O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

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1 LEANDRO JOSÉ DA SILVA O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Dr. Francisco Carlos Duarte. CURITIBA 2011

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LEANDRO JOSÉ DA SILVA

O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito. Orientador: Prof. Dr. Francisco Carlos Duarte.

CURITIBA

2011

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Dados da Catalogação na Publicação

Pontifícia Universidade Católica do Paraná

Sistema Integrado de Bibliotecas – SIBI/PUCPR

Biblioteca Central

Silva, Leandro José da S586i O tempo da justiça e seus impactos socioeconômicos / Leandro José 2011 da Silva; orientador, Francisco Carlos Duarte. – 2011.

172 f.; 30 cm Dissertação (Direito) – Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 2011 Bibliografia: f. 157-172 1. Justiça – Aspectos econômicos. 2. Poder Judiciário. 3. Tutela

jurisdicional. I. Duarte, Francisco Carlos. II. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Programa de Pós-Graduação em Direito. III. Título.

Dóris 4. ed. – 340.14

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TERMO DE APROVAÇÃO

LEANDRO JOSÉ DA SILVA

O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

Dissertação aprovada como requisito parcial à obtenção do título de

Mestre em Direito Econômico e Socioambiental perante o Programa de Pós-

Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

COMISSÃO EXAMINADORA

Prof. Dr. Francisco Carlos Duarte (Orientador – PPGD)

Prof. Dr. Marcos Augusto Maliska (Convidado – UniBrasil)

Prof. Dr. Alvacir Alfredo Nicz (Membro – PPGD)

Curitiba, 22 de março de 2.011.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Sebastião e Albertina, que me geraram e me

educaram com carinho, dedicação e respeito.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Francisco Carlos Duarte, pela

disposição em orientar-me na tarefa de elaboração do presente trabalho.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Direito da

Pontifícia Universidade Católica do Paraná, pelas brilhantes aulas ministradas.

À Secretaria do Programa de Pós-Graduação em Direito da

Pontifícia Universidade Católica do Paraná, pelo auxílio e esclarecimento

prestados nos momentos de dúvida.

À Marcela, em especial, pela paciência, compreensão e incentivo

que sempre me dispensou.

Aos meus amigos, cujo convívio foi fundamental para suportar o

estresse presente em determinados momentos.

A Deus, pelo dom da vida, e por ter-me dado saúde, disposição e

discernimento para a elaboração deste trabalho.

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RESUMO

A questão do tempo da justiça sempre foi um problema a desafiar a

argúcia de juristas e legisladores na maior parte do mundo, pois justiça tardia

não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta, conforme observação de

Rui Barbosa. A lentidão da justiça prejudica, ou mesmo impede, a pacificação

social, pois o retardo na entrega da prestação jurisdicional causa uma

intranquilidade na sociedade, além de desacreditar o Poder Judiciário. O direito

à pronta e efetiva entrega da tutela jurisdicional representa suporte

imprescindível ao exercício da cidadania, razão pela qual a denegação de uma

justiça ágil e eficaz fere a própria dignidade do ser humano. A lentidão da

justiça não prejudica somente o direito dos litigantes, mas traz também

inúmeros reflexos na economia e na sociedade, que prejudicam o

desenvolvimento do país, bem como o ingresso do Brasil na categoria de país

desenvolvido.

PALAVRAS-CHAVE: sistema judiciário; tempo da justiça; impactos

socioeconômicos; desenvolvimento.

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ABSTRACT

The issue of time of justice has always been a problem to challenge

the acumen of lawyers and legislators in most of the world, because justice

delayed is not justice, but injustice and expresses qualified, as noted by Rui

Barbosa. The slowness of justice without prejudice, or even prevent, the social

peace, since the delay in delivery of the jurisdiction issue an uneasiness in

society, and discrediting the judiciary. The right to prompt and effective delivery

of judicial support is essential to the exercise of citizenship, which is why the

denial of a swift and effective justice strikes at the very dignity of human beings.

The slowness of justice not only harms the rights of litigants, but also brings

many reflections on the economy and society that hinder the development of

the country, as well as Brazil's entry into the category of developed country.

KEYWORDS: judiciary; time of justice; socioeconomic impacts; development.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 7

1 A MOROSIDADE DA JUSTIÇA E SUAS CAUSAS ..................................... 10

1.1 A estrutura do Poder Judiciário...................................................... 18

1.2 O comportamento dos sujeitos processuais .................................. 25

1.3 A inflação legislativa ...................................................................... 28

1.4 A legislação processual ................................................................. 30

1.5 O aumento da litigiosidade ............................................................ 35

1.6 As demandas repetitivas ............................................................... 41

1.7 A postura do Poder Público ........................................................... 42

2 AS CONSEQUÊNCIAS DA MOROSIDADE DA JUSTIÇA........................... 47

2.1 O descrédito na justiça .................................................................. 50

2.2 A impunidade ................................................................................. 53

2.3 A insegurança jurídica ................................................................... 58

2.4 A violação do direito de acesso à justiça ....................................... 64

2.5 O desrespeito ao direito à razoável duração do processo ............. 76

2.6 A denegação da justiça ................................................................. 83

2.7 A responsabilidade do estado........................................................ 86

2.8 Os prejuízos para a economia ....................................................... 96

3 A MOROSIDADE DA JUSTIÇA E O DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO ..................................................................................... 101

3.1 A atuação do Poder Judiciário ..................................................... 106

3.1.1 O embate entre constitucionalismo e democracia ............ 107

3.1.2 O ativismo judicial ............................................................ 111

3.1.3 A autolimitação judicial ..................................................... 115

3.1.4 O controle das políticas públicas ...................................... 117

3.2 A morosidade da justiça e o desenvolvimento social ................... 124

3.2.1 A tutela jurisdicional do meio ambiente ............................ 134

3.3 A morosidade da justiça e o desenvolvimento econômico .......... 138

CONCLUSÃO ................................................................................................ 152

REFERÊNCIAS .............................................................................................. 156

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INTRODUÇÃO

Um dos grandes problemas dos sistemas judiciários do mundo todo

é a morosidade1, que impede a prestação tempestiva da tutela jurisdicional,

causando o descrédito da população na justiça.

De fato, há muito Rui Barbosa proclamava que justiça tardia não é

justiça, senão injustiça qualificada e manifesta, pois a dilação ilegal nas mãos

do julgador contraria o direito escrito das partes, lesando-as no patrimônio,

honra e liberdade, sendo que os juízes tardinheiros são culpados, com a

terrível agravante de que o lesado não tem meios de reagir contra o

delinquente poderoso, em cujas mãos jaz a sorte do litígio pendente.2

A lentidão da justiça sempre foi um problema a desafiar a argúcia e

o talento dos juristas e dos legisladores, já que desde a bula Clementina Saepe

a questão afligia a todos, tal como ocorre na atualidade, mas a solução da

mazela não depende somente de lei, devendo mesmo se arredar tal enfoque

que constitui marca de subdesenvolvimento, qual seja, o de se pensar que

problemas marcadamente econômicos possam ser resolvidos apenas com

mudanças legislativas.3

A morosidade da justiça é um problema que existe há muito tempo,

inclusive não só no Brasil, mas que precisa ser enfrentado e solucionado.4 A

gravidade da questão levou o legislador, inclusive, a promulgar a Emenda

Constitucional nº. 45, de 08.12.04, que introduziu mais um direito fundamental

no art. 5º da Constituição da República, qual seja, o direito à razoável duração 1 CALMON, Eliana. Tutelas de urgência. Informativo Jurídico da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva, Brasília, v. 11, n. 2, p. 159-168, jul./dez. 1999, p. 159. 2 BARBOSA, Rui. Oração aos moços. 5. ed. Rio de Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa, 1999. p. 40. 3 ARMELIN, Donaldo. Acesso à justiça. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, v. 31, p. 171-182, 1989, p. 172-173. 4 Segundo dados existentes no relatório sobre administração da justiça, publicado no ano de 1998, na Itália girava em torno de quatro anos a duração média dos processos em primeiro grau de jurisdição; no Japão, antes da entrada em vigor do novo código, em 1998, não era raro que os feitos se arrastassem por mais de dez anos até decisão final da Suprema Corte; na Inglaterra, o descontentamento com a morosidade é tamanho que, em 1999, rompeu-se com a multissecular tradição da common law, adotando-se um código de processo civil, com prazos bem fixados, mas igualmente bem descumpridos; nos Estados Unidos, há relatos no sentido de que os feitos costumam durar, na primeira instância, de três a cinco anos; na França, os processos levam, em média, 21 meses para ser julgados em primeira instância e 20 meses para julgamento em grau de apelação. Cf.: GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Os reflexos do tempo no direito processual civil (anotações sobre a qualidade temporal do processo civil brasileiro e europeu). Revista de Processo, São Paulo, v. 153, p. 99-118, nov./2007, p. 103.

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do processo, notadamente com o objetivo de instigar a discussão do tema e

obrigar o estado e a sociedade a buscarem mecanismos para otimizar a justiça.

O novo dispositivo constitucional tem como destinatário o legislador,

incumbido de criar normas que assegurem a rápida solução do litígio, bem

como incide também sobre o Poder Judiciário, obrigando-o a prestar a

adequada tutela jurisdicional.5

A morosidade existe em todo o sistema judiciário brasileiro. No

campo da justiça cível, não são poucos os problemas. De fato, as corporações

empresariais reclamam que o tempo da intervenção judicial não acompanha o

ritmo dos negócios imposto pelo mercado, bem como problemas decorrentes

de morosidade judicial têm sido igualmente apontados em disputas fiscais,

indenizações e cobranças de toda sorte. No âmbito penal, a sociedade

brasileira vem verificando o crescimento de todas as modalidades de crimes e

de conflitos interpessoais que resultam em desfechos fatais, sendo que uma

das principais causas desse cenário social é a impunidade penal, causada

pelos trâmites processuais, altamente ritualizados e burocratizados, que

deixam a apuração da responsabilidade penal esvair-se no tempo.6

A demora na entrega da prestação jurisdicional compromete os

escopos sociais da jurisdição e do processo, uma vez que ninguém

desconhece que justiça tardia é uma injustiça qualificada e manifesta, não

sendo capaz de produzir a pacificação social.

Portanto, é inegável que o tempo de tramitação processual

prejudica, ou mesmo impede, a pacificação social com justiça, uma vez que o

retardo na entrega da prestação jurisdicional significa descumprimento da

função social do estado. De fato, não há justiça social quando o estado, por

meio do Poder Judiciário, não consegue oferecer uma pronta e efetiva resposta

às questões que lhe são apresentadas. O direito à pronta e efetiva entrega da

tutela jurisdicional representa suporte imprescindível ao exercício da cidadania,

5 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 33. 6 ADORNO, Sérgio; PASINATO, Wânia. A justiça no tempo, o tempo da justiça. Revista Tempo Social, São Paulo, v. 19, n. 2, p. 131-155, nov./2007, p. 131-132.

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razão pela qual a denegação de uma justiça ágil e eficaz fere não só o direito

do cidadão, mas também a própria dignidade do ser humano.7

A análise do tempo no processo, portanto, é deveras importante,

especialmente porque a demora na entrega da prestação jurisdicional, além de

causar prejuízos aos litigantes, prejudica também o desenvolvimento social e

econômico do país, cumprindo ao legislador e aos operadores do direito buscar

reformas processuais que garantam não só o direito à tutela jurisdicional

efetiva, mas também o direito à dignidade da pessoa humana, que somente

será atingido, processualmente falando, quando o estado prestar a tutela

jurisdicional de forma tempestiva.

Por outro lado, quando o sistema de justiça funciona mal, a

corrupção, o abuso de autoridade, a falta de respeito pelas normas legais e a

utilização de meios de ação direta para resolver problemas, na cultura de

aceitação da impunidade, são inevitáveis. Ademais, um país com melhor justiça

será mais justo, mais livre, mais forte, menos arcaico e economicamente mais

desenvolvido.8

O objetivo do presente trabalho consiste, portanto, no estudo do

problema do tempo da justiça, que impede a pacificação social, bem como

afronta o direito constitucional à razoavel duração do processo.

O objetivo específico consiste na análise das consequências sociais

e econômicas da morosidade da justiça, notadamente dos prejuízos que ela

traz para o desenvolvimento do país, já que o problema da ineficiência da

justiça não atinge somente as partes litigantes, mas a sociedade como um

todo.

7 DUARTE, Francisco Carlos; GRANDINETTI, Adriana Monclaro. Comentários à emenda constitucional 45/2004: os novos parâmetros do processo civil no direito brasileiro. Curitiba: Juruá, 2005. p. 22-23. 8 COIMBRA, Arménia. Os Custos da justiça: quem os suporta ou deve suportar. In: DIAS, João Álvaro (Coord.). Os Custos da justiça: actas do colóquio internacional. Coimbra: Almedina, 2005. p. 62.

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1 A MOROSIDADE DA JUSTIÇA E SUAS CAUSAS

No mundo globalizado, as decisões têm de ser tomadas de maneira

urgente, pois vivemos em uma sociedade regida pelo tempo. Hoje, existe uma

verdadeira cultura do fast food, onde tudo deve apresentar-se de modo

fragmentado e com a maior rapidez possível, sendo a marca de nosso tempo.9

A sociedade de risco exige uma decisão judicial célere, em face da

possibilidade gravosa da não-decisão, que é um risco depositado no direito,

razão pela qual não basta a simples enunciação de direitos por parte do estado

para que se legitime a operabilidade do sistema judiciário.10

O processo é um instrumento destinado a conferir eficácia às

relações jurídicas ineficazes, ou seja, destina-se a conferir eficácia forçada a

direitos materiais espontaneamente ineficazes, uma vez que somente no

ambiente da relação processual tal efetivação será possível, pois é vedada a

prática da justiça com as próprias mãos, sendo indispensável a figura da

jurisdição para possibilitar a composição da lide.11

A demora na prestação jurisdicional, assim, constitui uma afronta ao

direito das partes, pois a relação processual não se realiza apenas entre dois

polos particulares, mas o dissenso dá-se também entre as partes e o estado,

de sorte que, existindo ausência de decisão estatal sobre a questão no tempo

oportuno, o próprio organismo estatal concretiza uma lesão às partes,

frustrando suas legítimas expectativas sociais pautadas nas garantias que o

direito deveria outorgar.12

Portanto, um dos mais graves problemas enfrentados pela justiça

brasileira é o tempo da tramitação processual, que impede a tutela jurisdicional

9 RAMOS, Carlos Henrique. Processo civil e o princípio da duração razoável do processo. Curitiba, Juruá, 2008. p. 47. Para saber mais sobre a influência do tempo nas sociedades ver: DUARTE, Francisco Carlos; ROCHA, Leonel Severo. CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. A Constitucionalização do tempo. Direitos Fundamentais & Justiça, Porto Alegre, n. 12, p. 141-157, jul./set. 2010. 10 DUARTE, Francisco Carlos. Tempo e decisão na sociedade de risco: um estudo de direito comparado. Revista de Processo, São Paulo, n. 148, p. 99-110, jun./2007, p. 106. 11 PAULA, Jônatas Luiz Moreira de. A Jurisdição como elemento de inclusão social: revitalizando as regras do jogo democrático. Barueri: Manole, 2002. p. 51. 12 DUARTE, Francisco Carlos. Tempo e decisão na sociedade de risco: um estudo de direito comparado. Revista de Processo, São Paulo, n. 148, p. 99-110, jun./2007, p. 106.

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efetiva e significa um verdadeiro entrave à obtenção da justiça, uma vez que o

processo “será tanto mais efetivo quanto mais rápido”.13

A importância do tempo na relação processual é tão relevante que a

tutela jurisdicional prestada a destempo é inefetiva, pois o decurso do tempo

aplaca a finalidade da prestação jurisdicional, que é a verdadeira solução da

controvérsia.14

O tempo do direito é diferente do tempo da sociedade, mas os

juristas não têm se preocupado com a relevância do tema para o Direito:

O tempo é um tema realmente fascinante, mas os juristas têm se esquecido de sua relevância para o Direito. Em outras áreas do conhecimento, como na literatura, o tempo é algo sempre presente, como na obra do escritor francês Marcel Proust, que se intitula exemplarmente, Em Busca do Tempo Perdido, que conta a história da sociedade francesa de sua época, a partir de uma noção original de Tempo; ou nos livros de escritores brasileiros, como Érico Veríssimo, que, inspirado em Proust, escreveu O Tempo e o vento. Na economia já se falou há muito tempo que time is money.

15

Assim, “a inquietação com o tempo empreendido no processo é,

portanto, preocupação constante não só da doutrina do direito, mas também

das partes que litigam em juízo, caracterizando a morosidade o maior tormento

daqueles que anseiam pela busca da tão emblemática justiça social e

jurídica”.16

De fato, o tempo realmente figura como um dos poderosos inimigos

do processo civil, na medida em que, quando a demanda leva muito tempo

para terminar, aumentam as angústias e frustrações das partes, bem como

aumenta o descrédito na justiça. Ademais, em razão do decurso do tempo, os

13 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 183. 14 SILVEIRA, Fabiana Rodrigues. A Morosidade no poder judiciário e seus reflexos econômicos. Porto Alegre: Sérgio Antonio Frabis, 2007. p. 147. 15 ROCHA, Leonel Severo. A Construção do tempo pelo direito. In: ROCHA, Leonel Severo; STRECK, Lenio Luiz. Anuário do programa de pós-graduação em direito. São Leopoldo: Edições Portão, 2003. p. 311. (Grifo do autor) 16 ROCHA, César Asfor. A Luta pela efetividade da jurisdição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 85.

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direitos perecem, acordos desfavoráveis são celebrados e transações

comerciais deixam de ser concretizadas.17

Assim, na pendência do processo tudo pode acontecer, razão pela

qual a morosidade da justiça não prejudica apenas as partes que figuram no

processo, mas causa uma intranquilidade social e econômica para todos:

Pendente o processo, e até que entregue em definitivo a prestação jurisdicional, o bem objeto do litígio pode sofrer danos ou desaparecer; a marca de comércio pode continuar a ser indevidamente usada, com perda de prestígio e clientela ao seu legítimo titular; o credor permanece sem receber o que lhe é devido e o proprietário não pode reaver o que lhe pertence; a propaganda enganosa continuará embaindo consumidores; a manutenção do ‘statu quo’ implicará quiçá no perecimento do próprio direito afirmado pelo demandante, e assim por diante.18

O processo ideal consiste no mecanismo capaz de propiciar a justiça

em curto espaço de tempo, devendo cessar o quanto antes o conflito social

apresentado ao Poder Judiciário. Todavia, é comum ver as lides se eternizarem

nos meandros das varas judiciais, o que caminha no sentido inverso dos

anseios da sociedade, que modernamente objetiva o máximo aproveitamento

do tempo.19

Decorrente do princípio do devido processo legal, o princípio da

efetividade estabelece que os direitos devem ser não só reconhecidos, mas

também efetivados.20 Assim, o princípio da efetividade garante o direito

fundamental à tutela executiva, devendo ser oferecidos meios capazes de

pronta e integral satisfação a qualquer direito merecedor de tutela executiva.21

De fato, o direito de acesso à justiça significa muito mais do que o

simples direito de ação, devendo o estado garantir a efetividade da tutela, de

17 DUARTE, Ricardo Quass. O Tempo inimigo no processo civil brasileiro. São Paulo: LTr, 2009. p. 15. 18 CARNEIRO, Athos Gusmão. Da Antecipação de tutela no processo civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 2-3. 19 SILVA, Ivan de Oliveira. A Morosidade processual e a responsabilidade civil do estado. São Paulo: Pillares, 2004. p. 31-32. 20 DIDIER JR. Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. v. 1. 12. ed. Salvador: JusPODIVM, 2010. p. 68. 21 GUERRA, Marcelo Lima. Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 102.

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sorte que não basta a simples entrega da prestação jurisdicional, mas sim que

ela seja prestada em tempo oportuno.

Assim, o direito à duração razoável do processo deve ser entendido

como significativo do direito à tutela jurisdicional efetiva do estado, que para ser

realmente efetiva deve ser prestada em tempo razoável.

Todavia, nem sempre o tempo será inimigo do processo, pois ele

também é importante para propiciar melhor qualidade dos julgamentos, em

homenagem aos princípios do contraditório e da ampla defesa:

Isso significa que todo movimento de agilização encontra limites legitimamente intransponíveis, que levam o construtor do sistema a conformar-se com o racional equilíbrio possível entre duas exigências antagônicas, a saber: de um lado a celeridade processual, que tem por objetivo proporcionar a pacificação tão logo quanto possível; de outro, a ponderação no trato da causa e das razões dos litigantes, endereçada à melhor qualidade dos julgamentos. São dois valores conhecidos o da segurança das relações jurídicas, responsável pela tranqüilidade que sempre contribui para pacificar (e isso aconselha a celeridade); e o da justiça nas decisões, que também é inerente ao próprio escopo fundamental do sistema processual (pacificar com justiça).22

Com efeito, o tempo não é sempre um inimigo do processo, pois há

também o tempo benéfico, necessário ao exercício pleno das garantias

processuais-constitucionais, que visam à adequada instrução da demanda e à

prolação de uma decisão justa e segura.23

Assim, “se é verdade que um processo que se arrasta assemelha-se

a uma negação de justiça, não se deverá esquecer, inversamente, que o prazo

razoável em que a justiça deve ser feita entende-se igualmente como recusa

de um processo demasiado expedito”.24

Diante disso, lançando aqui o impacto psicológico do processo, o

consumidor dos serviços estatais aguarda a presteza do estado para por fim ao

dissabor do conflito de interesses levado ao Judiciário, não bastando, pois, que

22 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. I. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 160. (Grifo do autor) 23 DUARTE, Ricardo Quass. O Tempo inimigo no processo civil brasileiro. São Paulo: LTr, 2009. p. 19. 24 OST, François. O Tempo do direito. Trad. Maria Fernanda Oliveira. Lisboa: Instituto Piaget, 1999. p. 382-383.

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simplesmente seja resolvido o problema entregue ao estado, é preciso também

a sua resolução de maneira célere e eficaz.25

Com efeito, os problemas da justiça brasileira são inúmeros e

variados, mas a morosidade é o seu mal maior, pois a justiça está praticamente

esclerosada26, razão pela qual “o mais grave dos problemas é a duração dos

processos, responsável pela eternização dos litígios e prolongamento das

angústias dos litigantes”.27

O problema da duração excessiva do processo também já foi

apontado por Luigi Paolo Comoglio, que assim escreveu:

Que a duração excessiva do processo seja o “defeito congênito” (ou, se preferir, o “pecado original”), dos principais modelos de procedimento, nos quais, com a necessária provisão de estruturas e de formas mais ou menos solenes, administra-se a justiça humana perante os tribunais de qualquer ordenamento estatal, é constatação bem antiga – no plano histórico – a velhas tradições e agora quase comum – em perspectiva comparativa (veja abaixo) – a quase todas as civilizações do direito moderno. Em outras palavras, a difícil relação entre tempos processuais longos e as falhas institucionais da justiça pública, cuja inexorável consequência é muito frequentemente aquela de converter uma justiça tardia em uma substancial injustiça (ou, para além da hipocrisia verbal, em uma verdadeira e própria “denegação da justiça”), é, portanto, uma característica já habitual do sistema judiciário de qualquer latitude (e, infelizmente, em qualquer época), e também, em particular, do nosso sistema judiciário.28

25 SILVA, Ivan de Oliveira. A Morosidade processual e a responsabilidade civil do estado. São Paulo: Pillares, 2004. p. 35. 26 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Problemas e soluções na prestação da justiça. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. (Coord.) O Judiciário e a constituição. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 94. 27 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. I. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 160. 28 COMOGLIO, Luigi Paolo. Durata ragionevole del giudizio e forme alternative di tutela. Revista de Processo, n. 151, p. 72-98, set./2007, p. 72-73. (Tradução nossa). No original: Che l’eccessiva durata dei processi sia il “vizio congenito” (o, se si preferisce, il “peccato originale”) dei principali modelli di procedimento, in cui, con il necessario corredo di strutture e di forme più o meno solenni, si amministra l’umana giustizia dinanzi agli organi giurisdizionali di qualsiasi ordinamento statale, è constatazione ben risalente – sul piano storico – a vetuste tradizioni ed ormai pressoché comune – nella prospettiva comparatistica (cfr. infra) – a quasi tutte le civiltà giuridiche dell’era moderna. In altre parole, il difficile rapporto fra tempi processuali lunghi e disfunzioni istituzionali della giustizia pubblica, la cui inesorabile conseguenza è molto spesso quella di convertire una giustizia tardiva in una sostanziale ingiustizia (o, al di là delle ipocrisie verbali, in una vera e propria “giustizia denegata”), è, dunque, un connotato ormai abituale degli apparati giudiziari a qualsiasi latitudine (e, purtroppo, in qualsiasi epoca), nonché, in particolare, del nostro sistema giudiziario.

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Embora o problema da morosidade processual seja inequívoco,

cumpre prevenir contra a tendência de supor que a mazela da demora

excessiva é peculiar à justiça brasileira, ou que o Brasil, no particular, ocupa

posição ainda pior do que a que lhe toca em matéria de distribuição de renda,

pois o problema, na verdade, é universal e multissecular, já que “em passado já

longínquo, no início do século XIV, tornou-se necessária a intervenção do Papa

Clemente V para criar um procedimento sumário para determinadas causas,

tão alto era o grau de insatisfação com a morosidade do processo”.29

A justiça brasileira, assim como os demais órgãos do estado,

apresenta inúmeros problemas, que vão desde a organização do Poder

Judiciário até o âmbito das leis processuais.

Até mesmo o sistema civil law, de origem romano-germânica,

adotado pelo estado brasileiro, por ter sua fonte na lei e em função da

velocidade com que atuam os agentes econômicos, gera insegurança e

ineficiência, provocando perda da credibilidade e da legitimidade do sistema

judicial e do próprio estado. Ao contrário, o sistema do common law, de origem

anglo-saxônica, adotado pelos Estados Unidos, funda-se no precedente

jurisprudencial, na liberdade individual e na defesa do direito de propriedade,

proporcionando maior previsibilidade e segurança jurídica aos agentes

econômicos.30

A morosidade da justiça pode ser considerada o problema maior do

Judiciário brasileiro, pois gera descrédito na prestação da justiça. As causas da

morosidade são inúmeras, mas é possível destacar entre elas duas principais,

a saber: o desaparelhamento dos órgãos judiciários e o excessivo formalismo

que decorre das normas procedimentais vigentes.31

Outras causas podem ser apontadas, tais como o crescimento das

demandas (aumento da litigiosidade), o excesso de recursos aos tribunais, a

inflação legislativa, o exercício da advocacia por profissionais mal formados e

29 MOREIRA, José Carlos Barbosa. A duração dos processos: alguns dados comparativos. Revista da Ajuris, Porto Alegre, v. 32, n. 98, p. 151-159, jun./2005, p. 152. 30 CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 23. 31 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Problemas e soluções na prestação da justiça. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. O Judiciário e a constituição. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 94.

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17

dedicados mais à chicana que ao direito e a legislação complexa e anacrônica,

dando origem a querelas, a manobras das partes, revestidas todas elas de

alegada proteção de direitos constitucionais.

Para Sálvio de Figueiredo Teixeira, além da deficiência legislativa e

da insuficiência de recursos, há outras causas para o problema da lentidão da

justiça, a saber: o modelo reinol das nossas organizações jurídicas, com

magistrados mais como detentores de cargos do que prestadores de serviços

públicos; a ausência de um planejamento científico e constante; a má

qualidade do ensino jurídico; a inexistência de verdadeiras escolas de

formação e aprimoramento de magistrados.32

Com efeito, as causas da morosidade da justiça são várias, entre

elas estão o anacronismo da organização judiciária, a falta de recursos

financeiros, as deficiências da máquina judiciária, a burocratização dos

serviços, a ausência de infraestrutura adequada, o baixo nível do ensino

jurídico e o aviltamento da remuneração dos servidores.33

Segundo Rui Stoco, inúmeras são as causas da lentidão, tais como

a legislação ultrapassada, anacrônica e extremamente formal, a penúria

imposta ao Poder Judiciário, diante da quase inexistência de verba

orçamentária para sua dinamização, modernização e crescimento; o excessivo

número de recursos previstos na legislação processual e nas inúmeras

medidas protelatórias postas à disposição das partes, a inexistência de

magistrados, membros do Ministério Público, Procuradores da República e do

Estado para atender à enorme quantidade de feitos em andamento.34

Todavia, conforme pesquisa realizada entre os membros da

magistratura, a maioria dos problemas estaria ligada mais a questões externas

que internas:

32 TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Compromisso com o direito e a justiça. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 50-51. 33 LOPES, João Batista. Efetividade do processo e reforma do código de processo civil: como explicar o paradoxo processo moderno – justiça morosa? Revista de Processo, São Paulo, a. 27, v. 105, p. 105-128, jan./mar. 2002, p. 128. 34 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 1021.

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18

A maioria dos juízes entende que os problemas enfrentados pelo Judiciário decorrem muito mais da falta de recursos materiais, ou de questões relacionadas à legislação, do que de deficiências internas à instituição ou do comportamento de seus próprios membros. Ou seja, os obstáculos ao bom funcionamento do Judiciário localizam-se, sobretudo em fatores externos à magistratura, problemas sobre os quais os juízes têm pouco controle ou responsabilidade. Assim, entre as deficiências apontadas, aparece em primeiro lugar a falta de recursos materiais, com 86% de indicações como extremamente importante. Afirmam os juízes que as carências materiais afetam dramaticamente a aplicação da justiça, e que a solução desse problema não depende do Judiciário, visto que reflete conhecidas restrições orçamentárias. Muitos juízes frisaram que o Executivo aloca verbas irrisórias no Judiciário, o que impede a existência de uma justiça mais ágil e eficiente. Inversamente, a extensão das comarcas, a curta permanência dos juízes nas comarcas e as insuficiências de sua formação profissional – fatores, estes sim, de responsabilidade direta do Judiciário –, aparecem entre os itens menos problemáticos.35

Segundo referida pesquisa, a morosidade da justiça está relacionada

aos seguintes fatores:36

Causas da morosidade da justiça (em porcentagem)

Fatores Importância (*)

Alto número de recursos 73,2

Interesse dos advogados 58,4

Interesse das partes envolvidas no processo 53,5

Lentidão dos tribunais de justiça 49,1

Interesse do Poder Executivo 48,2

Comportamento da polícia/delegacia 43,7

Comportamento dos cartórios 40,7

Morosidade dos juízes 35,6

Intervenção excessiva da promotoria 17,9

(*) Soma das respostas “extremamente importante” e “muito importante”.

35 SADEK, Maria Tereza. A crise do judiciário vista pelos juízes: resultados de uma pesquisa quantitativa. In: _____________. Uma introdução ao estudo da justiça. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2010. p. 19. 36 SADEK, Maria Tereza. A crise do judiciário vista pelos juízes: resultados de uma pesquisa quantitativa. In: _____________. Uma introdução ao estudo da justiça. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2010. p. 21.

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19

Assim, embora decorra de inúmeros fatores, a crise vivenciada pela

justiça oficial, caracterizada pela sua inoperacionalidade, lentidão, ritualização

burocrática, comprometimento com os “donos do poder” e falta de meios

materiais e humanos, nada mais é que sintoma indiscutível de um fenômeno

mais abrangente, que é a própria falência da ordem jurídica estatal:37

O descontentamento em relação à Justiça não é, porém, um fenômeno recente ou restrito ao Brasil, mas um sentimento antigo e amplamente disseminado. Por toda parte, severas críticas são feitas ao modo de funcionamento da Justiça, inclusive pelos próprios magistrados. No caso do Brasil, é consensual que as deficiências do Judiciário decorrem de causas profundamente arraigadas – isto é, de um perfil institucional e administrativo historicamente sedimentado. E também que os problemas decorrentes dessa matriz histórica são acentuados pela instabilidade do arcabouço jurídico do país, pelo arcaísmo e excessivo formalismo dos códigos de processo e pela má formação de boa parte da magistratura e daqueles que, mais amplamente, poderiam se designar como “operadores do direito”: procuradores, advogados e funcionários dos diferentes órgãos do sistema de justiça.38

Há causas internas da morosidade, entendidas como aquelas cujo

enfrentamento esteja a cargo da competência ou iniciativa exclusiva do Poder

Judiciário, e causas externas, que são aquelas que têm os meios e as

providências necessárias para a sua solução fora da ação direta e exclusiva do

Poder Judiciário.39 Todavia, não se pretende, aqui, esgotar as causas da

morosidade, que é problema complexo que envolve inúmeros fatores, mas

simplesmente apontar as causas mais importantes para o problema da lentidão

da justiça.

1.1 A estrutura do Poder Judiciário

37 WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura no direito. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Alfa Omega, 2001. p. 99-100. 38 PINHEIRO, Armando Castelar. Magistrados, judiciário e economia no Brasil. In: ZYLBERSZTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel. Direito e economia. 4. reimp. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 246-247. 39 STUMPF, Juliano da Costa. Poder judiciário: morosidade e inovação. Porto Alegre: Departamento de Artes Gráficas do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, 2009. p. 16.

Page 20: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

20

A estrutura do Poder Judiciário compreende o número e qualidade

de juízes e servidores designados para prestar a função jurisdicional, a

respectiva administração e a estrutura material dos órgãos judiciários.

A relação existente entre a quantidade de processos e o número de

juízes interfere diretamente na eficiência do Poder Judiciário, já que deve existir

adequação entre a carga de trabalho e a capacidade laborativa dos

trabalhadores:

A questão da morosidade da prestação da tutela jurisdicional está vinculada também e precipuamente à estrutura e composição do Judiciário, bem assim com as verbas que lhe são atribuídas. Com efeito, considerando-se que o processo é a única via de acesso à tutela jurisdicional e que o juiz é o sujeito fundamental do processo, impende verificar qual é a correlação existente entre o número de processos e o número de juízes, para aferir uma elementar condição para a celeridade da prestação daquela tutela. Isto porque a adequação da carga de trabalho à capacidade laborativa daquele a quem foi ela atribuída é pressuposto inarredável de um desempenho célere e perfeito desse mesmo trabalho.40

A carga de trabalho “representa o conjunto de esforços

desenvolvidos para atender às exigências das tarefas. Esse conceito abrange

os esforços físicos, os cognitivos e os psicoafetivos (emocionais).”41

Assim, “as cargas de trabalho são definidas como exigências ou

demandas psicobiológicas do processo de trabalho, gerando ao longo do

tempo as particularidades do desgaste do trabalhador”,42 especialmente

quando excessivas.

O bom funcionamento da justiça depende da proporção adequada

entre o número de juízes e o número de processos, sendo que na Alemanha

essa proporção era de 1:4000, no Uruguai 1:5000, enquanto no Brasil era de

1:25000 (dados de 1996).43

40 ARMELIN, Donaldo. Acesso à justiça. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, v. 31, p. 171-182, jun./1989, p. 173. 41 SILVA, Edith Seligmann. Desgaste mental no trabalho dominado. Rio de Janeiro: Cortez, 1994. p. 58. 42FACCHINI. Luiz Augusto. Uma contribuição da epidemiologia: o modelo de determinação social aplicado à saúde do trabalhador. In: BUSCHINELLI, José Tarcísio Penteado; ROCHA, Lys Esther; RIGOTTO, Raquel Maria. (Orgs.). Isto é trabalho de gente? Vida, doença e trabalho no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 180. 43 OTEIZA, Eduardo. Abuso de los derechos procesales em américa latina. Revista de Processo, São Paulo, a. 24, n. 95, p. 152-170, jul./set. 1999, p. 165 (em nota de rodapé).

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Assim, em relação ao indicador de número de magistrados por 100

mil habitantes, o Brasil pode ser considerado abaixo da média, especialmente

se levarmos em conta que a Organização das Nações Unidas recomenda, no

mínimo, 7 (sete) juízes para cada grupo de 100 mil habitantes, ou seja, um juiz

para cerca de 14.300 pessoas:44

Em comparação com outros países, o indicador de número de magistrados por 100 mil habitantes, no Brasil, pode ser considerado ligeiramente abaixo da média. A título de comparação, a Espanha possuía 10,1 magistrados por 100 mil habitantes, a Itália possuía 11 magistrados por 100 mil, a França possuía 11,9 magistrados por 100 mil e Portugal possuía 17,4 magistrados.45

Atualmente, a justiça federal conta com cerca de 0,8 magistrado por

grupo de 100 mil habitantes; a justiça do trabalho possui 1,7 magistrado para

cada grupo de 100 mil habitantes; a justiça estadual possui 5,6 magistrados por

grupo de 100 mil habitantes46, o que demonstra que as cargas de trabalho são

extremamente elevadas.47

Aparentemente, como a justiça estadual conta com um número mais

elevado de magistrados por grupo de 100 mil habitantes, os processos lá em

andamento deveriam tramitar mais rapidamente, mas não é isso que ocorre,

pois as justiças do trabalho e federal, a despeito de terem menos magistrados,

contam com um efetivo maior de servidores e estagiários, que muitas vezes

funcionam como juízes de fato, prestando um auxílio indispensável aos juízes

44 BEAL, Flávio. Morosidade da justiça = impunidade + injustiça. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006. p. 129. 45 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2009: indicadores do poder judiciário. Brasília, setembro de 2010. p. 177. 46 BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2009: indicadores do poder judiciário. Brasília, setembro de 2010. p. 27, 75 e 133. 47 Segundo Armando Castelar Pinheiro, todavia, o número de juízes no Brasil é comparável à média internacional e ao de países em que o Judiciário é mais bem avaliado. Além disso, o gasto com o Judiciário aumentou muito nos últimos 20 anos e há indicações de que ele não é pequeno em relação aos padrões internacionais. Por outro lado, há indícios de que os recursos aplicados na Justiça são mal aproveitados. Cf.: PINHEIRO, Armando Castelar. Reforma do judiciário: um novo estágio. In: LEVY, Paulo Mansur; VILLELA, Renato (Orgs.). Texto para discussão n.º 1234: uma agenda para o crescimento econômico e a redução da pobreza: Rio de Janeiro: Ipea, 2006. p. 106. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/tds/td_1234.pdf>. Acesso em: 05 dez. 2010.

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22

de direito48, o que acaba compensando a carência. Ademais, a maior parte dos

processos na justiça federal trata de matéria de direito, que dispensa dilação

probatória, agilizando, em termos, o trâmite processual.

