O Teatro No Centro de Uma Prática Multidimensional-discursiva ABH 2010

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O TEATRO COMO CENTRO DE UMA PRÁTICA MULTIDIMENSIONAL- DISCURSIVA Jorge Rodrigues de SOUZA JÚNIOR 1 (PG/UNICAMP) Resumo: Nesse trabalho apresentamos alguns resultados de nossa pesquisa de mestrado em que realizamos, desde a perspectiva da Análise do Discurso de linha francesa, a apresentação de textos literários (tipos, quantidade e modos de exposição), em livros didáticos de Língua Espanhola para brasileiros (utilizados no Ensino Médio) discutindo tópicos que visam ao aprimoramento de cursos de capacitação continuada de professores de espanhol. Apresentamos os critérios multidimensional-discursivos (SERRANI, 2005) como bússola para docentes de espanhol como língua estrangeira em práticas com texto literário no ensino de línguas estrangeiras, em que não haja uma dicotomia entre língua e literatura. Após uma análise do trabalho realizado com textos nos materiais didáticos analisados, propomos lineamentos de discussão de textos teatrais em práticas de ensino de língua estrangeira, gênero discursivo ausente nos livros didáticos analisados. Palavras-chave: Espanhol para Brasileiros Texto Literário Teatro Análise do Discurso. Em nosso trabalho propomos a abordagem de textos literários em aulas de língua estrangeira a partir do currículo multidimensional-discursivo proposto por Serrani (2005) a partir do currículo multidimensional de Stern (1993) reelaborado a partir de uma perspectiva discursiva da linguagem. Por essa proposta, o currículo de ensino de línguas (seja materna ou estrangeira), ao contrário do que ocorre normalmente (em que é abordado por uma perspectiva unidimensional a partir de enfoques como o estruturalista, o comunicativista ou o normativista, por exemplo) é abordado multidimensionalmente, em que o conteúdo da aula de língua é trabalhado sobre componentes interdependentes, rompendo com uma prática que se apresente somente sob uma descrição da língua, conforme Serrani (idem). Um currículo que seja elaborado de acordo 1 Programa de pós-graduação em Lingüística Aplicada, do Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP. Campinas – SP. Email: [email protected]

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Texto apresentado para os anais do Congresso Brasileiro de Hispanistas, de 2010.

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  • O TEATRO COMO CENTRO DE UMA PRTICA MULTIDIMENSIONAL-

    DISCURSIVA

    Jorge Rodrigues de SOUZA JNIOR1 (PG/UNICAMP)

    Resumo: Nesse trabalho apresentamos alguns resultados de nossa pesquisa

    de mestrado em que realizamos, desde a perspectiva da Anlise do Discurso

    de linha francesa, a apresentao de textos literrios (tipos, quantidade e

    modos de exposio), em livros didticos de Lngua Espanhola para brasileiros

    (utilizados no Ensino Mdio) discutindo tpicos que visam ao aprimoramento de

    cursos de capacitao continuada de professores de espanhol. Apresentamos

    os critrios multidimensional-discursivos (SERRANI, 2005) como bssola para

    docentes de espanhol como lngua estrangeira em prticas com texto literrio

    no ensino de lnguas estrangeiras, em que no haja uma dicotomia entre lngua

    e literatura. Aps uma anlise do trabalho realizado com textos nos materiais

    didticos analisados, propomos lineamentos de discusso de textos teatrais em

    prticas de ensino de lngua estrangeira, gnero discursivo ausente nos livros

    didticos analisados.

    Palavras-chave: Espanhol para Brasileiros Texto Literrio Teatro Anlise

    do Discurso.

    Em nosso trabalho propomos a abordagem de textos literrios em aulas

    de lngua estrangeira a partir do currculo multidimensional-discursivo proposto

    por Serrani (2005) a partir do currculo multidimensional de Stern (1993)

    reelaborado a partir de uma perspectiva discursiva da linguagem. Por essa

    proposta, o currculo de ensino de lnguas (seja materna ou estrangeira), ao

    contrrio do que ocorre normalmente (em que abordado por uma perspectiva

    unidimensional a partir de enfoques como o estruturalista, o comunicativista ou

    o normativista, por exemplo) abordado multidimensionalmente, em que o

    contedo da aula de lngua trabalhado sobre componentes interdependentes,

    rompendo com uma prtica que se apresente somente sob uma descrio da

    lngua, conforme Serrani (idem). Um currculo que seja elaborado de acordo

    1 Programa de ps-graduao em Lingstica Aplicada, do Instituto de Estudos da Linguagem da

    UNICAMP. Campinas SP. Email: [email protected]

  • com critrios multidimensional-discursivos (idem) abordado conforme

    componentes interdependentes, rompendo com uma prtica que se apresente

    somente sob uma concepo de linguagem, (cf. SERRANI, 2005), os quais

    apresentamos a seguir.

