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O Sol da Manhã...Memórias de minha família

José Eugenio Guisard Ferraz

Editora Recanto das Letras

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© José Eugenio Guisard Ferraz

Editora Executiva: Cassia OliveiraRevisão: Lucia Armenio LealProjeto gráfico: Estúdio CavernaImpressão: Forma Certa

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) ANGÉLICA ILACQUA CRB-8/7057

Ferraz, José Eugenio Guisard O sol da manhã... : memórias de minha família / José Eugenio Guisard Ferraz.

– Sorocaba : Recanto das Letras, 2018.

232 p. : il., color.

Bibliografia ISBN: 978-85-7142-003-8

1. Guisard, Família - História 2. Mallet Caillaud, Família - História 3. Genealogia 4. França - História 5. Brasil - História 6. Taubaté, SP - História I. Título

18-1802 CDD 929.2

Índices para catálogo sistemático:1. Genealogia

EDITORA RECANTO DAS LETRASeditorarecantodasletras.com.breditora@recantodasletras.com.br

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou trans-mitida por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita do autor.

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Dedicatória

Dedico este livro à minha mãe, Ivonne, exemplo de dignidade e honradez

que procurei seguir em minha vida e, também, para Manuela, minha neta

que, vindo ao mundo, deu-me a motivação necessária para escrevê-lo.

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Agradecimentos

Primeiramente, agradeço a paciência e o apoio de minha esposa

Mireille, que permaneceu a meu lado durante as muitas horas que

dediquei a esse livro.Quero agradecer especialmente o auxílio inestimável de José

Carlos Sebe Bom Meihy, que não só leu e comentou meu manuscrito,

mas também me incentivou a produzir um texto bem melhor do que eu

tinha imaginado ser capaz.

Muitas pessoas me ajudaram na colheita de informações e imagens,

entre elas devo destacar Maria Cecília Guisard Audrá, autora do livro “Felix Guisard — Olhando o Passado”; “in memoriam” Oswaldo Barbosa

Guisard, com seu livro “Taubaté no Aflorar do Século”; meus primos Isa Barros, Sonia Guisard, Eduardo Guisard Aguiar e Angela Brun; a família

Sales, Sylvio e Dulce Mraz, Elena e Eda, Ivan, Eliana, Patrícia, Marina, Licínia, Ila, Renato, Cláudio de Biasi e muitos outros. Agradeço, muito

especialmente, à minha irmã Maria Silvia.

Destaco também a participação de Shirley Aparecida Santos, do Museu da Imagem e do Som de Taubaté — MISTAU, da Área de Museus,

Patrimônio e Arquivo Histórico da Prefeitura Municipal de Taubaté, por

sua atenção e valioso auxílio com as fotografias. Particular atenção

também para os sites que ajudam a manter viva a memória de Taubaté,

como o “Resgatando Taubaté. Ontem, Hoje e Sempre” com Luiz Issa e

Adriano Araujo; “Taubaté das Antigas” com Flávio Marques Silva e

outros; e os editores do “Almanaque Urupês”. Finalmente, meu agradecimento a Cássia Oliveira e à equipe da

Editora Recanto das Letras, pelo seu profissionalismo e cordialidade.

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Sumário

DEDICATÓRIA ..................................................................................................5

AGRADECIMENTOS ...........................................................................................7

PREFÁCIO .......................................................................................................13

INTRODUÇÃO .................................................................................................17

PARTE 1 – FRANÇA ............................................................................ 19

O SOL DA MANHÃ ...........................................................................................21

A REGIÃO DE AUXERRE ..................................................................................22

PRIMÓRDIOS DE AUXERRE .............................................................................25

A ORIGEM DO NOME GUISARD .......................................................................27

A CISÃO NO CRISTIANISMO — O PROTESTANTISMO........................................29

A FAMÍLIA GUISE — DEFENSORA DO CATOLICISMO ........................................30

DUAS RUAS FRANCESAS .................................................................................31

OS PARENTES PRÓXIMOS DE JEAN LOUIS GUISARD ........................................33

O DISTANTE BRASIL ........................................................................................35

A FRANÇA EM MEADOS DO SÉCULO XIX ........................................................37

A JUVENTUDE DE LOUIS FELIX .......................................................................39

A AVENTURA NOS TRÓPICOS — A GRANDE VIAGEM .......................................41

A FRANÇA EM EBULIÇÃO — OS VENTOS DA POLÍTICA ....................................42

O DOMÍNIO DE LUÍS NAPOLEÃO — O NAPOLEÃO III .......................................45

A AVENTURA DA FAMÍLIA CAILLAUD ..............................................................49

A ORIGEM NOBRE DOS MALLET .....................................................................50

UMA BREVE PASSAGEM PELA ORIGEM DA EUROPA .........................................51

O DOMÍNIO DOS FRANCOS .............................................................................54

QUANDO OS VIKINGS ENTRAM EM CENA ........................................................56

A INVASÃO DA GRÃ BRETANHA ......................................................................60

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GUILLAUME DE MALLET — UM NOBRE DE DOIS PAÍSES ..................................61

DE COMO VICTOR HUGO ENTROU EM NOSSA HISTÓRIA .................................62

A FUGA DA FAMÍLIA CAILLAUD .......................................................................64

PARTE 2 – BRASIL: RIO DE JANEIRO E MINAS GERAIS ......................... 67

O PROJETO DE COLONIZAÇÃO DO VALE DO RIO MUCURI ...............................69

LOUIS FELIX PROSSEGUE PARA O RIO DE JANEIRO.........................................72

O BRASIL NA CHEGADA DE LOUIS FELIX ........................................................73

O REINADO DE DOM PEDRO II ........................................................................77

A PROSPERIDADE E O DECLÍNIO DE DOM PEDRO II ........................................79

O EXÍLIO DA FAMÍLIA IMPERIAL .....................................................................83

RIO DE JANEIRO E A RUA DO OUVIDOR .........................................................85

A REVOLUÇÃO FRANCESA ..............................................................................87

NAPOLEÃO BONAPARTE .................................................................................90

A BEM SUCEDIDA INVASÃO FRANCESA ...........................................................93

LOUIS FELIX PARTE PARA AS MINAS GERAIS...................................................95

A FAMÍLIA FELÍCIO DOS SANTOS .....................................................................96

REENCONTRO .................................................................................................96

OS TRABALHOS DA FAMÍLIA EM TERRAS MINEIRAS ........................................97

A UNIÃO DE LOUIS FELIX COM AMELIE ..........................................................99

O DESTINO MUDANDO OS RUMOS DA FAMÍLIA .............................................100

UMA NOVA ÁREA DE TRABALHO — A TECELAGEM ....................................... 101

O ENCONTRO COM UMA NOVA FAMÍLIA DE FRANCESES ...............................103

A UNIÃO DE FELIX GUISARD COM JEANNE ROSAND .....................................104

PARTE 3 – BRASIL: TAUBATÉ ..............................................................107

O EMPRESÁRIO FELIX E A MUDANÇA PARA TAUBATÉ ...................................109

AS FERROVIAS NO EIXO RIO DE JANEIRO — SÃO PAULO .............................. 110

TAUBATÉ NO FINAL DO SÉCULO XIX ............................................................. 113

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A FERROVIA DE UBATUBA E O BANCO POPULAR DE TAUBATÉ ...................... 119

A FUNDAÇÃO DA COMPANHIA TAUBATÉ INDUSTRIAL ...................................121

OS IRMÃOS DE FELIX ....................................................................................124

O INÍCIO DA COMPANHIA TAUBATÉ INDUSTRIAL ..........................................128

OS PRIMEIROS PASSOS DA MONTAGEM DA FÁBRICA .....................................130

A PARTICIPAÇÃO DOS INGLESES NO CAPITAL DA C.T.I. ..................................132

A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL ....................................................................134

A CHEGADA DE GETÚLIO VARGAS AO PODER ...............................................137

A TRAJETÓRIA DO JOVEM EUGENIO ..............................................................139

A FAMÍLIA NOGUEIRA BARBOSA ...................................................................142

OS TEMPOS DE PERSEGUIÇÃO RELIGIOSA .....................................................144

A FUNDAÇÃO DO ESPORTE CLUBE TAUBATÉ .................................................148

A FAMÍLIA QUERIDO .....................................................................................151

AS TENDÊNCIAS POLÍTICAS DE EUGENIO ......................................................159

A SEPARAÇÃO ENTRE EUGENIO E SEU IRMÃO FELIX.....................................161

A VOLTA DE EUGENIO E FAMÍLIA PARA TAUBATÉ ..........................................161

OS FILHOS DE EUGENIO ...............................................................................164

VICTOR BARBOSA GUISARD ..........................................................................165

OSWALDO BARBOSA GUISARD ......................................................................167

JAURÉS BARBOSA GUISARD ..........................................................................170

OLAVO BARBOSA GUISARD ...........................................................................173

AS FILHAS DE EUGENIO GUISARD .................................................................176

IVONNE E DARCY VIEIRA FERRAZ .................................................................181

O CENTRO CULTURAL BRASIL — ESTADOS UNIDOS ......................................190

A MATURIDADE DA C.T.I. E AS AÇÕES DE FELIX ............................................193

A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL ....................................................................199

AS CONTAS DA C.T.I. AO FINAL DE 1941 ........................................................201

O FALECIMENTO DE FELIX GUISARD .............................................................203

OS ÚLTIMOS DIAS DE EUGENIO .....................................................................205

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CONCLUSÃO .................................................................................................208

ANEXO – ÁRVORES GENEALÓGICAS.............................................................. 211

BIBLIOGRAFIA E REFERÊNCIAS .....................................................................227

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O Sol da Manhã...

Prefácio

Todo livro merece ser celebrado como bênção de um belo Sol da

Manhã. Este, contudo, além da luz matinal, deve ser percebido também

nas noites que guardam sonhos bons. Entre o brilho do dia e a escuridão

noturna, o que se tem é uma vontade de histórias que não podem mais

ficar presas nas conversas de encontros saudosos, encerradas no círculo

doméstico. É verdade que o tema é íntimo, mas trata também daquelas

falas que deixam de ser caseiras, ganham sentido coletivo e esparramam-

-se pela coletividade. E não se trata de qualquer história, mas sim de um

enredo escrito pelo afeto de quem se prontificou a respirar o passado da

própria família, e presenteá-lo aos leitores, principalmente para aqueles

que se veem provocados pelo entendimento do meio que nos implica.

O autor, por ofício, não é do ramo da escrita afeita ao pretérito.

Homem de números e exatidões científicas, José Eugênio Guisard Ferraz,

com audaciosa sensibilidade, conduz-nos a uma legenda que só ele po-

deria decodificar. Vendo-se como resultado de uma trama espetacular, re-

traçando caminhos atropelados pelo direito a um lugar social desejável,

articulando detalhes surdos, o amigo Zé Eugênio perfez um mapa incrível.

Juntou dados, encontrou imagens alusivas a fatos, depurou passagens pou-

co conhecidas e amarrou tudo em um livro que não é biografia, não é His-

tória no sentido convencional e, ao mesmo tempo, é um libelo explicativo

de um momento na trajetória de uma família que nos explica, enquanto

tecido social de uma cidade, que, por sua vez, constela todo o Vale do Pa-

raíba. Há algo de épico no esforço narrativo incontido e envolvente.

Este é um livro de desejo, não de técnica ou manejo profissional

da História. Talvez aí, diga-se, resida a maior virtude do empenho que

faz brilhar O Sol da Manhã. Não se encontram aqui laivos metodológicos,

periodizações explicativas de momentos capitais da História do Mundo,

seriações documentais rigorosas, nem mesmo hipóteses de trabalho que

conduzam a conclusões mirabolantes. No lugar, sobram buscas resolvi-

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das no encadeamento de lances pinçados de diferentes fontes, referen-

ciados ao sabor das possibilidades, sempre filtradas pelo olhar guia de

quem se autoriza contador. A fome de saber dos roteiros retraçados é

saciada por mágica poção que sustenta uma narrativa clara e enxuta,

que produz a roupagem familiar que vestiu gerações em lugares, países,

continentes. E que chegou imponente a um espaço de onde quer e pode

ser vista.

O interesse pela origem remota da própria família Guisard faz supor

uma contextura de alternativas que se perderia na distância, não fosse o

tino autoral de quem se viu capaz de juntar detalhes soltos. Uma bússola

marcadora da chegada fez vigorar o sentido do presente em uma cidade

empobrecida do som de suas muito ricas histórias. E tudo alinhavado por

situações intrigantes, pormenores atraentes, informações curiosas. Sem

faltar respeito às imposições econômicas ou aos motivos comerciais que

moviam os imigrantes, as forjas amorosas são moldadas de maneira a

esculpir um espectro humanizado e idílico, repontado de afetos, paixões,

unidade familiar.

Por traz de tudo, um magnífico e inexorável projeto familiar. Trans-

mitido de geração a geração, nos furos dos pactos estabelecidos no mun-

do das palavras interditas, no território da memória subjetiva e invisível,

o que se estabelecia era uma certeza de metas nem sempre apreciadas

no nível da consciência. A família Guisard mostra-se sim como um con-

junto de vencedores, mas isso fica muito longe da facilidade da conquista.

Muitos meandros foram contornados, mais do que se pode medir pelos

resultados hoje ostentados em nomes de ruas, monumentos, escolas. Co-

nhecer tais andanças implica trocar a metáfora da raiz que se afunda no

chão, pela do rizoma que se multiplica alhures, visitando outros territórios.

A raiz fixa. O rizoma alastra-se. Alastra-se e, na surdina do solo progride

em plantas, flores e frutos. Conquista, no silêncio de sinas surdas.

Há outra metáfora que serve de filtro para essa aventura: a viagem.

A nascente da família Guisard, suas metamorfoses, explicadas na peri-

pécia e no afeto conjunto, dão sentido a uma legenda que trança risco,

coragem, determinação. Sobretudo determinação. E andanças também.

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O Sol da Manhã...

Certamente, apenas alguém que entendeu a necessidade do movimento

imigratório pode navegar na vastidão do tempo, atravessar mares e fazer

lugares buscados em sonhos. Diria que o presente texto tem três mo-

mentos de respiração: as nascentes familiares, a definição brasileira do

périplo parental e a realização em Taubaté. Pois sim, Taubaté, mas não a

velha urbe, a renovada, modernizada exatamente pela ação intrépida do

grupo que a recolocou diferente, pioneira mesmo, no circuito de um Brasil

pós-colonial.

Pelas linhas propostas pelo autor, depreende-se o sentido da luta da

família Guisard. Destacada na região do Vale do Paraíba Paulista, fica evi-

dente o papel diferenciador que assumiu, na surdina de quantos tinham

noção do que faziam. Situada em área agrícola, por séculos cafeeira e

escravocrata, os locais foram sutilmente se estabelecendo em meio aos

valores tradicionais do cosmo fazendário. Ao longo do século XIX, Taubaté

era mero vilarejo de passagem, cidade sem função outra que não fosse a

religiosa ou de trocas miúdas, entreposto de trocas, quase escambo. As

poucas — pouquíssimas — casas abastadas, propriedade de fazendeiros,

está longe de corresponder ao lustro pretendido por uma historiografia

fantasiosa, cabocla e falsa. Fartas eram as fazendas, e dinâmicas as tro-

pas que ligavam os polos de produção aos portos. A alegoria expressa

por Monteiro Lobato, sobre as “cidades mortas”, é ilusória e arremedada,

historicamente pífia. É exatamente, no desfazer dessas interpretações vai-

dosas que a família Guisard serve de motivo.

De costas para um mundinho apregoador de pobrezas e dependên-

cias de cheiros avassalados, um grupo de feições ousadas, de respiros in-

dustriais, ousava pensar um Brasil coerente com os avanços resultantes da

longa Revolução Industrial. E a cidade precisava, para tanto, se fazer cena

e cenário. E como foi minucioso, no meio do nada, inventar uma classe

trabalhadora, pensar vilas operárias, imaginar educação escolar para fi-

lhos de tecelões... E tudo tinha cheiro de novidade, de inspiração idílica

de quantos sonharam não mais um vilarejo calcado nos moldes quintais

lusitanos, e sim na plantação de cidades vivas, fermentadas por operários,

assistência humanitária do trabalho e, enfim, vida...

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Definidos como imigrantes franceses, a atuação daquele punhado

de valentes vindos para o Brasil se inscrevia em uma proposta diferen-

ciada da agrícola ou camponesa. Guardando o prestígio de Paris como

emblema de uma cultura de vocação urbana, os Guisard atuaram na

nascente indústria têxtil nacional. Sobretudo, intrépidos foram artífices

de um campo novo da vida econômica do país, em particular no período

pós-escravista, depois da Proclamação da República, na década de 1890.

Foi quando Taubaté mostrou-se lócus aberto a empreendimentos ousa-

dos, município capaz de oferecer numerosa mão de obra disponível. Foi

esse arrojo modernizador, industrial, que deu aos Guisard garantia de

destaque.

É lógico que a coleção de atos decorrentes desse projeto custou

muito, e não apenas no setor comercial, superando crises. A adaptação do

clã ao meio conferiu hostilidades, em particular no âmbito religioso, pois

o ambiente católico impunha rejeições às práticas espiritualistas. Visto

como mais que simples detalhe, tal entrave exercitava estratégias de uma

família que soube reagir e que, com artifícios sábios, propôs a naturalida-

de de casamentos entre si. Há todo um ritual constituído na surdina dos

dias que, por fim, foram se tornando mais porosos, permitindo a redefini-

ção da saga como um todo.

Minhas palavras finais são de gratidão. Ter acompanhado a redação

final deste trabalho foi-me presente fino, brinde que divido com os leitores

que, certamente, comigo abraçarão o amigo e sua família toda. Que brilhe

o Sol da Manhã...

José Carlos Sebe Bom Meihy

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O Sol da Manhã...

Introdução

Devo avisar a todos, logo de início, que escrevi este texto para mi-

nha própria satisfação. Meu interesse é deixar registrado o que aprendi

sobre a história de minha família, dentro do contexto histórico e geográ-

fico dos dois países da nossa trajetória — França e Brasil. Um aprendiza-

do que teve como início as conversas que mantive com meus familiares,

acrescido pelo estudo das condições em que meus antepassados viveram

no velho e no novo mundo.

Minha expectativa inicial com esse trabalho era singela; simples-

mente não queria que esta coletânea de informações, alinhadas pelo fio

condutor de minha memória sobre a família, ficasse perdida numa gaveta

qualquer. Agora, editado e publicado, espero que meus amigos e minha

família, particularmente meus filhos e minha neta, venham a lê-lo. Se ou-

tros leitores houver, muito melhor.

A ideia de produzir este escrito nasceu numa daquelas tardes de

domingo em que não se tem muito a fazer, na espera da segunda-feira.

Aqueles momentos lentos e sonolentos, de uma inércia melancólica, ge-

raram ideias. Nasceu, assim, de repente, sem que eu tivesse me prepa-

rado, sequer almejado, ser escritor. Escrevi, no entanto, provavelmente

sem talento para tal, e a redação obedeceu a impulsos, tanto é que devo

ter falhado em dar crédito a todas as fontes que me inspiraram e de onde

tirei informações e imagens. No mais, que tudo o que existir de errado

seja visto como uma licença poética ao autor, ou como simplesmente um

fruto das minhas limitações.

Amém...

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Parte 1França

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O Sol da Manhã...

O SOL DA MANHÃ

O sol da manhã, neste 30 de março, uma segunda feira no come-

ço de primavera, começava a clarear o caminho de terra no vilarejo de

Cheny, nos arredores da cidade de Auxerre, região da Bourgogne, no co-

ração da França. Depois de uma fria noite, como era costume na região,

os raios fortes do sol traziam calor e a promessa de um dia com tempo

claro e firme.

A Bourgogne no coração da França.

O ano era o de 1834 e Jean Louis Guisard, então com cinquenta

e dois anos, caminhava com o passo firme em direção ao cartório para

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registrar uma nova adição à família, um menino nascido no dia anterior,

domingo, filho de sua esposa Colombe Buzenet de trinta e oito anos, e

cujo nome seria Louis Felix Guisard. O processo junto ao Juiz de Paz foi

rápido, e o ato lavrado à mão pelo notário não teve a sua assinatura, pois

declarou não saber nem ler nem escrever. Mas teve a assinatura de seus

amigos Pierre Garnier, tecelão, e Jean François Mathey, professor, que ser-

viram de testemunhas nesse ato.

A volta, pelo mesmo caminho, foi mais tranquila e Jean Louis pode

assim apreciar os vinhedos que brotavam na Bourgogne. As parreiras

eram entremeadas por uma ou outra plantação de trigo e de beterraba,

que ladeavam cada margem da estrada. O sol daquela manhã já ia alto,

quase à pino, diminuindo as sombras do caminho e trazendo a energia

que daria vigor ao recém-nascido Louis Felix e seus descendentes, em dois

continentes.

A REGIÃO DE AUXERRE

Essa região, onde a família Guisard vivia, no departamento de Yon-

ne, tornou-se famosa pela origem do vinho Chablis, um dos primeiros

brancos produzidos no mundo. As vinhas mais cultivadas são da cepa

Chardonnay, o ponto forte da região até hoje. Mais ao sul de Auxerre, já

perto de Dijon, encontramos os extensos terrenos de Pinot Noir, variedade

de uva que produz os bons vinhos tintos da Bourgogne, sendo o Irancy

considerado o melhor deles. Além desses, um bom espumante ali produ-

zido é o Cremant de Bourgogne.

Dijon é também famosa pela produção de mostarda e de cassis,

frutinha que podemos chamar de groselha negra, base do conhecido licor.

Lá nasceu o drink denominado Kir, inventado por um antigo prefeito de

Dijon, o Padre Felix Kir (1876-1968), interessante personagem com uma

rica história de vida. Durante a ocupação nazista ele foi ativo membro da

Resistência Francesa, “le maquis”. Após o fim da Segunda Grande Guerra

foi eleito prefeito de Dijon, cargo que ocupou até seu falecimento. Padre

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Kir costumava receber seus visitantes, na Prefeitura, oferecendo um drink

preparado com o vinho branco feito com a uva Aligoté, menos nobre que

a Chardonnay, mas que, misturado com o licor ou o creme de cassis, ad-

quire um sabor bem peculiar. Há também o Kir Royale, quando o vinho

branco é substituído por champanhe ou qualquer outro espumante. Uma

cereja na taça é também bem-vinda.

Vinhedos de Chablis, perto de Auxerre, na região da Bourgogne.

Cheny é um pequeno vilarejo, na época com pouco mais de oitocen-

tos moradores, hoje com cerca de dois mil e quinhentos habitantes. Fica

situado entre três rios, o principal é o Yonne, que dá nome ao Departa-

mento, com o Serein ao norte e o Armançon a leste. O Armançon, do qual

a tradição local diz “Mauvaise riviére, bons poissons” é um rio com uma

forte correnteza, às vezes até indomável, mas com bons peixes, e é aquele

que melhor caracteriza o povoado. O clima da região é muito duro, com

intensos invernos, primaveras ainda muito frias e curtos verões, fazendo

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com que cada safra de uvas venha com muita incerteza. Apesar de todas

essas dificuldades seus habitantes conseguem produzir com regularidade

os seus famosos vinhos.

Auxerre, o centro econômico e político do Departamento de Yonne,

fica entre Paris, ao norte, e Dijon, ao sul, a cerca de cento e sessenta e

cinco quilômetros de cada uma dessas cidades. É uma cidade repleta de

monumentos históricos. Uma personalidade da Matemática e da Física,

que lá nasceu, foi Jean-Baptiste Joseph Fourier (1768-1830), criador de

inúmeras fórmulas, teoremas e ferramentas matemáticas.

Auxerre e o rio Yonne.

Na imagem vemos os dois edifícios mais representativos da cidade,

em primeiro plano a Catedral de Saint-Étienne, cuja origem data do século

XI e, mais à direita, a Abadia e Museu de Saint Germain d’Auxerre. Essa

abadia foi fundada por Saint Germain, bispo de Auxerre, (378-448) e tor-

nou-se um importante Monastério Beneditino.

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O Sol da Manhã...

O rio Yonne, chamado de Icauna à época galo-romana, um dos mais

importantes da França, segue seu curso pelo centro do país, do sul para

o norte, onde se torna um dos principais afluentes do rio Sena. Por inter-

médio de um longo canal, chamado de Nivernais, com cento e setenta e

quatro quilômetros, o Yonne é conectado com o rio Loire. A construção

desse canal iniciou-se em 1784 e foi completada em 1841. Atualmente é

utilizado como uma rota turística, por barcaças transformadas em hotéis,

parando em cada ponto do percurso para degustações de vinhos e visitas

às vilas e castelos da região.

PRIMÓRDIOS DE AUXERRE

Ao pesquisar a origem de Auxerre, encontram-se muitos vestígios da

Idade do Bronze em diversas escavações feitas em suas terras e arredores.

Alguns dos mais célebres exemplos de arte rupestre em todo o mundo,

e objetos antigos, foram encontrados não muito longe dessa região, mais

precisamente no vale do Vézère e na caverna de Lascaux, entre Lyon e

Bordeaux.

Entre os séculos VII e V antes de Cristo, a região foi ocupada pelos

Celtas, particularmente por um ramo chamado de Sênones, que no local

estabeleceram uma povoação denominada Autricus. Essa terra dos anti-

gos habitantes gauleses foi dominada pelos romanos, quando eles fizeram

a conquista da Gália, tendo seu nome modificado para Autessiodurum.

Infelizmente a história dos gauleses não se passou como Albert Uderzo e

René Goscinny imaginaram e projetaram em seus desenhos, nas aventu-

ras dos invencíveis Asterix e Obelix. A resistência dos Gauleses às tropas

romanas foi em vão.

A batalha de Alesia, o encontro final entre as tropas romanas de

Júlio Cesar e os gauleses liderados por Vercingetorix, aconteceu no ano

52 a.C., no local onde hoje encontra-se a cidade de Alise-Sainte-Reine, a

pouco mais de oitenta quilômetros de Auxerre, na direção de Dijon.

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Vercingetorix rende-se a Júlio César em Alesia. Pintura de Lionel Royer,

no Musée Crozatier em Le Puy-en-Velay, (Domínio Público)

via Wikimedia Commons.

Durante o período galo-romano, até por volta de 250 d.C., Auxerre

teve um grande desenvolvimento como um dos entrepostos comerciais

do sistema de estradas desenvolvido por Marcus Agrippa (64 a.C. — 12

a.C.), para fazer as comunicações na Gália Romana. Conta-se que Agrippa

foi um excelente militar, político e arquiteto, tendo sido também gover-

nador da Gália Transalpina. Por Auxerre passava a via Agrippa, que ligava

Lyon (Lugdunum) com Boulogne-sur-Mer (Bononia), no canal da Mancha.

A tranquilidade sob a paz romana terminou com a invasão dos Francos

por volta de 275 d.C., obrigando a população a construir muralhas e for-

talezas. Isso, contudo, não impediu novas invasões — os Germanos em

407 d.C., os Hunos em 451 d.C., os Normandos por volta de 900 d.C., e

os Ingleses em 1358, na guerra dos 100 anos, em uma sequência de ocu-

pações e liberações.

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O Sol da Manhã...

Incêndios também eram frequentes, e mesmo violentas disputas inter-

nas, como a que aconteceu por volta de 1590 entre os católicos e os protes-

tantes; e também em outras épocas, entre facções de nobres franceses dis-

putando o poder na região. Mais tarde sofreu a invasão austríaca em 1814 ao

final da era napoleônica, e a dos alemães durante a Segunda Guerra Mundial.

A história de Auxerre indica que seus habitantes aprenderam, à for-

ça, como resistir às asperezas da natureza local e aos percalços de povos

invasores. Forjados nesse ambiente, seus descendentes têm a resiliência

dos sobreviventes de uma epopeia. Hoje em dia, Auxerre tem uma popu-

lação de cerca de trinta e seis mil habitantes, enquanto por volta de 1850

contava com apenas quinze mil.

A ORIGEM DO NOME GUISARD

O nome Guisard é associado a uma importante família de nobres

franceses, a casa de Guise, não como parentes, mas sim como partidários

de suas ideias, ou até mesmo como simples moradores de uma de suas

inúmeras propriedades. Devemos registrar que encontramos, na literatura

em português, o uso comum do nome casa de Guisa e do Duque de Gui-

sa, em lugar do francês — Guise. Nos registros históricos, várias grafias

podem ser encontradas, variantes da palavra Guisard, como Guizard ou

Guisarde.

Guise, uma pequena cidade do norte da França, com pouco mais de

cinco mil habitantes, quase na fronteira com a atual Bélgica, teve sua ori-

gem em uma fortaleza construída no século X, a fim de dominar a navega-

ção no rio Oise que, nascendo na Bélgica, desce na direção Sul até se tornar

um afluente do rio Sena, perto de Paris. Muito apropriadamente uma pessoa

natural dessa localidade é chamado de um guisard. Guise foi alçada ao nível

de Condado no século XIII, e promovida a Ducado em 1528. Sua impor-

tância na política da França não é devida à extensão territorial, que, aliás,

é pequena, mas sim a dois outros fatores. O primeiro é a sua posição es-

tratégica na fronteira e o segundo é o grande relacionamento familiar com

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José Eugenio Guisard Ferraz

várias Casas Reais da Europa. Seus senhores, inicialmente Condes de Guise,

e posteriormente Duques de Guise, eram filhos cadetes da casa de Lorraine.

Como a tradição vigente na época era de que o filho primogênito herdava o

título e as propriedades principais da família, os demais filhos, credenciados

como cadetes, recebiam títulos e propriedades menores.

Essa Casa era chefiada pelo citado Duque de Guise, o primeiro deles

tendo sido Claude de Lorraine (1496-1550), irmão mais jovem de Antônio,

Duque de Lorena. Ainda com o título de Conde, Claude participou de diver-

sas batalhas em defesa da França e foi nomeado Governador das regiões

de Champagne e de Bourgogne. Seus feitos justificaram o Rei da França a

elevar, em 1528, o Condado ao nível de Ducado, passando a considerá-lo

um Par da França, ou seja, um nobre com posição de relevo na corte real.

Torre da fortaleza em Guise no norte da França. Por Clubduvieuxmanoir,

[CC BY 3.0] via Wikimedia Commons.

Sua filha Maria de Guise casou-se com o Rei Jaime V da Escócia e

foi mãe de Maria Stuart (1542-1587), rainha da Escócia e pretendente ao

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trono da Inglaterra. Católica fervorosa, Maria Stuart tornou-se uma líder,

um dos símbolos dos movimentos católicos revoltados contra o reinado de

Elisabeth I da Inglaterra, sua meia-irmã. Elisabeth I (1533-1603) era filha

de Henrique VIII e de Ana Bolena, uma de suas seis esposas, e, estrate-

gicamente, apesar de Anglicana, adotou um relacionamento de convívio

pacífico com os católicos. Seu reinado foi um dos mais longos da história

desse país, indo de 1558 até sua morte em 1603.

A CISÃO NO CRISTIANISMO — O PROTESTANTISMO

É bom recordar que, no início do século XVI, dois teólogos, Lutero

(1483-1546) e Calvino (1509-1564), iniciaram o movimento reformista

do Cristianismo, dando origem ao Protestantismo, na França, Alemanha

e Suíça. Esses movimentos logo se espalharam pela Europa toda, provo-

cando enorme reação por parte do Papa e de todo o seu clero. Foi a partir

dessa cisão que a igreja, obediente ao Papa, passou a ser conhecida como

Católica Apostólica Romana.

A disseminação das ideias de Lutero e Calvino explica-se como re-

sultado da utilização da imprensa, pois a invenção de Gutenberg (1400-

1468) permitiu a multiplicação dos seus folhetos e, principalmente, da

Bíblia traduzida para o alemão. O controle da Igreja Católica sobre a inter-

pretação da Bíblia estava irremediavelmente quebrado.

Calvino, Henrique VIII, e Martinho Lutero.

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José Eugenio Guisard Ferraz

Na Grã-Bretanha, Henrique VIII (1491-1547) já tinha iniciado um

continuado litigio com a autoridade papal durante seu reinado. Diversas

leis por ele promulgadas, tais como a sua autoridade na nomeação de

bispos, a aplicação de impostos sobre as atividades das igrejas, a anexa-

ção de suas propriedades, e as decisões sobre os seus seis casamentos

e muitos divórcios preparavam a chegada da Igreja Anglicana. Seu filho,

Eduardo VI, que o sucedeu, foi o primeiro Rei da Inglaterra educado no

protestantismo. Reinou de 1547 a 1553, ainda jovem e sem grande poder

de mando. Foi sucedido pelo curto e tumultuado reinado de sua meia-irmã

Mary I que, católica e casada com o rei da Espanha, perseguiu a comuni-

dade protestante. Mary I reinou de 1553 a 1558. A seguir tivemos o longo

reinado de sua meia-irmã Elisabeth I (1533-1603), que seguiu a religião

anglicana fundada por seu pai.

A FAMÍLIA GUISE — DEFENSORA DO CATOLICISMO

Quando Claude faleceu, o título de Duque de Guise passou para seu

filho primogênito, François de Lorraine, chamado de Balafré (1519-1563),

que foi um dos mais famosos dessa

linhagem. A palavra Balafré significa

“marcado” e remete a uma cicatriz

na face de François, adquirida em

uma de suas múltiplas participações

em batalhas.

François I de Lorraine, duc de Guise,

Le Balafré. Obra de François Clouet no

Museu do Louvre, (Domínio Público)

via Wikimedia Commons.

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Militar e político, François foi o principal líder católico na grande

e sangrenta disputa com os protestantes, chamados de hughenotes na

França, no século XVI. Após sua morte, assumiu o Ducado seu filho Hen-

ri (1550-1588), que prosseguiu na liderança dos movimentos católicos,

sendo considerado o mentor da chacina da Noite de São Bartolomeu, em

1572, na qual milhares de protestantes foram assassinados.

Henri instituiu a Liga Católica, também denominada Santa Liga, em

1576, para opor-se aos protestantes e combatê-los. A Liga tinha entre seus

componentes o Papa Sisto V, a rainha da França Catarina de Médici, o Rei

Felipe II da Espanha e várias outras organizações religiosas da Igreja Cató-

lica. Alexandre Dumas recriou esse período ao escrever, em 1845, um de

seus mais importantes romances, “La Reine Margot”. A novela começa em

1572, com o casamento de Marguerite de Valois, Margot, católica, filha do

rei da França Henri II e da rainha Catarina de Medici, com Henri de Bour-

bon, protestante, rei de Navarra, na linha sucessória do trono francês. A

trama envolve Henri, Duque de Guise e os combates religiosos, incluindo

a terrível noite de São Bartolomeu.

