O Tecnobrega e a Pirataria Institucionalizada

12
Luiza de Sá Monteiro O Tecnobrega e a Pirataria Institucionalizada Os Novos Modelos de Negócios no Capitalismo Artigo acadêmico entregue ao Programa de Pós- Graduação do Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito para conclusão do curso de Produção em Mídias Digitais Aluno(a): Luiza de Sá Monteiro Orientador: Prof. Richardson Pontone Belo Horizonte-MG Março / 2011

description

Artigo acadêmico entregue ao Programa de Pós- Graduação do Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito para conclusão do curso de Produção em Mídias Digitais. Autor: Luiza de Sá Orientação: Prof. Richardson Pontone

Transcript of O Tecnobrega e a Pirataria Institucionalizada

Page 1: O Tecnobrega e a Pirataria Institucionalizada

Luiza de Sá Monteiro

O Tecnobrega e a Pirataria Institucionalizada Os Novos Modelos de Negócios no Capitalismo

Artigo acadêmico entregue ao Programa de Pós- Graduação do Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito para conclusão do curso de Produção em Mídias Digitais Aluno(a): Luiza de Sá Monteiro Orientador: Prof. Richardson Pontone

Belo Horizonte-MG Março / 2011

Page 2: O Tecnobrega e a Pirataria Institucionalizada

2

Tecnobrega e a Pirataria Institucionalizada: Os Novos Modelos de Negócio no Capitalismo

Luiza de Sá Monteiro Resumo O presente trabalho abordará aspectos da cadeia produtiva do tecnobrega, ritmo característico da região norte do Brasil, especificamente do estado do Pará, e deseja articular a discussão do novo modelo de negócios empreendido por seus agentes se ancorando na teórica marxista e frankfurtiana. Do ponto de vista marxista, o trabalho procura alimentar a discussão tendo como base o conceito de choque entre forças produtivas e relações de produção. No que tange a Escola de Frankfurt, neste trabalho contemplado por Adorno e Horkheimer em Dialética do Esclarecimento, procura-se observar se esta nova cadeia produtiva da cena musical é alheia à Indústria Cultural ou se está presente estruturalmente nela mesmo sustentando-se independentemente dos grandes meios de comunicação. Palavras-chave Tecnobrega; relações de produção; indústria cultural O debate contemporâneo sobre as novas possibilidades na cadeia produtiva da

música está acalorado. Muito se diz sobre os novos rumos de negócios que

adotam modelos open business1 e uma estrutura colaborativa como base de

sustentação e reprodutibilidade.

A introdução das chamadas Creative Commons2, o download remunerado, a

profusão dos pontos e casas de cultura e o aumento na capacidade de

circulação de bandas pelo território nacional através de ações de coletivos

organizados em rede, lançam ares bastante esperançosos nessa nova fase em

que essa cadeia produtiva musical está inserida. 1 De acordo com Ronaldo Lemos, open business são modelos de negócio sustentáveis, sem geração de receita pelos direitos de propriedade intelectual, ou, por direitos autorais. A liberação do uso de uma obra pode se dar pela utilização de um instrumento legal como a licença Creative Commons ou por uma situação social, em que a ausência de estruturas de propriedade intelectual gera, na prática, o compartilhamento de conteúdo. Em geral, as principais características de modelos de negócios abertos são a sustentabilidade econômica; flexibilização dos direitos de propriedade intelectual; horizontalização da cadeia de valor; ampliação do acesso à cultura; e contribuição da tecnologia para ampliação desse acesso. 2 É um sistema de licenças jurídicas para obras intelectuais. As obras já nascem com “todos os direitos reservados”, pelo copyright. Numa atitude de baixo para cima, podemos trocar por “alguns direitos reservados”, colocando o selo do Creative Commons – daí o termo copyleft para esse tipo de licença. O autor só precisa colar o selo no CD, site, livro, filme, e assim passa a mostrar que permite a reprodução de sua obra, sem fins comerciais, e/ou que ela seja usada em outras obras.

