, a falta de supervisão regulatóriae a sofisticação das finanças estruturadas, que criarammuitos desses exóticos instrumentos financeiros, todosdesempenharam seu papel no mais recente retrocesso dosmercados e da economia como um todo.

    O mais importante foi que a crise demonstrou asarmadilhas da desregulamentação e da globalização.Infelizmente, o ceticismo adequado que deve acompanhar

    todo boom está em falta. A globalização ajudou a alavancara crise e sem dúvida será empregada para ajudar a resolvê-la. A desregulamentação será posta de lado em favor decontroles institucionais mais rigorosos sobre as instituiçõesfinanceiras, a fim de prevenir fraudes e desonestidade.Foram necessários quase quatro anos após o crash domercado de 1929 para a elaboração de uma estruturaregulatória destinada a separar tipos diferentes de bancos eestabelecer leis nacionais de valores mobiliários. A Lei deMoore sugere que isso vá acontecer mais rápido dessa vez. As forças que moldaram a globalização exigirão isso. n

     As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente a posição nemas políticas do governo dos EUA.

    Manchete de jornal sobre a quebra da bolsa de valores de 1929    ©

       F   P   G   /   H  u   l   t  o  n   A  r  c   h   i  v  e   /   G  e   t   t  y   I  m  a  g  e  s

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    © AP Images

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    AVANÇOS NA ECONOMIA

    Barack Obama, presidente dos Estados UnidosDevemos estabelecer novas bases para o crescimento e a prosperidade… bases

    construídas a partir dos cinco pilares que promoverão o crescimento da nossaeconomia e transformarão este novo século em outro século americano: novasregras para Wall Street que recompensarão o entusiasmo e a inovação; novosinvestimentos em educação que deixarão nossa força de trabalho mais qualificadae competitiva; novos investimentos em tecnologias e energias renováveis quecriarão novos empregos e indústrias; novos investimentos em assistência médicacom redução de custos às famílias e às empresas; e novas economias em nossoorçamento federal que reduzirão a dívida para as futuras gerações.

    —Presidente Barack Obama, “Novas Bases para a Economia”, Washington, DC,14 de abril de 2009.http://www.america.gov/st/texttrans-english/2009/April/20090414142247eaifas0.30

    19068.html 

    Timothy Geithner, secretário do TesouroSomos um país forte e resistente. Entramos na atual crise sem a autoridadee as ferramentas necessárias para conter os danos à economia causados porcrises financeiras. Estamos agindo para garantir que estejamos equipados comambas no futuro e para que, no processo, modernizemos nosso sistema deregulamentação do século 20 para enfrentar os desafios financeiros do século 21.

    —Secretário do Tesouro, Timothy Geithner, em audiência perante a Comissão

    de Serviços Financeiros, Washington, DC, 26 de março de 2009.http://www.realclearpolitics.com/articles/2009/03/geithner_announces_regulatory.html 

     Ben Bernanke, presidente do Federal ReserveEm suma, o desafio enfrentado pelos órgãos reguladores é obter o equilíbrio certo: lutar pelosmais altos padrões de proteção ao consumidor sem eliminar os efeitos benéficos da inovaçãoresponsável sobre a escolha do consumidor e o acesso ao crédito. Nosso objetivo deve ser umsistema financeiro no qual a inovação leve a níveis mais altos de bem-estar econômico para aspessoas e comunidades de todos os níveis de renda.

    — Presidente do Conselho do Federal Reserve, Ben Bernanke, “Inovações Financeiras eProteção ao Consumidor”, Washington, DC, 17 de abril de 2009.http://www.realclearpolitics.com/articles/2009/04/17/financial_innovation_and_consumer_

     protection_96048.html 

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    BOLHAS ESUPOSTAS BOLHAS

       W   i   k   i  m  e   d   i  a   C  o  m  m  o  n  s

    1637 Mania das tulipas Final dos anos 1960 e início dos anos  As 50 ações americanas mais rentáveis

    1926 Bolha da construção especulativa na Flórida    ©   A

       P   I  m  a  g  e  s

     Anos 1920 Bolha econômica americana 

       ©   A   P   I  m  a  g  e  s

     Anos 1840 Mania das ferrovias   ©   M

      a  r  y   E  v  a  n  s   P   i  c   t  u  r  e   L   i   b  r  a  r  y

    1720 Companhia do Mississippi

    1720 Companhia dosMares do Sul

    Mania das tulipas

    No auge da mania das tulipas holandesas emfevereiro de 1637, oscontratos de futurosvenderam mais de dezvezes o rendimentoanual de um artesãohabilidoso.