    O componente intercultural o espao no qual o sujeito-aprendiz ter

    oportunidade em estudar no somente a cultura da lngua estrangeira, mas

    tambm os grupos e sujeitos pertencentes a esse mundo novo, assim como

    as prticas discursivas que o envolvem; pode-se trabalhar o contedo

    especfico de linguagem juntamente com o que se trabalhar neste

    componente, evitando que a aula de lngua seja somente uma prtica

    normativista.

    O componente lngua-discurso traz um olhar discursivo sobre a

    linguagem e tambm toda a teoria que estamos apresentando neste trabalho: a

    lngua tudo o que representa o sistema fonolgico e morfossinttico, o que se

    representa na esfera da materialidade lingstica, no fio do discurso; o

    processo discursivo refere-se s posies enunciativas, que ocorrem em

    contextos scio-histricos e subjetivos em toda produo verbal. Mas esses

    so processos interdependentes, ou seja, a lngua ocorre em processos

    discursivos, mas estes no ocorrem sem a materialidade lingstica: a

    alteridade intrnseca da linguagem. Neste componente o sujeito-aprendiz ter

    conscincia em relao diversidade lingstica de uma lngua,

    heterogeneidade que a constitui, s diferentes condies de produo do

    discurso, de como realizada a tomada de palavra pelos falantes e em quais

    situaes permitido dizer determinados discursos (e de que lugares esses

    discursos so produzidos: em uma escola existem discursos distintos dos que

    ocorrem em uma instituio jurdica ou comercial, por exemplo).

    O componente das prticas verbais o espao em que se trabalham as

    atividades mais recorrentes em uma aula de lngua: produo oral e escrita,

    compreenso auditiva, leitura e tambm traduo, pois, apesar de que sermos

    contra a uma prtica que esteja baseada somente na metalinguagem e no

    normativismo, o sistema da lngua no est separado das condies de

  • produo do discurso; a materialidade lingstica forma base dos processos

    discursivos.

    Ao propor anlises de materiais didticos para o ensino de espanhol para

    brasileiros, vimos a necessidade de adotar parmetros para discuti-los

    enquanto unidade. Conforme a postulao de Bakhtin (2006) que cada campo

    de utilizao da lngua elabora seus tipos relativamente estveis de

    enunciados, os quais se denominam gneros do discurso (p. 261); que o

    carter e as formas de uso da linguagem so to multiformes quanto os

    campos da atividade humana, o livro didtico, por ser uma atividade cujo

    funcionamento est constitudo de linguagem, se constitui em um gnero

    prprio.

    Sendo o livro didtico um tipo relativamente estvel de enunciado

    (idem), analisamos a estrutura e organizao de dois livros didticos,

    apresentando consideraes sobre o livro didtico enquanto gnero discursivo,

    destacando suas condies de produo, sua estrutura e funcionamento. Aps

    esse trabalho, realizarmos uma anlise multidimensional-discursiva (SERRANI,

    2005) de uma unidade de cada um dos dois livros, como modo de reflexo de

    sua estruturao, um olhar sobre o seu funcionamento discursivo.

    A escolha dos livros didticos analisados foi decidida conforme a

    Portaria SEB (da Secretaria de Educao Bsica do Ministrio da Educao)

    N 28, de 1 de dezembro de 2005, que selecionou os livros, as gramticas e

    os dicionrios a serem oferecidos aos professores do Ensino Mdio que

    lecionam espanhol na rede pblica. Dentre esses, escolhemos os que eram

    divididos em nveis, pois nossa inteno era a de mostrar que textos de

    materialidade complexa podem ser abordados no nveis iniciais de

    aprendizagem, os quais destacamos os nicos materiais divididos em nveis,

    em negrito:

    VILLALBA, T. K. B.; PICANO, D. C. L.. El arte de leer espaol. Curitiba:

    Base Editora, 2005;

  • MARTIN, I. R. Sntesis: curso de lengua espaola. So Paulo: tica,

    2005;

    BRIONES, A. et alii. Espaol ahora. So Paulo: Moderna, 2005; e

    BRUNO, F. C.; MENDONZA, M. A. C. L.. Hacia el espaol. So Paulo:

    Saraiva, 2005.

    Aps a descrio desses materiais a partir da teoria bakhtiniana dos

    gneros discursivos e anlises a partir dos componentes do currculo

    multidimensional-discursivo, chegamos constatao de que, dentre os

    gneros literrios presentes nos materiais didticos, o gnero teatral no

    estava presente.