Page 3: O Tecnobrega e a Pirataria Institucionalizada

3

Nesta conjuntura está implantado, enquanto fenômeno, o modelo produtivo do

Tecnobrega, característico de Belém do Pará, região Norte do Brasil. Visto

como uma produção originada nas periferias de Belém, o estilo musical bem

como sua forma de sobrevivência, tornou-se objeto de estudo para Ronaldo

Lemos e Oona Castro, do Instituto Overmundo e gerou como produto de

pesquisa o livro Estudando o Tecnobrega: O Pará reinventando o negócio da

música3.

É preciso analisar de maneira cautelosa, porém, essas questões tidas como

novidades ou alternativas ao modelo capitalista de produção no qual se

assenta a indústria fonográfica, que por sua vez, remete dialeticamente à lógica

de sobrevivência da Indústria Cultural.

Estariam estes novos modelos produtivos rompendo com a lógica hegemônica

ou apresentando novas facetas deste sistema?

Como proposta de uma análise ainda bastante inicial sobre este tema, serão

abordadas questões teóricas que ganham corpo no terreno do marxismo e da

Indústria Cultural. Serão também contempladas e explicitadas as

características do estilo musical Tecnobrega e seu modelo de negócio que o

torna peculiar diante de outros exemplos contemporâneos.

1. Afinal, o que o Tecnobrega tem?

Antes de entrarmos em detalhes, vale ressaltar que não cabe neste espaço

uma discussão aprofundada sobre o que é o estilo em si, nem tampouco criar

juízo de valor sobre qualidade musical, valor estético ou elucidar questões de

ordem moral. Interessa-nos aqui discutir a lógica produtiva do estilo e se essa

mesma lógica apresenta uma ruptura inovadora ao sistema tradicional de

reprodução capitalista.

3 Disponível para download em: <http://portalliteral.terra.com.br/lancamentos/download/715_tecnobregamiolo.pdf>

Page 4: O Tecnobrega e a Pirataria Institucionalizada

4

"O tecnobrega nasceu do brega tradicional, produzido nas décadas de 1970 e 1980, quando se formou o movimento do gênero no Pará. Na década de 1990, incorporando novos elementos à sua tradição, os artistas do estado começaram a produzir novos gêneros musicais, como o bregacalypso, influenciados pelo estilo caribenho. No início dos anos 2000, por volta de 2002, surgiu o tecnobrega." (LEMOS, 2008, 21).

Uma das bandas pioneiras do estilo em Belém do Pará e conhecida por todo o

Brasil é a chamada Calypso, formada pela cantora Joelma e o guitarrista

Chimbinha. De acordo com uma pesquisa realizada pela Data Folha em 2007,

a Calypso fora a banda mais ouvida daquele ano (LEMOS, 2008, p.16). E é de

notório saber popular que para uma banda estourar na comumente chamada

"parada de sucesso", ela precisa vender muito e realizar muitos shows. O

diferencial já começa por aí. A banda Calypso atingiu um patamar de

notoriedade nacional sem uma gravadora e vendendo CDs a R$5 e R$10 em

supermercados populares.

Assim, na intenção de compreenderem o "modus operandi" deste sucesso não

convencional, a banda foi convidada a participar do programa líder de

audiência aos domingos, Domingão do Faustão, quando já era sucesso por

todo o Nordeste. A partir daí, a projeção nacional utilizando um veículo de

comunicação com a penetração que tem a TV Globo foi imediata.

Como é de se esperar, uma banda que recebe um aval e uma tarimba do

programa que possui o horário publicitário mais caro do país, (LEMOS,

2008,17) é veementemente assediada por gravadoras. Porém, mais uma vez a

banda surpreende a não abre mão de sua própria cadeia produtiva. Eles se

tornaram então uma referência para outras bandas de Belém a tentarem atingir

este patamar de reconhecimento.