     As 50 açõesamericanas maisrentáveis

    O aumento dos preçosdas ações atraiu aatenção dos investidores.Investimentosadicionais provocaramflutuação no preço,independentemente dovalor real do ativo.

    Bolha da construçãoespeculativa naFlóridaA primeira bolhaimobiliária na Flóridabaseou-se emespeculadores externos,no fácil acesso ao créditopara compradores e narápida valorização dosimóveis nos pântanos daFlórida.

    Bolha econômicaamericana dos anos1920De maneira desmedida, osamericanos aproveitaram-se do mercado acionárioe da expansão de créditodesenfreados. Quando oFederal Reserve aumentouas taxas de juros, o mercadoacionário quebrou e deu-seinício ao pânico bancário.

    Mania das ferrovias

    Durante a mania dasferrovias britânicas nosanos 1840, a recém-emergente classe médiainvestiu suas economiasem prováveis companhiasferroviárias; muitosperderam tudo quando abolha explodiu.

    U

    ma bolha econômica pode ocorrer quando o preço deum ativo aumenta bem mais do que seu valor real. Asuposição é de que o próximo comprador pagará um

    preço ainda mais alto pelo ativo. Bolhas podem ser desencadeadaspor fenômenos inexplicáveis (modismos ou manias) ou provocadaspor ações manipuladoras de indivíduos ou empresas.

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    Bolha imobiliária 

    1997 Crise financeira asiática 

    1995 a 2001Bolha ponto-com

       ©   A   P   I  m  a  g  e  s   /   M  a  r   k   D .    P

       h   i   l   l   i  p  s

     Anos 1980 Bolha de preçosdos ativos japoneses

     Anos 1980 e início dos anos 1990Figurinhas de esportes e gibis

    Homem-Aranha 

    O mercado especuladorde gibis alcançou umponto de saturaçãono início da décadade 1990 e finalmentedesmoronou entre 1993e 1997.

    Bichos de pelúciaBeanie Babies

    Os bichinhos de pelúciaBeanie Baby tornaram-seuma febre no início dosanos de 1990. A escassezprovocou uma grandedemanda e preços cadavez mais altos.

    Crise financeiraasiática 

    Grandes volumesde crédito foramdisponibilizados, criandoum boom imobiliário epromovendo a alta dospreços dos ativos a umnível insustentável.

    Bolha ponto-com

    A bolha ponto-comdo final dos anos 1990baseou-se na atividadeespeculativa resultantedo desenvolvimento denovas tecnologias.

       ©   A

       P   P   h  o   t  o   /   J  o   h  n   L .    R

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    1996 Bichos de pelúciaBeanie Babies

       ©   I  m  a  g  e  s .  c  o  m   /   C   O   R   B   I   S

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    Embora a regulamentação internacional tenha de ser fortalecida para que o sistema financeiro global sobreviva,devemos estar também alertas para não irmos longe demais.Os mercados são imperfeitos, mas as regulamentações sãoainda mais.

    George Soros é presidente da Soros Fund Management e

     fundador do Instituto Sociedade Aberta. É autor de nove livros,inclusive, mais recentemente, O Novo Paradigma para osMercados Financeiros: A Crise Atual e o Que Ela Significa.

    Estamos no meio da pior crise financeira desde osanos 1930. O que chama a atenção na crise é queela não foi causada por algum choque externo,como o aumento do preço do petróleo pela Organizaçãodos Países Exportadores de Petróleo. Ela foi gerada pelo

    próprio sistema financeiro. Esse fato — um defeitoinerente ao sistema — contradiz a teoria geralmente aceitade que os mercados financeiros tendem a se equilibrare que os desvios do equilíbrio ocorrem tanto de formaaleatória quanto são causados por algum evento externoimprevisto ao qual os mercados têm dificuldade para se

    ajustar. A abordagem atual da regulamentação do mercadotem se baseado nessa teoria, mas a gravidade e a amplitudeda crise são provas convincentes de que há alguma coisafundamentalmente errada com ela.