    Ao propor lineamentos reflexo sobre o uso de obras de teatro no

    ensino de espanhol a brasileiros, articulando ainda esses contedos s

    unidades dos livros didticos analisados, deslocamos o olhar da apresentao

    de temas comunicativos, comum nesse tipo de material, para domnios de

    saber que mobilizem sentidos que no sejam unicamente cognitivos, mas que

    tragam ao centro da reflexo sobre a aula de lngua estrangeira temas que

    postulem que o scio-histrico no est alijado da linguagem.

    Essa postulao vai contra a apresentao de temas

    descontextualizados, cujas prticas utilizam textos sem referncia e que cuja

    textualizao no valoriza o percurso do sujeito-aprendiz como leitor, tampouco

    os sentidos que o constituem, que possuem uma histria; e que para a tomada

    de palavra por um sujeito h mobilizaes de sentidos, de processos

    identificatrios pautados pela ideologia, por sentidos constitudos na histria

    para a formulao de um dizer, processo tambm constitutivo de qualquer

    trabalho que se realize com a linguagem, quanto mais na aprendizagem de

    uma lngua estrangeira, pois tal processo se d sob diferentes condies de

    produo em cada lngua. Dessa forma cremos contribuir para novas prticas

    que deslocam a considerao comum sobre o livro didtico, realizando-o desde

    outro lugar, afetando tambm o efeito-leitor (cf. ORLANDI, 2008) que se

    constitui em prticas desse gnero discursivo.

  • Pode ser discutida, em uma perspectiva discursiva, a escolha de

    trabalharmos tais lineamentos com textos teatrais, e no com outro gnero

    discursivo, pois para qualquer discurso h uma injuno interpretao.

    Entretanto, nos concentramos especificamente no texto teatral que, dadas suas

    especificidades como gnero discursivo, incorpora, em seu funcionamento, a

    abordagem de temas e atividades cuja discusso se d pelo discurso, pelas

    enunciaes e as atuaes de personagens. Desse modo mobilizamos a

    abordagem de textos atravs de discusses de temas que geralmente so

    realizadas de forma episdica, cuja textualizao no permite outras respostas

    seno aquelas que os autores do livro didtico propuseram. Os livros didticos

    de lngua estrangeira raramente tratam de temas polmicos, cujo apagamento

    d-se sob apresentaes de temas gerais e que raramente mobilizam a

    vivncia dos sujeitos-aprendizes.

    Lineamento para o uso de texto teatral na aula de lngua: exemplo

    realizado a partir de Heroica de Buenos Aires (1992), de Osvaldo Dragn

    Neste exemplo, apresentamos trechos de obras de teatro para

    discusso de temas culturais, como o dinheiro (sua obteno e aplicao), seu

    valor em nossa sociedade, sua qualidade como categoria de diviso de

    classes, o status que sua posse proporciona e as questes ticas relacionadas

    a esse tema, discutidos nas unidades que selecionamos dos dois livros.

    Tambm apresentamos usos de expresses sobre pedidos, hipteses, desejos

    e possibilidades (cujo funcionamento ocorre conforme o paradigma verbal do

    presente de subjuntivo).

    Hacia el Espaol

    Unidade didtica: Unidad 4 tema: o dinheiro.

    Temas de discusso: expressar agrado ou aborrecimento.

    Contedo gramatical: conjugao e uso do presente de subjuntivo; ello e os

    demonstrativos neutros.

    No apresenta explicitamente destaque de tema cultural.

  • Sees com texto:

    Hacia la comprensin lectora: texto da revista Bitcora Centroamrica, sobre o

    valor do dinheiro como tema a ser apresentado na educao de crianas.

    Exerccios propostos: compreenso lexical (uso de demonstrativos e

    significado de palavras) e dar valores de verdadeiro ou falso s afirmaes

    baseadas no texto.

    Hacia la comprensin auditiva: texto com algumas palavras lunfardas, sobre o

    dinheiro. Exerccios propostos: perguntas de decodificao do texto.

    Espaol Ahora

    Unidade didtica: Leccin 3: Cmo dices?

    Temas de discusso: reproduzir e resumir o contedo de uma conversao;

    expressar admirao ou surpresa; expressar preos.

    Contedo gramatical: Estilo indireto (transformaes verbais e verbos

    introdutrios); presente de subjuntivo; pronomes de objeto direto; oraes

    subordinadas substantivas; advrbios e locues adverbiais ms, un poco, un

    poco ms.

    Tema cultural: relaes pessoais, novas formas de comunicao, moedas de

    pases hispnicos e apresentao de escritor peruano: Mario Vargas Llosa.

