O Sofrimento Psíquico No Puerpério Um Estudo Psicossociológico

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    O sofrimento psquico no puerprio:um estudo psicossociolgico

    Evelyn Rbia de Albuquerque Saraiva

    Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal

    da Paraba. Docente do Departamento de Psicologia da

    Universidade Federal da Paraba.

    End.: Rua Glucia Maria dos Santos Gouveia, 418. Joo

    Pessoa, PB. CEP: 58038-640.

    E-mail: [email protected]

    Maria da Penha de Lima Coutinho

    Ps-doutora pela Universidade Aberta de Lisboa, Portugal.

    Doutora em Psicologia pela Universidade de So Paulo.

    Docente do Departamento de Psicologia e Coordenadora

    do Ncleo de Pesquisa Aspectos Psicossociais da

    Preveno e Sade Coletiva da Universidade Federal da

    Paraba.

    End.: Rua Dr. Frutuoso Dantas, 216. Joo Pessoa, PB.CEP: 58045-170.

    E-mail: [email protected]

    ResumoEste estudo baseou-se na Teoria das Representaes Sociais,

    buscando apreender o senso comum acerca da depresso ps-

    parto e da experincia materna, elaborado pelas purperas com

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    sintomatologia depressiva. Trata-se de uma pesquisa descritiva,

    realizada em um servio pblico de sade da cidade de Joo

    Pessoa, na Paraba. A amostra foi constituda por 20 mes com

    sintomatologia depressiva, avaliada pela Escala de Edinburgh,instrumento para rastreamento da depresso ps-parto. As

    participantes submeteram-se a uma entrevista em profundidade,

    cujos registros, aps gravados e transcritos, foram tratados

    pela Anlise de Contedo Temtico. As mes ancoraram as

    representaes sociais da depresso puerperal nos seus fatores

    desencadeantes, objetivados nas adversidades socioeconmicas

    e nas conflituosas relaes sociais familiares e amorosas. A

    maternidade foi ancorada nas experincias vivenciadas no puerprio,

    objetivadas na ambivalncia psicoafetiva, na sobrecarga advindacom o cuidar do beb e da famlia, nas mudanas na identidade

    feminina e nas expectativas futuras em relao vida familiar.

    Encarado sob um ponto de vista psicossociolgico, este estudo

    possibilitou a compreenso de como a me purpera deprimida se

    sente em relao a si e como pensa a respeito dos eventos da vida

    cotidiana, da sua experincia materna e do seu ambiente social.

    Os resultados sugerem a necessidade de elaborao de programas

    diferenciados de polticas pblicas de sade coletiva voltados para

    a comunidade feminina durante sua fase reprodutiva, de modo adar visibilidade e tratamento ao sofrimento psquico presente no

    ciclo gravdico-puerperal.

    Palavras-chave: sofrimento psquico, depresso ps-parto,

    maternidade, puerprio, representaes sociais.

    AbstractThis study was anchored in the Theory of the Social Representations,

    searching to recognize the common denominator concerning postpartum depression and the maternal experience elaborated by post

    partum mothers with depressive symptomology. This descriptive

    research was administered in a public health service in Joo Pessoa,

    Paraba. The sample was constituted of 20 mothers with depressive

    symptomology, evaluated by the Edinburgh Scale, an instrument

    for tracking post partum depression. The participants went through

    an in depth interview and after the information was recorded and

    transcribed, it was treated by the Analysis of Thematic Content.

    The mothers anchored the social representations of port partum

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    depression in its triggering factors, objectified in the social-economic

    adversities, conflicting family and amorous relationships. Maternity

    was anchored in the experiences lived deeply in the post partum,

    objectified in the psychoaffective ambivalence, being overwhelmedby taking care of a baby and the family, in the changes in the

    feminine identity and the future expectations in relation to family

    life. This study, under the psycho-sociologic viewpoint, allowed us

    to understand how a post partum depressed mother feels in relation

    to herself, the events of her daily life, about the maternal experience

    and her social environment. The results suggest the necessity of the

    elaboration of public politics differentiated programs in collective

    health system directed toward the feminine community during her

    reproductive phase, in order to give visibility and treatment to thepresent psychic suffering in the gravid-puerperal cycle.

    Key words: psychic suffering, post partum depression, maternity,

    puerperal, social representations.

    Introduo

    Na sociedade atual, visvel o crescimento das doenaspsicoafetivas, as chamadas doenas da tristeza, engendradas,possivelmente, como reaes da subjetividade frente s dificul-dades existenciais contemporneas, sinalizando as mazelas dohomem civilizado. Enquanto uma doena da tristeza, a depressono deixa de refletir um adoecimento da sociedade, revelando-secomo um amplo fenmeno de sade pblica que, a despeito de serconhecido h centenas de anos, ainda se destaca pela dificuldadede definio e de explicao. Concebida como um sofrimento ps-quico, a depresso uma doena ou sndrome que se manifesta

    atravs de transtornos bio-psico-afetivos. Apresenta-se acompa-nhada de sintomas multivariados, que compreendem aspectosorgnicos, hereditrios, sociais, econmicos e religiosos, entre ou-tros. Representa um problema de sade mental que preocupa osservios de sade, na medida em que se revela em indivduos semdistino de sexo, idade, classe socioeconmica, cultura, raa epas (Coutinho, Gontis, Arajo & S, 2003).