Portanto, percebe-se que no Brail sempre existiu carência de mão

de obra para o julgamento dos processos, o que também contribui para o

agravamento do problema da lentidão da justiça:

Assim, a primeira e grande causa da morosidade da Justiça no Brasil é a relação população por número de juízes. Enquanto não baixar esta relação para algo em torno de 8.000 habitantes por juiz, longe estará a solução para este grave problema. O combate às outras causas da demora na jurisdição ameniza, mas não resolve em definitivo este gravíssimo problema.49

Logo, embora existam outras causas para o problema da

morosidade da justiça, mostra-se inegável que o reduzido número de juízes

contribui sobremaneira para o agravamento da crise:50

Enquanto a problemática reside na falta de estrutura para a prestação da função jurisdicional e no reduzido número de juízes para atender às demandas existentes em um país gigantesco como o Brasil, os canais de comunicação de massa, controlados pelos detentores do poder, apressam-se em afirmar que toda problemática reside no fato de que alguns procedimentos seriam ultrapassados, apresentados como fórmulas milagres. Muito poucos são os que têm questionado a escassez de recursos destinados à estruturação da função resolutiva de conflitos. Igualmente raras são as vozes que têm apontado para o deficitário número de julgadores para atender à elevada quantidade de demandas existentes na sociedade brasileira.51

Efetivamente, o número de juízes, tanto em primeira como em

segunda instâncias, é insuficiente para atender às necessidades dos

jurisdicionados, razão pela qual é impossível pretender-se agilidade do 48 Segundo José Renato Nalini, o juiz não trabalha sozinho, mas assistido por um número razoável de servidores. Cf.: NALINI, José Renato. A Rebelião da toga. Campinas: Millennium, 2006. p. 85. 49 BEAL, Flávio. Morosidade da justiça = impunidade + injustiça. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006. p. 130. 50 O conceito de crise não parece adequado para a maioria dos integrantes da magistratura, pois o problema do Judiciário estaria ligado mais a questões externas do que a deficiências internas da instituição ou do comportamento de seus próprios membros. Ver, a respeito: SADEK, Maria Tereza. A crise do judiciário vista pelos juízes: resultados de uma pesquisa quantitativa. In: _____________. Uma introdução ao estudo da justiça. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2010. p. 19. 51 TASSE, Adel El. A “crise” no poder judiciário. Curitiba: Juruá, 2001. p. 66.

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23

magistrado que tem sob sua responsabilidade 4.000, 5.000, 6.000 processos

ou mais.52 A essa conclusão também chegou Sálvio de Figueiredo Teixeira:

Enquanto no Brasil, para uma população superior a 150 (cento e cinqüenta) milhões de habitantes, o número de juízes em atividade chega aproximadamente à casa dos 8.300 (oito mil e trezentos), com uma estimativa de 25% (vinte e cinco por cento) de cargos vagos, não sendo raras as Varas nas quais tramitam mais de 10.000 (dez mil) feitos por juiz, na então Alemanha Ocidental, para uma população correspondente mais ou menos a um terço da nossa, e sob a disciplina, desde 1977, de um processo bem mais racional e sem os preconceitos jurídicos que cultuamos, herdados do formalismo latino, sem falarmos na infra-estrutura mais aparelhada, havia 17.500 (dezessete mil e quinhentos) juízes, com uma média de 350 (trezentos e cinqüenta) feitos para cada um.53

Portanto, não é possível desprezar, em qualquer consideração que

se faça em relação às diversas causas determinantes da intempestividade da

prestação jurisdicional, a significativa desproporção entre o número de

processos em tramitação e o número de juízes, que são os maiores

responsáveis pela prestação do serviço.54

Por outro lado, a magistratura, apesar de bem apetrechada, pelo

menos do ponto de vista da dogmática jurídica e processual, não consegue

abarcar, através da normal vivência de seus membros, uma substancial parte

da realidade sobre a qual deve agir, privilegiando uma decisão formal e

evitando tomar conhecimento do fundo das causas.55

Tal se deve à insuficiente preparação dos operadores judiciários,

incluindo os magistrados, que geralmente são mais detentores de cargos do

que prestadores de um serviço público56, razão pela qual a solução do

problema da morosidade mostra-se tão difícil:

52 LOPES, João Batista. Efetividade do processo e reforma do código de processo civil: como explicar o paradoxo processo moderno – justiça morosa? Revista de Processo, São Paulo, a. 27, n. 105, p. 128-138, jan./mar. 2002, p. 136. 53 TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Compromisso com o direito e a justiça. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 50. 54 DIAS, Rogério A. Correia. Administração da justiça: a gestão pela qualidade total. Campinas: Millenium, 2004. p. 18. 55 CLUNY, António. Formação de magistrados e advogados: custos financeiros baixos: custos económicos elevados. In: DIAS, João Álvaro (Coord.). Os Custos da justiça: actas do colóquio internacional. Coimbra: Almedina, 2005. p. 39. 56 TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Compromisso com o direito e a justiça. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 51.

Page 24: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

24

Nesta perspectiva, parece ainda errado pensar que a simples dotação das magistraturas de assessores e de peritos de formação diversa poderá colmatar aquela inicial deficiência vivencial. É que, até para se poder obter uma boa utilização dos assessores e dos conhecimentos especializados dos peritos é preciso ter alcançado antes uma aproximação aprofundada aos problemas que se querem resolver. Os peritos respondem, em regra, a perguntas e, para deles retirar o necessário rendimento, é necessário saber formular a questão adequada. Quem nada sabe não tem dúvidas; pelo menos dúvidas concretas e suficientemente dirigidas.57

O número de auxiliares judiciários também é insuficiente, existindo

cada vez menos funcionários de carreira e mais estudantes estagiários

contratados temporariamente, que quando conseguem dominar o fluxo

processual têm de abandonar o estágio porque o contrato chegou ao fim.58

Por outro lado, a baixa remuneração dos auxiliares da justiça e

estagiários dificulta a contratação de profissionais competentes,

comprometendo o bom andamento processual, o que é agravado pela

ausência de cursos de treinamento e incentivos para a progressão funcional ou

ascensão na carreira, junto com perspectivas de melhoria salarial.59

A prestação satisfatória da função jurisdicional também é

prejudiciada pela carência de estrutura do Poder Judiciário, que em algumas

regiões do país tem precárias intalações:

A tudo isso contabilizem-se as precárias instalações que, em várias regiões do país, inclusive nas mais privilegiadas, albergam dependências do Poder Judiciário. Notícia recente, estampada na revista Isto é, edição de 25 de junho de 1997, dá conta do alvoroço ocorrido na próspera comarca de Santos, no litoral paulista, em virtude do desentendimento entre juízes e promotores acerca da instalação do Tribunal do Júri, sobretudo nos casos de clamor público, em estabelecimento de ensino particular, uma vez que o plenário do Fórum de Santos encontrava-se interditado para reforma urgente.60

57 CLUNY, António. Formação de magistrados e advogados: custos financeiros baixos: custos económicos elevados. In: DIAS, João Álvaro (Coord.). Os Custos da justiça: actas do colóquio internacional. Coimbra: Almedina, 2005. p. 40. 58 BEAL, Flávio. Morosidade da justiça = impunidade + injustiça. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006. p. 131. 59 BEAL, Flávio. Morosidade da justiça = impunidade + injustiça. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006. p. 132. 60 TUCCI, José Rogério Cruz. Tempo e processo: uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 105-106. (Grifo do autor)

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25

Portanto, a deficiente estrututa do Poder Judiciário, tanto no aspecto

humano quanto material, prejudica o desempenho da função jurisdicional, já

que o andamento dos processos depende da existência de recursos

necessários, que geralmente estão ausentes, conforme observa Dalmo de

Abreu Dallari:

Na realidade, não poucos magistrados são constrangidos a exercer a judicatura em dependências improvisadas ou com instalações muito precárias, com deficiência de espaço e sem o mínimo conforto necessário para o eficiente desempenho de suas tarefas. Desse descaso dos tribunais acabam sendo vítimas também os demais participantes indispensáveis das atividades judiciárias, como os advogados, os membros do Ministério Público e os funcionários forenses. O grande sacrificado por essa discriminação contra a primeira instância, motivada sobretudo pela acomodação ou indiferença das cúpulas judiciárias, é o povo, em nome de quem o Poder Judiciário decide e que é quem paga a despesa para a instalação e manutenção dos serviços judiciais.61

De fato, embora o aumento no quadro de magistrados e servidores

não gere, necessariamente, um ambiente mais eficiente de administração da

justiça, sem ele mostra-se bastante difícil melhorar a eficiência do Judiciário:

É importante ressaltar que muitos magistrados na América Latina recebem uma tremenda carga de processos. Devido a esse fato, talvez justifique-se o aumento do número de juízes. As decisões relativas ao aumento do quadro de servidores e juízes deve (sic) se basear em tendências estatísticas do volume processual. Obviamente, isso requer das Cortes a manutenção de relatórios e indicadores estatísticos para que se possa realizar previsões acuradas. Freqüentemente, como forma de lidar com os problemas relacionados ao acúmulo de processo as Cortes tem proposto soluções baseadas no aumento do quadro de servidores e magistrados. No Brasil, 81% dos magistrados apontam o insuficiente quadro de pessoal como causa da ineficiência do Judiciário.62

Assim, embora o problema da duração excessiva do processo não

se resolva apenas multiplicando o pessoal, melhorando as estruturas ou

adaptando os ritos, certo é que por meio desses caminhos se obterá, pelo 61 DALLARI, Dalmo de Abreu. O Poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 156-157. 62 DAKOLIAS, Maria. O Setor judiciário na américa latina e no caribe: elementos para reforma. Trad. Sandro Eduardo Sardá. Washington: Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento/Banco Mundial, 1996. (Documento técnico nº 319). Disponível em: <http://www.anamatra.org.br/downloads/documento318.pdf>. Acesso em: 19 out. 2010.

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26

menos, alguns resultados positivos, com a melhora do funcionamento do

serviço da justiça e a redução de esperas e tempos de decisão.63

Ademais, “o aprimoramento da prestação jurisdicional reclama, a par

da modernização da lei processual, uma profunda mudança em nossa atual

organização judiciária, ultrapassada pelos avanços alcançados pela ciência e

pela tecnologia, insuficiente, especialmente pela carência de recursos materiais

e humanos, para atender aos reclamos da sociedade em que vivemos e do

século que se aproxima”.64

Portanto, em face das enormes deficiências, “o Poder Judiciário

encontra-se deslocado no tempo, isso é, mesmo trabalhando muito produz

pouco, impedindo assim que se produza justiça e tendo como ponto fúnebre a

total falta de celeridade e equidade na resolução dos conflitos”.65

1.2 O comportamento dos sujeitos processuais

Os sujeitos principais do processo são o estado-juiz e as partes. Ao

juiz cabe dirigir o processo, razão pela qual a solução do litígio também

depende de sua postura como condutor da causa.

A morosidade, assim, pode estar na pessoa do próprio juiz, que

pode ser preguiçoso ou desmotivado, mas há também casos de juízes

honestos, cultos e justos, mas, por outro lado, lerdos, pensadores ou

perfeccionistas demais, o que poderia ser uma qualidade para os juízes da

Suprema Corte Norte-Americana – que julga aproximadamente cem processos

por ano –, mas que é um defeito no juiz brasileiro, obrigado a realizar uma

produção em massa e julgar vários processos anualmente.66

As partes, por sua vez, têm papel decisivo no andamento do

processo, uma vez que podem, por meio de chicanas processuais dos

respectivos procuradores, retardar a solução do litígio.

63 VIGORITI, Vincenzo. Notas sobre o custo e a duração do processo civil na Itália. Revista de processo, São Paulo, a. 11, n. 43, p. 142-148, jul./set. 1986, p. 146. 64 TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Compromisso com o direito e a justiça. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 49. 65 DALLARI, Dalmo de Abreu. O Poder dos juízes. 3. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 81. 66 RODRIGUES, Francisco César Pinheiro. Morosidade da justiça cível brasileira: causas e remédios. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 6. n. 32, p. 40-62, nov./dez. 2004, p. 41.

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27

Embora a lei preveja a aplicação de sanções pela má-fé processual,

na maior parte das vezes a sanção não é aplicada, seja pela dificuldade de

comprovação, seja pela benevolência dos julgadores, que não costumam

aplicar as punições previstas em lei.

De fato, o Código de Processo Civil prevê que as partes, bem como

todos aqueles que participam do processo, têm os seguintes deveres: expor os

fatos em juízo conforme a verdade; proceder com lealdade e boa-fé; não

formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de

fundamento; não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários

à declaração ou defesa do direito; cumprir com exatidão os provimentos

mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de

natureza antecipatória ou final (art. 14).

Contudo, mesmo que a parte pratique as condutas vedadas pela lei,

a única consequência certa é a procrastinação do processo, já que a aplicação

de sanções processuais excepcionalmente acontece.

Por outro lado, condutas simples e perfeitamente legais podem

prejudicar o andamento do processo, como a apresentação de recursos,

petições e documentos desnecessários, a solicitação de audiências inúteis, a

vista frequente dos autos, que não trazem resultados benéficos para o

desfecho do processo.

De fato, a lei “exige que as partes, através de seus advogados, não

criem incidentes desnecessários, procurem cumprir os prazos, juntar

documentos no momento adequado e pleitear tão-somente a realização

daquelas provas indispensáveis à comprovação de fatos relevantes”.67

Por outro lado, a boa-fé exigida pela lei é de natureza objetiva, ou

seja, não se relaciona ao desejo do sujeito no processo, mas simplesmente

impõe ou proíbe condutas, independentemente das boas ou más intenções do

agente.68

67 CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 72. 68 DIDIER JR. Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. v. 1. 12. ed. Salvador: JusPODIVM, 2010. p. 60.

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28

Assim, as condutas incompatíveis com a boa-fé objetiva devem ser

coibidas no processo, pois além de procrastinar o andamento do feito,

prejudicam a parte que tem razão, que geralmente é aquela que tem uma

conduta ética.

Com efeito, muitos processos poderiam ser encerrados e liquidados

definitivamente se não houvesse a utilização abusiva de recursos e tantos

outros meios de procrastinação pelas partes, sendo que os culpados pelo uso

dessas armas desleais são tanto os advogados quanto os juízes que não

reconhecem e não punem a má-fé, assim como os procuradores dos órgãos

públicos que recorrem contra os fatos e o direito, mesmo sabendo que a causa

está perdida.69

Embora a responsabilidade pela condução do processo de má-fé

seja da parte, uma vez que o advogado apenas a representa em juízo, os

advogados também têm a sua parcela de culpa:

A forma de atuação dos advogados é percebida pelos magistrados como um fator muito importante para explicar a lentidão da Justiça (Tabela 10.10). Destaca-se como prejudicial nessa forma de atuação a tendência dos advogados a estender a duração dos litígios e a sua falta de preparo técnico, a qual, na visão de vários magistrados entrevistados, por vezes causa também a má representação de seus clientes. Juízes dos três ramos do Judiciário mostraram uma avaliação semelhante sobre a relevância da preferência dos advogados por dilatar a duração das disputas como explicação para a morosidade da Justiça, enquanto os juízes estaduais se mostraram mais críticos em relação à falta de treinamento adequado dos advogados e os juízes federais deram maior importância à sua atitude excessivamente antagonista.70

Ademais, embora criticada por todos, a morosidade da justiça é o

que, aparentemente, pretende a maior parte dos litigantes, pois no país há

mais devedores que credores:

Demora, pura e simples, é o que pretende a maioria dos clientes. Há, obviamente, mais devedores do que credores no país. Para cada banco credor há centenas de devedores. Para não perder o bom

69 BEAL, Flávio. Morosidade da justiça = impunidade + injustiça. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006. p. 156. 70 PINHEIRO, Armando Castelar. Magistrados, judiciário e economia no Brasil. In: ZYLBERSZTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel. Direito e economia. 4. reimp. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 259.

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29

cliente, espécime cada vez mais raro porque houve um empobrecimento geral da classe média, o advogado precisa atender ao seu desejo de morosidade, do contrário o cliente simplesmente desaparece, muda de advogado. E o novo patrono não terá qualquer escrúpulo de, por exemplo, embargar a execução de um título de crédito perfeitamente regular, recorrendo sempre contra qualquer decisão porque, afinal, a obrigação primordial do advogado é defender os interesses do cliente, utilizando a legislação em vigor. O profissional sempre poderá se defender da censura moral perguntando, com certa razão: “O que há de errado em defender o interesse de meu cliente utilizando a legislação processual disponível? E por que só eu e meu cliente devemos agir como ‘santinhos’ quando todos os outros, inclusive o poder público, usam e abusam do direito de recorrer?”71

Assim, a morosidade da justiça agrada aos próprios procuradores

das partes, que percebem na lentidão da justiça um meio de cobrar mais

emolumentos de seus clientes, até porque, geralmente, a lentidão dos

processos não prejudica parcela significativa dos advogados, razão pela qual a

própria OAB nacional não encampe campanha para “endurecer” a sistemática

dos recursos processuais.72

1.3 A inflação legislativa

O emaranhado de leis existente no país prejudica a compreensão do

ordenamento jurídico, incentivando o seu questionamento no âmbito judicial. A

legislação que precisa ser contida e/ou simplificada não é somente a

processual, mas também a material, pois ambas são confusas e complexas:

Nosso Direito é freqüentemente complicado e, se não em todas, pelo menos na maior parte das áreas, ainda permanecerá assim. Precisamos reconhecer, porém, que ainda subsistem amplos setores nos quais a simplificação é tanto desejável quanto possível. Se a lei é mais compreensível, ela se torna mais acessível às pessoas comuns.73

71 RODRIGUES, Francisco César Pinheiro. Morosidade da justiça cível brasileira: causas e remédios. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 6. n. 32, p. 40-62, nov./dez. 2004, p. 44. 72 RODRIGUES, Francisco César Pinheiro. Morosidade da justiça cível brasileira: causas e remédios. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 6. n. 32, p. 40-62, nov./dez. 2004, p. 46. 73 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988. p. 156.

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30

De fato, a vontade estatal de arrecadar recursos a todo custo faz

com que a legislação material tributária, por exemplo, não seja elaborada de

forma correta, o que dá ensejo a inúmeras ações judiciais.

Em outros campos do direito, igualmente, a legislação é feita de

forma afobada e com desleixo, o que abre a possibilidade de variadas

discussões judiciais, sem contar o volume excessivo da produção legislativa:

Ao aumentar de modo cada vez mais desordenado e desarticulado o número de matérias, atividades e comportamentos regulados por textos legais, essa desenfreada produção legislativa culmina, assim, na ruptura da organicidade, da unidade lógico-formal e da racionalidade sistêmica do ordenamento jurídico e, por conseqüência, na perda da própria capacidade de predeterminação das decisões concretas por meio do direito positivo. Essa disfuncionalidade crescente tanto do Estado “social” ou regulador quanto de seu instrumental normativo configura um processo que tem sido chamado de “ingovernabilidade sistêmica” ou “crise de governabilidade” pelos cientistas políticos. E de “inflação legislativa”, “juridificação” (ou “sobre-juridificação”) e “trilema regulatório”, pelos sociólogos e teóricos do direito.74

Com efeito, a profusão legislativa é outra causa ponderável,

inclusive porque as leis, em geral, são mal feitas, provocando incertezas

jurídicas e ensejando, com isso, aumento de demandas e de dificuldades na

solução interpretativa, seja pela Administração, seja pelo Judiciário.75

A exuberância de leis demonstra a desorganização do estado

brasileiro, já que “um número muito pequeno de leis será suficiente em um

estado bem ordenado, com um bom príncipe e magistrados honestos, e se as

coisas forem diferentes, nenhuma quantidade de leis será suficiente”.76

De fato, de nada adianta um amontoado de leis, porque uma lei

substantiva e positiva sem um bom juiz vale pouco, ou seja, um bom

julgamento é melhor que uma boa lei.77

74 FARIA, José Eduardo. O Direito na economia globalizada. 1. ed. 4. tir. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 117. 75 MACIEL, Adhemar Ferreira. Dimensões do direito público. Belo Horizonte: Del Rey, 2000. p. 277. 76 ROTERDÃ, Erasmo de. A Educação de um príncipe cristão. In: ISÓCRATES et al. Conselhos aos governantes. Brasília: Senado Federal, 1988. p. 387. Disponível em: <http://www2.senado.gov.br/bdsf/bitstream/id/1026/4/207084.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2010. 77 SADDI, Jairo. Crédito e judiciário no Brasil: uma análise de direito & economia. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 215.

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31

Ademais, em um sistema jurídico inflacionado por “leis de

circunstância” e “regulamentos de necessidade”, condicionados por conjunturas

específicas e transitórias, a velocidade e a intensidade na produção de normas

constitucionais, leis, portarias, instruções normativas e decretos leva o estado a

perder a dimensão exata do valor jurídico tanto das regras quanto dos atos que

disciplina, legislação essa que acaba sendo passível de um contínuo trabalho

interpretativo.78

Assim, tal qual ocorre com a inflação econômica, a inflação

legislativa, conhecida também como “anomia jurídica” ou “explosão legal”,

costuma acirrar conflitos, inviabilizar o cálculo racional e disseminar uma

insegurança generalizada na vida sociopolítica e no mundo dos negócios,

implodindo os marcos normativos fundamentais da vida social.79

1.4 A legislação processual

A legislação processual anacrônica também contribui para a

morosidade da justiça. Com efeito, além de a legislação ser antiquada, ela

parece uma colcha de retalhos, já que inúmeras alterações vêm sendo feitas

ao longo do tempo no texto original, ainda que com o propósito de modernizá-

la.

Todavia, tais alterações acabam por prejudicar a sistemática da

legislação, pois as alterações levadas a efeito alcançam apenas parte dela,

tornando a aplicação das novas regras, às vezes, incompatível com a

legislação não modificada.

A legislação atual precisa ser simplificada, não por meio de

alterações pontuais, mas por meio de nova legislação processual como um

todo:

A justiça brasileira necessita, com urgência, de normas processuais e procedimentais que tornem expedita a prestação jurisdicional. Essas

78 FARIA, José Eduardo. Inflação legislativa e a crise do estado no Brasil. Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, n. 42, dez./1994, p. 165-182. Disponível em: <http://www.leonildocorrea.adv.br/curso/socio13.htm>. Acesso em: 06 jan. 2011. 79 FARIA, José Eduardo. O Direito na economia globalizada. 1. ed. 4. tir. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 129.

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32

normas deverão ser elaboradas pelo Congresso Nacional, no que diz respeito ao processo propriamente, e pelos Estados, no que diz respeito ao procedimento.80

A legislação processual é tida como uma das principais causas da

morosidade da justiça, uma vez que as formalidades nela existentes e os

inúmeros recursos atravancam sobremaneira o andamento do processo:

Há no Direito brasileiro dois vícios graves pedindo, já faz tempo, remédio urgente. Nossas regras de processo, antes de tudo, parecem não querer que o processo termine. Os recursos possíveis são muitos (creio não haver fora do Brasil trama recursiva tão grande e complicada), e pouca gente hoje crê que isso ajude mesmo a apurar melhor a verdade para melhor fazer justiça.81

De fato, a crise mais aguda da justiça é a duração dos processos,

cuja lentidão está ligada principalmente à preferência dos litigantes por vias

judiciais, à estrutura do Poder Judiciário e ao sistema de tutela dos direitos,

sendo que o problema é agravado pelo formalismo excessivo das leis e pelo

sistema irracional de recursos:

A mais aguda crise da justiça é, sem dúvida, a duração dos processos. A lentidão do processo judicial é deficiência ligada principalmente à preferência dos litigantes por vias judiciais, à estrutura do Poder Judiciário e ao sistema de tutela dos direitos. (...) Um procedimento que não considera o que se passa nos planos de direito material e da realidade social, obviamente, não pode propiciar uma tutela jurisdicional efetiva. O devido processo legal continua a ser concebido como mera garantia de formas, indiferente à realidade no qual se opera, preservando privilégios. Esse fato é ainda agravado pelo formalismo excessivo às leis, às formas processuais e por um sistema de recursos irracional.82

O Poder Judiciário está manietado por uma legislação processual

anacrônica e ingênua, especialmente por presumir que todo recurso seja

motivado pelo anseio de justiça, o que não é verdade, pois o anseio é pelo

80 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Problemas e soluções na prestação da justiça. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. O Judiciário e a constituição. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 109. 81 REZEK, Francisco. O direito que atormenta. Jornal Folha de São Paulo, caderno 1, Edição de 15 nov. 1998, p. 3. 82 SAKO, Emília Simeão Albino. Direitos humanos e acesso à justiça. In: RIBEIRO, Maria de Fátima; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (coords.). Direito internacional dos direitos humanos: estudos em homenagem à Prof.ª Flávia Piovesan. Curitiba: Juruá, 2004. p. 132.

Page 33: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

33

enorme ganho econômico-temporal, conseguido pelo simples ato de redigir

uma petição dizendo ter ocorrido um erro de julgamento e pedindo outro, e

depois mais outro.83

Pesquisas realizadas indicam que o ordenamento jurídico

processual contribui para o problema da morosidade, tanto no que se refere ao

formalismo quanto ao número de recursos:

O grande problema com o ordenamento jurídico cível vigente no país está na legislação processual, tanto em relação aos muitos meios de protelar decisões como no que respeita à possibilidade de recurso a um número excessivo de instâncias, considerados por quase 80% dos magistrados causas muito importantes da morosidade da Justiça no Brasil (Tabela 10.7). Assim, ainda que uma parcela importante dos magistrados tenha indicado que problemas com a legislação substantiva são relevantes para explicar a morosidade do Judiciário, particularmente no que concerne ao seu anacronismo e à sua instabilidade, esses problemas são percebidos como secundários quando comparados às falhas existentes na legislação processual. Essa conclusão é reforçada pela constatação de que a maioria dos respondentes (51,1%) considera o excessivo formalismo processual do Judiciário brasileiro uma causa muito importante da morosidade judicial.84

Considerando que em qualquer tipo de processo existe a

possibilidade de interposição de inúmeros recursos, as partes podem percorrer

quatro instâncias recursais antes de obter o julgamento definitivo do processo:

A grande quantidade de recursos processuais, tais como agravos e diversos institutos processuais, dentre outros, aliada à possibilidade de uso de até quatro instâncias recursais (Primeira instância, Tribunal de Justiça, Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal), entre outras causas, provocam a morosidade da solução de litígios submetidos à tutela jurisdicional, o que inibe investimentos na economia, uma vez que, dentre outras consequências, impede o uso, pelos agentes econômicos, a curto e médio prazos, dos valores depositados judicialmente.85

83 RODRIGUES, Francisco César Pinheiro. Morosidade da justiça cível brasileira: causas e remédios. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 6. n. 32, p. 40-62, nov./dez. 2004, p. 43. 84 PINHEIRO, Armando Castelar. Magistrados, judiciário e economia no Brasil. In: ZYLBERSZTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel. Direito e economia. 4. reimp. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 257-258. 85 CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 23.

Page 34: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

34

De fato, a grande abundância e diversidade de recursos existentes

em nosso ordenamento jurídico configura uma causa muito importante para o

aumento da morosidade da justiça, devendo ser criticada a existência de tantas

formas e possibilidades de procrastinação para evitar a coisa julgada e a

aplicação da sentença ou do acórdão, sem com isso pretender-se eliminar a

possibilidade de recurso.86

O sistema recursal é tão irracional que o despejo de um botequim

pode chegar ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal,

sendo que aquele tem decidido processos sem nenhuma relevância jurídica ou

social, como, por exemplo, recursos em que se discute se é possível a criação

de cães em condomínios de apartamentos.87

Assim, a manutenção de dispositivos legais antiquados e ineficientes

na legislação processual impede a tempestiva solução do litígio, já que as

partes utilizam-se dos recursos previstos em lei para retardar a solução da

demanda:

Além de excessivo número de recursos, como se a sua quantidade significasse boa distribuição da justiça, existe um formalismo exacerbado no estatuto processual, retardando a prestação jurisdicional. De nada adianta assegurar "n" recursos, que interpostos por milhares, através de sistema computadorizado, não terão possibilidade material de serem lidos, analisados e apreciados adequadamente por poucos julgadores que compõem os tribunais. É preciso, pois, enxugar os recursos. É preciso, também, que as leis processuais assegurem direito a um processo justo, priorizando este ou aquele tipo de processo, estatuindo procedimentos específicos para aqueles casos que devem merecer atenção especial do Estado. Finalmente, impõe-se a gradativa deformalização do processo, privilegiando o aspecto da sumariedade do processo com vistas à efetividade da jurisdição, assim como aperfeiçoar os mecanismos processuais que conduzam à rápida implementação da sentença. Do contrário, o processo constituir-se-á em fonte permanente de insatisfação do vitorioso na demanda.88

86 BEAL, Flávio. Morosidade da justiça = impunidade + injustiça. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006. p. 140. 87 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Do Poder judiciário: como torná-lo mais ágil e dinâmico. Efeito vinculante e outros temas. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 35, n. 138, p. 75-87, abr./jun. 1998, p. 77. 88 HARADA, Kiyoshi. Controle externo do judiciário. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 31, maio/1999. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/211>. Acesso em: 07 dez. 2010.

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35

Portanto, uma das razões do acúmulo de causas que geram as

consequências da morosidade, além de outros defeitos ou omissões

estruturais, está na interposição de recursos abusivos, protelatórios e/ou

injustificados por agentes de toda qualificação, nos vários campos do direito,

principalmente os estatais, quando visam exclusivamente a retardar

pagamentos de sua obrigação ou deixar de reconhecer direitos

constitucionais.89

Por outro lado, o formalismo processual exagerado teima em

permanecer enraizado no núcleo dos sistemas processuais latinos, sendo que

na Suíça há notável reação doutrinária e jurisprudencial contra o formalismo

excessivo, que é considerado violação da garantia de jurisdição constante do

art. 4º da Constituição Federal daquele país.90

Segundo Sálvio de Figueiredo Teixeira, a preocupação da legislação

processual deveria centrar-se na sociedade e na efetividade da prestação

jurisdicional:

Vive-se, com efeito, uma nova fase, a da instrumentalidade, que descortina o processo como instrumento da jurisdição imprescindível à realização da ordem jurídica material, à convivência humana e à efetivação das garantias constitucionalmente asseguradas, apresentando-se como tendências atuais do processo, dentre outras, a sua internacionalização e a preocupação com o social e com a efetividade da tutela jurisdicional.91

Assim, na busca de um processo de resultados, visto como um meio

e não como um fim, é necessário eliminar as dificuldades arraigadas na

legislação processual extremamente formalista, onde a discussão do direito

material, frequentemente, perde espaço para o direito processual:

89 CASTRO, Honildo Amaral de Mello. O Abuso do direito e a litigância de má-fé no novo agravo. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo, v. 19, p. 130-136, abr./jun. 1997, p. 133. 90 THEODORO JÚNIOR, Humberto. A Execução de sentença e a garantia do devido processo legal. Rio de Janeiro: Aide, 1987. p. 64. Eis o teor do art. 4º da referida Constituição: “En matière de procédure, le formalisme constitue un déni de justice quand il n’est imposé pour la protection d’aucun intérêt et qu’il complique d’une manière insoutenable l’applicacion du droit matériel”. 91 TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. A reforma da legislação processual no contexto de uma nova justiça. In: PAULA, Adriano Perácio de (Coord.). Modificações no CPC. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p. 69-91. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/handle/2011/431>. Acesso em: 07 dez. 2010.

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36

Entre as causas, geralmente apontadas, do mau desempenho do Judiciário brasileiro podem ser destacadas o exíguo número de juízes por habitante e o grande número de recursos permitidos por nossas leis processuais. Essas causas são significativas, mas acima delas, com muito maior significação, está o processualismo, entendido como tal o exagerado formalismo com que os julgadores de um modo geral tratam as questões. Em qualquer tribunal brasileiro, com certeza bem mais de metade do tempo das sessões de julgamento é gasto no debate de questões processuais. E um número significativo de “julgados” não faz mais do que deixar de julgar, na medida em que não é apreciado o mérito das questões postas, que ensejam a renovação dos pleitos por outras vias processuais. E não são raros os casos nos quais triunfa quem não tem razão, mas tem o patrocínio de advogado hábil no manejo dos ritos.92

É verdade que a legislação processual antiquada e formalista não

pode ser tida, exclusivamente, como responsável pelo problema da morosidade

da justiça, mas não é menos verdade que a simplificação da legislação poderá

acarretar melhorias no campo da administração da justiça.

1.5 O aumento da litigiosidade

Segundo Habermas, “as crises surgem quando a estrutura de um

sistema social permite menores possibilidades para resolver o problema do que

são necessárias para a contínua existência do sistema”.93

A crise da justiça brasileira, ou do Poder Judiciário, que é o órgão

encarregado da função jurisdicional, provoca a insatisfação dos jurisdicionados

e significa a denegação da própria justiça:

A crise da Justiça está na ordem do dia: dissemina-se e serpenteia pelo corpo social, como insatisfação dos consumidores de Justiça, assumindo as vestes do descrédito nas instituições; atinge os operadores do direito e os próprios magistrados, como que impotentes perante a complexidade dos problemas que afligem o exercício da função jurisdicional; desdobra-se em greves e protestos de seus servidores; ricocheteia, enfim, pelas páginas da imprensa e ressoa pelos canais de comunicação de massa, assumindo

92 MACHADO, Hugo de Brito. O processualismo e o desempenho do poder judiciário. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, n. 23, p. 31-44, dez./mar. 1998, p. 32. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/20155/O_Processualismo_e_o_Desempenho.pdf?sequence=1>. Acesso em: 16 dez. 2010. (Grifo do autor) 93 HABERMAS, Jürgen. A Crise de legitimação no capitalismo tardio. 3. ed. Trad. Vamireh Chacon. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1999. p. 13.

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dimensões alarmantes e estimulando a litigiosidade latente. A Justiça é inacessível, cara, complicada, lenta, inadequada. A Justiça é denegação de Justiça. A Justiça é injusta. Não existe Justiça.94

Todavia, a crise não tem apenas aspectos negativos, mas indica um

fenômeno próprio da evolução e transformação da sociedade. As crises levam

– ou ao menos deveriam levar – à renovação, segundo os esquemas

adequados à realidade emergente.95

A ideia de crise do Supremo Tribunal Federal [ou do Judiciário como

um todo] está ligada ao aumento do número de demandas ajuizadas sem que

haja a conclusão daquelas já em andamento, ocasião em que ocorre um

acúmulo de demandas pendentes de solução, resultando daí um

congestionamento, porque de ano para ano o remanescente aumenta a

pirâmide de autos, chegando a um ponto em que ela não pode mais ser

removida.96

Assim, um dos responsáveis pela crise é o aumento da litigiosidade,

que vem ocorrendo ao longo dos tempos. Esse aumento está ligado à maior

conscientização dos direitos por parte da população, verificada especialmente

após a Constituição Federal de 1988, que foi pródiga na atribuição de direitos,

sendo, inclusive, chamada de Constituição cidadã:

É imperativo irrecusável da consciência de constitucionalista, porém, reconhecer o sadio efeito, nesse campo, de uma Constituição denominada cidadã e tida por todos como o texto fundante que mais prestigiou o Judiciário do Brasil. A Constituição de 1988 foi aquela que mais acreditou na solução jurisdicional dos conflitos. Natural o fato de que, despertada pelo seu texto, a cidadania viesse a multiplicar as demandas e evidenciasse a sua crença na solução judicial dos problemas humanos.97

Ademais, a consolidação do estado-providência significou a

expansão dos direitos sociais, bem como a integração das classes

trabalhadoras nos circuitos de consumo anteriormente fora de seu alcance,

94 GRINOVER, Ada Pellegrini. O Processo em evolução. 2. ed. São Paulo: Forense Universitária, 1998. p. 20-21. 95 GRINOVER, Ada Pellegrini. O Processo em evolução. 2. ed. São Paulo: Forense Universitária, 1998. p. 21. 96 BUZAID, Alfredo. Estudos de direito. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1972. p. 144. 97 NALINI, José Renato. A Rebelião da toga. Campinas: Millennium, 2006. p. 80.

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fazendo com que os novos conflitos emergentes dos novos direitos sociais

fossem constitucionalmente conflitos jurídicos, cuja solução caberia aos

tribunais, entre os quais litígios sobre a relação de trabalho, segurança social,

habitação, bens de consumo etc.98

Essa explosão de litigiosidade, todavia, aumentou já na década de

70, num período em que a expansão econômica terminava e começava a

época de recessão, resultando na redução progressiva dos recursos do estado

e na consequente incapacidade de cumprir os compromissos assistenciais e

providenciais assumidos com as classes populares na década anterior:

De tudo isto resultou uma explosão de litigiosidade à qual a administração da justiça dificilmente poderia dar respostas. Acresce que esta explosão veio a agravar-se no início da década de 70, ou seja, num período em que a expansão económica terminava e se iniciava uma recessão, para mais uma recessão com carácter estrutural. (...) Uma situação que dá pelo nome de crise financeira do Estado e que, por isso, se repercutiu também na incapacidade do Estado para expandir os serviços de administração da justiça de modo a criar uma oferta de justiça compatível com a procura entretanto verificada.99

O extraordinário aumento da litigiosidade decorre de alguns fatores,

entre os quais podemos apontar os seguintes: a evolução da sociedade e do

direito, em especial do direito do consumidor; o crescimento da atividade

econômica; a insegurança jurídica causada pela proliferação de leis; o aumento

do salário mínimo e a criação de programas de transferência de renda.

Assim, a partir dessa maior consciência dos direitos, bem como da

garantia de que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou

ameaça a direito, as pessoas passaram a utilizar com maior frequência a

função jurisdicional, a fim de ver resolvidos os respectivos conflitos de

interesses, o que causou – e ainda causa – congestionamento do Poder

Judiciário.

O surgimento de novos direitos também pode ser apontado como

causa do aumento da litigiosidade:

98 SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução à sociologia da justiça. In: FARIA, José Eduardo (Org.). Direito e justiça: a função social do judiciário. São Paulo: Ática, 1989. p. 43-44. 99 SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de alice: o social e o político na pós-modernidade. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1997. p. 166.