    Desenvolvi uma teoria alternativa que entendeque os mercados financeiros não refletem as condiçõessubjacentes com precisão. Eles fornecem um cenário queé sempre tendencioso ou distorcido de uma forma oude outra. O que é mais importante, as visões distorcidasdos participantes do mercado e expressas nos preços

    Regulamentação Revisitada:

     A Teoria do Equilíbrio de Mercado está Errada George Soros

    Investidor chinês reage ao observar a exibição em tempo real do Índice Composto de Xangai em setembro de 2008

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    de mercado podem, sob certas circunstâncias, afetar osassim chamados fundamentos que os preços de mercadodeveriam refletir.

    Chamo isso de conexão circular de duas vias entreos preços de mercado e a “reflexividade” da realidadesubjacente. Afirmo que os mercados financeiros são semprereflexivos, e às vezes podem se afastar bem rapidamente doassim chamado equilíbrio. Em outras palavras, os mercadosfinanceiros são propensos a produzir bolhas.

     AS RAÍZES DA CRISE

     A crise atual foi originada no mercado de hipotecassubprime . O estouro da bolha imobiliária nos EUA agiucomo um detonador que fez explodir uma superbolha

    muito maior, que começou a se desenvolver nos anos1980, quando o fundamentalismo do mercado tornou-seo credo dominante. Esse credo levou a desregulamentação,globalização e inovações financeiras com base na falsasuposição de que os mercados tendem ao equilíbrio.

    O castelo de cartas agora desmoronou. Com afalência do Lehman Brothers em setembro de 2008,o inconcebível aconteceu. O sistema financeiro teveuma parada cardíaca. E foi imediatamente colocadoem respiração artificial: as autoridades do mundodesenvolvido garantiram que não permitiriam quenenhuma outra instituição importante falisse.

    Mas os países da periferia do sistema financeiroglobal não puderam fornecer garantias tão confiáveis. Isso

    precipitou a fuga de capital de países do Leste Europeu,da Ásia e da América Latina. Todas as moedas caíram emrelação ao dólar e ao iene. Os preços das commodities

    caíram como pedra, e as taxas de juros dispararam nosmercados emergentes.

     A corrida para salvar o sistema financeirointernacional ainda está em curso. Ainda que seja bem-sucedida, consumidores, investidores e empresas estãopassando por uma experiência traumática, cujo impactototal ainda não foi sentido. Uma recessão profunda éinevitável, e a possibilidade de uma depressão não pode serdescartada.

    CONTRABALANÇANDO OS MERCADOS

    Então, o que deve ser feito?Devido à propensão dos mercados financeiros para

    criar bolhas de ativos, os órgãos reguladores devemaceitar a responsabilidade de evitar que cresçam de formadesmedida. Até agora, as autoridades financeiras rejeitaramexplicitamente essa responsabilidade.

    Claro que é impossível evitar a formação de bolhas,mas deveria ser possível mantê-las dentro de limitestoleráveis. Isso não pode ser feito simplesmente pelocontrole da base monetária.

    Os órgãos reguladores precisam considerar tambémas condições de crédito, porque dinheiro e crédito nãoandam em compasso. Os mercados têm humores epropensões que precisam ser contrabalançados. Para

    controlar o crédito de forma diferentedo dinheiro, outras ferramentasdevem ser empregadas — ou, maisprecisamente, reativadas, uma vez que já foram usadas nos anos 1950 e 1960.Eu me refiro às exigências de margensvariáveis e de capital mínimo dosbancos.

     A sofisticada engenharia

    financeira atual pode tornar o cálculodas exigências de margem e decapital extremamente difícil, se nãoimpossível. Portanto, novos produtosfinanceiros devem ser registradose aprovados pelas autoridadescompetentes, antes de serem vendidos.

    Contrabalançar o humor domercado exige bom senso, e como os

    responsáveis pela regulamentação sãoNotícias sobre finanças são exibidas em painéis eletrônicos na Times Square em Nova York, emsetembro de 2008

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    humanos, podem se enganar. Eles têm a vantagem, noentanto, de receber a reação do mercado, o que deve lhesdar a chance de corrigir seus erros. Se a intensificação dasexigências de margem e de capital mínimo não esvaziarema bolhas, os órgãos reguladores podem apertar um poucomais. Mas o processo não é infalível, porque os mercadostambém podem estar errados. A busca do equilíbrio ideal éum processo de tentativa e erro sem fim.