1.1. Uma breve história do Tecnobrega

O brega é um ritmo que se desenvolveu a partir da década de 70 na região

Norte do país, com ênfase na cidade de Belém, no Pará. Com uma

concentração bastante local, o desenvolvimento de suas estruturas começou

da mesma maneira como qualquer outra cena musical, com o despontar de

alguns artistas a partir de gravadoras que se fortaleceram na década de 80. "O

Page 5: O Tecnobrega e a Pirataria Institucionalizada

5

negócio da música brega e ritmos dela derivados cresceu em ritmo acelerado.

Investiu-se na abertura de novas casas de show, estúdios, editoras e

gravadoras." (LEMOS, 2008, p.27). Paralelamente a este desenvolvimento,

tomava corpo também outro modelo de concentração baseado na propriedade

privada: o direito autoral e a propriedade intelectual.

No final da década de 80 e até os meados da década seguinte, o brega perdeu

um pouco a sua expressão com a chegada intensa do axé baiano. "O axé

ganhou expressão nacional e chegou ao Pará, ocupando o cenário antes

protagonizado pelo brega e afastando o estilo local da cena musical paraense

por um longo período.” (LEMOS, 2008, p.27).

O renascimento do brega veio arejado pelas novidades das influências de

ritmos caribenhos, introdução das guitarras e novos artistas. E também as

agências, as produtoras e os selos independentes.

"O tecnobrega nasceu da fusão da música eletrônica com o brega tradicional. Esse novo estilo musical foi criado longe das gravadoras – nacionais e locais, grandes ou pequenas – e dos meios de comunicação de massa – em especial, rádio e televisão." (LEMOS, 2009, p.38).

Apesar de seu surgimento e sua manutenção acontecerem por fora dos

grandes meios de comunicação, o tecnobrega consegue transitar pelos dois

meios, como é o exemplo da banda Calypso citada no início deste ponto. É um

modelo que se sustenta independentemente do mainstream, mas que se

projeta nacionalmente através dele e também pela internet, atribuindo mais

uma característica à sua sistêmica, que também é verificada na cena musical

independente de maneira geral.

1.2. Os agentes do circuito do Tecnobrega

Este modelo de negócio musical só existe e sobrevive com a integração de

seus agentes. Lemos e Castro procuram simplificar a sua lógica fundamental

da seguinte maneira: "O mercado é movimentado por casas de festas, shows, vendas nas ruas e as aparelhagens – gigantescas estruturas sonoras que protagonizam as festas do tecnobrega.

Page 6: O Tecnobrega e a Pirataria Institucionalizada

6

Simplificadamente, podemos dizer que o mercado do tecnobrega funciona de acordo com o seguinte ciclo: 1) os artistas gravam em estúdios – próprios ou de terceiros; 2) as melhores produções são levadas a reprodutores de larga escala e camelôs; 3) ambulantes vendem os CDs a preços compatíveis com a realidade local e os divulgam; 4) DJs tocam nas festas; 5) artistas são contratados para shows; 6) nos shows, CDs e DVDs são gravados e vendidos; 7) bandas, músicas e aparelhagens fazem sucesso e realimentam o ciclo." (LEMOS, 2008, 22).

Além das questões técnicas das aparelhagens é interessante ressaltar alguns

pontos nesse circuito. Os chamados reprodutores não autorizados ou

distribuidores informais são peça fundamental dessa engrenagem. Eles

reproduzem os materiais dos estúdios caseiros e os repassam aos vendedores

de rua (camelôs). 80% dos CDs nas bancas dos ambulantes são comprados

desses agentes. Na sequência dessa cadeia estão os vendedores de rua, os

camelôs, que juntamente aos reprodutores informais constituem o núcleo da

pirataria institucionalizada. Estes agentes São os principais responsáveis pela

venda dos CDs e DVDs de tecnobrega. Alguns deles reproduzem por conta

própria o material que recebem dos cantores e compositores e essa função,

além de reconhecida, é estimulada pelos artistas. Essa provavelmente é uma

das questões que têm atribuído ao Tecnobrega um caráter de ineditismo nessa

nova indústria fonográfica. Com a crise das majors - as grandes gravadoras e

selos - a pirataria institucionalizada assume um papel central inclusive na

discussão atual da lei de direito autoral (Lei nº 9.610/98), que aborda, entre

outros pontos, a dicotomia entre propriedade intelectual e livre acesso ao

conhecimento.