    Nos ltimos vinte anos, tem-se reconhecido que, em algu-mas mulheres, a gravidez, o nascimento de um beb e o perodops-parto podem ocasionar problemas de humor e, em particular,

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    a depresso (Zinga, Phillips & Born, 2005; Saraiva, 2007; Saraiva& Coutinho, no prelo; Saraiva, Vieira & Coutinho, 2007). Neste sen-tido, Schwengber e Piccinini (2003) constataram que a depresso

    comumente associada ao nascimento de um beb refere-se a umconjunto de sintomas, que incluem irritabilidade, choro freqente,sentimentos de desamparo e desesperana, falta de energia e demotivao, desinteresse sexual, transtornos alimentares e do sonoe sensao de ser incapaz de lidar com novas situaes, alm dequeixas psicossomticas.

    Tambm denominada de depresso puerperal, depressomaternal ou depresso ps-natal, a depresso ps-parto consis-te numa perturbao emocional, humoral e reativa, identificadaem mulheres aps o seu parto, durante o perodo de puerprio(Holmes, 2001). Tal como definido por Resende e Montenegro(1999), o puerprio consiste num perodo cronologicamente vari-vel, de mbito impreciso, durante o qual se desenrolam todas asmanifestaes involutivas ou de recuperao da genitlia mater-na, havidas aps o parto. Este perodo compreende as seguintesetapas, que se sucedem aps o parto: ps-parto imediato, do pri-meiro ao dcimo dia; ps-parto tardio, do dcimo ao 45 dia; e

    ps-parto remoto, alm do 45 dia.De acordo com Camacho et al. (2006), diversas questes

    ainda esto em aberto no que se refere a um tema to amploquanto a sade mental das mulheres no perodo de gestao ede puerprio. Nesta fase, o reconhecimento da depresso muitasvezes contraria a sabedoria popular, que acredita ser o perodo damaternidade uma poca agradvel e prazerosa para todas elas.No entanto, possvel encontrar, no espao miditico, reportagensjornalsticas ressaltando a divulgao dessa em personalidadesfemininas, revelando os problemas do diagnstico tardio, assimcomo a dificuldade das mes admitirem que no conseguem darafeto aos seus bebs, mesmo em situaes ambientais e sociaispresumivelmente acolhedoras (Collucci, 2006). Por conseguinte,a depresso no puerprio afeta a sade da mulher, com repercus-ses na interao social com o beb e toda a famlia, consistindoum importante tpico de estudo para os profissionais envolvidoscom o cuidado humano (Saraiva, 2007; Saraiva & Coutinho, no

    prelo; Saraiva, Vieira & Coutinho, 2007).

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    Os dados epidemiolgicos, apontados pela literatura espe-cializada na rea, indicam a importncia da avaliao precoce dadepresso durante a gestao. Uma vez diagnosticado o quadro

    depressivo da gestante, viabiliza-se a realizao de intervenes,sendo um dos objetivos principais o de apoi-la neste momentoimportante de transio. Da mesma forma, o conhecimento sobreos aspectos multifacetados dos transtornos psicoafetivos da me,aps o nascimento do beb, representa a possibilidade da rea-lizao de intervenes multidisciplinares, to logo os sintomassejam detectados. Neste sentido, a atuao preventiva das equi-pes multidisciplinares, nesse perodo, pode proporcionar novame o apoio de que necessita para enfrentar os eventuais epis-

    dios de depresso. Mais do que isso, o atendimento precoce medeprimida representa a possibilidade de preveno quanto ao es-tabelecimento de um padro negativo de interao com o beb, oqual pode trazer importantes repercusses para o seu desenvol-vimento posterior.

    A despeito do avano observado nos estudos sobre estatemtica, as investigaes sobre a depresso ps-parto tm-seconcentrado, prioritariamente, nas abordagens mdicas e psico-

    dinmicas. Pode-se observar uma afluncia de pesquisadores quevm aprofundando e descrevendo seus objetos de estudos, inclu-sive os relativos aos temas da sade e da doena, fundamentadosna Teoria das Representaes Sociais, em concordncia com aperspectiva dinmica, numa dimenso simblica, metafrica eimageante, elaborada no tecido social. Nesta perspectiva, desta-cam-se os trabalhos sobre sade-doena e, especificamente, sobrea depresso em crianas, adolescentes, adultos jovens, idosos, so-ropositivos e purperas (Saraiva, 2007; Saraiva & Coutinho, no

    prelo; Saraiva, Vieira & Coutinho, 2007; Coutinho, 2005; Coutinho& Saldanha, 2005; Coutinho et al., 2003).

    Esta investigao se desenvolveu sob a tica da PsicologiaSocial, com um enfoque psicossociolgico, o que possibilitou acompreenso de como a me deprimida se sente em relao a siprpria e como pensa a respeito dos eventos da vida cotidiana,da sua experincia materna e do seu ambiente social. Sabendo-seque as representaes sociais estudam um objeto dentro de um

    grupo homogneo, procurou-se apreend-las de mulheres pur-

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    peras acerca da depresso ps-parto e da experincia de ser me,buscando relacion-las com suas prticas, seus sentimentos, sen-saes, opinies, conhecimentos e crenas. Alm disso, buscou-se

    identificar e descrever os contedos das representaes sociaisdas mes purperas com sintomatologia da depresso ps-partoacerca da depresso e da experincia maternal.