    O jogo de gato e rato entre os órgãos reguladores eos participantes do mercado já está em curso, mas suaverdadeira natureza ainda não foi reconhecida. AlanGreenspan, ex-presidente do Banco Federal Reservedos EUA, era um mestre de manipulação com suasmanifestações proféticas, mas em vez de reconhecer o queestava fazendo, ele fingia ser um mero observador passivo.É por isso que as bolhas de ativos puderam crescer tanto

    durante seu mandato.

    O FMI: UMA NOVA MISSÃO

    Devido à globalização dos mercados financeiros,as regulamentações também devem ser internacionaisem seu escopo. Na situação atual, o Fundo Monetário

    Internacional (FMI) temuma nova missão: protegeros países periféricos contra

    os efeitos das tempestadesque tiveram origem nocentro, isto é, nos EstadosUnidos.

    O consumidoramericano não pode maisservir de motor para aeconomia mundial. Paraevitar uma depressãoglobal, outros paísestambém devem estimularsuas economias internas.

    Mas países periféricossem grande superávitde exportação não estãoem posição de empregar

    políticas contracíclicas. Cabeao FMI encontrar formasde financiamento de déficits

    fiscais contracíclicos. Isso poderia ser feito em partearrolando fundos de riqueza soberana e em parte pelaemissão de Direitos Especiais de Saque para que os paísesricos, capazes de financiar seus próprios déficits fiscais,possam ceder aos países mais pobres que não podem fazero mesmo.

    Embora a regulamentação internacional deva serfortalecida para que o sistema financeiro global sobreviva,devemos estar alertas para não ir longe demais. Osmercados são imperfeitos, mas as regulamentações sãoainda mais. Os responsáveis pela regulamentação nãosão apenas humanos; são também burocráticos e sujeitosa influências políticas. As regulamentações devemser mantidas no mínimo necessário para assegurar aestabilidade. n

    O  The Daily Star publica este comentário em colaboração com a ProjectSyndicate copyright © The Daily Star, 2008. Todos os direitos reservados.

    http://www.dailystar.com

     As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente a posição nemas políticas do governo dos EUA.

    Devido à diminuição da demanda por produtos exportados, os chineses lançaram um pacote de estímulo aoaumento do consumo interno de mercadorias

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    Sem dúvida, os historiadores da economia discutirão duranteos próximos anos sobre as causas da crise financeira global.O principal fator causal foi macroeconômico, mas umaregulamentação apropriada poderia ter evitado ou corrigidoa crise.

     Joel P. Trachtman é professor de Direito Internacional

    da Escola Fletcher de Direito e Diplomacia da UniversidadeTufts. Suas publicações incluem The Economic Structureof International Law  [A Estrutura Econômica do DireitoInternacional] e  International Law and Politics [Política eDireito Internacional].

     Acrise financeira global eclipsou o Iraque, o Afeganistão, a Coreia do Norte e outras crisescomo tema de preocupação — fazendo com que

    essas ameaças cruciais à estabilidade global parecessemmodestas por comparação. Mesmo que nossa percepçãoseja míope e demasiadamente concentrada na nossasituação financeira, a crise financeira global é significativae se espalhou por vários países no mundo inteiro. Paraenfrentar a crise atual e prevenir futuras crises — seisso for de fato possível — é necessário entender o que

    causou essa crise. O diagnóstico não é fácil, porqueessa crise foi causada por uma interação complexa demá gestão macroeconômica, regulamentação financeiraincompleta e governança corporativa defeituosa. Pelomesmo motivo, a prevenção de futuras crises não éassunto simples.

     A crise financeira começou nos Estados Unidos,com uma bolha no preço dos imóveis residenciais ehipotecas de risco. As hipotecas pareciam investimentossólidos enquanto os preços das moradias subiam, mas

    Problemas Financeiros Globais:

    Causas, Curas, Respostas Joel P. Trachtman

    Negociante de moeda no Banco Cambial da Coreia em Seul, Coreia do Sul, em 9 de abril de 2009   ©   A   P   I  m  a  g  e  s

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    passaram a ser muito menos atraentes quando os preçoscomeçaram a declinar. E esse declínio se autoalimentouà medida que a diminuição da disposição para emprestare a execução de hipotecas causaram reduções adicionaisnos preços das residências. Muitas das hipotecas originaisforam securitizadas, e os bancos e outras instituiçõesfinanceiras, bem como investidores, compraram enegociaram avidamente os títulos resultantes em suainfindável busca por investimentos de alto rendimento.Mas os detentores desses títulos viram seu valor declinardrasticamente. As perdas nesses títulos prejudicaramo capital das instituições financeiras e sua capacidadede fazer negócios. Isso reduziu também sua capacidadede financiar empresas, resultando em um efeitorecessivo significativo sobre a economia real. Somenteagora o congelamento do crédito está dando sinais deabrandamento.