Outro ponto de destaque são os lugares em que se organizam as festas. Além

de grandes galpões e casas de shows, as apresentações também acontecem

em balneários. Estes espaços são clubes campestres de sindicatos e

associações profissionais, onde as aparelhagens fazem as festas aos

domingos, entre 10h e 22h. Há, portanto uma penetração efetiva deste modelo

em espaços de representação de categoria de trabalhadores.

Os meios de comunicação de massa também constituem um dos pilares de

sustentação do negócio do tecnobrega, mesmo que de maneira tangente.

Page 7: O Tecnobrega e a Pirataria Institucionalizada

7

Alguns DJs de tecnobrega são apresentadores de programas de rádio e TV. De

acordo com a pesquisa qualitativa organizada por Ronaldo Lemos através de

amplas entrevistas locais, "estes programas surgiram por pressão do público, já

que as rádios e TVs se recusavam a tocar o tecnobrega." (idem, p. 39).

1.3. A pirataria institucionalizada

O que estamos assistindo hoje, a esse fenômeno da pirataria institucionalizada

exercendo pressão sobre a lógica da indústria cultural de maneira geral e

especificamente na indústria fonográfica é o que Marx colocou no prefácio do

Contribuição à Crítica da Economia Política (1859), o choque das forças

produtivas com as relações de produção. Assim o autor definiu:

"Na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção, que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e a qual correspondem determinadas formas de consciência social." (MARX, 1859, (1982), 23.)

Esta ponderação diz respeito frontalmente e de maneira extremamente

contemporânea do sistema capitalista de produção e seu modus operandis e

determina o espaço da economia como base de sustentação deste sistema e o

jurídico e o político como lugares superestruturais, portanto dialeticamente

condicionados pela questão econômica. Passa-se por um momento de crise

nesta base econômica, a superestrutura reage para tentar contê-la - através de

ações legais, no campo jurídico, ou reformistas, no campo político - ou superá-

la de maneira revolucionária - pela tomada do poder político pelo proletariado

em condições objetivas e subjetivas consonantes e historicamente específicas.

Isso Marx também coloca logo em seguida a essa explicação:

"Em certo estágio de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que é a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais se tinham movido até então. Estas relações transformam-se de formas de desenvolvimento das forças produtivas em seus

Page 8: O Tecnobrega e a Pirataria Institucionalizada

8

entraves. Abre-se então uma época de revolução social. Com a transformação da base econômica, toda a imensa superestrutura se transforma com maior ou menor rapidez. Ao considerarmos estas transformações, é sempre preciso distinguir entre a transformação material das condições econômicas de produção, suscetível de ser constatada de modo cientificamente rigoroso, e as formas jurídicas, políticas, religiosas ou filosóficas, numa palavra, ideológicas em que os homens tomam consciência deste conflito e o dirigem até ao fim.” (idem)

Trazendo esta discussão proposta por Marx para a atual conjuntura em que o

tema deste artigo se insere, podem-se estabelecer alguns apontamentos para

esclarecer e compreender melhor o terreno em que se assenta a atual crise

fonográfica4 e a justificativa - ou pelo menos a intenção dela - através dos

espaços jurídicos e políticos que almejam rediscutir ou mesmo alterar

profundamente suas relações de propriedade, entendendo essa propriedade

enquanto uma relação de produção expressa também nas formas de

propriedade intelectual e direito autoral.

Da década de 70 até os dias de hoje, um período de 30 anos - curto prazo em

dimensões de tempo histórico - um desenvolvimento intenso das forças

produtivas aconteceu, especificamente às que dizem respeito à divulgação e

reprodutibilidade de bens simbólicos, que são mercantilizados. Neste sentido, o

desenvolvimento tecnológico assume lugar central, pois ele diz respeito não

somente a questões técnicas como também às próprias relações humanas.