    Para Moscovici (1981; 1983), a Representao Social (RS) uma modalidade de conhecimento particular que tem por funo aelaborao de comportamentos e a comunicao entre os indiv-duos. So conjuntos simblicos/prticos/dinmicos cujostatus ode uma produo e no de uma reproduo ou reao a estmulosexteriores, caracterizando-se pela utilizao e seleo de informa-es, a partir do repertrio circulante na sociedade, destinadas interpretao e elaborao do real. Assim, representar um objeto,pessoa ou coisa no consiste apenas em desdobr-lo, repet-lo oureproduz-lo, mas em reconstru-lo, retoc-lo e modific-lo.

    O objeto representacional encontra-se inserido num am-biente ativo, reestruturado, pelo indivduo ou pelo grupo, a partirda realidade social. Os atores sociais reconstroem a realidade to-mando por base o sistema cognitivo do indivduo, integrado aos

    seus valores, sua histria e ao seu contexto social e ideolgico.A Representao Social funciona como um sistema de interpre-tao da realidade, que dirige as relaes dos indivduos com oseu meio fsico e social, determinando seus comportamentos esuas prticas e guiando, portanto, suas aes sociais. Uma vezque se considere a indissociabilidade entre a experincia subjeti-va e a insero social dos sujeitos, pode-se compreender que asrepresentaes sociais das purperas sobre seus transtornos psi-coafetivos e experincia materna consistem numa interpretaocoletiva da realidade vivida e falada por esse grupo social, direcio-nando comportamentos e comunicaes.

    De acordo com Nbrega (2001), a construo sociocogniti-va de uma representao passa por vrias fases entre a realidadeprtica e o pensamento socialmente edificado, demonstrando aexistncia de um estilo intelectual prprio representao socialde um grupo de pertena. O uso de clichs, de expresses arma-zenadas em estoques lingsticos ou frmulas de interao social,

    consiste em estilos intelectivos, acrescidos das analogias e met-

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    foras prprias de uma construo do senso comum calcada nosprocessos de comunicao social e no tecido social.

    Estudar as representaes sociais das mes purperas,

    acerca da depresso ps-parto, significa compreender os proces-sos de classificao e nomeao que permitem retirar a novidade a experincia com a maternidade do anonimato e coloc-lanuma rede de significao, a partir do consenso do grupo de mu-lheres que convivem num mesmo servio pblico de sade. Nesteambiente social, so veiculadas as crenas, opinies, sentimentose experincias acerca da experincia de ser me.

    Por esta razo, adotou-se uma forma de abordagem, denomi-

    nada dimensional, por abarcar as trs dimenses da representaosocial: seu campo estruturado ou imagens; a atitude que ela carre-ga e que lhe d colorao afetiva; e o componente de informaoque ela contm (Arruda, 2002). Estes elementos tericos da teoriamoscoviciana permitem compreender a construo, a gnese e osprocessos dimensionais das representaes sociais, condies es-senciais para apreender a teoria do senso comum elaborada pelaspurperas acerca da depresso puerperal e da experincia ma-terna. Portanto, este estudo busca apreender as representaes

    sociais da depresso ps-parto e da experincia materna elabo-radas pelas purperas com sintomatologia depressiva.

    Mtodo

    Tipo e Local da Pesquisa

    Trata-se de uma pesquisa multimtodo, que utiliza uma me-todologia qualitativa e quantitativa, trabalhando com uma amostra

    no-probabilstica de convenincia. Foi desenvolvida com o apoiode uma equipe multidisciplinar, num servio pblico ambulatorial,situado na cidade de Joo Pessoa, na Paraba, que atende mu-lheres de baixa renda familiar, durante o pr-natal, o parto e opuerprio.

    Participantes e Instrumentos

    Fizeram parte da investigao 20 (vinte) mes purperas,que atendiam aos seguintes requisitos: a) possuam idade igual ousuperior a 18 anos; b) seus partos ocorreram entre quinze e no-

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    venta dias antes da aplicao dos instrumentos da pesquisa; e c)obtiveram pontuao igual ou superior a 11 pontos na Escala deEdinburg, sendo avaliadas, portanto, como portadoras de sinto-

    matologia da depresso ps-parto.Foram utilizadas a Escala de Edinburgh (Edinburgh

    Postpartum Depression Scale) e a Entrevista em profundidade. AEscala de Edinburgh foi validada no Brasil por Santos, Martinse Pasquali (1999) e por Cantilino, Albuquerque, Cantilino, Maia eSougey (2003). A Entrevista em profundidade, tambm denominadapor Minayo (1998) de entrevista aberta, aquela em que o entrevis-tado tem a possibilidade de discorrer sobre o tema proposto, semrespostas ou condies prefixadas pelo pesquisador.

    Procedimentos ticos e de coleta e anlise dos dados

    O desenvolvimento da pesquisa seguiu a orientao daResoluo CNS/Ministrio da Sade, n 196, de 10 de outubro de1996. Para tanto, obteve-se a aprovao do Comit de tica doCentro de Cincias da Sade, da Universidade Federal da Paraba(CCS/UFPB), com o cadastro no Sistema Nacional de Informaessobre tica em Pesquisas envolvendo Seres Humanos, do Ministrioda Sade, protocolo SISNEP/MS/CAAE, n 0080.0.126.000-06.