    Embora a crise tenha começado nos EstadosUnidos, ela agora é global. Tornou-se global porque osistema financeiro é global, e as instituições financeirasempenhadas nas operações de hipotecas subprime  nosEstados Unidos incluíam multinacionais americanas

    e estrangeiras. Além disso, algumas instituiçõesfinanceiras estrangeiras fizeram negócios semelhantes noexterior, emulando a experiência interna dos EUA. Ocontágio financeiro significou que, como as primeirasinstituições financeiras — a maioria dos EUA —ficaram ameaçadas de falência, suas contrapartes domundo inteiro também ficaram. Finalmente, o contágioeconômico por meio do comércio e de investimentoscausou uma redução aguda das exportações para osEstados Unidos e dos investimentos dos Estados Unidosno exterior.

     AS CAUSAS

    Sem dúvida, os historiadores da economiadiscutirão durante os próximos anos sobre as causasda crise financeira global. O principal fator causal foimacroeconômico, mas uma regulamentação apropriadapoderia ter evitado ou corrigido a crise.

     As baixas taxas de juros nos Estados Unidos, no Japão e em vários países, a política cambial da China eo crescimento da riqueza proveniente do petróleo e deoutras riquezas nos fundos de riqueza soberana — tudoisso contribuiu para o excesso de liquidez, que por suavez contribuiu para o desenvolvimento de uma bolhade ativos. Havia muito dinheiro barato em giro, e eleprecisava ser reinvestido. Não apenas por isso, mas porquehavia muito dinheiro barato os investidores estavam

    constantemente em busca de retornos maiores. Os quelhes prometiam retornos mais elevados podiam controlargrandes séquitos e taxas.

    Grande parte desse excesso de liquidez fluiu para asmoradias nos EUA. Durante o período anterior à crise, omercado imobiliário dos EUA tinha as características deuma bolha clássica. Os que investiram nesse mercado, quercomo proprietários ou como credores, pareciam gêniosfinanceiros. Os credores das hipotecas não podiam de fatoperder dinheiro porque o valor de sua garantia continuariaa subir, perdoando erros nos empréstimos. Como disse olegendário investidor Warren Buffett: “É só quando a marébaixa que você descobre quem estava nadando nu.”

    Os credores das hipotecas não eram mais a poupançalocal tradicional e as associações de crédito planejandomanter até o vencimento os empréstimos sobre ashipotecas originadas neles. Em vez disso, esses empréstimoseram reunidos em grupos que eram securitizados, e osinvestidores individuais e os bancos comerciais negociavame investiam nesses títulos. Portanto, os credores dashipotecas muitas vezes não tinham uma visão de longoprazo e não se preocupavam com a capacidade de osmutuários honrarem suas hipotecas em uma situação dedeclínio financeiro. A quantidade de títulos lastreados emhipotecas emitidos aumentou vertiginosamente a partir defins de 2003. O modelo de lucro de muitas instituições

    financeiras havia mudado, de um modelo baseado nosspreads  das taxas de juros para outro baseado em taxase negociação. Essa mudança no modelo de negóciostrouxe também consigo mudanças na remuneração —proporcionando bônus aos executivos que conseguissemproduzir esses lucros nas taxas e nas negociações.

     A securitização exigia bons grupos de empréstimos,de acordo com os requisitos de subscrição especificadose com frequência também exigia reforços de créditomediante seguro ou outra garantia. Esses títulos lastreados

    Notas dos Estados Unidos e da China   ©   A   P

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    em hipotecas, que obedeciam aos requisitos especificadospelas agências de classificação de crédito como Moody’s eStandard & Poor’s, geralmente recebiam classificações decrédito altas. As agências de classificação competiam umascom as outras na obtenção de negócios e muitas vezesconfiavam na experiência histórica em vez de em modelosprospectivos que incluíssem a possibilidade de uma bolhade ativos para determinar a capacidade financeira dessesgrupos para obter crédito.