Este desenvolvimento está afetando as relações de produção, que,

essencialmente, é a relação entre as pessoas para produzir alguma coisa.

Relação patrão-empregado, por exemplo. O modelo do tecnobrega é um

exemplo bastante pontual neste caso, dada a abertura e ampliação da

possibilidade de se produzir e reproduzir uma certa mercadoria (CDs e DVDs,

por exemplo). As forças produtivas (a tecnologia, neste caso) se

desenvolveram e continuam se desenvolvendo de tal forma que a reprodução

deixa de ser uma atividade econômica e passa a ser uma atividade doméstica. 4 De acordo com a ABPD (Associação Brasileira de Produtores de Discos), houve uma retração significativa no mercado de produção de CDs. De 2006 para 2007, as vendas caíram 31,2%, passando de 454,2 milhões para 312,5 milhões. Disponível em: <http://www.abpd.org.br/estatisticas_mercado_brasil.asp>

Page 9: O Tecnobrega e a Pirataria Institucionalizada

9

Os estúdios caseiros, as reproduções feitas pelos camelôs e o modelo de

divulgação "do it your self", potencializado pela internet e a lógica da

organização em rede são exemplos concretos.

“A apropriação das novas tecnologias é chave nesse ciclo produtivo. Estúdios caseiros, por exemplo, só foram possíveis graças ao acesso a equipamentos e computadores. O barateamento dos custos de produção por meio de tecnologias e mídias, como CDs e DVDs, possibilitou a criação de uma rede de diversos agentes no cenário musical de Belém, gerando trabalho, renda e acesso à cultura no Pará.” (LEMOS, 2008, 22)

O que está continuamente sendo proclamado como novo modelo de negócio,

na realidade, é uma condição criada no seio do próprio sistema produtivo que

está em crise. À medida que as relações de propriedade privada estabelecem

entraves para a própria reprodução do sistema que as geriu, os instrumentos

legais e jurídicos assumem uma principalidade para pouparem a infraestrutura

de sua ruína.

São as relações sociais que determinam o direito e não vice-e-versa. Tanto o é,

que toda a discussão hoje proposta de revisão da Lei de Direito Autoral - com

consulta popular inclusive - partiu de uma crise evidente que não se podia mais

controlar: a circulação ampla e praticamente irrestrita de conteúdo pela internet

e a facilitação do acesso à tecnologia. A pirataria, que antes era uma prática

marginal, escusa, hoje se tornou a prática cotidiana, restando à legalidade

vislumbrar a criação de parâmetros para torná-la aceitável e desenvolver

modelos de negócio para que a infraestrutura econômica abale-se o mínimo

possível neste processo de readequação.

2. O Tecnobrega e sua relação com sistema capitalista de produção e

a Indústria Cultural

Estabelecido o terreno desta discussão neste viés marxista, torna-se mais fácil

estabelecer a relação direta entre o Tecnobrega e a Indústria Cultural, mesmo

que este modelo de negócio da música não se sustente de maneira

visceralmente dependente dos meios de comunicação de massa.

Page 10: O Tecnobrega e a Pirataria Institucionalizada

10

"Mais do que um estilo musical, o tecnobrega é um mercado que criou novas

formas de produção e distribuição." (LEMOS, 2008, 22). Ronaldo Lemos e

Oona Castro adotam esta posição de maneira bem inicial ao trabalho,

pressupondo, portanto, que toda a novidade de sua estruturação se assenta

nas características básicas de mercado, com algumas particularidades quanto

à questão do direito autoral, à liberdade de cópia e utilização, mas como todo

mercado, é produtor de mercadoria, custe essa mercadoria R$50 em lojas

especializadas ou R$5 no camelô.