    Sees com texto:

    Te cuento un cuento: texto adaptado de uma revista, sobre os dirios digitais,

    blogs. Exerccios propostos: a partir de verbos destacadas do texto,

    apresentar o seu equivalente em portugus e seu infinitivo em espanhol.

    Dale que dale: nessa sesso h um texto de Vargas Llosa, em que o narrador,

    em primeira pessoa, fala de sua rotina e de seu trabalho. Exerccios

    propostos: atividade oral em que se recorda o que o autor conta de sua vida e

    a elaborao de uma pgina de um dirio.

  • Mundo hispnico: apresentao da moeda da Espanha e de alguns pases

    hispnicos, em que aparece imagens de algumas moedas.

    Texto y contexto: o uso de computadores como motivador de criatividade e

    apresentao de tabela comparativa de termos de informtica em ingls

    (apresentado como original), sua adaptao ao espanhol e o equivalente em

    portugus. Exerccios propostos: atividade de discusso a partir do tema

    apresentado (a informtica); elaborao de um resumo escrito da discusso.

    A obra gira em torno da protagonista Mara, dona de um comrcio de rua

    que a cada estao climtica muda de lugar. A mudana no s fsica, pois

    cada estao representa uma poca de sua vida. Seu trabalho deixar de lado

    suas necessidades e vontades, sempre a favor de seus filhos; mas tal

    dedicao sempre cobrada deles, o que faz com que ao passar dos anos

    seus filhos a abandonem. Para ilustrarmos esta discusso apresentamos o

    Cuadro II (Verano), trecho em que me e filho discutem a importncia de uma

    carreira prestigiada para ter uma boa posio na sociedade, cujo eixo gira em

    torno valorizao que Mara d a uma carreira de prestgio, ajuda que ela

    deu para que seu filho fizesse um curso sem trabalhar, e ao seu contragosto

    em fazer algo que no lhe apraz.

    I - Componente Intercultural

    Territrios, Espaos e Momentos: Barrio Norte, bairro da cidade de

    Buenos Aires, na Argentina, anos 60.

    Pessoa e Grupos Sociais: cidados de classe mdia (mulher dona de

    um quiosque, seus filhos, sua irm e um estudante).

    Legados Culturais: trecho do texto dramtico argentino Heroica de

    Buenos Aires, com temas ligados s relaes entre pais e filhos e ao

    trabalho urbano.

    II - Componente Lngua-Discurso: Neste componente propomos analisar as

    posies enunciativas dos personagens, de quais lugares sociais eles falam e

  • quais discursos esto autorizados a serem ditos nestes lugares, enfocando a

    relao me e filhos, assim como as marcas subjetivas que afloram nos

    discursos produzidos, no ato da pea teatral. Se a linguagem formal ou no e

    se est relacionada com alguma variedade especfica da lngua (ou a uma

    classe social), tambm so temas relevantes em abordagens que considerem a

    perspectiva discursiva, tendo como tpico a heterogeneidade da lngua.

    Apresentamos trechos tomados da pea com sentenas para o estudo dos

    temas de lngua que so propostos pelas unidades didticas escolhidas de

    Espaol Ahora e Hacia el Espaol. Em invs de apresentar expresses fixas

    de enfado e de desagrado (Hacia el Espaol) e de admirao e surpresa

    (Espaol Ahora) destacamos sentenas que possuem esse funcionamento,

    deslocando o foco em expresses formais e topicalizando no funcionamento do

    discurso.

    Usos de pronomes complemento direto de 3 pessoa:

    Exemplos extrados da pea:

    (1) ESTUDIANTE. (Mirando hacia el puesto.) Quines son?.... CARLOS.

    (Los va sealando.) Mam mi hermana Y el otroESTUDIANTE. (Lo

    corta.) Es un mucamo. CARLOS. Lo conocs? ESTUDIANTE. Si. Trabaja

    en mi casa. CARLOS. Vivs por aqui? ESTUDIANTE. A dos cuadras.

    (2) ESTUDIANTE. Y podramos pedirle una donacin para el Comit de

    Huelga de la FacultadCARLOS. A mam? Vos ests loco! (Pausa

    corta. Lo mira con intencin.) Tu viejo es industrial, no? ESTUDIANTE. S.

    CARLOS. Ah. Y por qu no lo peds a l? ESTUDIANTE. Ya me dio.

    CARLOS. (Lo mira sorprendido.) Te dio? No entiendo nada! Si ustedes

    se la pasan hablando contra los capitalistas!... ESTUDIANTE. (Solemne). La

    lucha de clases se da en forma muy compleja en la Argentina, Carlos. No es

    fcil de explicar. Corte violento de la luz sobre ellos dos. Y dos personajes

    del puesto comienzan a moverse instantneamente..