Henri, Duque de Guise, assumiu tanto poder que acabou sendo as-

sassinado na presença do rei Henri IV da França, nos próprios aposentos

reais. Nesse mesmo período também seu irmão Luís, cardeal de Guise,

foi morto. Durante todo esse período, o Cardeal Arcebispo de Reims per-

tencia sempre à família dos Guise, normalmente um dos irmãos do Du-

que. Essa associação entre o espírito guerreiro da família e a igreja é uma

constante em toda a história dessa Casa.

DUAS RUAS FRANCESAS

Em andanças por Paris, encontramos a Rue Guisarde, no Sixième

Arrondissement, perto da Igreja de Saint-Sulpice. Segundo consta nos

relatos históricos sobre a Cidade Luz, esse nome advém exatamente da

existência de partidários e apoiadores do Duque de Guise, que se reu-

niam ou moravam nessa rua e arredores, sendo citadas a mansão de

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Jeanne de Navarre e a de Anne Marie d’Orleans, a Duquesa de Montpen-

sier, que, entre outros títulos, era também a Condessa d’Eu e a Princesa

de Joinville.

Rue Guisarde, em Paris.

Acervo da família.

Continuando nossas pesquisas, encontramos outra rua, na França,

com o nome de nossa família. Curiosamente, no campo das coincidên-

cias improváveis, a bisavó de Mireille, minha esposa, tinha um Bureau de

Tabac, com um pequeno bazar anexo, na pequena cidade de Espalion,

no Departamento de Aveyron, sul da França. Esse Bureau de Tabac de

Marie Baduel, viúva de Jean Mirabel — chamada de bisavó Merotte pela

família — estava situado em uma rua denominada Boulevard de Guizard,

bem no centro de Espalion. Ainda hoje existe a tabacaria no mesmo local.

Esclarecemos que, na França, esse tipo de comércio é regulado pelo go-

verno, sendo uma concessão estatal com condições de operação definidas

incluindo a sua localização.

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Bureau de Tabac no Boulevard de Guizard, em Espalion.

Imagem do Google Maps — Street View — Copyright 2018 Google.

OS PARENTES PRÓXIMOS DE JEAN LOUIS GUISARD

Jean Louis, viúvo de Rose Madeleine Cumont, com quem se casara

em 1819, falecida em fevereiro de 1827, era natural de Saint-Maurice-

-Thizouaille tendo nascido em 22 de dezembro de 1776. Saint Maurice

é um pequeno vilarejo, hoje com pouco mais de duzentos e sessenta

habitantes, entre Cheny e Auxerre. Ele se casou com Colombe, em se-

gundas núpcias, em 24 de outubro de 1827, em Brienon l’Archevêque,

localidade que logo mudaria o nome para Brienon-sur-Armançon, onde

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a família Buzenet morava. Vale notar que, nesse tempo, era muito co-

mum os viúvos e viúvas casarem novamente em pouco tempo após a

morte do cônjuge anterior.

Seu pai Charles Joseph Guisard (1753-1838) estava com setenta e

quatro anos à época do segundo casamento de Jean Louis. Charles era um

agricultor — o que significava que provavelmente possuía algumas terras,

morador de Poilly sur Tollon, tendo se casado com Reine Vaudenet (ou

Vaudeney), em 1776. Reine nasceu em 1751 em Brienon e faleceu em

1818 em Gurgy, também no Departamento de Yonne. Gurgy, bem como

Poilly sur Tollon, são pequenos vilarejos próximos de Cheny.

Alguns estudos da “Société Généalogique de l’Yonne”, registram que

os pais de Charles Joseph foram Pierre Claude Charles François Guisard

(1731-1755) e Geneviève Brigitte Fagotat (1728-1781) que, por sua vez,

casaram-se em 1752. O mesmo documento registra que Pierre Claude era

filho de Pierre Guisard (1669-1736) e Marie Dubois (1695-1760), que se

uniram em matrimônio em 1730. E o último registro disponível é do casa-

mento dos pais de Pierre, em primeiro de março de 1666, sendo seu pai

também chamado Pierre Guisard e sua mãe Edmée Leurat. Todos esses

registros referem-se a Poilly, que cremos ser a mesma Poilly sur Tholon.

Por sua vez, Colombe Buzenet nascera em 9 termidor, ano 4 da Revo-

lução Francesa, que corresponde ao dia 27 de julho de 1796 no calendário

gregoriano, natural de Brienon-sur-Armançon, também no Departamento

de Yonne. Tinha trinta e um anos na época de seu casamento com Jean

Louis Guisard; era filha de Jean Baptiste Buzenet, falecido em Samoine, De-

partamento do Marne, em 1816 e de Marie Magdeleine Comble, falecida em

Brienon, em 21 de abril de 1814. Em seu casamento, Colombe compareceu

junto com dois irmãos, Jean Baptiste François Buzenet, de trinta e sete anos,

e Louis Buzenet, de vinte e dois, ambos qualificados como jardineiros.

Brienon, uma localidade um pouco maior que Cheny, esteve sob o do-

mínio dos Arcebispos de Sens por muitos séculos. Sabemos que a arquidio-

cese de Sens foi, até 1622, a principal sede católica da França, controlando

as dioceses de Paris, Chartres, Auxerre, Orleans e várias outras. Notamos

que em 1561 o arcebispo de Sens era o Cardeal Louis I, da família dos Guise.

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O Sol da Manhã...

E também que o massacre dos huguenotes, em Sens, em abril de 1564, foi

um dos mais violentos de toda a França. A floresta ao lado da pequena cida-

de foi explorada por décadas, para a retirada de madeira, que era enviada

para Paris pelo rio Yonne e pelos canais do Nivernais. Brienon, além disso,

era um centro de tecelagem de cânhamo, de veludo, tinha vários moinhos

usados para a moenda do trigo e outros negócios de menor monta.

Brienon era, como Cheny, um vilarejo gravitando em torno de Au-

xerre. Um pouco maior que Cheny, tinha na época cerca de dois mil e

seiscentos moradores, e pouco deve ter mudado, pois hoje em dia está

apenas com três mil e cem habitantes.

O DISTANTE BRASIL

Jean Louis e Colombe certamente não teriam em casa o primeiro tomo

do livro do pintor Jean Baptiste Debret (1798-1848), “Voyage Pittoresque

et Historique au Brésil” que, diga-se, acabara de ser publicado na França,

nesse mesmo ano de 1834. O segundo e o terceiro tomos sairiam em

sequência, em 1835 e 1839. Debret fizera uma longa viagem pelo Brasil,

de 1815 a 1831, registrando cenas da vida cotidiana. Também nesse

período, o cientista e botânico Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853) visitou

as nossas terras, de 1816 a 1822, e publicou, em oito volumes, sua “Voyage

dans l’intérieur du Brésil”, entre 1830 e 1851. Outro viajante francês, o

historiador Ferdinand Denis (1798-1890), esteve por aqui de 1816 a 1819 e,

em 1822 publicou na França o livro “Le Brésil, ou Histoire, moeurs, usages

et coutumes des habitants de ce royaume”. Por sua vez, na Inglaterra, era

publicado, em 1839, o relatório da viagem do HMS Beagle, que de 1831 a

1836 transportou Charles Darwin (1809-1882) numa viagem científica pela

América do Sul. Neste documento o jovem Darwin descreve seus achados

e suas impressões incluindo sua estada no Brasil por mais de quatro meses

em 1832 quando visitou Salvador, Abrolhos, Rio de Janeiro e Cabo Frio.

Todos esses livros e publicações, e a intensificação das relações comerciais

certamente deram projeção para essa terra tão interessante e tão distante.

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Autorretrato de Jean-

Baptiste Debret na

edição original de

“Voyage Pittoresque

et Historique au

Brésil” em 1834,

(Domínio Público) via

Wikimedia Commons.

Também não devem ter lido nos jornais que, nesse mesmo ano de

1834, falecia em Portugal o Imperador do Brasil, Dom Pedro I, que em

Portugal tinha o título de Dom Pedro IV. Ele abdicara ao trono do Brasil em

1831, para voltar a Portugal, com o intuito de intervir na disputa entre sua

filha Dona Maria II (1819-1853), ainda infante, e seu irmão Dom Miguel I

que, por meio de um golpe, passara de Regente a Rei, assumindo assim o

poder em terras lusitanas. Após longa guerra civil, de 1832 a 1834, com

Dom Miguel derrotado e exilado de Portugal, Dom Pedro restabeleceu o

poder e entregou o trono a Dona Maria II. Ao renunciar ao posto no Brasil,

Dom Pedro I deixara seu herdeiro, ainda infante, com apenas cinco anos,

Pedro (1825-1891), sendo José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838)

nomeado seu Tutor. Alguns anos depois, em 1841, ele seria coroado Dom

Pedro II, Imperador do Brasil.

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O Sol da Manhã...

A FRANÇA EM MEADOS DO SÉCULO XIX

A França era então governada por Louis Philippe I (1773-1850), o

Duque de Orleans, que reinou de 1830 a 1848. Louis Philippe, na sua ju-

ventude, apoiou a Revolução Francesa de 1789, tendo aderido às ideias

liberais dos revolucionários.

Louis Philippe I, Rei da

França e Duque de Orleans.

No início de seu governo, adotando o regime de Monarquia Cons-

titucional, com participação da Assembleia Nacional e a atuação de um

Primeiro Ministro, foi apoiado pela burguesia enriquecida, mas com ideias

liberais. Importante lembrar que a Europa sofria intensa modificação em

sua estrutura econômica, com a disseminação dos efeitos da Revolução

Industrial iniciada na Inglaterra. Houve então um acentuado crescimento

urbano, com aumento das viagens exploratórias e as de fins comerciais.

Além da produção do campo, a produção econômica, que antes era

primordialmente manual, com a utilização da energia natural dos ventos,

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dos rios e de alguns poucos animais, para movimentarem pesados moi-

nhos, tinha em algumas décadas mudado substancialmente sua estrutura.

Com a invenção das máquinas a vapor, usando principalmente o carvão

como combustível, primeiramente de uma forma fixa e, logo a seguir, em

forma móvel, o desenvolvimento acelerou-se enormemente. Uma das pri-

meiras industrias a serem significativamente modificadas com essa nova

tecnologia foi a tecelagem. A fabricação de fios e tecidos passou, de teares

manuais ou com pouquíssima mecanização, para fábricas com centenas

de teares mecanizados e movidos com o auxílio de máquinas a vapor.

Os teares mecânicos aparecem na Inglaterra. Por Clem Rutter de Rochester,

Kent (CC BY 3.0) via Wikimedia Commons.

As tecelagens logo se tornaram comuns pela Europa Ocidental,

juntamente com as ferrovias, onde os trens, movidos a vapor, transpor-

tavam a crescente produção industrial e de produtos alimentícios, estes

últimos agora produzidos no campo também com o auxílio de máqui-

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O Sol da Manhã...

nas cada vez mais sofisticadas. Com a produção passando de pequenos

artesãos para grandes industrias, tornaram-se comuns as reuniões de

operários, principalmente nas maiores cidades. Operários que ficavam

dependentes do capital dominado por burgueses que se enriqueciam

com a exploração da mão de obra, sem nenhum direito assegurado e

sempre vulnerável a perda de seus postos, no caso de um aumento da

automação da produção. Em consequência da organização trabalhista,

novas facções políticas foram se formando, com a participação crescen-

te e atuante da classe operária.

Por esse tempo, as ideias de Karl Marx (1818-1883) estavam em

franca disseminação nos meios políticos e entre os trabalhadores. No ano

crítico de 1848 foi publicada uma de suas obras mais importantes, “O

Manifesto Comunista”, escrito juntamente com Friedrich Engels. Sob o

impacto dos avanços trabalhistas, aos poucos Louis Philippe foi modifican-

do seu governo, que deixava de ser liberal para tornar-se cada vez mais

conservador, não conseguindo manter o apoio das camadas dirigentes. Di-

versas revoltas, quase sempre com os insurgentes fazendo barricadas nas

ruas de Paris, ocorreram nos seus últimos anos, com tentativas de derru-

bá-lo, até que, em 1848, a oposição teve sucesso. Louis Philippe foi, então,

forçado a renunciar e, nesse momento, tentou deixar como sucessor seu

neto, também chamado Louis Philippe, conde de Paris, e refugiou-se na

Inglaterra, onde veio a falecer em 1850.

A JUVENTUDE DE LOUIS FELIX

Na província, longe das movimentações em Paris, Jean Louis Gui-

sard trabalhava muito para dar aos filhos, Louis Felix e Henriette Hortense

(nascida em 18 de agosto de 1831) a melhor educação possível nas con-

dições permitidas por suas posses. Pouco conhecemos da vida de Jean

Louis, constando somente que teria trabalhado no reparo e na constru-

ção de carruagens, tendo falecido entre 1850 e 1855. Há evidências que

permitem crer que, durante uma parte de sua juventude, Louis Felix viveu

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com seus tios maternos Suzanne e Darde Lejeune, em Auxerre, onde fez

seus estudos principais.

Nesse período, entre 1850 e 1855, a família mudou-se para Paris,

segundo as anotações familiares, para habitar no número vinte e um da

Rua Marie Stuart. Louis Felix, além de aprender o ofício de seu pai, de

marceneiro e escultor em madeira, continuou seus estudos, seja em Au-

xerre, seja em Paris, conseguindo adquirir uma formação na área de cons-

trução e de montagem de estruturas, que equivaleria a de um engenheiro

ou de um técnico de alto nível. Infelizmente nossa busca de informação

nos dados disponíveis das grandes escolas, que nesse período começaram

a formatar a disciplina e o ensino da engenharia, como a École Royale des

Ponts et Chaussées, de 1747, a École Polytechnique de 1794, e a École

Centrale des Arts et Manufactures, de 1829, foi infrutífera. Os documentos

familiares confirmam que ele fez também uma viagem pela França, como

era tradicional na formação de um jovem daquela época. Nesse período,

com a família em Paris, e já sem a presença do pai, que tinha falecido,

sua irmã Henriette casou-se com Edmé Hunot (1828-1859) e passou a

trabalhar com uma boulangerie (loja de doces). Com Edmé ela teve os

filhos Angeline (1853-1886), Jules (1856-1900) e Edmé (1859-1891). Após

a morte do marido, Henriette casou-se com Bernard Semmartin, também

boulanger, em 14 de setembro de 1872. Ela faleceu no Hospital de la Sal-

pêtrière, em Paris, em 2 de outubro de 1892. Louis Felix, nesse período,

sofreu uma grande decepção, quando, jovem e ambicioso, pretendeu se-guir uma carreira militar e isso lhe foi negado pela Escola Militar de

Saint-Cyr, por ser o único filho homem de uma viúva, arrimo de

família, em carta recebida do Exército Nacional em dezembro de 1855.

Neste mesmo ano, Paris sediava uma grande Exposição Universal, com

mais de vinte mil expositores de trinta e quatro países, com cinco

milhões de visitantes. A exuberância dessa Feira e o desgosto pela

recusa de Saint-Cyr devem tê-lo direcionado para uma nova

oportunidade, um desafio internacional. Nesse momento tirou seu

passaporte e abriu um novo horizonte para seus sonhos de realização

pessoal.

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A AVENTURA NOS TRÓPICOS — A GRANDE VIAGEM

O certo é que, naquele ano de 1856, estando a mãe morando em

Paris com sua irmã Henriette Hortense, Louis Felix foi convidado a traba-

lhar para uma empresa que pretendia montar uma loja, uma joalheria, na

longínqua América do Sul, mais precisamente na cidade do Rio de Janeiro,

no Brasil.

A sua curiosidade, e talvez as imagens de Debret, devem ter des-

pertado nele o desejo de viajar e conhecer esse novo mundo, seus na-

tivos, a crescente sociedade que nascia voltada ao modelo europeu e

suas riquezas. Sim, esses devem ter sido motivos suficientes para fazê-lo

aceitar o desafio e preparar suas malas e ferramentas. Consta, nas reme-

morações de minha família, que partiu no navio Winslow, em 1856, do

porto de Marseille, com destino aos trópicos. Era então um jovem com

apenas vinte e dois anos. Curioso saber que, apesar da valentia própria

da juventude, ele vinha com a volta prevista para daí há um ano. Há notí-

cia no periódico “Courrier du Brèsil”, editado no Rio de Janeiro, dizendo

que o Winslow era um navio de registro Francês, um veleiro com três

mastros, proveniente do porto de Le Havre. No “Jornal do Commercio”

dessa época, o Winslow foi reportado como uma galera, ou seja, além

dos três mastros com velas, havia também a possibilidade de ser movi-

mentado com remos, no caso de ter de enfrentar uma calmaria durante

a longa travessia, evento que não era incomum nesse trajeto.

Desses relatos resta, portanto, a dúvida: se realmente saíram de

Marseille, como se conta na família, ou se diretamente de Le Havre,

porto muito mais próximo de Paris e, portanto, muito mais conveniente

para um morador da capital da França. Porém, mais que a determinação

exata do porto de origem na França, o importante é constatar a coragem

e o arrojo de um jovem, aventurando-se em uma longa e arriscada viagem

em busca de uma realização pessoal.

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“Bateaux quittant le port du Havre”. Fotografia de Gustave Le Gray (1820-

1884) de 1856/1857, (Domínio Público) via Wikimedia Commons.

A FRANÇA EM EBULIÇÃO — OS VENTOS DA POLÍTICA

Nesse mesmo tempo, a situação política em Paris estava em ebuli-

ção, extremamente agitada. Com a queda do prestígio de Louis Philippe

I, o Imperador Burguês, como era conhecido, houve uma grande disputa

entre as alas dos comerciantes, a dos liberais moderados e a dos socialis-

tas/trabalhadores, todos em busca de redefinição de seus papéis no poder.

No final de fevereiro de 1848, o Imperador, abdicando ao trono, indicou

seu neto, Conde de Paris, como novo governante. A Assembleia Nacional

recusou-se a legitimar o indicado e estabeleceu uma Junta Provisória, com

personalidades políticas da época — Lamartine, Arago, Marie, de l’Eure,

Ledru-Rollin e Garnier-Pagès, entre outros.

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Dupont de l’Eure e Arago, chefes do Conselho de Ministros.

A chefia do Conselho de Ministros neste período, em 1848, cargo

que correspondia ao de Primeiro Ministro, foi ocupada por Jacques Charles

Dupont de l’Eure de fevereiro a maio, e por François Jean Dominique

Arago de maio a junho.

O primeiro ato do Conselho foi proclamar a República. O grande

número de desempregados, com a pressão dos socialistas/trabalhadores,

levara à criação das Oficinas Nacionais, um grande projeto de trabalho

para todos, utilizando as principais obras do governo onde se abririam

postos de serviços para essa parcela da população. Nesse movimento, mi-

lhares de operários sem trabalho afluíram para Paris. Os deputados tam-

bém aprovaram a liberdade de imprensa e direito de reunião. No mesmo

conjunto, validou-se o voto universal, ainda que com algumas restrições

econômicas e somente para os homens. Em tal contexto foi marcada uma

eleição geral para formar uma nova Assembleia Constituinte.

Apesar de os socialistas/trabalhadores fazerem inúmeras manifestações

contrárias à eleição, por entenderem que ela estaria polarizada contra eles,

o pleito aconteceu em abril de 1848, com a vitória dos liberais moderados.

Nessa disputa, o pequeno Partido Bonapartista elegeu Charles-Louis Napoléon

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Bonaparte (1808-1873), sobrinho do falecido imperador Napoleão Bonaparte,

para uma cadeira de Constituinte. Com a perda da disputa pelo poder, os so-

cialistas saíram às ruas, lutando por um governo trabalhista. Em 15 de maio o

prédio da Assembleia foi invadido pela multidão, porém a revolta foi contida

rapidamente. Seus chefes foram presos e muitos condenados à morte.

Barricadas na Rua Saint-Maur, Paris, em junho de 1848. Daguerreotipo,

Thibault (1830-1927). Original no Musée d’Orsay, Paris. Por Thibault

(L’Histoire par l’image) (Domínio Público) via Wikimedia Commons.

Em junho as oficinas nacionais foram dissolvidas, fato que provocou

nova insurreição dos operários desempregados, em Paris. A reação do go-

verno liberal burguês foi colocar o poder nas mãos do General Cavaignac,

que lançou o exército para debelar essa revolta nas ruas da capital. Louis

Eugène Cavaignac (1802-1857) foi Presidente do Conselho de Ministros,

nomeado pela Assembleia, de junho a dezembro de 1848.

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O General Cavaignac,

Presidente do Conselho de

Ministros.

Nesse período, de poucos dias, os direitos individuais foram sus-

pensos, mais de três mil pessoas foram fuziladas e cerca de quinze mil

deportadas para as colônias. Em novembro, a conservadora Assembleia

Nacional aprovava uma nova Constituição e, sob esse novo regime, a fun-

ção executiva da nação ficava nas mãos de um Presidente, a ser eleito por

sufrágio universal. Naquela época o sufrágio universal estava restrito aos

homens, particularmente aos homens que tivessem certo nível econômi-

co e destaque social. O universal não era mesmo para todos...

O DOMÍNIO DE LUÍS NAPOLEÃO — O NAPOLEÃO III

Em dezembro de 1848, a eleição aconteceu e Luís Napoleão, sobri-

nho de Napoleão Bonaparte, foi eleito Presidente da França com um man-

dato de 4 anos, sem direito à reeleição, com mais de 70% dos votos da

população. Seu adversário, amplamente derrotado, foi o General Cavaig-

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nac. Nos primeiros três anos de seu mandato, Luís Napoleão dividiu seu

governo com vários primeiros ministros nomeados pela Assembleia. Ao

final de seu terceiro ano de mandato, carregando a bandeira da Glória Na-

poleônica, ele manobrava para aprovar uma emenda constitucional para

permitir sua reeleição, mas a Assembleia recusou. Assim, em outubro de

1851, Luís Napoleão dissolveu-a e, num golpe de estado, assumiu o poder

absoluto do governo. Ao final de 1852, em novembro, ele convocou um

plebiscito, que o elegeu Imperador com 95% dos votos da população. Foi

então coroado com o nome de Napoleão III.

Napoleão III.

Napoleão III manteve-se como Imperador dos franceses até setembro

de 1870, um dos reinados mais longos e produtivos da história da França.

Foi um período com política de incentivos à indústria e à agricultura, com a

execução de inúmeras obras públicas no país. Mestre da propaganda, abai-

xou o preço do pão e ganhou inicialmente um prestígio muito grande. Com

a colaboração do Barão Haussmann remodelou a cidade de Paris, urbani-

zando-a e abrindo grandes e largas avenidas. Também modernizou o siste-

ma bancário e o setor agrícola do país. Implementou enorme crescimento

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de estradas de ferro. Sob tal influência, a cultura francesa se impunha ao

mundo levando avante um projeto de dominação artística, intelectual e de

grande prestígio. Era nesse contexto que a França mostrava-se como mode-

lo e os franceses como representantes de uma civilização exemplar.

Essa pintura de Camille Pissarro mostra os grandes espaços cheios de luz

pedidos por Napoleão III ao Barão Haussmann. É a Avenue de l’Opera.

Musee des Beaux-Arts, Reims. Por Camille Pissarro (Domínio Público) via

Wikimedia Commons.

No campo internacional promoveu a importante e inovadora constru-

ção do Canal de Suez, inaugurado ao final de 1869. Ainda no âmbito das

políticas externas, praticamente dobrou o número de colônias francesas no

resto do mundo, confirmando a vocação imperial francesa daquela época.

Participou ainda da Guerra da Criméia, de 1854 a 1856, em que foi ven-

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cedor juntamente com a Inglaterra, de quem se tornou importante aliado

na busca da hegemonia na Europa, contra o Império Russo. Com o passar

dos anos, porém, a economia interna da França começou a fraquejar, o que

levou à construção de uma forte aliança de opositores formada pela classe

média, os trabalhadores e até católicos.

Napoleão III procurou conceder mais benefícios ao povo, buscando

controlar a situação, mas essas tentativas tiveram pouco resultado. Se-

guindo no campo internacional, com o aumento do poder de uma Prússia

unificada, sob o comando do Primeiro Ministro Otto von Bismarck (1815-

1898), Napoleão III acabou entrando sozinho, sem a companhia de qual-

quer país aliado, num novo conflito, a Guerra Franco-Prussiana, em 1870.

Disso resultou um desastre total para ele pessoalmente, e para a França,

pois o Exército francês foi rapidamente derrotado, e Napoleão III foi cap-

turado na derradeira batalha em Sedan, no dia 1 de setembro de 1870.

Preso, foi deportado para a Inglaterra, onde faleceu em 1873.

Bismarck escolta o derrotado Napoleão III em Sedan. — Pintura de Wilhelm

Camphausen, Deutsches Historisches Museum, Berlin. Em domínio público

via Wikimedia Commons.

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A AVENTURA DA FAMÍLIA CAILLAUD

No início daquele agitado período, mais precisamente em 1848,

uma jovem professora, Elisabeth Mallet, assumiu uma posição de chefia

na gestão das Oficinas Nacionais — foi nomeada delegada dos operários

em uma das regiões de Paris. Exatamente nessas Oficinas Nacionais, que

haviam sido fechadas, e com tantas pessoas punidas pelo governo. Tam-

bém nesse período, François Caillaud, seu marido, envolveu-se em inten-

sas discussões políticas opondo-se a Napoleão III.

No navio que o trouxe para o Brasil, Louis Felix Guisard encontrou

uma família francesa, com quem fez amizade, e que tornou a longa via-

gem mais agradável para todos. Eram os Caillaud fugindo da França. Fran-

çois Caillaud (1804-1879) o chefe dessa família, sua esposa Elisabeth Mal-

let (1804-1861), seus filhos Manoel, Gustave, George, Leonie, Marie, Celine

e Amelie e seu pai, Joseph Caillaud, já com avançada idade. Em particular

causou-lhe grande impressão a jovem Amelie Anaïs Emma (14 de setem-

bro de 1842 — 4 de fevereiro de 1933), a filha caçula, nascida em Nantes.

Conta-se que um dia, no navio, a família Caillaud ficou desesperada, pois

Amelie tinha desaparecido. Buscas foram feitas em toda a embarcação

e, após um angustiante tempo, ela foi encontrada exatamente por Louis

Felix.

As viagens transoceânicas naquela época, apesar do uso recente de

embarcações a vapor a partir de 1851, podiam demorar cerca de sessenta

dias se fossem feitas com navio à vela, dependendo das paradas interme-

diárias e de possíveis períodos de calmaria. Sabemos que o Winslow era

à vela, ou seja, houve tempo suficiente para se conhecerem muito bem.

Mais tarde Louis Felix os encontraria no Brasil em outras, e precárias cir-

cunstancias.

A família Caillaud estava procurando alternativa para a turbulenta

situação política da França. François Caillaud e sua esposa Elisabeth Mallet

passaram por problemas com os novos governantes, quando os ventos

da política mudaram de direção. E, nesse período de transição, os ventos

sopraram muito fortes.

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A ORIGEM NOBRE DOS MALLET

Ficou registrado, nas memórias dos nossos antepassados, que Eli-

sabeth Mallet acreditava ter uma descendência nobre, condição sempre

afirmada por sua filha, minha bisavó Amelie Mallet Caillaud. Os Mallet

possivelmente retraçam suas origens desde Guillaume de Mallet, um Ba-

rão normando, Sire de Graville, uma localidade hoje distrito da cidade de

Le Havre, famosa pela presença imponente da Abadia de Sainte-Honorine

de Graville, construída pelos monges beneditinos no século XI. Mallet foi

companheiro de Guilherme, o Conquistador, na invasão da Grã-Bretanha,

por volta de 1100. Esclarecemos que a grafia desse nome é Guilherme em

Português, William em Inglês e Guillaume em Francês, dependendo da

fonte que pesquisamos.

Brasão dos Cury Mallet, na Igreja de St. James na pequena vila de Iddesleigh,

em Devon, England. Por Richard Mallett e Nigel Barker

no site www.mallettfamilyhistory.org.

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Em termos da Heráldica, este brasão é descrito em francês como

“des gueules aux trois fermaux d’or”, que traduzimos para “num campo

vermelho com três fivelas em ouro”. As cores vermelho e ouro eram restri-

tas aos símbolos dos nobres mais poderosos e grandes guerreiros, os Sires

ou Príncipes. As fivelas aparecem porque eram usadas para prender, ao

peito do cavaleiro, o seu manto cerimonial.

Na história da França encontramos, constantemente, um Sire de

Graville (também grafado Granville) participando em batalhas ou atuando

em outras áreas relevantes, sempre com destaque, até mesmo ao lado de

Jeanne d’Arc, em 1429, no cerco e liberação da cidade de Orleans. Volte-

mos contudo no tempo, para incluirmos um pouco mais da história da

França e, assim, localizarmos melhor a história dos Mallet.

UMA BREVE PASSAGEM PELA ORIGEM DA EUROPA

Acredita-se que por volta de 2000 a 1200 anos a.C., vindos da Ásia,

ocorreu uma grande migração, para a Europa, de tribos de um povo com

algumas características comuns, principalmente linguagens similares, os

chamados Indo-Europeus. Esses compreendem os Gregos ou Helenos na

Grécia e na região do Egeu; os Germanos, na Dinamarca e no sul da Su-

écia; os Bálticos nas costas do Mar Báltico; os que desceram para a Pe-

nínsula Itálica; os Celtas que, no centro da Europa, estavam movendo-se

lentamente e ocuparam a região onde atualmente temos a Alemanha, a

França, o norte da Espanha e a Bretanha.

Essas tribos de Celtas foram se estabelecendo pelo território, to-

mando, na França, o nome de Gauleses e, na Grã-Bretanha e no oeste da

França, de Bretões, sem formar um governo central, mantendo uma inde-

pendência entre as tribos, com cultura própria e, frequentemente, guerre-

ando entre si.

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José Eugenio Guisard Ferraz

Os povos Celtas na Europa cerca de 270 a.C.

Como se sabe, existem fortes vínculos históricos entre a atual Ingla-

terra e a França, começando pela origem céltica de ambas as populações.

E também temos em comum, nessas duas regiões, as invasões pelo Ro-

manos, ao tempo de Júlio Cesar e Claudio, entre 60 a 40 a.C. Os principais

povoados dessas regiões foram fundados nessa época de domínio roma-

no. As mais importantes estradas também foram traçadas e construídas

pelas tropas de ocupação. Juntamente com as estradas inúmeras pontes

foram construídas, e também grandes aquedutos, muitos dos quais ainda

hoje podem ser vistos, marcando firmemente aqueles tempos. Muitas des-

sas estradas romanas passavam por Lugudunum, o principal centro da Gá-

lia Romana, que hoje é a grande cidade de Lyon. Aliando-se ao complexo

de vias terrestres, a existência no território da Gália de uma notável rede

de rios navegáveis, tinha-se assim um completo sistema de transporte na

região.

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O Império Romano cerca de 120 d.C.

A Gália Romana ia da margem ocidental do rio Reno até os Alpes e

os Pirineus, quase que exatamente o território da França de nossos dias.

Essa ocupação persistiu até o colapso de Roma e seu Império, por volta do

século V depois de Cristo; mais precisamente em 406 d.C., quando os po-

vos germanos, compostos por tribos de Vândalos, Visigodos, Burgúndios

e Francos, atravessaram o rio Reno e invadiram o território. E logo atrás

desses vieram os Hunos de Atila, e outros mais...

Finalmente Roma foi invadida e saqueada em 476 d.C. pelo líder

germano Odoacro, marcando o encerramento de seu domínio na região

ocidental. Permaneceu ainda, por mais mil anos, o Império Romano do

Oriente, também denominado Império Bizantino, com sede em Bizâncio,

que depois passou a chamar-se Constantinopla e é, hoje, a cidade de

Istambul.

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José Eugenio Guisard Ferraz

A Europa por volta de 500 d.C. com os povos germanos.

Com isso a Pax Romana na Gália, que durara mais de quatrocentos

anos, chegava ao fim, logo substituída pelo domínio de um desses grupos,

os Francos.

O DOMÍNIO DOS FRANCOS

Conseguindo montar uma estrutura de comando, os Francos obtive-

ram a supremacia na região continental. Eles estabeleceram uma dinastia de

Reis, denominada Merovíngia, em homenagem ao primeiro líder dessa fa-

mília, Meroveu. Seu principal líder foi Clóvis I, que em 486 conseguiu vencer

não só os Romanos, mas também os Germanos e os Visigodos. Formou assim

um império na Gália, em um território que hoje corresponde à Alemanha e

à França, incluindo parte da Península Ibérica. A dinastia dos Merovíngios

permaneceu no poder até 750, quando Carlos Magno (742-814) conseguiu

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dominar todo o território e expandiu-o ainda mais. Ele, aliás, unificou a Euro-

pa e foi coroado Imperador pelo Papa Leão III em Roma.

Carlos Magno (742-813) Rei dos Francos. Sendo coroado no dia de Natal

de 800, em Roma, pelo Papa Leão III. Obra de Friedrich Kaulbach no

Maximilianeum, Munique. Em domínio público via Wikimedia Commons.

Essa nova dinastia, chamada de Carolíngia, estendeu-se até 987.

Seu primeiro líder foi Carlos Martel, que era o Mordomo do último Rei

Merovíngio. Importante esclarecer que a posição de Mordomo do Rei, na-

quele tempo, correspondia a algo próximo do que seria hoje um Primeiro

Ministro, respondendo por toda a parte executiva do governo real, portan-

to com grande poder de ação.

O feito mais relevante de Carlos Martel foi vencer a batalha de Poi-

tiers, em Tours, no ano de 732, quando derrotou o Exército muçulmano e

acabou definitivamente com as suas invasões na Europa. Por esse período

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ocorreram também as invasões dos povos germânicos na Grã-Bretanha

— os saxões, os anglos e os jutos — todos da região norte e noroeste da

Alemanha e da atual Dinamarca. Diversas batalhas ocorreram entre os

celtas britânicos e os anglo-saxões, com estes levando vantagem. Nos sé-

culos seguintes, a atual Inglaterra se viu dividida em um grande número

de reinos anglo-saxões, sem supremacia de nenhum deles.