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39

A ampliação dos direitos fundamentais com o reconhecimento de novos direitos faz surgir também no panorama jurídico novas formas de conflito, especialmente as decorrentes dos direitos de segunda e terceira geração, que trazem à baila questões relativas a relações de emprego, habitação, educação, transporte, consumo, meio ambiente, entre outros, aumentando sobremaneira o número de demandas levadas à apreciação do Poder Judiciário. O surgimento desses novos conflitos é indicado por alguns autores como o principal fator responsável pela chamada ‘explosão da litigiosidade’, que deflagrou a crise na administração da justiça, apontando a necessidade premente de desburocratização do sistema e de simplificação dos procedimentos.100

Todavia, o sistema incentiva as pessoas a demandar em juízo nem

sempre por razões tão nobres, a saber: as pessoas e as empresas levam

processos aos tribunais não para lutar por um direito, mas para explorar a

lentidão da justiça e adiar o cumprimento de uma obrigação; as pessoas

naturais e as empresas não encontram outros caminhos para a solução das

suas disputas; os governos utilizam o sistema para arrecadar impostos e fazer

cumprir obrigações, mas também pra postergar o cumprimento de suas

próprias obrigações; os advogados, públicos e privados, são remunerados e

prestigiados por demandar e recorrer.101

Com efeito, há hoje uma cultura à litigância, de sorte que as pessoas

acorrem ao Poder Judiciário tanto quando têm razão quando não têm nenhum

direito:

Hoje, o brasileiro padece de demandismo. Sintoma proveniente de distintas origens. Para os otimistas, o brasileiro tem noção mais clara de seus direitos. Para os realistas, a litigância sugere uma sociedade egoísta, inflexível quando se trata de transigir, infensa a acordos e beligerante. O fato é que todos acorrem ao Judiciário. Ricos e pobres. Pessoas físicas e pessoas jurídicas. Empresas e ONGs. Sindicatos e Bancos. Associações de classe e Escolas. Particulares e Governo. Até mesmo grupos nem sempre dotados de personalidade jurídica. Invoca-se o Judiciário quando se tem razão e, principalmente, quando não se tem nenhum direito. A razão de tantas ações é a complexidade do processo, concausa de uma lentidão insuportável para o Judiciário. A injustiça consegue uma sobrevida com a longa

100 MAURO, Adalgiza Paula Oliveira. Direitos individuais e coletivos: novos direitos, novos conflitos e a busca do efetivo acesso à justiça. Revista Nacional de Direito e Jurisprudência, Ribeirão Preto, a. 6, n. 65, p. 11-22, maio/2005, p. 17. 101 MOSCOGLIATO, Marcelo. Demanda e oferta de decisões judiciais. In: Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial. Direito e economia. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 77-78.

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duração das demandas, que podem se prolongar por mais de uma década, até vencer as quatro instâncias.102

Assim, a causa principal da lentidão da justiça é o aumento do

número de processos, que decorre do fato de que, à medida que se acentua a

cidadania, as pessoas procuram mais os tribunais, pois a Constituição de 1988

deseja que a cidadania seja exercida por todos, convocando os cidadãos a

fiscalizar a coisa pública, que se efetiva mediante o ajuizamento de medidas

judiciais.103

Em razão disso, ocorre o problema da morosidade da justiça, onde

não se consegue evitar o acúmulo de processos pendentes de decisão:

No que se refere à demanda, o crescimento nos índices de procura por justiça oferecida pelo Estado está altamente relacionado às taxas de industrialização e ao processo de urbanização. O crescimento nestes indicadores provoca aumento no número e no tipo de conflitos e, consequentemente, há uma maior probabilidade de que estes litígios convertam-se em uma maior demanda pelos serviços do Judiciário. A potencialidade de conversão de litígios em demanda por serviços judiciais depende, por sua vez, da consciência de direitos e da credibilidade na máquina judicial. Desta forma, a mera transformação estrutural por que passou a sociedade brasileira, de predominantemente agrária e rural para industrial e urbana, num intervalo de menos de 50 anos, tomando como ponto de partida o início da década de 1930, justificaria a multiplicação dos conflitos. Esta potencialidade de conflitos foi, no entanto, em grande parte, contida pela ausência de vida democrática e pelo descrédito na justiça.104

Roger Perrot, referindo-se ao aumento da litigiosidade na França,

esclarece o seguinte:

O acontecimento processual marcante deste último meio século terá sido sem dúvida, e não só na França, o considerável aumento da massa litigiosa. Foi esse dado primeiro que pesou muito fundo nas transformações do processo civil francês. (...)

102 NALINI, José Renato. A Rebelião da toga. Campinas: Millennium, 2006. p. 78. 103 VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Do Poder Judiciário: como torná-lo mais ágil e dinâmico. Efeito vinculante e outros temas. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 35, n. 138, p. 75-87, abr./jun. 1998. p. 76. 104 SADEK, Maria Tereza. Poder judiciário: perspectivas e desafios. Opinião Pública, Campinas, v. 10, n. 1, p. 01-62, maio/2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-62762004000100002>. Acesso em: 19 dez. 2010.

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41

Quando se evoca tal problema, logo se pensa no crescimento quantitativo do volume das causas. As demandas apresentadas aos tribunais multiplicam-se em condições inquietantes. Na França, foi possível verificar que, no espaço de 20 anos, o número de causas triplicou, e por motivos fáceis de compreender. Numa sociedade que evolui rapidamente, as leis sucedem-se em ritmo acelerado e fatalmente geram um contencioso mais abundante, tanto mais quanto os nossos contemporâneos, mais bem informados de seus direitos que no século passado, já não hesitam em dirigir-se aos tribunais ante a menor dificuldade e, se necessário, percorrendo todos os degraus da hierarquia judiciária, desde o juiz de primeiro grau até a Corte de Cassação. Mas não existe milagre. Com um pessoal judiciário que praticamente não aumentou em número, o resultado mais claro de semelhante situação consiste em que nossos tribunais, que já não conseguem deter essa maré montante, só podem proferir seus julgamentos ao fim de muitos meses, quando não de muitos anos.105

Assim, o crescente aumento da litigiosidade causa uma sobrecarga

de trabalho nos tribunais, gerando um verdadeiro colapso do sistema judiciário

de muitos países.106

Por outro lado, nem sempre as demandas ajuizadas têm chances de

êxito, já que o Poder Judiciário está abarrotado de causas temerárias:

Processos referentes a causas absurdas, irrelevantes, repetitivas, movidas por modismo, por interesses psicológicos ou satisfação pessoal, colaboram, significativamente, para o acúmulo de processos que aguardam julgamento. Pesquisas revelam que tais causas abarrotam o Judiciário, favorecendo a morosidade, criando opinião crítica na maioria das pessoas de que a Justiça continua lenta e sem agilidade.107

A grande quantidade de processos, assim, está diretamente

relacionada à morosidade da justiça no país, que é uma das críticas mais

contundentes que se faz ao Poder Judiciário, razão pela qual, diante de tantos

processos, chega-se a uma conclusão de que entrar no Judiciário não

compensa, salvo se for para extrair as vantagens da morosidade.108

105 PERROT, Roger. O Processo civil francês na véspera do século XXI. Trad. José Carlos Barbosa Moreira. Revista de Processo, São Paulo, ano 23, v. 91, p. 203-212, jul./set. 1998, p. 204. 106 BERIZONCE, Roberto O. Recientes tendencias en la posición del juez. Revista de Processo, São Paulo, a. 24, n. 96, p. 125-149, out./dez. 1999, p. 141. 107 SVEDAS, Andréia Mendes. Morosidade da justiça: causas e soluções. In: SVEDAS, Andréa Mendes [et al.]. Morosidade da justiça: causas e soluções. Brasília: Consulex, 2001. p. 18. 108 Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial. Direito e economia. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 50-51.

Page 42: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

42

1.6 As demandas repetitivas

As demandas repetitivas são aquelas titularizadas por um grande

número de pessoas e que versam sobre a mesma questão de direito. Tais

demandas são, geralmente, resolvidas por meio de processos individuais, o

que pode causar insegurança jurídica em face da possível existência de

decisões contraditórias.

Tal se deve porque a legislação processual sempre esteve

preocupada com a solução das demandas individuais, até porque a

coletivização das lides não fazia parte do contexto social pretérito.

A existência de ações repetitivas demonstra a irracionalidade do

sistema judicial, já que inúmeras demandas são ajuizadas para discutir a

mesma questão de direito, inclusive com a possibilidade de decisões

contraditórias, servindo, também, para desacreditar o Poder Judiciário.

De fato, não é razoável que o Poder Judiciário seja acionado para

julgar inúmeras demandas cujo objeto seja a mesma questão jurídica, sem que

o sistema preveja um mecanismo para simplificar o julgamento dessas ações:

Todos os dias multiplicam-se, especialmente na Justiça Federal, causas que tratam da mesma matéria de direito. O que nelas varia são apenas as partes. Qualquer juiz, membro do Ministério Público ou advogado, devidamente atento ao que se passa no dia-a-dia da justiça civil brasileira, sabe que tais demandas exigem um único momento de reflexão, necessário para a elaboração da primeira sentença ou do primeiro acórdão. Mais tarde, justamente porque as ações são repetidas, as sentenças e os acórdãos, com a ajuda do computador, são multiplicados em igual proporção.109

Seria mais racional que, uma vez identificada a demanda repetitiva,

as demais ficassem paralisadas até que fosse julgada definitivamente a “causa

piloto”, aplicando-se para as demais a mesma solução jurídica, o que diminuiria

o número de recursos e evitaria decisões contraditórias, em homenagem ao

princípio da isonomia, bem como diminuiria a quantidade de ações em trâmite

no Poder Judiciário.

109 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de direito processual Civil: processo de conhecimento. v. 2. 6. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 524.

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Ademais, um número excessivo de recursos em demandas

repetitivas (com o mesmo objeto) também significa retardo na prestação

jurisdicional e, portanto, prejuízo à parte que tem razão, bem como um

aumento de custos e acúmulo intolerável de processos em segundo grau de

jurisdição, resultando em lentidão do serviço jurisdicional:

No caso de demandas múltiplas, isto pode significar milhares de recursos. O que significa, entretanto, milhares de recursos? Significa, antes de mais nada, retardo na prestação jurisdicional e, portanto, prejuízo à parte que tem razão. Significa, ainda, mais custos e, também, um acúmulo intolerável de processos em segundo grau de jurisdição. Ora, é óbvio que a interposição exagerada de recursos resulta na lentidão do serviço jurisdicional e, portanto, aprofunda-se a crise do Poder Judiciário, que tem o grave compromisso de atender ao Direito Constitucional de todo cidadão a uma resposta jurisdicional tempestiva.110

Assim, as demandas repetitivas causam uma grande sobrecarga de

serviço no Poder Judiciário, sem que isso seja necessário, já que a

interpretação dada pelo tribunal poderia servir de parâmetro obrigatório para os

demais julgamentos.111

Pensando nisso, o projeto do novo Código de Processo Civil, em seu

art. 895, traz um mecanismo para simplificar o julgamento dessas ações, qual

seja, o incidente de demandas repetitivas.

Segundo a futura norma, admitido o incidente, o presidente do

tribunal determinará a suspensão dos processos pendentes até o seu

julgamento, devendo a tese jurídica adotada ser aplicada a todos os processos

que versem idêntica questão de direito.

1.7 A postura do poder público

110 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 181. 111 Segundo pesquisa realizada pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná a pedido do Conselho Nacional de Justiça, coordenada pela Prof.ª Claudia Maria Barbosa, o sistema de concessão e tomada de crédito é o principal responsável pelo progressivo aumento de demandas judiciais de massa, no que diz respeito às demandas repetitivas cíveis no país. Cf.: CARVALHO, Luiza de. Agência CNJ de notícias. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13097:concessao-de-credito-lidera-o-aumento-de-demandas-judiciais&catid=1:notas&Itemid=675>. Acesso em: 17 dez. 2010.

Page 44: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

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O Poder Público, tanto na esfera federal quanto estadual e

municipal, tem contribuído sobremaneira para o problema da morosidade da

justiça, já que a maior parte das causas em tramitação no Poder Judiciário tem

a fazenda pública como parte.

O Poder Público contribui para o problema da morosidade da justiça

ao não reconhecer espontaneamente o direito dos administrados (ou do

servidor público) e ao utilizar recursos judiciais em excesso, mesmo que sejam

inviáveis, o que traz uma série de consequências prejudiciais ao próprio

estado:

As conseqüências desse comportamento ilícito são bastante óbvias: a desmoralização do processo administrativo como instância, menos formal e mais célere, de resolução de controvérsias; e o abarrotamento do Poder Judiciário com demandas que já poderiam ter sido resolvidas. Chega a ser surreal a quantidade de processos envolvendo servidores públicos na Justiça Federal, uma vez que, em boa parte deles, não há séria controvérsia judicial. Portanto, bastaria à Administração Pública verificar a questão probatória (certeza a respeito do fato objeto do litígio) e a questão jurídica (matéria pacificada nos tribunais superiores). É evidente que as decisões judiciais somente são obrigatórias para as partes (autor e réu) do processo (com exceção das ações de controle concentrado de constitucionalidade e das súmulas vinculantes). Porém, decidir de forma contrária à jurisprudência pacífica é, simplesmente, protelar o recebimento do benefício pelo demandado, que, mais cedo ou mais tarde, terá o direito assegurado pelo Poder Judiciário. Trata-se, no mínimo, de visível ofensa ao princípio constitucional da eficiência.112

De fato, demandas envolvendo a fazenda pública são responsáveis

em grande parte pelo abarrotamento do Poder Judiciário, uma vez que ela

utiliza todos os meios processualmente legítimos para evitar a derrota.

O grande problema é que a fazenda pública tem relações com um

grande número de pessoas, razão pela qual as demandas ajuizadas contra si

também são de grande volume.

Segundo Ricardo Levandowski, ministro do Supremo Tribunal

Federal, está-se caminhando para um caos absoluto, pois o estado não

112 AGUIAR, Alexandre Magno Fernandes Moreira. Como a administração pública contribui para a morosidade do poder judiciário. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2075, 7 mar. 2009. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/12420>. Acesso em: 7 jan. 2011.

Page 45: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

45

contribui para acabar com o problema da morosidade, já que ele é o maior

litigante e reluta em pagar seus débitos, atravancando o Judiciário.113

Pesquisas realizadas pelo Supremo Tribunal Federal indicam que o

acesso à justiça no Brasil é restrito a um pequeno número de atores, formado

principalmente pelo Poder Público e por um grupo diminuto de serviços

públicos privados, sendo que os maiores usuários do Poder Judiciário são o

INSS, a União e a Caixa Econômica Federal, do lado público, e os serviços de

telefonia, do lado privado.114

Ademais, pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça

concluiu que o setor público (Federal, Estadual e Municipal), bancos e

telefonia representam 95% do total de processos dos 100 maiores

litigantes nacionais, sendo que desses processos, 51% têm como parte

ente do setor público, 38% empresas do setor bancário, 6% companhias

do setor de telefonia e 5% de outras empresas.115

Portanto, o poder público é campeão no número de processos em

tramitação nos tribunais brasileiros, prolongando indefinidamente o desfecho

da demanda, sob a justificativa de defender o interesse público, sem se

preocupar com o custo do abarrotamento da justiça, que recai sobre seus

próprios ombros:

Aliás, o setor público é mestre consumado nesta ‘arte’ da litigância de má-fé. E como setor público entenda-se o poder executivo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mais as autarquias e as fundações públicas de cada esfera administrativa. Seus procuradores são obrigados a recorrer mesmo sem qualquer razão ou possibilidade de sucesso. 79% dos recursos no STF e um pouco menos do STJ envolvem o setor público como parte ativa ou passiva, o que, convenhamos, explica em parte o acúmulo processual nos tribunais superiores, além de demonstrar a má-fé em relação ao cidadão. Outros 40% atolam a Justiça do Trabalho.116

113 Apud: Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial. Direito e economia. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 65. 114 Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial. Direito e economia. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 50. 115 Conselho Nacional de Justiça. 100 maiores litigantes. Brasília, março de 2011. p. 15. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/52058724/Pesquisa-100-Maiores-Litigantes-Cnj> Acesso em: 15 mar. 2011. 116 BEAL, Flávio. Morosidade da justiça = impunidade + injustiça. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006. p. 156.

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Todavia, o interesse público defendido, geralmente, é o interesse

público secundário (do estado), que não se confunde com o interesse público

primário (da coletividade), conforme lição de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Também assim melhor se compreenderá a distinção corrente da doutrina italiana entre interesses públicos ou interesses primários – que são os interesses da coletividade como um todo – e interesses secundários, que o Estado (pelo só fato de ser sujeito de direitos) poderia ter como qualquer outra pessoa, isto é, independentemente de sua qualidade de servidor de interesses de terceiros: os da coletividade. Poderia, portanto, ter o interesse secundário de resistir ao pagamento de indenizações, ainda que procedentes, ou de denegar pretensões bem-fundadas que os administrados lhe fizessem, ou de cobrar tributos ou tarifas por valores exagerados. Estaria, por tal modo, defendendo interesses ‘seus’ enquanto pessoa, enquanto entidade animada do propósito de despender o mínimo de recursos e abarrotar-se deles ao máximo. Não estaria, entretanto, atendendo ao interesse público, ao interesse primário, isto é, àquele que a lei aponta como sendo o interesse da coletividade: o da observância da ordem jurídica estabelecida a título de bem curar o interesse de todos.117

Assim, em grande parte das ações envolvendo o poder público, há

apenas a defesa do interesse público secundário (do estado), uma vez que ele

prolonga o desfecho do litígio, por meio de inúmeros recursos, apenas para

postergar o reconhecimento do direito da parte, especialmente nos casos em

que a jurisprudência já se firmou em sentido contrário à tese defendida por ele

em juízo.

De fato, segundo o interesse público primário (da coletividade), seria

mais sensato que o poder público reconhecesse e seguisse a jurisprudência

consolidada dos tribunais, passando a cumprir a lei tal qual interpretada por

eles, com o consequente reconhecimento dos direitos dos interessados, sem

abarrotar o Poder Judiciário de recursos inúteis e simplesmente protelatórios,

apenas com o propósito de postergar o pagamento do débito.

Ademais, em caso de ilícito praticado pelo estado, ele tem o dever

de promover espontaneamente a liquidação do dano, até porque, uma vez

configurados os pressupostos de sua responsabilização civil, a remessa do

interessado à via judicial configurará uma segunda infração pelo estado a seus

117 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 11. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 32.

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deveres. Com efeito, a primeira infração consumou-se quando o estado deu

oportunidade à concretização do dano e a segunda ocorre quando ele se

recusa a arcar com a responsabilidade daí derivada.118

118 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 6. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 1.222.

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2 AS CONSEQUÊNCIAS DA MOROSIDADE DA JUSTIÇA

O tempo de tramitação processual é um dos grandes problemas

enfrentados pela justiça brasileira, impedindo a tutela jurisdicional efetiva e

significando um verdadeiro entrave à obtenção da justiça, uma vez que o

processo “será tanto mais efetivo quanto mais rápido”.119

A lentidão da justiça fere substancialmente o dispositivo

constitucional do devido processo legal, bem como é um fator agonizante para

os que esperam uma decisão, na medida em que estrangula os canais de

acesso à justiça, diminuindo seu valor perante o jurisdicionado, que prefere ter

sua litigiosidade contida ou solucionada por seus próprios meios, a ter de

recorrer à justiça e enfrentar sua deficiência e a própria ansiedade.120

A morosidade processual produz uma série de efeitos, entre os

quais podem ser apontados os seguintes: os direitos e as garantias deixam de

estar assegurados; as partes lesadas aceitam frequentemente acordos injustos

(porque o ingresso em juízo não lhes garante uma solução melhor); quando a

justiça é lenta, o valor esperado do ganho ou da perda das partes reduz-se

substancialmente; os custos de recorrer à justiça aumentam.121

Conforme adverte Nicolò Trocker, uma justiça realizada com atraso

é, sobretudo, um grave mal social, pois provoca danos econômicos

(imobilizando bens e capitais), favorece a especulação e a insolvência e

acentua a discriminação entre os que podem perder e os que não podem.

Ademais, um processo que se desenrola por longo tempo torna-se um cômodo

instrumento de ameaça e pressão, uma arma formidável nas mãos do mais

forte para ditar ao adversário as condições da sua rendição.122

119 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 183. 120 VARGAS, Jorge de Oliveira. Responsabilidade civil do estado pela demora na prestação da tutela jurisdicional. 1. ed. 5. tir. Curitiba: Juruá, 2009. p. 59. 121 CABRAL, Célia da Costa; PINHEIRO, Armando Castelar. A Justiça e seu impacto sobre as empresas portuguesas. In: DIAS, João Álvaro (Coord.). Os Custos da justiça: actas do colóquio internacional. Coimbra: Almedina, 2005. p. 371-372. 122 TROCKER, Nicolò. Processo civile e costituzione: problemi di diritto tedesco e italiano. Milano: Giuffrè, 1974. p. 276-277. No original: “Una giustizia realizzata a rilento è soprattutto un grave male sociale; provoca danni economici (imobilizzando beni e capitali), favorisce la speculazione e l’insolvenza, accentua la discriminazione tra chi ha la possibilità di attendere e chi nell’attesa ha tutto da perdere. Un processo che si trascina per lungo tempo diventa anche un cômodo strumento di minaccia e di pressione, un’arma formidabile nelle mani de più forte per dettare all’avversarioa lê condizioni della resa”.

Page 49: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

49

De fato, os danos sociais e econômicos advindos da morosidade da

justiça são facilmente perceptíveis, já que justiça tardia nada mais é que

injustiça qualificada e manifesta.

A relação entre direito e economia apresenta-se mais intensa após o

processo de globalização, que tem como seus principais atores economistas e

profissionais do direito, especialmente porque a globalização é um processo de

integração econômica internacional cada vez mais regulamentado e

dependente de contratos, conforme esclarece Armando Castelar Pinheiro:

Dentro de cada país, também, a busca de um modelo econômico capaz de produzir uma integração competitiva na economia mundial tem levado à crescente interação entre o direito e a economia, como refletido no aumento da regulação e no uso mais intenso dos contratos como forma de organizar a produção, viabilizar o financiamento e distribuir os riscos. Em particular, as reformas dos anos 90 – privatização, abertura comercial, desregulamentação e reforma regulatória, na infra-estrutura e no sistema financeiro – deram grande impulso tanto à integração do Brasil na economia mundial como ao volume de regulação e à utilização de contratos.123

Contudo, apenas recentemente começou-se a analisar e a

compreender as relações entre o funcionamento da justiça e a economia, tanto

em relação ao crescimento quanto no tocante às magnitudes envolvidas, muito

embora o debate sobre as reformas tenha ficado restrito aos operadores do

direito, a despeito da sua importância também para a economia.124

A morosidade da justiça prejudica a economia, pois o tempo da

economia não é o mesmo que o do direito. De fato, esse tempo do direito, da

forma como está, torna a sua aplicação anacrônica e defasada, prejudicando o

desempenho econômico das empresas e dos países.125

É por isso que organizações como o Banco Mundial e o BID

defendem que a melhora do Judiciário, tornando-o mais ágil e eficiente, deve

123 PINHEIRO, Armando Castelar. Direito e economia num mundo globalizado: cooperação ou confronto? In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito & economia. 2. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 19. 124 PINHEIRO, Armando Castelar. Direito e economia num mundo globalizado: cooperação ou confronto? In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito & economia. 2. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 21. 125 WALD, Arnoldo. Os efeitos e desafios da economia globalizada. In: WALD, Arnoldo et al. (Coord.). O Direito brasileiro e os desafios da economia globalizada. Rio de Janeiro: América Jurídica. p. 3-4.

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ocupar um papel de destaque na rodada de reformas que devem dotar as

economias em desenvolvimento de instituições que sustentem o bom

funcionamento do mercado, uma vez que ele é responsável pelo sucesso do

novo modelo de desenvolvimento que vem sendo adotado no Brasil e na maior

parte da América Latina, especialmente pelo seu papel de garantir direitos de

propriedade e fazer cumprir contratos.126

Por outro lado, o bom funcionamento do sistema judiciário também

depende da boa qualidade das leis, as quais podem propiciar a evolução

social, acelerando as transformações e provocando as reformas necessárias:

A relação entre economia e direito não se reduz a causalidade simples, mecânica, porém manifesta-se de maneira dialética. Se é exato que a vida econômica aparece como anterior aos sistemas jurídicos, não é menos exato que a realização do contrôle e de direção que os fatos sociais, inclusive os econômicos, comportam, pela lei, é que melhormente tem de ser conseguida. Eis por que o direito não é apenas, exclusivamente, reflexo da constituição econômica. O legislador, o governante, por intermédio das leis, podem dirigir a evolução social, acelerar transformações, provocar reformas oportunas, em suma, incorporar à vida civil as energias exuberantes e mesmo revolucionárias.127

Todavia, conforme adverte George Stigler, o economista e o jurista

vivem em mundos diferentes e falam diferentes línguas, pois enquanto o

problema dos economistas é a eficiência, a preocupação dos operadores do

direito é a justiça.128

Por outro lado, “o cumprimento ineficaz da legislação nos países

pobres estreita a esfera de cooperação em tempo e espaço. Direitos

contratuais fracos empobrecem a nação por manter o comércio

126 PINHEIRO, Armando Castelar. Direito e economia num mundo globalizado: cooperação ou confronto? In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito & economia. 2. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 20-21. 127 LIMA, Hermes. Introdução à ciência do direito. 25. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1977. p. 240. 128 STIGLER, George Joseph. Law or economics. Journal of Law and Economics, v. 35, n. 2, oct./1992, p. 463. Disponível em: <http://www.competitionlaw.cn/upload/temp_09020618515094.pdf>. Acesso em: 24 nov. 2010. No original: “The difference between a discipline that seeks to explain economic life (and, indeed, all rational behavior) and a discipline that seeks to achieve justice in regulating all aspects of human behavior is profound. This difference means that, basically, the economist and the lawyer live in different worlds and speak different languages.”

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excessivamente local e por manter empresas não suficientemente

especializadas”.129

Efetivamente, o defeito mais destrutivo e fundamental na estrutura

jurídica de países pobres está na execução inadequada de direitos de

propriedade e de contratos, que são violados sem que as vítimas tenham

acesso aos remédios jurídicos adequados:

Os tribunais mexicanos avaliam juros de mora em cobranças de dívidas com taxas abaixo do mercado. Devedores, conseqüentemente, ganham ao usar a lei para retardar pagamentos. Um dos homens de negócios mais ricos do México, Ricardo Salinas, começou a construir sua fortuna ao descobrir como evitar tribunais e ainda cobrar dívidas de pessoas pobres que compram produtos duráveis de consumo. Para cobrar as dívidas, ele alistou a ajuda dos parentes dos mutuários. A situação é pior na Índia, onde cobrar uma dívida através dos tribunais demora anos ou mesmo décadas. Em alguns países os juízes regularmente aceitam propinas para decidir um caso. Por exemplo, um amigo indonésio me disse que ao invés de julgar casos, os tribunais de instância inferior os “leiloam”.130

Portanto, várias são as consequências da morosidade, tanto de

natureza econômica quanto social, uma vez que a atuação do Poder Judiciário

produz impactos significativos em todos os setores, que devem ser

considerados na análise do problema na lentidão da justiça.

2.1 O descrédito na justiça

O Poder Judiciário é um poder autônomo, de enorme significado

para o panorama constitucional das liberdades públicas, sendo que a chave do

sistema republicano de estados democráticos está na sua autonomia e

independência, porque a ele incumbe assegurar a consolidação dos princípios

supremos da Nação, dos direitos fundamentais, da certeza e segurança das

relações jurídicas.131

129 COOTER, Robert. Direito e desenvolvimento: inovação, informação e a pobreza das nações. Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, ano 5, n. 17, p. 165-190, jan./mar. 2007, p. 180. 130 COOTER, Robert. Direito e desenvolvimento: inovação, informação e a pobreza das nações. Revista de Direito Público da Economia, Belo Horizonte, ano 5, n. 17, p. 165-190, jan./mar. 2007, p. 180-181. 131 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição federal anotada. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 847.

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De fato, a importância do Judiciário vem sendo cada vez mais

reconhecida, não só pela tarefa de administrar a justiça, mas, principalmente,

como guardião da Constituição, conforme ensina Alexandre de Moraes:

O Poder Judiciário é um dos três poderes clássicos previstos pela doutrina e consagrado como poder autônomo e independente de importância crescente no Estado de Direito, pois, como afirma Sanches Viemonte, sua função não consiste somente em administrar a Justiça, sendo mais, pois seu mister é ser o verdadeiro guardião da Constituição, com a finalidade de preservar basicamente os princípios da legalidade e da igualdade, sem os quais os demais se tornariam vazios. Não se consegue conceituar um verdadeiro Estado democrático de direito sem a existência de um Poder Judiciário autônomo e independente para que exerça sua função de guardião das leis, pois, a chave do poder do judiciário se acha no conceito de independência.132

Assim, embora seja desnecessário discorrer sobre a importância de

um Poder Judiciário que decida com relativa rapidez as questões a ele levadas,

a lentidão nas decisões faz com que não se acredite na sua eficiência, daí

porque é necessário que ele seja rápido e operativo, garantindo principalmente

às classes menos favorecidas os seus direitos, bem como que seja qualificado

e confiável.133

Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Vox Populi, em abril de

1999, 58% dos entrevistados consideravam a justiça brasileira incompetente,

contra apenas 34% que a julgavam competente. Por outro lado, 89% afirmaram

ser a justiça morosa, contra apenas 7% que a tinham como rápida. Em uma

pesquisa anterior, realizada pelo IBGE em 1990, concluiu-se que dois em cada

três brasileiros envolvidos em conflitos preferiam não recorrer à justiça.134

Mais recentemente, pesquisa realizada em 2010 pelo Instituto de

Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, que ouviu a opinião de 2.770 pessoas

de todos os estados, revelou que, de 0 a 10, o brasileiro deu nota 4,55 para o

Judiciário. O quesito que recebeu a pior nota foi “honestidade dos magistrados”

132 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2002. p. 1276. 133 BARBOSA, Júlio César Tadeu. O que é justiça. 6. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1984. p. 59. 134 PINHEIRO, Armando Castelar. Magistrados, judiciário e economia no Brasil. In: ZYLBERSZTAJN, Decio; SZTAJN, Rachel. Direito e economia. 4. reimp. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. p. 246.

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53

(1,17), seguido de “rapidez na decisão dos casos” e “imparcialidade dos

magistrados”, que tiveram nota 1,18.135

Segundo a pesquisa, entre os fatores que provocaram a avaliação

negativa está a demora na resolução dos casos e a grande quantidade de

processos acumulados, o que atrai a nota geral para baixo:

Um esforço adicional pode ser orientado para quantificar o impacto que essas dimensões específicas produzem sobre a nota geral. Nesse sentido, conforme síntese da Tabela 6, é possível observar que as dimensões de rapidez na decisão dos casos e de produção de decisões boas são as que têm maior impacto. Melhorando-se a percepção sobre essas dimensões de 0 (muito mal) para 4 (muito bem), aumenta-se, em média, 2,50 e 2,00 pontos na nota geral, respectivamente. Assim, os dados parecem indicar que, para a avaliação geral que o conjunto da população brasileira faz da justiça, tão importante quanto o rápido trâmite dos processos é a produção de resultados que ajudem na resolução dos conflitos e afirmem um sentido de justiça nos casos concretos.136

O principal efeito da morosidade é o desgaste na imagem do Poder

Judiciário como instituição responsável pela resolução dos conflitos existentes

na sociedade, bem como para garantir o estado democrático de direito, uma

vez que se a justiça não é efetiva em tempo certo, toda a lesão ou ameaça de

lesão acaba tendo um aval implícito decorrente dessa disfuncionalidade.137

O que se espera do Poder Judiciário brasileiro é que ele produza

justiça, garantindo os direitos de todas as pessoas do povo e resolvendo

rapidamente e com equidade os conflitos de direito, mas o que se vê é que ele

está fora do tempo e mesmo trabalhando muito produz pouco. As enormes

inadequações e insuficiências vão desde a formação dos juízes, que devem ser

debitadas aos cursos jurídicos, mas que são agravadas pela acomodação dos

próprios juízes e por seu método de trabalho, até os vícios institucionais do

135 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Sistema de indicadores de percepção social. Brasília, 2010. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/SIPS/101117_sips_justica.pdf>. Acesso em: 09 jan. 2011. 136 Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Sistema de indicadores de percepção social. Brasília, 2010. p. 12. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/SIPS/101117_sips_justica.pdf>. Acesso em: 09 jan. 2011. 137 SILVEIRA, Fabiana Rodrigues. A Morosidade no poder judiciário e seus reflexos econômicos. Porto Alegre: Sérgio Antonio Frabis, 2007. p. 165.

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Poder Judiciário, que lhe dão a imagem de lento, formalista, elitista e distante

da realidade social, tudo isso compõe um quadro desfavorável ao prestígio da

magistratura.138

A consequência primordial da lentidão da justiça é o descrédito e

desgaste do Poder Judiciário, cuja imagem fica, cada vez mais,

desprestigiada.139

O Poder Judiciário, em razão da morosidade, tende a perder o

reconhecimento da sociedade e a sua própria legitimidade, conforme adverte

José Eduardo Faria:

No caso específico do Judiciário, sua legitimidade depende da certeza de toda a sociedade de que suas sentenças serão pronunciadas, da disposição das partes de acatá-las e da confiança generalizada de todos os setores e segmentos sociais na firmeza da instituição como um fator impeditivo da multiplicação dos conflitos. Ora, diante do esvaziamento de muitas de suas prerrogativas, em face aos múltiplos centros normativos emergentes, dos diferentes processos de negociação paraestatal e dos mecanismos auto-regulatórios comuns ao fenômeno da globalização econômica, bem como da timidez revelada até agora pela magistratura na aplicação dos direitos sociais, o judiciário, evidentemente, tende a perder o reconhecimento da sociedade; a confiança dos atores sociais em sua atuação tende a se exaurir; e as partes, no âmbito de um processo judicial, tendem a acatar seletivamente as sentenças, cumprindo-as quando lhe são favoráveis ou negociando sua execução, quando desfavoráveis.140

De fato, a consequência primordial da lentidão da justiça é o notório

descrédito do Poder Judiciário, cujo acúmulo de serviço tende a diminuir em

considerável proporção à qualidade e o acerto dos pronunciamentos judiciais,

de sorte que a cada momento fica mais desprestigiada a sua imagem.141

2.2 A impunidade

138 DALLARI, Dalmo de Abreu. O Poder dos juízes. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 77-78. 139 TUCCI, José Rogério Cruz. Tempo e processo: uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 110. 140 FARIA, José Eduardo. O Poder judiciário no Brasil: paradoxos, desafios e alternativas. Brasília: Conselho da Justiça Federal, 1995. p. 57. 141 TUCCI, José Rogério Cruz. Tempo e processo: uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 110-111.

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A morosidade, além de desacreditar o Poder Judiciário, também

causa a impunidade, uma vez que justiça que tarda é falha e não é justiça, na

medida em que justiça significa dar a cada um o que é seu, o que se mostra

prejudicado se a prestação jurisdicional não se der em tempo razoável.

Impunidade significa a ausência de punição ou falta de sanção penal

em face da imputação criminosa feita à pessoa, podendo ocorrer tanto em

razão da ausência de aplicação da pena quanto por força do não cumprimento

da pena declarada ou aplicada.142

Para Myriam Mesquita, impunidade é o gozo da liberdade, ou de

isenção de outros tipos de pena, por uma determinada pessoa, apesar de

haver cometido alguma ação passível de penalidade, bem como o não

cumprimento, seja qual for o motivo, de pena imposta a alguém que praticou

algum delito.143

Impunidade, assim, significa a ausência de punição, apesar de a

pessoa ter cometido algum fato punível, seja pela não aplicação da lei a

determinado caso concreto, seja pela impossibilidade de punição em face da

demora na aplicação da lei penal. Portanto, a impunidade está, em grande

parte, relacionada ao problema da morosidade da justiça, que prejudica todas

as esferas do direito, inclusive a criminal.

A impunidade estimula a delinquência, pois a certeza da não

aplicação da lei penal incentiva a prática delitiva, conforme de há muito

perceberam os romanos ao formular o brocardo jurídico impunitas peccandi

illecebra.144

Ademais, a impunidade estimula a violência e a corrupção porque

difunde a ideia de que vale a pena cometer ilícitos, já que os infratores da lei

penal geralmente são punidos, não raras vezes em razão da morosidade da

justiça.

Segundo Rui Stoco, há causas legais, ilegais e supralegais de

impunidade. Entre as causas supralegais de impunidade, podem ser citadas as

142 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 418. 143 MESQUITA, Myriam. Violência, segurança e justiça: a construção da impunidade. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v 32, n. 2, p. 109-134, mar./abr. 1998, p. 110. 144 Em vernáculo: a impunidade estimula a delinquência.

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seguintes: desaparelhamento do Poder Judiciário; número insuficiente de

Juízes; insuficiência de recursos para o Poder Judiciário; lentidão da justiça,

provocando a prescrição retroativa ou intercorrente, em razão dos prazos

prescricionais curtos.145

A impunidade conturba o estrato social ao transitar em todas as suas

camadas, permeando, trespassando e rompendo sua formação moral e

enfraquecendo sua estrutura. Gera, ainda, corrupção, violência, bem como

incentiva a tortura, o desrespeito ao ser humano, conduzindo ao

recrudescimento da criminalidade, à desordem social e à insegurança,

fazendo-nos todos prisioneiros em nossas próprias casas.146

Segundo as teorias mistas ou unificadoras, mais aceitas atualmente,

os fins da pena devem ser agrupados em um conceito único. Assim, a

prevenção geral e a prevenção especial são distintos aspectos de um mesmo e

complexo fenômeno chamado pena, a qual tem a dupla função de punir o

criminoso e prevenir a prática do crime.147

Por outro lado, não é a crueldade das penas um dos maiores freios

dos delitos, senão a infabilidade delas e, por conseguinte, a vigilância dos

magistrados, e aquela severidade inexorável do juiz, que para ser virtude útil

deve estar acompanhada de uma legislação suave. A certeza do castigo, ainda

que moderado, fará sempre maior impressão que o temor de outro mais

terrível, unido com a esperança da impunidade.148

De fato, não é a crueldade da pena que tem um efeito dissuasório

sobre a delinquência, mas sim a rapidez e a certeza de sua aplicação. Assim, a

morosidade da justiça contribui para o problema da impunidade, já que a

entrega da prestação jurisdicional penal tardiamente não pune o criminoso e

não previne a prática do crime de forma adequada.