    (3) MARA. Ests muy raro vos, che! (Segura.) Pero maana te vas a

    recibir! CARLOS. (La mira. Pausa.) Y si me aplazan? MARA. Cmo te

  • van a aplazar, si yo necesito que te recibas? CARLOS. Y si me enfermo?

    MARA. Te sents mal, nene? Te voy a comprar licor de las hermanas?

    CARLOS. No, no me siento mal! MARA. Y entonces, para qu me

    asusts? (Lo mira.) Qu te pasa? ADA. (Desde lejos, como si cantase un

    estribillo.) Y si no quiere rendir? CARLOS. (A Ada.) Vos te calls, eh!

    MARA. (Mira a los dos. Pausa. Luego se aproxima a Carlos.) Cmo si

    no quers rendir? CARLOS. (Baja la vista. Pausa. Luego la mira casi con

    miedo) Y si no quiero? MARA. (Lo mira. Grave.) Me mats, nene. Es

    como si me escupieses en la cara todo lo que dej de comer para que

    coms vos todo lo que no me puse encima para comprarte ropa, y libros

    para que estudis Si no rends, me matas! Carlos la mira. Violentamente

    se vuelve al Estudiante y le grita. CARLOS. Te das cuenta? ESTUDIANTE.

    S. Pero no te confundas, Carlos. Lo hace para ella, no por vos. Como si

    comprase una casa, o un auto, o un tapado de armio CARLOS. Qu

    casa, qu auto, qu tapado de armio? De qu habls, se puede saber?

    ESTUDIANTE. Son ejemplos, nada ms. Quiero decir que para ella sos lo

    mismo que una propiedad una cosa que le pertenece una mercanca.

    Em (1), os dois personagens ocupam posies sociais contrastantes,

    apesar de terem a mesma ocupao. O fato de um deles apenas estar

    nomeado por sua ocupao pode ser discutida sob o vis de que esse

    personagem representaria a grande maioria dos estudantes universitrios

    naquele contexto: de famlia rica, com empregados, que vivem em bairros

    exclusivos, contrastando com o personagem de Carlos, cuja famlia trabalhava

    em um quiosque. No trecho (2) esse contraste reforado, quando o

    personagem Estudiante revela que seu pai industrial, e h um jogo irnico

    cujo funcionamento est na contradio de que os grevistas protestam contra

    os capitalistas, mas recebem sua ajuda. Essa observao sobre a poltica e

    sobre o capital reforada com a declarao de que a luta de classes na

    Argentina se faz de modo complexo, declarao que bruscamente

    interrompida pelo fim da cena. Em (3) a relao do status social com o dinheiro

    tambm est presente, em que me e filho possuem anseios diferentes com

    relao carreira deste ltimo, cujo conflito observado pelo terceiro

  • personagem, Estudiante, que declara que para Mara seu filho como uma

    propriedade sua, que lhe daria recursos para a sua vivncia que pode ser

    discutida sobre a relao que pais e filhos possuem entre si quando o assunto

    dinheiro.

    Usos de expresses sobre pedidos, hipteses, desejos e possibilidades

    Exemplos extrados da pea:

    (4) CARLOS. Vivs por aqui? ESTUDIANTE. A dos cuadras. Y qu

    quers que te explique? CARLOS. Todo. Porque no entiendo nada!

    ESTUDIANTE. Pero qu cosa quers que te explique? CARLOS. Quiero

    que me expliqus un da, si sabs tanto! Qu hora tens? ESTUDIANTE.

    (Mira su reloj.) Las ocho. CARLOS. Las ocho de la noche! Y desde las

    once de la maana que no entiendo nada! Eso quiero que me expliqus si

    sabs tanto! (La luz sobre el puesto ha desaparecido totalmente, slo hay

    luz sobre Carlos y el Estudiante.) Anoche no le dije nada a la vieja sobre la

    huelga de ustedes. Ella est esperando que rinda esa ltima materia que

    me falta para recibirme, sabs y esta maana, cuando pas por el puesto,

    no saba si le iba a decir algo de eso o no.

    (5) MARA. Ests muy raro vos, che! (Segura.) Pero maana te vas a

    recibir! CARLOS. (La mira. Pausa.) Y si me aplazan? MARA. Cmo te

    van a aplazar, si yo necesito que te recibas? CARLOS. Y si me enfermo?

    MARA. Te sents mal, nene? Te voy a comprar licor de las hermanas?

    CARLOS. No, no me siento mal! MARA. Y entonces, para qu me

    asusts? (Lo mira.) Qu te pasa? ADA. (Desde lejos, como si cantase un

    estribillo.) Y si no quiere rendir? CARLOS. (A Ada.) Vos te calls, eh!