QUANDO OS VIKINGS ENTRAM EM CENA

Um novo grupo entrou em cena a partir do final do século VIII, tanto

na Ilhas Britânicas quanto na França: os Vikings. Por essa época, ocorre-

ram invasões desses homens do Norte, denominados Nordmans ou Vi-

kings, vindos da Noruega e da Dinamarca. Eles chegavam em suas longas

embarcações com carrancas na proa, os drakkars, pilhando e saqueando.

Drakkar, a temível embarcação viking.

Em pouco tempo, não satisfeitos com simples excursões guerreiras,

de pouca duração, passaram a colonizar as regiões dominadas.

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As invasões dos vikings e seus territórios.

Na Grã-Bretanha, rapidamente dominaram quase todos os reinos a

partir do norte da ilha, até as fronteiras do reino de Wessex, onde o Rei

saxão Alfred, o Grande (849-899), montou formidável barreira defensiva.

Na França, conquistaram diversas cidades na Normandia — que recebeu

esse nome exatamente pela invasão dos Homens do Norte. Dessa posição

passaram a avançar pelo rio Sena, com seus drakkars, para o interior da

França, prosseguindo na direção de Paris. Acuado, o Rei franco, da dinastia

Carolingia, Carlos III, dito O Simples (879-929), negociou um acordo com

o líder dos vikings invasores, Rollo, também grafado como Rollon (846-

930), nome que corresponderia também a Rolf nas terras nórdicas. Em

troca de parar com essa invasão e impedir futuras incursões vikings,

Rollon passava a ser reconhecido como Duque e Senhor da Normandia

e convertia-se ao Cristianismo. Com grande incerteza histórica, alguns

cronistas da época adicionam um compromisso de casamento de Rollon

com Gisele, uma possível filha de Carlos III. Esse tratado ficou conhecido

como de Saint-Clair-sur-Epte, assinado em meados de 911.

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Estátua de Rollon, primeiro duque da Normandia,

por Frédéric Bisson, em Rouen, France.

Assim ao final do século X, os vikings dominavam boa parte do oes-

te europeu. Sueno I era rei da Dinamarca e de parte da atual Inglaterra.

Seu filho Canuto, o Grande, anexou também a Noruega a esse domínio.

Na França, o viking Rollon, seguido por seu filho, William Longsword, era

o soberano da Normandia.

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O Sol da Manhã...

Monumento a

Guilherme o

Conquistador —

Falaise, France.

Em Falaise, pequena cidade a quarenta quilômetros de Caen, e pouco

distante de Rouen, Le Havre e Bayeux, encontra-se o castelo no qual teria nas-

cido Guilherme, o Conquistador. Essa bela construção abriga também as es-

tátuas de seis Duques da Normandia, incluindo a de Rollon, o primeiro deles.

Na Grã-Bretanha a turbulência imperava, com o Rei Eduardo de

Wessex, com o apoio da linhagem normanda, em constante disputa com

a linhagem escandinava de Canuto. Quando Eduardo de Wessex, dito o

Confessor, faleceu em 1066 sem herdeiro direto, seu sucessor, por ele

nomeado em seus últimos dias de vida, foi Harold Godwinson. Indicação

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essa que foi imediatamente contestada por Guilherme II da Normandia,

Harald Hardrada da Noruega e Sueno II da Dinamarca, todos achando que

tinham direito ao trono.

A INVASÃO DA GRÃ BRETANHA

Decidido a fazer valer seu direito na sucessão do trono de Wessex, Ha-

rald, Rei nórdico, da atual Noruega, invade o norte da ilha em 8 de setembro

de 1066, tendo como aliado Tostig, irmão de Harold Godwinson. Por sua

vez Harold arregimentou seus soldados e foi ao encontro da força invasora.

No embate dos dois Exércitos, na Batalha de Stamford Bridge, em 25 de

setembro, Harold obteve uma marcante vitória. Harald Hardrada e Tostig

Godwinson, derrotados, foram mortos naquela ocasião. Quase ao mesmo

tempo, Guilherme II da Normandia, invadia a Grã-Bretanha pelo Sul, de-

sembarcando com seu Exército em 28 de setembro na região de Sussex.

Imediatamente pôs-se em marcha para o encontro do Exército de Harold,

aproveitando-se do elemento surpresa, não o deixando recuperar suas for-

ças. A batalha decisiva aconteceu no dia 14 de outubro, em Hastings, com a

derrota de Harold Godwinson, que foi morto no decorrer do combate.

A famosa tapeçaria em Bayeux.

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A famosa tapeçaria Bayeux mostra a conquista normanda da Ingla-

terra por William, o Conquistador. Essa tapeçaria, com setenta metros de

comprimento por meio metro de largura, foi feita no século XI e é conser-

vada na cidade de Bayeux, na Normandia. É considerada pela UNESCO

como parte do projeto Memória do Mundo.

William, Guillaume, ou Guilherme, que passou a ser chamado de

Conquistador, foi coroado no dia de Natal daquele mesmo ano, 1066.

Após um período de quase cinco anos de disputas e batalhas, ele conso-

lidava seu poder, criando uma “Inglaterra Normanda”. Seu longo reinado

fez com que a supremacia normanda se estabelecesse, na língua, na cultu-

ra e na propriedade dos principais condados da atual Inglaterra.

GUILLAUME DE MALLET — UM NOBRE DE DOIS PAÍSES

Foi exatamente nessa grande disputa, ao lado de Guilherme, o Con-

quistador, que estava Guillaume de Mallet, o normando que, salvo melhor

juízo, é o nosso ancestral nobre, Sire de Graville na França e Visconde de

Eye na Inglaterra. Um nobre de dois países. Consta em crônica da época

que foi ele incumbido, por William, o Conquistador, da tarefa de realizar o

funeral do derrotado Rei Harold Godwinson.

Na França, o castelo Mallet, em Graville-Sainte-Honorine, ficava estrate-

gicamente posicionado na foz do rio Sena. A antiga abadia de Graville-Sainte-

-Honorine faz parte atualmente da cidade de Le Havre, e nela estão enterrados

alguns dos membros mais antigos dessa família. Na Grã-Bretanha, Guillaume

detinha a propriedade de muitas terras em Suffolk e Norfolk e também em

Lincolnshire e Yorkshire. A localidade de Eye, em Suffolk, provavelmente foi o

ponto principal de seus domínios naquela região. Devemos destacar seus dois

filhos, Robert e Gilbert, que provavelmente o acompanharam na batalha de

Hastings. Consta que um deles ficou na Grã-Bretanha e o outro voltou para a

França, dando origem, assim, a dois ramos distintos da família Mallet.

Com uma origem tão longínqua é natural que encontremos, nos

tempos atuais, um grande número de pessoas com o sobrenome Mallet,

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ou Malet. Consta que quando um Mallet, que havia emigrado para os Es-

tados Unidos, faleceu, em 1888, deixando uma enorme fortuna, foi feito

um chamado de possíveis herdeiros e apareceram dois mil seiscentos e

setenta e três pretendentes ao espólio. Aqui no Brasil também encontra-

mos muitas pessoas com igual nome de família, porém não pudemos

comprovar um relacionamento direto entre nossa bisavó Amelie e eles.

Devemos realçar um deles que é herói nacional. Trata-se do Marechal Emi-

le Louis Mallet (1801-1886), nascido na França e que chegou ao Brasil com

dezessete anos, acompanhando sua família, que também atravessou o

Atlântico para escapar de perseguições políticas. Aos vinte e um, com a in-

dependência do Brasil, ingressou no Exército do Imperador fazendo uma

brilhante e heroica carreira no ramo da Artilharia, tendo sido agraciado

por Dom Pedro II com o título de Barão de Itapevi. O Marechal Mallet é o

Patrono da Artilharia do Exército Brasileiro, com o dia da Artilharia sendo

comemorado anualmente na data de seu nascimento, 10 de junho.

DE COMO VICTOR HUGO ENTROU EM NOSSA HISTÓRIA

Voltemos, contudo, ao nosso objetivo principal para, assim, esclare-

cer os motivos dessa viagem da família Caillaud, recorrendo à história de

um dos mestres da literatura francesa — Victor Hugo (1802-1885).

Na sua juventude, Victor Hugo foi um admirador dos nobres, e da

monarquia como forma de governo, vivendo sob o reinado de Luís Felipe

I. Foi nesse período que escreveu um de seus livros mais conhecidos, “O

Corcunda de Notre Dame”, em 1831. Entrando para a política, foi nome-

ado, por Luís Felipe I, um nobre da França, com assento no Senado do

Império. Aos poucos foi se tornando defensor dos pobres, contrário às

leis monárquicas que oprimiam a população, declarando-se republicano

apaixonado. Em 1848 foi eleito para a Assembleia Nacional pelo Partido

Conservador.

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Victor Hugo.

Estátua na Villa

Borghese em Roma.

Nas eleições para a Presidência da França, ele apoiou abertamente

a candidatura de Louis Napoléon Bonaparte, tendo inclusive criado um

jornal, em agosto de 1848, denominado “L’Événement”, um periódico de

Paris voltado para esse apoio. Logo no ano seguinte rompeu com esse gru-

po político e passou a defender temas como a abolição da pena de morte,

o combate à pobreza e à miséria, o sufrágio universal e a educação para

todos. Quando ocorreu o golpe de estado de Louis Napoléon, em 1851,

Victor Hugo abertamente declarou-o um traidor. A reação do Imperador

foi imediata e violenta. Com os poderes ditatoriais por ele assumidos, o

jornal “L’Événement” teve suas portas fechadas.

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Sem mudar de opinião, não restou a Victor Hugo nenhuma alter-

nativa a não ser fugir da França, indo primeiramente para Bruxelas, na

Bélgica e, algum tempo depois, atravessando o canal da Mancha para a

Grã-Bretanha, onde ficou até 1870. Do exílio ele prosseguiu atacando o

agora Imperador Napoleão III, sem deixar de continuar escrevendo obras

primas como “Les Miserables” que apareceu em 1862. Traduzido para

centenas de idiomas, um enorme sucesso nos palcos de Londres, onde

foi inicialmente encenado, faz sucesso também na Broadway e em todo o

mundo até hoje.

Depois de manter postura ditatorial, no início de seu reinado, quan-

do de 1852 até 1859 impôs medidas repressivas drásticas, incluindo a

censura em todos os aspectos, o Imperador emitiu uma Anistia em 1859,

relaxando essa pressão, e partiu para uma gestão mais liberal e aberta.

Victor Hugo recusou a anistia, pois continuava a combater, com seus tex-

tos, aquele a quem tinha rotulado como traidor. Somente voltou à sua

amada França quando da derrota de Napoleão III, em 1870. Em sua terra

natal foi eleito para a Assembleia Nacional e para o Senado da nova re-

pública. Quando morreu, em 1885, apesar de pedir em testamento um

enterro simples, junto ao povo que sempre defendera, foi homenageado

com um funeral com honras nacionais. Seu corpo foi trasladado para o

Panthéon, o monumento nacional devotado a honrar os grandes perso-

nagens da História da França, onde permanece ao lado dos túmulos de

Alexandre Dumas, Emile Zola, Voltaire, Jean Jaurés, o casal Curie e muitos

outros notáveis franceses.

A FUGA DA FAMÍLIA CAILLAUD

Pois bem, François Caillaud era amigo íntimo de Victor Hugo, e foi

seu revisor de textos durante muitos anos. Em nossa família conta-se que

os manuscritos eram levados e trazidos entre os dois amigos por Ame-

lie, uma jovem menina, naquele tempo. Quando François foi descoberto

pelas tropas do Imperador Napoleão III, participando de reuniões polí-

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ticas contrárias ao regime, viu-se forçado a fugir da França e, tal como

Victor Hugo, também foi para Bruxelas, em 1856, levando sua família.

Lá François vendeu seus bens e, com toda a família disfarçada, iniciou a

longa viagem para o Brasil, local escolhido para sua migração, exatamente

no veleiro Winslow.

Seu objetivo era estabelecer-se nas Minas Gerais e aproveitar as

oportunidades na área de mineração, negociando com os mineiros e in-

termediando suas descobertas de pedras preciosas. Por isso, desembarca-

ram num porto do Espírito Santo, de onde, seguindo o rio Mucuri, pros-

seguiram até chegar à região mineira da atual cidade de Teófilo Otoni.

Vale realçar que o pai de François, o velho Joseph Caillaud, era parente

de Frederic Caillaud, formado em Mineralogia, que ganhou renome como

explorador das origens do Rio Nilo. Talvez daí tenha vindo esse foco em

Minas Gerais e em suas pedras preciosas.

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Parte 2Brasil

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O Sol da Manhã...

RIO DE JANEIRO E MINAS GERAIS

Parte 2Brasil

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O Sol da Manhã...

O PROJETO DE COLONIZAÇÃO DO VALE DO RIO MUCURI

Em minhas leituras acerca dos acontecimentos desses anos, passan-

do pela história de um notável mineiro, Teófilo Benedito Ottoni, foi pos-

sível encontrar uma diferente explicação para essa destinação da família

Caillaud. Teófilo Benedito Ottoni (1807-1869) foi um jornalista, político e

empresário na região do atual estado de Minas Gerais, deputado e senador

do império, amigo e sócio do Visconde de Mauá. Ottoni propôs o projeto

de colonização do vale do rio Mucuri, para criar uma nova região econômi-

ca no nordeste mineiro e dar a seu estado uma saída para o mar.

Assim, planejou estabelecer uma via de comunicação, fluvial e ro-

doviária, entre o nordeste de Minas Gerais (principalmente entre as cida-

des de Serro, Minas Novas e Jequitinhonha) e o porto de Mucuri (na época

chamado de vila de São José do Porto Alegre) e daí para o Rio de Janeiro e

para Salvador por via marítima. Conseguindo a aprovação do projeto pelo

Governo Imperial e pelo Governo da Província de Minas, em 1851, fundou

a Companhia de Comércio, Navegação e Colonização do Mucuri.

Os trabalhos começaram com o estabelecimento da rota fluvial no

rio Mucuri, do mar até o povoado de Santa Clara, hoje a cidade de Nanu-

que — nome oriundo dos índios que ali habitavam. Em prosseguimento,

já que a partir desse ponto o rio deixava de ser navegável por passar por

um lugar mais montanhoso, abriu-se então um caminho por terra, atra-

vés da densa mata que ali existia. Prosseguiram nessa rota terrestre até

uma clareira onde iniciaram um povoado que denominaram de Philadel-

phia, inaugurado em 7 de setembro de 1853 como centro das colônias do

Mucuri. Ottoni escolheu esse nome em homenagem à cidade do estado

de Pennsylvania, uma das treze colônias originais dos Estados Unidos da

América, local onde foi assinada a Declaração da Independência e a Cons-

tituição dos Estados Unidos da América. Em Philadelphia construíram

grandes armazéns e estabeleceram a base desse projeto de colonização

da região.

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Carta Topographica do Mucury. Por Herculano V. Ferreira Pena (1811-1867)

publicado no Correio Mercantil, em 12 de setembro de 1859.

Original na Biblioteca Nacional.

Como parte essencial do projeto, a vinda de colonos europeus foi

incrementada, por meio de representantes enviados para vários países da

Europa, e de campanhas de publicidade em diversos jornais do chamado

“velho continente”. Áreas de quinze alqueires cada (cerca de duzentos e

vinte metros de frente para a estrada recém construída, ou a ser feita, por

três mil metros de fundos) eram ofertadas a preços baixíssimos e finan-

ciadas a longo prazo, mas com o compromisso de serem utilizadas para a

exploração agrícola.

Um expressivo número de famílias estrangeiras, europeias em par-

ticular, chegou ao Brasil como colonos, a partir de meados de 1856,

muitos da ilha da Madeira, outros da Suíça, um grande contingente de

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O Sol da Manhã...

alemães, e também belgas e franceses. O porto de Mucuri passou a ter

importância relevante no cenário do Brasil, tendo navios a vapor para

o porto do Rio de Janeiro e, também, linhas subindo o Mucuri até Santa

Clara, hoje Nanuque. Cremos que foi nesse local que os Caillaud desem-

barcaram, no então porto de São José de Porto Alegre, tomando a via

fluvial em direção ao sertão de Minas Gerais, provavelmente sob a orien-

tação da Companhia fundada por Teófilo Ottoni. A família, recém-che-

gada, deve ter sido parte integrante do esforço de colonização da região

desenvolvido pela empresa, juntamente com europeus de diversas na-

cionalidades, que aqui aportaram com promessas de terras e incentivos

para cultivá-las. O relacionamento com a Companhia do Mucuri, e seu

suporte, seria essencial para a sobrevivência naquela região. Essas supo-

sições levam-me a crer que eles efetivamente fizeram parte do programa

de colonização, pois seria muito difícil a família Caillaud enfrentar, sem

apoio, as agruras de uma região ainda não cultivada, com a presença

de índios — os temíveis botocudos — animais selvagens e as terríveis

doenças tropicais, com pouca, ou melhor, nenhuma experiência com tal

tipo de aventura.

A estrada de Santa Clara, até o povoado de Philadelphia, fundado

por Teófilo Ottoni e que atualmente é uma cidade, hoje com o nome de

seu criador, foi uma das primeiras estradas do interior do Brasil. Sua inau-

guração ocorreu em agosto de 1857, com uma extensão de perto de cento

e setenta quilômetros. Às suas margens foram estabelecidos os colonos do

projeto e, por ela, logo passaram a trafegar as carroças, carros de bois e

os tropeiros com seus cavalos e mulas — os meios de transporte daquela

época. Aos colonos alemães foram destinadas as terras adjacentes aos

córregos de São Benedito e São Jacinto, onde até hoje estão radicados

muitos dos seus descendentes. Aos suíços e alsacianos foram cedidas as

terras ao longo do rio Santo Antônio e, aos holandeses, franceses e belgas

lotes nas margens do rio Urucu. Esse deve ter sido o destino dos Caillaud

durante o tempo em que viveram nessa região.

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José Eugenio Guisard Ferraz

LOUIS FELIX PROSSEGUE PARA O RIO DE JANEIRO

Durante a longa viagem de navio, Louis Felix estava com vinte e

dois anos e Amelie com quinze. De Louis Felix não conservamos nenhuma

imagem, porém de Amelie, que teve uma longa vida, vindo a falecer com

90 anos em 1933, foram conservadas algumas fotografias.

Minha bisavó Amelie. Acervo da família e

do MISTAU (Museu da Imagem e do Som de

Taubaté).

Amelie na

simplicidade com tia

Zizinha. Acervo de

Sonia Guisard.

Louis Felix continuou no Winslow até o Rio de Janeiro, onde seu

trabalho o aguardava, mas combinou com os Caillaud vir a encontrá-los

assim que seu compromisso terminasse. Seu navio chegou ao porto do

Rio de Janeiro em primeiro de abril de 1856.

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O Sol da Manhã...

Registro da chegada do Winslow no porto do Rio de Janeiro em 1 de abril de

1856 — jornal “Courrier du Brésil” edição de 6 de abril de 1856.

Por esse periódico, editado no Rio de Janeiro em língua francesa,

verificamos a partida do Winslow, de volta para a França, no dia 12 de

maio desse mesmo ano.

O BRASIL NA CHEGADA DE LOUIS FELIX

Em 1856, o Brasil vivia seu segundo reinado com Dom Pedro II,

monarca culto e educado, apreciador tanto das belas artes quanto da na-

tureza e também das inovações tecnológicas. Seu governo, longo e muito

produtivo, conduziu o Brasil a um desenvolvimento acentuado em várias

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José Eugenio Guisard Ferraz

áreas. E o Rio de Janeiro era a sua capital, localidade onde o progresso

mais se expressava. São desse período os escritos de Varnhagen (1816-

1878), famoso pela sua História Geral do Brasil. Na literatura tínhamos

Gonçalves Dias (1823-1864), José de Alencar (1829-1877), Castro Alves

(1847-1871) e Machado de Assis (1839-1908) entre muitos outros.

José de Alencar. Por Alberto

Henschel em domínio público via

Wikimedia Commons.

Machado de Assis. Por autor

desconhecido em domínio público

via Wikimedia Commons.

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O Sol da Manhã...

Na pintura, os nomes expressivos eram Pedro Américo (1843-

1905) e Vitor Meireles (1832-1903), ambos pintores neoclássicos, bol-

sistas no exterior sob a proteção do Imperador e da Academia Imperial

de Belas-Artes.

A Primeira Missa no Brasil, famosa obra de Victor Meirelles, mantida no

Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro. Em domínio público via

Wikimedia Commons.

Na música erudita destacava-se, principalmente, Antônio Carlos Go-

mes (1836-1896), com suas óperas A Fosca e O Guarani e, no nível mais

popular, Francisca Edwiges Neves Gonzaga, mais conhecida como Chi-

quinha Gonzaga (1847-1935), compositora e pianista, que revolucionou

o cenário artístico brasileiro, não só por ser mulher, mas também por ter

introduzido nos salões da sociedade carioca, com suas músicas, um rit-

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mo vibrante e contagioso. Filha de um general do Exército Imperial, sua

mãe era uma mulata de origem humilde e teve como padrinho o próprio

Duque de Caxias, patrono do Exército. Sua vida foi plena de atitudes arro-

jadas, para a época, com vários romances e separações.

Chiquinha Gonzaga. Por autor desconhecido

em domínio público via Wikimedia

Commons.

No setor industrial, o principal empresário da época, apesar da

velada rejeição de Dom Pedro II que, segundo alguns historiadores, não

aceitava tranquilamente a busca do lucro como motivador da economia,

foi o Visconde de Mauá, Irineu Evangelista de Souza (1812-1889).

Irineu Evangelista de Souza — Visconde

de Mauá. Obra de Édouard Viénot em

coleção particular. Em domínio público

via Wikimedia Commons.

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O Sol da Manhã...

As empresas criadas por Mauá inovaram o setor industrial que, no

auge, chegou a ter cerca de dezessete empresas compreendendo ban-

cos, estradas de ferro, uma fundição, uma companhia de navegação,

empresas de comércio exterior, mineradoras e outras mais. Quando, em

1867, Mauá reuniu todas num conglomerado, seu patrimônio chegou

a cento e quinze mil contos de réis, valor superior ao do orçamento do

Império para aquele ano. Mas, do ponto de vista econômico, o café era

o rei, o principal produto de nossas exportações, cerca de 50% do va-

lor enviado para o exterior. Nesse período o Brasil foi responsável por

metade de toda a produção mundial. Os poderosos do Brasil, naqueles

dias, eram os grandes produtores de café, por sinal também os grandes

proprietários de terras e de escravos. Por outro lado, essa enorme depen-

dência de um só produto causaria, logo a seguir, um grande solavanco

na nossa economia.

O REINADO DE DOM PEDRO II

O reinado de Dom Pedro II mostrou-se com várias fases distintas,

apesar de, em várias, podermos realçar a figura digna e bem-intencio-

nada do Imperador. Seus primeiros anos, ainda infante, foram marcados

pelos regentes e por muita discussão política juntamente com várias

revoltas motivadas pela busca de maior autonomia em algumas regiões

do país. Entre os regentes encontramos o General Lima e Silva, pai do

futuro Duque de Caxias e muitos políticos. Dois partidos disputaram o

poder por grande parte do reinado de Dom Pedro II. Eram o Partido Con-

servador, batalhando por um governo imperial forte e centralizador, e o

Partido Liberal, com a bandeira da descentralização, dando mais autono-

mia às Províncias. Ambos ficaram alternando no comando do governo.

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Dom Pedro II — Imperador do Brasil — 1841 a 1889. Por Mathew Brady

(Domínio Público) via Wikimedia Commons.

Ao assumir o trono, em 1841, o jovem monarca, com apenas qua-

torze anos, passou por um período de aprendizado político, em que foi

muito influenciado pelos frequentadores do Palácio Imperial. Como de

praxe, teve um casamento precoce, politicamente arranjado, em 1843,

com Teresa Cristina, da Casa de Bourbon, filha de Don Francesco I, Rei

das Duas Sicílias, e neta de Don Carlos IV, Rei da Espanha. Esposa que ele

tratou com consideração, apesar de sua história incluir, tal como seu pai

Pedro I, alguns casos extraconjugais dos quais o mais famoso foi com a

Condessa de Barral.

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O Sol da Manhã...

A PROSPERIDADE E O DECLÍNIO DE DOM PEDRO II

A partir de 1850, o país entrou num tempo de estabilidade e prospe-

ridade. Tempo esse que prosseguiu até quase o final de seu reinado. Seu

fim, e o término da Monarquia no Brasil, com a Proclamação da República

em 1889, adveio de alguns fatores negativos que convergiram sem que

Pedro II apresentasse reação contrária capaz. A Escravatura e a Abolição

foram alguns desses fatores. Dom Pedro, pessoalmente, era contrário à

escravidão, nunca tendo possuído um escravo em toda sua vida. Por outro

lado, a economia cafeeira dos grandes e pequenos produtores era franca-

mente dependente deles, até a possibilidade de vinda efetiva de grupos

de imigrantes. Por volta de 1850, sob pressão da Inglaterra, que se decla-

rara contra a escravidão africana, Dom Pedro conseguiu aprovar uma Lei

proibindo o tráfico de escravos (Lei Eusébio de Queiros). A Lei do Ventre

Livre, que aconteceu em 1871, estabelecendo a liberdade de todos os no-

vos filhos de escravos, aumentou a pressão política. Quase todo o mundo

ocidental já tinha declarado o fim da escravidão — os Estados Unidos, por

exemplo, em 1863 com a ação emanada da política de Abraham Lincoln.

No caso brasileiro, apenas em 1888 deu-se a libertação definitiva dos es-

cravos.

A forma de governo existente no Brasil Imperial, desde 1823, era

Monarquia Constitucionalista, ficando o Poder Legislativo nas mãos do

Congresso Nacional. Dom Pedro II não atuava de forma contundente nes-

se processo e passou a depender do Congresso, no qual os grandes pro-

prietários e fazendeiros poderosos predominavam. Foram muitas as fortu-

nas e títulos de nobreza conseguidos por meio da exploração da mão de

obra escrava no Brasil.

Também nesse período ocorreu a Guerra do Paraguai, com a forma-

ção da Tríplice Aliança, composta pelo Brasil, Argentina e Uruguai, reuni-

dos contra o ditador paraguaio Francisco Solano Lopes, que alimentava

pretensões de obter uma saída para o Atlântico. Iniciada no final de 1864,

a Guerra só foi concluída após terríveis e cruéis batalhas, com um Paraguai

arrasado e Solano Lopes morto, em 1870.

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Desse evento, politicamente, resultaram dois pontos importantes. O

primeiro foi o surgimento do Exército Brasileiro, como uma força agrega-

dora de aspirações a serem consideradas daí para a frente. O segundo foi

o papel do Conde d’Eu que, ao final desse período, atuou como Coman-

dante-Chefe das forças militares no conflito, exatamente no momento da

caçada a Solano Lopez.

Dom Pedro II na Guerra do Paraguai com seus genros — o Duque de Saxe e o

Conde d’Eu. Litogravura de Ange Louis Janet a partir de desenho de Máximo

Alves, no “L’illustration”, Vol. XLVL, nº 1.186, em 1865. Em domínio público

via Wikimedia Commons.

Para complicar a situação governamental de Dom Pedro II, agravou-

-se um conflito latente com a Igreja Católica. Nesse tempo, houve uma

interferência e um relacionamento bem instável entre a Monarquia e a

Igreja. Apesar do poder da Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil, o

Imperador detinha, constitucionalmente, autoridade para aceitar ou recu-

sar as normas emitidas pelo Papa, além de forte ingerência na nomeação

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de bispos e prelados no país. Esse episódio da nossa história, ocorrido

entre 1872 e 1875, durante o pontificado do Papa Pio IX, ficou conhecido

sob o nome de Questão Religiosa.

O pontificado do Papa Pio IX (1792-1878), um dos mais longos

da história da Igreja Católica (1846-1878), liberal no início, foi pouco a

pouco se mostrando extremamente conservador, centrado em princípios

derivados das propostas de São Tomás de Aquino, combatendo acirrada-

mente todos os movimentos sociais fora da Igreja, como o Socialismo,

a Franco-Maçonaria, e até o Judaísmo. Assim, em 1872, obedecendo às

orientações papais, o Bispo de Olinda entrou numa disputa com membros

das Lojas Maçônicas em seu estado, ameaçando-os de excomunhão. No

mesmo período, o Bispo de Belém atuava de forma análoga. Os maçons

perseguidos apelaram para a Corte e Dom Pedro II foi obrigado a intervir.

Em um processo instaurado no Rio de Janeiro contra os eclesiásticos, em

1874, os dois Bispos foram condenados a quatro anos de detenção, com

trabalhos forçados. O confronto foi resolvido em 1875, de forma política,

com Dom Pedro II anistiando os Bispos e o Papa Pio IX suspendendo as

punições feitas aos mações de Olinda e Belém. Porém o estrago estava

feito nas relações do Imperador com a Igreja.

Em meio a essas crises entra em cena o Conde d’Eu. Nosso Impe-

rador, já chegando a uma idade mais avançada, não tinha um herdeiro

homem, sendo que seus dois filhos do sexo masculino tinham falecido

na infância, restando as duas meninas, Isabel, nascida em 1846, e Le-

opoldina em 1847. Isabel seria a Princesa Herdeira do trono, de acordo

com as Leis, porém ela era julgada pela população, pelos políticos, e até

por Dom Pedro, como despreparada para ocupar a posição maior na Mo-

narquia Brasileira. Tida como exageradamente devota da Igreja Católica,

Isabel ostentava dependência imprópria para uma soberana. Mesmo seu

casamento com o Conde d’Eu fora motivo de repúdio e de chacota nos

jornais da época. Um dos argumentos vigentes propalava que ele sequer

era brasileiro. Nascido na França, em 1842, Louis Philippe Gaston de Or-

leans era um nobre francês, neto do rei Louis Philippe I. Sua atuação na

Guerra do Paraguai foi motivo de controvérsias, descrito por alguns cronis-

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tas como um excelente estrategista militar, por outros como sanguinário e

cruel. Sobretudo, como estrangeiro e falando nossa língua com um forte

sotaque, era suspeito de passar a ter influência em nosso destino, se sua

esposa viesse a ser Imperatriz, tornar-se-ia mais um ponto crítico para a

continuidade da Monarquia Brasileira.

A princesa Isabel. Por Joaquim Insley Pacheco (ca. 1830 — 1912) em

domínio público via Wikimedia Commons.

Assim, com Dom Pedro II enfraquecido pela idade, com saúde pre-

cária, sem um herdeiro adequado, sem o apoio dos grandes fazendeiros,

que em troca do fim da escravidão clamavam por um ressarcimento finan-

ceiro, com disputas com o clero católico e o movimento contrário de uma

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parcela do Exército, parcela essa influenciada pelo Positivismo de Comte,

pouco restou a fazer ao Imperador, quando foi confrontado com a ordem

de destituição do trono e do exílio imediato.

A proclamação da república foi um episódio bem controvertido, en-

volvendo um velho e muito doente Marechal, Deodoro da Fonseca, alguns

poucos políticos radicais e militares descontentes. Uma ação que tinha

de início apenas o objetivo de substituir o corpo de ministros nomeado

por Dom Pedro II, acabou por extinguir a Monarquia. Com o termo da

Monarquia no dia 15 de novembro de 1889, ao final desse conturbado

dia, o Rei teria dito, resignado, “Trabalhei demais e estou cansado. Agora

vou descansar”. Logo a seguir partiu para a França com toda sua família...

O EXÍLIO DA FAMÍLIA IMPERIAL

Com a participação de um Mallet, o tenente coronel João Nepomu-

ceno de Medeiros Mallet, que acompanhou a deposta Família Imperial, na

madrugada do dia 17 de novembro, para o embarque em direção à Euro-

pa, Dom Pedro II, sua família e alguns amigos íntimos, seguiram viagem

nesse mesmo dia pelo vapor “Alagoas”, desembarcando em Lisboa no

dia 7 de dezembro de 1889. Amargurada pelo exílio, a Imperatriz Teresa

Cristina faleceu, na cidade do Porto, em 28 de dezembro, vítima de um

enfarte — com muita certeza consequência de sua frágil saúde agravada

pela tristeza daquele momento.

Dom Pedro, praticamente sem recursos — já que recusara a pensão

oferecida pelo governo brasileiro — foi em seguida viver em Paris, em um

singelo hotel. Sofrendo de uma saudade imensa do Brasil, conta-se que

guardava consigo um travesseiro contendo terra do solo brasileiro. O Rei

afastado não viveu muito mais, falecendo, vítima de uma pneumonia, em

Paris, em 5 de dezembro de 1891, onde, no seu funeral, recebeu honras

de chefe de estado na famosa Igreja de La Madeleine, apesar da reação

negativa do governo republicano do Brasil. Essa cerimônia contou com

a presença de uma enorme multidão, realçando-se o grande número de

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cientistas, artistas e políticos. Da Madeleine, em um grande e imponente

cortejo, seu corpo foi levado até a estação ferroviária de Montparnasse, de

onde partiu, dando início a um longo e demorado retorno para sua terra

natal. Inicialmente para Lisboa, onde foi sepultado no mausoléu dos Bra-

gança, onde já estava o corpo de Teresa Cristina.

O cortejo fúnebre de Dom Pedro II em Paris — honras de soberano.

Reportagem no Suplemento Ilustrado do Le Petit Journal, ano II, nº 57,

de sábado, 26 de dezembro de 1891. Por autor desconhecido em domínio

público via Wikipedia Commons.

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Tempos depois seus restos mortais foram trasladados para o Brasil,

a terra que ele tanto amou, tendo chegado, em janeiro de 1921, à Catedral

Metropolitana do Rio de Janeiro. Em 1939, o corpo de Dom Pedro II fez

sua última viagem, indo para um mausoléu especial, na Catedral de Pe-

trópolis, onde hoje repousa, juntamente com sua esposa Teresa Cristina, a

filha, Princesa Isabel, falecida em 1921 e o Conde d’Eu, falecido em 1922.

RIO DE JANEIRO E A RUA DO OUVIDOR

Exatamente no Rio de Janeiro estava Louis Felix, em 1856, que ti-

nha sido contratado para fazer as obras e as vitrines de uma joalheria na

famosa Rua do Ouvidor, o coração elegante da cidade. Segundo conta Ma-

ria Cecília Guisard Audrá em seu livro “Felix Guisard. Olhando o Passado”,

seria a Joalheria Luiz de Resende, no Palais Royal.