    Aps a concordncia dos gestores dolocus da pesquisa eda assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido porparte das participantes, os instrumentos foram aplicados, numanica sesso e, por se tratar de participantes que conduziam seusbebs no colo, o pesquisador anotou as respostas escala deavaliao da depresso puerperal. No caso da Entrevista, as falasforam gravadas com o devido consentimento das participantes.

    As respostas Escala de Edinburgh foram processadas pelopacote estatstico SPSS for Windows e analisadas pela estats-tica descritiva (frequncia e percentagens). Aps a gravao detodas as entrevistas, as narrativas foram transcritas e os conte-dos apreendidos foram analisados por meio da anlise de contedotemtico (Bardin, 2002). As freqncias e percentagens obtidas, apartir das unidades temticas emergentes, foram calculadas pormeio do programa Microsoft Office Excel, verso 2000.

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    Resultados e discusso

    O material oriundo das entrevistas foi decomposto e agrupa-do em duas classes temticas, de onde emergiram seis categoriasempricas e simblicas e dezoito subcategorias, conforme apresen-tadas na Tabela 1. Foram identificadas 1506 unidades temticas,oriundas das interlocues das participantes e as duas classestemticas, Depresso Ps-Parto e Ser Me no Puerprio, agluti-naram, respectivamente, 67,9% e 32,1% dos recortes do discursodas mes.

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    Classestemticas

    Categorias Subcategorias f %

    DEPRESSOPS-PARTO

    1. Concepes10,6%

    1. Psicoafetiva 75 69,4

    2. Fsico-orgnica 20 18,5

    3. Neuro-psquica 13 12,1

    Sub-total 108 100

    2. Fatoresdesencadeantes

    32,9%

    4. Socioeconmicos 93 27,6

    5. Relaes sociais familiares 100 29,7

    6. Relaes sociais amorosas 144 42,7

    Sub-total 337 100

    3. Manifestaes50,7%

    7. Psicoafetivas 106 20,4

    8. Psico-cognitivas 213 41,1

    9. Psico-comportamentais 178 34,3

    10. Psicossomticas 22 4,2

    Sub-total 519 100

    4. Tratamentos5,8%

    11. Mdico-medicamentoso 15 25,4

    12. Psicolgico 5 8,5

    13. Espiritual 21 35,614. Auto ajuda 18 30,5

    Sub-total 59 100

    Sub-total da classe Depresso Ps-parto 1023 67,9

    SER ME NO

    PUERPRIO

    5. Experincias65,8%

    15. Ambivalncia 190 59,8

    16. Maternagem 128 40,2

    Sub-total 318 100

    6. Conseqncias34,2%

    17. Nova identidade feminina 88 53,318. Expectativa futura 77 46,7

    Sub-total 165 100

    Sub-total da classe Ser Me no Puerprio 483 32,1

    TOTAL DE UNIDADES TEMTICAS 1506 100

    Tabela 1:Classes, Categorias e Subcategorias emergentes da Anlise de

    Contedo Temtico, com suas respectivas frequncias e percentagens.

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    Com relao primeira classe temtica, Depresso Ps-Parto, observou-se a emerso de quatro categorias: Concepes,convergindo 10,6% das falas; Fatores Desencadeantes, corres-

    pondente a 32,9% dos recortes analisados; Manifestaes, com50,7% das unidades temticas; e Tratamentos, que agrupou 5,8%das falas das purperas.

    A categoria Concepes da Depresso Ps-parto agrupouas objetivaes da representao social da depresso ps-natal em trs subcategorias: Psicoafetivas, Fsico-orgnicas eNeuro-psquicas.

    As interaes psicoafetivas foram marcadas pela temporalida-

    de que antecedeu o puerprio, como o namoro (... a gente deixouacontecer...) e o relacionamento (...ficou com ele...); a notcia dagravidez (...quando descobriu foi a maior confuso...); a gravidezpropriamente dita (...no me sentia feliz com minha barriga...); e oparto (...desespero total no parto..). Os recortes das falas sobre onamoro e o relacionamento apontam para a ingenuidade, a carn-cia afetiva e a falta de controle eficaz e amadurecido da natalidade.Ressalte-se, ainda, a fugacidade do relacionamento sexual, oca-sionada pela ausncia de afeto e de compromisso conjugal, assim

    como pela traio. Neste contexto, a constatao da gravidez pare-ce ser recebida pela mulher como um fato inesperado, trazendo umaavalanche de elementos estressores para a vida da futura mame ealtamente prenunciadores de sofrimento psquico.

    O sofrimento psquico fica demonstrado na vivncia da fasegravdica, associado dor fsica da ocorrncia do parto. A expres-so ...pensei que meu parto ia ser problemtico... demonstra aausncia de confirmao de um prognstico, geralmente atribuda

    s dificuldades vivenciadas na gravidez, com provvel repercussona hora do parto. Dessa maneira, revela que, face ao sofrimentopsquico presente na fase pr-natal (...fiquei triste na gravidez...),a dor fsica do parto foi inexpressiva.