    MARA. (Mira a los dos. Pausa. Luego se aproxima a Carlos.) Cmo si

    no quers rendir? CARLOS. (Baja la vista. Pausa. Luego la mira casi con

    miedo) Y si no quiero? MARA. (Lo mira. Grave.) Me mats, nene. Es

    como si me escupieses en la cara todo lo que dej de comer para que

    coms vos todo lo que no me puse encima para comprarte ropa, y

    libros para que estudis Si no rends, me matas!

  • (6) Carlos la mira. Violentamente se vuelve al Estudiante y le grita.

    CARLOS. Te das cuenta? ESTUDIANTE. S. Pero no te confundas,

    Carlos. Lo hace para ella, no por vos. Como si comprase una casa, o un

    auto, o un tapado de armioCARLOS. Qu casa, qu auto, qu tapado

    de armio? De qu habls, se puede saber? ESTUDIANTE. Son ejemplos,

    nada ms. Quiero decir que para ella sos lo mismo que una propiedad una

    cosa que le pertenece una mercanca.

    No trecho (4) o motivo da realizao da greve estudantil posto em

    discusso, cuja realizao no clara para um dos personagens, que se exclui

    dela ao coment-la com o seu interlocutor (la huelga de ustedes) e por

    comentar que por esse motivo no poderia terminar a ltima matria que

    faltaria para terminar o seu curso, financiado por sua me, que lhe faz

    cobranas sobre isso. Em (5) o tema de lngua destacado (o subjuntivo)

    aparece com mais destaque, o que serve de mote para uma abordagem da

    possibilidade das aes enunciadas em subjuntivo ocorrerem (yo necesito

    que te recibas), ou para expressar opinies ou desejos sobre atitudes de

    outras pessoas (si yo necesito que te recibas, para que estudis). Em (6)

    (que tambm o enunciado (3), mas cujo destaque retomamos devido

    ocorrncia de subjuntivo), esse carter da forma verbal no te confundas pode

    ser discutida sob o vis do uso desse tempo verbal em destaque (expresso de

    ordem negativa), comparando-a com as outras ocorrncias destacadas e sobre

    outros usos que poderiam ser utilizados nessa situao (de possibilidade,

    probabilidade, crenas, desejos etc.).

    Expresso de desagrado ou enfado

    Exemplos extrados da pea:

    (7) CARLOS. Vivs por aqui? ESTUDIANTE. A dos cuadras. Y qu

    quers que te explique? CARLOS. Todo. Porque no entiendo nada!

    ESTUDIANTE. Pero qu cosa quers que te explique? CARLOS.

    Quiero que me expliqus un da, si sabs tanto! Qu hora tens?

    ESTUDIANTE. (Mira su reloj.) Las ocho. CARLOS. Las ocho de la noche!

    Y desde las once de la maana que no entiendo nada! Eso quiero que

  • me expliqus si sabs tanto! (La luz sobre el puesto ha desaparecido

    totalmente, slo hay luz sobre Carlos y el Estudiante.) Anoche no le dije

    nada a la vieja sobre la huelga de ustedes. Ella est esperando que rinda

    esa ltima materia que me falta para recibirme, sabs y esta maana,

    cuando pas por el puesto, no saba si le iba a decir algo de eso o no

    (8) MARA. Toma, comete una pera. (Se la alcanza.) El agua de pera calma

    los nervios. JOSEFINA. Ah, por qu no habr estudiado. Ahora estara

    cantando en el Coln!... Qu buena voz tena! Te acords, Mara?...

    MARA. S, Josefina. Me acuerdo. JOSEFINA. Eh qu se le va a hacer!

    (Estornuda. Ada re.) Qu porquera! (Se suena.) Mejor me voy. Chau.

    Suerte, nene! CARLOS. Gracias..

    (9) MARA. (Mira a los dos. Pausa. Luego se aproxima a Carlos.) Cmo

    si no quers rendir? CARLOS. (Baja la vista. Pausa. Luego la mira casi con

    miedo) Y si no quiero? MARA. (Lo mira. Grave.) Me mats, nene. Es

    como si me escupieses en la cara todo lo que dej de comer para que

    coms vos todo lo que no me puse encima para comprarte ropa, y libros

    para que estudis Si no rends, me matas! Carlos la mira. Violentamente

    se vuelve al Estudiante y le grita.