Panorama da Cidade do Rio de Janeiro em meados do século XIX. Desenho de L. Desmons, transformado em Litogravura por L. Aubrun. Por Lluchar

Desmons (Scan de catálogo de MCB/Safra) em domínio público via Wikimedia Commons.

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A Rua do Ouvidor era a mais exuberante da cidade, com muitas

lojas e galerias, como a loja Palais Royal, centro das novidades da moda

vindas de Paris, perfumarias, cabeleireiros, floristas, livrarias, joalherias,

confeitarias e cafés elegantes, onde circulava a elite da nobreza e dos no-

vos ricos do Brasil, no reinado de Dom Pedro II. Era também o ponto de

encontro dos literatos e jornalistas, pois todo jornal de prestígio tinha sua

sede nessa rua. Entre barões e viscondes, poder-se-ia cruzar, na rua, com

Carlos Gomes, Machado de Assis e José de Alencar.

A Rua do Ouvidor em 1890, em imagem de Marc Ferrez, Coleção Gilberto

Ferrez, em Acervo Fotográfico do Instituto Moreira Salles.

Domínio Público.

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A Rua do Ouvidor foi tema de um livro de crônicas, “Memórias da

Rua do Ouvidor”, do célebre Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882),

autor do famoso romance “A Moreninha”. Seu trabalho foi publicado, ini-

cialmente, como era comum no tempo, sob a forma de folhetins no Jornal

do Commércio em 1878. No livro Macedo descreveu, em um detalhado

passeio, os estabelecimentos e os personagens mais famosos dessa rua.

Contava também a sua história e a de seus protagonistas que, a princípio,

com a vinda da corte portuguesa para o Brasil, em 1806, e a Abertura dos

Portos para o Livre Comércio, sob influência da Inglaterra, tinha tido uma

preponderância de lojas de origem britânica, principalmente de louças, te-

cidos, etc. Nessa época, os franceses eram odiados pelos nobres da corte

portuguesa, desterrada para o Brasil por força da invasão das tropas na-

poleônicas em Portugal. Porém, em 1815, a paz foi decretada na Europa,

com a assinatura do Tratado de Paz de Paris, e a chegada de missões de

artistas e comerciantes franceses ao Rio de Janeiro foi bem-vinda.

A REVOLUÇÃO FRANCESA

Já se aproximando do final do século XVIII, a França sob a monar-

quia absolutista de Louis XVI, da casa de Bourbon, entrou em terrível tur-

bulência política. Com uma economia fracassada e sob a influência de

pensadores liberais, a grande insatisfação da população explode numa

revolta nas ruas de Paris, em 14 de julho de 1789, quando o povo invade

e provoca a Queda da Bastilha, símbolo da Monarquia. A Assembleia

Nacional, autonomeando-se Constituinte, assume o poder e, seguindo o

modelo estabelecido pelos Estados Unidos da América, em 1776, pro-

mulga a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Luís XVI, acu-

sado de traição por supostamente fazer acordos com outras monarquias

europeias para recuperar o poder na França, foi julgado e guilhotinado

em 21 de janeiro de 1793. Sua esposa, Maria Antonieta, seguiu idêntico

caminho, meses depois, tendo sido guilhotinada em 16 de outubro do

mesmo ano.

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Louis XVI, rei da França e de Navarra.

Em pouco tempo o controle da Assembleia passou a ser disputado

por vários grupos políticos, entre esses o grupo dos chamados Jacobinos,

constituído pela baixa burguesia, que apoiava uma maior participação

popular nas decisões nacionais e era também mais radical nas suas

atitudes; os principais nomes eram Robespierre, Saint-Just, Danton e

Marat. E os Girondinos — que congregavam o pessoal mais conservador,

da alta burguesia. Enquanto isso, na frente internacional, os demais países

europeus — Áustria, Prússia, Holanda, Espanha, Inglaterra e alguns reinos

na Itália — todos formados por monarquias absolutistas, temerosos de

uma possível propagação das ideias reformistas das novas forças políticas

francesas, formaram uma coalizão para tentar restabelecer o poder real

na França. Em consequência a Assembleia declara guerra, inicialmente a

um desses países, a Áustria.

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Maximilien François Marie Isidore de Robespierre (1758-1794). Musée

Carnavalet, Paris, em domínio público via Wikimedia Commons.

A Assembleia passa a ser dominada por Robespierre, através de um

Comitê de Salvação Pública, órgão executivo da Convenção, comandando

o Exército e as finanças. Inicia-se um período de terror, com Robespierre

eliminando toda e qualquer oposição. São mortos, na temível guilhoti-

na, Brissot, Condorcet, Danton, e muitos outros. Os representantes mais

moderados reagiram ao seu posicionamento autoritário e sanguinário e,

em 27 de julho de 1794, conseguiram aprovar a destituição do Comitê

e a condenação e a execução do próprio Robespierre. Este evento ficou

conhecido como o Golpe de 9 Termidor, pois este era exatamente o dia 9

do mês de Termidor do ano II da revolução, conforme o calendário estabe-

lecido pela Assembleia. No lado internacional, a Guerra contra as demais

monarquias da Europa intensifica-se.

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A Assembleia, agora sob a coordenação de delegados mais modera-

dos, proclama uma nova Constituição e uma nova Declaração de Direitos

do Homem. Por esse regime, o órgão máximo do governo passou a ser um

Diretório, constituído por cinco representantes eleitos pela Assembleia e

incumbidos de conduzir os rumos da nação.

NAPOLEÃO BONAPARTE

A essa altura dos acontecimentos, em paralelo, o exército francês

continuava guerreando os demais países europeus e suas monarquias. E

conseguindo inúmeras e surpreendentes vitórias contra a Espanha, Ho-

landa, Prússia e Itália. Nesse período, um jovem general apareceu como

grande estrategista e comandante, Napoleão Bonaparte (1769-1821). Seu

prestígio foi crescendo a cada batalha que ele vencia, a cada terreno que

ele conquistava.

Napoleão foi um jovem extremamente inteligente, precoce, tendo

tido uma excelente formação no Colégio Militar de Brienne, estudando

entre outras matérias, Matemática, Geometria, Trigonometria e História.

Cursou a Escola Real Militar de Paris na arma de Artilharia. Foi nessa arma

que teve sua grande chance já em 1793, quando, em uma revolta contra a

República, na cidade de Toulon, o Exército teve o comandante da artilha-

ria ferido e Napoleão foi indicado para assumir seu posto. Rapidamente

armou e executou uma ousada estratégia que levou as forças francesas

a uma consagradora vitória contra os revoltosos. Em decorrência desse

episódio foi designado general de brigada, com apenas vinte e quatro

anos. Sua carreira acelerou-se com novas batalhas e vitórias, com seguidas

promoções na hierarquia militar, até chegar a comandante do Exército

francês.

Na Assembleia, os burgueses dominantes continuavam tendo di-

ficuldades, enfrentando, do lado interno, os remanescentes jacobinos

com o apoio de classes mais populares e, do lado externo, a pressão

dos monarquistas europeus. Napoleão voltou a Paris e, nesse cenário,

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conseguiu o apoio de membros do Diretório e da grande burguesia para

instaurar um novo regime no país, em 9 de novembro de 1799. Sob

essa nova forma de governo foi criado um Consulado, formado por três

pessoas; uma delas, representando o Exército, era o próprio Napoleão.

Desse ponto até se declarar Imperador bastou pouco. Primeiro ele foi

designado como Primeiro Cônsul e, logo depois, em 1802, tornou-se

Cônsul Vitalício. Em 1804 uma nova monarquia foi estabelecida na Fran-

ça, definida através de um Plebiscito Nacional. A casa dos Bonaparte

reinava inconteste. Napoleão I passou a ser Imperador da França a partir

de 18 de maio desse ano.

Napoleão Bonaparte em São Bernardo. Obra de Jacques Louis David

(1800). Kunsthistorisches Museum, Viena, Austria. Em domínio público via

Wikimedia Commons.

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A cerimônia da Coroação de Napoleão aconteceu, com toda a sole-

nidade possível, em 2 de dezembro de 1804, na Catedral de Notre Dame,

com a presença do Papa Pio VII. Apesar dessa data marcar uma concilia-

ção com a Igreja Católica, extremamente castigada pela Revolução Fran-

cesa, Napoleão definitivamente marcou a supremacia do poder reinante

sobre a igreja, pois colocou, ele mesmo, a coroa na Imperatriz Josefina

e em si próprio. O Papa foi mero espectador. As guerras continuaram —

incluindo a invasão de Portugal o que ocasionou a fuga da corte de Dom

João VI para o Brasil — enquanto Napoleão estabelecia uma série de avan-

ços administrativos na França.

A enorme pintura de Jacques Louis David pertencente ao museu do

Louvre — “A coroação de Napoleão”. Em domínio público via Wikimedia

Commons.

Entre suas grandes realizações constaram o novo Código Civil, dito

Napoleônico, em 1804, onde se protegem os interesses burgueses (pro-

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priedade, liberdade e igualdade de direitos), a criação do Banco da França,

regularizando a emissão de moeda e dominando a inflação, o acordo com

o Papa Pio VII estabelecendo as bases do relacionamento entre o Estado

e a Igreja Católica, e a reorganização do sistema educacional. No campo

militar, depois de uma sequência de vitórias, finalmente Napoleão viu seu

Exército enfraquecido pela desastrosa campanha na Rússia, em 1812. Em

seguida, em 1814, aconteceu sua derrota contra as forças aliadas e sua pri-

meira queda do trono. A casa de Bourbon voltou ao poder com Luís XVIII,

irmão de Luís XVI que fora executado na guilhotina.

Napoleão foi exilado na Ilha de Elba, a pouco mais de cinquenta

quilômetros da costa italiana, de onde fugiu em março de 1815. Mas essa

tentativa de retornar ao poder foi encerrada com uma nova derrota em

junho desse mesmo ano, quando ele saiu completamente de cena. A ba-

talha definitiva ocorreu em Waterloo, com as forças inglesas do Duque de

Wellington aliadas aos prussianos comandados por von Blucher, vencendo

a disputa. O tratado de Paris, assinado em 20 de novembro de 1815, en-

cerrou o período de guerra e estabeleceu as condições da paz. Inglaterra,

Prússia, Rússia e Áustria assinaram esse documento.

Napoleão faleceu em 5 de maio de 1821, isolado e solitário, na ilha

britânica de Santa Helena, um pequeno ponto perdido no meio do Oceano

Atlântico, a meio caminho entre a costa da Bahia, no Brasil e a costa de Ango-

la, na África. Dessa vez tinha sido desterrado para bem longe, a quase sete mil

quilômetros da França. Curiosamente, nesse mesmo mês, Dom João VI, com

grande parte da corte portuguesa, estava velejando de volta para Portugal.

A BEM SUCEDIDA INVASÃO FRANCESA

Com a paz alcançada na Europa, os franceses passaram a ser ben-

quistos nas terras de além mar. Cientistas e pesquisadores foram convida-

dos para estudar e explorar a nossa terra, como comprovam as inúmeras

obras sobre nosso país, publicadas na Europa na primeira metade do sé-

culo XIX. A mais importante destas viagens foi a Missão Artística Francesa

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de 1816 que, com o apoio de Dom João VI, ajudou a fundar a Escola Real

de Ciências, Artes e Ofícios no Rio de Janeiro. Na empreitada vieram o

pintor Debret, o arquiteto Montigny, a família Taunay e vários outros, sob

a coordenação de Joachim Lebreton — mais tarde incluindo a família Fer-

rez. Foram eles que estabeleceram os currículos para os cursos da Escola

Real, a qual tornou-se, em 1826, a Academia Imperial de Belas Artes de

Dom Pedro I, e que mais recentemente passou a ser a Escola Nacional de

Belas Artes, hoje parte da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A partir de 1818, foram as modistas francesas que chegaram e ocu-

param a Rua do Ouvidor. E com elas logo vieram as lojas de tecidos, ob-

jetos de moda, perfumarias e cabeleireiros. Paris tornou-se o modelo de

elegância para a elite brasileira. A Rua do Ouvidor impôs-se, com suas

grandes vitrines expondo as mercadorias para os olhos ávidos das damas

da sociedade carioca. Tudo isso acontecia em uma época em que o Rio

de Janeiro era uma cidade insalubre, com frequentes epidemias de febre

amarela e cólera. Se por um lado, nos salões elegantes, se trocavam ideias

sobre as novidades vindas da Europa, de outro lado, nos bairros pobres, a

tragédia marcava uma presença constante.

Não fosse o aparecimento de um jovem e brilhante médico, no virar do

século, a situação teria sido muito pior — seu nome era Oswaldo Gonçalves

Cruz (1872-1917), paulista de São Luís do Paraitinga, formado na Escola de

Medicina do Rio de Janeiro, com um longo estágio no Instituto Pasteur, em Pa-

ris. Muito jovem, foi nomeado Diretor Geral da Saúde Pública, e coordenou as

campanhas contra a febre amarela e a varíola no Rio de Janeiro. Foi o funda-

dor do Instituto Soroterápico, hoje a FIOCRUZ — Fundação Instituto Oswaldo

Cruz, de renome internacional. Como responsável pela campanha de vaci-

nação obrigatória, sofreu intensa campanha difamatória, sendo chamado de

“inimigo do povo” nos jornais e nos discursos na Câmara e no Senado.

Esse epíteto levou-me aos tempos em que fui Presidente da Empre-

sa Brasileira de Telecomunicações S.A. — a Embratel — quando, durante

uma greve dos empregados, fui homenageado com uma faixa, com as

mesmas palavras, içada pelo sindicato e pela CUT, na Avenida Presidente

Vargas, bem no centro do Rio de Janeiro.

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Oswaldo Cruz fez parte, no final do século XIX e início de século XX,

de um grupo de médicos sanitaristas a quem a nossa nação muito deve.

Entre eles podemos incluir Vital Brazil (1865-1950), Adolfo Lutz (1855-

1940), Carlos Chagas (1879-1934) e Emílio Ribas (1862-1925).

LOUIS FELIX PARTE PARA AS MINAS GERAIS

Depois de completar o projeto para o qual viera ao Brasil, o que

levou praticamente um ano, Louis Felix foi contratado pela recentemente

criada Diocese de Diamantina, para ajudar a construir um passadiço entre

dois de seus prédios, obra ainda hoje existente e considerada um dos mar-

cos históricos e turísticos da cidade. O passadiço em que ele trabalhou é,

atualmente, parte integrante do Instituto Casa da Gloria, unidade da Uni-

versidade Federal de Minas Gerais, a UFMG. Nessa obra ele permaneceu

por três anos, de 1858 até 1861.

O Passadiço da Casa da Gloria — Diamantina. Por Leandro Neumann Ciuffo

(CC BY 2.0) em Wikimedia Commons.

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A FAMÍLIA FELÍCIO DOS SANTOS

O bispo de Diamantina, nesse período de trabalhos de Louis Felix,

era o Monsenhor João Antônio Felício dos Santos (1818-1905), com quem

ele construiu uma forte amizade e um duradouro relacionamento. É im-

portante abrir um parêntesis para falar da família Felício dos Santos, pois

há tangências com o eixo da saga em questão. O tronco original da família

é Antônio José dos Santos, que do seu casamento com Maria Jesuína de

Luz, teve seis filhos, três dos quais são relevantes para nossa história. O

bispo Dom João Antônio Felício dos Santos (1818-1905) era um desses

filhos. Foi o primeiro bispo diocesano de Diamantina tendo permanecido

nessa posição de 1863 a 1905. Um outro filho foi o Major Antônio Felí-

cio dos Santos (1815-1897), negociante de diamantes, fazendeiro, casado

com Mariana Fernandes dos Santos. Dois de seus filhos foram o doutor

Antônio Felício dos Santos Filho (1843-1931), médico de renome no Rio

de Janeiro, membro da Academia Nacional de Medicina, e outro o Capitão

João Felício dos Santos.

Mais um filho, que aparecerá em nossa história, foi Joaquim Felício

dos Santos (1828-1895), nascido no Serro e falecido em Diamantina. Foi

jornalista, escritor, político, jurista e professor. Fundador e redator do jor-

nal “O Jequitinhonha” que usou intensamente nas suas campanhas polí-

ticas. Suas crônicas nesse jornal foram publicadas em 1868 na coletânea

“Memórias do Distrito Diamantino”. Quando da fundação, por seu irmão

Dom João, do Seminário Episcopal em Diamantina, participou do primei-

ro contingente de professores como lente de Português e de Francês.

REENCONTRO

Louis Felix permanecia com o intuito de reencontrar a família

Caillaud e em particular a jovem Amelie, que tanto o encantou durante a

longa travessia do Oceano Atlântico. Assim sendo, aceitou trabalhar em

um novo projeto, a construção de uma ponte no Rio Mucuri, na região

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da Mata do Mucuri, nas proximidades de Teófilo Otoni, que era o destino

original dos Caillaud.

Numa de suas paradas, a caminho de seu projeto, já em 1861, em

um pequeno comércio de beira de estrada, ouviu de uns tropeiros que

uma família de língua enrolada estava passando por necessidades ali por

perto. Estavam sendo chamados pelo povo como a família “jenecepas”,

pois era tudo que conseguiam dizer. Um deles mostrou uma pequena joia,

um camafeu, que teria comprado dessa família. Imediatamente Louis Fe-

lix reconheceu como sendo de seus companheiros de viagem. Com as in-

dicações obtidas com os tropeiros, Louis Felix saiu a sua procura e, depois

de muitas horas, acabou encontrando, já tarde da noite, a família Caillaud

em situação de penúria e muito mal de saúde. Notem que já fazia cinco

anos que eles estavam nas terras do projeto de colonização do Mucuri. Ti-

nham tido sua colheita de milho roubada pelos indígenas que trabalhavam

para eles e, para sobreviver, sem dinheiro, acabaram por ingerir uns frutos

das árvores nativas que os deixaram bem doentes.

OS TRABALHOS DA FAMÍLIA EM TERRAS MINEIRAS

Com a sua ajuda, os Caillaud recuperaram-se e aceitaram a proposta de

trabalho feita por Louis Felix, que precisava de ajudantes para o projeto — a

ponte sobre o rio Mucuri — em Teófilo Otoni. Após terminar essa ponte, eles

conseguiram trabalho na construção de igrejas, incluindo altares, em novas

pontes e outros projetos. Nestas empreitadas, toda a família Caillaud ajudava

e, assim, ganhavam seu sustento. Trabalharam em Lagoa Seca, no Rio Jequi-

tinhonha, perto de Simão Vieira (latitude 16º43’), onde construíram cinco

pontes. Essa região atualmente fica na microrregião do município de Minas

Novas, MG, provavelmente perto da atual cidade de Coronel Murta.

O Seminário Sagrado Coração de Jesus, em Diamantina, foi cons-

truído entre janeiro de 1865 e julho de 1867, sob a direção de Louis Felix

Guisard. O seminário foi fundado pelo primeiro Bispo da Diocese, Dom

João Antônio Felício dos Santos, que adquiriu o terreno no chamado Largo

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do Curral, nome mudado posteriormente para Largo Dom João. O início

dessa construção, comemorada com fogos de artifício e música, contou

com a presença de várias autoridades locais, estando entre elas o Doutor

Joaquim Felício dos Santos. O padre Bartholomeu Sipolis foi o primeiro

Superior do Seminário.

A igreja do Divino, em Datas, próximo de Diamantina, foi por eles

construída entre 1866 e 1870, tendo sido inaugurada em 25 de agosto de

1870. Participaram além de Louis Felix, os Caillaud: Manoel, Gustave e Ge-

orge. A decoração fina, com entalhes de florões no teto e especialmente o

púlpito, em forma de cálice, foi feita pelas mulheres, Marie, Celine e Leonie.

Igreja do Divino Espirito Santo em Datas, MG. Por Josue Marinho (CC BY 3.0)

em Wikimedia Commons.

O site www.institutoestradareal.com.br descreve essa obra da se-

guinte maneira: “Belo conjunto de talha neoclássica de excelente padrão

artístico, único exemplar identificado até agora no acervo de arte colonial

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mineira. A obra é, provavelmente, de autoria do mesmo arquiteto responsável

pelo projeto da igreja, o francês (Louis) Felix Guisard”.

Entre outros trabalhos, Louis Felix construiu altares para a Igreja de

São Francisco, em Diamantina — provavelmente os dois altares laterais com

douramento datado entre 1874 e 1880 — e também projetou e construiu di-

versas fábricas de lapidação de pedras preciosas. Participou da construção da

fábrica de tecidos de Biribiri — de propriedade da Santos & Cia, da família do

Bispo Dom João Antônio Felício dos Santos e da ponte do Paraim de Calhau.

Louis Felix, inteligente e conhecedor do valor das pedras preciosas —

no que foi beneficiado pela convivência com a família Caillaud, começou a

negociar com os garimpeiros de Minas Gerais, transformando, assim, sua

poupança em gemas, guardadas para o futuro, incluindo uma caneca que

ficou famosa na família, e foco de grandes discussões entre seus filhos Felix

e Eugenio. A viagem de Louis Felix ao Brasil, que deveria ser curta, em torno

de um ano, acabou prolongando-se, já que os Caillaud ainda não podiam

voltar para a França, seja pelo prolongado reinado de Napoleão III, como

pela falta de recursos para o translado de toda a numerosa família.

A UNIÃO DE LOUIS FELIX COM AMELIE

Assim a vida seguiu seu curso e Louis Felix e Amelie, logo após o seu

reencontro, vieram a se casar, na cidade de Teófilo Otoni, em Minas Gerais,

em 1861; ele com vinte e sete anos e Amelie com vinte. Nesse mesmo ano

Elisabeth Mallet, a mãe de Amelie faleceu aos cinquenta e sete anos de idade.

Os trabalhos nas obras prosseguiram, bem como na família Guisard.

Os filhos foram nascendo — o primeiro foi Felix já em 1862 em Teófilo

Otoni, seguido por Marie em 1864, que teve uma vida muito curta. Felix

foi batizado em Diamantina por Dom João Antônio Felício dos Santos, bis-

po de Diamantina. Seguiram-se Jean Baptiste em 1868, Victor em 1870,

Marie Nazareth em 1872, Theophile em 1874, Emile em 1876, todos nas-

cidos em Diamantina. Finalmente o último, Eugenio, em 1878, o caçula

e também o mais rebelde de todos, que nasceu já em São José da Lagoa,

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hoje a cidade de Nova Era, onde construíram sua última obra, uma ponte

com 135 metros de largura, sobre o rio Piracicaba.

Conta-se que Felix chegou a estudar no famoso Colégio do Caraça,

em Diamantina, apesar de não conseguirmos comprovação desse perío-

do, e lá teria desenvolvido boas amizades com os colegas e com os padres

superiores do Seminário. Só achamos o registro da matrícula (1878) de

Rodrigo Nazareth de Souza Reis, amigo de Felix e que teve papel relevante

no desdobramento da história da família. Aos quarenta e quatro anos, e

tendo conseguido economizar uma boa quantia, Louis Felix tinha decidido

voltar para a França, por isso dirigiu-se com toda a família para o Rio de Ja-

neiro. O perigo representado pelo Imperador Napoleão III estava afastado,

com a sua deposição em 1870, seguida de sua morte no exílio em 1873,

terminando a perseguição aos Caillaud.

O DESTINO MUDANDO OS RUMOS DA FAMÍLIA

Porém o destino da família Guisard era outro. Após um acidente,

queda de uma das estruturas que estava a construir — outros dizem que

foi uma queda de um cavalo, o meio de transporte da época — Louis Felix,

também sofrendo de uma úlcera estomacal, não conseguiu se recuperar

e acabou por falecer em 1879, já na cidade de Rio de Janeiro, para onde

tinha se deslocado, na planejada volta para a França. Durante sua hos-

pitalização na capital do Império, Louis Felix foi assistido pelo eminente

médico Doutor Antônio Felício dos Santos (1843-1931), sobrinho do Bispo

de Diamantina, seu amigo Dom João Antônio dos Santos. Nesse momen-

to estariam com ele sua esposa Amelie, seus filhos Felix, Jean Baptiste,

Victor, Marie Nazareth, Theophile, Eugenio e Emilio que, aliás, também

faleceu nesse período, com apenas três anos de idade. Ainda o acompa-

nhavam Leonie e Marie, apelidada de Mémé. Os demais Caillaud tinham

ficado em terras mineiras, ou já haviam falecido.

Os planos do retorno foram postergados e, na realidade, cancelados

para sempre. O filho mais velho, Felix, como era costume na época, as-

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sumiu as rédeas da família, com seus dezessete anos, tomando posse das

poupanças, bastante reduzidas pelo custoso tratamento médico de Louis

Felix, e orientando as decisões dali em diante. Eugenio, a essa época es-

tava com apenas um ano de vida. O trabalho nas estruturas dependia de

Louis Felix e, sem ele, essa opção não mais existia.

UMA NOVA ÁREA DE TRABALHO — A TECELAGEM

Em busca de ganha-pão, a alternativa encontrada foi colocar toda

a família para trabalhar numa tecelagem existente nas proximidades do

Rio de Janeiro, postos para os quais foram indicados pelo Doutor Antô-

nio Felício dos Santos, médico que tratara de Louis Felix e que era um

dos proprietários do empreendimento. Lembremos que esse médico e

político era também sobrinho do Bispo de Diamantina, grande amigo da

família.

Anúncio da Tecelagem Pau Grande no Almanak Administrativo,

Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro – Almanak Laemmert, ano 1884,

edição A00041, página 1976 na Biblioteca Nacional.

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Na raiz da serra de Petrópolis, no então distrito de Pau Grande,

que, mais tarde, teve seu nome mudado para Estrela, em Magé, Rio de

Janeiro, bem perto dos trilhos da Estrada de Ferro Mauá, encontrava-se

a tecelagem Companhia de Tecidos Pau Grande, que teve seu início de

operação em 1875, tendo logo alterado o seu nome legal para Santos,

Peixoto e Cia, em 1878, e depois para Felício dos Santos, Peixoto e Lobo.

Em dezembro de 1881, a tecelagem de Pau Grande apresentou seus

tecidos na Exposição da Industria Nacional, no Rio de Janeiro, ganhan-

do o Diploma de Progresso. Nesse momento a fábrica, que ainda não

dispunha de fiação, tinha cento e dez operários; um motor hidráulico de

cinquenta cavalos movia sessenta teares e mil e duzentos fusos. Fazia

também excelentes sacos de juta, muito utilizados para ensacar a pro-

dução de café. Felix fez seu aprendizado diretamente na fábrica. Inteira-

mente dedicado ao trabalho e, dotado de uma excepcional inteligência,

logo chegou à gerência da tecelagem.

A família Guisard em Pau Grande, em 1886.

Acervo da família e também do MISTAU.

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O Sol da Manhã...

Na imagem acima estão, numerados da esquerda para a direita: 1.

Felix (então com vinte e quatro anos) — 2. J. Baptiste — 3. Victor — 4.

Theophile — 5. Mémé — 6. Amelie — 7. Eugenio (então com oito anos) —

8. Marie Nazareth. Os demais eram o médico, Doutor Eustachio Soledade

e família, de quem pouco sabemos.

O ENCONTRO COM UMA NOVA FAMÍLIA DE FRANCESES

Mais ou menos nesse mesmo tempo, e também em consequência

de atos de Napoleão III, uma outra família de franceses tinha feito a longa

travessia do Atlântico e, mais uma vez, num lento barco a vela. A família

Rosand, comandada por Jacques Rosand (1850 — 1888) e sua esposa

Jeanne, donos de uma tecelagem em Die, na região de Drôme, na França,

tinha sofrido uma grande perda. Sua tecelagem, na verdade um lanifício,

fabricava, entre outras coisas, uniformes militares para vários Exércitos

europeus. E essa foi a causa do seu infortúnio. Na derradeira guerra em

que Napoleão III envolveu-se, guerra franco prussiana de 1870, na qual

ele foi derrotado, a tragédia também alcançou os Rosand. A tecelagem da

família foi confiscada pelos prussianos como presa de guerra. Aos Rosand

restou somente um pequeno vinhedo pertencente a Jeanne.

Com a França parcialmente ocupada pelos invasores, por um período

que segundo o Acordo de Armistício deveria ser de 5 anos, a família decidiu

vender o vinhedo e, com o dinheiro obtido, custear a viagem de navio para

o Brasil. Dizem, em nossa família, que só sobrou dinheiro para comprar uma

garrafa de vinho, que tomaram na última noite na França, antes de embarcar...

Jacques e Jeanne tinham quatro filhos quando saíram da França:

Pierre, o mais novo, com sete anos (que, infelizmente, morreu de febre

tifoide contraída durante a longa viagem), Jeanne, Julian e Marguerite. A

família desembarcou no porto do Rio de Janeiro, em 6 de Janeiro de 1874,

tendo feito a penosa travessia no veleiro “La Belle Étoile”. Com a experiên-

cia que tinha na indústria de tecelagem, logo Jacques conseguiu emprego

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nessa área, passando por várias empresas, nas quais conseguiu relativo

sucesso. Também a família cresceu, com o nascimento de Rita, sua filha

caçula, aqui no Rio de Janeiro. De emprego em emprego, Jacques Rosand

foi parar, em 1884, exatamente na tecelagem de Pau Grande, onde conhe-

ceram Felix Guisard, agora já gerente de setor.

A UNIÃO DE FELIX GUISARD COM JEANNE ROSAND

Em pouco tempo Felix e a jovem Jeanne afeiçoaram-se e, em 1888,

pouco depois do falecimento de Jacques Rosand, eles se casaram na Igreja de

São José, uma das principais do Rio de Janeiro. Felix com vinte e seis anos e

Jeanne com dezoito. Consta que, nesse tempo, a família Guisard estava mo-

rando no centro do Rio de Janeiro, mais precisamente na Rua das Marrecas,

pequena rua que ligava a Rua dos Barbonos, assim chamada pelos frades

capuchinhos que ali moravam (hoje é a Evaristo da Veiga), com o Passeio Pú-

blico. Seu nome veio de um chafariz que ali existiu, feito por Mestre Valentim,

ornamentado com pequenas aves de bronze por onde a água jorrava.

Casamento de Felix Guisard e Jeanne Rosand — 27/09/1888.

Acervo Maria Cecília.

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O Sol da Manhã...

Sabe-se que, em lua de mel, os noivos fizeram uma viagem à Fran-

ça, em 1888/1889, tendo Felix também aproveitado para comprar o

novo maquinário da tecelagem de Pau Grande, voltado para a fabricação

de meias e camisetas. Durante a viagem deve ter havido tempo de visitar

sua tia Henriette em Paris, irmã de seu falecido pai Louis Felix, e seus

primos. Em Paris também pode ter visto a Torre Eiffel, sendo construída

ou já pronta, como parte da grande Exposição Universal realizada em

1889.

Felix e Jeanne tiveram um longo e feliz casamento, com sete filhos.

Felix Guisard, sua esposa Jeanne Rosand e seus sete filhos. Imagem de 1910

— Acervo Maria Cecília e do MISTAU.

O primogênito foi Felix Guisard Filho, nascido em Magé, no Rio

de Janeiro, em 1890. Felix Filho formou-se em medicina e manteve um

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amplo espectro de interesses durante sua vida — foi Vereador e Prefeito

de Taubaté e grande historiador, distinguido em temas locais. Casou-se

com Maria Eulália Monteiro e tiveram quatro filhos, entre os quais temos

Maria Cecília, que muito me ajudou nas pesquisas para este trabalho.

Todos os demais filhos de Felix nasceram já na cidade de Taubaté,

para onde ele levou sua família, como vamos descrever nos próximos

capítulos. Foram eles: Alberto, em 1891, tendo se casado com Mercedes

Marcondes de Mattos; Violeta, em 1893, casada com Gontran Reis; Olga,

em 1895, que se casou com Francisco de Mattos; Raul, em 1897, casado

com Célia Carvalho de Brito; Octávio, em 1899, que se casou com Acyr

Barros; Hilda, em 1901, casada com seu primo Carlos Guisard Aguiar

(filho de Marie Nazareth).Parte 3

Brasil

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O Sol da Manhã...

TAUBATÉ

Parte 3Brasil

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O Sol da Manhã...

O EMPRESÁRIO FELIX E A MUDANÇA PARA TAUBATÉ

Em 1891, a empresa de Pau Grande abriu seu capital com o

nome social de Companhia América Fabril, com dois acionistas ingleses

— George e Henry Whittaker. Convidado a participar dessa nova

empresa, Felix declinou do convite, pois tinha decidido abrir seu próprio

negócio. Sua opção foi de construir uma nova tecelagem e, para tanto,

primeiramente pensou em localizá-la em Petrópolis; porém, depois de

um encontro fortuito com um antigo colega de bancos escolares, que se

tornou banqueiro, Rodrigo Nazareth de Souza Reis, à época Presidente

do Banco Popular de Taubaté, mudou os planos e deslocou-se com toda

a família e todos os seus sonhos para a cidade de Taubaté, no vale do rio

Paraíba do Sul, no estado de São Paulo. Taubaté foi um povoado iniciado

por Jacques Felix, sendo elevado à categoria de vila em 1645, nas terras

da Capitania pertencente à Condessa de Vimieiro, Dona Mariana de Sousa

da Guerra, neta de Martim Afonso de Sousa. Situada entre a capital, Rio de

Janeiro e São Paulo, já dispunha de transporte por via férrea, um notável

condicionante para o crescimento econômico de uma localidade naqueles

tempos.

A vila de Taubaté em 1827. Imagem de Debret.

Museu Castro Maya, Rio de Janeiro. Em domínio público.

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AS FERROVIAS NO EIXO RIO DE JANEIRO — SÃO PAULO

Graças ao afã empresarial de Mauá, a primeira via férrea do Brasil

foi inaugurada em 1854, ligando o Porto de Mauá com a localidade de Raiz

da Serra, em Magé, pretendendo chegar a Petrópolis, adentrar o estado de

Minas Gerais e, possivelmente, seguir na direção de São Paulo. A ferrovia

ficou conhecida como a Estrada de Ferro Mauá. A segunda a ser inaugu-

rada foi a São Paulo Railway — SPR — que, em 1867, concluiu os cento e

cinquenta e nove quilômetros — ligando o porto de Santos, passando por

São Paulo, com a cidade de Jundiaí.