145 STOCO, Rui. Impunidade - razões e formas. Revista dos Tribunais, São Paulo, a. 86, v. 742, p. 466-475, ago./1997, p. 471. 146 STOCO, Rui. Impunidade - razões e formas. Revista dos Tribunais, São Paulo, a. 86, v. 742, p. 466-475, ago./1997, p. 473. 147 BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de direito penal: parte geral. v. 1. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 82-84. 148 BECCARIA, Cesare. Tratado de los delitos y de las penas. Buenos Aires: Heliasta, 1993. p. 116.

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Segundo Luiz Flávio Gomes, um dos filtros da impunidade no Brasil

é o filtro da comprovação legal e judicial do delito, exigência do princípio da

presunção de inocência, uma vez que nem todos os casos denunciados são

provados, especialmente porque vítimas e testemunhas desaparecem em

razão da morosidade e do atraso tecnológico da justiça. Há, ainda, o filtro da

prescrição, pois a morosidade da justiça causa a multiplicidade de prescrições

(prescrição pela pena máxima em abstrato, prescrição retroativa, prescrição

intercorrente, prescrição da pretensão executória, prescrição antecipada ou em

perspectiva).149

Rogério Lauria Tucci esclarece que entre as causas da impunidade

está a investigação criminal, que se dá de forma totalmente desordenada,

acarretando não apenas a insuficiência de elementos de convicção como

também a delonga na conclusão de sua colheita, de sorte a propiciar uma

demora de anos, até mesmo de décadas, na tramitação de procedimentos

atinentes ao processo penal de conhecimento, além da morosidade ínsita à

atuação dos órgãos da justiça criminal, agravada por incidentes de toda

ordem.150

A multifariedade de promulgação de leis, com disposições não

poucas vezes conflitantes e até contraditórias, representa um incentivo à

impunidade, mostrando-se indispensável uma consolidação legislativa coerente

e efetiva. Ademais, mostra-se imprescindível, também, o aperfeiçoamento do

sistema procedimental penal, revigorando-o e desburocratizando-o com o

saudável propósito de sua realização em prazo razoável, na forma

universalmente exigida pelos diversos pactos e convenções preocupados com

a garantia e a preservação dos direitos humanos.151

149 GOMES, Luiz Flávio. A Impunidade no Brasil: de quem é a culpa? (esboço de um decálogo dos filtros da impunidade). Revista CEJ, Brasília, v. 5, n. 15, p. 35-38, set./dez. 2001. p. 36-37. Disponível em: <http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/cej/article/view/433/614>. Acesso em: 05 jan. 2010. 150 TUCCI, Rogério Lauria. A Impunidade no Brasil: de quem é a culpa? Como combatê-la? Revista CEJ, Brasília, v. 5, n. 15, p. 35-39, set./dez. 2001. p. 36. Disponível em: <http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/cej/article/view/431/612>. Acesso em: 04 jan. 2010. 151 TUCCI, Rogério Lauria. A Impunidade no Brasil: de quem é a culpa? Como combatê-la? Revista CEJ, Brasília, v. 5, n. 15, p. 39-42, set./dez. 2001. p. 37. Disponível em: <http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/cej/article/view/431/612>. Acesso em: 04 jan. 2010.

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58

A responsabilidade pela existência da impunidade deve ser

partilhada entre o estado e a sociedade. Em relação à atuação do estado, está

em questão a responsabilidade institucional pelo descrédito/desigualdade nos

procedimentos de distribuição da justiça e ineficácia/morosidade dos órgãos

encarregados da administração da justiça e garantia da ordem. Por sua vez, a

sociedade acredita que a impunidade está na insuficiência ou ausência de

legislação, passando a reivindicar a elaboração de leis mais do que seu efetivo

cumprimento:

A população, desesperada, totalmente incrédula, sem ter a mínima idéia da quantidade enorme de fatores que contribuem para a impunidade e sem ter a mínima idéia de como combatê-los, pede o irracional (pena de morte), o inconstitucional (prisão perpétua), o absurdo (agravamento de penas, mais rigor na execução) e o aberrante (diminuição da maioridade penal). Percebe a anomia e pede mais leis! Percebe que o Direito penal não funciona, mas crê que o problema está na pena anterior fixada (que foi insuficiente). O Poder Político (muitas vezes demagogicamente), por seu turno, atende (Lei dos Crimes Hediondos, p. ex.) ou faz gestos de que vai atender todos ou alguns desses atávicos reclamos.152

Assim, a certeza da impunidade favorece o aumento da

criminalidade e dos desvios de conduta, pois na área penal e processual penal

existem vários filtros que dificultam a condenação ou o cumprimento das

penas, sem falar na impunidade cível, cujo processo desenvolve-se de forma

muito mais lenta e burocratizada.153

Todavia, tal impunidade privilegia as classes mais abastadas, pois o

poder econômico e político está habituado a apropriar-se do estado para fins

particulares e escusos, usando a máquina policial e contando com a conivência

do sistema judiciário, este também em situação de precariedade funcional

extrema, sendo raro, ou quase improvável, que algum criminoso de elite vá

para a cadeia.154

152 GOMES, Luiz Flávio. A Impunidade no Brasil: de quem é a culpa? (esboço de um decálogo dos filtros da impunidade). Revista CEJ, Brasília, v. 5, n. 15, p. 35-38, set./dez. 2001. p. 37. Disponível em: <http://www2.cjf.jus.br/ojs2/index.php/cej/article/view/433/614>. Acesso em: 05 jan. 2010. 153 BEAL, Flávio. Morosidade da justiça = impunidade + injustiça. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006. p. 192. 154 MARIANO, Benedito Domingos. Por uma nova política de segurança e cidadania. São Paulo: Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, 1994. p. 9-10.

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Por outro lado, não somente a sociedade é prejudicada com a

morosidade, já que todas as “adversidades que afloram da tutela jurisdicional

intempestiva são, com toda a certeza, ainda mais graves e danosas no âmbito

penal, em virtude da restrição à liberdade do acusado determinada pela

persecutio criminis”.155

De fato, quando a duração de um processo supera o limite do

razoável, o estado se apossa ilegalmente do tempo do particular, de forma

dolorosa e irreversível, pois o processo em si já é uma pena, mesmo que ainda

inexista uma prisão cautelar.156

2.3 A insegurança jurídica

O artigo 2º, inciso XXXVI da Constituição da República preceitua

que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa

julgada”. A proteção a esses três institutos configura a mola mestra do princípio

da segurança jurídica, que pode apresentar-se sob duas formas, ou seja, de

maneira objetiva ou subjetiva.

A segurança jurídica, em seu enfoque objetivo, também conhecido

como segurança jurídica em sentido estrito, significa a existência de

ordenamento jurídico estruturado por meio de normas e instituições

plenamente vigentes, viabilizando a todos o acesso às regras jurídicas, tanto

ativa quanto passivamente.

Já em seu aspecto subjetivo, conhecido também como princípio da

proteção da confiança, segurança jurídica significa a certeza do direito, isto é, a

possibilidade de conhecimento do direito pelos respectivos destinatários,

oportunizando a ciência precisa e inequívoca daquilo que lhes pertence.

A regra constitucional segundo a qual a lei não prejudicará o direito

adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada apresenta o princípio em sua

faceta subjetiva, pois seu objetivo é garantir a certeza do direito.

155 TUCCI, José Rogério Cruz. Tempo e processo: uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 114. 156 LOPES JR. Aury. Direito processual penal e sua conformidade constitucional. v. I. 4. ed. rev. e atual. 2. tir. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 143.

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Assim, a segurança jurídica nada mais significa do que a existência

de um ordenamento jurídico estruturado e em perfeito funcionamento, que

permita a todos o pleno conhecimento dos direitos e obrigações, bem como

garanta a segurança objetiva nas situações pessoais.157

Portanto, “toda sociedade deverá possuir uma ordem jurídica,

estando o Princípio da Segurança Jurídica, implícito ao seu valor justiça. Tal

princípio é composto por diversos institutos, tais como, respeito aos direitos

adquiridos, o devido processo legal, irretroatividade da lei, entre outros”.158

A segurança jurídica significa que as normas e regras de

determinado estado serão cumpridas tanto pelos agentes do estado quanto

pelos entes privados que atuam em seus limites, devendo o estado instituir

órgãos especiais para a criação e implementação dessas regras, pois é através

delas que o estado regula as relações entre as pessoas que fazem parte dele e

as de outros estados.159

O bom funcionamento da economia depende, cada vez mais, de

instituições formais e informais, sejam elas normas, leis, usos e costumes, que

forneçam os estímulos e garantias adequados para a atividade econômica e o

crescimento, sendo que os elementos mais importantes para o bom

funcionamento de uma economia de mercado são os seguintes: a garantia ao

direito de propriedade; o respeito aos contratos; um mecanismo isento de

resolução de conflitos.160

Assim, justiça morosa causa insegurança jurídica, já que o Poder

Judiciário não aplica o direito ao caso concreto em tempo razoável, causando

uma intranquilidade para toda a sociedade pela indefinição sobre a validade ou

não de determinada norma jurídica.

157 SILVA, Bruno Boquimpani. O Princípio da segurança jurídica e a coisa julgada inconstitucional. Disponível em: <http://www.mundojuridico.adv.br/sis_artigos/artigos.asp?codigo=183>. Acesso em: 29 dez. 2010. 158 CHACON, Paulo Eduardo de Figueiredo. O Princípio da segurança jurídica. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4318>. Acesso em: 30 dez. 2010. 159 CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 43. 160 MONTORO FILHO, André Franco. Convite ao diálogo. In: Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial. Direito e economia. São Paulo: Saraiva, 2008. p. xii.

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61

De fato, com instabilidade jurídica não existe democracia nem

estado de direito, prejudicando a sociedade como um todo, bem como as suas

atividades, as suas organizações e instituições, a economia, a produção e o

consumo, trazendo riscos para a existência do próprio estado e da

sociedade.161

A segurança jurídica configura uma característica essencial do

estado democrático de direito, uma vez que é o sustentáculo das relações

jurídicas, pois é a garantia de que uma determinada situação de direito não

será alterada. Tal afirmação ganha especial relevo “à medida que o

pronunciamento judicial acerca de uma questão posta à apreciação deve ser

respeitado, sob pena de inversão de valores e desestabilização nas relações

jurídicas”.162

Todavia, no Estado de Direito a segurança jurídica não decorre

apenas da estabilidade, certeza, previsibilidade e calculabilidade do

ordenamento jurídico positivo, mas também do respeito a esses preceitos

gerais na sua interpretação e aplicação pelo Poder Judiciário, de sorte que a

segurança jurídica requer que esses preceitos sejam respeitados em quatro

dimensões da atuação da justiça: a) na informada, fiel e imparcial aplicação da

lei pelos magistrados; b) na própria construção da norma, que ocorre quando o

Judiciário interpreta as regras gerais e abstratas criadas pelo legislador,

formando jurisprudência que ajuda a estabilizar a sua aplicação e

interpretação; c) na uniformidade da interpretação e aplicação da norma pelos

diferentes tribunais; d) no controle do arbítrio estatal, freando as ações da

administração pública que vão contra a norma ou que sejam voltadas para

rever, modificar ou invalidar seus atos pretéritos, bem como atuando como

guardião maior do princípio da segurança jurídica.163

161 BEAL, Flávio. Morosidade da justiça = impunidade + injustiça. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2006. p. 193-194. 162 BARROS, Evandro Silva. Coisa julgada inconstitucional e limitação temporal para a propositura da ação rescisória. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, a. 12, n. 47, p. 55-98, abr./jun. 2004, p. 83-84. 163 PINHEIRO, Armando Castelar. PIB potencial e segurança jurídica no Brasil. In: SICSÚ, João; MIRANDA, Pedro. (Orgs.). Crescimento econômico: estratégias e instituições. Rio de Janeiro: Ipea, 2009. p. 33-34.

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Por outro lado, segurança jurídica não se confunde com certeza

jurídica, pois esta expressa o estado de conhecimento da ordem jurídica pelas

pessoas, enquanto aquela significa a garantia dada a um indivíduo, a seus

bens e a seus direitos, de que sua situação não será alterada senão por

procedimentos regulares previstos na legislação.164

Segundo Evandro Silva Barros, o princípio da segurança foi inserido

na Carta Magna de 1988 como gênero, subdividindo-se em várias espécies,

entre as quais se encontra a segurança jurídica.165

Em um estado democrático de direito como o nosso, a previsão

constitucional do princípio da segurança jurídica justifica-se na medida em que

“o cidadão deve poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas

incidentes sobre os seus direitos, posições jurídicas e relações, praticados de

acordo com as normas jurídicas vigentes, se ligam os efeitos jurídicos

duradouros, previstos ou calculados com base nessas mesmas normas”.166

A segurança jurídica, entendida como direito fundamental a um

conjunto de regras jurídicas razoavelmente estruturadas, bem como a um

mínimo de estabilidade nas relações jurídicas, notadamente quando já

confirmadas pelo Poder Judiciário, configura-se alicerce do estado democrático

de direito.

Com efeito, em estados de Direito que não sejam democráticos, tal

previsão constitucional de direito à segurança jurídica resta inócua, na medida

em que em estados autoritários as regras constitucionais podem ser

desrespeitas sem maiores consequências, o que tornaria sem efeito qualquer

previsão constitucional nesse sentido.

Por outro lado, em Estados Democráticos de Direito, onde as regras

jurídicas são democraticamente discutidas e só então inseridas na

Constituição, a inobservância das normas positivadas acarreta sanções desde

164 WOLKMER, Antonio Carlos. História do direito no Brasil. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 31-32. 165 BARROS, Evandro Silva. Coisa julgada inconstitucional e limitação temporal para a propositura da ação rescisória. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, a. 12, n. 47, p. 55-98, abr./jun. 2004, p. 85. 166 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1992. p. 377.

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logo previstas pela própria Constituição, de modo a não incentivar o seu

descumprimento.

Assim, o princípio da segurança jurídica garante a aplicação das

regras jurídicas previamente elaboradas, bem como o respeito aos direitos

subjetivos regularmente constituídos, especialmente quando já homologados

pelo Poder Judiciário, dando uma especial proteção da confiança ou

tranquilidade do espírito.

Aliás, os institutos da prescrição e da decadência também existem

para resguardar a estabilidade das relações jurídicas, de sorte que o decurso

do prazo pode significar mais um incremento em prol da segurança jurídica.

Todavia, embora geralmente os direitos possam extinguir-se pela prescrição e

decadência, vale lembrar que existem situações em que tais institutos não

operam em face da relevância dos direitos imunizados pela lei.

O princípio da segurança jurídica é um dos pilares sobre os quais se

assenta o estado de Direito, que é aquele em que o poder é limitado pela

ordem jurídica, que deve ser firme para assegurar a estabilidade das relações

jurídicas.

Por outro lado, tão importante quanto a existência de regras jurídicas

previamente elaboradas é a existência de instituições – no caso, o Poder

Judiciário – que garantam a segurança jurídica, sem as quais a própria

democracia resta prejudicada.

A insegurança jurídica aumenta a incerteza e, consequentemente, o

custo de fazer negócios. De fato, o proprietário de um terreno que não tenha a

garantia de posse é obrigado a ficar por perto, na falta de um contrato eficaz,

de maneira que a sua presença evite a expropriação. Todavia, tal obrigação

representa um custo, consubstanciado naquilo que ele deixa de ganhar para

fazer valer um direito já adquirido.167 O mesmo acontece quando não há

instituições jurídicas firmes para garantir os contratos, quando existentes.

Assim, não há duvida de que a morosidade da justiça prejudica a

segurança jurídica, pois a demora na aplicação das leis e na solução dos

167 Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial. Direito e economia. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 14.

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conflitos torna as relações jurídicas instáveis, comprometendo a indispensável

confiança no ordenamento jurídico vigente.

A segurança jurídica é fundamental para a eficiência dos sistemas

judicial e econômico, englobando uma série de elementos essenciais para a

sua caracterização, sendo que a falta de segurança jurídica é um dos maiores

problemas da governabilidade.168

Segundo Klaus Leisinger, decisões sobre investimentos ou outros

projetos são facilitadas diante de cinco condições básicas: o conjunto de leis

existente deve ser conhecido de antemão, ou seja, não pode haver leis

retroativas; o conjunto de regras precisa vigorar na realidade, não podendo

haver divergências entre o texto e a realidade da lei; a aplicação das regras

precisa ser flexível, mas não arbitrária; conflitos devem ser dirimidos por

decisões proferidas por um judiciário independente ou órgão de arbitragem;

deve haver a possibilidade de adaptar novos conteúdos para regras que se

tornaram sem sentido ou inadaptadas.169

A tempestiva aplicação das leis por parte do Poder Judiciário, como

guardião da segurança jurídica, contribui sobremaneira para a estabilidade das

relações jurídicas, bem como para o desenvolvimento da economia.

Por outro lado, a segurança jurídica é um dos pilares do

desenvolvimento, abrangendo a estabilidade legislativa e a estabilidade

judiciária:

3. Não se deu, todavia, a devida atenção a um outro ingrediente necessário e indispensável ao desenvolvimento que é a segurança jurídica, abrangendo duas vertentes que são, respectivamente, a estabilidade legislativa e a estabilidade judiciária. 4. Numa fase na qual sociólogos e economistas superaram a sua anterior posição de relativa ignorância do direito e dos seus efeitos sobre a evolução da sociedade, generalizou-se o entendimento de acordo com o qual a boa, coerente e racional aplicação da lei é condição básica do desenvolvimento. Na medida em que os economistas modernos, ultrapassam os estudos meramente quantitativos para, voltando a algumas das suas antigas tradições, examinar as repercussões da ética na economia, estão reconhecendo, também, a importância da prevalência do Estado de

168 CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 47-48. 169 Apud: CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 48.

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65

Direito. E é possível que, com o decorrer do tempo, admitam que a função do direito consiste justamente em subordinar a economia à ética.170

Assim, a insegurança jurídica é uma das consequências da

morosidade da justiça, já que o sistema judiciário ineficiente e lento causa

intranquilidade a respeito da aplicação ou não de determinada norma jurídica

quando questionada em juízo.

2.4 A violação do direito de acesso à justiça

Um dos mais graves problemas enfrentados pela justiça brasileira é

o tempo de tramitação processual, que impede a tutela jurisdicional efetiva e

significa um verdadeiro entrave à obtenção da justiça, uma vez que o processo

“será tanto mais efetivo quanto mais rápido”.171

Segundo Rogério Nunes de Oliveira, a ideia de efetividade do

processo impõe “a conclusão de que o acesso à Justiça e a noção de razoável

duração de um processo judicial não se limitam ao simples reconhecimento de

um direito, mas à efetiva e rápida concretização material da pretensão do

jurisdicionado”.172

A demora na entrega da prestação jurisdicional compromete os

escopos sociais da jurisdição e do processo, uma vez que ninguém

desconhece que justiça tardia é uma injustiça qualificada e manifesta, conforme

feliz observação de Rui Barbosa, não sendo capaz de produzir a pacificação

social.173

Para Cândido Rangel Dinamarco, a função jurisdicional e a

legislação estão ligadas pela unidade do escopo fundamental de ambos, a paz

social. Ainda segundo o autor, espera-se que o Estado chegue efetivamente

170 WALD, Arnoldo. A Estabilidade do direito e o custo Brasil. Revista Jurídica da Presidência, Brasília, v. 1, n. 6, out./nov. 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_06/Estabilidade_direito.htm>. Acesso em: 30 nov. 2010. 171 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 183. 172 OLIVEIRA, Rogério Nunes de. A Morosidade da entrega da jurisdição e o direito à razoável duração do processo judicial. Revista da Faculdade de Direito de Campos, Campos, ano IV, n. 4, p. 609-644, 2003, p. 615. 173 BARBOSA, Rui. Oração aos moços. 5. ed. Rio de Janeiro: Edições Casa de Rui Barbosa, 1999. p. 40.

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66

aos resultados propostos pela jurisdição, como expressão do poder político,

uma vez que, “saindo da extrema abstração consistente em afirmar que ela

visa à realização da justiça em cada caso e, mediante a prática reiterada, à

implantação do clima social de justiça, chega o momento de com mais precisão

indicar os resultados que, mediante o exercício da jurisdição, o Estado se

propõe a produzir na vida da sociedade”.174

Por outro lado, o direito de acesso à justiça significa muito mais do

que o simples direito de ação, devendo o estado garantir a efetividade da

justiça, uma vez que não basta a entrega da prestação jurisdicional, mas,

principalmente, que ela seja prestada de maneira tempestiva.

Tanto é assim que se o acesso à justiça significasse apenas o

ajuizamento de ações e a apresentação de defesa, o Brasil não estaria mal, já

que as custas processuais não são tão altas, se comparadas ao custo do

processo alemão, para cuja sucumbência deve-se fazer seguro. Ademais, é

fácil litigar no Brasil, pois não se exige declaração prévia de crença na

sinceridade da demanda, o advogado não jura sob a Bíblia a respeito de sua

atuação, como na Inglaterra, bem assim o acusado não precisa dizer a

verdade, sob pena de perjúrio, como ocorre nos Estados Unidos.175

Portanto, o direito de acesso à justiça significa não só o direito à

qualidade dos serviços jurisdicionais, mas também o direito à tempestividade

da tutela jurisdicional e à sua efetividade, razão pela qual “não basta alargar o

âmbito de pessoas e causas capazes de ingressar em juízo, sendo também

indispensável aprimorar internamente a ordem processual, habilitando-a a

oferecer resultados úteis e satisfatórios aos que se valem do processo”.176

A expressão “acesso à justiça”, embora de difícil compreensão,

serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico: propiciar às

174 DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do processo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 193. 175 BENETI, Sidnei Agostinho. Demora judiciária e acesso à justiça. Revista dos Tribunais, São Paulo, a. 84, v. 715, p. 377-378, maio/1995, p. 377. 176 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. I. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 133.

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67

pessoas o direito de reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os

auspícios do estado e produzir resultados individual e socialmente justos.177

Por meio do direito de acesso à justiça, ou direito de acesso à ordem

jurídica justa, que não significa apenas a possibilidade de ingresso em juízo,

deve-se permitir a maior gama de pessoas e causas ao processo, a

observância das regras que consubstanciam o devido processo legal, o direito

ao contraditório, a efetividade de uma participação em diálogo, tudo com vistas

a viabilizar uma solução justa e capaz de eliminar todo o resíduo de

insatisfação.178

O direito de acesso à justiça fez-se perceber, definitivamente, no

pós-guerra, com a consagração constitucional dos novos direitos, ocasião em

que o acesso à justiça passou a ser um direito garantidor de todos os demais

direitos.179

Ademais, modernamente, ninguém mais duvida de que a amplitude

da garantia constitucional de acesso à tutela jurisdicional do estado significa

também o direito de acesso à efetiva tutela jurisdicional, que é um direito

fundamental instrumental, pois a sua não efetividade compromete todos os

outros direitos fundamentais.180

Com efeito, sem o acesso à justiça, os novos direitos sociais e

econômicos seriam meras declarações políticas, apenas de caráter

mistificador:

Foi no entanto no pós-guerra que essa questão explodiu. Por um lado, a consagração constitucional dos novos direitos econômicos e sociais e a sua expansão paralela à do Estado de bem-estar transformou o direito ao acesso efetivo à justiça num direito charneira, um direito cuja denegação acarretaria a de todos os demais. Uma vez destituídos de mecanismos que fizessem impor o seu respeito, os novos direitos sociais e econômicos passariam a meras declarações

177 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988. p. 8. 178 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 33. 179 MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 25. 180 WAMBIER, Luiz Rodrigues. A Efetividade do processo e a nova regra do art. 14 do CPC. In: CALMON, Eliana; BULOS, Uadi Lammêgo (Coords.). Direito processual (inovações e perspectivas): estudos em homenagem ao ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 356.

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políticas, de conteúdo e função mistificadores. Daí a constatação de que a organização da justiça civil e em particular a tramitação processual não podiam ser reduzidas à sua dimensão técnica, socialmente neutra, como era comum serem concebidas pela teoria processualista, devendo investigar-se as funções sociais por elas desempenhadas e em particular o modo como as opções técnicas no seu seio veiculam opções a favor ou contra interesses sociais divergentes ou mesmo antagônicos (interesses de patrões ou de operários, de senhorios ou de inquilinos, de rendeiros ou de proprietários fundiários, de consumidores ou de produtores, de homem ou de mulheres, de pais ou de filhos, de camponeses ou de citadinos, etc. etc).181

O direito de acesso à justiça pertence a todos quantos aleguem

lesão a direitos, pessoas físicas, jurídicas e até algumas entidades

despersonalizadas e entes formais (condomínio, massa falida etc.) e deve ser

entendido não apenas como o direito de ação:

O conteúdo desta garantia era entendido, durante muito tempo, apenas como a estipulação do direito de ação e do juiz natural. Sucede que a mera afirmação destes direitos em nada garante a sua efetiva concretização. É necessário ir-se além. Surge, assim, a noção de tutela jurisdicional qualificada. Não basta a simples garantia formal do dever do Estado de prestar a Justiça; é necessário adjetivar esta prestação estatal, que há de ser rápida, efetiva e adequada.182

A rapidez significa que o processo deve tramitar sem dilações

indevidas, devendo demorar apenas o tempo necessário para garantir o

contraditório e a ampla defesa. Já o processo efetivo é “aquele que, observado

o equilíbrio entre os valores segurança e celeridade, proporciona às partes o

resultado desejado pelo direito material”.183

Ainda, o estado tem o dever de prestar não só a tutela efetiva do

direito, mas também adequada, sob pena de ofensa ao direito de acesso à

justiça:

O legislador tem o dever, diante do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, de instituir as técnicas processuais idôneas à

181 SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução à sociologia da administração da justiça. In: FARIA, José Eduardo (Org.). Direito e justiça: a função social do judiciário. São Paulo: Ática, 1989. p. 45-46. 182 DIDIER JR. Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. v. 1. 12. ed. Salvador: JusPODIVM, 2010. p. 107. 183 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 49.

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tutela jurisdicional das diversas situações de direito material. Essas situações de direito material, ou as necessidades de tutela dos direitos, devem ser compreendidas pelo legislador, pois de outra forma o direito material certamente não encontrará resposta efetiva na jurisdição.184

Todavia, somente haverá tutela jurisdicional efetiva e,

consequentemente, direito de acesso à justiça, se a tutela jurisdicional for

prestada pelo estado em tempo razoável, já que processo moroso significa,

quase sempre, processo não efetivo, notadamente porque o tempo impede o

titular do direito de obter, por meio da jurisdição, tudo aquilo que lhe pertence.

Tanto é assim que o tempo é considerado um dos obstáculos ao

acesso à justiça, pois a delonga do processo tem efeitos devastadores para a

parte que tem razão:

Em muitos países, as partes que buscam uma solução judicial precisam esperar dois ou três anos, ou mais, por uma decisão exeqüível. Os efeitos dessa delonga, especialmente se considerados os índices de inflação, podem ser devastadores. Ela aumenta os custos para as partes e pressiona os economicamente fracos a abandonar suas causas, ou a aceitar acordos por valores muito inferiores àqueles a que teriam direito. A Convenção Européia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais reconhece explicitamente, no artigo 6º, parágrafo 1º que a Justiça que não cumpre suas funções dentro de ‘um prazo razoável’ é, para muitas pessoas, uma Justiça inacessível.185

Assim, a duração excessiva do processo contrapõe-se à sua

efetividade, pois não há dúvida de que um dos temas recorrentes na história do

processo e sua evolução é o problema da relação entre a certeza, alcançável

por meio de meditação e ponderação da decisão, a fim de evitar a injustiça, e a

exigência de rapidez na conclusão do processo.186

De tanta importância, o direito de acesso à justiça, juntamente com a

tramitação do processo em tempo adequado, enquadra-se na categoria de

direito humano, já que indispensável para garantir a dignidade da pessoa

humana:

184 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 33. 185 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988. p. 20-21. 186 CARPI, Federico. La provvisoria esecutorietà della sentenza. Milano: Giuffrè, 1979. p. 11.

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A tramitação dos processos em um tempo adequado é acima de tudo um direito de dignidade, que impõe o respeito às carências de uma qualquer pessoa obrigada (até mesmo involuntariamente!) a passar pelo incômodo de servir-se da Jurisdição para o resguardo de uma posição jurídica. Que o direito seja respeitado não só pela necessidade de dar eficácia à decisão, mas por uma questão humana de consideração pelas inquietações – inclusive emocionais, angústias mesmo – que a expectativa de uma ação judicial pendente provoca.187

Segundo De Plácido e Silva, direito humano é a “designação dada a

todo Direito instituído pelo homem, em oposição ao Direito que se gerou das

revelações divinas feitas ao homem”.188

Esse conceito singelo, todavia, não serve para explicitar

satisfatoriamente a dimensão do direito humano, razão pela qual se mostra

conveniente analisar, pormenorizadamente, o conceito de direito humano.

Flávia Piovesan fala na chamada concepção contemporânea de

direitos humanos, que dá primazia ao valor dignidade humana, verdadeiro

superprincípio do constitucionalismo contemporâneo.189

Assim, dentro do conceito de direito humano, encontra-se

principalmente a preocupação com a dignidade humana, que é valor e princípio

subjacente ao grande mandamento, de origem religiosa, razão pela qual a sua

transposição para o domínio do Direito não é tarefa singela, conforme

esclarece Luís Roberto Barroso:

O princípio da dignidade humana identifica um espaço de integridade a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo. É um respeito à criação, independente da crença que se professe quanto à sua origem. A dignidade relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito quanto com as condições materiais de subsistência. O desrespeito a esse princípio terá sido um dos estigmas do século que se encerrou e a luta por sua afirmação, um símbolo do novo tempo. Ele representa a superação da intolerância, da discriminação, da exclusão social, da violência, da incapacidade

187 ARRUDA, Samuel Miranda. Direito fundamental à razoável duração do processo. Brasília: Brasília Jurídica, 2006. p. 81. 188 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 274. 189 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e justiça internacional: um estudo comparativo dos sistemas regional europeu, interamericano e africano. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 11-12.

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71

de aceitar o outro, o diferente, na plenitude de sua liberdade de ser, pensar e criar.190

No âmbito de abrangência da dignidade humana inclui-se a proteção

do mínimo existencial, ou seja, um conjunto de bens e utilidades básicas para a

subsistência física e indispensável ao desfrute dos direitos em geral. O elenco

das prestações que compõem o mínimo existencial comporta variações

conforme a visão subjetiva de cada um, mas certamente engloba um elemento

instrumental, que é o acesso à justiça, indispensável para a exigibilidade e

efetivação dos direitos.191

Assim, o direito de acesso à justiça pode ser considerado o mais

importante dos direitos, na medida em que dele depende a concretização dos

demais direitos:

De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para a sua efetiva reivindicação. O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.192

Na verdade, não é fácil a definição de direito humano, pois qualquer

tentativa pode significar resultado insatisfatório e não traduzir para o leitor, à

exatidão, a sua especificidade de conteúdo e abrangência.193

Para Alexandre de Moraes, “o conjunto institucionalizado de direitos

e garantias do ser humano, que tem por finalidade básica o respeito a sua

dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o

estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da

190 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 252. 191 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 253. 192 CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988. p. 11-12. 193 NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Comentários à constituição federal: princípios fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 211.

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72

personalidade humana pode ser definido como direitos humanos

fundamentais”.194

Portanto, a finalidade principal dos direitos humanos é manter a

dignidade da pessoa humana, protegendo-a contra o arbítrio do estado ou de

qualquer particular.

O início da existência dos direitos humanos aparece num período

denominado “período axial”, compreendido entre os séculos VIII e II A.C, o qual

formaria o eixo histórico da humanidade, época em que se enunciaram os

grandes princípios e se estabeleceram as diretrizes fundamentais de vida que

vigoram até hoje.195

Por outro lado, cumpre fazer uma distinção entre direitos humanos e

direitos fundamentais, que são direitos diversos, embora normalmente

utilizados como sinônimos.

A expressão direitos humanos tem relação com os documentos de

direito internacional, pois se refere às posições jurídicas que reconhecem o ser

humano como tal, sem vinculação à determinada ordem constitucional de um

estado, razão pela qual são universalmente válidos e têm caráter

supranacional.

Os direitos fundamentais, por sua vez, são os direitos humanos

reconhecidos e positivados na esfera constitucional de um determinado

estado:196

Os direitos fundamentais correspondem hoje aos direitos da tradição liberal clássica acrescidos dos novos direitos, os econômicos, os sociais, os culturais, etc. Estes são direitos fundamentais por constarem na Constituição, na Lei Magna de um país. São fundamentais por terem uma relação direta com a Constituição, por gozarem de uma supremacia constitucional que decorre do fato de se encontrarem estabelecidas no âmbito do próprio texto da Lei Maior. São direitos fundamentais por estarem constitucionalmente consagrados dentre os direitos dos membros da comunidade política

194 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da constituição da república federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 39. (Grifo do autor) 195 COMPARATO, Fábio Konder. Afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 11. 196 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 35-36.

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frente ao Estado. São direitos que se contrapõe entre a pessoa, o indivíduo e o grupo de um lado e o Estado do outro.197

Assim, a diferença entre direitos humanos e direitos fundamentais

está ligada à fonte das quais esses direitos provenham: os direitos humanos

são aqueles reconhecidos pela ordem internacional, enquanto os direitos

fundamentais são reconhecidos pela ordem interna (direito positivo) de

determinado estado.

Em face do grau de relevância dos direitos humanos em uma

sociedade democrática, algumas características peculiares podem ser

apontadas, entre as quais podem ser destacadas as seguintes:198

a) Imprescritibilidade: os direitos humanos não se perdem pelo

decurso do prazo, isto é, podem ser exigidos em qualquer tempo;

b) Inalienabilidade: não pode existir a transferência dos direitos

humanos, nem a título gratuito, nem a título oneroso;

c) Inviolabilidade: impossibilidade de desrespeito por determinações

infraconstitucionais ou por atos das autoridades públicas, sob pena de

responsabilização civil, administrativa e criminal;

d) Efetividade: a atuação do Poder Público deve ser no sentido de

garantir a efetivação dos direitos, com mecanismos coercitivos para tanto;

e) Interdependência: as várias previsões constitucionais, apesar de

autônomas, possuem diversas intersecções para atingir as suas finalidades;

f) Complementariedade: os direitos humanos fundamentais não

devem ser interpretados isoladamente, mas sim de forma conjunta, com a

finalidade de alcance dos objetivos previstos pelo legislador constituinte;

g) Irrenunciabilidade: os direitos humanos não podem ser objeto de

renúncia, uma vez que são indispensáveis para garantir a dignidade humana;

h) Universalidade: a abrangência desses direitos engloba todos os

indivíduos, independente de sua nacionalidade, sexo, raça, credo ou convicção

político-filosófica.

197 NICZ, Alvacir Alfredo. Os Direitos fundamentais na ordem constitucional. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, n. 38, p. 75-81, 2003, p. 77. 198 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da constituição da república federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 41.

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Em relação à universalidade, cabe aqui uma digressão, uma vez que

não pode ser desconsiderada a questão do universalismo e do relativismo

cultural, ou multiculturalismo.

Com efeito, para alguns autores, os direitos humanos são

universais199, pois há uma moral universal que não pode ser objeto de

renúncia, enquanto que para outros tais direitos são relativos, pois sua

aceitação pode variar de acordo com a cultura de cada povo.200

Segundo Flávia Piovesan, “a concepção universal dos direitos

humanos sofreu e sofre, entretanto, fortes resistências dos adeptos do

movimento do relativismo cultural. O debate entre os universalistas e os

relativistas culturais retoma o velho dilema sobre o alcance das normas de

direitos humanos: podem eles ter um sentido universal ou são culturalmente

relativas?201

Assim, para os relativistas, a noção de direito está ligada ao sistema

político, econômico, cultural, social e moral vigente em determinada sociedade,

de forma que cada cultura possui um conceito de direitos humanos e de

dignidade, que está relacionado às questões históricas de cada povo.

Ademais, a pretensão de universalidade dos direitos humanos

simboliza a arrogância do imperialismo cultural do mundo ocidental, que tenta

universalizar suas próprias crenças.202

Esse pluralismo cultural, também conhecido como multiculturalismo,

impede a formação de uma moral universal, já que cada cultura tende a

acreditar que seus valores são os melhores e mais justos.

Segundo Boaventura de Sousa Santos, os direitos humanos têm de

ser reconceituados como multiculturais, porque o multiculturalismo é pré-

condição de uma relação equilibrada e mutuamente potenciadora entre a

199 Nesse sentido: DONNELLY, Jack. Universal human rights in theory and practice. 2. ed. Ithaca: Cornell University Press, 2003. 290p. 200 SANTOS, Boaventura de Sousa. Por uma concepção multicultural de direitos humanos. Revista Crítica de Ciência Sociais, Coimbra, n. 48, p. 11-32, junho/1997. 201 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 152-153. 202 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 156.

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competência global e a legitimidade local, que constituem os dois atributos de

uma política contra-hegemômica de direitos humanos no nosso tempo.203

Por outro lado, a corrente universalista defende que o valor

dignidade humana exige normas universais, argumentando que a doutrina

relativista presta-se mais para justificar graves casos de violação dos direitos

humanos, uma vez que determinadas práticas ficariam imunes ao controle da

comunidade internacional e seriam justificadas por motivos históricos, culturais,

morais etc.

Assim, seria imprescindível estabelecer valores universais protetores

da pessoa humana, que sirvam de parâmetros mínimos para as relações entre

as pessoas, ou entre elas e o estado, sob pena de permitir-se a violação dos

direitos humanos que se pretende salvaguardar.

Todavia, parece que as doutrinas universalistas ou relativistas não

lograram êxito na tarefa de responder de modo suficiente à quantidade de

violações dos direitos humanos que existe na atualidade, pois a justiça

necessita tanto de princípios abstratos como de elementos de juízo concreto

que levem em conta as demandas de contexto.204

Talvez a solução esteja no chamado “universalismo de confluência”,

sustentado por Joaquín Herrera Flores, para quem deve existir um

universalismo de ponto de chegada e não de ponto de partida, fundado na

abertura de um diálogo entre as culturas, de sorte que ao universal deve-se

chegar depois de um processo conflitivo e nunca antes dele.205

De fato, “a abertura do diálogo entre as culturas, com respeito à

diversidade e com base no reconhecimento do outro, como ser pleno de

dignidade e direitos, é condição para a celebração de uma cultura dos direitos

203 SANTOS, Boaventura de Sousa. Por uma concepção multicultural de direitos humanos. Revista Crítica de Ciência Sociais, Coimbra, n. 48, p. 11-32, junho/1997, p. 19. 204 FACHIN, Melina Girardi. Fundamentos dos direitos humanos: teoria e práxis na cultura de tolerância. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 233. 205 FLORES, Joaquín Herrera. Direitos humanos, interculturalidade e racionalidade de resistência. Disponível em: <http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/viewFile/15330/13921>. Acesso: em 14 dez. 2010.