    Observando esses trechos, a expresso de desagrado ou enfado no se

    realiza somente por expresses fixas como as apresentadas em Hacia el

    Espaol. Enunciaes com esse funcionamento esto em maior nmero em

    (7), em que os personagens discutem o carter da greve estudantil. O mesmo

    funcionamento se observa em (8) e (9), em que no primeiro o personagem

    enuncia um descontentamento com uma rotina no passado que no se repete

    mais e em (9) quando Mara expressa, de forma mais efusiva, o

    descontentamento que teria caso seu filho no se formasse. Esses trechos do

    mostras de que sentidos de um funcionamento especfico da lngua no esto

    atrelados somente a determinadas formas lingsticas, como as apresentadas

    no material didtico.

  • Expresso de admirao ou surpresa

    Exemplos extrados da pea:

    (10) CARLOS. Vivs por aqui? ESTUDIANTE. A dos cuadras. Y qu

    quers que te explique? CARLOS. Todo. Porque no entiendo nada!

    ESTUDIANTE. Pero qu cosa quers que te explique? CARLOS. Quiero

    que me expliqus un da, si sabs tanto! Qu hora tens? ESTUDIANTE.

    (Mira su reloj.) Las ocho..

    (11) ADA. Mir, mamiCarlos! MARA. (A Carlos.) Qu hacs por aqu,

    a las once de la maana! Tendras que estar estudiando CARLOS. Haca

    mucho calor en casa Aqu puedo meterme en algn caf con ventilador

    y estoy cerca de la Facultad, por cualquier cosa JOSEFINA. As que

    maana te recibs, nene? CARLOS. Maana rindo la ltima MARA.

    Maana te recibs! Eh!... Por qu tens esa cara de limn agrio?

    CARLOS. No tengo cara de limn agrio. Estoy nerviosonada ms. MARA.

    Toma, comete una pera. (Se la alcanza.) El agua de pera calma los

    nervios..

    (12) MARA. Ests muy raro vos, che! (Segura.) Pero maana te vas a

    recibir! CARLOS. (La mira. Pausa.) Y si me aplazan? MARA. Cmo te

    van a aplazar, si yo necesito que te recibas? CARLOS. Y si me

    enfermo? MARA. Te sents mal, nene? Te voy a comprar licor de las

    hermanas? CARLOS. No, no me siento mal! MARA. Y entonces, para

    qu me asusts? (Lo mira.) Qu te pasa? ADA. (Desde lejos, como si

    cantase un estribillo.) Y si no quiere rendir? CARLOS. (A Ada.) Vos te

    calls, eh! MARA. (Mira a los dos. Pausa. Luego se aproxima a Carlos.)

    Cmo si no quers rendir? CARLOS. (Baja la vista. Pausa. Luego la

    mira casi con miedo) Y si no quiero? MARA. (Lo mira. Grave.) Me

    mats, nene. Es como si me escupieses en la cara todo lo que dej de

    comer para que coms vos todo lo que no me puse encima para

    comprarte ropa, y libros para que estudis Si no rends, me matas!.

  • Sobre esse tema, expresses de admirao ou surpresa, vemos que em

    (10) apontamos uma frase (Porque no entiendo nada!) que, alm desse

    funcionamento, possui tambm aquele que destacamos anteriormente, de

    desagrado ou enfado, mostra de que a materialidade lingstica no estanque

    com determinados funcionamentos e excluindo outros, dando a possibilidade

    de expressar diferentes modos de significao. Em (11) as expresses

    destacadas foram formuladas pelo mesmo enunciador, Mara, surpresa com as

    atitudes de seu filho, enunciado em que est retomada a dvida de Carlos em

    relao sua formao e a tenso de sua me em relao a esse tema, cujas

    expresses tambm demonstram sua preocupao, funcionamentos que esto

    mais acentuados no trecho (12).

    III - Componente de prticas verbais: propondo lineamentos para a

    realizao de prticas de leitura, escrita, escuta e produo oral, a partir do

    trecho teatral que destacamos, consideramos, como apontamos anteriormente,

    a importncia de se abordar sobre o ambiente em que se desenrola a histria,

    pois a reflexo sobre territorialidades, como o trecho geogrfico citado na pea

    [La] esquina de Callao y Santa Fe u otra caracterstica del Barrio Norte, zona

    elegante de Buenos Aires, importante como compreenso das condies de

    produo da ao, comparando essa territorialidade d na poca da ao com o

    momento atual, com discusses sobre a possibilidade da ocorrncia ou da

    existncia das condies de trabalho da personagem principal.

    Tpicos de discusso: relaes entre pais e filhos.

    No que se refere a esse tpico, vemos que as relaes entre pais e

    filhos se realizam de modo distinto, conforme os dilogos dos personagens

    Estudiante e Carlos, cujas posies sociais so diferentes, o que permitiria

    abordar o papel das condies sociais nas relaes familiares.