"O tecnobrega não se resume a um novo estilo de música. Ele institui um novo modelo de mercado para a produção musical, com padrões de funcionamento diferentes daqueles da indústria cultural formal, baseado na produção de baixo custo e na incorporação do comércio informal como principal meio de difusão de conteúdo." (LEMOS, 2008 p.42).

A diferenciação proposta por Lemos aqui se coloca de maneira reducionista a

uma produção de baixo custo e à pirataria como método de circulação. Porém,

suas estruturas fundamentais enquanto mercadoria da Indústria Cultural

permanecem aí, intactas, no cerne do sistema produtivo. Este proferido novo

modelo, torna-se simplesmente uma realocação, uma espécie de

deslocamento dos agentes produtivos, que há menos de 10 anos

concentravam¬se em grandes conglomerados e sinalizavam a única via

possível para a circulação em massa dessas mercadorias - inclusive simbólica

e ideologicamente.

A Indústria Cultural no Brasil se apresenta concretamente como uma Indústria

Cultural capitalista, e, portanto, produtora de mercadorias. E mesmo que

Lemos (2008) diga que a entrada nos meios de comunicação de massa não foi

o que possibilitou o sucesso do circuito tecnobrega, e sim a conquista de um

público massivo que fez com que o novo estilo entrasse na pauta destes meios,

por demanda dos ouvintes ou pela percepção dos produtores de televisão, de

que não poderiam mais ignorar o fenômeno, não isenta o tecnobrega do lugar

ocupado nessa Indústria.

"A indústria só se interessa pelos homens como clientes e empregados e, de fato, reduziu a humanidade inteira, bem como cada um de seus elementos, a essa fórmula exaustiva. (…) Enquanto empregados, eles são lembrados da

Page 11: O Tecnobrega e a Pirataria Institucionalizada

11

organização nacional e exortados a se inserir nela com bom-senso. Enquanto clientes verão o cinema e a imprensa demonstrar-lhes, com base em acontecimentos da vida privada das pessoas, a liberdade de escolha, que é o encanto do incompreendido. Objetos é que continuarão a ser em ambos os casos" (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.137).

A possibilidade e a facilidade em se reproduzir as mercadorias do tecnobrega,

mesmo em uma cadeia produtiva cada vez mais descentralizada, ainda não

ocupa um lugar de ruptura da ordem vigente. Pelo contrário. O lugar que antes

era marginal e, por suposto contestador, agora passa a se tornar parte

integrante do sistema, metamorfoseado em novos modelos de negócio, muitas

vezes coberto de adjetivos como libertário, vanguardista e revolucionário, que

certamente não lhes cabe.

Há que se observar criticamente, portanto, estas promessas de profundas

modificações no sistema capitalista em que vivemos atualmente e que

assumem formas distintas nas mais diversas áreas das relações humanas.

Diante do fascínio tecnológico - proferido de maneira filosófica por alguns

teóricos como "espírito do nosso tempo" - que estamos presenciando, se faz

necessário distanciamento, antes que imersos sejamos incapazes de observar

aquilo que verdadeiramente nos envolve.

É necessário, pois, que diante destas questões brevemente elucidadas neste

artigo, aprofundemos a reflexão sobre este fenômeno e sobre suas

consequências de médio e longo prazo na cadeia produtiva da música e nas

relações sociais como um todo. Acende-se o desejo de continuar os estudos

sobre o tema e enriquecê-lo posteriormente. Por hora, esta reflexão inicial é

uma fagulha nesse terreno que se demonstrou fértil para a pesquisa em

comunicação.

Page 12: O Tecnobrega e a Pirataria Institucionalizada

12

Referências Bibliográficas ADORNO, T.; HORKHEIMER, M. A Indústria Cultural: O esclarecimento como mistificação das massas, In: Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985. LEMOS, Ronaldo; CASTRO, Oona. Tecnobrega: o Pará reinventando o negócio da música. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2008. MARX, Karl. Para a crítica da Economia Política. São Paulo: Abril Cultural, 1982. (Coleção Os Economistas). “Prefácio” (1859), p. 23¬27.