Em 1855, o Governo Imperial iniciou a construção da Estrada de

Ferro de Dom Pedro II, sob a direção de Christiano Benedicto Ottoni (1811-

1896), natural de Minas Gerais e irmão de Teófilo Ottoni, o idealizador

do Projeto de Colonização do Mucuri, já descrito anteriormente. De ori-

gem militar da marinha, foi engenheiro, professor, e político, tendo atuado

como senador tanto no tempo do Império quanto na República. Por seu

trabalho neste projeto, Christiano Ottoni é hoje considerado o Pai das fer-

rovias brasileiras.

Partindo da Corte, no Rio de Janeiro, seguiu até Japeri, no sopé da

Serra do Mar, subindo então para alcançar Barra do Piraí, onde chegou em

1864. Nessa cidade a ferrovia bifurcava-se. Na direção leste seguiu a linha

tronco, denominada Linha do Centro, passando por Sapucaia e chegando

em Três Rios; na direção oeste tínhamos o chamado Ramal de São Paulo,

passando por Barra Mansa, Resende e Queluz, até chegar, em 20 de julho

de 1875, a Cachoeira Paulista. É importante realçar que, nessa época, a

província mais importante, economicamente e em termos populacionais,

era Minas Gerais, com o ouro, os diamantes e a sua produção agrícola. A

província de São Paulo começava então a crescer e a aparecer no cenário

nacional, graças ao café do Vale do Paraiba.

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O Sol da Manhã...

Traçado da estrada de Ferro de Dom Pedro Il. Imagem na revista francesa

“L’Illustration”, vol.41 de 13/06/1863. Em domínio público.

Partindo de S. Paulo, foi construída a Estrada de Ferro São Paulo —

Rio, por iniciativa de empresários paulistas que queriam acelerar a ligação

férrea entre a sua cidade e a capital do Império. Em 8 de julho de 1877,

ela também chegou a Cachoeira Paulista, completando, assim, o trecho

entre as duas principais cidades brasileiras. Nas primeiras viagens entre as

duas capitais, os passageiros e as cargas tinham de atravessar o rio Paraí-

ba, naquela localidade, em balsas, pois a ponte só foi construída em 1879;

mesmo depois, a transição ainda era lenta, pois havia a necessidade de

uma baldeação, já que as bitolas eram diferentes, a estrada de Dom Pedro

II tinha bitola de um metro e sessenta centímetros, enquanto a da estrada

paulista era de um metro. Avalia-se que uma ponte realmente eficiente e

compatível só foi construída em 1888.

Com a queda da monarquia, a estrada no trecho carioca passou a

ser chamada de Estrada de Ferro Central do Brasil e, com esse nome, veio

a anexar o trecho paulista, unificando a ferrovia em 1890/1891. E levaram

mais um bom tempo para unificar as bitolas. Em 1901 a unificação em bi-

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tola larga (um metro e sessenta centímetros) chegou até Taubaté, que ficou

sendo o ponto de baldeação em lugar de Cachoeira Paulista. Somente em

1908 a unificação completou toda a rota até S. Paulo.

Através da imagem do folheto da estrada de ferro, a seguir, pode-

mos verificar o tempo de percurso entre as paradas no trecho paulista, e

também o horário final de chegada ao Rio de Janeiro. Da saída em São

Paulo até Cachoeira Paulista, o tempo projetado era de cerca de seis horas,

enquanto o percurso de Cachoeira até a Corte, no Rio de Janeiro, era de

aproximadamente sete horas, dando um total no trajeto completo de treze

horas.

Horário dos trens da Estrada de Ferro de S. Paulo e Rio de Janeiro.

Postagem de Adriano Araújo no Facebook.

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O Sol da Manhã...

TAUBATÉ NO FINAL DO SÉCULO XIX

Em uma primeira avaliação, Taubaté, no último quartel do século

dezenove, apresentava-se, pelos números encontrados nas estatísticas ofi-

ciais do Império, como uma rica e próspera região, com economia forte

na plantação de café, tornando-a uma das principais cidades do interior

paulista. No auge da produção cafeeira, chegou a ter a quarta maior renda

do estado, perdendo somente para a capital São Paulo, Campinas e San-

tos. Renda essa que estava extremamente mal distribuída, pela concentra-

ção da riqueza com os poucos proprietários dos cafezais e uma população

que, pelos censos da época, tinha cerca de 20% de escravos em vias de

serem libertados, totalmente sem recursos.

A análise da situação de Taubaté, no contexto do final do século XIX,

não é uma tarefa fácil, pois, apesar de ser um dos Municípios que produzia

maior volume de café, ao mesmo tempo apresentava evidentes sinais de

declínio. O escritor Monteiro Lobato chegou a inscrevê-la como uma das

“Cidades Mortas” do Vale do Paraíba. Essa ambiguidade explica-se pela

separação entre as grandes unidades fazendárias e os núcleos urbanos

com simples funções administrativas, festivas e protocolares, sem eficien-

tes unidades produtivas capazes de substituir economicamente o declínio

dos cafezais.

Apesar disso, Taubaté dispunha de iluminação a gás de xisto betu-

minoso, e até linhas de bondes. A Companhia de Gás e Óleos Minerais,

instalada na cidade, produzia o gás a partir das jazidas de xisto betumino-

so existentes em Tremembé e o distribuía através de uma extensa rede de

canos instalada na cidade.

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A Companhia de Gás e Óleos Minerais — o popular gasômetro.

Acervo do MISTAU.

Um total de cento e sessenta e nove postes iluminavam as principais

ruas da cidade, além da iluminação das residências. Essa empresa, criada

em 1883, iniciou suas operações em 1884 e permaneceu em funciona-

mento até 1913, quando a energia elétrica ficou disponível.

Seu proprietário era José Francisco Monteiro (1830-1911), Visconde

de Tremembé, personagem de grande relevo na história da cidade. Ele

também era um dos acionistas da Companhia de Bondes a Vapor que fa-

zia o transporte de passageiros e principalmente o de xisto betuminoso de

seu local de extração em Tremembé para a sua utilização na Companhia

de Gás em Taubaté.

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A tradicional Rua das Palmeiras, hoje a Rua Conselheiro Moreira de Barros

— década de 1880, com um dos postes a gás à esquerda e os trilhos da

empresa de bondes. Acervo do MISTAU.

A companhia de bondes de Taubaté, em 1890, usava carros puxados

por animais, sobre trilhos colocados em diversas ruas da cidade. Saía da

Praça da Estação, indo pela Rua das Palmeiras até chegar à Praça Dom

Epaminondas. Seguia então pela Rua Duque de Caxias e outras até chegar

ao Largo do Mercado, de onde dirigia-se para o Largo do Rosário e, seguin-

do pela Rua Doutor Emilio Winther, ia até o Largo do Bom Conselho, onde

fazia seu retorno.

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O transporte com bondes sobre trilhos puxados por animais.

Imagem postada por Carlos Gouvêa no site Taubaté das Antigas.

Taubaté também foi precursora em telefonia, havendo registros nos

anais públicos da cidade desde 1884, poucos anos após Dom Pedro II ter

encontrado e prestigiado Graham Bell, na grande Philadelphia Centennial

Exposition, realizada no ano de 1876. Naquele ano foi autorizada a ins-

talação de uma linha particular entre Taubaté e São Luís do Paraitinga, e

também um serviço público de telefonia na cidade. Em 1893 foi instalado

o Serviço Municipal de Telefones Automáticos, iniciativa de Joviano No-

gueira Barbosa e Arthur Nogueira Barbosa, através da empresa Barbosa

& Barbosa. Tinha no início somente oito linhas dos seguintes usuários:

Joviano Barbosa, Convento de Santa Clara, Hospital Santa Isabel, Catedral,

Coronel José Benedito Marcondes de Mattos, Doutor Aristides Monteiro e

dois outros, cujos nomes perderam-se no tempo. Com a vinda para Tauba-

té da C.T.B. — Companhia Telefônica Brasileira — em 1917, a iniciativa

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dos Barbosa foi por ela absorvida, passando a ter nesse momento vinte

usuários.Em 1881 entrou em funcionamento a Companhia Norte Paulista

de Águas e Esgotos, do engenheiro Fernando de Mattos e de Luís Itálico Bocco. Nesse sistema, além do atendimento a residências, havia a dis-tribuição de água para a população através de chafarizes em seis pontos da cidade. Alguns deles tinham uma adaptação permitindo a lavagem de roupas pelo povo.

O café, entretanto, estava passando por uma mudança radical. O seu plantio e beneficiamento eram feitos de forma intensa e continua, sem nenhuma tecnologia agrícola, por exemplo, nenhuma forma de adu-bo era utilizada e o plantio era em linha reta, em direção ao topo dos morros, e não em curvas de nível. Dessa forma, os grandes fazendeiros estavam exaurindo os terrenos do Vale do Paraíba. Por isso os investidores e cafeicultores estavam buscando novas terras, movimentando-se na dire-ção oeste, para os lados de Campinas, Ribeirão Preto e mais além.

A presença crescente dos imigrantes, contando com novas práticas de cultivo agrícola, colocava em questão a necessidade de escravos que, além de custosos, fugiam, rebelavam-se e passavam a ser protegidos por leis que zelariam por sua condição. Em nível local há registros de que, em 1890, um pouco mais de uma centena de famílias de italianos — com cer-ca de quatrocentas pessoas — vieram para Taubaté. Eles estabeleceram-se na colônia localizada numa fazenda, na área onde hoje é o distrito de Qui-ririm. Esses colonos concentraram-se na produção de arroz de várzeas, já que o terreno em que estavam era rotineiramente alagado pelas águas do Rio Paraíba e do Rio Quiririm, seu afluente. Também nesse terreno, alguns imigrantes perceberam a oportunidade de coletar a matéria para produzir tijolos, e estabeleceram-se com olarias, fornecendo telhas e tijolos para as diversas construções de Taubaté.

Um aparte importante diz respeito ao transporte da produção do Vale do Paraíba e do sul de Minas Gerais. No período áureo da produção do café vale-paraibano, mais ou menos entre 1840 e 1875, a safra era trans-portada para os portos exportadores por tropas de mulas — os tropeiros com seus grandes cestos de cada lado dos animais.

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Monumento ao Tropeiro, Lapa, Paraná. Por Deyvid Aleksandr Raffo Setti em

domínio público via Wikimedia Commons.

Assim a produção da região descia a Serra do Mar em direção de

Ubatuba, o mais próximo porto disponível, pelas velhas trilhas de índios

que ficavam, na época do transporte da safra, bem congestionadas. Uba-

tuba era, nesse período, uma das mais importantes referências da região,

exportando a produção não só do café, mas também do algodão, do fumo

e da cana de açúcar, e importando os bens necessários para a população.

Um bom exemplo da prosperidade e riqueza de Ubatuba, naquele tempo,

ainda hoje existente, é o Sobradão do Porto, construído pelo rico comer-

ciante, fazendeiro e armador português Manoel Balthasar da Cunha Fortes

(1791-1874), no ano de 1846.

O panorama mudou substancialmente com a chegada, em

1875/1877, da ferrovia no Vale. Com isso, Ubatuba perdeu essa condição

de porto de preferência, que passaram a ser o porto de Santos do lado

paulista e o porto do Rio de Janeiro do lado fluminense. Ubatuba entrou

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numa depressão econômica intensa. Ao final do século, vislumbrou-se

uma alternativa para alterar de forma significativa o contexto econômico

da região vale-paraibana e de Ubatuba.

A FERROVIA DE UBATUBA E O BANCO POPULAR DE TAUBATÉ

Tanto assim que, em setembro de 1890, foi organizada uma compa-

nhia, a Estrada de Ferro Norte de São Paulo, para melhorar o transporte da

safra de Taubaté que, em lugar da longa viagem para Santos, poderia ir, e

em menor tempo, para Ubatuba, que assim voltaria a ser uma alternativa

portuária entre Santos e o Rio de Janeiro. Em seu planejamento, essa fer-

rovia continuaria na direção de Minas Gerais, chegando até Paraisópolis.

Lembremos que não havia, até então, estrada de rodagem entre Rio e São

Paulo. Na época, o transporte no Brasil era feito em caminhos de carroças

e em trilhas de cavalos ou tropas de burros de carga. Somente em 1860

foi construída a primeira estrada de rodagem digna desse nome, ainda

que de terra batida sobre leito de pedras britadas, entre o Rio de Janeiro e

Juiz de Fora, em Minas Gerais. Foi inaugurada por Dom Pedro II, em 23 de

junho de 1861, e tinha cento e quarenta e quatro quilômetros.

Entre Rio e São Paulo somente tivemos a primeira estrada comple-

tada em 1928, também de terra batida sobre brita; era a antiga Rio — São

Paulo. Uma nova estrada entre as duas capitais, com um novo traçado, asfal-

tada, foi inaugurada em 1951. Ela foi denominada rodovia Presidente Dutra

e reduziu o percurso entre as duas cidades em cento e onze quilômetros.

Para ter-se ideia da dificuldade de transporte, encontramos no site www.

motoonline.com.br, anotações de que, em 1908, um motorista conseguiu

ir do Rio a São Paulo, em um veículo a motor, daquela época, seguindo os

caminhos das carroças e das tropas de burros, em cerca de oitocentas e

setenta e seis horas. Em 1928, com a antiga Rio — São Paulo, o tempo de

viagem caiu para dez horas, em média e, com a chegada da nova estrada, a

Rodovia Presidente Dutra, em 1951, o tempo foi reduzido para seis...

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A almejada ferrovia para Ubatuba teve sua primeira diretoria sob a

Presidência do Conselheiro João Alfredo Côrrea de Oliveira; os diretores

foram: Jerônimo Roberto Mesquita, o Barão de Mesquita, Doutor Honório

Augusto Ribeiro e os engenheiros ingleses Horace Boardman Cox e Ro-

bert Normathon. Esses empresários planejavam trazer capital Inglês para

essa obra, porém acabaram por transferir o projeto para dois taubateanos,

Francisco Moura Escobar e Victoriano Marcondes Varella, que fizeram a

incorporação da empresa e associaram-na ao Banco Popular de Taubaté,

criado para o levantamento de capital para a ferrovia. Tais empreendedo-

res conseguiram um suporte financeiro importante do governo imperial,

através do Decreto nº 10.150, de 5 de janeiro de 1889, que deu garantia

de juros de 6% ao ano para quem investisse na ferrovia.

As obras começaram tanto em Ubatuba quanto em Taubaté, com tri-

lhos sendo lançados a partir do local onde hoje é a Praça Felix Guisard, em

direção a Ubatuba, passando pelos bairros do Cataguá, Registro e a fazenda

Fortaleza. A construção avançou por cerca de três anos, quando, com o

fim do Império, a nascente República, reorganizando a economia nacional,

cortou os subsídios dados para a Companhia Estrada de Ferro Norte de São

Paulo — a EFNSP. Essa época da política econômica do Brasil é conhecida

como o Encilhamento, no qual, para proporcionar o desenvolvimento eco-

nômico, o governo central incentivou a tomada de empréstimos, criando

muitos projetos financiados pelos bancos estatais. Sem o devido lastro, seja

em ouro, moeda forte ou aumento no setor produtivo, esse afluxo de finan-

ciamentos acabou por causar, logo no começo da Republica, uma intensa

crise financeira. O Ministro das Finanças, na época, era o famoso Ruy Bar-

bosa. Esse período de intensa euforia financeira, seguido por um verdadeiro

desastre generalizado na economia do país, durou de novembro de 1889 a

julho de 1891. Assim, em agosto de 1893, o Banco Popular de Taubaté, com

sérias dificuldades financeiras, parou de operar absorvido por outro peque-

no Banco de Guaratinguetá. Em sequência, a EFNSP decretou falência. O

Banco Popular de Taubaté foi finalmente liquidado em 1899.

Da estrada de ferro ainda se aproveitaram, nos anos seguintes, os

trilhos já assentados ou deixados nos depósitos da empresa falida. Várias

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pontes e prédios de Ubatuba foram construídos com eles. Foram também

aproveitados em outras ferrovias, que estavam sendo feitas no Brasil, e até

mesmo a C.T.I. utilizou-os para fazer a linha de transmissão elétrica de sua

usina no alto da serra.

A FUNDAÇÃO DA COMPANHIA TAUBATÉ INDUSTRIAL

Sem antever percalços, Felix visualizara em Taubaté uma perspec-

tiva promissora. Sua localização estratégica entre Rio de Janeiro e São

Paulo, dispondo da ferrovia para esses dois grandes centros, uma fonte

de energia advinda do xisto betuminoso, a disponibilidade de grandes

terrenos a preços acessíveis, bem como o apoio de banqueiros e outros

investidores locais, formavam uma combinação de fatores extremamente

atraente. Também não seria desprezível a consideração da disponibilidade

de mão-de-obra barata.

Taubaté nos idos de 1900, vista do Convento. Acervo do MISTAU.

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Assim, em maio de 1891 nasceu a C.T.I. — Companhia Taubaté

Industrial, com capital de quinhentos contos de réis (500:000$000), com

investidores do Rio de Janeiro, empresários de Taubaté e a poupança

da família Guisard. Felix, no capital inicial, detinha 12,84%, sendo que

seus irmãos também participavam: Victor com 0,80%, Jean Baptiste com

0,60%, Marie Nazareth com 0,32%, Eugenio com 0,32% e Theophile

com 0,32, além de sua esposa Jeanne com 0,60% e sua cunhada Marie

Caillaud, irmã de Amelie, com 0,20%. Entre os demais acionistas,

destacavam-se a participação do Banco Popular de Taubaté com 12,20%

e Rodrigo Nascimento de Souza Reis, diretor-presidente desse banco, com

11,20%. O principal acionista era Arthur Ferreira Torres com 20%, um

puro investidor financeiro que logo se afastou do negócio.

O engenheiro Fernando de Mattos (1884-1931), que construiu os

primeiros imóveis da fábrica, recebeu o pagamento dessa obra em ações

da empresa. Sobre Fernando de Mattos, sobrinho do Visconde de Tre-

membé, há que se adicionar que era engenheiro formado pela École Cen-

trale des Arts et Manufactures, atual École Centrale de Paris; foi também

responsável pelo Serviço de Abastecimento de Água e pela Rede Coletora

de Esgotos da cidade, além da construção do primeiro estádio de futebol

do Esporte Clube Taubaté, em 1915. Por outro lado, os tijolos para a pri-

meira fábrica, e também para sua expansão, foram fornecidos pela Olaria

Zanini, pertencente a um dos colonos italianos de Quiririm.

A primeira diretoria da C.T.I. ficou então constituída por três exe-

cutivos: o Dr. Rodrigo Nazareth de Souza Reis, maior acionista da em-

presa, nomeado Presidente; Felix Guisard designado Diretor Gerente,

responsável por toda a operação da empresa, e tendo como Diretor Co-

mercial encarregado das vendas da nascente indústria, o Sr. Waldemar

Bertelsen, amigo de Felix e também acionista com 12% das ações. Ber-

telsen, de origem dinamarquesa, era apropriadamente um experiente

comerciante de tecidos no Rio de Janeiro.

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Primeira Diretoria da C.T.I. em 1891. Acervo de Maria Cecília.

Podemos estimar qual seria, a preços de hoje, o valor do capital

inicial da C.T.I. Devemos, porém, ressalvar que o cálculo do valor atual de

uma quantia mensurada numa moeda antiga é uma tarefa extremamente

difícil, e não tem uma única solução. A correção histórica pode ser feita

tomando por base diversas unidades econômicas, como a inflação de um

pacote de bens, ou do poder aquisitivo da população, ou até uma avalia-

ção do Produto Nacional Bruto.

Utilizando dados do site www.ocaixa.com.br para converter as quan-

tias de mil réis para dólares e, em seguida, baseando-nos no site www.me-

asuringworth.com para adicionar a inflação do próprio dólar e escolhendo,

entre as diversas alternativas de correção, a variação do CPI — Consumer

Price Index, chegamos ao valor equivalente do capital inicial desse empre-

endimento, nos dias atuais, a cerca de quatro milhões de dólares. Para dar

uma ideia da incerteza envolvendo esses cálculos, se utilizássemos a va-

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riação do preço do ouro, o valor passaria para cerca de dezoito milhões de

dólares... A parcela da família Guisard, 16%, considerando o cálculo pelo

CPI era, portanto, de aproximadamente seiscentos e cinquenta mil dólares.

OS IRMÃOS DE FELIX

Nesse ponto de nossa história cabe refletir sobre os irmãos de Felix,

que participavam do capital inicial da C.T.I. Fora Marie e Emile, que falece-

ram ainda infantes, cinco eram os demais filhos de Louis Felix e Amelie,

além do primogênito Felix. Quatro homens e uma mulher.

Jean Baptiste nasceu em Diamantina, em 1868, e faleceu em Tauba-

té, em 1927. Ele casou-se com Alcina de Oliveira, de Magé, e tiveram três

filhos: Lafayette (1895-1934), Victor, chamado carinhosamente de Vitão

(1900-1939) e Lucy (1907-1946). Agradeço a sua neta, Sonia Guisard, pe-

las informações. Lembro com carinho de tia Zizinha, Luzia Rabello Gui-

sard, esposa de Vitão, que conheci no Grupo Escolar da C.T.I. e do qual

falaremos mais adiante. Vitão era um grande companheiro de meus tios

Oswaldo e Victor quando jovens.

Jean Baptiste e sua esposa Alcina. Acervo de Sonia Guisard.

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De todos os irmãos de Felix, aquele do qual menos temos infor-

mações é Victor. Nascido em Diamantina, em 1870, ele morreu muito

jovem, em 1896, com apenas vinte e seis anos, ao que se sabe de febre

amarela, contraída no município de Magé, no estado do Rio de Janeiro.

Isso aconteceu logo após a criação da C.T.I., portanto pouco conviveu com

o seu desenvolvimento. De seu casamento com Eugenia, nasceram Victor,

Aracy e Genny.

Victor Guisard (1870-1896).

Acervo de Maria Cecília.

A única filha viva de Louis Felix, na época da formação da C.T.I.,

era Marie Nazareth que não foi para Taubaté quando da mudança da fa-

mília. Nascida também em Diamantina, em 1872, ela casou-se, no Rio

de Janeiro, com Virgílio de Souza Aguiar, que trabalhava na tecelagem de

Pau Grande e fixou residência na capital federal, onde faleceu em 1932.

Consta que Virgílio também teve uma tecelagem, na cidade de Petrópolis.

Tiveram quatro filhos: Carlos, Blondine, Clotilde e Carmem.

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Marie Nazareth com 3 de seus filhos: Carlos, Blondine e Clotilde. Sua quarta

filha, Carmem, faleceu com 25 anos. Imagem enviada por Eduardo Guisard

Aguiar, meu primo, bisneto de Marie Nazareth.

Interessante registrar que Amelie, já viúva de Louis Felix, casou-se

novamente, em Magé, no ano de 1903, com o irmão de Virgílio, marido

de Marie Nazareth. Seu nome era João de Souza Aguiar e faleceu pouco

tempo após o casamento. Não bastasse esse episódio de casamento em

família, temos também o fato de que Carlos Souza Aguiar, filho de Marie

Nazareth, casou-se com sua prima Hilda, a filha caçula de Felix. Carlos e

Hilda acabaram por se separar, tendo Carlos ficado em São Paulo, onde

cuidava do setor comercial da C.T.I., enquanto que Hilda fixou residência

no Rio de Janeiro.

Theophile, nascido em 1874, casou-se com Amélia Pereira Lopes e tiveram seis filhos. Graças a Angela Brun, sua bisneta, temos algumas

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excelentes imagens de Theophile, com o comentário de que ele era extre-

mamente benquisto por todos que o conheciam, tendo sido o padrinho de

inúmeros filhos e filhas de amigos e colegas de trabalho. Meu avô Eugenio

considerava-o uma ótima pessoa e prezava imensamente sua amizade.

Theophile era o Mestre Geral das fábricas da C.T.I. e faleceu em Taubaté,

em 1941.

A família de Theophile Albert Guisard, na década de 1920, recebendo um

dos sócios ingleses da C.T.I. Acervo Angela Brun.

Na imagem acima estão, sentados, Theophile e sua esposa Amélia,

o convidado e sua filha mais nova, Amelinha. Em pé os demais filhos:

Rodolpho, Maria Augusta, Maria Adélia, Julieta e Teófilo Filho.

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José Eugenio Guisard Ferraz

Aqui vemos Theophile no centro da imagem, numa das seções da C.T.I.

Acervo Angela Brun.

O irmão caçula, Eugenio, nascido em 1878, tem um papel de des-

taque em nossa história, assim ele terá uma participação realçada em

momento apropriado de nossa narrativa.

O INÍCIO DA COMPANHIA TAUBATÉ INDUSTRIAL

A primeira fábrica da C.T.I. foi construída num terreno bem no fi-

nal da Rua Quatro de Março, perto da estrada de ferro, para abrigar uma

tecelagem de meias e camisetas de algodão. Na primeira etapa, a C.T.I.

importava o fio de algodão vindo da Inglaterra, com o qual fazia os teci-

dos nos seus teares e transformava-os em meias e camisas. O trabalho de

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construção do prédio e o recrutamento e treinamento dos empregados

levou um bom tempo, assim a produção só começou efetivamente em

janeiro de 1893.

A primeira fábrica da C.T.I. na Rua Quatro de Março. Acervo do MISTAU,

publicado em História de Taubaté através de Textos de A. C. A. Andrade e

M. M. Abreu. Prefeitura Municipal de Taubaté.

A Rua Quatro de Março, na época um local distante do centro da

cidade, foi assim nomeada para marcar a data em que Taubaté declarou

extinta a prática da escravatura no município, adiantando-se, por alguns

meses, à proclamação da Princesa Isabel que aboliu a escravidão no Bra-

sil, em 13 de maio de 1888. Registramos que, no censo realizado em

1872, a população de escravos da cidade era de aproximadamente quatro

mil indivíduos, praticamente um quinto da população. Essa mesma rua

tinha em seu início um cemitério, o da Santa Cruz, e algumas poucas

casas do lado direito de quem vai do cemitério para os lados da estrada

de ferro, que passa em seu final. Do lado esquerdo, depois do cemitério,

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havia algumas chácaras, onde se estabeleceu o velódromo da cidade. O

ciclismo foi um popular esporte naquela época. A grande área interna do

velódromo era aproveitada para a prática de futebol, que estava chegando

à cidade. Era a sede do Clube Sportivo Taubateense, fundado em 1904, um

dos primeiros clubes dedicados ao futebol no Brasil.

OS PRIMEIROS PASSOS DA MONTAGEM DA FÁBRICA

Felix adquiriu uma enorme área, de vinte e cinco alqueires, indo da

estrada de ferro, na altura da Rua Quatro de Março, até onde hoje temos

o bairro da Independência. Podemos visualizar uma área quase retangular,

formada pela Rua Quatro de Março de um lado e a atual Avenida Itália do

outro, limitada ao norte pela estrada de ferro, a antiga Estrada de Ferro

Central do Brasil e, ao sul, pelas atuais Avenida Independência e Rua Doutor

Emilio Winther. Pelo traçado previsto para a ferrovia para Ubatuba, ela pas-

saria por esse terreno, sendo que a estação principal ficaria no local onde

hoje está a Praça Felix Guisard. Felix separou uma parte do terreno para

a expansão da fábrica e, no restante, ele fez sua residência e plantou um

grande laranjal. A plantação acabou por torná-lo um dos maiores produtores

dessa fruta no estado de São Paulo, tendo inclusive grande participação nas

associações de classe. Essa diversificação de atividades deu-lhe, certamente,

uma vantagem econômica, quando a fábrica passou por dificuldades.

A C.T.I. conseguiu prosperar apesar dos acidentes de percurso. Uma

primeira grande crise aconteceu logo no início da produção, entre 1893

e 1895, consequência do caos econômico provocado pelo Encilhamento.

Por uma política financeira infeliz, conduzida pelo ministro da fazenda,

Ruy Barbosa, o país teve sua moeda fortemente desvalorizada, o que redu-

ziu o nível da economia, encarecendo todos os artigos importados, entre

eles o precioso fio de algodão, matéria prima da C.T.I.

Para superar a crise, o caminho escolhido foi o de investir em

máquinas, para fazer na própria fábrica todo o processo de fiação, utili-

zando o algodão bruto produzido aqui mesmo no Brasil — como se diz

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em economia, uma verticalização da atividade. Um grande empréstimo

foi conseguido com o Banco do Brasil (R$ 160.000:000) permitindo que

a C.T.I. importasse as máquinas que foram compradas na Inglaterra —

cardas, passadeiras, maçaroqueiras, fiandeiras, etc. Novos prédios foram

construídos para abrigar essa atividade.

No início de 1897 a firma Joseph Levy et Frères, do Rio de Janeiro,

passou a distribuir a produção da fábrica, com ótimos resultados. Com

cento e setenta empregados, a C.T.I. produzia cem dúzias de camisas por

dia. O desenvolvimento da empresa avançou, mas não sem percalços, e

dos grandes. Um incêndio de enormes proporções, em março de 1898,

quase levou a jovem empresa à bancarrota. Uma catástrofe da qual Felix

Guisard só escapou com a ajuda prestimosa de Dom José, vigário colado

de Taubaté — mais uma vez o relacionamento com a Igreja Católica vem

em seu auxílio. Explica-se: ao saber do ocorrido e preocupado com o gran-

de número de empregados da C.T.I. que perderiam seus empregos, o vi-

gário de Taubaté, Dom José Pereira da Silva Barros (1835-1898) chamou-o

para uma conversa.

Monsenhor Silva Barros.

Acervo do MISTAU.

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Dom José, fundador do Colégio do Bom Conselho, um dos mais

ilustres filhos de Taubaté, tornou-se bispo de Olinda entre 1881 e 1891, e

bispo do Rio de Janeiro de 1891 a 1893. Foi também nomeado Camarei-

ro do Papa Pio IX e, por breve período, foi arcebispo de Dámis, no Egito

(1893). Por ocasião da assinatura da Lei Áurea, foi agraciado por Dom Pe-

dro II e pela Princesa Isabel com o título de Conde de Santo Agostinho, um

dos pouquíssimos clérigos que foram prestigiados com títulos de nobreza.

Dom José detinha elevado prestígio na casa imperial de Dom Pedro II e da

princesa Isabel, tendo sido seu Capelão-Mor e Conselheiro.

Dom José, depois de ouvir de Felix que o principal problema era

o pagamento do grande empréstimo que tinha com o Banco do Brasil,

decidiu escrever um cartão de apresentação para o Ministro da Fazenda

da época, Bernardino de Campos, pedindo sua ajuda. Felix viajou ime-

diatamente para a capital federal, onde foi recebido pelo ministro no dia

seguinte e encaminhado ao Presidente do Banco do Brasil, Affonso Pen-

na que, depois de ouvir seu relato, atendeu seu pleito autorizando uma

postergação, por dois anos, das parcelas da dívida da C.T.I. com o banco.

Além disso, Affonso Penna encaminhou-o para um setor do Banco que

estava encarregado da liquidação de uma tecelagem, recentemente falida,

onde Felix conseguiu comprar várias máquinas e equipamentos, neces-

sários para reestabelecer a operação da C.T.I., por um preço realmente

baixo. Affonso Augusto Moreira Penna viria a ser Presidente da República

no período de 1906 a 1909.

A PARTICIPAÇÃO DOS INGLESES NO CAPITAL DA C.T.I.

De qualquer modo, a turbulência econômica e administrativa ainda

não tinha passado, pois logo no ano seguinte, 1899, a dívida da empresa

chegou a níveis não mais administráveis nos modos convencionais. A so-

lução dessa vez veio dos ingleses, que propuseram um grande aumento

de capital da empresa. Após negociações, a dívida com os ingleses forne-

cedores de fios de algodão e de maquinário, no valor de R$ 200.000:000

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foi transformada em ações, fazendo com que o grupo inglês se tornasse

o sócio majoritário, com 50% do capital social e outros privilégios na

administração da companhia. Na época, a firma franco-brasileira de dis-

tribuição foi trocada pela Edward Ashworth & Co., de capital inglês com

uma filial no Rio de Janeiro.

Felizmente, nesse mesmo ano de 1899, a C.T.I. conquistou uma

grande vitória, ao ganhar a concorrência para o fornecimento de camisas

para a Marinha Brasileira. E as coisas tranquilizaram-se. A empresa am-

pliou primeiramente a fiação, em 1902, e a tecelagem em 1903, quando

começou a produzir o morim Ave Maria e toalhas felpudas. Foram mais

duzentos e vinte e quatro teares funcionando na fábrica.

Em 1906, aconteceu em Taubaté a assinatura do Convênio do Café,

um acordo feito pelos governadores dos estados do Rio de Janeiro, São

Paulo e Minas Gerais, com o objetivo de controlar o volume de produção e

o preço desse produto. Para isso os Governos desses estados compraram

café suficiente para montar estoques reguladores, o que exigiu alto volu-

me de recursos públicos onerando sobremaneira as finanças estaduais.

Com isso a economia nacional tomou mais um impulso e também a C.T.I.

A demanda pelos seus produtos cresceu e, em 1910, o representante da

Edward Ashworth & Co., Senhor George Herbert Craig propôs uma nova

ampliação, também suportada por mais uma injeção de capital inglês, o

que elevou a participação dos ingleses no capital social para 70%. Essa

ampliação transformou a C.T.I., que passou de uma área de 3.000 m² para

8.000 m². A C.T.I. tinha então mais de mil teares, chegando a seiscentos

empregados. Isso permitiu, sob orientação dos ingleses, a produção de

cretones e lençóis — os famosos lençóis Canário — logo em 1912. Infe-

lizmente, essa nova fase não foi vista por um dos fundadores, Rodrigo

Nazareth de Souza Reis, que faleceu no ano anterior. Nesse período, o

inglês George H. Craig passou a participar da diretoria, assumindo a Presi-

dência, após a morte de Rodrigo Reis. A nova fábrica, para o cretone e os

lençóis, contava com oitocentos e sessenta e oito teares. O total de teares

em 1913/1914 era de mil e noventa e duas unidades.

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Etiqueta do Morim Ave Maria.

Acervo Maria Cecília.

Propaganda do Lençol Canário.

Em jornal da época.