    Apesar de no haver referncia poca em que ocorre a ao da trama,

    descries como a que h sobre Carlos, [a]caba de llegar de la Facultad,

    donde estudia Ciencias Econmicas. Tiene algunos libros bajo el brazo y est

    vestido de traje., permite discutir se atualmente tal perfil corresponde aos

    estudantes universitrios de hoje. E dada a posio social das personagens de

  • Mara e Carlos e do fato desse ltimo no trabalhar, apenas estudar, a

    relevncia de uma discusso sobre filhos que dependem financeiramente dos

    pais para os seus estudos, alm da obrigatoriedade que os filhos teriam para

    estudar o que os pais desejam so pontos a serem discutidos a partir do trecho

    selecionado.

    A materialidade do texto teatral permite considerar diversos efeitos

    discursivos e de sentido, dentre os quais destacamos as didasclias2, pela

    contextualizao de elementos que pela enunciao no so perceptveis,

    como a movimentao dos personagens e da gestualidade que realizam ao

    enunciar; a presena, no discurso, de perguntas retricas, cujo funcionamento

    discursivo se d de modo diferente ao que a materialidade aponta, ou seja,

    enunciadas com propsito diversos aos de convocar um interlocutor que

    responda ao que est sendo perguntado (perguntas que no perguntam,

    como de fato ocorrem no discurso cotidiano); a problemtica de usar

    expresses fixas para determinados usos, como o de enunciar preocupaes,

    temor, enfado, admirao e surpresa, por exemplo, que podem ocorrer pela

    conjuno de fatores como a situao em que est sendo enunciada, as

    formaes imaginrias em funcionamento em cada enunciao; os exemplos

    concretos da variedade coloquial oral favorecem o trabalho com essa

    variedade, muitas vezes apagada nos materiais didticos, enunciados por

    personagens em relaes familiares, cotidianas e informais; o funcionamento

    irnico nas enunciaes, que direcionam ao sentido contraditrio ao que a

    materialidade aponta, realizao que se d conforme a relao entre os

    interlocutores, a situao da enunciao, ao que pode ser dito de acordo com

    as formaes discursivas das condies de produo desses discursos etc.,

    elementos em funcionamento no discurso cotidiano e que no esto

    destacados nas prticas de interpretao com os textos presentes nos

    materiais didticos analisados.

    2 Originalmente, no teatro grego, as didasclias eram destinadas aos intrpretes. No teatro moderno, em

    que falamos de indicaes cnicas, trata-se dos textos que no se destinam a ser pronunciados no palco, mas que ajudam o leitor a compreender e a imaginar a ao e as personagens. Esses textos so igualmente teis ao diretor e aos atores durante os ensaios, mesmo que eles no os respeitem. Distinguimos as indicaes que concernem apenas conduo da narrativa (...) daquelas que seriam estritamente cnicas. (RYNGAERT, 1996: p. 94).

  • Literature and the teaching of Spanish to Brazilian Students: Drama as the

    center of multidimensional-discursive practices

    Resmen: En este trabajo presentamos algunos resultados de nuestra

    investigacin de Maestra que realizamos, desde la perspectiva del Anlisis del

    Discurso de lnea francesa, la presentacin de textos literarios (tipos,

    cuantidades y modos de exposicin), en libros de texto de Lengua Espaola

    para brasileos, discutiendo temas para la mejora de cursos de formacin de

    profesores de espaol. Presentamos el currculo multidimensional-discursivo

    (SERRANI, 2005), como brjula para docentes de espaol como lengua

    extranjera en prcticas con texto literario en la enseanza de lenguas

    extranjeras, en las cuales no haya una dicotoma entre lengua y literatura. Tras

    un anlisis del trabajo realizado con textos en los libros de texto analizados,

    propusimos abordajes de discusiones de texto teatrales en prcticas de

    enseanza de lengua extranjera, gnero discursivo ausente en los libros de

    texto.

    Palabras-clave: Espaol para Brasileos Texto Literario Teatro Anlisis

    del Discurso.

    Referncias

    FERNNDEZ, G. (coord.). Teatro argentino contemporneo. Antologa. 1

    ed., Madri: Fondo de Cultura Econmica, 1992.

    RYNGAERT, J-P. Introduo anlise do teatro. (Trad. de Paulo Neves).

    SP: Martins Fontes, 1995.

    SERRANI, S. Discurso e cultura na aula de lngua: Currculo, leitura,

    escrita. Campinas: Pontes, 2005.

    SOUZA JNIOR, J. R. A literatura no ensino de espanhol a brasileiros: o teatro

    como centro de uma prtica multdimensional-discursiva. 2010. 196f.

    Dissertao (Mestrado em Lingstica Aplicada). Unicamp, Campinas, 2010.