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humanos, inspirada pela observância do mínimo ‘ético irredutível’, alcançado

por um ‘universalismo de confluência’.”206

Portanto, resta inegável que o direito de acesso à justiça enquadra-

se na categoria de direito humano, pois foi concedido ao homem em face da

proibição da autotutela, isto é, da impossibilidade de realizar a justiça com as

próprias mãos.

Com efeito, a fim de garantir a ordem interna desde o momento em

que as pessoas passaram a viver em sociedade, restou vedada a autotutela

como solução de conflitos por meio da ação direta do homem, com a imposição

da vontade de um sobre a do outro, geralmente por meio da força, mas em

compensação foi outorgado o direito de acesso à justiça.

A solução dos conflitos passou, então, a ser oferecida pelo estado,

que em contrapartida garantiu a todos o acesso à justiça, que se não for feita

em tempo razoável significa, na prática, a negação do próprio direito, até

porque justiça tardia é injustiça qualificada e manifesta.

Efetivamente, “a duração indefinida ou ilimitada do processo judicial

afeta não apenas e de forma direta a idéia de proteção judicial efetiva, como

compromete de modo decisivo a proteção da dignidade da pessoa humana, na

medida em que permite a transformação do ser humano em objeto dos

processos estatais”.207

Daí porque o direito de acesso à justiça está umbilicalmente ligado

ao direito à razoável duração do processo, pois de nada adianta o acesso à

justiça sem a garantia de uma solução efetiva e em tempo razoável.

Portanto, a questão do acesso à justiça – bem assim a questão do

direito à razoável duração do processo – deve ser tratada sob o prisma dos

Direitos Humanos porque objetiva valorizar a pessoa humana, especialmente

nas situações mais periclitantes, quando necessita de provimento jurisdicional

do estado para resolver conflitos de interesses. Ademais, as bases do acesso à

justiça repousam nos Direitos Humanos e, como é sabido, o valor da pessoa

206 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 11. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 160. 207 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de direito constitucional. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 545.

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humana é fundamento desses Direitos, razão pela qual o tema encontra-se

plenamente abarcado pelos Direitos Humanos, uma vez que a própria definição

de Direitos Humanos traz consigo fundamento para tal afirmativa.208

Tanto é assim que a Convenção Americana de Direitos Humanos e

a Convenção Europeia de Direitos Humanos estabelecem o direito de acesso à

justiça, com a necessária razoável duração do processo, conforme previsto em

seus artigos 8º e 6º, respectivamente.209

A demora na prestação jurisdicional significa, assim, violação ao

direito fundamental de acesso à justiça, traduzindo-se na própria denegação da

justiça.

2.5 O desrespeito ao direito à razoável duração do processo

Com o propósito de incentivar os operadores do direito a buscar

soluções para o problema da lentidão da justiça, a Emenda Constitucional n.º

45, de 08 de dezembro de 2004, introduziu mais um direito fundamental no art.

5º da atual Constituição da República, qual seja, o direito à razoável duração

do processo.

Segundo o novel inciso LXXVIII do art. 5º, “a todos, no âmbito

judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os

meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

208 LOUREIRO, Caio Márcio. O Acesso à justiça e os direitos humanos. In: RIBEIRO, Maria de Fátima; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira (coords.). Direito internacional dos direitos humanos: estudos em homenagem à Prof.ª Flávia Piovesan. Curitiba: Juruá, 2004. p. 90-91. 209 Art. 8.º – Garantias judiciais 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. Art. 6.º – Direito a um processo equitativo 1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a proteção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.

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78

Assim, “poder-se-ia dizer que a norma declara o direito fundamental

de todos à eficiente realização do processo pelo qual se leva o pedido à

cognição judicial ou administrativa: é, assim, direito ao processo eficiente,

muito além do simples direito ao processo.”210

Não se trata de regra inédita, uma vez que a Constituição da

República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934, já previa

regra semelhante, conforme disposto em seu art. 113, item 35.211

O direito à razoável duração do processo também se encontra

previsto no art. 8º da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de

San José da Costa Rica) e no art. 6º da Convenção Europeia de Direitos

Humanos, já transcritos.

Assim, como os direitos e garantias expressos na Constituição não

excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou

dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte

(CF/88, art. 5º, § 2º), pode-se concluir que o direito à razoável duração do

processo já fazia parte de nosso ordenamento jurídico, apenas agora sendo

incorporado expressamente na atual Constituição da República.

Embora as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais

tenham aplicação imediata, segundo o § 1º do art. 5º da CF/88, o disposto no

novo inciso trata-se de norma programática, ou idealista, revelando um

propósito que dependerá da existência de mecanismos para proporcionar a

celeridade dos atos processuais, alcançando assim a razoável duração do

processo.212

Com efeito, a Constituição escrita não passa de uma simples folha

de papel quando ela não se coaduna com os fatores reais de poder, cuja soma

210 SLAIBI FILHO, Nagib. Reforma da justiça. Niterói: Impetus, 2005. p. 19. 211 Art. 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: (...) 35) A lei assegurará o rápido andamento dos processos nas repartições públicas, a comunicação aos interessados dos despachos proferidos, assim como das informações a que estes se refiram, e a expedição das certidões requeridas para a defesa de direitos individuais, ou para esclarecimento dos cidadãos acerca dos negócios públicos, ressalvados, quanto às últimas, os casos em que o interesse público imponha segredo, ou reserva. 212 BERMUDES, Sérgio. A Reforma do judiciário pela emenda constitucional n. 45. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 11.

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79

representa a Constituição real e efetiva do país, pois “de nada serve o que se

escreve numa folha de papel se não se ajusta à realidade, aos fatores reais e

efetivos do poder”.213

Assim, a simples previsão na Constituição do direito à razoável

duração do processo não significa qualquer melhoria no sistema judiciário

brasileiro, já que não basta a simples garantia formal de um direito para que ele

exista:

De fato, o acesso à justiça só por si já inclui uma prestação jurisdicional em tempo hábil para garantir o gozo do direito pleiteado – mas crônica morosidade do aparelho judiciário o frustrava – daí criar-se mais essa garantia constitucional, com o mesmo risco de gerar novas frustrações pela sua ineficiência, porque não basta uma declaração formal de um direito, ou de uma garantia individual para que, num passe de mágica, tudo se realize como declarado.214

Talvez o direito à razoável duração do processo tenha sido incluído

na Constituição com o propósito de orientar a ação governamental do estado

no sentido de estabelecer uma política de otimização da função jurisdicional,

nos moldes da constituição dirigente, pregada por Canotilho.215

Portanto, o dispositivo constitucional restaurado tem como

destinatário o legislador, incumbido de criar normas que assegurem a rápida

solução do litígio, bem como o aplicador do Direito, que deve conduzi-lo da

forma mais eficiente possível, a fim de prestar a tutela mais adequada do

direito.216

A fim de extrair o máximo de utilidade da novel regra Constitucional,

mostra-se necessário definir o que seja a razoável duração do processo, uma

vez que o legislador reservou ao intérprete essa missão.

De início, cumpre dizer que o direito à razoável duração do processo

não significa, necessariamente, a solução rápida do litígio, pois a partir do

213 LASSALE, Ferdinand. O Que é uma constituição? Trad. Hiltomar Martins Oliveira. Belo Horizonte: Líder, 2002. p. 48. 214 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 432. 215 Ver, a respeito do tema, a obra: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra: Coimbra Editora, 2001. 539p. 216 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 33.

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80

momento em que se reconhece o direito ao devido processo legal, está-se

também reconhecendo, implicitamente, o direito ao cumprimento de uma série

de atos processuais obrigatórios, como o direito ao contraditório, à produção de

provas e aos recursos, que certamente atravancam a celeridade, mas são

garantias que não podem ser desconsideradas ou minimizadas.217

Segundo Moacyr Amaral Santos, processo é uma série continuada

de atos, que se sucedem no espaço e no tempo, e sua finalidade é a

composição de conflitos, para satisfação da paz jurídica, donde resulta que o

processo deve encerrar-se o mais breve possível, razão pela qual a lei regula o

tempo destinado à realização dos atos processuais.218

Nos termos do artigo 125, inciso II do Código de Processo Civil,

compete ao juiz velar pela rápida solução do litígio, o que significa, na lição de

Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, que o juiz não deve ensejar

nem permitir o retardamento injustificado da prestação jurisdicional. O

magistrado deve determinar a prática de todos os atos necessários ao

julgamento da demanda, deve buscar o ponto de equilíbrio entre rápida solução

do litígio e segurança na decisão judicial, nem sempre fácil de ser encontrado,

até porque dar solução rápida ao litígio não significa solução apressada,

precipitada.219

Carnelutti já dizia que o slogan da justiça rápida e segura que anda

na boca dos políticos inexperientes contém, infelizmente, uma contradição

essencial: se a justiça é segura não é rápida, se é rápida não é segura.220

Assim, a celeridade processual significa que o processo deve ter um

andamento contínuo, sem paralisações indevidas, mas desde que isso não

ocorra em detrimento das demais garantias processuais, como a segurança

jurídica, o contraditório, a ampla defesa etc.

A exigência de um processo sem dilações indevidas não significa

justiça acelerada, até porque a diminuição de garantias processuais e materiais

217 DIDIER JR. Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. v. 1. 12. ed. Salvador: JusPODIVM, 2010. p. 59. 218 SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. v. 1. 20. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 295. 219 NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 433. 220 CARNELUTTI, Francesco. Diritto processo. Napoles: Morano, 1958. p. 154.

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pode representar uma injustiça. Por outro lado, a existência de processos

céleres, especialmente no direito penal, mas também extensível a outros

ramos, é condição indispensável de uma proteção jurídica adequada.221

Conforme assinalou Fernando da Fonseca Gajardoni, “o grande

desafio do processo civil contemporâneo reside no equacionamento desses

dois valores: tempo e segurança. A decisão judicial tem que compor o litígio no

menor tempo possível. Mas, deve respeitar também as garantias da defesa

(due processo of law), sem as quais não haverá decisão segura. Celeridade

não pode ser confundida com precipitação. Segurança não pode ser

confundida com eternização.222

Portanto, o processo pode não ser célere, mas mesmo assim ter

uma duração razoável, o que irá depender da natureza da lide e da

complexidade da causa, razão pela qual “a duração razoável do processo,

assim, será aquela em que melhor se puder encontrar o meio-termo entre a

definição segura da existência do direito e a realização rápida do direito cuja

existência foi reconhecida pelo juiz”.223

Cândido Rangel Dinamarco, ao analisar o direito à razoável duração

do processo, assim se manifesta:

Os reformadores estiveram conscientes de que a maior debilidade do Poder Judiciário brasileiro em sua realidade atual reside em sua inaptidão a oferecer uma justiça em tempo razoável, sendo sumamente injusta e antidemocrática a outorga de decisões tardas, depois de angustiosas esperas e quando, em muitos casos, sua utilidade já se encontra reduzida ou mesmo neutralizada por inteiro. De nada tem valido a Convenção Americana de Direitos Humanos, em vigor neste país desde 1978, incorporada que foi à ordem jurídica brasileira em 1992 (dec. n. 678, de 6.11.92); e foi talvez por isso que agora a Constituição quis, ela própria, reiterar essa promessa mal cumprida, fazendo-o em primeiro lugar ao estabelecer que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável

221 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6. ed. rev. Coimbra: Almedina, 1993. p. 652-653. 222 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Os reflexos do tempo no direito processual civil (anotações sobre a qualidade temporal do processo civil brasileiro e europeu). Revista de Processo, São Paulo, v. 153, p. 99-118, nov./2007, p. 102. 223 WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Breves comentários à nova sistemática processual civil. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 29.

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duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (art. 5º, inc. LXXVIII, red. EC n. 45, de 8.12.04).224

Assim, o objetivo da norma consiste em criar regras que possibilitem

a rápida solução do litígio, algumas delas já trazidas pela própria Emenda

Constitucional nº 45, como a supressão de férias coletivas no Poder Judiciário,

o automatismo judiciário e a distribuição automática dos processos em todos os

juízos e tribunais225, a fim de que o processo acabe em tempo razoável.

Pela supressão das férias coletivas, pretendeu-se dar maior

agilidade ao trâmite de processos judiciais, uma vez que a atividade

jurisdicional será ininterrupta, sendo vedadas férias coletivas nos juízos e

tribunais de segundo grau. Pelo automatismo judicial, os servidores poderão

receber delegação para a prática de atos de administração e atos de mero

expediente sem caráter decisório, o que já estava previsto no art. 162, § 4º do

Código de Processo Civil.226 Já pela necessidade de distribuição automática

dos processos nos juízes e tribunais objetiva-se evitar que os processos fiquem

parados aguardando distribuição ao juiz ou relator, o que angustiava

advogados, partes e até mesmos alguns juízes.227

A propósito do tema, Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal

Federal, cita o jurista alemão Günther Dürig, em comentários ao art. 1º da

Constituição alemã, o qual afirma que a submissão do homem a um processo

judicial indefinido e sua degradação como objeto do processo estatal atenta

contra o princípio da proteção judicial efetiva (rechtliches Gehör) e fere o

princípio da dignidade humana.228

Assim, é inegável que o tempo de tramitação processual prejudica,

ou mesmo impede, a pacificação social com justiça, uma vez que o retardo na

224 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. vol. I. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 44. (Grifo do autor) 225 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. vol. I. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 31-49. 226 § 4o Os atos meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz quando necessários. 227 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. v. I. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 31-49. 228 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires. Curso de direito constitucional. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 545.

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entrega da prestação jurisdicional significa descumprimento da função social do

estado.229

Fernando da Fonseca Gajardoni, citando Francisco Ramos Mendez

e Cristina Ribas Trepat, entende que é tempestiva a tutela jurisdicional quando

os prazos legalmente prefixados para o trâmite processual são cumpridos pelas

partes e pelo órgão jurisdicional, conforme a seguinte passagem de seu

estudo:

Apesar deste não ser um conceito absolutamente seguro, a nosso ver, em sistemas processuais preclusivos e de prazos majoritariamente peremptórios como o nosso (infelizmente!), o tempo ideal do processo é aquele resultante da somatória dos prazos fixados no Código de Processo Civil para o cumprimento de todos os atos que compõem o procedimento, mais o tempo de trânsito dos autos. Eventuais razões que levem a uma duração que exceda o prazo fixado previamente pelo legislador, com base no direito a ser protegido, deve se fundar em um interesse jurídico superior, que permita justificar o quebramento da previsão contida na norma processual, no qual não se inclui a alegação de excesso de demandas”.230

Portanto, os prazos processuais previstos em lei, tanto próprios

quanto impróprios, devem ser respeitados. O problema são os prazos

impróprios, aplicados principalmente aos órgãos judiciários, que mesmo que

descumpridos não impedem a realização do ato. Todavia, nem por isso devem

ser desrespeitados, uma vez que a lei não contém palavras inúteis, de sorte

que se há previsão de prazos é porque eles são importantes e devem ser

observados.

Ademais, o caráter razoável da duração de um processo deve levar

em conta o caso concreto em julgamento, devendo ser observados três pontos

principais: a complexidade das questões de fato e de direito discutidas no

229 Do ponto de vista da teoria dos sistemas, a função de solucionar conflitos não pertence ao sistema processual, já que o conflito social não é eliminado na realidade, razão pela qual o sistema só produz operações jurisdicionais, sendo impotente para agir na realidade. Cf.: DUARTE, Francisco Carlos. O Direito processual como sistema. Revista de Estudos Jurídicos, Curitiba, v. IV, n. 1, p. 179-185, ago./1997. 230 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Os reflexos do tempo no direito processual civil (anotações sobre a qualidade temporal do processo civil brasileiro e europeu). Revista de Processo, São Paulo, v. 153, p. 99-118, nov./2007, p. 115.

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processo, o comportamento das partes e de seus procuradores e a atuação

dos órgãos jurisdicionais.231

De fato, a complexidade da causa pode explicar a demora na

instrução do processo, daí porque eventual lentidão pode ser plenamente

justificada.

Portanto, pode-se “concluir que o conceito de ‘razoável duração do

processo’ constitui uma cláusula em branco, aberta, que a jurisprudência

deverá caracterizar com conteúdos concretos, a fim de definir em cada

processo, singularmente, se a respectiva duração foi razoável ou excessiva e,

assim, se o direito assegurado pelo inciso LXXVIII, do art. 5°, da Constituição

Federal foi violado ou não”.232

2.6 A denegação da justiça

A excessiva dilação temporal das controvérsias judiciais vulnera o

direito a um processo sem atrasos injustificados, ocasionando uma série de

gravíssimas consequências para os integrantes do processo. Para o juiz, a

morosidade provoca o descrédito do Poder Judiciário, sendo que o acúmulo de

processos tende a diminuir a qualidade dos pronunciamentos judiciais. Para as

partes, a intolerável duração do processo constitui fenômeno que propicia a

desigualdade e é fonte de injustiça social.233

A função do processo é servir de instrumento para a realização do

direito material, razão pela qual ele não cumpre o seu papel sempre que há

uma distância muito grande entre o seu resultado e aquilo que produziria a

atuação espontânea das normas substantivas:

Noutras palavras: toma-se consciência cada vez mais clara da função instrumental do processo e da necessidade de fazê-lo desempenhar de maneira efetiva o papel que lhe toca. Pois a melancólica verdade é

231 DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Responsabilidade do estado pela função jurisdicional. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 200. 232 ANDRIGHI, Fátima Nancy. A Ordem constitucional e o novo código civil. Palestra proferida no CEPAD, Hotel Glória, Rio de Janeiro, 03 de junho de 2005. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/729/Ordem_Constitucional_Novo.pdf?sequence=4>. Acesso em: 16 dez. 2010. 233 TUCCI, José Rogério Cruz. Tempo e processo: uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 110.

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que o extraordinário progresso científico de tantas décadas não pôde impedir que se fosse dramaticamente avolumando, a ponto de atingir níveis alarmantes, a insatisfação, por assim dizer universal, com o rendimento do mecanismo da justiça civil.234

Assim, há injustiça sempre que o processo não cumpre a contento o

seu papel, de sorte que um julgamento tardio vai perdendo progressivamente o

seu sentido reparador, sendo que qualquer decisão proferida depois de

transcorrido o tempo razoável para resolver a causa será injusta, pois para que

haja injustiça não precisa a decisão estar errada, basta que não se julgue

quando deva julgar.235

Por outro lado, como valor referente, a justiça mudou de significado

na sociedade, pois o direito não tem satisfeito as expectativas que os

indivíduos têm sobre a resolução de conflitos.236

A morosidade do processo prejudica mais aqueles que possuem

menos recursos, convertendo-se em um custo econômico adicional,

principalmente para os mais pobres, conforme adverte Luiz Guilherme

Marinoni:

A lentidão pode favorecer a parte economicamente mais forte em detrimento da menos favorecida; a demora da justiça pode pressionar os economicamente mais débeis a aceitar acordos nem sempre razoáveis. O que ocorre na Justiça do Trabalho é extremamente expressivo, já que, não raro, o trabalhador, por não poder suportar a espera daquilo que lhe é devido, aceita conciliar em condições favoráveis à parte reclamada.237

A morosidade da justica estrangula os direitos do cidadão, já que “o

processo é um instrumento indispensável para a efetiva e concreta atuação do

direito de ação, mas também para a remoção das situações que impedem o

234 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de direito processual: terceira série. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 3. 235 BIELSA, Rafael A.; GRAÑA, Eduardo R. El Tiempo y el proceso. Disponível em: <http://www.argenjus.org.ar/publi/publicacion/granabielsa.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2010. 236 DUARTE, Francisco Carlos; CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart; CADEMARTORI, Sérgio Urquhart. Governança sustentável: nos paradigmas sistêmico e neoconstitucional. Curitiba: Juruá, 2007. p. 134. 237 MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 35.

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pleno desenvolvimento da pessoa humana e a participação de todos os

trabalhadores na organização política, econômica e social do país”.238

O volume de processos existentes no Poder Judiciário, além de ser

uma das causas da morosidade, compromete a qualidade das decisões

judiciais, já que a possibilidade de erros aumenta drasticamente, sendo mais

uma fonte de injustiça.

Ademais, em razão do tempo exagerado de tramitação processual,

Italo Andolina e Giuseppe Vignera advertem que alguns jurisdicionados

acabam preferindo fugir da justiça, procurando uma outra forma de satisfazer

seus direitos subjetivos, ou até mesmo renunciando a estes, dando lugar a um

velho ditado popular: “mais vale um mau acordo do que uma boa demanda”.239

Com efeito, uma demora patológica na tramitação dos feitos pode

também servir de instrumento para o achaque do titular do direito material

controvertido, sempre que ele não possuir meios para aguardar até que se dê a

heterocomposição do conflito de interesses, razão pela qual a realização da

justiça reclama, além de uma decisão materialmente justa para o caso

concreto, que a solução venha dentro de um prazo adequado.240

Em algumas ocasiões, uma das partes do processo aceita

barganhar seus interesses somente para evitar o ônus da demora imposta pelo

pronunciamento do judiciário, que se reflete por todos os ramos do direito:

Salvo melhor juízo, encontramos tais episódios em várias transações realizadas na Justiça do Trabalho, onde em algumas das chamadas audiências “iniciais” é possível constatar a indução dos obreiros para aceitar ínfimas propostas em nome de uma aceleração do recebimento da quantia proposta pela empresa figurante no polo passivo da demanda. Assim, nesses casos, a celeridade ou lentidão do termo do processo fica a critério da situação financeira da parte mais fraca no litígio – o trabalhador/reclamante.241

238 MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 33. 239 Apud: TUCCI, José Rogério Cruz. Tempo e processo: uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 112. 240 DUARTE, Ronnie Preuss. Garantia de acesso à justiça. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. p. 209. 241 SILVA, Ivan de Oliveira. A Morosidade processual e a responsabilidade civil do estado. São Paulo: Pillares, 2004. p. 33.

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De fato, Cappelletti já alertava que a demora excessiva é fonte de

injustiça social, porque o grau de resistência do pobre é menor que o grau de

resistência do rico, de tal sorte que este pode, e não aquele, sem dano grave,

esperar uma justiça lenta.242

Assim, a denegação da justiça ocorre na medida em que o povo está

cada vez mais distante da justiça por causa do grande número de feitos

submetidos à mesma justiça, uma vez que o congestionamento de demandas –

sinal mais evidente da crise – impede que qualquer processo tenha andamento

normal.243

2.7 A responsabilização do estado

Durante muito tempo, prevaleceu a teoria da irresponsabilidade do

estado, baseada na ideia de que o estado não erra, de que ele atua no

interesse de todos e não pode ser responsabilizado e de que a soberania do

estado configura poder irrecusável, não passível de responsabilização. Num

segundo momento, houve a responsabilização do estado pelos chamados atos

de gestão, em contraponto aos atos de império, insuscetíveis de indenização.

Posteriormente, passou-se a admitir a responsabilidade do estado somente se

fosse comprovado o dolo ou a culpa de seus agentes, nas modalidades de

negligência, imprudência ou imperícia.244

Em outra fase, admitia-se a responsabilidade do estado desde que

fosse comprovada a falha da Administração, ou seja, o não funcionamento ou

mau funcionamento do serviço público. Atualmente, formulou-se a teoria do

risco administrativo, segundo a qual o estado responde pelos danos causados

por ação ou omissão de seus agentes, independente da demonstração de dolo

242 CAPPELLETTI, Mauro. Proceso, ideologias, sociedad. Trad. Santiago Sentis Melendo y Tomas A. Banzhaf. Buenos Aires: EJEA, 1974. p. 133-134. 243 CENEVIVA, Walter. Afastamento entre o judiciário e o povo: uma reavaliação. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). O Judiciário e a constituição. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 259. 244 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno: de acordo com a EC 19/98. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 429-430.

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ou culpa, pois como todos se beneficiam da atividade administrativa, todos

devem compartilhar o ressarcimento dos danos causados a alguns.245

Todavia, não há que se confundir a teoria do risco administrativo

com a teoria do risco integral, uma vez que aquela admite a isenção do dever

de indenizar nas hipóteses de caso fortuito, força maior ou culpa da vítima,

enquanto esta obriga o estado a indenizar todo e qualquer dano relacionado a

suas atividades, sem possibilidade de isenção, muito embora existam autores

que admitem a exclusão do dever de indenizar nas hipóteses de força maior e

culpa da vítima, mesmo em se adotando a teoria do risco integral, em face do

rompimento do nexo causal, de sorte que, em assim sendo, parece inexistir

diferença substancial entre uma e outra teoria (risco integral e risco

administrativo).246

Portanto, hoje, o dever de indenizar do estado decorre do artigo 37,

§ 6º da Constituição da República, segundo o qual “as pessoas jurídicas de

direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público

responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a

terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável no caso de

dolo ou culpa”.

Trata-se da responsabilidade objetiva do estado, que tem o dever de

reparar os danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,

independentemente da existência de dolo ou culpa.

Segundo a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, a

responsabilidade do estado por omissão é subjetiva, devendo o prejudicado

demonstrar a culpa do agente estatal para ver configurado o dever de

indenizar:

Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é, só faz sentido

245 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno: de acordo com a EC 19/98. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 430. 246 CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade civil do estado. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 40-41.

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responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo.247

Assim, nem toda omissão configurará o dever de indenizar, pois

somente quando o estado se omitir diante do dever legal de impedir a

ocorrência do dano é que será responsável por ele e obrigado a repará-lo:

A responsabilidade objetiva do Estado se dará pela presença dos seus pressupostos – o fato administrativo, o dano e o nexo causal. Todavia, quando a conduta estatal for omissiva, será preciso distinguir se a omissão constitui, ou não, fato gerador da responsabilidade civil do Estado. Nem toda conduta omissiva retrata um desleixo do Estado em cumprir um dever legal; se assim for, não se configurará a responsabilidade estatal. Somente quando o Estado se omitir diante do dever legal de impedir a ocorrência do dano é que será responsável civilmente e obrigado a reparar os prejuízos. A conseqüência, dessa maneira, reside em que a responsabilidade civil do Estado, no caso de conduta omissiva, só se desenhará quando presentes estiverem os elementos que caracterizam a culpa. A culpa origina-se, na espécie, do descumprimento do dever legal, atribuído ao Poder Público, de impedir a consumação do dano. Resulta, por conseguinte, que, nas omissões estatais, a teoria da responsabilidade objetiva não tem perfeita aplicabilidade, como ocorre nas condutas comissivas.248

A responsabilidade do estado, baseada na teoria do risco

administrativo, depende da presença de alguns requisitos, imprescindíveis para

a sua configuração, quais sejam: a ação ou omissão, o dano e o nexo causal.

A ação ou omissão corresponde à conduta humana, em nome do

estado, causadora de dano ou prejuízo a outrem. Segundo Maria Helena Diniz,

“a ação, elemento constitutivo da responsabilidade, vem a ser o ato humano,

comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do

próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que

cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado”.249

O dano deve ser reparado em toda a sua extensão, devendo

abranger aquilo que efetivamente se perdeu e aquilo que, razoavelmente,

247 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 672. (Grifo do autor) 248 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 17. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 489. 249 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. v. 7. 9. ed. aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 32.

Page 90: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

90

deixou-se de lucrar, ou seja, deve ser reparado tanto o dano emergente quanto

o lucro cessante.250

O dano passível de reparação não precisa ser econômico, podendo

ser única e exclusivamente moral, mas deve ser certo, ou seja, não apenas

eventual ou possível. Por outro lado, pode ser atual ou futuro, desde que seja

certo, real.251

Para configurar o dever de indenizar, além da ação ou omissão e do

dano, deve estar presente o nexo causal, indispensável para justificar a

responsabilização do estado. Assim, deve-se demonstrar que o prejuízo da

vítima foi o efeito necessário de eventual ação ou omissão na prestação do

serviço público. Caio Mário da Silva Pereira, sobre a necessidade da existência

do nexo causal, afirma:

Cabe, todavia, não levar ao extremo de considerar que todo dano é indenizável pelo fato de alguém desenvolver uma atividade. Aqui é que surge o elemento básico, a que já acima me referi: a relação de causalidade. Da mesma forma que, na doutrina subjetiva, o elemento causal é indispensável na determinação da responsabilidade civil, também na doutrina objetiva fenômeno idêntico há de ocorrer. A obrigação de indenizar existirá como decorrência natural entre o dano e a atividade criada pelo agente. O vínculo causal estabelecer-se-á entre um e outro. Num dos extremos está o dano causado. No outro, a atividade do agente causadora do prejuízo.252

Por outro lado, a responsabilidade do estado inexiste na hipótese de

caso fortuito ou de força maior, porque estranho à atuação humana, o que

afasta o dever de indenizar pelo rompimento do nexo causal, consoante lição

de Alexandre de Moraes:

Assim, a responsabilidade do Estado pode ser afastada no caso de força maior, caso fortuito, ou, ainda, se comprovada a culpa exclusiva da vítima, pois nessas hipóteses estará afastado um dos requisitos indispensáveis para a aplicação do art. 37, § 6º, da Constituição

250 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed., rev. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 529. 251 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 680. 252 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 289.

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91

Federal: nexo causal entre a ação ou omissão do Poder Público e o dano causado.253

O caso fortuito e a força maior constituem hipóteses, largamente

aceitas pela doutrina e jurisprudência, excludentes de responsabilidade, tanto

objetiva quanto subjetiva, muito embora a doutrina não seja concorde na

definição e compreensão desses fenômenos, conforme lição de Sílvio de Salvo

Venosa:

Trata-se aqui de mais um grande tema em sede de responsabilidade contratual e extracontratual. José de Aguiar Dias (1979, v.2:361) reforça a idéia de que as expressões são sinônimas, e é inútil distingui-las. Na verdade, não são, mas atuam como tal no campo da responsabilidade civil. A doutrina, na realidade, não é concorde sobre sua definição e compreensão desses fenômenos, havendo certa divergência. O caso fortuito (act of God, ato de Deus no direito anglo-saxão) decorreria de forças da natureza, tais como o terremoto, a inundação, o incêndio não provocado, enquanto a força maior decorreria de atos humanos inelutáveis, tais como guerras, revoluções, greves e determinação de autoridades (fato do príncipe). A doutrina costuma apresentar as mais equívocas compreensões dos dois fenômenos. Ambas as figuras equivalem-se, na prática, para afastar o nexo causal. Para alguns autores, caso fortuito se ligaria aos critérios de imprevisibilidade e irresistibilidade. Assim, o caso fortuito seria aquela situação normalmente imprevisível, fato da natureza ou fato humano. A força maior seria caracterizada por algo também natural ou humano a que não se poderia resistir, ainda que possível prever sua ocorrência.254

Portanto, nas hipóteses de caso fortuito ou força maior, inviável a

responsabilização do estado, até porque o dano não ocorreu em virtude de

atuação comissiva ou omissiva de seus agentes, sendo o evento danoso uma

mera fatalidade, decorrente do imponderável.

Outro caso de inexistência de responsabilidade é a culpa de terceiro,

conforme esclarecimento de Marçal Justen Filho:

Se o dano foi acarretado por conduta antijurídica alheia, não cabe a responsabilização civil do Estado pela inexistência da infração ao

253 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional administrativo. São Paulo: Atlas, 2002. p. 235. (Grifo do autor) 254 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabilidade civil. v. 4. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 46.

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92

dever de diligência – exceto quando a ele incumbia um dever de diligência especial, destinado a impedir a concretização de danos.255

Em tema de responsabilidade civil do estado por erro ou dano

decorrente da atividade jurisdicional, a jurisprudência vem se posicionando no

sentido de associá-la à responsabilidade civil do juiz (pessoal), pelos atos

mencionados no art. 133 do Código de Processo Civil, incisos I e II, que

apontam a prática de prevaricação, a intenção de causar o dano e a fraude,

como hipóteses passíveis de reparação de dano. Note-se, contudo, que só em

casos extremamente graves cogita-se da responsabilidade do estado, ou

pessoal do juiz, por erro judiciário.

No âmbito do direito penal, segundo o artigo 5º, inciso LXXV da

Constituição Federal, o estado indenizará o condenado por erro judiciário,

assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença, sendo outra

hipótese prevista em lei de responsabilização do estado por erro judiciário.

Segundo a melhor doutrina, não há como considerar o juiz – ou o

estado – responsável, em qualquer hipótese, por danos decorrentes de atos

judiciais, salvo nas hipóteses previstas no próprio texto legal, conforme redação

do art. 133 do Código de Processo Civil, segundo o qual o juiz responderá por

perdas e danos quando, no exercício de suas funções, proceder com dolo ou

fraude, ou quando recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência

que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte.

Além disso, as decisões do Poder Judiciário são manifestações

inerentes ao funcionamento estatal, hipóteses em que se revela a própria

instituição política do estado, de sorte que falar em ressarcimento por ato

judiciário vai contra a concepção de estado em que vivemos, pois entra em

choque com o conceito de soberania estatal.

As decisões emanadas do Poder Judiciário, em regra, quando

prejudiciais aos interesses da parte, devem ser atacadas por meio dos recursos

previstos em lei, daí porque eventual dano causado decorrerá do regular

255 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 6. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 1.214.

Page 93: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

93

exercício da função jurisdicional, que simplesmente aplica o direito ao caso

concreto, sendo insuscetível de indenização:

Os atos legislativos e os atos jurisdicionais típicos são, em princípio, insuscetíveis de redundar na responsabilidade civil do Estado. São eles protegidos por dois princípios básicos. O primeiro é o da soberania do Estado: sendo atos que traduzem uma das funções estruturais do Estado, refletem o exercício da própria soberania. O segundo é o princípio da recorribilidade dos atos jurisdicionais: se um ato do juiz prejudica a parte no processo, tem ela os mecanismos recursais e até mesmo outras ações para postular a sua revisão. Assegura-se ao interessado, nessa hipótese, o sistema do duplo grau de jurisdição.256

Todavia, recentemente, a responsabilidade do estado pelos atos

judiciais vem sendo reconhecida cada vez mais, até porque soberania não se

confunde com irresponsabilidade, conforme advertência de Carlos Roberto

Gonçalves:

Durante muito tempo entendeu-se que o ato do juiz é uma manifestação da soberania nacional. O exercício da função jurisdicional se encontra acima da lei e os eventuais desacertos do juiz não poderão envolver a responsabilidade civil do Estado. No entanto, soberania não quer dizer irresponsabilidade. A responsabilidade estatal decorre do princípio da igualdade dos encargos sociais, segundo o qual o lesado fará jus a uma indenização toda vez que sofrer um prejuízo causado pelo funcionamento do serviço público.257

Maria Sylvia Zanella Di Pietro esclarece que a jurisprudência, em

regra, não aceita a responsabilidade do estado por atos jurisdicionais, o que se

mostra lamentável porque podem existir erros flagrantes, não somente na

seara criminal, onde a Constituição expressamente admite a responsabilidade,

mas também nas áreas cível e trabalhista. Também é admitida a

responsabilidade no caso de culpa ou dolo do juiz, mas mesmo fora dessas

256 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 17. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 495. 257 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 8. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 206.

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hipóteses a responsabilidade deveria ser admitida, se comprovado o erro da

decisão.258

Portanto, a responsabilidade do estado pela morosidade da justiça,

como não estava prevista em lei, não podia ser admitida pela jurisprudência,

que aceitava a responsabilidade apenas nas hipóteses expressamente

previstas em lei. Todavia, com a inclusão do direito à razoável duração do

processo na Constituição Federal, é possível que a jurisprudência passe a

admitir a responsabilidade, pois agora há um direito previsto em lei, cujo

desrespeito deve merecer uma sanção, pena de ineficácia da norma.

De fato, a atividade do Poder Judiciário, na condução do processo,

não está imune a causar prejuízos, a exemplo da prestação jurisdicional tardia,

sendo inquestionável que em tal caso o estado deve responder por essa

deficiência.259

No caso de responsabilidade do estado por desrespeito ao princípio

da razoável duração do processo não se está diante de responsabilidade por

conduta do agente do estado, mas sim diante de sua eventual omissão que,

segundo pacífica lição da doutrina e da jurisprudência, deixa de ser objetiva e

passa a ser subjetiva, tendo o interessado que comprovar a existência de

omissão dos agentes do estado para ver-se ressarcido.

Portanto, quando existe demora na entrega da prestação

jurisdicional, ou seja, quando a duração não razoável do processo causar

prejuízos ao jurisdicionado, o estado deve ser chamado a indenizar, mas o

prejudicado deverá demonstrar que a conduta culposa omissiva do agente

estatal foi responsável pelo dano.

Segundo Lucia Valle Figueiredo, “quanto aos atos judiciais, impende

remarcar que, mesmo difícil sua aferição, será possível a responsabilização do

Estado por prestação jurisdicional a destempo e denegatória da justiça, bem

258 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 607. 259 BITTENCOURT, Gisele Hatschbach. Responsabilidade extracontratual do estado. Belo Horizonte: Fórum, 2010. p. 123.

Page 95: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

95

como por decisões totalmente desconcertadas de standarts mínimos de

razoabilidade”.260

Assim, o estado deve responder pelos atos judiciais quando

produzirem prejuízo aos jurisdicionados, especialmente nas hipóteses

reconhecidas pela legislação, como no caso do descumprimento do direito à

razoável duração do processo.