A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL

A Primeira Guerra Mundial, entre 1914 e 1918, do ponto de vista

econômico, pouco prejudicou a empresa, pois já estava saneada finan-

ceiramente e independente de importações. Pelo contrário, ela expandiu

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suas vendas e prosperou. Seu faturamento anual bateu recordes. Mais em-

pregados foram contratados e o problema maior passou a ser o da falta de

energia elétrica, a fim de mover máquinas e teares, energia elétrica que

chegara em Taubaté em 1913 e logo se mostrou insuficiente para atender

toda a demanda da população e das indústrias da cidade.

Lembremos que, nessa guerra, a participação do Brasil foi muito

pequena. Alguns poucos barcos foram avariados, quando transportavam

carga em mares da Europa; apesar da declaração de guerra decidida pelo

Presidente Venceslau Brás, em 26 de outubro de 1917, a pequena frota

de combatentes, com sete ou oito navios, só chegou ao palco principal

dos combates a poucos dias da declaração de paz. A maior parte dos óbi-

tos foi em consequência da gripe espanhola que atacou a tripulação, na

sua parada em Dacar, na África, e de alguns outros acidentes fortuitos.

Essa doença, que também chegou a Taubaté em 1918, causou um eleva-

do número de mortos na cidade, incluindo uma parcela de empregados

da C.T.I. Consciente da sua responsabilidade, Felix implementou uma

força-tarefa na empresa, com farmacêuticos e enfermeiras que com-

batessem essa moléstia, conseguindo excelentes resultados e salvando

muitas vidas.

Logo a seguir, o empreendedorismo de Felix Guisard novamen-

te apareceu com seu pleno potencial, continuando com o processo de

verticalização da C.T.I., ao projetar e construir uma usina própria para

geração de energia elétrica, no Rio das Pedras, que foi inaugurada em

Redenção da Serra, em 1927. O grande atraso na execução do projeto

foi por conta dos fornecedores do maquinário da usina, a empresa ale-

mã Siemens que, em decorrência da guerra, teve a sua produção pre-

judicada por longos anos. Nesse ano, 1927, a C.T.I. contava com mil e

setecentos operários e, além de suprir a energia para eles trabalharem, a

usina forneceu energia elétrica, por mais vinte e cinco anos, para as ci-

dades vizinhas de Natividade da Serra, Redenção, São Luís do Paraitinga

e Ubatuba. No local hoje encontra-se uma enorme represa da Compa-

nhia Energética de São Paulo — CESP.

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Usina Felix Guisard. Imagem do acervo de Maria Cecília.

Foi também instalada, nas dependências da C.T.I. em Taubaté, um

grupo motor-gerador a diesel de alta potência, para garantir a contínua

operação dos seus teares, mesmo em caso de falha na usina. E, assim, a

empresa continuou sua jornada, compartilhando o trabalho de Felix Gui-

sard com os demais habitantes da cidade, já que ele foi eleito e Prefeito

de Taubaté e administrou o município de 21 de janeiro de 1926 a 18 de

setembro de 1930, derrotando o continuado domínio da família Oliveira

Costa, contrapondo, ao domínio dos herdeiros da riqueza do café, a

esperança dos benefícios advindos da industrialização na cidade. Um de

seus primeiros atos foi abdicar de sua remuneração como prefeito, que foi

direcionada para a manutenção do Asilo de Mendigos. Após um governo

pleno de realizações no município, deixou o posto maior da cidade com a

chegada de Getúlio Vargas ao poder que, em seus primeiros atos, destituiu

os governantes eleitos em todas as administrações públicas do país, em

todos os níveis, substituindo-os por interventores.

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A CHEGADA DE GETÚLIO VARGAS AO PODER

No longo período entre 1889 e 1929, o Brasil passou pelo início

claudicante da Republica. Um fato importante, e que deu uma certa

estabilidade, foi o acordo elaborado pelos líderes políticos de Minas

Gerais e de São Paulo, em 1898, e que foi chamado de “política do café

com leite”, através do qual os Presidentes da República alternavam-se

entre representantes de São Paulo e de Minas Gerais. Em 1926, um

fato relevante foi o surgimento de Getúlio Vargas no cenário nacional,

primeiramente como Deputado Federal pelo Rio Grande do Sul e, logo

a seguir, como Ministro da Fazenda do Presidente Washington Luiz.

Cargo que, pouco depois, trocou pelo de Presidente do estado do Rio

Grande do Sul.

Mais uma vez, em 1930, a política passou por uma fase conturbada.

O indicado por Washington Luiz para concorrer à Presidência da Repúbli-

ca foi Júlio Prestes, Presidente do estado de São Paulo, numa continuação

da “política do café com leite”, indicação muito contestada pelos políticos

mineiros, que afirmavam ser a vez de um candidato de seu estado. Contra

essa candidatura foi formada a Aliança Liberal com políticos do Rio Gran-

de do Sul, Paraíba e os dissidentes de Minas Gerais. Eles lançaram Getúlio

Vargas, então Governador do Rio Grande do Sul, e João Pessoa Cavalcante

de Albuquerque (1878-1930), o Governador da Paraíba, candidatos a Pre-

sidente e Vice-Presidente, respectivamente. João Pessoa era sobrinho do

ex-Presidente da República, Epitácio Pessoa, e mantinha elevado prestígio

no mundo político.

Na eleição que ocorreu em primeiro de março de 1930, sendo

que a votação não era secreta e abrangia como eleitores somente cinco

por cento da população, sob acusações mútuas de fraudes, venceu Júlio

Prestes, obtendo pouco mais de um milhão de votos, com Getúlio Var-

gas tendo um pouco menos de setecentos mil votos. A transferência de

presidência, entretanto, prevista para 15 de novembro desse ano, não

aconteceu, devido a intensas manobras políticas e militares. Em julho

aconteceu o assassinato de João Pessoa, e em outubro desse mesmo

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ano, uma revolução teve início efetivo e a oposição assumiu o controle

do governo federal com o apoio dos militares.

Os protagonistas da crise de 1930. Getúlio Vargas, Washington Luiz e Júlio

Prestes. Por Governo do Brasil (Galeria de Presidentes) e Agência Estado

(Domínio Público) via Wikimedia Commons.

Demonstrando a tomada do poder de forma simbólica, as forças re-

volucionárias, vindas do Rio Grande do Sul, ao chegarem no Rio de Janei-

ro, amarraram seus cavalos no Obelisco existente na Avenida Rio Branco.

Em decorrência dessa revolta, em novembro de 1930 tivemos a deposição

de Washington Luiz e a dissolução do Congresso Nacional, das Assem-

bleias Estaduais e das Câmaras Municipais em todo o País. Interventores

foram nomeados em todas as instâncias e Getúlio Vargas assumiu a Pre-

sidência do País. Nesse período também, no lado econômico, tivemos a

chegada ao Brasil das consequências da grande queda da bolsa de valores

de Wall Street em Nova York, causando, num efeito dominó, a quebra de

um grande número de empresas em todo o mundo, e que teve uma im-

portante repercussão na administração da C.T.I.

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Jornais brasileiros reportaram a queda e o pânico da bolsa em Nova York.

A Gazeta de São Paulo de 25 de outubro de 1929.

A TRAJETÓRIA DO JOVEM EUGENIO

O jovem Eugenio, que na fundação da C.T.I. tinha treze anos, iniciou

sua formação técnica na própria fábrica da família, onde praticamente

todos os parentes trabalhavam. Theophile era mestre de fábrica, cuidando

de todos os equipamentos de produção; Jean Baptiste cuidava da seleção

e pesquisa de matéria-prima e outros insumos; Eugenio inicialmente tra-

balhou nos escritórios da empresa, ao lado de Felix e, depois, sendo muito

chegado aos tios Theophile e Jean Baptiste, mostrou-se também extrema-

mente interessado na montagem e na manutenção das diversas máquinas

encontradas nas linhas de produção.

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Como era comum naquela época, trabalhar era uma atividade que

se fazia desde criança e, na C.T.I. não era diferente. Talvez um terço dos

seus empregados fossem menores de idade. Como exemplo, temos os

dados de quando a fábrica tinha duzentos e oito empregados, por volta de

1908, dos quais vinte e dois eram homens, sessenta e nove eram crian-

ças e cento e dezessete eram mulheres. Junto com a formação técnica na

C.T.I., Eugenio frequentou, em Taubaté, o Colégio Americano, do pastor

Mr. Kennedy, onde foi contemporâneo de Monteiro Lobato (1882-1948),

neto do Visconde de Tremembé. Entre ambos encontramos como traço

comum o espírito irrequieto e a disposição para enfrentar a ordem estabe-

lecida, sem medo de iniciar um dialético debate. Depois de algum tempo,

já com dezoito anos, foi mandado para a Europa, a fim de aprender as

novas técnicas de montagem e o uso e manutenção de máquinas de tece-

lagem, passando algum tempo em Lisboa, em 1896.

O jovem Eugenio na época de sua

viagem à Europa.

Acervo da família.

Moço, ativo, na Europa Eugenio viu, por algum tempo, a família per-

der seu contato, ficando por longo período sem informações a seu respei-

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to. Depois de meses, amigos brasileiros, em passagem por Paris, enviaram

notícias. Tinham encontrado o jovem Eugenio, nos braços de algumas co-

ristas dos famosos cabarés parisienses, o Folie-Bergère e o Moulin Rouge.

Para dar um cenário adequado do jovem brasileiro em Paris, lembramos

que uma opereta de Offenbach chamada “La Vie Parisienne”, tinha sido

um enorme sucesso nesse final de século dezenove. Sua estreia aconte-

cera em fins de 1866, mas era constantemente reapresentada. Um dos

personagens principais era exatamente um jovem brasileiro, retornando a

Paris, rico e alegre, como dizia a letra de sua canção tema:

“Je suis Brésilien, j’ai de l’or,

Et j’arrive de Rio-Janeire;

Plus riche aujourd’hui que naguère,

Paris, je te reviens encore!”

Numa livre tradução:

“Eu sou Brasileiro, eu tenho ouro,

E estou chegando do Rio de Janeiro;

Mais rico hoje que antigamente,

Paris, eu volto a ti novamente!”

Com ordem de voltar imediatamente ao Brasil, Eugenio prontamen-

te retornou, mas provavelmente muito a contragosto. Essa passagem por

Paris marcou muito sua vida, pois, dizem certas lendas familiares, algumas

de suas filhas e netas ganharam nomes das coristas parisienses. Por ou-

tro lado, conviveu com muitos escritores políticos franceses e certamente

leu-os; na época, os mais expressivos eram notadamente os pensadores

socialistas. Retornando ao trabalho na fábrica, dedicou-se com afinco e

logo se tornou um perito no maquinário fabril.

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Eugenio Guisard em 1900, aos vinte e dois anos de idade,

em imagem de G. Falco. Acervo da família.

A FAMÍLIA NOGUEIRA BARBOSA

Em outubro de 1900, Eugenio casou-se, em Taubaté, com a jovem

Zília de Alcântara Nogueira Barbosa, nascida em 1880, filha do Doutor

Francisco de Paula Pereira Barbosa (1838-1918) e de Iria de Nogueira de

Vasconcellos Barbosa (1848-1916), tradicional família local com uma ca-

racterística importante para a época — eram espíritas praticantes.

Cabe aqui um adendo sobre a família de vovó Zília, os Nogueira Bar-

bosa. Francisco de Paula Pereira Barbosa era advogado formado em 1862,

na prestigiosa Faculdade de Direito de São Paulo; tinha sido Delegado de

Polícia em Campinas e, em seguida, Juiz em Silveiras. Casou-se com Iria

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Nogueira de Vasconcellos Barbosa, de tradicional família de fazendeiros

de Taubaté, no ano de 1865, em cerimônia celebrada pelo vigário da Paró-

quia de São Francisco das Chagas em Taubaté, Dom José Pereira da Silva

Barros, e tiveram, como era costume na época, muitos filhos — quatorze

no total...

Francisco de Paula Pereira Barbosa. Acervo da família.

Para registro aqui estão os nomes de todos eles: Arthur (1867),

Evaristo (1869, que faleceu jovem), Juvênia (1871, que faleceu na

infância), Joviano (1872-1947), Brunhildes (1873-1938), Névio (1875-

1938), Plautila (1877), Licínia (1879-1958), Zília (1880-1949), Zeno

(1882-1955), Átila (1884-1968), Corina (1886-1927), Lavínia (1888-

1975) e Irito (1891-1955). Os primeiros filhos nasceram em Silveiras e

os demais em Taubaté.

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Nessa bela imagem de 16/05/1943 temos alguns dos irmãos Nogueira Barbosa

— Irito, Lavínia, Átila, Zília e Zeno em pé e, sentados, Licínia, Joviano e

Brunhildes (que preferia o apelido de Sinhá). Acervo da família.

OS TEMPOS DE PERSEGUIÇÃO RELIGIOSA

Minha bisavó Iria era uma médium psicógrafa, e meu bisavô Fran-

cisco, além de espírita era também um abolicionista convicto — ambos

sofreram críticas e ataques da tradicional sociedade taubateana por essas

preferências. Juntos conseguiram, pouco a pouco, sobrepujar tais reações

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e passaram a se destacar no ambiente da cidade. Dona Iria teve suas pri-

meiras manifestações de cunho espiritual em Silveiras, por volta de 1865,

como conta nosso tio Jair Borges Barbosa, filho de tio Átila, em interessan-

te relato sobre sua vida. Note-se que, nesse início, as ideias de Hippolyte

Léon Denizard Rivail (1804-1869), natural de Lyon, França, mais conheci-

do pelo pseudônimo de Allan Kardec, bem como os estudos de Madame

Helena Blavatsky (1831-1891) criadora da Teosofia, estavam ainda recém-

-publicadas e não tinham sido amplamente divulgadas no Brasil. Amigos

vindos da Europa trouxeram alguns dos trabalhos de Kardec, que foram

avidamente estudados por Iria e ajudaram-na a entender os eventos que

estava vivendo pessoalmente.

Dona Iria de Alcantara Nogueira Barbosa. Acervo da família.

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Já em Taubaté, sob críticas vindas do alto do púlpito da Igreja Ma-

triz da cidade, Dona Iria passou vários anos sem sair à rua, sem mesmo

aparecer na janela de sua casa. Mas não deixou de lado sua crença no

espiritismo, agora já solidificada pela leitura dos textos de Kardec. Conti-

nuou com suas sessões espíritas todas as sextas-feiras. Meu tio Jair Borges

Barbosa relata também um episódio que abalou a cidade de Taubaté, e

que aconteceu em 1883, quando, na sessão semanal, Dona Iria anunciou

que no domingo seguinte teriam todos uma grande lição. Assim, quando

chegou o dia previsto, pela manhã, reunidos no salão da grande casa da

Rua São José, os espíritos chegaram e todos foram possuídos pela fé e pe-

los fenômenos que a ciência falha em explicar. Crianças levitando, adultos

em profundo transe, móveis movendo-se, o piano tocando sozinho, em

um episódio que perdurou, segundo o relato familiar, por três dias. Foi

quando o alto clero de Taubaté clamou violentamente contra a heresia em

andamento, quase uma guerra santa sendo atiçada por essa afronta. Pes-

soas mais exaltadas chegaram a quebrar a calçada em frente à residência,

com picaretas, para que ninguém passasse diante da casa onde estava o

demônio.

A essa altura dos acontecimentos, o Juiz de Direito da cidade, acio-

nado por cidadãos de índole mais tranquila e menos preconceituosos,

decidiu acionar o Delegado de Polícia, para conter a multidão e levar a

família Barbosa para a Cadeia Pública, onde estariam seguros até que os

ânimos da população fossem acalmados. Quando chegaram ao casarão

dos Barbosa, Dona Nogueira já os esperava na porta e todos foram para

a Cadeia. E lá passaram três dias, porém, como Dona Iria fez questão

de dizer, não como prisioneiros, mas de uma forma voluntária, como

proteção física; tanto foi assim que, segundo o relato de tio Jair, as portas

das celas não foram fechadas; mesmo quando os carcereiros tentaram

trancar os cadeados, eles abriam-se sem que ninguém os tocassem. A

Igreja Católica registra o episódio como um caso de loucura coletiva,

segundo consta em livro do Padre J. Castro Nery. O movimento espírita

brasileiro, por sua vez, a considera uma mártir por ter passado por essa

perseguição.

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Casarão dos Nogueira, na esquina da Rua São José com a Rua do

Sacramento, por volta de 1884. Imagem do acervo da família.

Dona Nogueira, mulher de espírito forte e enormes qualidades afe-

tivas, resistiu a todas essas pressões e acabou por transformar sua grande

casa, no centro da cidade, em um verdadeiro clube comunitário, com um

vasto salão que chegou a abrigar três pianos, e uma atividade social e

musical das mais intensas. Minha bisavó Iria faleceu em 1916, tendo tido

a oportunidade de, em 1903, ser uma das fundadoras do Centro Espírita

União e Caridade, entidade ainda hoje atuando na cidade.

O espiritismo, que teve suas primeiras manifestações nos Estados

Unidos em 1848, e na Europa em 1850, foi sistematizado numa série de

cinco livros escritos por Allan Kardek, em Paris — o primeiro denominado

“O Livro dos Espíritos” de 1857, e os demais vindo a público entre 1861 e

1868. O primeiro trabalho de Kardec traduzido para o português foi um fo-

lheto “O Espiritismo na sua mais simples expressão”, editado em Paris em

1862, posteriormente em São Paulo em 1866. Na Bahia, o Grupo Familiar

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do Espiritismo iniciou a publicação de uma revista “O Écho d’Além Tumu-

lo”, em 1869. Por sua vez a Associação Espírita Brasileira foi fundada em

1873, também na Bahia. Helena Blavatsky, criadora da Teosofia, grande

pesquisadora das crenças esotéricas e defensora da existência de espíri-

tos superiores no universo, publicou seu primeiro livro “Ísis sem Véu” em

1877, nos Estados Unidos.

Logo de início, a crença e seus seguidores no Brasil foram contes-

tados e mesmo atacados pela conservadora sociedade católica. As cartas

pastorais dos bispos e os poderes competentes do Império iniciaram

uma sistemática obstrução das suas reuniões, associações e publicações.

Indo diretamente ao Imperador, Dom Pedro II, os líderes do movimento

espírita conseguiram dele uma atitude tolerante, o que os ajudou a rea-

lizar o primeiro Congresso Espírita em 1881 e a fundação da Federação

Espírita Brasileira em 1884. Entretanto, com a proclamação da Repú-

blica, foi aprovado o primeiro Código Penal do Brasil criminalizando o

Espiritismo. Apesar de um tratamento leniente, esse Código só foi refor-

mado em 1940. A título de curiosidade podemos citar como espírita a

esposa de Monteiro Lobato, Dona Purezinha. Livros e estudos sobre o

espiritismo informam que o Brasil tem em torno de quatro milhões de

seguidores, o que o coloca entre os principais países do mundo onde

essa crença é praticada.

A FUNDAÇÃO DO ESPORTE CLUBE TAUBATÉ

A família Barbosa residiu em outra casa, também no centro da cida-

de, na Rua Visconde do Rio Branco, perto da Rua Jacques Felix. Um dado

curioso sobre essa residência é que, logo após uma divergência interna

no Club Sportivo Taubateense, o primeiro clube de futebol da cidade, um

grupo de dissidentes reuniu-se nesse casarão, em uma iniciativa de Irito

Nogueira Barbosa, que lançou a ideia de fundar um outro clube de futebol

na cidade.

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Casarão dos Barbosa, por volta de 1914, na Rua Visconde do Rio Branco,

perto da Rua Jacques Felix. Imagem no acervo do MISTAU.

Assim, na casa do Doutor Francisco de Paula Pereira Barbosa, em

primeiro de novembro de 1914, reuniram-se cerca de quarenta entusias-

mados torcedores e jogadores de futebol e fizeram a primeira reunião

para a fundação desse novo clube que, por proposta de Synésio Barbosa,

levou o nome de Sport Clube Taubaté, hoje mais conhecido pelo nome de

Esporte, ou o Alviazul “Burro da Central”. Da nossa família participaram

desse evento: Irito, Zeno, Synésio e Bernardino Querido.

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José Eugenio Guisard Ferraz

Nova reunião foi marcada para o dia 14 de novembro desse mesmo

ano, no mesmo local, quando foi realizada, formalmente, a primeira Assem-

bleia Geral para a constituição da nova entidade, ocorrendo também a elei-

ção da sua primeira diretoria. Foi eleito como Presidente Gastão Aldano Vaz

Lobo da Câmara Leal, na época Prefeito de Taubaté, ficando tio Irito como

segundo secretário. Com a habilidade política de Câmara Leal, o objetivo

principal de ter um novo campo de futebol foi alcançado com impressio-

nante rapidez. A inauguração, ainda que de uma forma precária – sem estar

murado – do campo do Esporte na Praça Monsenhor Silva Barros, aconteceu

em 25 de dezembro de 1914, o antigo campo do bosque. Nessa data foi rea-

lizado um jogo com a Associação Atlética das Palmeiras, time da capital que

foi campeão paulista do ano seguinte. (Não confundir com o atual Palmeiras

Futebol Clube, que é originário do Palestra Itália daquela época). Apesar da

derrota nesse jogo inicial, por 6 a 1 para o time visitante, a jovem agremia-

ção prosseguiu seu desenvolvimento chegando a conquistar diversas glórias

e troféus, tanto jogando como entidade amadora quanto, mais tarde, como

profissional. As datas dessas duas reuniões iniciais podem ser diferentes,

pois há fontes que as registram em 25 de outubro e 01 de novembro, respec-

tivamente. Utilizei na descrição acima a abordagem apresentada por meu tio

Oswaldo, em seu valioso livro “Taubaté no Aflorar do Século”.

O atual escudo do Esporte Clube Taubaté.

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O Sol da Manhã...

Primeiro campo do Esporte Clube Taubaté, por volta de 1920.

Imagem do MISTAU.

A FAMÍLIA QUERIDO

Não há como falar da família Nogueira Barbosa sem incluir outra

importante linhagem tradicional de Taubaté — a família Querido. Em nos-

sa história, ela chegou com Bernardino Augusto Pereira Querido (1872-

1955), professor, jornalista e poeta, nascido em Cunha, de uma família de

fazendeiros de café bem relacionada com Dom Pedro II. Foi educado no

Rio de Janeiro, para uma vida próxima da Corte Imperial, porém com o

advento da República outros planos tiveram de ser implementados. Vol-

tou-se para as letras e para o magistério. No Rio de Janeiro trabalhou em

vários jornais, entre eles no importante Jornal do Comércio. Em pouco

tempo decidiu-se por uma vida menos agitada, no interior, e mudou-se

para Taubaté, onde prosseguiu sua carreira de professor, jornalista e poeta.

Casou-se, em 1898, com Licínia Nogueira Barbosa (1879–1959). Foram,

por toda a vida, espiritualistas convictos e atuantes.

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Bernardino e Licínia tiveram treze filhos. Foram eles: Jarbas (1899–

1900), José Augusto (1900–1979), Dalila (1901–1996), Dinorah (1907–

1990), Andrieux (1908–xx), Guajira (1910-2000), Lycurgo (1912–1982),

Magdalena (1914–1956), Mary (1916-1941), Guiomar (1918-1918), Arthur

(1920-1957), Francisco (1923–2007) e Zélia, nascida em 1925.

Família Barbosa Querido em 1932. Acervo da família.

Na imagem vemos o casal Bernardino e Licínia com seus filhos.

Em pé, na parte de trás do grupo estão quatro filhos com o uniforme

dos revolucionários paulistas de 32 — José Augusto, Andrieux, Guajira e

Lycurgo. Na frente deles, em pé, da esquerda para a direita, estão Magda-

lena, Dinorah, Mary e Arthur. Sentados da esquerda para a direita estão

Dalila, Francisco, tia-avó Licínia e tio-avô Bernardino, com a jovem Zélia

entre eles. Minha prima Isa Barros, que me forneceu várias imagens da

família, é filha de tia Mary que, infelizmente, nos deixou muito jovem,

com apenas 25 anos.

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O Sol da Manhã...

Famílias Querido e Guisard em Ubatuba — 1940.

Acervo da família.

Na imagem acima, provavelmente tirada na praia do Perequê,

em Ubatuba, podemos identificar, da esquerda para a direita: Jaurés e

Magdalena, Inês e Olavo, Licínia, Ivonne, Zélia, Zília, Iria, Odette, Riveta e

Guajira. Atrás temos Arthur com mais dois colegas.

A união dessas famílias, Nogueira Barbosa, Querido e Guisard, cons-

truiu ativo grupo social em Taubaté. Dotados de extrema musicalidade,

eram famosos os saraus que realizavam e as inúmeras músicas que com-

puseram. Eles marcaram para sempre a história da cidade.

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Quando Zília e Licínia reuniam as famílias, logo apareciam os instrumentos

musicais. Acervo da família.

Novamente as famílias, provavelmente em 1937. Acervo da família.

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O Sol da Manhã...

O relacionamento entre os Querido e os Guisard foi tão forte que

basta dizer que quatro dos filhos de Zília e Eugenio casaram-se com quatro

dos filhos de Licínia e Bernardino. Victor casou com Dalila, Oswaldo com

Dinorah, Jaurés com Magdalena e Riveta com Guajira.

Naquela época, o fato de as duas famílias serem espíritas provocou,

durante muitos anos, uma rejeição por parte da tradicional família católica

de Taubaté. E com isso o convívio dos primos, num círculo relativamente

fechado, levou a essa situação. Com o passar do tempo, graças à persona-

lidade aberta e franca da família, o gelo foi sendo quebrado e a interação

com a sociedade taubateana foi se normalizando. Assim sendo, os filhos

mais jovens da família puderam ter casamentos mais diversificados.

Linda imagem das quatro irmãs Querido (Dinorah, Magdalena, Dalila e Zélia)

e seus maridos, dos quais três Guisard (Oswaldo, Jaurés e Victor)

e por último tio Messias Salles. Acervo da família.

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Minha tia-avó Licínia tinha um expressivo pendor artístico. Era uma

pianista de primeira linha, trabalhando profissionalmente no tempo do

cinema mudo, nas orquestras que sonorizavam as sessões. Trabalhou na

orquestra do Cinema Rio, que iniciou sua operação em 1910 e continuou

até 1919. Em 1919 nasceu o cine Politeama, hoje o Metrópole. Lembre-

mos que o cinema falado surgiu em 1929, encerrando esse ciclo. Seu

companheiro de música, ao violino, era Fêgo Camargo, pai da famosa

Hebe Camargo. Fêgo, cujo nome de batismo era Segesfredo, nasceu em

Taubaté em 1888, filho do maestro Francisco Camargo, e cresceu ouvindo

e fazendo música. Faleceu em 1971, depois de uma longa carreira nas

orquestras de Taubaté e de São Paulo, onde também morou.

As irmãs Nogueira Barbosa, Licínia e Zília. Acervo da família.

Por sua vez, tio-avô Bernardino demonstrava constantemente sua

habilidade com as letras. No concurso de frases sobre Santos Dumont,

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O Sol da Manhã...

feito anualmente pelo Touring Club e pelo Aero Club do Brasil, no Rio de

Janeiro, ele ganhou o primeiro lugar em dezembro de 1944. Sua frase foi

gravada no saguão principal do aeroporto nos painéis que, infelizmente,

não resistiram ao grande incêndio que, em 1998, praticamente destruiu o

prédio central. A frase era “Quando Santos Dumont contornou a Torre Eif-

fel, o nome do Brasil deu a volta ao mundo”. Além do prestígio nos meios

literários, ele ganhou também Cr$ 500,00 de prêmio — o que em moeda

corrente atual corresponderia a cerca de R$ 1.000,00. Nada mal...

Recorte do jornal “A Noite”, do Rio de Janeiro, de 23 de dezembro de 1944.

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Tios-avós Bernardino Querido e Licínia Barbosa Querido nas suas bodas de

ouro, em 1948. Acervo da família.

Cabe encerrar o capítulo colocando um pequeno trecho da obra de

meu tio-avô Bernardino, tirado de um de seus livros, “Rimas na Prosa”,

que assinou com um dos seus pseudônimos favoritos — Joel.

“Tempo Antigo”

“Mesmo que você não creia, nem lhe passe pela ideia, esta verdade eu

digo: — já fui moço em minha vida; já tive a idade florida, porém... foi no

tempo antigo.

Já tive amores; e as flores, eram também meus amores, que andavam

sempre comigo. Por onde eu andava, é certo, tinha a todas, sempre perto;

porém... foi no tempo antigo.

...

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O Sol da Manhã...

Agora, velho e alquebrado, tudo isso ponho de lado; porque o lembrar, é

castigo. Vale mais viver agora, sem lembrar tempos de outrora; sem lembrar

o tempo antigo.

Aquelas moças de outrora, se me encontrarem agora, dirão talvez: que

castigo! Todas nós envelhecemos, mas ele, que conhecemos... é o mesmo do

tempo antigo. E eu também reconheço; pois sei que nunca envelheço, e a

mocidade eis comigo; porque a alma me convida, para amar, por toda a vida,

como amei... no tempo antigo!”

AS TENDÊNCIAS POLÍTICAS DE EUGENIO

Eugenio, da família que era dona da C.T.I., e também um de seus acio-

nistas minoritários, decidiu propagar as ideias socialistas em Taubaté, e para

tal criou o jornal “O Operário”, no ano de 1900. Em seu primeiro número,

em primeiro de fevereiro, explicitou em editorial sua missão principal:

“Ensinar e doutrinar o rude operário colocando-se ao seu lado para a

defesa de seus direitos é o fim principal da missão que nos foi confiada. O

modesto Operário que vem de sair a lume, vestindo-se com a roupagem de

gala como se fosse um fidalgo, porém trajando nossa jaqueta de cidadão, é

uma folha de combate em cujas arenas pugnamos pelos interesses da classe

operária digna sob todos os aspectos de nossa maior estima!”

Logo fundiu esse jornal com a “Tribuna Popular”, criando a “Tribuna

Operária”. Autodidata no assunto, leitor ávido dos textos socialistas desde

os tempos de Paris, buscou auxiliar a classe operária que, na época, não

tinha nenhum amparo legal em seus empregos. Eugenio também fundou

o “Centro dos Operários Livres”, tendo sido eleito seu primeiro Presidente

em 24 de dezembro de 1901. Essa atividade logo chegou aos ouvidos da

igreja local, e Eugenio teve uma difícil conversa com o vigário sobre os ob-

jetivos dessa nova associação. Sua atividade política, como Presidente do

Centro dos Operários Livres, levou-o a enfrentar o poderoso Visconde de

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Tremembé, José Francisco Monteiro (1830-1911), por volta de 1902, num

rumoroso caso em que o Visconde tinha dado um tiro num trabalhador de

nome Augusto Kreye, associado do Centro dos Operários Livres.

Kreye, que era funcionário da estação da estrada de ferro, tinha uma

criação de cabras, e um desses animais, desgarrado, teria sido mutilado

em terras do Visconde. Uns dias depois, Kreye, avistando o nobre em seu

passeio a cavalo pelas ruas da cidade, interrompeu-o e questionou sobre

seu animal. O visconde, sem hesitar, tirou sua arma e atirou em sua dire-

ção, felizmente acertando somente o seu chapéu. Esse incidente deu ori-

gem a um processo de Kreye contra o aristocrata. Apesar de já estarmos

na República, o poder econômico e político do Visconde, avô de Monteiro

Lobato, decretou um julgamento totalmente favorável ao nobre, e o pobre

operário saiu sem nenhuma compensação do episódio.

Em consequência, Eugenio, que ampla e abertamente o defendeu,

tendo inclusive custeado a vinda de um advogado de São Paulo para sua

defesa, através do Centro dos Operários Livres, ficou bastante chamusca-

do com o episódio. Sua formação consciente de uma atuação em favor

dos indefesos trabalhadores, nas contendas contra os poderosos, mar-

cou muito sua vida. Temos conhecimento de sua ficha nos serviços de

inteligência do governo paulista, já no ano de 1943, onde consta como

comunista. Devemos notar que, naqueles tempos, como em outros que

se repetiram mais tarde, muita gente era fichada. Bastava uma simples

delação, mesmo sem provas, para abrir um processo. Entre os fichados

encontramos Monteiro Lobato, Jaurés Guisard, e até Hebe Camargo... Um

outro exemplo é Raquel de Queiróz, que foi inclusive presa como comu-

nista em Fortaleza, em 1938.

Casado com uma representante de uma família espírita e socialista

atuante, líder operário, Eugenio logo se viu em choque com o irmão mais

velho, Felix, que, por sua vez, era um convicto católico e adepto de uma fi-

losofia empresarial voltada para uma fábrica cristã, assistencialista, porém

dominante sobre o operariado. Além disso, Felix tinha um relacionamento

político importantíssimo com a alta sociedade de Taubaté, aí incluindo o

Bispo e o Visconde.

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O Sol da Manhã...

A SEPARAÇÃO ENTRE EUGENIO E SEU IRMÃO FELIX

Em pouco tempo Eugenio buscou outros ares, afastando-se da fá-

brica, arranjando trabalho na montagem e manutenção de máquinas de

tecelagem em várias cidades do interior. Assim, em setembro de 1903

mudou-se para Petrópolis. Em seguida a família passou por Ponta Grossa,

no Paraná, em 1905. Mudaram-se em 1906 para Tatuí, no estado de São

Paulo. E ainda passaram por São Carlos do Pinhal, hoje simplesmente São

Carlos, a progressista cidade do interior paulista, em 1907. Nos projetos,

Eugenio conseguia uma boa remuneração, o que era importante, pois a

família foi aumentando, com um novo filho a cada dois anos... Victor, o

primeiro filho, nasceu em Taubaté em 1901, Oswaldo também em Tauba-

té em 1903, bem como Jaurés em 1905, Helena em Tatuí em 1907, Riva-

dávia em 1909, vindo a falecer muito jovem; os demais, todos nasceram

em Taubaté, Riveta em 1911, Odette em 1913, Olavo em 1917, Ivonne em

1920 e Iria em 1922.

Depois de alguns anos nessa jornada itinerante, com os trabalhos

rareando e com a vontade de Dona Zília de estabelecer um pouso para a

família, a alternativa que acharam foi a de retornar a Taubaté. Voltaram

para ficar próximos do núcleo dos Nogueira Barbosa — família de Zília;

e também da família Guisard, pois, apesar de ainda existir um distancia-

mento em relação a Felix, Eugenio tinha excelente relacionamento com

seus irmãos Theophile e Jean Baptiste.