    As subcategorias das Concepes Fsico-orgnicas eNeuro-psquicas da Depresso Ps-parto corresponderam com-preenso das participantes de que a depresso associa-se a umador fsica e a uma doena dos nervos, conforme mostram as uni-

    dades temticas ...estou doente..., ...dor puxando da nuca para

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    a cabea..., ...fico doida..., ...chega a ser loucura... e ...ficonervosa.... A subcategoria Fsico-orgnica refere-se concep-o da depresso puerperal objetivada pelo elemento associado

    lactao. Isto aponta para uma dificuldade da me purpera de-primida dar atendimento eficiente ao seu beb, principalmente nafase de aleitamento, em razo do seu adoecimento fsico-orgnico.De acordo com os recortes, a depresso tambm representadana esfera neuro-psquica das participantes, o que leva a supor queas representaes sociais da depresso ps-parto, elaboradas poreste grupo, esto permeadas por esteretipos e preconceitos comrelao doena.

    A segunda categoria que emergiu da classe temticaDepresso Ps-Parto refere-se aosFatores Desencadeantes, comos recortes das falas das purperas agrupando-se em objetivaesdas representaes sociais de fatores Socioeconmicos, com 27,6%das unidades temticas, de Relaes Sociais Familiares, com 29,7%e de Relaes Sociais Amorosas, com a prevalncia de 42,7%.

    As representaes sociais, ancoradas nos FatoresDesencadeantes, concentradas nas adversidades socioecon-micas, foram edificadas na difcil sobrevivncia econmica e na

    dependncia monetria de terceiros (...a gente mora num quar-to..., ...no tinha nada para comer..., ...fiquei 8 meses comminha gua cortada..., ...estou na casa dos outros...). Destaca-se a extrema pobreza deste grupo de mulheres que, diante donovo filho, vem se agravarem as suas necessidades, j acumu-ladas diante de uma vivncia histrica de privaes econmicas,acrescidas das limitaes financeiras do pai do beb. O inevit-vel recurso ajuda financeira de terceiros, principalmente com achegada de um beb, coloca a me deprimida diante da cruel re-alidade do adiamento da melhoria da qualidade da sua vida, que,

    juntamente com a falta de suporte material por parte da sua famliae do pai do beb, completa a gama de adversidades que auxiliamna construo do senso comum da Depresso Ps-parto.

    No tocante s Relaes Sociais Familiares, as seguintes falasdemonstram a problemtica das purperas: ...minha me doente, depressiva tambm..., ...apanhei muito de meu pai..., ...meupai prejudicou a minha me... e ...ningum v minha necessida-

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    de.... Por seu lado, as Relaes Sociais Amorosas com o parceiroso ilustradas nos relatos: ...ele uma criana sem responsabilida-de..., ...chutou as coisas dentro de casa..., ...ele se aproveitou de

    mim..., ...reclama comigo..., ...quis que eu abortasse..., ...eledesprezou meu filho... e ...a famlia dele quer o DNA....

    A estrutura do pensamento manifestado consensualmentepelas participantes, sob a tica da famlia nuclear, ressalta a im-possibilidade ou limitao das mes purperas em contar com osuporte social tanto de suas mes, quanto das demais figuras fe-mininas do universo familiar, como irm, av, tia e sogra, nestemomento de sofrimento puerperal. Neste contexto de infelicidades,ainda se evidenciam questes relativas a uma imagem negativa dosmembros masculinos da famlia nuclear e estendida. Nas narrati-vas das mes deprimidas, as figuras masculinas, tais como pais,irmos, cunhados e sogros, apresentam-se com imagens carrega-das de afetos restritivos, utilizadas para objetivarem o conceito dedepresso que as participantes esto experienciando. Este quadrode adversidades, concentrado nos homens da famlia, construdopelas purperas englobando referncias ao abandono, imaturidade,agressividade, violncia, alcoolismo, marginalidade e desamor.

    Com esta interpretao da realidade, no surpreenden-te que o imaginrio em torno da figura masculina associada aoparceiro, companheiro ou pai do beb aparea carregado de sim-bolismos danosos para o bem-estar da purpera. Nas objetivaesdas Relaes Sociais Amorosas direcionadas ao pai do beb,so encontradas narrativas envolvendo suas caractersticas fsico-orgnicas e psicolgicas, alm dos vnculos com outra parceira.O relacionamento afetivo-conflituoso com a purpera apareceem destaque, agregando a maioria dos recortes das entrevistas.Tambm se destaca a relao do pai com o beb, incluindo as d-vidas quanto paternidade, alm das dificuldades para asseguraro suporte econmico-social me deprimida.

    A categoria Manifestaes da depresso puerperal agrupaos recortes das falas das purperas deprimidas em quatro sub-categorias: a Psicoafetiva, responsvel por 20,4% das unidadestemticas, a Psico-cognitiva, com 41,1%, a Psico-comportamen-tal, agrupando 34,3% e, por ltimo, a Psicossomtica, totalizando

    4,2% dos sinais depressivos.

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    As Manifestaes relacionadas subcategoria Psicoafetivaforam objetivadas, pelas participantes, nos sentimentos de tristezae sofrimento, enquanto as manifestaes Psico-cognitivas foram

    naturalizadas pelos pensamentos mrbidos, pela auto-imagemnegativa e pela preocupao. As Manifestaes Psico-comporta-mentais da Depresso Puerperal concentraram-se nas expressesde choro e irritabilidade, enquanto elementos relativos s altera-es fisiolgicas do sono e da fome.