A doutrina tem caracterizado a atividade jurisdicional como

defeituosa quando: a) o juiz, dolosamente, recusa ou omite decisões, causando

prejuízo às partes; b) o juiz não conhece, ou conhece mal, o direito aplicável,

recusando ou omitindo o que é de direito; c) o atuar do Poder Judiciário é

vagaroso, obrigando ao acúmulo de processos, o que impossibilita o

julgamento dentro dos prazos fixados pela lei.261

Portanto, “a demora na prestação jurisdicional cai no conceito de

serviço público imperfeito. Quer ela seja por indolência do Juiz, quer seja por o

Estado não prover adequadamente o bom funcionamento da Justiça”.262

Ademais, “enquanto no erro judiciário o dano é oriundo da atividade

jurisdicional e, portanto, de ato do Juiz, nas hipóteses de anormal

funcionamento da atividade jurisdicional, este pode ser causado também pelos

auxiliares do judiciário que colaboram com o juiz para que o processo tenha um

desenvolvimento regular”.263

Assim, o particular que sofreu as angústias e os prejuízos

patrimoniais em razão da excessiva duração de um processo deve ser

ressarcido pelos danos que lhe foram causados, na medida em que foi vítima

260 FIGUEIREDO, Lucia Valle. Curso de direito administrativo. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 281. 261 DELGADO, José Augusto. A demora na entrega da prestação jurisdicional: responsabilidade do estado: indenização. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/9548/A_Demora_na_Entrega_da_Presta%E7%E3o.pdf?sequence=1>. Acesso em: 15 dez. 2010. 262 DELGADO, José Augusto. A demora na entrega da prestação jurisdicional: responsabilidade do estado: indenização. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/9548/A_Demora_na_Entrega_da_Presta%E7%E3o.pdf?sequence=1>. Acesso em: 15 dez. 2010. 263 LASPRO, Orestes Nestor de Souza. A Responsabilidade civil do juiz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 226.

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96

de algo mais grave que o erro judiciário, pois a omissão significa a própria

denegação da justiça.264

Segundo Horácio Wanderlei Rodrigues, quando a demora na

prestação jurisdicional decorrer da forma de atuação do órgão encarregado de

prestar a jurisdição, não cumprindo os prazos legais de forma efetiva, ou

possuindo comportamento profissional ou ético incompatível com a função

pública exercida, ocorrerá desrespeito à garantia da prestação jurisdicional em

um prazo razoável. Tal demora, para ferir a garantia constitucional, deve

decorrer de inércia ou omissão do órgão jurisdicional, quer seja ela voluntária,

isto é, quando o órgão jurisdicional propositalmente não cumpre os prazos

estabelecidos, ou involuntária, ou seja, quando decorre do excesso de trabalho,

da falta de material humano e de estrutura e de problemas contidos na própria

legislação processual. Tanto no caso de demora voluntária como involuntária a

culpa é do estado, pois no primeiro caso ele responde pelos atos de seus

agentes e no segundo ele responde pela incompetência na gestão pública.265

Todavia, a simples demora na entrega da prestação jurisdicional não

tem o condão de configurar a responsabilidade do estado, que para estar

presente precisa da constatação de todos os requisitos legais, quais sejam, a

conduta ativa ou omissiva do estado, o dano e o nexo causal.

Assim, se a morosidade decorre da omissão dos agentes do estado,

não imputável às partes ou terceiros, se está configurado o dano certo e se

esse dano foi causado pela morosidade da justiça (nexo causal), deve-se

admitir a responsabilidade estatal, mas no caso ela é subjetiva, devendo a

comprovação da culpa ficar a cargo da parte lesada.

O dano, para gerar o dever de indenizar pela duração não razoável

do processo, precisa ser comprovado pela vítima, devendo ser certo, uma vez

que não se admite a responsabilidade pelo dano eventual ou possível, de sorte

que simples prejuízos financeiros, em regra, não admitem indenização, já que

264 LASPRO, Orestes Nestor de Souza. A Responsabilidade civil do juiz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 232. 265 RODRIGUES, Horácio Wanderlei. EC n. 45: Acesso à justiça e prazo razoável na prestação jurisdicional. In: WAMBIER, Tereza Arruda Alvim et at. (Coord.). Reforma do judiciário: primeiras reflexões sobre a emenda constitucional n. 45/2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 290.

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97

durante o curso do processo há incidência de juros legais, sendo que outros

ganhos financeiros serão apenas eventuais ou possíveis.

Ademais, a responsabilização do estado pela morosidade da justiça,

embora necessária, deve ser aplicada com prudência, já que o erro ou omissão

estatal, na prática, acabam sendo pagos pela própria sociedade:

Muitas vezes nos esquecemos de que o Estado, apesar da abstração jurídica, somos todos nós! É com nossos esforços e com o que pagamos de impostos que o governo forma sua arrecadação a cumprir suas obrigações sociais e atender as necessidades básicas da população. “Punir” o Estado com a obrigação de indenizar o cidadão prejudicado com a duração exagerada do processo significa, em última análise, penalizar a todos nós indistintamente por um erro ou omissão estatal, sem eliminar a razão do problema.266

2.8 Os prejuízos para a economia

Um Judiciário moroso, além de aumentar o custo do processo,

acarreta vários prejuízos para a economia, causando a diminuição de

investimentos, a restrição ao crédito, o aumento dos juros etc.

De fato, “a segurança proporcionada pelo judiciário eficiente serve

de regulador da atividade econômica, viabilizador dos instrumentos da ordem

econômica, protegendo o mercado do ataque de especuladores, da competição

desleal, dos cartéis e monopólios; situações cada vez mais comuns em razão

da globalização”.267

Assim, sob o aspecto econômico, um judiciário moroso inibe e até

bloqueia investimentos, afetando o desenvolvimento econômico, pois “a

lentidão, reconhecida por juízes e empresários como o principal problema no

âmbito do Judiciário, impacta a economia e afeta o crescimento econômico do

País como um todo porque o progresso tecnológico, a eficiência das firmas, o

investimento e a qualidade da política econômica dependem da firmeza e

266 HOFMANN, Paulo. O direito à razoável duração do processo e a experiência italiana. In: WAMBIER, Tereza Arruda Alvim et at. (Coord.). Reforma do judiciário: primeiras reflexões sobre a emenda constitucional n. 45/2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 585. 267 FARIA, Ana Maria Jara Botton. Judiciário & Economia: equalização desejada e necessária. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 2, n. 2, jun./dez. 2007. Disponível em: <http://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/86/75>. Acesso em: 10 jan. 2011.

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rapidez de atuação do Poder Judiciário quando surgem conflitos nessas

áreas”.268

Efetivamente, a questão do tempo no processo possui reflexos

econômicos, pois é sabido que a ineficiência do serviço público judiciário

prejudica o crescimento da economia do país, consoante bem advertem

Francisco Carlos Duarte e Adriana Monclaro Grandinetti:

O mau funcionamento do aparelho judiciário é devastador para a economia. Um estudo publicado na Revista Veja do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, constatou que um sistema jurídico ineficiente reduz a taxa de crescimento de longo prazo em 25%. Isso significa que, se o Brasil tivesse uma justiça eficiente, teria condições de crescer 0,8% a mais todo ano. O custo da ineficiência e da lentidão não pára por aí: a produção nacional poderia aumentar 14%, o desemprego cairia quase 9,5%, e o investimento saltaria 10,4%. E tudo isto porque cabe à Justiça garantir o cumprimento de contratos em um tempo razoável, dado basilar para qualquer economia de mercado. Por exemplo, se um Banco acredita que terá dificuldade para fazer uma cobrança em caso de descumprimento de contrato, e não contará com uma justiça ágil a seu lado, irá cobrar juros mais altos para compensar o risco, e em certos casos, não concederá o empréstimo.269

Um dos problemas que a morosidade da justiça causa para a

economia, além da indignação da parte que tem razão, são os juros bancários

altíssimos, que são exigidos também em face dos entraves existentes em caso

de eventual exigência judicial de contratos não cumpridos:

Os bancos, sabendo que o seu devedor pode, eventualmente, não pagar o empréstimo e ‘esticar’ a cobrança anos e anos, pagando no decorrer do processo juros moratórios de 0,5% – ou, se aplicado o novo CC, a Taxa SELIC – exigem, no contrato, juros elevadíssimos. Uma prova desse liame entre o percentual dos juros e a morosidade da justiça está no fato de os bancos, recentemente, cobrarem juros bem mais baixos quando o pagamento do empréstimo é descontado no holerite do mutuário empregado. Sendo o desconto feito ‘na fonte’, com alta probabilidade de rápido retorno, os juros baixam significativamente.270

268 SILVEIRA, Fabiana Rodrigues. A Morosidade no poder judiciário e seus reflexos econômicos. Porto Alegre: Sérgio Antonio Frabis, 2007. p. 44. 269 DUARTE, Francisco Carlos; GRANDINETTI, Adriana Monclaro. Comentários à emenda constitucional 45/2004: os novos parâmetros do processo civil no direito brasileiro. Curitiba: Juruá, 2005. p. 28. 270 RODRIGUES, Francisco César Pinheiro. Morosidade da justiça cível brasileira: causas e remédios. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, ano VI, n. 32, p. 40-62, nov./dez. 2004, p. 47.

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99

Com efeito, a morosidade da justiça é uma das causas do aumento

do spread bancário, que corresponde à diferença entre o custo do dinheiro para

o banco e a taxa cobrada do tomador de empréstimo:

Com discutido (sic), entre outros, por Aith (2000), Pinheiro e Cabral (2001) e Laeven e Majoni (2003), a ineficiência judicial – envolvendo a morosidade das decisões, o custo de uso da Justiça e o risco embutido na falta de imparcialidade e previsibilidade – é uma causa importante desses altos spreads. Aith estima que de 10% a 30% do spread bancário no Brasil se deve à ineficiência do judiciário. Pinheiro e Cabral mostram que, controlando para o efeito da legislação e de diferenças de renda per capita, obtém-se que a qualidade do judiciário afeta significativamente a quantidade de crédito bancário na economia, medida pela razão crédito/PIB. Laeven e Majoni mostram que, controlando para um conjunto de características de diferentes países, a eficiência do judiciário é, junto com a inflação, o principal determinante das diferenças de spreads de juros entre os 106 países analisados.271

Os elementos que compõem a taxa de juros (spread bancário) são

os seguintes: despesas administrativas do banco; impostos indiretos incidentes

sobre a taxa; custos da inadimplência; imposto de renda e contribuição social

sobre o lucro. Uma parcela relevante que se considera é o que se denomina

custos da inadimplência, que são provisões para o caso de não pagamento por

parte de determinados contratantes.272 Um sistema judiciário moroso, assim,

faz aumentar a taxa de juros porque eleva os custos da recuperação do crédito

em caso de eventual inadimplência.

Portanto, a morosidade judicial, ao dificultar o recebimento de

valores contratados, reprime a atividade de crédito e provoca o aumento dos

custos dos financiamentos por meio de dois canais, quais sejam: a insegurança

jurídica aumenta as despesas administrativas das instituições financeiras,

inflando em especial as áreas de avaliação de risco de crédito e jurídica; reduz

271 PINHEIRO, Armando Castelar. O Componente judicial dos spreads bancários. In: Banco Central do Brasil. Economia bancária e crédito: avaliação de 4 anos do projeto juros e spread bancário. 2003. p. 34. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/ftp/rel_economia_bancaria_credito.pdf>. Acesso em: 29 dez. 2010. 272 SADDI, Jairo. Crédito e judiciário no Brasil: uma análise de direito & economia. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 159-160.

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a certeza de pagamento mesmo numa situação de contratação de garantias,

pressionando o prêmio de risco embutido no spread.273

Em relação aos empréstimos internacionais, os juros são cobrados

de acordo com a nota obtida pelo país nas avaliações de riscos, feitas por

agências internacionais, levando-se em conta a solidez institucional,

estabilidade econômica, credibilidade do governo, bem como o grau de rapidez

e eficácia do Poder Judiciário. Como a justiça brasileira é lenta, os credores

internacionais elevam os juros dos empréstimos feitos ao Brasil, tanto para os

particulares quanto para o governo, em prejuízo do desenvolvimento do país,

que fica estagnado, obrigando o governo a pagar juros altos em vez de aplicar

mais recursos na área social, inclusive na justiça.274

Outra consequência da morosidade da justiça é a ausência de

proteção da propriedade intelectual, que é um dos aspectos mais importantes

para o desenvolvimento e a difusão da tecnologia, uma vez que países que não

têm postura firme e positiva do Judiciário nesse ramo sentem os efeitos da

pouca dispersão geográfica dos negócios, da pouca produção de

conhecimento e baixo investimento na aquisição de tecnologias avançadas de

outros países.275

Assim, a morosidade da justiça produz impactos significativos na

economia, implicando a diminuição de investimentos, a redução da produção e

da oferta de empregos, a restrição ou aumento do custo do crédito, o aumento

dos preços, entre outras consequências negativas.

Tais impactos são sentidos não só no Brasil, mas também em outros

países, como no caso de Portugal, onde uma pesquisa demonstrou que o

desempenho do sistema judicial tem uma avaliação bastante negativa por parte

273 FACHADA, Pedro; FIGUEIREDO, Luiz Fernando; LUNDBERG, Eduardo. Sistema judicial e mercado de crédito no Brasil. Notas Técnicas do Banco Central do Brasil, Brasília, n. 35, maio/2003, p. 10. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/pec/NotasTecnicas/Port/2003nt35sistemajudicialmercadocredbrasilp.pdf>. Acesso em: 05 jan. 2011. 274 RODRIGUES, Francisco César Pinheiro. Morosidade da justiça cível brasileira: causas e remédios. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, ano VI, n. 32, p. 40-62, nov./dez. 2004, p. 48. 275 SILVEIRA, Fabiana Rodrigues. A Morosidade no poder judiciário e seus reflexos econômicos. Porto Alegre: Sérgio Antonio Frabis, 2007. p. 45.

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dos empresários portugueses, sendo causa de contração do investimento, bem

como de obstáculo ao crescimento do país.276

276 CABRAL, Célia da Costa; PINHEIRO, Armando Castelar. A Justiça e seu impacto sobre as empresas portuguesas. In: DIAS, João Álvaro (Coord.). Os Custos da justiça: actas do colóquio internacional. Coimbra: Almedina, 2005. p. 396.

Page 102: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

102

3 A MOROSIDADE DA JUSTIÇA E O DESENVOLVIMENTO

SOCIOECONÔMICO

É praticamente impossível estabelecer, com precisão, quais são e

em que medida atuam os males da lentidão da justiça, mas inexiste dúvida,

contudo, de que o prejuízo é sempre enorme. Por meio de dados empíricos

colhidos na praxe forense e na literatura especializada, pode-se admitir que a

intempestividade da prestação jurisdicional acarreta consequências prejudiciais

de ordem endoprocessual, bem como outras consequências que vão além do

processo judicial.277

O custo da justiça morosa para o desenvolvimento é muito grande,

já que o Poder Judiciário é o órgão responsável pela efetivação de direitos

fundamentais e pela estabilidade das relações econômicas.

De acordo com o art. 1º da Declaração sobre o Direito ao

Desenvolvimento, aprovada em 1986 pela Organização das Nações Unidas, “o

direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável em virtude do qual

toda pessoa humana e todos os povos estão habilitados a participar do

desenvolvimento econômico, social, cultural e político, a ele contribuir e dele

desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais

possam ser plenamente realizados.” No mesmo sentido, a Declaração e

Programa de Ação de Viena, de 1993.278

O desenvolvimento, em sua concepção mais ampla, assim como a

busca da dignidade humana, são objetivos principais da sociedade brasileira, e

nesta condição devem ser perseguidos pelas ações governamentais, pela

sociedade civil e também pelo Poder Judiciário, a quem cabe zelar pelo

respeito e observância das normas constitucionais, de sorte que lutar por eles

277 TUCCI, José Rogério Cruz. Tempo e processo: uma análise empírica das repercussões do tempo na fenomenologia processual (civil e penal). São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 110. 278 Art. 11. O direito ao desenvolvimento deve ser realizado de modo a satisfazer equitativamente as necessidades ambientais e de desenvolvimento de gerações presentes e futuras. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reconhece que a prática de descarregar ilicitamente substâncias e resíduos tóxicos e perigosos constitui uma grave ameaça em potencial aos direitos de todos à vida e à saúde.

Page 103: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

103

não é, nem deveria ser, uma opção política, mas sim uma obrigação

constitucional.279

Segundo Eros Roberto Grau, a ideia de desenvolvimento significa a

elevação não só do nível econômico, mas também do nível cultural-intelectual

comunitário:

O desenvolvimento supõe não apenas crescimento econômico, mas, sobretudo elevação do nível cultural-intelectual comunitário e um processo, ativo, de mudança social. Daí porque a noção de crescimento pode ser tomada apenas e tão-somente como uma parcela da noção de desenvolvimento. [...] De outra parte, embora o dado econômico apareça como extremamente relevante em todos os conceitos de desenvolvimento, ainda assim é forçoso observar que o conceito de desenvolvimento não é apenas econômico. O processo de desenvolvimento – vimos já – implica mobilidade e mudança social; realiza-se em saltos de uma estrutura social para outra.280

O desenvolvimento também pode ser encarado como um processo

de expansão das liberdades reais que as pessoas desfrutam, em contraste

com visões que identificam desenvolvimento apenas com crescimento do

Produto Nacional Bruto, aumento de rendas pessoais, industrialização, avanço

tecnológico e modernização social.281

De fato, se a liberdade é o que o desenvolvimento promove, “o

desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de

liberdade: pobreza e tirania, carências de oportunidades econômicas e

destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância

ou interferência excessiva de Estados repressivos”.282

Por outro lado, o desenvolvimento que se pleiteia, consagrado no

preâmbulo da Constituição Federal de 1988, só pode ser o sustentável, de

sorte que a melhoria dos índices de desenvolvimento social que se pretende

deve levar em consideração o respeito ao meio ambiente, que se encontra

279 BARBOSA, Claudia Maria. Reflexões para um Judiciário socioambientalmente responsável. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, v. 48, p. 107-120, 2008, p. 111. 280 GRAU, Eros Roberto. Elementos de direito econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981. p. 7-8. 281 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 17. 282 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 17-18.

Page 104: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

104

ameaçado em face de modelos econômicos insustentáveis adotados por

países desenvolvidos e em desenvolvimento.283

O desenvolvimento sustentável consiste na exploração equilibrada

dos recursos naturais, nos limites das necessidades da presente geração, sem

comprometer os interesses e as necessidades das gerações futuras.284

Significa a utilização racional dos recursos naturais não renováveis, procurando

conciliar a proteção do meio ambiente com o desenvolvimento socioeconômico

para a melhoria da qualidade de vida do ser humano.285

Portanto, uma estratégia de desenvolvimento socioeconômico a

longo prazo e ecologicamente equilibrada deve aspirar à diminuição das

retiradas sobre os estoques de recursos não renováveis, que são limitados,

procurando não colocar em risco os equilíbrios térmicos do planeta, ou seja,

deve haver uma gestão ecologicamente prudente dos recursos que não se

renovam. Por outro lado, deve tirar o máximo proveito possível do fluxo de

energia solar e de recursos naturais renováveis, mas sem prejudicar o

desencadeamento normal dos ciclos ecológicos, que são responsáveis pela

renovação desses recursos.286

De qualquer sorte, o desenvolvimento ideal deve resultar do

crescimento econômico acompanhado da melhoria na qualidade de vida,

devendo incluir “as alterações da composição do produto e a alocação de

recursos pelos diferentes setores da economia, de forma a melhorar os

indicadores de bem-estar econômico e social (pobreza, desemprego,

desigualdade, condições de saúde, alimentação, educação e moradia)”.287

A ausência de desenvolvimento, ou subdesenvolvimento, tem as

seguintes características: baixa renda per capita; desigualdade da distribuição

da renda, onde parte dela é detida por reduzida parcela da população; altas

taxas de natalidade e mortalidade; alta participação do setor primário da 283 CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 66. 284 SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 26-27. 285 SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 30. 286 SACHS, Ignacy; VIEIRA, Paulo Freire (Org.). Rumo à ecossocioeconomia: teoria e prática do desenvolvimento. São Paulo: Cortez, 2007. p. 77-78. 287 VASCONCELOS, Marco Antonio; GARCIA, Manuel Enriquez. Fundamentos de economia. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 205.

Page 105: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

105

economia na formação da renda, que está relacionado à produção através da

exploração de recursos da natureza; baixa produtividade da mão de obra;

baixos padrões médios de consumo e de qualidade de vida; inexistência ou

mau funcionamento de instituições políticas mais aprimoradas.288

Já o desenvolvimento econômico “tem sido definido como um

processo autossustentado, que leva a renda per capita a se elevar

continuamente ao longo de um dado período. Em outras palavras, é um

processo contínuo pelo qual a disponibilidade de bens e serviços cresce em

proporção superior ao do incremento demográfico de uma dada sociedade”.289

Na verdade, a expressão desenvolvimento econômico serve para

qualificar todas as formas de expansão da economia de uma nação, sendo que

um dos indicadores do desenvolvimento é o Produto Nacional Bruto (PNB), que

é a somatória do Produto Interno Bruto (PIB) com os ganhos de operações

realizadas no exterior pelos residentes no país. Outro indicador de

desenvolvimento é a renda per capita, que é a divisão do PNB pela população

do país, a qual demonstra a existência de desenvolvimento econômico pelo

seu aumento em comparação com período anterior.290

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mede a qualidade de

vida dos cidadãos, segundo critérios de longevidade, saúde, educação,

habitação etc. Assim, não há desenvolvimento se um país tem um PIB per

capita alto, mas um IDH baixo, pois aí há má distribuição de renda e a riqueza

concentra-se na mão de poucos:291

Não foi por acaso que o mais legítimo indicador do desenvolvimento, lançado em 1990 pelo respectivo Programa das Nações Unidas (Pnud), optou por uma combinação da renda com a expectativa de vida e o grau de acesso à educação, em vez do exclusivo PIB per capita. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é a média aritmética de indicadores dessas três dimensões do desenvolvimento por considerar que esse é o tripé sine qua non para a obtenção de

288 NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 350-351. 289 NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 353. 290 SILVEIRA, Fabiana Rodrigues. A Morosidade no poder judiciário e seus reflexos econômicos. Porto Alegre: Sérgio Antonio Frabis, 2007. p. 126-127. 291 SILVEIRA, Fabiana Rodrigues. A Morosidade no poder judiciário e seus reflexos econômicos. Porto Alegre: Sérgio Antonio Frabis, 2007. p. 127.

Page 106: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

106

todos os demais aspectos da qualidade de vida inerentes ao ideal desenvolvimentista. E a melhor maneira de se perceber que não é linear a relação entre crescimento econômico e desenvolvimento é dar um mínimo de atenção às suas discrepâncias.292

Portanto, o crescimento econômico não pode ser considerado um

fim em si mesmo, pois não é adequado adotar como objetivo a simples

maximização da renda ou da riqueza:

Pela mesma razão, o crescimento econômico não pode sensatamente ser considerado um fim em si mesmo. O desenvolvimento tem de estar relacionado sobretudo com a melhora da vida que levamos e das liberdades que desfrutamos. Expandir as liberdades que temos razão para valorizar não só torna nossa vida mais rica e mais desimpedida, mas também permite que sejamos seres sociais mais completos, pondo em prática nossas volições, interagindo com o mundo em que vivemos e influenciando esse mundo.293

De fato, o desenvolvimento deve significar não só o crescimento

econômico, mas também transformações qualitativas na vida das pessoas, de

ordem humana e social:

O desenvolvimento deve ser encarado como um processo complexo de mudanças e transformações de ordem econômica, política e, principalmente humana e social. Desenvolvimento nada mais é que o crescimento (incrementos positivos no produto e na renda) transformado para satisfazer as mais diversificadas necessidades do ser humano, tais como: saúde, educação, habitação, transporte, alimentação, lazer, dentre outras.”294

Assim, crescimento ou desenvolvimento econômico não

proporcionam, necessariamente, desenvolvimento social, por falta de canais

democráticos que representem a vontade dos mais pobres, tendo a conjuntura

econômica mostrado que, mesmo em períodos de crescimento econômico

292 VEIGA, José Eli da. A Emergência socioambiental. São Paulo: Editora Senac, 2007. p. 21. 293 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 29. 294 OLIVEIRA, Gilson Batista de. Uma discussão sobre o conceito de desenvolvimento. Revista da FAE, Curitiba, v.5, n.2, p. 37-48, maio/ago. 2002, p. 40.

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107

vividos pelo Brasil em passado recente, não houve alterações proporcionais

dos indicadores de concentração de renda.295

3.1 A atuação do Poder Judiciário

Antes de discorrer sobre os impactos da morosidade da justiça no

desenvolvimento socioeconômico, cumpre esclarecer qual o papel que o Poder

Judiciário deve desempenhar em um estado democrático de direito, como

guardião das leis e garantidor de direitos fundamentais.

É certo que a pronta e efetiva atuação do Poder Judiciário, quando

provocado, produz reflexos na ordem social e econômica, muito embora a sua

atuação, em algumas questões, seja objeto de grandes polêmicas. O debate

polariza-se entre aqueles que defendem a sua atuação, livre e sem limites, e

outros que pregam a sua autolimitação.

O ativismo, entendido como “uma postura a ser adotada pelo

magistrado que o leve ao reconhecimento da sua atividade como elemento

fundamental para o eficaz e efetivo exercício da atividade jurisdicional”,296 tem

sido objeto de resistências em face da possível ofensa ao princípio da

separação de poderes, consagrado no artigo 2º da Constituição da República.

O ativismo judicial é uma atitude, ou seja, a escolha de um modo

específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e

alcance.297

A separação ou divisão de poderes significa que cada órgão é

especializado no exercício de uma função, cabendo às assembleias

(Congresso, Câmara, Parlamento) a função legislativa, ao Poder Executivo a

função executiva e ao Poder Judiciário a função jurisdicional.298

295 CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 451. 296 DELGADO, José Augusto. Ativismo judicial: o papel político do poder judiciário na sociedade contemporânea. In: JAYME, Fernando Gonzaga; FARIA, Juliana Cordeiro de; LAUAR, Maira Terra. Processo civil novas tendências: homenagem ao professor Humberto Theodoro Júnior. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 319. 297 BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Revista Atualidades Jurídicas, Brasília, n. 4, jan./fev. 2009, p. 6. Disponível em: <http://www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1235066670174218181901.pdf>. Acesso em: 30 nov. 2010. 298 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 113.

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108

Outro problema atualmente em debate é a judicialização de

questões políticas, ocasião em que o Poder Judiciário decide controvérsias de

natureza política, o que, aparentemente, também ofende o princípio da

separação de poderes.

É verdade que a judicialização, ainda que excessiva, é fenômeno

inerente ao nosso estado democrático de direito, onde a lei não excluirá da

apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, conforme disposto

no art. 5º, inciso XXXV da Constituição da República.

Assim, com base no princípio da inafastabilidade do controle

jurisdicional, a judicialização faz parte do amadurecimento da sociedade, que

está cada vez mais ciente de seus diretos e não poupa esforços em recorrer ao

Judiciário quando eles forem desrespeitados.

O problema não está na judicialização excessiva, que até pode ser

considerada benéfica do ponto de vista da conscientização dos direitos, mas

sim na judicialização de questões que não deveriam ser levadas à esfera do

Poder Judiciário. Na verdade, o problema reside na aceitação dessas

controvérsias pelo Judiciário, bem assim na assunção da responsabilidade de

resolvê-las.

Conforme frisou Canotilho, “os juízes devem autolimitar-se à decisão

de questões jurisdicionais e negar a justiciabilidade das questões políticas”.299

As questões políticas, atinentes à competência do Poder Executivo, devem

ficar fora do controle jurisdicional.

3.1.1 O embate entre constitucionalismo e democracia

A polêmica entre constitucionalismo e democracia remonta ao

século passado, oportunidade em que o filósofo alemão Carl Schmitt escreveu

a obra “Der Hüter der Verfassung” (O Guardião da Constituição), defendendo

que somente o Presidente do Reich, em conformidade com o artigo 48 da

Constituição de Weimar, teria legitimidade para representar os desejos do povo

alemão.300

299 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1309. 300 SCHMITT, Carl. La Defensa de la Constitución. Madrid: Tecnos, 1998. p. 213-251.

Page 109: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

109

Em desacordo com a tese sustentada por Schmitt, o filósofo austro-

americano Hans Kelsen publica o ensaio intitulado “Wer soll der Hüter der

Verfassung sein?” (Quem deve ser o Guardião da Constituição), onde defende

a ideia da necessidade de um Tribunal Constitucional para exercer a guarda da

Constituição.301

Kelsen defende a existência de um tribunal constitucional

independente dos demais Poderes do estado, uma vez que “seria naturalmente

necessário, porém, exigir que o tribunal constitucional a que caberia julgar as

leis e regulamentos da União e dos estados federados proporcionasse, por sua

composição paritária, garantias de objetividade suficientes, e se apresentasse

não como um órgão exclusivo da União ou dos estados federados, mas como o

órgão da coletividade que os engloba igualmente, da Constituição total do

Estado, cujo respeito seria encarregado de assegurar.”302

Ao polemizar com Schmitt, Kelsen “procura demonstrar o caráter

ideológico das teses do Professor de Berlim, resultante da confusão entre

ciência e política e, em um sentido mais circunscrito, entre teoria jurídica e

teoria política. Kelsen se ocupa de resguardar a defesa da Constituição ante o

defensor proposto por Schmitt, pois segundo afirma ‘nadie puede ser juez de

su propia causa’”.303

Schmitt, ao defender a legitimidade do Presidente do Reich para

representar o povo e defender a Constituição, entende que a atribuição de

soluções judiciais a problemas políticos apenas traz prejuízos ao Poder

Judiciário, pois representa mais uma “politização da justiça” do que uma

“judicialização da política”, sendo que a política nada tem a ganhar e a justiça

tem tudo a perder.304

Assim, em conformidade com o artigo 48 da Constituição de

Weimar305, o único que teria legitimidade para representar o povo seria o

301 KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 239-298. 302 KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 184-185. 303 MALISKA, Marcos Augusto. Acerca da legitimidade do controle da constitucionalidade. Justitia, São Paulo, v. 63, n. 193, p. 81-96, jan./mar. 2001, p. 83. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/23783>. Acesso em: 09 jun. 2010. 304 SCHMITT, Carl. La Defensa de la Constitución. Madrid: Tecnos, 1998. p. 57. 305 Texto do artigo 48 da Constituição de Weimar:

Page 110: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

110

Presidente do Reich, que significaria a confluência dos anseios sociais do povo

alemão.

Para Kelsen, todavia, reservar a defesa da Constituição ao

Presidente do Reich ou ao Parlamento seria inconveniente, “uma vez que

justamente nos casos mais importantes de violação constitucional Parlamento

e governo são partes litigantes, é recomendável convocar para a decisão da

controvérsia uma terceira instância que esteja fora desse antagonismo e que

não participe do exercício do poder que a Constituição divide essencialmente

entre Parlamento e governo”.306

Segundo Luís Roberto Barroso, “a idéia de Estado democrático de

direito, consagrada no art. 1º da Constituição brasileira, é a síntese histórica de

dois conceitos que são próximos, mas não se confundem: os de

constitucionalismo e de democracia. Constitucionalismo significa, em essência,

limitação do poder e supremacia da lei (Estado de direito, rule of law,

Rechtsstaat). Democracia, por sua vez, em aproximação sumária, traduz-se em

soberania popular e governo da maioria”.307

O constitucionalismo é a teoria que, baseada em uma constituição

rígida, busca resultados garantísticos, ainda que isso importe em limitação dos

demais poderes, possuindo, como pedra angular, “os direitos fundamentais

que, por sua vez, representam os valores substantivos escolhidos pela

sociedade no momento constituinte – de máxima manifestação da soberania

popular – que garantem o funcionamento da democracia, isto é, quando os

direitos fundamentais impõem limites materiais aos atos de governo, estão na

verdade, a proteger o povo como um todo e não apenas maiorias eventuais. E

Quando um Estado (Land) não cumpre os deveres que lhe são impostos pela Constituição ou pelas leis do Reich, o Presidente do Reich pode obrigá-lo com ajuda da força armada. Quando, no Reich alemão, a ordem e a segurança públicas estão consideravelmente alteradas ou ameaçadas, o Presidente do Reich pode adotar as medidas necessárias para o restabelecimento da segurança e ordem públicas, inclusive com ajuda da força caso necessário. Para tanto, pode suspender temporariamente, em todo ou em parte, os direitos fundamentais consignados nos artigos 114, 115, 117, 118, 123, 124 e 153. De todas as medidas que adote com fundamento nos parágrafos 1º e 2º deste artigo, o Presidente do Reich deverá dar conhecimento ao Parlamento”. 306 KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 275. 307 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 87-88.

Page 111: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

111

quem está incumbido de proteger estes valores é o Poder Judiciário, conforme

determinação do próprio poder constituinte”.308

A democracia procedimental funda-se na defesa do procedimento

democrático, privilegiando os direitos que garantem participação política e

processos deliberativos justos, independentemente do resultado a ser

alcançado.309

A tensão existente entre o princípio democrático e a jurisdição

constitucional encontra-se, assim, na medida em que o primeiro privilegia a

vontade popular, independentemente dos resultados obtidos, enquanto a

segunda defende a prevalência da norma constitucional, ainda que em

detrimento da vontade do povo. “As perguntas que desafiam a doutrina e a

jurisprudência podem ser postas nos termos seguintes: por que um texto

elaborado décadas ou séculos atrás (a Constituição) deveria limitar as maiorias

atuais? E, na mesma linha, por que se deveria transferir ao Judiciário a

competência para examinar a validade de decisões dos representantes do

povo?”310

Todavia, a guarda da Constituição pelo chefe estatal não garantiria a

imparcialidade, uma vez que “a eleição do chefe de estado, que se dá

inevitavelmente sob a alta pressão de ações político-partidárias, pode ser um

método democrático de nomeação, mas não lhe garante particularmente a

independência”.311

Ademais, conferir legitimidade para a guarda da Constituição ao

chefe de estado ofenderia o princípio segundo o qual ninguém pode ser juiz em

causa própria, especialmente porque nos casos mais importantes de violação

constitucional parlamento e governo são partes litigantes.

Assim, ambos os regimes apresentam inconvenientes, uma vez que

a democracia procedimental não respeita a vontade das minorias, enquanto o

constitucionalismo pode gerar decisões destituídas de legitimidade.

308 BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. Jurisdição constitucional: entre constitucionalismo e democracia. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 50. 309 BARBOZA, Estefânia Maria de Queiroz. Jurisdição constitucional: entre constitucionalismo e democracia. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 25. 310 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 88. 311 KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 283.

Page 112: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

112

Por outro lado, ambos apresentam qualidades, pois somente no

constitucionalismo podem ser respeitadas as decisões das minorias, em face

da possibilidade de decisões contramajoritárias, sendo que na democracia

procedimental respeita-se a vontade do povo.

A verdade é que, “sobre a jurisdição constitucional já se disse

praticamente tudo, seja para defendê-la, seja para criticá-la. Para o bem ou

para o mal, parece que não podemos viver sem ela, pelo menos enquanto não

descobrirmos nenhuma fórmula mágica que nos permita juridificar a política

sem ao mesmo tempo, e em certa medida, politizar a justiça”.312

Embora a tese de Kelsen tenha sido a vencedora, no sentido de a

guarda da Constituição caber a um tribunal constitucional, sendo adotada tanto

no Brasil quanto na maior parte dos países, é possível compatibilizar a

jurisdição constitucional com a democracia procedimental, bastando que seja

observado o princípio da autolimitação judicial.

3.1.2 O ativismo judicial

Segundo Luís Roberto Barroso, “a idéia de ativismo judicial está

associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na

concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no

espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por

meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição

a situações não expressamente contempladas em seu texto e

independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração

de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base

em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da

Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público,

notadamente em matéria de políticas públicas”.313

No plano prático, “o ativismo do juiz atua sobre o comportamento

deste no processo, em busca de um direito judicial, menos submisso às leis ou

312 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 4. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 155. 313 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 283-284.

Page 113: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

113

à doutrina estabelecida e às convenções conceituais. Não importa numa

simples, embora ágil, aplicação da norma e que a deixe inalterada. Nem é

atitude voluntariosa, mas tomada de consciência no presente e diretriz de

decisões futuras”.314

Entre as causas do ativismo judicial, pode-se destacar o incremento

progressivo dos Poderes Legislativo e Executivo, justificando a necessidade de

crescimento do Judiciário, para balanceamento do sistema, bem como a

insatisfação do povo em relação à atuação dos outros ramos do Poder.315

A atuação insatisfatória dos Poderes Executivo e Legislativo talvez

seja o principal motivo do ativismo judicial, oportunidade em que o juiz faz as

vezes do legislador ou do administrador público. Outro problema que fomenta o

ativismo judicial é a crise por que passam os demais Poderes, frequentemente

envolvidos em escândalos dos mais variados tipos, o que aparentemente

legitima a interferência do Poder Judiciário.

Essa interferência, todavia, causa um círculo vicioso, pois o Poder

Executivo e o Legislativo não cumprem a contento suas funções, exigindo a

interferência do juiz, o que estimula a negligência dos Poderes faltantes, que

encontram no Judiciário a solução para as suas incúrias.

O risco que corremos com o ativismo judicial é o desrespeito ao

princípio democrático, pois a legitimidade do Poder Judiciário é apenas indireta,

na medida em que os juízes atuam e decidem de acordo com aquilo que foi

previsto pelo legislador. Ademais, o vácuo deixado pelo administrador ou pelo

legislador, ou a sua atuação desastrada no campo político, não garantem uma

atuação acertada do juiz, que também apresenta as mesmas imperfeições,

pois integrante da mesma sociedade.

O ativismo judicial também pode comprometer o princípio da

separação de poderes, segundo o qual as funções do estado devem ser

exercidas por órgãos distintos, de forma independente e harmônica.

314 LEITE, Evandro Gueiros. Ativismo judicial, Brasília, maio/2008. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/16980/Ativismo_Judicial.pdf?sequence=1>. Acesso em: 25 set. 2010. 315 LEITE, Evandro Gueiros. Ativismo judicial, Brasília, maio/2008. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/16980/Ativismo_Judicial.pdf?sequence=1>. Acesso em: 25 set. 2010.

Page 114: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

114

Embora a separação de poderes tenha como pressuposto a ideia de

limitação e controle, “cada órgão de poder realiza uma atividade,

especializando nela de forma a melhorar a sua eficácia”.316

O objetivo dessa separação é preservar a autonomia e

independência de cada órgão de poder no exercício de suas funções, sem

interferência de um sobre o outro, mas com controles recíprocos, a fim de

evitar o arbítrio.