A VOLTA DE EUGENIO E FAMÍLIA PARA TAUBATÉ

Chegando em Taubaté, foram morar na Chácara dos Nogueira, no

bairro do Areão, bem afastado do centro da cidade, onde Eugenio con-

tinuou a fazer projetos e mais projetos, alguns dos quais nada ou quase

nada renderam. Seu sustento básico vinha do emprego que voltara a ter

na C.T.I. onde chegou a ser o Mestre Geral da fábrica de cretones. Abriu

uma pequena venda na beira da estrada que pouco tempo durou. Dona

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Zília pôs-se a cozinhar bolos e outros quitutes para serem vendidos na

porta da C.T.I. Explorou a turfa, que achou nos terrenos da propriedade,

vendendo esse produto para a fábrica da C.T.I., onde alimentava as suas

caldeiras. Passou a fornecer areia para as obras da cidade, retiradas da

beira do rio Paraíba. Uma criação de porcos também dava sustento adi-

cional à família. Iniciou uma pequena fábrica de farinha de mandioca em

sua casa, onde quem mais trabalhava era Dona Zília. Colocou os meninos

maiores para cortarem bambu, também para vender para as caldeiras da

C.T.I. Um curtume em Tremembé foi parte de seus trabalhos por algum

tempo, lembrando que algumas das peças dos teares da fábrica tinham

partes feitas de couro.

Com o advento da Primeira Guerra Mundial, em 1914, há alterações

na situação econômica do Brasil. As máquinas passaram a não ter peças

de manutenção, que normalmente vinham da Europa e Eugenio, usando

seus conhecimentos de mecânica, vislumbrou uma oportunidade de ne-

gócio. Passou a correr atrás de máquinas quebradas, ferro velho em geral,

para montar novas máquinas ou consertar as que quebravam. Trabalhava

principalmente fazendo caldeiras e locomóveis — motores a vapor que

podiam ser deslocados de lugar um lugar para outro, pois tinham rodas

não motrizes.

Os tempos foram difíceis e serviram para separar ainda mais

a distância entre Felix, o irmão mais velho, dono de uma fortuna

enorme, e o rebelde Eugenio, o caçula, tendo de batalhar a cada dia

para o sustento de sua família. Quando sobrou um pouco de dinheiro,

chegou a comprar um grande terreno, ao lado da chácara da família,

que loteou, vendendo os pequenos lotes a preços populares. As duas

grandes ruas que precisou fazer para viabilizar o loteamento foram por

ele denominadas Avenida Doutor Pereira Barbosa — em homenagem

a seu sogro, e Avenida Doutor Cesar Costa — que fora prefeito de

Taubaté, seu amigo e grande adversário político de Felix Guisard e de

Felix Guisard Filho.

Somente em 1918 conseguiu realizar o sonho da família de morar

na cidade, quando comprou uma casa na Praça Doutor Monteiro (antigo

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O Sol da Manhã...

Largo do Teatro). Minha mãe conta que nasceu nessa casa, em 1920.

Mais tarde mudaram para uma nova casa na praça da estação — Pra-

ça Doutor Barbosa de Oliveira. Conseguindo uma melhor estabilidade

econômica, foi eleito vereador em Taubaté, apresentando-se como re-

presentante da classe operária, e destacou-se pela continuada defesa

dos trabalhadores, como o caso dos empregados no comércio para os

quais propôs, em 1937, o descanso dominical. Com grande experiência

na instalação e manutenção de teares mecânicos, ganhou merecido re-

nome no setor e acabou por estabelecer, com seu filho Victor, a indús-

tria Holdez, de implementos para empresas de tecelagem, sediada em

Tremembé. Seu conhecimento na área lhe permitiu escrever um livro

técnico com cálculos e normas sobre a fiação de algodão, que se tornou

um dos manuais essenciais dos trabalhadores nesse setor.

Propaganda das Indústrias HOLDEZ, fabrica de acessórios para tecelagem,

instalada em Tremembé. Acervo da família.

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OS FILHOS DE EUGENIO

Consciente da necessidade de educar seus filhos, Eugenio foi, nesse

aspecto, muito rígido com eles. Os filhos mais velhos, Victor e Oswaldo

com dezesseis anos de idade e treze e meio, respectivamente, foram man-

dados estudar farmácia na Faculdade de Farmácia e Odontologia, em Pin-

damonhangaba, a única alternativa de escola de nível superior existente

nas redondezas de Taubaté. Falamos do ano de 1917, tendo essa escola

superior existido de 1913 a 1929.

Meu tio Oswaldo contava que, como a idade mínima para matricular-

-se era dezesseis anos, lá foi Eugenio visitar um amigo, dono do cartório de

Tremembé, de onde saiu com uma nova certidão de nascimento para ele,

tendo Oswaldo renascido, desse modo, com a idade correta para a faculda-

de, de um dia para outro. Também contava tio Oswaldo que nem sempre

Eugenio tinha os dois mil réis diários, necessários para a passagem de ida

e volta de trem, de Taubaté até Pindamonhangaba, mais um pão com café

que seria o almoço de cada um dos filhos. Usando o mesmo método de

conversão de moeda que utilizamos para calcular o valor atual do capital

inicial da C.T.I., esses dois mil réis equivaleriam a cerca de trinta reais hoje.

Nesses dias, a solução era Dona Zília acordá-los às três e meia da

madrugada, para a longa caminhada de dezesseis quilômetros, grande

parte no escuro, da casa no bairro do Areão em Taubaté até a Faculdade

em Pindamonhangaba, onde as aulas começavam às sete em ponto. E

sem esquecer a volta que, nesses dias, também eram feitas a pé... Algu-

mas vezes tinham companheiros para tais caminhadas: o primo Vitão,

filho de Jean Baptiste, e o primo José Augusto, filho de Licínia, ambos

colegas da Faculdade.

Eugenio e Zília tiveram 10 filhos, sendo que a penúltima, Ivonne,

nascida em 1920, é minha mãe. Na agrura daqueles tempos, todos apren-

deram a sustentar-se; formaram-se nas escolas existentes na região e cria-

ram famílias dignas e importantes na sociedade taubateana. Quase todos

os seus filhos trabalharam, durante grande parte de suas vidas, na C.T.I.

Foram eles: 1. Victor Barbosa Guisard, casado com Dalila Barbosa Querido

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O Sol da Manhã...

Guisard; 2. Oswaldo Barbosa Guisard, casado com Dinorah Carmez Bar-

bosa Querido Guisard; 3. Jaurés Barbosa Guisard, casado com Magdalena

Barbosa Querido Guisard; 4. Helena Barbosa Guisard Leal Ferreira, casa-

da com Newton Leal Ferreira; 5. Rivadavia Barbosa Guisard, que faleceu

quando jovem; 6. Riveta Barbosa Guisard Querido, casada com Guajira

Barbosa Querido; 7. Odette Barbosa Guisard Miranda, casada com José

Leite Miranda; 8. Olavo Barbosa Guisard, casado com Ignez Banhara Gui-

sard; 9. Ivonne Barbosa Guisard Ferraz, casada com Darcy Vieira Ferraz;

10. Iria Barbosa Guisard Romeiro, casada com José Lopes Romeiro.

VICTOR BARBOSA GUISARD

Victor (1901-1955) o filho mais velho, formado em Farmácia, mas

sem nunca ter praticado essa profissão, graduou-se também em Contabili-

dade e teve uma carreira longa e vitoriosa no setor administrativo da pró-

pria C.T.I. Depois disso dedicou-se a diversas oportunidades de negócios,

sempre desenvolvendo um trabalho intenso e inteligente. Vale notar que

Victor possuía também um profundo senso artístico, tendo um conjunto

de jazz que se apresentava nos primórdios da radio difusão no Brasil, na

Rádio Bandeirante de Taubaté — PRD-3. Essa emissora pioneira nasceu

no começo de 1931, no quintal da residência de Alberto Guisard, com a

participação decisiva de Emilio Amadei Beringhs. Esse empreendimento

durou pouco, encerrando suas atividades em 1934. Lembremos que as

primeiras emissoras brasileiras apareceram no Rio de Janeiro, em 1923,

com a rádio Roquette Pinto e a rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Emilio

e Alberto continuaram a radiodifusão em Taubaté ao criarem, em 1941, a

Rádio Difusora — ZYA-8, ainda hoje em funcionamento. Participou tam-

bém ativamente da criação do Taubaté Country Club, o T.C.C. Esse último

evento aconteceu em 16 de junho de 1936, em assembleia com a parti-

cipação de inúmeros moradores da cidade, incluindo Eugenio Guisard e

seus filhos Victor, Oswaldo, Jaurés e Olavo. Ao final da assembleia, Victor

foi eleito Diretor Geral, e Raul Guisard o Presidente.

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Victor e sua esposa, tia Dalila — 1947. Acervo da família.

Também esteve presente e atuante na formação do Banco do Vale

do Paraíba S.A., fundado a partir da Casa Bancária Alberto Guisard. Cabe

registrar a assembleia de constituição desse banco, realizada em abril de

1941, no salão principal do T.C.C., quando seus estatutos foram aprovados

e foi eleita a primeira diretoria, sendo Presidente Felix Guisard, Diretor Su-

perintendente Alberto Guisard e Diretor Gerente Victor Barbosa Guisard.

O Banco do Vale do Paraíba existiu até 1958, quando foi incorporado ao

Banco Novo Mundo. Meu pai, Darcy, chegou a trabalhar lá, por algum

tempo. Em 21 de agosto de 1943 participou da fundação do Rotary Club

de Taubaté, compondo a seguinte diretoria: Presidente — Victor Barbosa

Guisard, Vice-Presidente — Benedito Salles, 1º Secretário — Nélson Freire

Campello, e outros.

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O Sol da Manhã...

Lembro-me bem dos saraus que realizava em sua casa, na esquina

da Avenida Nove de Julho com a Rua Quatro de Março, com a declamação

de poemas e muita música. A linda valsa “Dalila”, que tio Victor compôs

em homenagem à sua esposa, era constantemente solicitada por todos e

sempre algum dos muitos pianistas presentes a tocava, para deleite ge-

ral. Ouça tia Zélia tocando essa obra prima ao piano em linda postagem

que a prima Hebe colocou no Facebook, no seguinte endereço eletrônico:

https://www.facebook.com/hebe.nobrega/videos/463926283689667/?no-

tif_id=1516570297877613&notif_t=feedback_reaC.T.I.on_generic. Para

mim o ponto alto era sempre a apresentação dos Jograis quando declama-

vam poemas como “E agora José? ”, e “No meio do caminho tinha uma

pedra...” de Carlos Drummond de Andrade.

A festa de meu casamento, em 14 de dezembro de 1968, foi realiza-

da em sua casa, a poucos metros de onde a primeira fábrica da C.T.I. foi

construída. Infelizmente, tio Victor já não estava entre nós, mas lembro-

-me perfeitamente de tia Dalila nos recebendo maravilhosamente bem.

Tio Victor e tia Dalila tiveram quatro filhos — Victor, Abigail, Dalila

e Sílvio.

OSWALDO BARBOSA GUISARD

Oswaldo (1903- 1982) formou-se farmacêutico ao final de 1919,

com apenas dezesseis anos. E exerceu essa profissão por algum tempo

em São Pedro do Turvo, no oeste do estado de São Paulo e na cidade de

Cambará, no norte do Paraná. Nessa última cidade permaneceu por um

longo período, com intensa atividade profissional e política — naquele

sertão em vias de ser desbravado. Conta-se em minha família que ele vol-

tou para Taubaté após ter sido baleado numa tocaia de fundo político. Para

dar uma ideia do clima violento que enfrentou, basta dizer que quando

seu irmão Jaurés por lá aportou, em busca de trabalho, deu-lhe de presen-

te, logo na sua chegada à cidade, um 38, dizendo ser o presente mais útil

que poderia lhe dar.

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Tio Oswaldo em Cambará em 01/07/1933. Acervo da família.

Em Taubaté foi vereador (1956-1959) e ganhou merecido prestígio

como grande orador e um dos mais destacados jornalistas da cidade. Foi

Inspetor do Trabalho, Presidente do Rotary, Diretor do Ginásio Taubatea-

no, entre muitas atividades importantes no município. Foi criador, junto

com outros intelectuais da cidade, como Gentil de Camargo e Cesídio Am-

brogi, da “Semana Monteiro Lobato”, em 1953, alguns poucos anos após

a morte do grande escritor taubateano, em 1948. Foi, enquanto viveu,

com certeza o maior incentivador e organizador dessa comemoração. A

sua dedicação à memória do grande escritor foi reconhecida pelo governo

estadual. Para ir de carro de Taubaté até a cidade de Monteiro Lobato, você

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O Sol da Manhã...

pode seguir no caminho de Campos do Jordão até encontrar a SP-046,

a estrada denominada Rodovia Oswaldo Barbosa Guisard. Seguindo por

essa via por cerca de quinze quilômetros, chega-se ao cruzamento com a

SP-050, a Rodovia Monteiro Lobato, que leva diretamente ao município de

Monteiro Lobato. Dessa forma, os nomes desses dois importantes perso-

nagens da história de Taubaté encontram-se perpetuados no cruzamento

dessas duas estradas, a poucos quilômetros de nossa cidade.

A Rodovia Oswaldo Barbosa Guisard, que a oeste encontra-se com

a Rodovia Monteiro Lobato. Acervo da família.

Tio Oswaldo foi fundador e Redator-Chefe do C.T.I. Jornal, criado

em 1937 por Felix Guisard, para transmitir aos operários da C.T.I. infor-

mações de cunho cultural, social e educativo, dentro de uma política de

relacionamento cristão entre patrão e empregados. O C.T.I. Jornal existiu

até 20 de dezembro de 1946 quando foi descontinuado com o declínio da

C.T.I., alguns anos após a morte de Felix Guisard, em 1942.

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Oswaldo Barbosa Guisard. Acervo da família.

Eu tive a satisfação de ter sua presença, junto com minha mãe, na

solenidade de minha formatura como Engenheiro de Eletrônica, no Ins-

tituto Tecnológico de Aeronáutica, o ITA, em dezembro de 1967. Ele fez

questão de ir, pois eu tive a grande honra de ser o orador da nossa turma.

Tio Oswaldo casou-se com Dinorah Carmez Querido, e tiveram dois

filhos: Bolivar e Patrícia.

JAURÉS BARBOSA GUISARD

Seu nome, significativamente, foi-lhe dado por meu avô Eugenio, para

homenagear Jean Jaurés, líder socialista francês, defensor de Dreyfus, fun-

dador do jornal socialista L’Humanité. Um revolucionário social que sem-

pre manteve atitude moderada, contrária à luta armada como pregada por

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O Sol da Manhã...

muitos marxistas. Jaurés (1905-1978) no início de sua vida fez de tudo um

pouco. Foi guarda de presídio no famoso Carandiru, em São Paulo, e guarda

de hospício em Juqueri. Foi ajudante de eletricista e escriturário da Leopol-

dina no Rio de Janeiro. Foi também locutor esportivo, talvez o primeiro a

narrar um jogo de futebol em Taubaté, e teve muitas outras atividades. Aca-

bou entrando para trabalhar na C.T.I., onde progrediu e foi, durante muito

tempo, sub-Diretor de confiança de Felix Guisard. Posteriormente abraçou

a carreira política, tendo sido prefeito de Taubaté por três vezes. A primeira

vez indicado por Adhemar de Barros como interventor, entre abril e maio de

1947 e, depois, eleito pelo Partido Trabalhista Brasileiro, o PTB, entre 1956

e 1959 e entre 1964 e 1969. Foi também Deputado Estadual na década de

1950, período em que se destacou pelo combate constante à penetração,

sem controle, do capital estrangeiro na economia brasileira, além de conse-

guir diversos benefícios para Taubaté.

Jaurés Guisard —

imagem do acervo do Mistau e da Prefeitura Municipal de Taubaté.

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Somente conquistou seu diploma de nível superior após ter sido um

dos maiores batalhadores pela abertura das diversas faculdades na cidade,

inclusive ajudando a formar a Universidade de Taubaté, onde veio a estu-

dar. Ela foi a primeira e talvez ainda seja a única Universidade sustentada

por um município no Brasil. Ele ingressou na Faculdade de Direito com

sessenta e um anos, onde se formou.

Lembro bem de meu tio Jaurés contando, lá em minha casa, o epi-

sódio famoso da visita de Getúlio Vargas a Taubaté, e do seu discurso,

interrompido pela falta de luz na cidade e por alguns tiros disparados para

o alto, na escuridão. Isso aconteceu em primeiro de novembro de 1947,

quando Getúlio estava apoiando um candidato a vice-governador paulista,

adversário do governador Adhemar de Barros. Naquele ano, as eleições

para governador e vice-governador foram em datas diferentes. Esclare-

cendo o cenário, Adhemar de Barros já tinha sido eleito governador do

estado de São Paulo, exercia seu mandato desde 14 de março de 1947, e

conhecia tio Jaurés, que tinha sido Interventor em Taubaté por um breve

período em 1947 — de 7 de abril a 26 de maio. Na escuridão e com os

disparos de arma de fogo, não restou outra alternativa a Getúlio Vargas

senão ir embora. Escoltado por Gregório Fortunato, seu guarda costas, e

com toda sua comitiva, correram para seus carros e fugiram em disparada

para longe de Taubaté.

Maiores detalhes da operação, incluindo o telefonema trocado entre

tio Jaurés e Adhemar, na manhã seguinte, somente em particular, ou como

diria um jornalista, em off. Como na política não há verdade absoluta nem

duradoura, pouco tempo depois Jaurés foi apoiado por Getúlio e ingressou

no PTB. Nessas andanças políticas, Jaurés e seu irmão Oswaldo vieram a

ser adversários do primo Felix Guisard Filho pela Prefeitura de Taubaté,

nas eleições de 1951. Relembrando, de uma certa forma a disputa entre

os irmãos Felix e Eugenio cinquenta anos antes — o conhecido enfrenta-

mento entre o líder empresarial católico tradicional e o liberal trabalhador

modificador dos costumes. Em 1951, com tio Jaurés atuando como depu-

tado estadual pelo PTB, tio Oswaldo foi o candidato da oposição contra

Felix Guisard Filho, perdendo a eleição. Em 1956 o candidato foi o próprio

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O Sol da Manhã...

tio Jaurés, que conseguiu eleger-se Prefeito, cargo que ocuparia mais uma

vez entre janeiro de 1964 e janeiro de 1969.

Não há como se falar de tio Jaurés sem mencionar seu casamen-

to com Magdalena Barbosa Querido, com quem teve cinco filhos: Zília,

Celso, Dila, Edna e Régis. Tia Magdalena, filha de Bernardino Querido, um

poeta, e de Licínia Barbosa, uma senhora pianista, precocemente mostrou

seus pendores artísticos. Dona de um ouvido naturalmente musical, já

aos quatro anos repetia as músicas que sua mãe Licínia tocava ao piano.

Pianista, acordeonista e compositora, ela chegou a participar e vencer no

famoso programa de calouros do grande Ary Barroso, na Rádio Nacio-

nal, no Rio de Janeiro. Tia Magdalena, infelizmente, conviveu bem pouco

tempo conosco. Tendo nascido em 26 de novembro de 1914, deixou-nos

em 13 de maio de 1956, com apenas 41 anos. Ouça-a tocando ao piano

uma de suas composições favoritas, “Sonhando Contigo”, em https://you-

tu.be/AXWb8dM7OEE, com agradecimentos a Dimas de Oliveira Junior

que colocou essa joia na internet. Aliás, para comprovar a atuação do tio

Jaurés nos primórdios da locução esportiva, no início do Esporte Clube

Taubaté, veja a gravação em https://youtu.be/dp94Uv91U6I, em que ele

mesmo descreve esse episódio, acessando através do site do Almanaque

Urupês no endereço http://almanaqueurupes.com.br/. Meus primos Sheila

e André são também filhos de tio Jaurés, nascidos em 1962 e 1965, res-

pectivamente.

OLAVO BARBOSA GUISARD

Olavo também trabalhou na C.T.I. por um bom período de sua vida,

depois foi trabalhar numa tecelagem, a Valpartex, com seu irmão Victor,

em Caçapava; em seguida passou pelo Grupo Chammas e, finalmente na

Willys Overland do Brasil, quando se aposentou. Logo depois de aposen-

tado, assumiu a gerência geral de uma grande metalúrgica em São Paulo

para onde se mudou. Quando estudante, em São Paulo, sendo excelente

atleta, de quando em quando participava de competições de natação e de

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José Eugenio Guisard Ferraz

remo, na época realizadas nas águas límpidas do rio Tietê. Volta e meia

ganhava uma prova, tendo sido campeão estadual nessas duas modalida-

des, e seu nome aparecia nos jornais. Isso causava um alvoroço enorme

na família Guisard, pois os irmãos e irmãs corriam para esconder as no-

tícias de Eugenio que, extremamente rígido na educação dos filhos, não

toleraria qualquer outra prioridade a não ser estudar e trabalhar. Tio Olavo

foi casado com tia Inês Castelli Banhara, famosa pelos bolos que fazia e

decorava de maneira primorosa, uma verdadeira artista, reconhecida em

toda a região. Foi ela que fez o bolo de meu casamento, e também o pre-

miado bolo que foi apresentado em programa de televisão, representando

a nossa famosa igreja de Santa Terezinha. Tio Olavo e tia Inês tiveram dois

filhos, Eliana e Walter.

Tio Olavo em sua formatura. Acervo da família.

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O Sol da Manhã...

Eugenio e Zília, morando perto do rio Paraíba, fizeram questão de

ensinar todos os filhos a nadar, inclusive as meninas, naquela época algo

bastante inusitado. Provavelmente atraíam a atenção de curiosos que pas-

savam pela ponte sobre o Paraíba, e que paravam para olhar. Acho que

também essa motivação para nadar eu herdei deles, com muito orgulho.

Mais tarde chegaram a montar uma estrutura de madeira que, ancorada

na margem do rio, servia como uma piscina protegendo os nadadores —

chamavam-na de cocho.

Cena do rio Paraíba, em Tremembé, com o cocho na sua margem,

onde os jovens da família aprendiam a nadar. Pintura de Messias Salles.

Acervo família Salles.

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Seja no rio Paraíba, seja na praia em Ubatuba, a família toda, aí

incluindo Guisard, Barbosa e Querido, estava sempre pronta para um

mergulho.

A imagem é da praia em Ubatuba, provavelmente em 1937, com os primos e

primas. Acervo da família.

Minha mãe Ivonne conta que nas suas primeiras idas para Ubatuba,

ainda menina, o transporte era em grandes jacás, um de cada lado de uma

mula. Sua companheira nestas viagens era sua prima Climene, que ia no

outro jacá...

AS FILHAS DE EUGENIO GUISARD

Quase todas as filhas de Eugenio — Riveta, Odette, Ivonne e Iria —

foram excelentes professoras, também tendo iniciado suas carreiras no

Grupo Escolar da C.T.I.

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O Sol da Manhã...

Bela imagem das irmãs Ivonne, Helena e Iria com vovó Zília.

Acervo da família.

Helena, a irmã mais velha, foi a única a não ser professora. Como

Victor e Oswaldo, ela também se formou farmacêutica na Faculdade de

Farmácia e Odontologia de PIndamonhangaba. Trabalhou na farmácia da

C.T.I. e em seguida no Instituto Adolfo Lutz de Taubaté onde destacou-se

como uma profissional extremamente competente até sua aposentadoria.

De extrema delicadeza no trato, viveu até os 102 anos. Como era bem mais

velha que minha mãe, foi ela quem, au-

xiliando vovó Zília, tomou conta das ir-

mãs mais novas, Iria e Ivonne.

Linda imagem de tia Helena.

Acervo família.

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José Eugenio Guisard Ferraz

Tia Helena casou-se com Newton Leal Ferreira e tiveram dois filhos

— Alice e Olavo.

Riveta, grande professora, casou-se com o primo Guajira Querido.

Ele trabalhou no setor administrativo da C.T.I. e também no C.T.I. Jornal.

Foi empresário no comércio em Taubaté e empregado na fábrica da Ford/

Willys durante muito tempo, até se aposentar. Riveta e Guajira tiveram

cinco filhos: Licínia, Sidney (que faleceu pequeno), Neide, Marina e Cid.

Eu nasci em 15 de janeiro de 1945, na casa em que eles moravam na

Rua Silva Jardim, bem perto da Praça Felix Guisard. Por outro lado, quando

tio Guajira teve problemas financeiros, foram eles que vieram passar uns

tempos em nossa casa, na Rua Quatro de Março. São exemplos da solida-

riedade entre os irmãos e primos do clã dos Barbosa Guisard e Querido.

Tia Riveta e tio Guajira comemorando 60 anos de matrimônio.

Acervo da família.

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O Sol da Manhã...

Tia Odette também trabalhou no Grupo Escolar da C.T.I., mas

fez concurso para Diretora de instituições de Ensino e logo passou a

dirigir escolas em várias cidades do vale do Paraíba. Inicialmente foi

diretora em Juquiá, em 1952, passando depois por Rancho Grande, em

Bananal, até regressar a Taubaté em 1960, para dirigir o Grupo Escolar

Bernardino Querido, onde se aposentou. Lembro-me bem de que, em

todas as festas da família, tia Odette estava sempre com tio Oswal-

do, conversando sobre política e políticos. Casou-se com José Leite

Miranda, motorista profissional, que também exerceu essa profissão

na C.T.I., conduzindo Felix Guisard em seus deslocamentos. Quando

a família toda ia de férias para Ubatuba, viajávamos na carroceria de

um caminhão cheio de colchões e mantimentos, e tio José Leite era o

motorista. Depois da C.T.I., ele trabalhou também para a Secretaria da

Fazenda até sua aposentadoria.

Eles tiveram três filhos: Elena, Eugenio e Eda.

Tia Odete. Acervo da família.

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Iria (1922-2009), grande companheira de minha mãe Ivonne, pro-

fessora, casou-se, em 1943, com um dos maiores atletas do interior do

estado de São Paulo, naquela época — José Lopes Romeiro (1916-2011),

natural de Guaratinguetá e campeão em vários esportes. Tio José Lopes

teve realce maior no basquete e foi tetracampeão do interior do estado:

em 1940, jogando pela equipe de Guaratinguetá e, em sequência, tendo

mudado para Taubaté em 1941, por mais três vezes defendendo nossa

cidade. Tia Iria e tio Lopes formaram-se em História, na Faculdade de Fi-

losofia, Ciências e Letras de Taubaté.

Tio Lopes e tia Iria no aniversário de 80 anos de minha mãe.

Acervo da família.

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O Sol da Manhã...

O casal liderou várias iniciativas nos esportes da cidade, sendo tia

Iria reconhecida como a idealizadora dos Jogos Abertos do Vale do Para-

íba. Tio Lopes também foi empresário no setor de móveis, proprietário

da fábrica Móveis Liete, produzindo principalmente camas. Lembro-me,

muito bem, do triste episódio, em janeiro de 1966, quando uma terrível

tempestade caiu sobre a cidade e derrubou o telhado do prédio, causando

uma grande destruição na fábrica.

Tia Iria e tio José Lopes tiveram quatro filhos — Ivan, Liete, Rui e Anete.

IVONNE E DARCY VIEIRA FERRAZ

Minha mãe, Ivonne, casou-se em 15 de janeiro de 1944 com meu

pai, Darcy Vieira Ferraz, de uma família de Pindamonhangaba, e tiveram

dois filhos — eu e minha irmã Maria Silvia. Minha mãe contou me que

o casal enfrentou muita dificuldade no momento de marcar a cerimônia

religiosa, necessária, pois a família de meu pai era muito católica, já que a

rejeição ao lado dedicado ao espiritismo de minha avó Zília ainda era mui-

to forte na cidade. Mas conseguiram, afinal, uma boa acolhida no Santu-

ário do Senhor Bom Jesus, em Tremembé, onde realizaram o sacramento

do matrimônio com todos os familiares presentes.

Basílica do Senhor Bom

Jesus em Tremembé.

Acervo da família

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José Eugenio Guisard Ferraz

Na imagem vemos vovô Eugenio e vovó Zília, em 1944, com minha mãe

Ivonne e com meu pai Darcy, recém-casados, em frente à casa de Tremembé,

na Praça Padre Luiz Balmez, 140. Na imagem estão também tia Iria e, ainda

meninas, as primas Licínia e Neide, filhas de tia Riveta.

Acervo da família.

Meu avô paterno, Capitão José Martiniano Vieira Ferraz (1874-

1945), originário de Cunha, veio para Pindamonhangaba com pouco

mais de quatorze anos, em 1889, para ser um simples balconista no

armazém da cidade. Por seu esforço e capacidade, chegou a proprietário

do estabelecimento, tornando-se um bem-sucedido comerciante e figura

pública do município. Foi Provedor da Santa Casa de Misericórdia de

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O Sol da Manhã...

Pindamonhangaba entre 1932 e 1945, e também Prefeito da cidade no

período de 1937 a 1942. Nessa fase, como Prefeito e membro do Partido

Republicano Paulista — PRP, tornou-se muito amigo e correligionário de

Adhemar de Barros, governador interventor no estado de São Paulo na

mesma época.

Meu avô Vieira Ferraz com o governador Adhemar de Barros. 06/04/1940.

Acervo da família.

Esse meu avô faleceu com setenta e um anos, no dia 7 de maio de

1945, alguns poucos meses após o meu nascimento. Quando meus pais

quiseram homenageá-lo dizendo que meu nome seria José Martiniano

Vieira Ferraz Neto, ele recusou. Disse ele que o menino, recém-nascido,

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tinha dois avós e, assim, deveria ter o nome dos dois — daí surgiu meu

nome, José Eugenio Guisard Ferraz. Teve 3 irmãos: Agripina e Elmira,

que faleceram solteiras e João Lellis Vieira (1880-1949) que teve longa

e interessante existência, deixando uma grande descendência em São

Paulo. Lellis Vieira foi Juiz de Paz, Diretor do Arquivo Público do Estado e

do Departamento Municipal de Cultura. Grande jornalista, trabalhou em

vários jornais paulistanos. Como redator das “Folhas” e encarregado da

seção de tópicos políticos, foi o idealizador do personagem “Juca Pato”,

imortalizado pelo ilustrador e chargista Benedito Carneiro Bastos Barre-

to, conhecido pelo pseudônimo de Belmonte (1896-1947). O “Juca Pato”

deu o nome para um dos mais importantes prêmios literários do país,

patrocinado pela União Brasileira de Escritores — UBE, entregue anual-

mente, desde 1962 até os dias atuais. Lellis era um grande orador, assim,

nas solenidades a que meu avô comparecia, como Prefeito de Pindamo-

nhangaba, ele sempre o convidava para discursar em seu nome.

Bodas de prata de João Lellis Vieira e Ernestina — 02/05/1933.

Acervo da família.

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O Sol da Manhã...

Nessa significativa imagem vemos à direita, em pé, meu avô Vieira

Ferraz e, na extrema esquerda, seu irmão João Lellis Vieira. Meu pai,

Darcy, é o menino, na época com treze anos, sentado no braço do banco,

de óculos, entre Lellis e Ernestina, sua esposa. Meu pai chegou a estudar

no Colégio Rio Branco, em São Paulo e, nesse tempo, morava na casa de

seu tio Lellis, na Rua Bela Cintra.

Durante o período em que meu avô esteve gravemente doente, os

seus remédios vinham de São Paulo para Pindamonhangaba, tendo o

Doutor Adhemar de Barros interferido diretamente para que eles chegas-

sem às mãos de nossa família, mesmo que, para isso, tivessem que parar

o trem expresso da Central do Brasil. Meu pai ficou eternamente grato por

essa demonstração de amizade e apoio, em um momento tão difícil para

a família.

Meu pai, após o falecimento de meu avô, continuou a apoiar

Adhemar em suas campanhas políticas, que foram inúmeras. Em

nossa casa tínhamos sempre folhetos, botons e outros materiais de

propaganda. Toda vez que chegava ao vale do Paraíba, para fazer seus

discursos, ele o acompanhava, e eu ia junto, nas caravanas de carros

que, por estradas empoeiradas, iam de cidade em cidade, subindo em

palanques nas praças públicas, escutando seus discursos... E foram

muitas as campanhas de Adhemar Pereira de Barros (1901-1969),

médico de formação, empresário e principalmente político, e que em

sua vida pública foi prefeito da cidade de São Paulo, Interventor Federal

(1938-1941) e Governador do estado de São Paulo por duas vezes (1947-

1951 e 1963-1966), e candidato à Presidência da República por mais

duas vezes, em 1955 e 1960. Encerrou melancolicamente sua carreira

política no exílio, ao ser cassado, em 1966. Adhemar veio a falecer em

Paris, França, em 1969.

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Bilhete de Adhemar de Barros para meu pai, felicitando-o pelo meu

nascimento — 14/02/1945. Acervo da família.

Meu pai herdou de meu avô o jornal “A Tribuna do Norte”, um dos

mais antigos periódicos do Brasil, ainda hoje em circulação. Fontes con-

sultadas afirmam ser ele, certamente, o mais antigo do interior do Brasil.

O periódico foi fundado em 1882 e pertenceu a meu avô e meu pai de

1942 a 1962, quando foi doado para a Prefeitura de Pindamonhangaba.

Quando íamos visitar o jornal, lembro-me de ficar brincando com os tipos

de chumbo, que um a um eram usados, num trabalho lento e difícil, para

compor cada uma das páginas do noticiário.

Durante muitos anos, levado pelo meu interesse na natação, meu

pai foi o Diretor de Natação do Taubaté Country Club. Batalhava por

verbas para esse esporte e chefiava as delegações, que iam disputar tor-

neios em várias cidades do Vale do Paraíba e em todo o estado de São

Paulo. Cuidadoso com o gasto do dinheiro durante as viagens, ganhou

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O Sol da Manhã...

o apelido de “Tio Patinhas”, dado pelos nadadores, que sempre o trata-

ram com muito carinho e consideração. Foi também o Delegado para

a 6ª Região (abrangendo o Vale do Paraíba paulista), nomeado pela Fe-

deração Paulista de Natação. Apesar de todo o envolvimento com esse

esporte, confesso que nunca o vi dentro da piscina, só na borda, pois

ele não sabia nadar! Darcy também ajudou a fundar o Clube de Xadrez

de Taubaté e teve participação na Liga Municipal de futebol da cidade,

atuando na sua Junta Disciplinar.