    O elemento tristeza aparece com uma alta freqncia,indicando, em mdia, que cada uma das vinte mes entrevista-das manifestou a depresso ps-parto, com a expresso ...ficotriste.... De modo geral, estes achados encontram respaldo nacaracterizao da depresso formulada tanto pelo conhecimentocientfico (APA, 1994; WHO, 2007; Holmes, 2001), quanto pelo co-nhecimento do senso comum (Saraiva, 2007; Saraiva & Coutinho,no prelo; Saraiva, Vieira & Coutinho, 2007; Coutinho, 2005; Coutinho& Saldanha, 2005). A manifestao do sofrimento vem acompanha-da de metforas, que demonstram o padecimento: ...arrasada...,...tudo est perdido..., ...caindo no pesadelo..., ...sem cho...,...perdida..., ...voltei estaca zero... e ...no fundo do poo....

    So indentificadas expresses em que a me purpera se auto-diagnostica, como, por exemplo: depresso mesmo. O augedas manifestaes das representaes sociais da depresso coin-cide com as formulaes tpicas do ser depressivo, que se do deforma mrbida, com a meno a idias suicidas e a pensamentosde morte em relao ao beb.

    Nas Manifestaes Psico-comportamentais, as participan-tes enfatizaram os afetos dirigidos ao beb, ao pai do beb e sua prpria me, demonstrando impacincia e comportamentosde agressividade que acompanham a irritabilidade. freqente oregistro de raiva direcionada ao beb, ao pai do beb e a si, comindicao de ambivalncia (...eu no podia ter raiva...). Os ele-mentos afetivo-comportamentais em torno do isolamento culminamcom a expresso ...rejeito carinho..., significando distanciamen-to de contatos afetivos e tornando-se um indicador preocupante,por se tratar de mes em fase de ntimo relacionamento comseus bebs. A situao de isolamento fica mais agravada diante

    da alta freqncia de representaes sociais da depresso ps-

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    parto com a expresso choro. A subcategoria Psicossomtica dasManifestaes da Depresso Ps-parto contm indicaes dealterao de sono e falta de apetite. Este conjunto de elementos,

    aliado concepo da depresso enquanto uma doena, aponta,mais uma vez, para a provvel limitao da me purpera depri-mida em interagir com o seu beb, diante do seu adoecimentopsicossomtico.

    A quarta categoria emprica, que emergiu da Anlise deContedo Temtica, indica que as purperas com sintomatolo-gia depressiva ancoraram as representaes sociais acerca daDepresso Ps-parto na busca da cura do seu transtorno afe-tivo, ou seja, no Tratamento. Nesta categoria, as objetivaesdo tratamento da depresso esto agrupadas nas subcategoriasMdico/Medicamentoso (25,4%), Psicolgico (8,5%), Espiritual(35,6%) e Auto-ajuda (30,5%).

    As mes deprimidas demonstram a inteno futura de ...procurar o mdico..., para tentarem aliviar seu sofrimento (...quemsabe ele me ensina a me livrar desse incmodo...) e para teremacesso medicao gratuita (...remdio de graa...), recorrendoa profissionais que especificamente as orientem nas dificuldades

    de amamentar seus bebs (...vou mostrar meu peito no bancode leite...). As falas apontam para uma pequena visibilidade doServio de Psicologia, disposio nolocus da pesquisa, enquan-to recurso de tratamento da depresso ps-parto, numa atuaoindividual. A adeso ao tratamento psicoterpico espontneo edescontnuo (...procurei a psicloga..., ...s participei 2 vezes...)ou ainda por se concretizar (...vou buscar ajuda...). As mes entre-vistadas recorrem a circunstncias imprevisveis que podem alteraro curso dos acontecimentos, como o apelo f, buscar forasem si prprias e aguardar o tempo passar. Alm disso, podemser encontradas representaes sociais da depresso ps-partoancoradas sob a tica do sobrenatural e do impondervel. As ex-presses ...vou esperar..., ...agentar mais um pouco... e ...vou esperar a sorte... assinalam as objetivaes da Auto-ajuda,revelando uma representao da me depressiva como aquela quedeve superar a doena sozinha ou buscando a resignao. O apelo f e aos desejos divinos, assim como ficar espera, paralisada

    pela passagem do tempo ou buscando foras em si, demonstram

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    a passividade das mes entrevistadas em gerir seu destino, agra-vada pela sua condio de embotamento psicofsico, comum nasalteraes advindas dos estados depressivos.

    A segunda classe temtica, que emergiu da anlise de con-tedo temtico das entrevistas com as purperas deprimidas, foi ade Ser Me no Puerprio. Como demonstrado na Tabela 1, essaclasse temtica subdividiu-se em duas categorias, as Experinciase as Conseqncias, com recortes de falas correspondentes a65,8% e 34,2%, respectivamente. A categoria Experincias foiassim denominada por englobar tanto uma faceta psico-cogni-tiva da vivncia materna, a Ambivalncia, agrupando 59,8% dasfalas, quanto outro aspecto, ancorado no modo de viver e no cui-dado maternal, a Maternagem, que congrega 40,2% dos recortesdas entrevistas.