     A estrutura regulatória dos EUA pode ser acusadados pecados de comissão e de omissão. O governo Bush

    procurou estender a posse de imóveis a pessoas de baixarenda por meio de empréstimos sem garantia de capital. Oaumento dos requisitos de capital imposto às gigantes dashipotecas nos EUA, Fannie Mae (Associação HipotecáriaFederal) e Freddie Mac (Sociedade Federal Hipotecária deCrédito Habitacional), abriu o mercado de financiamentoda casa própria à securitização por outras instituições. Osrequisitos de capital do Acordo da Basileia forneceramincentivos para a securitização, e a esperada redução dosrequisitos de capital relacionados com hipotecas de acordocom o Basileia II induziu os bancos americanos a aumentara posse de títulos lastreados em hipotecas. Foi permitidoaos bancos de investimento aumentar a alavancagem.Pode-se dizer que todas essas mudanças regulatórias foramimpulsionadas pela liquidez disponível e acentuaram ocrescimento do mercado de títulos lastreados em hipotecase seus riscos. Embora os órgãos reguladores individualmentepossam ter visto alguns dos problemas crescer, faltou àsautoridades vontade política para intervir com firmeza.

     A governança corporativa de várias instituiçõesfinanceiras foi submetida a grave tensão pelo modelobaseado em taxas e negociações, pelo impulso parapromover empresas que geravam lucros maiores, pela

    pressão competitiva resultante das atividades de riscode outras firmas e pela incapacidade de desenvolverum modelo persuasivo de risco a longo prazo. Nessas

    circunstâncias, os acionistas, os conselhos de administraçãoe a administração sênior não conseguiam avaliar nemreduzir o risco absorvido por suas instituições. Emdepoimento ao Congresso em outubro de 2008, AlanGreenspan, ex-presidente do Banco Federal Reserve dosEUA, declarou que “aqueles entre nós que miravamapenas o interesse próprio das instituições de créditoem proteger o capital dos acionistas — especialmenteeu — encontram-se agora em um estado de descrençaestarrecida”. Essa acusação contra a governança corporativaamericana é espantosa: os mecanismos da governançacorporativa são insuficientes para garantir que osexecutivos administrem de acordo com os interesses de

    longo prazo dos acionistas em vez de no seu própriointeresse de curto prazo.

     AS CURAS

    Cada uma das causas da crise financeira mereceráanálise cuidadosa para evitar futuras crises. É claro,precisamos lembrar que a mera prevenção retrospectiva decrises do passado, como a Linha Maginot, linha militarfrancesa da Segunda Guerra Mundial, não evitará futurascrises. Em vez disso, precisamos compreender os tipos deestrutura que causam crise, procurar criar mecanismospara prever a chegada de novas crises e reestruturar a

    regulamentação para responder em momentos de crise.Em primeiro lugar, a gestão macroeconômica deveser capaz de identificar bolhas de ativos e de reunir avontade política para responder a isso. Em segundo lugar,precisamos ser cuidadosos, reconhecendo que reformasregulatórias têm muitas vezes motivações pró-cíclicas:fenômenos perigosos em processo de acentuação. Aofazermos a reforma regulatória, precisamos ser cuidadosose repetir a pergunta de Warren Buffett: “Seremosvistos nus quando a maré baixar?” Em terceiro lugar, aregulamentação financeira precisa ser entendida comoresposta especial às incompatibilidades específicas deincentivo das instituições financeiras. Precisamos também

    reconhecer que a governança corporativa, sozinha, podeser inadequada para refrear uma administração míope.Precisamos reconhecer também que os acionistas dasinstituições financeiras podem, eles próprios, ter incentivosinadequados para garantir que as instituições financeirasevitem riscos excessivos: todos nós podemos, medianteseguro de depósito bancário e ajudas emergenciais dogoverno, absorver componentes significativos do risco.Esse perigo moral exige muitas vezes uma respostaregulatória.