Equipe de natação do T.C.C. representando Taubaté —

provavelmente em 1960. Acervo da família.

Na imagem acima vemos em pé o professor Nilo Patrício, Lauro

Fernandes Filho, Luiz Gonzaga Malaman, José Gabriel Vilela, José Marcio

Carvalho, José Carlos Cunha Ferraz, meu pai Darcy Vieira Ferraz e, ao seu

lado, o radialista Fausto Garcez. Abaixados estão Dino Querido, Antonio

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Dauro Mazanti Camilher, Luiz Fernando Carvalho, eu e o Senhor Luiz Oli-

veira, antigo funcionário do T.C.C.

Tenho uma lembrança marcante de meu pai. Quando recebi, sem

estar esperando, um telegrama com a mensagem que tinha passado

no dificílimo vestibular para ingresso no Instituto Tecnológico de Aero-

náutica, o ITA, eu não acreditei, achei que era um trote e joguei o tele-

grama no lixo. Se não fosse a insistência de meu pai, que me mandou

telefonar para lá, eu teria perdido o prazo para a inscrição. Graças a

Deus, quando eu mesmo tinha desistido, ele permaneceu acreditando

em mim.

Meu pai Darcy, em 1964, recebendo um troféu conquistado pela equipe

de natação das mãos do então Prefeito de Taubaté,

meu tio Jaurés Guisard.

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Minha mãe, Ivonne, formada pela Escola Normal de Taubaté, por

um longo tempo foi professora primária, porém, determinada a com-

pletar seus estudos em nível superior, ingressou, como “aluna-ouvin-

te”, na recém fundada Faculdade de Filosofia de Taubaté, em 1957, seu

primeiro ano de operação. No ano seguinte passou a aluna efetiva do

curso de Letras — Português e Inglês, graduando-se ao final de 1961,

já com quarenta e um anos de idade. Em seguida, ela fez cursos de

especialização em nível de pós-graduação em linguística e em litera-

tura inglesa, na Universidade de São Paulo. Ela, com meu pai ao seu

lado, ia para as aulas na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da

Universidade de São Paulo, na Rua Maria Antônia, na capital paulista,

com muito receio, já que, naqueles anos – por volta de 1968, a agita-

ção entre os estudantes estava realmente acirrada. De um lado da rua

estavam os da esquerda da escola de Filosofia, do outro os da direita da

Universidade Presbiteriana Mackenzie. Meu pai contava que as pedra-

das vinham de todas as partes, terminando sempre com o avanço dos

policiais montados em seus cavalos, para separar os estudantes. E, no

meio dessa confusão, na famosa Batalha da Rua Maria Antônia, esta-

vam eles. Lembremos que este evento, que chegou a ter um estudante

morto, foi um dos motivos utilizados pelo regime vigente para justificar

a edição do Ato Institucional Nº 5.

Minha mãe foi uma grande professora, no sentido maior dessa

palavra tão importante na formação de qualquer grupo social. Dos seus

dezoito anos de idade até mais de oitenta, lecionou em praticamen-

te todos os níveis encontrados no magistério. Foram cerca de seten-

ta anos dedicados a formar cidadãos para a nossa sociedade, isso por-

que, não só ensinou desde as primeiras letras até os fundamentos da

literatura inglesa e americana, mas também em todos os momentos deu

o exemplo de uma retidão moral, de um comportamento digno e nobre.

Seria difícil calcular o número de alunos que ela teve nesse longo tempo

de dedicação ao ensino, certamente milhares de jovens taubateanos, de

todas as idades.

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Dona Ivonne numa nova função, a de bisavó.

Aqui, brincando com a bisneta Manuela. Acervo da família.

O CENTRO CULTURAL BRASIL — ESTADOS UNIDOS

Ivonne, com a ajuda de sua irmã Riveta, fundou em julho de 1964

o Centro Cultural Brasil — Estados Unidos de Taubaté, incentivada pela

vinda da fábrica de motores da Willys Overland do Brasil S.A. para o mu-

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nicípio. No final da década de 50, início de 60, essa indústria foi instalada

na estrada entre Taubaté e Quiririm; sendo de origem americana, seus di-

retores tinham problemas de comunicação com os operários contratados

localmente.

Todos os manuais e as orientações básicas para o trabalho eram em

inglês, e, assim, foi logo constatada a necessidade de ensinar a língua in-

glesa, a fim de facilitar a interação entre os diversos níveis de empregados

na fábrica. Algumas reuniões foram feitas entre o pessoal da Willys, lidera-

dos pelo Senhor Norman, um de seus diretores, e professores de inglês da

cidade. O interesse despertado foi pequeno e somente Dona Ivonne deu

os passos necessários para abrir uma escola de línguas. Um contato feito

em São Paulo com a União Cultural Brasil — Estados Unidos, a UCBEU,

estabeleceu a conexão necessária para a implementação da escola. A me-

todologia e os livros vieram da UCBEU e, assim, nasceu o Centro Cultural

Brasil — Estados Unidos de Taubaté, o CCBEU. Eu estava em São José dos

Campos, cursando o ITA, mas lembro-me de ter passado algumas horas,

nos finais de semana, entregando os folhetos anunciando a abertura das

inscrições dos cursos do CCBEU de porta em porta, nos estabelecimentos

comerciais, além de colar muitos deles nos postes da cidade. Apesar das

dificuldades de iniciar qualquer tipo de empreendimento, a escola prospe-

rou, contando com a ajuda de tia Riveta nas aulas, meu pai na secretaria e

um pequeno grupo de dedicados professores.

De um ponto de vista mais amplo, a criação de uma escola voltada

para o ensino da língua inglesa, representou um esforço de adaptação a

um novo projeto de economia nacional, com a industrialização crescente

requisitando a preparação de pessoal apto para essas novas exigências.

Contrastando com a origem francesa da família, contribuía-se para o de-

senvolvimento de uma multinacional com matriz norte-americana.

Atualmente, o C.C.B.E.U de Taubaté oferece cursos de Inglês em di-

versos níveis: Crianças, Básico, Intermediário, Avançado, e Terceira Idade,

além de preparação especial para os testes Cambridge e Michigan. Conta

também com cursos de Espanhol, Francês, Italiano e Alemão. O arrojado

sonho de D. Ivonne transformado em realidade.

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Uma das primeiras casas onde funcionou o CCBEU-TTE, e a solenidade de

entrega dos primeiros diplomas do curso, em julho de 1967.

Acervo da família.

Essa escola de línguas permanece até hoje mantendo a qualidade de

ensino definida pela sua fundadora, agora sob a direção de minha irmã,

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Maria Silvia, que viveu e estudou na Inglaterra. Maria Silvia deixou para

segundo plano seu desejo de viajar pelo mundo, após também ter se for-

mado na Faculdade de Turismo em São Paulo, e ter trabalhado por algum

tempo na empresa aérea TAM, hoje parte da LATAM.

Maria Silvia, minha irmã, na comemoração de 50 anos de fundação do

Centro Cultural Brasil-Estados Unidos de Taubaté. Acervo da família.

A MATURIDADE DA C.T.I. E AS AÇÕES DE FELIX

Com o correr do tempo e pela competência conquistada no merca-

do, Felix levou a C.T.I. à condição de maior empresa do Vale do Paraíba e

uma das mais importantes do estado de São Paulo, exemplo de organiza-

ção industrial. O prestígio empresarial conquistado justificou-se, inclusi-

ve, pela sua eleição para a Presidência do Sindicato Patronal da Indústria

Têxtil.

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Felix Guisard. Imagem do acervo de Maria Cecília.

Com a quebra da Bolsa de Valores de Wall Street, nos Estados

Unidos, a inglesa E. Ashworth, acionista e controladora da C.T.I., de-

cretou sua falência em 1929. Esse fato implicou enorme perturbação

nas finanças da fábrica, pois a C.T.I. era coavalista de títulos da em-

presa inglesa. Para resolver a pendência, a C.T.I. lançou debentures no

mercado em 12 de abril de 1930 e também abriu o seu capital. Felix

aproveitou essa situação e comprou ações suficientes para passar a

controlar a C.T.I. pela primeira vez, desde sua criação. Assumiu en-

tão, efetivamente, a Presidência da empresa. Outro dado interessante,

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constando no edital de lançamento das debentures, mostrou a C.T.I.

com mil duzentos e oitenta e oito teares, quarenta e um mil trezentos

e quatro fusos, e uma produção de onze milhões de metros de tecidos

de fio fino por ano. Felix, agora com o controle geral da C.T.I., passou

a implementar algumas ideias que sempre tivera para as atividades

sociais da empresa e de seus trabalhadores.

Anteriormente, ele já tinha estimulado a criação do Círculo Operário

Católico, baseado nos moldes da encíclica “Rerum Novarum”. A encíclica,

cujo nome em latim significa “Das Coisas Novas” em português, foi publi-

cada, em 15 de maio de 1891, pelo Papa Leão XIII, Vincenzo Gioacchino

Pecci (1810-1903), curiosamente no mesmo mês da fundação da C.T.I.

Seu tema básico é a condição dos operários, abalada pelas inovações ad-

vindas da revolução industrial, do domínio do capital e dos escritos dos

pensadores socialistas, como Marx e Engels. Leão XIII, que foi um dos pa-

pas mais longevos da história da Igreja Católica, de 1878 a 1903, estabele-

ceu nessa obra os princípios para um bom relacionamento entre o capital

e o trabalho, que são considerados como a base da Democracia Cristã em

oposição ao Comunismo.

Assim Felix seguiu implementando sua visão de uma fábrica cristã,

em que o patrão deve atentar para as necessidades dos trabalhadores,

direcionando parte dos lucros para ações sociais, tais como proporcio-

nar a aquisição de casa própria por todos os seus operários. Acreditava

que, dessa forma, não haveria incentivo para o corpo de empregados

entrar em conflitos e greves contra a gerência. Consta que, de fato, nos

cinquenta anos da C.T.I., desde a sua fundação até a morte de Felix, não

aconteceu nenhuma greve. A partir de uma viagem para Ubatuba, em

1933, teve a ideia de promover férias coletivas para os empregados. Ele

comprou, em 1934, o famoso Sobradão do Porto, feito pelo português

Balthasar Fortes e mandou construir nos arredores diversas casas de

menor porte. Assim ocorreram as primeiras férias coletivas da C.T.I., em

1936.

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Antigo Sobradão do Porto, em Ubatuba, hoje sede da FundArt — Fundação

de Arte e Cultura de Ubatuba. Nesse mesmo casarão Felix recebia seus

amigos, entre eles Monteiro Lobato, um dos seus últimos visitantes.

Acervo de Maria Cecília.

Em 1937 foram instaladas creches para as crianças e teve início

a circulação do C.T.I. Jornal. Felix Guisard criou também uma coopera-

tiva para a venda de mantimentos e outros produtos para os funcioná-

rios. Fundou várias escolas, que a fábrica sustentava, incluindo a Esco-

la Técnica, hoje o SENAI de Taubaté, que leva seu nome, e uma escola

primária para os filhos dos empregados, o Grupo Escolar da C.T.I., que

foi fundado em 1941. A C.T.I. que, no início, empregava crianças na

sua força de trabalho, agora dava a elas, gratuitamente, o ensino funda-

mental e o técnico, incluindo alimentação, uniformes e até tratamento

dentário.

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Grupo Escolar da C.T.I., provavelmente em 1945. Acervo da família.

Ampliação da imagem anterior mostrando as professoras e autoridades.

Acervo da família.

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Podemos ver, ao centro, Jeanne Guisard e Felix Guisard Filho, e os

irmãos Alberto e Raul. No lado direito está tio Oswaldo, provavelmente

cobrindo o evento para fazer um artigo para o C.T.I. Jornal. Entre as pro-

fessoras a tia Iria, minha mãe Ivonne, tia Riveta, e tia Zizinha que era a

diretora. Para não cair no esquecimento, listo aqui as professoras e fun-

cionárias dessa querida escola. Abigail Rossi, as irmãs Ivonne, Riveta, Iria

e Odete Guisard, tia Zizinha (Luzia Rabelo Guisard), e, ainda, Aparecida

Nascimento, Leila Behring e Inês. Sem esquecer de Dona Brandina na

cozinha, do “seu” Zé Guidão e de Dona Margarida tentando controlar os

alunos no recreio. Nessa instituição eu fiz meus primeiros quatro anos de

estudo formal, de 1951 a 1954. Ao final do curso, em nossa formatura,

acabei sendo escolhido orador da turma, sendo paraninfo meu tio Alberto

Guisard.

Convite de minha formatura

no Grupo Escolar da C.T.I. —

1954.

Acervo da família.

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Simultaneamente com as suas ações no ambiente da C.T.I., Felix e

seus filhos, principalmente Alberto (1891-1969) e Raul (1896-1985), apro-

veitando a boa fase econômica da empresa, diversificavam seus interesses e

investimentos. Entre esses, temos a participação da família na Produtos Ali-

mentícios Embaré, com Carlos Herculano Inglês de Souza, na Auto Comer-

cial Taubaté, na Companhia Predial de Taubaté, na Companhia de Cinemas

do Vale do Paraíba, na Distribuidora de Filmes Cruzeiro, na Companhia de

Cinemas Sul Mineira, na Casa Bancária Alberto Guisard (que logo se trans-

formou no Banco do Vale do Paraiba S.A.), nos Supermercados Vale do Pa-

raíba e na Rádio Difusora de Taubaté, com Emílio Amadei Behrings. Otávio

por sua vez construiu, em 1935, um aeroporto na cidade, popularmente

chamado de Aeroporto do Tavico, onde fundou um movimentado aeroclube

que, após seu precoce falecimento, foi administrado por seu irmão Raul.

A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

Ainda sob sua gestão, a C.T.I. viu o Brasil, sob o comando de Vargas,

passar pelos percalços da Segunda Guerra Mundial. Desde 1920, quando

funda o Partido Nacional-Socialista, e 1925, quando publica suas ideias

em seu livro “Mein Kampf”, Adolf Hitler, auxiliado pelo deplorável estado

da economia na Alemanha agravado pela grande crise de 1929, consegue

imenso prestígio com posições nacionalistas radicais e militaristas,

atacando os comunistas e conseguindo o apoio das grandes indústrias

germânicas. Em 1933 Hitler é nomeado Chanceler e dá início ao III Reich,

insuflando as massas com posições extremadas, como a superioridade da

raça ariana e a necessidade de se buscar um hipotético Espaço Vital para

a Alemanha. E o país efetivamente prosperou. A indústria foi renovada,

principalmente a bélica. A aliança com Benito Mussolini, ditador da Itália,

aconteceu em 1938. Seguem-se a invasão da Polônia em 1939, a tomada

de Paris em 1940 e o primeiro ataque a uma embarcação cargueira

Brasileira, o “Taubaté”, metralhado por um avião do III Reich no mar

Mediterrâneo, em março de 1941.

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O Globo de 26/03/1941 com a manchete sobre o ataque ao navio “Taubaté”.

Em 7 de dezembro de 1941, o Japão atacou Pearl Harbour, forçando

assim a entrada dos Estados Unidos nos combates, iniciando a guerra no

Pacífico. Os Estados Unidos declararam guerra ao Japão no dia seguinte.

Três dias depois, em 11 de dezembro, a Alemanha declarou guerra aos Es-

tados Unidos, movimento seguido algumas horas depois pelo Congresso

Americano que, no mesmo dia, declarou guerra à Alemanha. Estava for-

mado o elenco principal da guerra, o Eixo com a Alemanha, Itália e Japão

contra os Aliados compostos principalmente pela Grã-Bretanha, França,

Rússia e os Estados Unidos.

Um dos grandes cenários dessa guerra teve como fundo o Oceano

Atlântico, onde ocorreram os bloqueios dos transportes marítimos de

soldados, armamentos e víveres entre as Américas e a Europa ocupa-

da. O Brasil, tendo muitos navios cargueiros torpedeados pelos subma-

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rinos alemães e italianos, no Atlântico Sul, veio a ter ativa participação

nessa Guerra. Em ação conjugada com as forças armadas americanas,

a partir de 1942, estabeleceram-se bases aéreas e navais em Recife

(que era o quartel general), em Natal e diversos outros portos além de

Fernando de Noronha. Em agosto de 1942, o Brasil formalmente de-

clarou-se em estado de guerra contra o Eixo. O esforço de guerra cul-

minou com o envio de tropas da Força Expedicionária Brasileira para a

retomada da Itália, lado a lado com os aliados americanos, em 1944 e

1945. O relacionamento político e econômico do Brasil com os Estados

Unidos foi intensificado por esse compartilhamento militar. A história

mostra que quatrocentos e treze brasileiros morreram na Itália e, junto

com os marinheiros e civis torpedeados no Atlântico, a nossa perda foi

de quase duas mil pessoas.

Durante os anos de Guerra e nos seguintes, ao seu final, diversos

empreendimentos no Brasil tiveram a ajuda americana. Basta citar a cria-

ção da Companhia Siderúrgica Nacional — CSN e da Companhia Vale do

Rio Doce. E também a criação do ITA — Instituto Tecnológico de Aeronáu-

tica, seguindo o modelo e a orientação do famoso MIT — Massachussets

Institute of Technology de Boston, exemplo de excelência na formação de

engenheiros. Escola que tive a honra de cursar e onde graduei-me como

Engenheiro de Eletrônica em 1967.

AS CONTAS DA C.T.I. AO FINAL DE 1941

Sob a Presidência de Felix, em pouco mais de dez anos, entre

1930/1931 e o final de 1941, ao lado do grande avanço do ponto de

vista social, também vimos a C.T.I. alcançando resultados impressio-

nantes no aspecto econômico e financeiro. O capital da empresa foi

aumentado na última assembleia geral realizada com a participação

de Felix Guisard, em 20 de novembro de 1941, poucos meses antes de

sua morte. Naquele momento, das vinte e cinco mil ações da C.T.I.,

Felix detinha cinco mil e cinco, sua esposa Jeanne tinha mil trezentas

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e quinze. Seus três filhos homens — Felix Filho, Alberto e Raul — que

com ele formavam o núcleo central de comando da empresa, tinham

seis mil quinhentas e vinte e cinco ações. Os cinco eram donos de

doze mil oitocentas e quarenta e cinco ações, ou seja, 51,38% do total,

proporcionando um controle absoluto nas decisões. Nessa data o capi-

tal da empresa passou de cinco mil contos de réis para dez mil contos

de réis.

Temos também o balanço da empresa, relativo a 31 de dezem-

bro de 1941, em que verificamos sua excelente condição econômica e

financeira. De uma maneira simplificada, o ano de 1941 mostrou uma

receita bruta da ordem de oito mil contos de réis, com despesas ope-

racionais da ordem de quatro mil e trezentos contos, dando um lucro

operacional da ordem de três mil e setecentos contos. O lucro foi então

distribuído para fundos diversos (oitocentos contos), para dividendos

aos acionistas (um mil e seiscentos contos) e bônus para a diretoria

(setecentos contos). O lucro líquido final foi então da ordem de qua-

trocentos contos de réis. O saldo de lucros retidos de anos anteriores,

que era de cinco mil e trezentos contos de réis, mais o do ano de 1941,

foram destinados a aumento de capital no valor de cinco mil contos de

réis, mantendo-se setecentos contos de réis como lucros retidos para

os exercícios futuros.

O patrimônio da C.T.I. apresentava-se com um total de vinte e um

mil contos de réis — compreendendo terrenos, edifícios, maquinários,

a usina elétrica, caixa e estoques. Esse valor, a preços atuais, corres-

ponderia a cerca de vinte e um milhões de dólares. Por outro lado, não

demonstrava dívidas de longo prazo, ou seja, seu nível de capitalização

era quase total. Tinha um capital de dez mil contos, mais cerca de oito

mil contos de reservas e lucros retidos, resultando em somente três mil

contos de réis como contas a pagar. Resultados excelentes partindo de

uma posição financeiramente muito ruim de dez anos antes.

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O FALECIMENTO DE FELIX GUISARD

Essa Assembleia de Acionistas foi a última atividade de Felix como

gestor maior da C.T.I. Consta que, logo após esse evento, ele desceu a serra

do Mar para aproveitar os últimos dias de verão, em seu casarão em Uba-

tuba, onde teve como convidado Monteiro Lobato, seu amigo. Foi quando

passou mal e viu-se obrigado a retornar rapidamente para Taubaté. Eram

seus últimos dias. Debilitado pela diabetes e com o coração enfraquecido,

não se recuperou, vindo a falecer em 29 de março de 1942. Seu enterro

foi, talvez, o mais impressionante de toda a história da cidade. Dizem os

jornais da época que uma enorme multidão, mais de vinte mil pessoas,

numa população total de cerca de quarenta e cinco mil, acompanhou o

cortejo, que teve, como último pedido do velho chefe, uma passagem por

todas as seções da C.T.I. antes de seguir para sua última morada.

Foi enterrado num imponen-

te mausoléu na entrada do cemi-

tério da Venerável Ordem III, ao

lado do centenário Convento de

Santa Clara, no centro da cidade de

Taubaté. Mausoléu para o qual Fe-

lix tinha trazido muitos dos restos

mortais da família, vindos da Fran-

ça e de outros locais do Brasil. Ali

ele repousa ao lado dos túmulos das

mais tradicionais famílias taubatea-

nas, incluindo os nobres do Império

como o Visconde de Tremembé e o

Visconde de Mossoró.

Mausoléu de Felix Guisard, na

entrada do Cemitério da Venerável

Ordem Terceira. Acervo da família.

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José Eugenio Guisard Ferraz

A C.T.I. prosseguiu suas operações, agora sob a Presidência de Fe-

lix Guisard Filho, que terminou em 1945 a construção de sua sede, com

seu famoso relógio, um dos símbolos da cidade de Taubaté. A C.T.I., por

sua estrutura fabril e sua organização, chegou a ser visitada por alunos

da Escola Superior de Guerra, tomada como exemplo de uma excelente

administração empresarial.

O complexo industrial da C.T.I. em 1951, com suas várias fábricas.

Acervo do MISTAU publicado na História de Taubaté através de Textos.

Depois de alguns anos, mais precisamente em 1953, sem a presen-

ça marcante de seu fundador, a empresa foi vendida para terceiros — o

grupo Veloso Borges, do Rio de Janeiro. Alguns anos mais tarde, em 1970,

ela foi revendida para a Companhia de Tecidos Nova América, também

do Rio de Janeiro. Nesse último período a C.T.I. deixou de fazer o produto

final, ficando somente na produção de fios e tecidos brutos, que eram for-

necidos para as demais fábricas do grupo. O número de empregados foi

enormemente reduzido. Em 1983, ocorreu a falência da Nova América e

a C.T.I. foi paralisada definitivamente.

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OS ÚLTIMOS DIAS DE EUGENIO

Por sua vez, depois do falecimento de vovó Zília, no dia 11 de janeiro

de 1949, passado algum tempo meu avô Eugenio, já com mais de setenta

anos de idade, resolveu casar-se novamente. Assim pensando e logo agin-

do, saiu em busca de uma companheira, para os anos que lhe restassem.

Lembro de minha mãe e minhas tias comentando as qualidades das can-

didatas que ele trazia para o julgamento da família. Depois de algumas

tentativas frustradas, vovô Eugenio foi levado por um amigo ao encontro

de uma senhora, na realidade uma freira que, por motivos de saúde, esta-

va passando uns tempos com sua família, fora do convento. E não é que

ele se encantou pela Dona Laura Felice, a freira de férias...

Meu avô Eugenio com tia Laura, em 1966. Imagem enviada por

Cláudio de Biasi.

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206

Dessa vez a família aplaudiu a escolha e logo tivemos no nosso

convívio uma nova pessoa, a quem chamávamos carinhosamente de Tia

Laura. Excelente pianista, ela deu aulas para muitos netos de Eugenio,

eu inclusive. Lembro-me de que, no fim do ano, no almoço de Natal no

casarão em Tremembé, tive de tocar “Pour Elise” para toda a família escu-

tar. Meu sofrimento foi atroz, mas cheguei ao fim da música sem maiores

problemas, e saí aplaudido da sala, vermelho como um pimentão. Tia

Laura, que no seu casamento com vovô Eugenio, em 1950, tinha quarenta

e cinco anos, foi sua companheira por dezoito anos, sempre cuidadosa e

atenciosa para com todos.

Encontro da família ao redor de vovô Eugenio — 1966.

Acervo da família.

Eugenio viveu tranquilamente seus dias de velhice cercado por

dezenas de netos e bisnetos, e com o carinho de todos. Frequentemente

íamos almoçar no casarão,na praça da igreja em Tremembé, sempre aos

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207

O Sol da Manhã...

domingos, passando um bom tempo brincando na sombra das grandes

árvores centenárias, velhas figueiras, que ali ainda hoje permanecem.

Vovô Eugenio faleceu em 24 de maio de 1968, um pouco antes de

completar noventa anos de idade, com um sorriso nos lábios, ainda

úmidos das gotas do conhaque que um de seus filhos lhe tinha levado,

sorrateiramente, ao Hospital Santa Isabel em Taubaté.

Seu velório, que aconteceu em minha casa, na Rua Quatro de

Março, foi também muito concorrido. Seu corpo seguiu para o cemitério

Municipal, subindo a rua Humaitá, até chegar à Travessa da Saudade,

bem no alto do morro, do outro lado da via Dutra, onde o aguardava

um simples túmulo, sem grandes enfeites, mas, como disse minha mãe

Ivonne, com uma linda vista para a cidade e para as montanhas.

Eugenio viveu o suficiente para ver, em 1964, um de seus netos,

eu, ficar noivo de uma jovem francesa, Mireille Marguerite Henriette,

a filha mais velha da família de André e Simone Nouailhetas. Eu me

recordo, com carinho, do jantar no sítio da família Nouailhetas, em

Quiririm, quando ficamos oficialmente comprometidos, e que contou

com a presença de vovô Eugenio, conversando em francês, alegre e feliz.

André chegou ao Brasil em 1949, a serviço do banco francês Crédit

Lyonnais. Vendo as possibilidades econômicas do país, principalmente

quando comparadas com a penúria do pós-guerra europeu, logo chamou

toda a família. Sua esposa Simone e seus quatro filhos: Mireille, Yannick,

Hervé e Brigitte. que chegaram em 1950 a bordo do transatlântico

Provence, tendo levado somente quatorze dias para fazer a travessia de

Marseille ao Rio de Janeiro. Sua quinta filha, Viviane, nasceria poucos

meses depois, já em terras brasileiras.

Reeditando o passado, uma família de franceses que veio

para o Novo Mundo, dessa vez logo após o final da Segunda Guerra

Mundial, cheia de esperanças, à procura de trabalho e oportunidades de

desenvolvimento.

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Casamento unindo as famílias Guisard Ferraz e Nouailhetas —

dezembro 1968. Acervo da família.

Mas essa é uma outra história, que fica para uma outra vez...

CONCLUSÃO

A história que acabamos de contar não é a vida de nenhuma

pessoa em particular, mas sim a trajetória de várias famílias que se

cruzaram em um espaço de quase duzentos anos, em dois continentes.

Quero deixar evidente que cada uma dessas dezenas de pessoas, de

quem falamos, teve seu lugar e seu valor nesse complexo conjunto de

relações humanas. Alguns com maior destaque, por sua competência e

seu arrojo, outros aparecendo menos, talvez por sua própria opção de

vida. Mas todos com igual importância no contexto da minha origem

— Mallet, Caillaud, Guisard, Vieira Ferraz, Nogueira Barbosa e Querido.

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209

O Sol da Manhã...

Um conjunto de pessoas que deixou suas marcas em muitas cidades de

nossa terra, principalmente em Taubaté, onde essa presença foi fator

importante na grande passagem de uma era já declinante, do domínio

dos campos pelos grandes senhores dos cafezais para uma nova so-

ciedade mais urbana, em que a industrialização passava a ser o ponto

focal. Uma mudança marcada por uma maior abertura de alternativas

sociais em diversos aspectos, com o aparecimento de novas crenças

religiosas, novas ideologias, novas escolas e até mesmo novos esportes

e movimentos artísticos e culturais. Uma mudança para uma sociedade

mais plural, mais participativa e criativa, em certos momentos difícil

de ser administrada, mas certamente com mais opções de vida e mais

liberdade de escolha.

Somando detalhes da longa trajetória de minha família, pontos

se realçam por seus valores humanos. O passado francês, que mereceu

um destaque especial, trouxe à tona a evidência de um objetivo desbra-

vador para essa aventura dos Guisard. A vinda da França para o Brasil,

na sua essência, representou a nossa participação no amplo processo

de imigração estrangeira para o “Novo Mundo”. Vale notar esse ímpeto

empreendedor que nos fez desbravar um oceano, e que no Brasil movi-

mentou-se para encontrar um lugar ideal para florescer.

A nossa família, de geração a geração, foi combinando a sua estru-

tura interna com os interesses e oportunidades que aconteceram ao seu

redor. Porém sem nunca perder o sentido de construir um legado valioso

e nobre, uma pequena epopeia que, de certa forma, justifica a elaboração

deste trabalho de memória. Meu casamento com uma jovem francesa dá

uma continuidade e demonstra um respeito pela história de uma família

que tem aprendido a conviver com a realidade brasileira e, ao mesmo

tempo, enfrentar desafios. O Sol da Manhã, em uma forma singela, bus-

cou iluminar um passado que me enobrece e, ao mesmo tempo, há de

iluminar dias futuros.

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AnexoÁRvores Genealógicas

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O Sol da Manhã...

AnexoÁRvores Genealógicas

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O Sol da Manhã...

Bibliografia e Referências

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do autor, 1974.

2. Audrá, Maria Cecília Guisard, “Felix Guisard. Olhando o Passado”.

Edição da autora, 2012.

3. Martins, Claudia, “Felix Guisard. A trajetória de um pioneiro”. Cabral

Editora e Livraria Universitária, 2009.

4. Mello e Souza, J. B., “Histórias do rio Paraíba” volumes 1 e 2. Saraiva

S.A. Livreiros Editores, 1969.

5. Oliveira, Washington de, “Ubatuba” documentário. Editora do

Escritor, 1977.

6. Marcondes, José Maurício Puppio, “O Visconde da Palmeira e a

Cidade Imperial”. JAC Gráfica e Editora, 2000.

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bandeirismo a centro industrial e universitário do Vale do Paraiba”.

Editora Santuário — 1991 2ª edição.

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1968.

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10. Beringhs, Emilio Amadei, “Conversando com a Saudade”. Editora

Bisordi, 1967.

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11. Martins, Gilberto, “Taubaté nos seus Primeiros Tempos”. Empresa

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12. Frazão, Lygia, “Tremembé — 300 anos de história”. 2001.

13. Gomes, Laurentino, “1889”. Editora Globo S.A., 2013.

14. Gomes, Laurentino, “1822”. Editora Globo S.A., 2015.

15. Gomes, Laurentino, “1808”. Editora Globo S.A., 2014.

16. Bueno, Eduardo, “Brasil: uma História”. Editora Atica, 2003.

17. Atlas of World History. Rand McNally, 1995.

18. Soto, Maria Cristina Martínez, “Pobreza e Conflito — Taubaté 1860-

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19. Soto, Maria Cristina Martinez, “Indústria e Transformações Urbanas:

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1996.

20. “Resgatando Taubaté, Ontem, Hoje e Sempre”, grupo formado no

Facebook por Luis Issa.

21. “Taubaté das Antigas”, grupo formado no Facebook por Flávio

Marques Silva, Herbert Levy Bretherik e outros.

22. Andrade, Antonio Carlos de Argollo e Maria Morgado de Abreu,

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23. Boiteux, Paulo, “História das Ferrovias Brasileiras”. Editora

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O Sol da Manhã...

24. Silva, Helio e Maria Cecília Ribas Carneiro, “História da República

Brasileira” em 20 volumes. Editora Três, 1975.

25. Ricci, Fabio, Monica Franchi Carniello e Nelson Wellausen Dias,

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set-dez/2012, Taubaté, S.P., Brasil.

26. Martins, Marcos Lobato, “Breviário de Diamantina: uma história do

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Editora, 2014.

27. Grespan, Jorge, “Revolução Francesa e Iluminismo”. Editora

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28. Lima, Roberto Guião de Souza, “O Ciclo do Café Vale-paraibano”.

Artigo encontrado no site www.institutocidadeviva.org.br.

29. “Conhecer para respeitar: patrimônio e cidadania em Diamantina”.

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30. ROTHE, M. ET.al. “100 anos de imigração alemã em Teófilo Otoni”.

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31. “A IMIGRAÇÃO ALEMÃ NO VALE DO MUCURI: TERRITORIALIDADE

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32. BRUN, Angela. Fotos postadas na internet na página do “Resgatando

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33. GOUVÊA, Carlos. Fotos e comentários postados na internet na

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34. NOBREGA, Hebe Querido. Filme postado na internet em sua página

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35. DUMAS, Alexandre. La Reine Margot. Diversas editoras e em e-book.

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36. EDUARDO GUISARD AGUIAR. Diversas fotos e referências da família.

37. CORREIO PAULISTANO. Edição de quinta-feira, 19/02/1942, página 9

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38. Bandeira, Júlio e Pedro Corrêa do Lago. “Debret e o Brasil — Obra

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39. “Who were celts”. Shoreline Community College, Shoreline, WA. Em

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40. Leone, A. R., “Orientarsi nella Storia”, v.1., Milão. Sansoni, 1995

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O Sol da Manhã...

46. Portella Ferreira Alves, J. V. “Mallet o Patrono da Artilharia”, Ed.

Biblioteca do Exército, 1979.

47. “Arquivos da Exposição da Indústria Nacional”. Rio de Janeiro,

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48. www.ocaixa.com.br. Apresenta a série histórica da taxa de conversão

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49. www.mesuringworth.com. Calcula o valor atual de um dólar no

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50. Dictionnaire généalogique, héraldique, chronologique et

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51. Barbosa, Jair Borges, “Vovó Nogueira”. Manuscrito, sem data.

52. “Espiritismo: Por que o Brasil?”. Artigo no site Aventuras na História.

Em aventurasnahistoria.uol.com.br

53. Blavatsky, H. P. “A Doutrina Secreta”, resumida e comentada por

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Este livro foi impresso pela gráfica Forma Certapara Editora Recanto das Letras

em novembro de 2018

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