    Para analisar a Ambivalncia, tornou-se necessrio recor-rer ao discurso mais ampliado das participantes, de modo a nofracionar os recortes das falas, a fim de no comprometer a identi-ficao da existncia simultnea de dois sentimentos antagnicos,que definem esta subcategoria: ...um pedao est ruim, outraspartes no..., ...desde que ele nasceu minha vida tem piorado,

    mas por outro lado me sinto feliz com a chegada do beb..., ...pensei que ia me distrair...mas que nada...as coisas pioraram....A ambivalncia das Experincias de Ser Me no Puerprio estapontada tanto para o beb, quanto para o pai do beb. Dirigidaao beb, a simultaneidade de sentimentos opostos, demonstradana narrativa das mes, revela-se nos contrastes, do tipo prazer-desprazer, aceitao-rejeio e posse-distanciamento. Direcionadaao pai do beb, a ambivalncia situa-se nas relaes amorosas,nos vnculos afetivos precrios e indefinidos e na transitoriedadedo relacionamento conjugal.

    Na riqueza de imagens para traduzir estes sentimentosopostos e conflitantes, as participantes lanam mo de conte-dos representacionais que permitem abraar as trs dimensesdas representaes sociais (Jodelet, 2001; Arruda, 2002): o campoestruturado ou imagens, a atitude ou colorao afetiva e o com-ponente de informao que elas contm. No campo das imagens,emerge a expresso ...ter filho no era o que eu pensava..., indi-

    cando mudana e reconstruo do campo representacional, diante

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    do fato novo de ter um filho, ou melhor, de ser me purpera. Aprpria imagem ou idia de ambivalncia exemplifica a dimen-so estruturada da representao social da experincia materna.

    Neste antagonismo de pensamento, aparece, em alguns extratosdo discurso das purperas, a dimenso valorativa da representa-o social da experincia materna, atravs de expresses como...misso difcil..., ...agora pior com o beb..., ...querendo ouno... barra..., ...est ruim...de dia, bom de noite... e ...no...no foi nada bom a chegada do beb.... A dimenso informativa eos saberes deste grupo de pertena so identificados nas falas quetrazem esclarecimento, como em ...parece coisa de novela....

    Na subcategoria Maternagem, vieram tona unidades tem-ticas referentes s tarefas domsticas, amamentao exclusivae ao perfil do beb. Do ponto de vista dos cuidados materiais, soidentificadas as narrativas que demonstram o trabalho domsticorotineiro na vida da mulher, aumentado com as tarefas de cuidardo recm-nascido. Este agrupamento de falas inclui a problem-tica em torno da inexperincia da purpera com a amamentao,realando as questes biolgicas em torno da fase de lactao:...de incio o peito no tinha leite..., ...eu tentava dar o peito...e

    no saia nada..., ...o peito ficou pedrado... e ...eu tenho muitoleite.... Alm disso, revela as impresses maternas sobre as reper-cusses, na vida da me, da alimentao do beb exclusivamentecom o leite materno, j que muda seu ritmo de sono e de descan-so: ...acorda para mamar..., ... ruim dar leite noite... e ...ficao dia todo no peito....

    As unidades temticas tambm evidenciam os efeitos dainexperincia materna na qualidade do processo de amamentar: ...boto de um lado e de outro... e ...no consigo dar de mamar....A dificuldade em oferecer alimentao natural ao beb exige dame a busca de orientao mdica (...a mdica disse pra dar opeito...), como tambm a manifestao da vontade de ofereceroutra opo de leite (...sinto vontade de dar leite de vaca..., ...ela no se satisfaz... e ...ele quer se alimentar...). Ao objetiva-rem as representaes sociais sobre a experincia materna, aspurperas recorrem aos clichs inerentes memria social do seugrupo de pertena, em relao importncia do leite materno para

    o desenvolvimento do beb: ...leite de me, ele fica fortinho....

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    As falas sobre a amamentao exclusiva chamam a ateno paraa necessidade de se entender a amamentao no s como umprocesso biolgico, mas tambm como um sistema complexo e

    plural, que envolve aspectos socio-psico-culturais (Nakano, Reis,Pereira & Gomes, 2007).

    A segunda categoria da classe temtica Ser Me noPuerprio, que emergiu empiricamente, foi a das Conseqncias,que se subdividiu em duas subcategorias: Nova IdentidadeFeminina e Expectativa Futura, correspondentes, respectivamen-te, a 53,3% e a 46,7% das falas das mes.

    As falas das participantes que foram agrupadas na subcate-

    goria Nova Identidade Feminina indicam um conjunto de unidadestemticas positivas e negativas. Os elementos positivos apontampara mudanas subjetivas das purperas na direo da elevaoda auto-estima, do controle pessoal e situacional e da sua forma depensar sobre os problemas cotidianos. Estas transformaes cor-rem no sentido de uma ao oposta aos sofrimentos vivenciadospelo transtorno depressivo, o que permite supor um renovado co-nhecimento ou uma nova identidade das mulheres pesquisadas.

    Os aspectos negativos da subcategoria Nova IdentidadeFeminina incluem o descuido com a imagem pessoal feminina e arenncia ou desistncia temporria dos divertimentos e da buscade um novo emprego, face prioridade de atender o beb. Ainda mencionado o lado restritivo do perfeccionismo, com a manifesta-o de extrema exigncia das participantes consigo, avaliada comouma mania ou esquisitice: ...me exijo muito... e ...esta mania deser rica de minha cabea.... Provavelmente, os elementos con-traproducentes que ancoram a nova experincia feminina, na etapa

    da maternidade, significam uma desadaptao, resultante da inex-perincia com a funo maternal. Isto pode sugerir ser o puerprioum momento de metamorfose na vida da mulher, uma fase de tran-sio entre no ser e ser me, de acordo com os seguintes extratosde narrativas: ... uma mudana muito grande..., ...ainda no meacostumei..., ...no sei cuidar dele direitinho ainda..., ...agoratudo mudou... e ...est muito recente....