Esse controle recíproco, todavia, somente se justifica para evitar

abusos, jamais com o propósito de usurpação de poder:

A flexibilização da regra-parâmetro, fato indisputável no direito constitucional contemporâneo, encontra, pois, limites na idéia-fim do princípio: limitação do poder. De outro lado, a interferência de um poder sobre o outro somente será admissível, em tese, quando vise realizar a idéia-fim, seja para impedir abusos de poder, seja para propiciar real harmonia no relacionamento entre os poderes, seja ainda para garantir as liberdades e assegurar o pleno exercício das funções próprias.317

Assim, apenas em caráter excepcional será possível a interferência

de um Poder sobre o outro, já que a ideia de separação de poderes justifica-se

especialmente para prevenir abusos, o que nem sempre ocorre nas situações

de ativismo judicial.

De fato, a justiça não pode regular todos os problemas e dizer,

simultaneamente, a verdade científica histórica, definir o bem político e

responsabilizar-se pela salvação das pessoas. Ela não o pode nem o deve, sob

pena de nos fazer afundar a todos num inferno processual frustrante, estéril e

destruidor que não é desejável por ninguém.318

O ativismo decorre da constitucionalização do direito, que significa o

efeito expansivo das normas constitucionais, cujas regras e princípios se

irradiam por todo o sistema jurídico.

316 AGRA, Walber de Moura. Manual de direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 129. 317 FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Conflito entre poderes: o poder congressual de sustar atos normativos do Poder Executivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994. p. 14. 318 GARAPON, Antoine. O Guardador de promessas: justiça e democracia. Trad. Francisco Aragão. Lisboa: Instituto Piaget, 1998. p. 283.

Page 115: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

115

A constitucionalização é fenômeno positivo, pois é compatível com o

estado democrático e com a maior realização dos direitos fundamentais.

Todavia, a constitucionalização exacerbada pode trazer consequências

negativas, entre elas o esvaziamento do poder das maiorias, pelo

engessamento da legislação ordinária, bem como em face do decisionismo

judicial, potencializado pela textura aberta e vaga das normas

constitucionais.319

Esse estado de constitucionalismo contemporâneo, ou

neoconstitucionalismo, convive com um conflito de caráter geral, que diz

respeito ao próprio papel da Constituição, consubstanciado em duas ideias

antagônicas, quais sejam, o substancialismo e o procedimentalismo:

A primeira delas sustenta que cabe à Constituição impor ao cenário político um conjunto de decisões valorativas que se consideram essenciais e consensuais. Essa primeira concepção pode ser descrita, por simplicidade, como substancialista. Um grupo importante de autores, no entanto, sustenta que apenas cabe à Constituição garantir o funcionamento adequado do sistema de participação democrático, ficando a cargo da maioria, em cada momento histórico, a definição de seus valores e de suas opções políticas. Nenhuma geração poderia impor à seguinte suas próprias convicções materiais. Esta segunda forma de visualizar a Constituição pode ser designada de procedimentalismo.

320

Assim, pode-se perceber que uma visão fortemente substancialista

tenderá a justificar um controle de constitucionalidade mais rigoroso e

abrangente dos atos e normas produzidos no âmbito do estado, ao passo que

uma percepção procedimentalista conduzirá a uma postura mais deferente

acerca das decisões dos Poderes Públicos.321

319 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 391. 320 BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle de políticas públicas. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, n. 15, jan./fev./mar. 2007, p. 7. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf_seguro/artigo_controle_pol_ticas_p_blicas_.pdf>. Acesso em: 02 set. 2010. (Grifo do autor) 321 BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle de políticas públicas. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, n. 15, jan./fev./mar. 2007, p. 9. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf_seguro/artigo_controle_pol_ticas_p_blicas_.pdf>. Acesso em: 02 set. 2010.

Page 116: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

116

Na visão substancialista, o estado democrático de direito depende

muito mais de uma ação concreta do Judiciário do que de procedimentos

legislativos e administrativos, especialmente porque os Poderes Executivo e

Legislativo não cumprem os programas especificados na Constituição, visando

a uma sociedade mais justa, a erradicação da pobreza etc., razão pela qual, na

falta de políticas públicas cumpridoras dos ditames do estado democrático,

surge o Judiciário como instrumento para o resgate dos direitos não

realizados.322

Todavia, em um estado democrático, não se pode pretender que a

Constituição invada o espaço da política em uma versão de substancialismo

radical e elitista, em que as decisões políticas são transferidas, do povo e de

seus representantes, para os juristas e operadores do direito em geral, uma

vez que a definição dos gastos públicos é um momento de deliberação político-

majoritária, ainda que essa deliberação não esteja livre de alguns

condicionantes político-constitucionais.323

3.1.3 A autolimitação judicial

Segundo Canotilho, “o princípio da autolimitação judicial é outro dos

princípios importados da jurisprudência norte-americana e fundamentalmente

reconduzível ao seguinte: os juízes devem autolimitar-se à decisão de

questões judiciais e negar a justiciabilidade das questões políticas. O princípio

foi definido pelo juiz Marshall como significando haver certas ‘questões

políticas’ da competência do Presidente, em relação às quais não pode haver

controlo jurisdicional.”324

Barroso esclarece que “o oposto do ativismo é a auto-contenção

judicial, conduta pela qual o Judiciário procura reduzir ao mínimo sua

interferência nas ações dos outros Poderes. Por essa linha, juízes e tribunais (i) 322 STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m) crise: uma exploração hermenêutica da construção do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999. p. 38. 323 BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle de políticas públicas. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, n. 15, jan./fev./mar. 2007, p. 13-14. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br/pdf_seguro/artigo_controle_pol_ticas_p_blicas_.pdf>. Acesso em: 02 set. 2010. 324 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1308-1309. (Grifo do autor)

Page 117: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

117

evitam aplicar diretamente a Constituição a situações que não estejam no seu

âmbito de incidência expressa, aguardando o pronunciamento do legislador

ordinário; (ii) utilizam critérios rígidos e conservadores para a declaração de

inconstitucionalidade de leis e atos normativos; e (iii) abstêm-se de interferir na

definição das políticas públicas.”325

Todavia, a autolimitação ou autocontenção judicial (self-restraint)

cada vez é menos praticada pela justiça brasileira, pois a tendência é no

sentido de se alargar o âmbito de atuação do Judiciário em nome da

inafastabilidade da tutela jurisdicional, com a consequente restrição do

exercício da política pelos verdadeiros titulares, em desprestígio ao princípio

democrático.

A atuação do Poder Judiciário pode advir de três situações distintas,

a saber: quando não há manifestação do legislador/administrador; quando há

manifestação, mas em desacordo com norma constitucional; quando há

manifestação, mas moralmente questionável.

Como guardião da Constituição, o Judiciário pode analisar a

constitucionalidade das leis, atos normativos e administrativos, mas somente

quando em flagrante desacordo com norma constitucional. Nas demais

hipóteses, deve remeter a matéria ao foro apropriado, em homenagem ao

princípio democrático, uma vez que não lhe cabe exercer preferências políticas.

Com efeito, a postura de autolimitação decorre da falta de

legitimidade democrática do julgador para decidir sobre escolhas feitas pelo

povo, na pessoa de seus representantes legais, os quais foram

democraticamente eleitos para defender os interesses da sociedade.

A lógica própria do ordenamento jurídico brasileiro indica um

crescente movimento de limitação dos tribunais, motivado pelo bom

funcionamento dos arranjos institucionais, pois se o “funcionamento dos

poderes é adequado, não há por que promover a intervenção do Judiciário na

atuação do Executivo ou do Legislativo, não há por que proporcionar a

325 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 285.

Page 118: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

118

supremacia do poder eminentemente jurídico sobre as manifestações típicas

da política”.326

Assim, ainda que sob a égide da jurisdição constitucional, em que é

dado ao Poder Judiciário analisar a constitucionalidade das leis e atos

normativos, não é possível ao juiz apreciar algumas matérias sujeitas ao juízo

do administrador ou legislador, sob pena de ofensa ao princípio da separação

de poderes.

A fim de compatibilizar a jurisdição constitucional com o princípio

democrático, deve o Judiciário compreender que existem matérias que não

devem ser judicializadas, pois atinentes à competência dos demais Poderes.

3.1.4 O controle das políticas públicas

Alcindo Gonçalves apresenta uma série de definições de políticas

públicas, esclarecendo que elas constituem-se em ações de governo e tendem

a focalizar o estado como agente central de sua promoção. Traz o conceito

formulado por Fábio Konder Comparato, para quem política pública significa

um conjunto de normas tendentes à realização de um objetivo determinado.

Apresenta, ainda, o conceito formulado por Paulo Renato Flores Durán,

segundo o qual política pública é a busca explícita e razoável de um objetivo

graças à alocação adequada de meios onde a utilização razoável deve produzir

consequências positivas.327

Como agente encarregado de implementar políticas públicas, o

estado passou a ter um papel assistencialista, de promotor do bem-estar social.

É o chamado Welfare State, construção europeia desenvolvida principalmente

após a segunda guerra mundial, cuja responsabilidade é no sentido de garantir

o bem-estar básico dos cidadãos.328

Eros Roberto Grau esclarece que “a expressão políticas públicas

designa todas as atuações do Estado, cobrindo todas as formas de intervenção

326 HORBACH, Carlos Bastide. Controle judicial da atividade política: as questões políticas e os atos de governo. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 46, n. 182, p. 7-16, abr./jun. 2009, p. 16. 327 GONÇALVES, Alcindo. Políticas públicas e a ciência política. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (Org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 75. 328 GONÇALVES, Alcindo. Políticas públicas e a ciência política. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (Org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 77.

Page 119: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

119

do poder público na vida social. E de tal forma isso se institucionaliza que o

próprio direito, neste quadro, passa a manifestar-se como uma política pública

– o direito é também, ele próprio, uma política pública”.329

Por outro lado, de acordo com a clássica teoria da separação de

poderes, adotada pela maior parte das Constituições, inclusive a brasileira, a

função de administrar a coisa pública cabe ao Poder Executivo, que deve

implementar as políticas públicas para promover o bem-estar social, muito

embora não se negue ao Judiciário o direito de, excepcionalmente, interferir na

sua execução por meio do julgamento das ações que lhe são endereçadas.

Quer-se aqui dizer, apenas, que compete ao Poder Executivo,

primordialmente, a função de administrar a coisa pública e, consequentemente,

implementar as políticas públicas em benefício da coletividade.

Assim, considerando que a função de implementar políticas públicas

pertence ao Poder Executivo, bem como que tais políticas constavam – ou

deveriam constar – em um programa de governo previamente elaborado, que

foi inclusive a causa do sucesso nas eleições, pode-se concluir que somente

nos casos em que as políticas públicas prometidas não estiverem sendo

executadas deverá o Judiciário interferir.

Em princípio, o acerto ou desacerto da política pública adotada não

poderá ser objeto de controle judicial, especialmente porque o governante foi

eleito e representa a vontade popular, sob pena de afronta ao princípio

democrático, salvo nos casos de políticas públicas teratológicas ou em

flagrante contrariedade à Constituição.

Portanto, a jurisdicidade das políticas públicas deve ser analisada

com cautela pelo Poder Judiciário, conforme adverte Gustavo Franco:

Levar as políticas públicas para o Judiciário, buscando nelas identificar algum ângulo geralmente fictício de “irregularidade”, é questionar as escolhas do eleitor, levando o resultado das urnas para o “tapetão” e criando, desta forma, a tão perniciosa insegurança jurídica. Trata-se aí de servir-se do Judiciário para criar embaraços às políticas do adversário político de forma a constranger, denegrir e procrastinar. Democracia é diversidade, temperada por tolerância,

329 GRAU, Eros Roberto. O Direito posto e pressuposto. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 26. (Grifo do autor)

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120

esta, por sua vez, deve ser administrada com sabedoria pelo Judiciário.330

Portanto, o controle judicial sobre as políticas públicas seria

impróprio, uma vez que a formulação das políticas públicas cabe, em regra, ao

Poder Executivo, dentro de marcos definidos pelo Poder Legislativo, conforme

lição de Canotilho:

O relevo modesto da inconstitucionalidade por omissão prova as dificuldades do controlo das políticas públicas. Estas reconduzem-se fundamentalmente a um conjunto de decisões e ações adoptadas pelo Governo para influir sobre o problema. Os juízes não se podem transformar em conformadores sociais, nem é possível, em termos democrático processuais, obrigar juridicamente os órgãos políticos a cumprir um determinado programa de ação. Pode censurar-se, através do controlo de constitucionalidade, actos normativos densificadores de uma política de sinal contrário à fixada nas normas-tarefa da Constituição. Mas a política deliberativa sobre as políticas da República pertence à política e não à justiça.331

A polêmica sobre o controle judicial de políticas públicas pode ser

sintetizada na seguinte indagação: “uma vez que a política pública é expressão

de um programa de ação governamental, que dispõe sobre os meios de

atuação do Poder Público – e, portanto, com grande relevo para a

discricionariedade administrativa, amparada pela legitimidade da investidura do

governante no poder –, como pode, e até que ponto, o Poder Judiciário

apreciar determinada política pública sem que isso represente invasão indevida

na esfera própria da atividade política de governo?”332

A resposta a tal indagação foi dada por Luís Roberto Barroso, ao

tratar do tema concernente ao direito à saúde, que pode ser atendido por meio

de variadas políticas públicas, a cargo dos respectivos representantes eleitos

pelo povo:

330 Ao prefaciar a seguinte obra: TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito & economia. 2. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 17. 331 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 946. 332 BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito. In: BUCCI, Maria Paula Dallari (Org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 23.

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121

Esse primeiro parâmetro decorre também de um argumento democrático. Os recursos necessários ao custeio dos medicamentos (e de tudo o mais) são obtidos através da cobrança de tributos. E é o próprio povo – que paga os tributos – quem deve decidir preferencialmente, por meio de seus representantes eleitos, de que modo os recursos públicos devem ser gastos e que prioridades serão atendidas em cada momento. A verdade é que os recursos públicos são insuficientes para atender a todas as necessidades sociais, impondo ao Estado a necessidade permanente de tomar decisões difíceis: investir recursos em determinado setor sempre implica deixar de investi-los em outros. A decisão judicial que determina a dispensação de medicamento que não consta das listas em questão enfrenta todo esse conjunto de argumentos jurídicos e práticos.333

Com efeito, o acerto ou não da política pública adotada deve ser

resolvido na seara apropriada – nas urnas ou por meio da manifestação

popular, por exemplo, em respeito ao princípio democrático –, sob pena de o

Judiciário transformar-se em administrador público, em afronta ao princípio da

separação de poderes.

De fato, nos estados democráticos, a escolha dos governantes, bem

como dos respectivos programas de governo, cabe ao povo, que os elege – ou

deveria elegê-los – com base no perfil do candidato, que inclui a sua propensão

a desenvolver determinadas políticas públicas, conforme o programa do partido

do qual ele faz parte.

Assim, por meio do voto, o povo elege o governante levando em

conta também a política pública prometida, de sorte que a execução daquela

determinada política pública representa a opção popular, que não deve ser

afastada, salvo quando em flagrante confronto com a Constituição.

A interferência do Judiciário somente pode ser considerada legítima

quando o administrador deixa de executar as propostas de governo e as

políticas públicas por ele prometidas ou quando as políticas públicas adotadas

afastam-se flagrantemente da Constituição.

Ademais, o ato de gerir a coisa pública exige do administrador

escolhas difíceis, pois a escassez de recursos obriga-o a privilegiar

determinadas políticas públicas em detrimento de outras, mostrando-se inviável

333 BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. Revista Jurídica UNIJUS, Uberaba, v. 11, n. 15, p. 13-38, nov./2008, p. 31. Disponível em: <http://www.uniube.br/publicacoes/unijus/arquivos/unijus_15.pdf>. Acesso em: 16 dez. 2010.

Page 122: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

122

censurar ou responsabilizar a Administração Pública por situações que

escapam da sua capacidade orçamentária.

A ideia da reserva do possível está incorporada na tradição

ocidental, assentando-se na constatação de que a obrigação impossível não

pode ser exigida (Impossibilium nulla obligatio est - Celso, D. 50, 17, 185), de

sorte que a insuficiência de recursos orçamentários não pode ser considerada

uma mera falácia.334

Realmente, a reserva do possível representa um óbice a uma

perfeita implementação de políticas públicas, cuja limitação decorre da

insuficiência de recursos para a realização de todas as prestações materiais a

cargo do estado, de sorte que o atendimento de determinados direitos sociais

acabaria por impedir a realização de outras prestações materiais.335

Portanto, a plena eficácia dos direitos sociais deve ser analisada à

luz do princípio da reserva do possível, ou seja, os pleitos deduzidos em face

do estado devem ser logicamente razoáveis e, acima de tudo, é necessário que

existam condições financeiras para o cumprimento de obrigações por parte

dele, de nada adiantando ordem judicial que não possa ser cumprida pela

Administração por falta de recursos.336

Contudo, não basta por parte do estado a simples alegação de

insuficiência de recursos, mas a comprovação de sua real inexistência, também

chamada de exaustão orçamentária.

Conforme esclarece Eros Roberto Grau, a exaustão orçamentária “é

a situação que se manifesta quando inexistirem recursos suficientes para que a

Administração possa cumprir determinada ou determinadas decisões judiciais.

Não há, no caso, disponibilidade de caixa que lhe permita cumpri-las”.337

334 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial n.º 1185474/SC, Relator: Ministro Humberto Martins, Brasília, 2010, julgado em 20/04/2010, Diário da Justiça eletrônico de 29/04/2010. 335 BITTENCOURT, Marcus Vinicius Corrêa. Estudos de direito público. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 101. 336 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n.º 28.962/MG, Relator: Ministro Benedito Gonçalves, Brasília, 2009, julgado em 25/08/09, Diário de Justiça eletrônico de 03/09/2009. 337 GRAU, Eros Roberto. Despesa pública: conflito entre princípios e eficácia das regras jurídicas: o princípio da sujeição da administração às decisões do poder judiciário e o princípio da legalidade da despesa pública. Revista Trimestral de Direito Público, São Paulo, n. 2, p. 130-148, 1993, p. 144.

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123

Todavia, existindo o problema da escassez de recursos, para a

definição do patamar mínimo a permitir a superação da limitação imposta pela

reserva do possível, o parâmetro demarcatório é o princípio da dignidade da

pessoa humana, o qual representaria o verdadeiro limite à restrição dos direitos

sociais, de sorte que na esfera das condições existenciais mínimas encontra-se

um claro limite à liberdade de conformação do legislador.338

Por outro lado, conforme entendeu o tribunal alemão, “a prestação

reclamada deve corresponder ao que o indivíduo pode razoavelmente exigir da

sociedade, de tal sorte que, mesmo em dispondo o estado de recursos e tendo

poder de disposição, não se pode falar em uma obrigação de prestar algo que

não se mantenha nos limites do razoável”.339

Assim, se por um lado a aplicação da teoria da reserva do possível

implica reconhecer a inexistência de supremacia absoluta dos direitos

fundamentais em toda e qualquer situação, por outro pode-se afirmar a

inexistência da supremacia absoluta do princípio da limitação orçamentária

como óbice à efetivação dos direitos fundamentais.

Com efeito, as políticas públicas destinam-se a promover, também,

os direitos sociais, que demandam uma atuação positiva do estado, razão pela

qual devem ter um desenvolvimento progressivo em face das limitações

impostas pela ideia da reserva do possível:

Estes direitos sociais prestacionais que são de cunho programático, não gozam da máxima efetividade, sujeitando-se, portanto, ao limite da reserva do possível, uma vez que só podem ser concretizados através de condições econômicas, sociais e culturais que fogem a alçada do constituinte e, também do legislador ordinário. Muitas vezes necessitam, inclusive, também da presença do Executivo para sua efetividade, em especial, indicando as fontes de recursos que irão fazer frente às despesas decorrentes da execução de tal programa. Assim, de nada adianta apenas haver uma lei ou uma norma constitucional que pretenda declarar o direito ao trabalho, à educação, para que todos possam alcançar tais direitos, para que

338 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos direitos fundamentais. 2. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 323. 339 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos direitos fundamentais. 2. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 265.

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124

todos possam ter trabalho, escola, emprego. Os direitos econômicos, sociais e culturais dependem de uma realidade.340

Tanto é assim que a própria Convenção Americana Sobre Direitos

Humanos, em seu artigo 26, preconiza que os estados signatários

comprometem-se a adotar providências, tanto no âmbito interno como

mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim

de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem

das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura,

constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo

Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via

legislativa ou por outros meios apropriados.

Portanto, as políticas públicas adotadas pelo administrador podem

não atender satisfatoriamente os direitos sociais, mas nem por isso devem ser

afastadas e substituídas por outras pelo Poder Judiciário, sob a simples

alegação de seu desacerto, salvo quando, vale a pena repetir, forem

teratológicas ou fragrantemente contrárias à Constituição Federal.

Assim, quando a política pública adotada for razoável, não é lícito ao

Judiciário afastá-la para atender interesses individuais, em prejuízo do coletivo,

semeando a anarquia nas contas públicas.

De fato, a título de exemplo, em quatro anos, os gastos do Ministério

da Saúde foram multiplicados 138 vezes, cujo salto não se deve somente à

maior atenção para com o setor, mas também é o resultado de ações

judiciais341, o que não significa melhora no sistema de saúde como um todo,

mas mostra que a interferência do Judiciário nas políticas públicas deve ser

feita com cautela, sob pena de inviabilizar o orçamento público.

Todavia, nas hipóteses em que o Poder Judiciário está legitimado a

agir, após a provocação da parte interessada, a sua atuação deve ser eficaz e

tempestiva, já que um direito fundamental pode estar sendo desrespeitado.

340 NICZ, Alvacir Alfredo. Os Direitos fundamentais na ordem constitucional. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, n. 38, p. 75-81, 2003, p. 80. 341 Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial. Direito e economia. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 56.

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125

Nesses casos, eventual morosidade da justiça causará sérios

prejuízos ao desenvolvimento social, especialmente porque o Poder Judiciário

não funcionará como garantidor de direitos fundamentais. Ao contrário, ele

próprio será o responsável pela ofensa a um direito fundamental, qual seja, o

direito à razoável duração do processo.

3.2 A morosidade da justiça e o desenvolvimento social

Desenvolvimento social é o processo pelo qual se desenvolve o fator

humano na sociedade, incluindo “a promoção dos direitos humanos

fundamentais, a participação no processo de decisão política e em todos os

esforços que objetivem um desenvolvimento global visando alcançar justiça e

bem-estar para todos, sem que nenhum segmento social seja marginalizado

desse processo”.342

Ele decorre da melhora da qualidade de vida da população, a partir

da constatação da melhoria de índices de saúde, trabalho, educação,

expectativa de vida, que indicam a existência de vida digna para as pessoas:

A palavra desenvolvimento possui dois significados: refere-se a qualquer processo de crescimento ou mudança e, ao mesmo tempo, significa um especial tipo de crescimento semelhante ao modelo dos países desenvolvidos. Assim, no segundo sentido, alguns países são subdesenvolvidos, mas, no primeiro, todos os países vêm se desenvolvendo de alguma forma. Por sua vez, desenvolvimento compreende mais do que considerações materialistas, econômicas ou quantitativas, é mais do que mera acumulação de capital, porque tem uma dimensão qualitativa que, embora difícil de mensurar, é importante reconhecer. A busca do desenvolvimento pelos países implica mais do que uma mera luta pela melhoria das condições materiais dos seus cidadãos, porque além de um ambiente que garanta bens e serviços aos nacionais, os Direitos Humanos e o desenvolvimento sustentável devem ser implementados, bem como a busca da identidade cultural e de relações externas, através do comércio internacional, investimentos nacionais e estrangeiros, que incluam na atividade produtiva os setores excluídos da população, de forma digna e sustentável. São requisitos, portanto, que colaboram para a melhoria dos índices de saúde, educação, habitação e trabalho.343

342 FULGENCIO, Paulo Cesar. Glossário vade mecum: administração pública, ciências contábeis, direito, economia, meio ambiente: 14.000 termos e definições. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007. p. 201. 343 CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 98.

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Segundo o IBGE, diz-se que um país é socialmente desenvolvido

quando a sua população tem um ótimo nível de qualidade de vida. Mas o

"ótimo" é sempre relativo a um "menos ótimo", o que significa que só a

comparação entre duas ou mais populações é que permite avaliar o nível de

desenvolvimento social de um país. Então, o que deve ser considerado para se

fazer a avaliação? Em primeiro lugar, a proporção de pessoas que têm as suas

necessidades básicas satisfeitas (alimentação necessária para atender aos

requisitos nutricionais mínimos, trabalho, escola, hospital e assistência médica,

moradia servida de água tratada, esgotamento sanitário, energia elétrica e

coleta de lixo). Em segundo lugar, a comparação dessas proporções entre

países, ou entre regiões de um mesmo país.344

De acordo com o pensamento econômico ortodoxo, todos os

esforços devem ser voltados para o crescimento econômico, ou seja, para o

aumento do produto bruto e do produto per capita, uma vez que alcançando as

metas de crescimento, todo o restante resolve-se.345

Todavia, embora o crescimento econômico seja fundamental, não é

verdade que ele sozinho seja capaz de produzir desenvolvimento social, já que

se estaria transformando um meio fundamental em um fim último.346

De fato, economias do Leste Asiático, a começar pelo Japão,

buscaram mais cedo a expansão em massa da educação e saúde mesmo

antes de romper os grilhões da pobreza generalizada.347

José Eli da Veiga contesta a relação do desenvolvimento com o

crescimento econômico, já que tudo vai depender de como o crescimento

raquítico será utilizado pela sociedade, de sorte que se mostra errado deduzir

de forma simplória que não há desenvolvimento sem crescimento econômico:

344 Extraído do site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, disponível em: <http://www.ibge.gov.br/ibgeteen/duvidas/desenvolvimentosocial.html>. Acesso em: 15 dez. 2010. 345 KLIKSBERG, Bernardo. Falácias e mitos do desenvolvimento social. São Paulo: Cortez, 2001. p. 21-22. 346 KLIKSBERG, Bernardo. Falácias e mitos do desenvolvimento social. São Paulo: Cortez, 2001. p. 24. 347 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Trad. de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 58.

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Chocante ilustração desse fenômeno está na trajetória de elevação da expectativa de vida na Inglaterra no século passado. Não há característica mais elementar do processo de desenvolvimento do que a capacidade das pessoas sobreviverem em vez de sucumbirem à morte prematura. Ora, contrariamente ao que diriam os que supõem que o desenvolvimento seja diretamente proporcional ao crescimento, a longevidade dos ingleses aumentou bem mais em períodos de crescimento medíocre. A expectativa de vida aumentou 6,5 anos no período 1911-21 e 6,8 anos no período 1940-51, mais do que o dobro do que aumentou nas décadas de 1920 e de 1950. Ou seja, um dos melhores indicadores de desenvolvimento avançou mais em duas circunstâncias bem adversas, com racionamento alimentar, dificuldades higiênicas e morticínio. Bastam rápidas consultas aos já clássicos "Phases of capitalist development", de Angus Madison, e "Causes of death", de S. Preston et al., para perceber que as décadas de mais rápida expansão da expectativa de vida na Inglaterra do século XX foram esses dois períodos de crescimento muito lento do PIB per capita. E a explicação desse aparente paradoxo está no fato de que foram conjunturas de alta coesão social entre os britânicos. Períodos que exigiram intensa solidariedade no enfrentamento das dificuldades impostas pelas duas guerras mundiais.348

A ideia de desenvolvimento sempre esteve atrelada à de aumento

da produção, porém hoje ninguém mais confunde aumento da produção com

melhoria do bem-estar social:

O conceito de desenvolvimento surgiu com a idéia de progresso, ou seja, de enriquecimento da nação, conforme o título do livro de Adam Smith, fundador da Ciência Econômica. O pensamento clássico, tanto na linha liberal como na marxista, via no aumento da produção a chave para melhoria do bem-estar social, e a tendência foi de assimilar o progresso ao produtivismo. Hoje, já ninguém confunde aumento da produção com melhoria do bem-estar social. Mede-se o desenvolvimento com uma bateria de indicadores sociais que vão da mortalidade infantil ao exercício das liberdades cívicas. Desse ponto de vista, o Brasil apresenta um quadro muito pouco favorável, pois é um dos países em que é maior a disparidade entre o potencial de recursos e a riqueza já acumulada, de um lado, e as condições de vida da grande maioria da população, de outro. O crescimento econômico pode ocorrer espontaneamente pela interação das forças do mercado, mas o desenvolvimento social é fruto de uma ação política deliberada. Se as forças sociais dominantes são incapazes de promover essa política, o desenvolvimento se inviabiliza ou assume formas bastardas.349

348 VEIGA, José Eli da. A Emergência socioambiental. São Paulo: Editora Senac, 2007. p. 20. 349 FURTADO, Celso Monteiro. Entrevista concedida a Ciro Biderman. In: BIDERMAN, Ciro; COZAC, Luis Felipe L; REGO, José Marcio. Conversas com economistas brasileiros. 1. ed. São Paulo: Editora 34, 1996. p. 64.

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A atuação do sistema judicial provoca efeitos positivos ou negativos

no desenvolvimento social. De fato, muitos países em desenvolvimento

possuem sérios problemas de segurança jurídica, frequentemente combinados

com corrupção e impunidade, tornando os ambientes social e econômico

bastante inseguros.350

O Direito apresenta-se e vale como um instrumento de organização

social, que deve ser colocado a serviço da sociedade e dos homens que a

compõem, para facilitar e viabilizar uma forma de estrutura e relações sociais

que assegurem a todos os indivíduos o seu pleno desenvolvimento humano,

dentro de uma sociedade capaz de promovê-lo e assegurá-lo.351

O desenvolvimento, dentro do contexto Direito e Desenvolvimento, é

um eufemismo para o progresso social, onde em função do desenvolvimento

possam existir melhorias nos índices de saúde, educação, habitação e

trabalho.352

Por outro lado, o Direito reflete o estágio histórico vivido pela

sociedade, razão pela qual o normal seja a sociedade reformar a lei, pois

conforme adverte Jean Cruet, se “vê todos os dias a sociedade reformar a lei;

nunca se viu a lei reformar a sociedade”.353

Todavia, é possível a lei mudar a sociedade, pois o Direito pode ser

visto também como um instrumento de transformação social, não se podendo

desprezar a influência das decisões judiciais, especialmente quando

impregnadas de inegável ativismo:

Certo é que a vontade impulsiona predominantemente a evolução social. Mas é de ter-se igualmente por inegável que o Direito pode mudar ou apressar o curso dessa evolução, a exemplo do que ocorre, verbi gratia, com as mutações de natureza constitucional e com as leis que modificam substancialmente o direito positivo. E igualmente não se pode desprezar a influência das decisões judiciais, notadamente quando estas são tocadas pelo ativismo, como

350 CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 370. 351 MONREAL, Eduardo Novoa. El Derecho como obstáculo al cambio social. 14. ed. México: Siglo Veintiuno, 2002. p. 17. 352 CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 63. 353 Apud: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Compromisso com o direito e a justiça. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 127.

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129

exemplifica a Suprema Corte dos Estados Unidos, com notória repercussão naquele País.354

Pesquisas realizadas pelo Banco Mundial indicam que a falta de um

sistema judiciário é vista como o terceiro maior obstáculo para o

desenvolvimento do setor privado, depois da inflação e da falta de

infraestrutura básica, sendo que os requisitos para um sistema judicial eficaz

incluem: resultados relativamente previsíveis dos tribunais; acessibilidade da

população aos tribunais, independentemente do nível de renda; prazo razoável

para o julgamento; remédios jurídicos adequados.355

Ademais, um sistema judicial eficiente possibilita maior controle e

fiscalização das relações do mercado, bem como maior efetividade na

aplicação das normas de direito econômico, penal e administrativo em caso de

ilícitos dessa natureza. Por outro lado, a ineficiência do sistema judicial provoca

um clima de insegurança jurídica na sociedade e na economia, inibindo a

atividade econômica e o desenvolvimento social.356

A relação entre desenvolvimento social e sistema judicial e jurídico é

relevante para aferir-se o grau de desenvolvimento, pois quanto mais ordenado

e uniforme forem tais sistemas, maior será a coincidência da aplicação da lei

com a realidade do cotidiano da sociedade, de sorte que quanto mais

desenvolvidos forem os sistemas jurídico e judicial de uma nação, maior será o

seu desenvolvimento econômico, social e político.357

Por sua vez, o Poder Judiciário assume a função de guardião da

cidadania, por meio de uma postura compatível com a evolução do direito e da

sociedade, na busca do desenvolvimento social e da preservação da dignidade

humana:

354 TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Compromisso com o direito e a justiça. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 128. 355 BUSCAGLIA, Edgardo; RATLIFF, William. Law and economics in developing countries. Stanford: Hoover Institution, 2000. p. 56-57. 356 CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 33. 357 CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 104-105.

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Um Judiciário, enfim, mais próximo dos nossos ideais: dinâmico, ágil, responsável, eficaz, eficiente, impregnado de humanismo, que veja na norma mais a sua legitimidade que o aspecto formal da legalidade, que priorize os princípios fundamentais no confronto com os preceitos, que entenda que o Direito, como qualquer obra humana, como lembrava no passado Radbruch, só pode ser compreendido se vinculado a valores.358

O Judiciário deve estar sintonizado com a evolução da sociedade,

ou seja, com a “constante preocupação pelas aspirações sociais, pelos fatos e

valores que devem se integrar na unidade harmônica da norma jurídica”.359

Ademais, o processo é o mecanismo pelo qual o estado entrega a

tutela jurisdicional, sendo o conjunto de atos tendentes à composição da lide,

do ponto de vista científico, e o instrumento de efetivação das garantias

constitucionalmente asseguradas, sob o ponto de vista da cidadania.360

Portanto, um sistema judicial eficiente produz subsídios para o

desenvolvimento social, pois propicia uma eficaz arrecadação tributária, bem

como melhores serviços públicos e de infraestrutura, gera empregos, incentiva

investimentos, tanto internos como externos, produzindo o crescimento

econômico e a redução das taxas de juros.361

Uma das variáveis do desenvolvimento social é o trabalho, que para

existir precisa de investimento, o qual depende de um ambiente institucional

que possibilite a segurança jurídica.362

Todavia, a descrença nas instituições do sistema judicial tem

provocado repercussões negativas no desenvolvimento social e econômico, em

razão da consequente inibição dos investimentos, impedindo a redução das

taxas de desemprego.363

358 TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Compromisso com o direito e a justiça. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 129. 359 REALE, Miguel. Miguel Reale na UnB: conferências e comentários de um seminário realizado de 9 a 12 de junho de 1981. Brasília: Editora UnB, 1981. p. 139. 360 TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo. Compromisso com o direito e a justiça. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 40. 361 FARIA, Ana Maria Jara Botton. Judiciário & economia: equação desejada e necessária. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 2, n. 2, jun./dez. 2007. Disponível em: <http://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/viewFile/86/75>. Acesso em: 13 dez. 2010. 362 CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 372. 363 CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 32.

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131

Com efeito, segundo o Consultor Internacional de Justiça Robert

Sherwood, autor de uma pesquisa mundial sobre o impacto econômico do

funcionamento da justiça, se o Poder Judiciário funcionasse bem no Brasil os

investimentos estrangeiros aumentariam em 12% e o emprego cresceria

18%.364

Assim, a ineficiência do sistema judicial é uma das causas do

subdesenvolvimento social, mas não a única, pois há outras variáveis, como as

de natureza política, a saber: sistema político clientelista; sistema eleitoral com

sub-representação dos estados-membros mais populosos; sistema partidário

complexo e inibidor de vínculos dos representantes com os representados; falta

de independência e democratização do Poder Judiciário. Também há causas

de natureza econômico-institucional para o subdesenvolvimento social, quais

sejam: sistema tributário ineficiente e irracional; burocracia excessiva; juros

exorbitantes; infraestrutura de serviços cara e precária; falta de competitividade

sistêmica, que dificulta o desenvolvimento da atividade econômica ao inibir os

investimentos.365

Uma das contribuições que o Poder Judiciário eficiente pode dar

para o desenvolvimento social é a guarda dos direitos humanos, pois o

problema atual não é a sua fundamentação, mas simplesmente a sua proteção:

Com efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.366

364 Apud: LEAL, Rogério Gesta. Impactos econômicos e sociais das decisões judiciais: aspectos introdutórios. Brasília: ENFAM, 2010. p. 41. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/download.wsp?tmp.arquivo=1768>. Acesso em: 05 jan. 2011. 365 CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 31. 366 BOBBIO, Norberto. A Era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campos, 1992. p. 25.

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132

Portanto, o Poder Judiciário tem um papel fundamental na guarda

dos direitos do homem, já que não basta simplesmente declará-los, mas

principalmente garantir que tenham efetividade.

Por força do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional,

todos têm acesso à justiça para pleitear tutela jurisdicional preventiva ou

reparatória de direito individual, coletivo, difuso ou até individual homogêneo,

constituindo um direito público subjetivo, decorrente da assunção estatal de

administração da justiça, conferido ao homem para invocar a prestação

jurisdicional, relativamente ao conflito de interesse qualificado por uma

pretensão irresistível.367

Assim, a judicialização faz parte do amadurecimento da sociedade,

que está cada vez mais ciente de seus direitos e não poupa esforços em

recorrer ao Judiciário quando eles forem desrespeitados, tendo o Judiciário o

poder-dever de garantir a efetivação dos direitos do homem, quando houver

desrespeito por quem quer que seja:

O Judiciário é o poder naturalmente encarregado de cumprir essa missão de concretizar, densificar e realizar praticamente as mensagens normativas da Constituição. E o constituinte brasileiro de 1988 o proveu de condições para bem se desincumbir da empresa. Dotou-o de independência frente aos demais poderes, de autonomia administrativa e financeira e cometeu ao órgão máximo da Justiça a guarda precípua da própria Constituição. Além de todos os direitos fundamentais assegurados na Constituição dependerem do Judiciário para sua efetiva concretização, a exata compreensão do papel dos princípios fará com que o Juiz possa implementar todas as mensagens normativas da Carta. A adoção de um texto fundante principiológico é eloqüente prova de que o Estado-Nação brasileiro pretendeu confiar ao intérprete da Constituição a missão de adensar, aprimorar e concretizar a vontade constituinte.368

O desenvolvimento social passa pela concretização dos direitos

assegurados na Constituição, sendo que somente um Judiciário efetivo pode

garantir que tais direitos sejam respeitados.

367 BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição federal anotada. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 178. 368 NALINI, José Renato. Ética em tempos de crise. Revista dos Tribunais, São Paulo, a. 88, n. 760, p. 461-471, fev./1999, p. 466.