    Ex-executivos-chefes da Fannie Mae depõem perante comissões do

    Congresso dos EUA, em dezembro de 2008

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    R ESPOSTAS EXIGIDAS

     A regulamentação interna é muitas vezes necessáriaquando as empresas, ou quando as pessoas que as controlam,não arcam com todos os riscos de suas ações. Além disso,a regulamentação internacional é necessária quando osEstados não arcam com todos os riscos de suas açõesregulatórias. As externalidades internacionais podem ocorrerpor contágio: as instituições financeiras mantêm densasredes internacionais de relações interbancárias, e a falênciade um banco poderá prejudicar outros. As externalidadesinternacionais podem também ocorrer por competição

    regulatória: quando um Estado reduz seus padrões, poderáaumentar a competitividade a curto prazo de suas instituiçõesfinanceiras, impondo prejuízos competitivos a instituiçõesfinanceiras estrangeiras. Finalmente, um colapso econômicodos EUA tem repercussões no mundo inteiro por meio dosmecanismos de comércio e investimento.

    Que tipo de resposta regulatória internacionalé necessária? Os Estados precisam assumir maiorresponsabilidade pela regulamentação da solvência de suasinstituições financeiras para limitar o risco de contágio.

    Pode ser apropriado que os Estados cheguem a um acordosobre o escopo dessa responsabilidade.

    Mas isso não será suficiente. Os problemas da governançacorporativa que induzem as empresas a assumir risco excessivodevem ser enfrentados, mediante regulamentação ou porautorregulamentação do setor financeiro. Será necessária umaresposta regulatória internacional para garantir que os Estadosnão tenham incentivos que reduzam a regulamentação a fimde promover a competitividade de suas próprias empresas. A regulamentação de capital do Acordo da Basileia foiparcialmente motivada por essa preocupação, mas ainda hámuito trabalho a ser feito.

    Finalmente, maior sobriedade e humildade na gestãomacroeconômica e maior atenção às preocupações deoutros Estados com relação à gestão macroeconômicanacional serão necessárias para evitar as condiçõesfavoráveis a bolhas de ativos ou a outras crises baseadas namacroeconomia. n

     As opiniões expressas neste artigo não refletem necessariamente a posição nemas políticas do governo dos EUA.

    Quando proprietários de residências deixam de pagar suas hipotecas, placas de “Vende-se” surgem na rua

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    Durante o fim do século 19 e o começo do século 20 havia pouca coordenação das finanças internacionais. Isso mudoumuito após a Segunda Guerra Mundial, e as mudanças ainda

    continuam.Richard Vedder é especialista em História Econômicae Políticas Públicas e professor honorário de Economiada Universidade de Ohio. É autor de Out of Work:Unemployment and Government in Twentieth-Century America  [Sem Trabalho: Desemprego e Governo nosEstados Unidos do Século 20] e The American Economyin Historical Perspective [A Economia Americana emPerspectiva Histórica].

     A

    prosperidade do mundo tem aumentado de formailimitada pelo crescimento das relações econômicasinternacionais — comércio de bens e serviços

    e migração de mão-de-obra, capital e ideias em todo oplaneta. O princípio da vantagem comparativa sugere que ariqueza das nações aumenta nos países que se especializamnas atividades econômicas que apresentam baixos custos deoportunidade. No entanto, toda essa atividade econômicadeve ser financiada, e a estabilidade do sistema financeiromundial é essencial para o crescimento contínuo do comérciomundial. Isso é complicado, porque a maioria das naçõestem sua própria moeda e as regras e normas que regulam astransações financeiras variam muito entre os países.

    O Sistema Financeiro Global em Transformação

    Richard Vedder

    Costureiras no México fazem roupas para o mercado dos Estados Unidos   ©   A   P   I  m  a  g  e  s

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    Durante o fim do século 19 e o começo do século20, havia pouca coordenação das finanças internacionais. A capital financeira do mundo era Londres, e as

    principais nações voltadas para o comércio usavamo padrão ouro, o que significava que as obrigaçõesfinanceiras eram estabelecidas em moedas resgatáveisem ouro. Se uma nação usasse excessivamente suasmoedas para comprar produtos importados ou investirno exterior, perdia reservas de ouro, o que levava àrestrição da base monetária e do crédito e em geral àdeflação. Isso tornou as exportações mais atraentes e asimportações menos convenientes, corrigindo assim oproblema do desequilíbrio da balança de pagamento.Muitos especialistas acreditam que o sistema funcionourazoavelmente bem entre 1871 e 1914.

     A Primeira Guerra Mundial envolveu enormes fluxosde capital internacional de forma nunca antes vista àmedida que nações europeias como a Grã-Bretanha e a Alemanha se afundavam em dívidas, tomando grandesempréstimos de outros países, especialmente