    A segunda subcategoria emprica das Conseqnciasde

    Ser Me no Puerprio a Expectativa Futura, que engloba unida-

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    des temticas sobre as probabilidades do que h de vir ou de serna vida do beb e da prpria me.

    A anlise de contedo temtico fez emergirem os recortes di-

    rigidos ao beb, em relao s Expectativas Futuras quanto ao seucrescimento, sua educao e s ddivas e mimos. As esperanasfuturas com o crescimento do beb convergem para mudanas acurto e longo prazo. Quanto s mudanas prximas, relativas aosprimeiros meses da vida do beb, aparecem as seguintes previ-ses de variaes fsicas e orgnicas: ...ele vai crescer..., ...elevai largar o peito..., ...ele vai me ajudar..., ...ela vai saber dor-mir direito... e ...ela vai controlar o sono.... As transformaesa longo prazo sobre o crescimento do beb concentram-se nasconseqncias que viro com o distanciamento da me para de-senvolver atividades laborais e nas dvidas sobre a pessoa quea substituir nos cuidados com o beb (...no sei como vai serquando eu for trabalhar..., ...quem vai ficar com ele... e ...vaiter que passar para a mo de outra...). Quanto s ExpectativasFuturas relacionadas educao e s ddivas e mimos oferecidosao beb, as mes entrevistadas expressaram desejos de melho-rias na qualidade de vida dos seus filhos: ...dar o que a gente no

    teve..., ...a gente quer passar tudo pra ele... e ...eu no queroque eles passem o que passei....

    As participantes da pesquisa tambm se referiram sExpectativas Futuras em relao s suas vidas, agrupando as falasem esperanas que esto ao alcance de uma deciso da me: re-lacionamento afetivo, profissionalizao e controle da natalidade.

    As mudanas futuras nos vnculos afetivos so objetivadas por ele-mentos direcionados para a unio conjugal (...vontade de dar umpai para meu filho...; ...a gente vai ficar mais unido...; ...coisade casamento...) e para a separao dos laos afetivos atuais (...desligar dele...; ...no quer conversa com ele...; ...sair dessaobsesso...; ...eu deixo o pai do meu filho...). A deciso futu-ra tambm se voltou para os estudos, para a profissionalizao epara o incio ou retorno ao trabalho. Os cuidados que esto nosplanos futuros da me purpera ainda incluem as questes con-traceptivas, direcionadas para os mtodos anticoncepcionais (...quero voltar a tomar plula...; ...no quero usar diu...; ...penso

    em ligar...), assim como para o desejo de no voltar a engravi-

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    dar (...no quero ter outro filho...). O conhecimento de mtodosanticoncepcionais, aliado ao desejo de no ter filho, parece se con-trapor situao ingnua encontrada nas unidades temticas da

    Concepo Psicoafetiva da Depresso Ps-parto.

    Consideraes finais

    Os achados da pesquisa revelam que a construo dasrepresentaes sociais da experincia materna, pelas purpe-ras estudadas, encontra-se edificada sobre a mediao das suasvivncias e das suas lembranas, envolvidas nas adversidades psi-cossociais que, historicamente e socialmente, as acompanharam

    durante o desenvolvimento das fases que antecederam o nasci-mento de seus bebs. A ancoragem nos elementos psicoafetivosda temporalidade e das relaes sociais familiares e amorosasmarcou a elaborao das representaes sociais, tanto da depres-so puerperal como da experincia da maternidade, reveladas pormeio de objetivaes naturalizadas na composio histrica e fac-tual do discurso das purperas depressivas.

    Dentre as manifestaes psico-cognitivas em que estoancoradas as representaes sociais da depresso ps-parto,elaboradas pelas participantes, as evocaes e falas que refletemsituaes preocupantes, relacionadas a pensamentos mrbidos,fazem prever a possibilidade da concretizao de condutas des-trutivas a serem exercidas por essas mes, com foco em si e emseus bebs. Estes dados justificam a necessidade do conhecimen-to aprofundado do pensamento elaborado no universo consensualdas mes, a fim de se tentar apreender o seu sofrimento psquico,que tem repercusses na consolidao ou modificao da iden-

    tidade feminina. Em funo disso, esse conhecimento deve sersuficientemente amplo e sistmico, de modo a abranger tanto asade fsica quanto a sade psicolgica da mulher.

    Dessa maneira, os resultados apontados podero servir dereflexo, com vistas elaborao de programas diferenciados depolticas pblicas de sade coletiva, voltados para a comunidadefeminina durante sua fase reprodutiva. Por fim, este estudo vemdemonstrar que, de acordo com a teoria do senso comum, no mais admissvel que a comunidade acadmica, particularmen-te no que se refere aos especialistas das diversas reas do saber,

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    continuem ignorando singelas e triviais verdades, tais como as re-ferentes s mes purperas, comprovando o quanto o pensamentodito ingnuo veicula significado e merece ateno.

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