O tempo

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Dominar o tempo Num mundo cada vez mais agitado, parece que apenas o tempo tem o dom de assumir o exclusivo das nossas decisões. Deste modo, trago hoje a este espaço uma breve interpretação, cuja importância constitui um dos corolários das sociedades modernas: o tempo. O tempo pode ser definido como o que sentimos ocorrer entre um instante e outro. Esta realidade acompanha-nos por toda a vida, desenrolando-se de forma distinta, nas diversas etapas do desenvolvimento: lentamente na infância e terceira idade, de forma veloz na idade adulta. Para melhor nos ajudar a perceber estas matérias, a cronobiologia permite-nos compreender as características temporais dos organismos em todos os momentos da relação com o meio. Esta ciência engloba o estudo dos ritmos biológicos, que oscilam em função do tempo, repetindo-se regularmente. Traz-nos, ainda, uma das mais importantes contribuições relativas ao tempo: a noção de variabilidade das funções biológicas ao longo das 24 horas do dia. Esse dado é interessante na medida que mostra, por exemplo, a variação do desempenho cognitivo ao longo do dia para qualquer pessoa. Revela, igualmente, que as pessoas tendem a responder de forma diferente à mesma situação, conforme o momento do dia em que ela ocorra. As alterações de rotinas, próprias do período pós-férias, representam invariavelmente um conjunto de mudanças profundas do nosso ritmo biológico, sendo necessário regressar ao emprego atentos a possíveis sintomas físicos ou psicológicos, de modo a reagir de forma adequada às novas solicitações de vida. De um modo geral, quando temos uma relação demasiadamente intensa com a vida, respondemos de forma quase imediata aos apelos que se passam à nossa volta. Por mais que tenhamos uma agenda, planificações e tudo mais, acabamos por descobrir de forma imediata que não temos tempo. Vivemos sempre no dilema de não ter tempo e, às vezes, de forma contraditória às nossas expectativas acabamos mesmo por perder tempo”. Outros ainda utilizam uma expressão que considero mais desconcertante, “matar o tempo. Apesar de absurdo, acaba por ser curioso a sensação de “matar o tempo”, pois quando a sentimos, é nesse momento que o tempo deixa de exercer uma certa tirania sobre nós. Prefiro a designação de Fernando Pessoa quando afirma que o tempo é uma ilusão obstinadamente persistentee, enquanto ilusão com mais ou menos participação da nossa parte, ele (o tempo) acaba por ser gerido por nós.

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Page 1: O tempo

Dominar o tempo

Num mundo cada vez mais agitado, parece que apenas o tempo tem o dom de

assumir o exclusivo das nossas decisões. Deste modo, trago hoje a este espaço uma breve

interpretação, cuja importância constitui um dos corolários das sociedades modernas: o

tempo. O tempo pode ser definido como o que sentimos ocorrer entre um instante e outro.

Esta realidade acompanha-nos por toda a vida, desenrolando-se de forma distinta, nas

diversas etapas do desenvolvimento: lentamente na infância e terceira idade, de forma

veloz na idade adulta.

Para melhor nos ajudar a perceber estas matérias, a cronobiologia permite-nos

compreender as características temporais dos organismos em todos os momentos da

relação com o meio. Esta ciência engloba o estudo dos ritmos biológicos, que oscilam em

função do tempo, repetindo-se regularmente. Traz-nos, ainda, uma das mais importantes

contribuições relativas ao tempo: a noção de variabilidade das funções biológicas ao longo

das 24 horas do dia. Esse dado é interessante na medida que mostra, por exemplo, a

variação do desempenho cognitivo ao longo do dia para qualquer pessoa. Revela,

igualmente, que as pessoas tendem a responder de forma diferente à mesma situação,

conforme o momento do dia em que ela ocorra.

As alterações de rotinas, próprias do período pós-férias, representam

invariavelmente um conjunto de mudanças profundas do nosso ritmo biológico, sendo

necessário regressar ao emprego atentos a possíveis sintomas físicos ou psicológicos, de

modo a reagir de forma adequada às novas solicitações de vida.

De um modo geral, quando temos uma relação demasiadamente intensa com a

vida, respondemos de forma quase imediata aos apelos que se passam à nossa volta. Por

mais que tenhamos uma agenda, planificações e tudo mais, acabamos por descobrir de

forma imediata que não temos tempo. Vivemos sempre no dilema de não ter tempo e, às

vezes, de forma contraditória às nossas expectativas acabamos mesmo por “perder

tempo”. Outros ainda utilizam uma expressão que considero mais desconcertante, “matar

o tempo”. Apesar de absurdo, acaba por ser curioso a sensação de “matar o tempo”, pois

quando a sentimos, é nesse momento que o tempo deixa de exercer uma certa tirania sobre

nós. Prefiro a designação de Fernando Pessoa quando afirma que “o tempo é uma ilusão

obstinadamente persistente” e, enquanto ilusão com mais ou menos participação da nossa

parte, ele (o tempo) acaba por ser gerido por nós.

Page 2: O tempo

Quando no fundo acabamos por estar dependentes do tempo dos outros, temos

noção de que não sendo donos do nosso tempo, só nos resta protestar, aquilo que por

vezes todos fazemos e em que alguns se especializaram. Não permita que o tempo

preencha a sua agenda. Prefira viver a cultivar o que já é e a usufruir do que já tem. Dessa

forma, o tempo acabará por ser uma “ilusão obstinadamente persistente”.