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133

De fato, cabe ao Poder Judiciário garantir e efetivar o pleno respeito

aos direitos humanos fundamentais, como guardião das leis, não podendo a lei

excluir de sua apreciação qualquer lesão ou ameaça de direito.369

Conforme já visto, existe uma diferenciação entre direitos humanos e

direitos fundamentais. A expressão direitos humanos tem relação com os

documentos de direito internacional, pois se refere às posições jurídicas que

reconhecem o ser humano como tal, sem vinculação à determinada ordem

constitucional de um estado, razão pela qual são universalmente válidos e têm

caráter supranacional. Os direitos fundamentais, por sua vez, são os direitos

humanos reconhecidos e positivados na esfera constitucional de um

determinado estado.370

Assim, a diferença entre direitos humanos e direitos fundamentais

está ligada à fonte das quais esses direitos provenham: os direitos humanos

são aqueles reconhecidos pela ordem internacional, enquanto os direitos

fundamentais são reconhecidos pela ordem interna (direito positivo) de

determinado estado.

A doutrina classifica os direitos fundamentais em três categorias,

com base na ordem cronológica de seu reconhecimento constitucional. Os

direitos fundamentais de primeira geração são os direitos individuais e políticos

clássicos (liberdades públicas), surgidos a partir da Magna Charta. Os direitos

fundamentais de segunda geração compreendem os direitos econômicos,

sociais e culturais. Já os direitos fundamentais de terceira geração (direitos de

solidariedade ou fraternidade) englobam os direitos difusos, como o direito ao

meio ambiente equilibrado, saudável qualidade de vida, progresso, paz,

autodeterminação dos povos.371

369 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da constituição da república federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 52. 370 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 35-36. 371 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da constituição da república federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 45. Segundo Paulo Bonavides há, ainda, os direitos fundamentais de quarta geração, que compreendem o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Cf.: BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 524.

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134

O direito a um ambiente saudável e o direito ao desenvolvimento

foram incluídos como terceira geração de direitos humanos, tendo sido

inclusive reconhecidos na declaração adotada pela Assembleia Geral das

Nações Unidas de 1986, bem como na Declaração da Conferência Mundial de

Direitos Humanos, realizada em Viena em 1993, que ratifica o direito ao

desenvolvimento e ressalta a importância do ambiente institucional para a sua

implementação.372

Por outro lado, os direitos fundamentais podem ser divididos em dois

grupos, a saber: direitos de defesa (negativos) e direitos a prestações

(positivos). Os direitos de defesa pressupõem a abstenção do estado frente às

liberdades dos indivíduos, enquanto os direitos prestacionais reclamam a

prática de atos concretos por parte do Poder Público.373

Todavia, os direitos de defesa não demandam apenas a atuação

negativa do estado, pois ele precisa garantir a manutenção da ordem pública e

a segurança da sociedade para que as liberdades públicas sejam exercidas,

razão pela qual em alguns direitos de liberdade o estado tem obrigações

específicas de caráter positivo:

No tipo constitucional de Estado Social de Direito, direitos de liberdade e direitos sociais são direitos fundamentais, pois constando da Constituição, não ficam mais à mera vontade do legislador ordinário. Entretanto, são direitos de estrutura diversa e de eficácia bem diferentes. Os direitos de liberdade são direitos negativos, mas não são puros direitos negativos, uma vez que em relação a muitos desses direitos de liberdade há consciência de que não basta ao Estado respeitar ou abster-se ao não fazer para que a liberdade possa ser exercida ou garantida. O Estado tem uma obrigação de manutenção de ordem pública, de dar segurança à sociedade. Esta é uma obrigação positiva do poder público. Quando o Estado afirma que garante direitos de liberdade deve o mesmo garantir condições de segurança para que a liberdade seja exercida.374

Assim, enquanto a tutela dos direitos de defesa demanda atuação

negativa do estado, ou seja, apenas um não fazer, a tutela dos direitos

372 CASTRO JÚNIOR, Osvaldo Agripino de. Teoria e prática do direito comparado e desenvolvimento: Estados Unidos x Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2002. p. 105. 373 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Trad. Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993. p. 194-210. 374 NICZ, Alvacir Alfredo. Os Direitos fundamentais na ordem constitucional. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos, Bauru, n. 38, p. 75-81, 2003, p. 78.

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135

prestacionais realiza-se por meio da atuação positiva do Poder Público, através

de prestações, que geralmente demandam dotação orçamentária específica,

como no caso da implementação de direitos sociais:

Ao contrário dos direitos individuais, civis e políticos e das garantias fundamentais desenvolvidos pelo liberalismo burguês com base no positivismo normativista, cuja eficácia requer apenas que o Estado jamais permita sua violação, os direitos sociais não podem simplesmente ser “atribuídos” aos cidadãos. Como não são “self-executing” nem muito menos fruíveis ou exeqüíveis individualmente, esses direitos têm sua efetividade dependente de um “welfare commitment”. Em outras palavras, necessitam de uma ampla e complexa gama de programas governamentais e de políticas públicas dirigidas a segmentos específicos da sociedade; políticas e programas especialmente formulados, implementados e executados com o objetivo de concretizar esses direitos e atender às expectativas por eles geradas com sua positivação.375

A tutela dos direitos de defesa pelo Poder Judiciário é

tranquilamente aceita pela doutrina e jurisprudência, mas a tutela dos direitos

prestacionais encontra algumas resistências, já que demanda atuação positiva

por parte do estado.

A proteção dos direitos prestacionais pelo Poder Judiciário,

normalmente, exige a interferência nas políticas públicas, o que encontra certa

resistência em face do princípio da separação de poderes, conforme já

analisado, mas é certo que um sistema judiciário eficiente pode contribuir

sobremaneira para o desenvolvimento social, notadamente em razão de sua

função de garantidor de direitos.

3.2.1 A tutela jurisdicional do meio ambiente

A intervenção intempestiva do Poder Judiciário nas questões

ambientais também prejudica o desenvolvimento social, já que a demora na

prevenção e a reparação tardia do meio ambiente prejudicam o exercício do

direito ao ambiente saudável, uma vez que todos têm direito ao meio ambiente

ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia

375 FARIA, José Eduardo. O Direito na economia globalizada. 1. ed. 4. tir. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 272-273.

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136

qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de

defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

A tutela do meio ambiente pelo Poder Judiciário, assim como ocorre

em relação às políticas públicas, também encontra alguma resistência

doutrinária e jurisprudencial, uma vez que a intervenção judicial nas políticas

públicas ambientais faz com que os órgãos ambientais passem da função de

agentes da política ambiental para simples executores de decisões judiciais.

Todavia, como direito fundamental de terceira geração, o direito ao

meio ambiente equilibrado pode e deve ser objeto de controle judicial, pois a

natureza vem sendo paulatinamente destruída pelo homem:

Morador insensato de um planeta de recursos escassos, o homem tem sido o mais eficiente destruidor da natureza. Usa dela como se diante de um supermercado gratuito. A começar pelos bens mais preciosos, água e ar, o balanço da atividade humana sobre a Terra evidencia uma tendência suicida. A humanidade despeja na natureza, todos os anos, 30 bilhões de toneladas de lixo! Quem mais sofre com isso é a água. Bem que não se multiplica, nem se reproduz.376

Portanto, a outorga ao Poder Judiciário da tutela dos interesses

difusos – no caso, o meio ambiente equilibrado –, não representa atribuição de

uma tarefa que não lhe caiba, mas sim o exercício de uma função típica, qual

seja, a entrega da prestação jurisdicional a quem pleiteia. De fato, quando

custodia interesses difusos, não está o Judiciário invadindo seara alheia, mas

simplesmente cumprindo o papel preordenado pela própria ordem

constitucional, de modo que se mostra legítima a interferência para suprir

omissão do Poder Público, incapaz de satisfazer integralmente a todos:377

A atuação do Judiciário para a defesa e proteção dos direitos socioambientais deixa neste contexto de ser apenas uma questão política para tornar-se um dever deste Poder com toda a sociedade brasileira, e é neste quadro que deve inserir-se a preocupação com as reformas do Poder Judiciário no Brasil.378

376 NALINI, José Renato. A Cidadania e o protagonismo ambiental. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, n. 35, p. 56-64, jul./set. 2004, p. 57. 377 NALINI, José Renato. O Juiz e a proteção dos interesses difusos. Revista dos Tribunais, São Paulo, ano 81, v. 680, p. 260-275, jun./1992, p. 265. 378 BARBOSA, Claudia Maria. Reflexões para um Judiciário socioambientalmente responsável. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, v. 48, p. 107-120, 2008, p. 116-117.

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137

Todavia, nem sempre o Poder Público é o responsável pela lesão ou

ameaça de lesão ambiental, ocasião em que a tutela jurisdicional deverá ser

dirigida contra o particular responsável pela conduta danosa.

Assim, para evitar lesão ao meio ambiente, o Poder Judiciário tem o

poder-dever de impedir que o dano seja causado, o que pode ser feito por meio

de tutelas inibitória e de remoção do ilícito, tão logo haja provocação da parte

interessada.

Após a ocorrência do dano, a tutela adequada será a ressarcitória,

na forma específica ou pelo equivalente em dinheiro, já que o objeto da ação

não será mais a prevenção do dano, mas sim a sua necessária reparação.

Portanto, para que o direito fundamental ao meio ambiente sadio

seja respeitado, é necessária uma ação – bem assim uma tutela jurisdicional

tempestiva – que seja capaz de impedir, preferencialmente, a ocorrência do

dano:

Para que o direito fundamental ao meio ambiente e as normas que lhe conferem proteção possam ser efetivamente respeitados, é necessária uma ação que i) ordene um não fazer ao particular para impedir a violação da norma de proteção e o direito fundamental ambiental; ii) ordene um fazer ao particular quando a norma de proteção lhe exige uma conduta positiva; iii) ordene um fazer ao Poder Público quando a norma de proteção dirigida contra o particular requer uma ação concreta; iv) ordene um fazer ao Poder Público para que a prestação que lhe foi imposta pela norma seja cumprida; v) ordene ao particular um não fazer quando o estudo de impacto ambiental, apesar de necessário, não foi exigido; vi) ordene ao particular um não fazer quando o licenciamento contraria o estudo de impacto ambiental sem a devida fundamentação, ressentido-se de vício de desvio de poder; vii) ordene ao particular um não fazer quando o licenciamento se fundou em estudo de impacto ambiental incompleto, contraditório ou ancorado em informações ou fatos falsos ou inadequadamente explicitados.379

Na hipótese, a justiça morosa comprometerá a efetiva tutela do

direito, já que o ambiente não pode esperar o tempo do processo, de sorte que

a demora na entrega da prestação jurisdicional fatalmente causará prejuízos

379 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 375.

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138

irreparáveis ao meio ambiente, cuja prevenção e reparação deve ser a mais

rápida possível.

As ações mais comuns para a tutela do meio ambiente são a ação

popular e a ação civil pública, que deveriam tramitar sem delongas para evitar

maiores danos ao meio ambiente, mas não é o que normalmente acontece,

pois a morosidade da justiça prejudica todo e qualquer tipo de ação, ainda que

a lei fale que algumas ações tenham preferência sobre outras.

De fato, quando um processo em que se discute lesão ao meio

ambiente tem duração demasiadamente longa, a reparação do dano

determinada em sentença será postergada para momento futuro, ocasião em

que as consequências do dano causado não serão mais passíveis de

reparação, especialmente porque a lesão ambiental tende a aumentar com o

passar do tempo, daí porque necessária a pronta reparação.

Assim, a lentidão da justiça contribui sobremaneira para agravar o

dano ambiental, uma vez que a tutela jurisdicional ofertada após vários anos

não terá o condão de reparar o dano.

Por outro lado, a lentidão da justiça incentiva condutas danosas ao

meio ambiente, já que os poluidores têm consciência de que eventual punição,

na pior das hipóteses, demorará anos e anos para ser imposta, sendo, às

vezes, mais lucrativo colher os frutos da poluição ou do desmatamento e

somente depois realizar eventual reparação do dano.

Segundo Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin, há dois

fatores que impedem o acesso à justiça em relação aos direitos difusos e

coletivos, como no caso dos danos em matéria ambiental, quais sejam: a)

barreiras objetivas (também chamadas de práticas ou econômicas); b)

barreiras subjetivas (denominadas, por igual, psicológicas ou culturais):

As barreiras objetivas relacionam-se, basicamente, com os custos inerentes ao processo, o valor muitas vezes ínfimo (quando apreciado isoladamente) do dano ambiental ou de consumo, a distância entre o órgão de tutela (seja judicial ou administrativo) e o local da residência do sujeito tutelado, a disponibilidade de tempo deste, a lentidão da justiça, os riscos do processo, enfim. Já as barreiras subjetivas dizem respeito aos óbices psicológicos inerentes à posição de inferioridade do sujeito tutelado perante o todo poderoso fornecedor ou degradador (desigualdade econômica,

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139

informativa ou tecnológica); nessa categoria também se inclui o desconhecimento da lei e dos direitos dela decorrentes, sem falar da ignorância acerca do próprio juízo competente; agregue-se a isso o esoterismo da linguagem processual forense, o formalismo do tratamento pessoal, o caráter solene da prestação jurisdicional, tudo contribuindo para o aviltamento psicológico do autor-potencial.380

Portanto, a morosidade da justiça é uma das barreiras que impedem

a defesa do meio ambiente em juízo e, por consequência, o desenvolvimento

social, já que o direito fundamental ao ambiente sadio, uma vez desrespeitado,

exige a intervenção tempestiva do Poder Judiciário.

Segundo Vladimir Passos de Freitas, “o Poder Judiciário brasileiro

situa-se em boa posição no trato da questão ambiental. Boas iniciativas e

resultados positivos devem ser divulgados, reconhecidos e valorizados. As

deficiências também devem ser apontadas. Não para ressaltar omissões ou

ações negativas, mas sim para orientar no sentido de que sejam evitadas ou

corrigidas”.381

3.3 A morosidade da justiça e o desenvolvimento econômico

O conceito de desenvolvimento econômico nem sempre é

satisfatório, mas é possível defini-lo de uma forma concisa: “o desenvolvimento

econômico é um processo pelo qual a renda nacional real de uma economia

aumenta durante um longo período de tempo. E, se o ritmo de desenvolvimento

é superior ao da população, então, a renda real per capita aumentará”.382

A ideia de desenvolvimento distingue-se da de crescimento

econômico, pois enquanto esta refere-se ao simples aumento da riqueza ou do

produto per capita, aquela abrange um sentido de aperfeiçoamento qualitativo

380 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. A insurreição da aldeia global contra o processo civil clássico: apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor. In: MILARÉ, Edis (Coord.). Ação civil pública: Lei 7.347/85 – reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 108. 381 FREITAS, Vladimir Passos de. O Poder Judiciário e o Direito Ambiental no Brasil. Justitia, São Paulo, v. 65, n. 198, p. 95-107, jan./jun. 2008, p. 102. 382 MEIER, Gerald M; BALDWIN, Robert E. Desenvolvimento econômico: teoria, história e política. 1. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1968. p. 12.

Page 140: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

140

da economia, através da melhor divisão social do trabalho, do emprego de

melhor tecnologia, recursos naturais e do capital.383

O crescimento econômico não só eleva as rendas privadas, mas

também possibilita ao estado financiar a seguridade social, expandindo os

serviços sociais, mas a recíproca também é verdadeira, ou seja, a criação de

oportunidades sociais, como educação e saúde, também pode contribuir para o

desenvolvimento econômico.384

Para André Lara Resende, o desenvolvimento econômico pode ser

visto como um processo essencialmente educacional, sendo que depois vem a

capacidade de mobilização de poupança, a organização institucional, jurídico-

contratual, a democracia, a organização política etc., mas a educação é

condição para tudo.385

Por outro lado, não se pode considerar o desenvolvimento

econômico de maneira isolada, de forma autônoma ao processo social global,

pois ele é um processo de desenvolvimento da sociedade como um todo, seja

espontâneo ou programado.386

De fato, o desenvolvimento não pode ser só econômico, mas deve

ser também social e político ao mesmo tempo, de sorte que um conceito

completo de desenvolvimento tem de abranger crescimento, democracia,

justiça social e autonomia nacional.387

A garantia principal de uma democracia de mercado é um Judiciário

forte que aplique bem o direito positivo, pois qualquer país que tenha um direito

positivo modelar, uma lei substantiva extraordinária, mas cuja aplicação for

débil, estará fadado ao atraso, de sorte que um Poder Judiciário sólido,

383 JAGUARIBE, Hélio. Desenvolvimento econômico e desenvolvimento político: uma abordagem teórica e um estudo do caso brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969. p. 13. 384 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Trad. de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 57. 385 RESENDE, André Lara. Entrevista concedida a Ciro Biderman. In: BIDERMAN, Ciro; COZAC, Luis Felipe L; REGO, José Marcio. Conversas com economistas brasileiros. 1. ed. São Paulo: Editora 34, 1996. p. 297. 386 JAGUARIBE, Hélio. Desenvolvimento econômico e desenvolvimento político: uma abordagem teórica e um estudo do caso brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969. p. 14. 387 BATISTA JR., Paulo Nogueira. Entrevista concedida a Ciro Biderman. In: BIDERMAN, Ciro; COZAC, Luis Felipe L; REGO, José Marcio. Conversas com economistas brasileiros. 1. ed. São Paulo: Editora 34, 1996. p. 352.

Page 141: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

141

operante, independente, técnica e que faça com que as leis sejam cumpridas é

um elemento indispensável para o desenvolvimento econômico.388

O Judiciário impacta os agentes econômicos (os investidores) por

meio da atuação em seu aspecto decisório a respeito de como, quando, quanto

e onde investir, já que o objetivo principal desses agentes é obter lucro.389

De fato, quanto mais eficiente e independente for o sistema

judiciário, maior será o desenvolvimento econômico do país:

Quanto mais independente é um Judiciário, mais os mercados de crédito e de capitais se desenvolvem, em especial para as pequenas e médias empresas. Se as leis forem boas e o Judiciário as aplicar correta e equitativamente, há ambiente favorável para maior investimento. O impacto de um Judiciário deficiente na economia é retratado como um dos fatores mais importantes para obstruir o desenvolvimento em razão da confiança dos agentes econômicos.390

Todavia, os juízes parecem não conhecer as repercussões

macroeconômicas de suas decisões e os economistas parecem desconhecer a

realidade sobre os microfundamentos institucionais que alicerçam suas

estratégias de desenvolvimento. Portanto, não é apenas a morosidade da

justiça que tem implicações importantes para a economia, sendo necessário

que economistas e juristas, se não puderem falar a mesma língua, que pelo

menos passem a viver no mesmo mundo, o que fará com que toda a sociedade

seja beneficiada.391

Segundo Ricardo Lewandowski, ministro do Supremo Tribunal

Federal, o princípio da razoável duração do processo tem sido invocado para

superar alguns formalismos processuais, já que o Judiciário que não é célere

pode ser um entrave para o desenvolvimento econômico, não apenas pela

388 SADDI, Jairo. Crédito e judiciário no Brasil: uma análise de direito & economia. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 211. 389 SILVEIRA, Fabiana Rodrigues. A Morosidade no poder judiciário e seus reflexos econômicos. Porto Alegre: Sérgio Antonio Frabis, 2007. p. 87. 390 SADDI, Jairo. Crédito e judiciário no Brasil: uma análise de direito & economia. São Paulo: Quartier Latin, 2007. p. 218. 391 PINHEIRO, Armando Castelar. Direito e economia num mundo globalizado: cooperação ou confronto? In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito & economia. 2. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 45.

Page 142: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

142

questão da morosidade, mas também em razão dos custos que ele representa,

como taxas e honorários advocatícios.392

De acordo com Armando Castelar Pinheiro, três aspectos podem ser

considerados para avaliar como sistemas judiciários eficientes podem

beneficiar o crescimento econômico, quais sejam: o progresso tecnológico, a

eficiência e o investimento.393

O progresso tecnológico pode ser encorajado pelo funcionamento

eficiente da justiça, que pode proteger efetivamente a propriedade intelectual.

De fato, a proteção à propriedade intelectual facilita a compra de tecnologia de

países industrializados, bem como encoraja as empresas situadas no país a

investirem em pesquisas de desenvolvimento.

Por outro lado, a implementação com rapidez e eficiência dos

contratos privados reduz os custos de transação e estimula os agentes

econômicos a aumentar o número de transações em que se engajam e a

dispersar-se geograficamente.

Contudo, como os contratos não são suficientemente garantidos, “as

firmas podem decidir não executar determinados negócios, deixar de explorar

economias de escala, combinar insumos insuficientemente, não alocar sua

produção entre clientes e mercados da melhor forma, deixar recursos ociosos,

etc.”394, bem como tendem a se verticalizar, trazendo para dentro da empresa

atividades que poderiam ser melhor desenvolvidas por outras firmas.

A eficiência da economia também pode ser acelerada pelos

sistemas judiciários, pois o mau funcionamento deles atrapalha o crescimento

ao estimular o uso ineficiente de recursos e de tecnologia, fazendo com que os

altos riscos e custos das transações no país afastem-se dos padrões

internacionais, distorcendo a alocação de recursos e segmentando o mercado

a ponto de reduzir significativamente a competição.

392 Apud: Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial. Direito e economia. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 63. 393 PINHEIRO, Armando Castelar. Impacto sobre o crescimento: uma análise conceitual. In: PINHEIRO, Armando Castelar (Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré, 2000. p. 39-50. 394 PINHEIRO, Armando Castelar. Direito e economia num mundo globalizado: cooperação ou confronto? In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito & economia. 2. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 29-30.

Page 143: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

143

Assim, quanto mais eficientes os tribunais, menos os pactuantes irão

ganhar ao desrespeitar os contratos, desencorajando outros a fazê-lo, o que

aumenta a eficiência econômica ao favorecer o sistema de preços e reduzir o

prêmio de risco. Com efeito, se o sistema judicial for ineficiente, os custos das

transações aumentarão de forma significativa, já que eventuais litígios terão

difícil e demorada resolução:

Talvez a melhor forma de pensar nos benefícios de uma melhoria da eficiência do sistema judicial seja recorrendo a um raciocínio contrafactual: se o sistema for ineficiente, os custos de transacção entre os indivíduos aumentam significativamente uma vez que os litígios terão mais difícil resolução, quanto mais não seja por esta ser mais prolongada, o que desencorajará os agentes económicos a aceitar contractos sem pesadas cláusulas penais em caso de incumprimento com o objectivo de desincentivar condutas fraudulentas de uma parte incumpridora. Este simples facto desincentiva o estabelecimento de contratos com agentes com os quais ainda não tenha havido negócio e em quem não se tenha estabelecido uma relação de confiança, dada a impossibilidade de resolução rápida de possíveis conflitos emergentes, o que retardará receitas e aumentará custos.395

Outra forma de um bom sistema judiciário acelerar o crescimento é

estimulando a acumulação de fatores de produção, pois os agentes

econômicos investem mais em capital físico e humano quando os direitos de

propriedade são garantidos por bons sistemas judiciais e legais.396

O Judiciário aparece como um componente importante justamente

por ser uma instituição que promove garantias, cujas mais importantes para o

empresariado são as seguintes: a observância do pacta sunt servanda, ou seja,

os contratos devem ser cumpridos; a proteção aos direitos de propriedade,

especialmente a intelectual, que abrange marcas, patentes e descobertas

científicas; o controle dos abusos por parte do Governo na condução e

implementação da política econômica, nas concessões e permissões de

395 CABRAL, Célia da Costa; PINHEIRO, Armando Castelar. A Justiça e seu impacto sobre as empresas portuguesas. In: DIAS, João Álvaro (Coord.). Os Custos da justiça: actas do colóquio internacional. Coimbra: Almedina, 2005. p. 372-373. 396 PINHEIRO, Armando Castelar. Impacto sobre o crescimento: uma análise conceitual. In: PINHEIRO, Armando Castelar (Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré, 2000. p. 41.

Page 144: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

144

serviços públicos; a rapidez com que vai solucionar contendas que envolvam

essas garantias.397

Um bom Judiciário, com efeito, pode reduzir a instabilidade das

políticas econômicas, estimulando com isso o investimento e a produção:

Por outro lado, o judiciário, em particular, tem uma importante função enquanto protetor do cidadão e do investidor privado da expropriação estatal. Quando o judiciário exerce esse papel adequadamente, a política e os compromissos públicos passam a ser mais críveis, e mais latitude pode ser dada ao gestor público, para que adapte a política econômica às condições do momento, sem receio de que essa liberdade seja abusada. O judiciário também pode estimular o crescimento reduzindo a instabilidade da política econômica. Políticas econômicas voláteis e altamente arbitrárias, ao desestabilizarem as “regras do jogo”, desencorajam o investimento e a produção. Um bom sistema judicial contribui para reduzir a instabilidade das políticas ao garantir o cumprimento de compromissos legislativos e constitucionais e ao limitar o arbítrio governamental.398

Em face de sistemas judiciários disfuncionais, a precária

observância de direitos de propriedade e o risco de expropriação, tanto por

agentes públicos quanto privados, inibem a propensão a se fazerem novos

investimentos, pois reduzem o valor dos ativos e o retorno esperado do capital

empregado, desencorajando a poupança e estimulando a evasão do capital.399

Ademais, ao contrário de regimes de proteção com maior

credibilidade, países com judiciários problemáticos irão gerar menores

quantidades de investimento especializado e durável. De fato, regimes que dão

poucas seguranças ao investimento e à contratação não são capazes de

fornecer garantias seguras aos direitos de propriedade intelectual, sendo que

indústrias de alta tecnologia irão abandonar regimes marcados pela

insegurança por portos mais seguros.400

397 SILVEIRA, Fabiana Rodrigues. A Morosidade no poder judiciário e seus reflexos econômicos. Porto Alegre: Sérgio Antonio Frabis, 2007. p. 88-89. 398 PINHEIRO, Armando Castelar. Direito e economia num mundo globalizado: cooperação ou confronto? In: TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direito & economia. 2. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 31. 399 PINHEIRO, Armando Castelar. Impacto sobre o crescimento: uma análise conceitual. In: PINHEIRO, Armando Castelar (Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré, 2000. p. 41-42. 400 WILLIAMSON, Oliver E. The Mechanisms of governance. New York: Oxford University Press, 1996. p. 332-333.

Page 145: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

145

Em uma pesquisa realizada com diretores de bancos, verificou-se

que as deficiências do Poder Judiciário aumentam o risco nas operações de

crédito, já que o mau funcionamento da justiça limita a expansão das atividades

de intermediação financeira, aumentando consideravelmente os spreads

bancários – diferença entre o custo do dinheiro e o valor cobrado do tomador

de empréstimo – em até 30%, dependendo da situação.401

De fato, é muito comum que devedores utilizem a demora dos

processos judiciais para meramente adiar o cumprimento de suas obrigações,

sendo que uma das formas de se fazer isso é questionar aspectos menores

relacionados à cobrança dos encargos financeiros devidos, já que normalmente

é muito difícil ao devedor justificar irregularidades quanto ao principal.402

Além disso, os problemas verificados dentro do Poder Judiciário

levam os bancos a não realizar ou reduzir negócios em alguns estados e a não

realizar investimentos que poderiam ter sido implementados não fosse o

problema da morosidade da justiça brasileira.403

Assim, pode-se perceber que há uma relação entre segurança

jurídica e desenvolvimento econômico, de sorte que a insegurança jurídica,

causada pela morosidade da justiça, prejudica sobremaneira o

desenvolvimento:

Nunca será demais insistir na conexão entre segurança jurídica e desenvolvimento econômico. Nos exemplos citados, uma construtora certamente irá preferir concentrar seus negócios em países que possam garantir que a estrada construída não será expropriada. Da mesma maneira, uma pessoa, se puder, comprará imóvel em lugares onde este não lhe será tomado pelo inquilino ou pelo Estado. Em outras palavras, a insegurança jurídica incentiva a migração da

401 AITH, Marcio. O Impacto do judiciário nas atividades das instituições financeiras. In: PINHEIRO, Armando Castelar (Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré, 2000. p. 170. 402 LUNDBERG. Eduardo; RODRIGUES, Eduardo. Ações e medidas – avaliação e propostas. In: Banco Central do Brasil. Economia bancária e crédito: avaliação de 4 anos do projeto juros e spread bancário. 2003. p. 34. Disponível em: <http://www.bcb.gov.br/ftp/rel_economia_bancaria_credito.pdf>. Acesso em: 29 dez. 2010. p. 32. 403 AITH, Marcio. O Impacto do judiciário nas atividades das instituições financeiras. In: PINHEIRO, Armando Castelar (Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré, 2000. p. 171-172.

Page 146: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

146

poupança, que é canalizada para regiões ou países em que se tenha a expectativa de que leis não virarão pó.404

O problema da morosidade da justiça causa um círculo vicioso,

conforme apontado por Marcio Aith:

Como resultado do impacto desses problemas nas atividades dos bancos, percebe-se um aumento dos juros cobrados nos empréstimos, talvez o impacto mais nocivo do mau funcionamento do judiciário, não só para os bancos (que usam esse aumento como defesa) mas para a economia. Percebe-se que esse aumento faz parte de um círculo vicioso assim resumido: para compensar e diluir as perdas financeiras causadas pela morosidade da justiça (dificuldade de cobrar, por meio de processos judiciais demorados, empréstimos não pagos), os bancos aumentam os juros; aumentando os juros, elevam a inadimplência e dependem cada vez mais da justiça morosa.405

Segundo uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada, a ineficiência do serviço público judiciário prejudica o

desenvolvimento econômico do país, reduzindo a taxa de crescimento de longo

prazo em 25%, ao passo que se o país tivesse uma justiça eficiente teria

condições de crescer 0,8% a mais todo ano. De fato, com um Judiciário

eficiente a produção nacional poderia aumentar 14%, o desemprego cairia

quase 9,5% e o investimento saltaria 10,4%.406

Os problemas causados pela morosidade da justiça também

impedem que o crédito financeiro atinja uma determinada camada da

população, incapaz de fornecer garantias e de pagar juros altíssimos. Ademais,

para escapar do mau funcionamento da justiça, os bancos procuram canalizar

seus investimentos para setores da economia mais saudáveis, bem assim 404 Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial. Direito e economia. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 15. 405 AITH, Marcio. O Impacto do judiciário nas atividades das instituições financeiras. In: PINHEIRO, Armando Castelar (Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré, 2000. p. 172. 406 DUARTE, Francisco Carlos; GRANDINETTI, Adriana Monclaro. Comentários à emenda constitucional 45/2004: os novos parâmetros do processo civil no direito brasileiro. Curitiba: Juruá, 2005. p. 28. Contudo, conforme adverte Maria Tereza Sadek, é preciso cautela ao falar sobre o peso do Judiciário na economia, pois os economistas argumentam que o PIB poderia aumentar “tantos por cento” se a justiça fosse mais eficiente, mas quando se olha mais de perto a questão, percebe-se que não são as grandes questões econômicas que estão na justiça, de sorte que o judiciário tem um peso, mas não é tão grande quanto os economistas imaginam, nem tão pequeno quanto pensam os juízes. Apud: Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial. Direito e economia. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 58.

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147

diversificar seus investimentos, ingressando em projetos que não guardam

relação com a concessão de empréstimos.407

Assim, pode-se afirmar que o mau funcionamento do Judiciário

causa impacto negativo nas atividades do sistema financeiro, elevando os

spreads bancários entre 10% e 30% e limitando as atividades realizadas pelos

bancos, além de impedir a entrada de novos investimentos.408

Realmente, além das injustiças que causa, de forma mais acentuada

para as pessoas mais carentes, a ineficiência do Poder Judiciário resulta em

custos econômicos elevados, pois em razão do risco jurídico que produz, os

custos aumentam, como medida de proteção, sendo que os percentuais de

juros são determinados pelo risco jurídico produzido, de sorte que quanto mais

temerárias as decisões, quanto mais demorado for o litígio, mais altos serão os

juros, exatamente como compensação para o custo financeiro extra.409

Por outro lado, o mau funcionamento da justiça prejudica o

julgamento de irregularidades praticadas por bancos, impedindo a condenação

de banqueiros fraudulentos, tanto no campo civil como no criminal. De fato,

uma pesquisa conduzida pelo Ministério Público Federal em Brasília concluiu

que, de aproximadamente 400 (quatrocentos) casos de irregularidades

praticadas no sistema financeiro e levadas ao Judiciário, apenas 4 (quatro)

acabaram em condenação em primeira instância, mostrando ser praticamente

impossível a condenação de fraudadores do sistema financeiro nacional, bem

como que o mau funcionamento dos serviços judiciários também pode

beneficiar os bancos.410

407 AITH, Marcio. O Impacto do judiciário nas atividades das instituições financeiras. In: PINHEIRO, Armando Castelar (Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré, 2000. p. 177. 408 AITH, Marcio. O Impacto do judiciário nas atividades das instituições financeiras. In: PINHEIRO, Armando Castelar (Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré, 2000. p. 181. Embora o autor identifique no mau funcionamento do Judiciário sérios problemas para os custos, operações e investimentos dos bancos, ele noticia que o maior problema apontado pelos empresários consultados é a elevada carga tributária. 409 FARIA, Ana Maria Jara Botton. Judiciário & Economia: equalização desejada e necessária. Revista Direitos Fundamentais & Democracia, Curitiba, v. 2, n. 2, jun./dez. 2007. Disponível em: <http://revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br/index.php/rdfd/article/view/86/75>. Acesso em: 10 jan. 2011. 410 AITH, Marcio. O Impacto do judiciário nas atividades das instituições financeiras. In: PINHEIRO, Armando Castelar (Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré, 2000. p. 180-181.

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148

A ineficiência do sistema judiciário também provoca consequências

negativas para a economia de outros países, conforme se verifica na tabela

abaixo, elaborada após estudos realizados no exterior:411

Impacto Estimado do Aumento da Eficiência do Sistema Judicial (%)

Aumento médio em cada variável Portugal Brasil Peru Argentina Canadá

Volume anual de investimento 8,33 13,7 9,5 28,0 2,0

Volume de negócios 7,7 18,5 20,5 19,0 2,0

Número de empregados 5 12,3 8,2 18,0 -

Investimento em outros estados n.a. 6,2 n.a. 23,0 -

Volume de negócios em outros estados

n.a. 8,4 n.a. - -

Proporção de atividades terceirizadas

- 13,9 13,8 15,0 -

Volume de negócios com o setor público

- 13,7 17,5 23,0 1,4

Redução de preços 2,4 - - - -

Fontes adicionais: Pinheiro (2000), Eyzaguirre, Andrade e Salhuana (1998), e (Foro para la

Administración de Justicia, 2000), Lippert (2001).

Em relação ao comércio internacional, uma pesquisa realizada entre

empresários do setor concluiu que o Poder Judiciário é ignorado, pelo menos

em relação aos negócios de importação/exportação, pois não é contado como

fator competitivo/de risco no planejamento e na realização desses negócios. A

pesquisa mostrou a tendência natural à negociação dos empresários do setor,

que preferem evitar litígios judiciais pelos efeitos econômicos e comerciais que

eles acarretam, parecendo que tanto no Brasil como no exterior o Judiciário é o

caminho mais longo para a solução de problemas.412

No Brasil e no mundo, os meios extrajudiciais para resolver disputas

locais e internacionais são utilizados cada vez com maior frequência, pois são

mais rápidos e econômicos, sendo que a arbitragem merece destaque,

411 CABRAL, Célia da Costa; PINHEIRO, Armando Castelar. A Justiça e seu impacto sobre as empresas portuguesas. In: DIAS, João Álvaro (Coord.). Os Custos da justiça: actas do colóquio internacional. Coimbra: Almedina, 2005. p. 394. 412 BRANDÃO, Vladimir. O Ponto de vista dos exportadores. In: PINHEIRO, Armando Castelar (Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré, 2000. p. 132-133.

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149

principalmente em nosso país, no qual se evidenciou um relevante crescimento

da utilização desse mecanismo nos últimos anos.413

Assim, a justiça não é importante no comércio exterior, sendo o

Judiciário ignorado e desaconselhado por consultores e advogados na maior

parte das vezes porque tem fama de caro e demorado, sendo que a

preferência na solução de litígios é pela negociação na esfera cliente-

fornecedor ou por outros meios mais eficazes de solução de controvérsias:

Juízes não fazem parte das preocupações de quem lida com negócios internacionais. Empresários e executivos experientes em comércio exterior, via-de-regra, não têm experiência em lidar com a justiça de outros países. O poder judiciário é distante do mundo das exportações e importações porque há uma série de mecanismos que não deixam o problema chegar até ele. São desde cartas de crédito que garantem o negócio do fornecedor caso o comprador não queira ou não possa pagar, até a ampla adoção das câmaras de mediação e arbitragem que agilizam a solução de controvérsias. Juizados e tribunais não têm agilidade suficiente para acompanhar o ritmo dos negócios, e até por isso surgiram com força os tribunais arbitrais.414

Para a maioria dos empresários do ramo de negócios internacionais,

a solução dos litígios por meio da justiça é muito mais demorada e onerosa,

sendo preferível utilizar um velho chavão, segundo o qual é melhor uma má

negociação do que um bom processo, que exige muito tempo e dinheiro.415

A solução rápida de uma disputa comercial tem reflexos na

economia, portanto, pois garante de forma eficiente o direito das partes

envolvidas, ao passo que a resolução do conflito de forma lenta e ineficaz

exerce um efeito desestimulador sobre as relações comerciais. A título de

exemplo, caso determinada empresa exporte para o Brasil, sem garantias

bancárias, e surjam problemas com o recebimento desses valores, ela terá que

se deparar com um Judiciário lento e ineficiente, no qual a recuperação de

créditos é extremamente difícil e complicada, além do fato de que tal demanda

poderá se arrastar por vários anos, razão pela qual as empresas optam, cada 413 CUNHA, Ricardo Thomazinho da; BORGES, Karla Christina Martins. Negociação e arbitragem: como tornar as soluções de disputas privadas internacionais mais rápidas. Revista de Economia & Relações Internacionais, São Paulo, v. 3, n. 5, p. 21-28, jul./2004, p. 22. 414 BRANDÃO, Vladimir. O Ponto de vista dos exportadores. In: PINHEIRO, Armando Castelar (Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré, 2000. p. 136-137. 415 BRANDÃO, Vladimir. O Ponto de vista dos exportadores. In: PINHEIRO, Armando Castelar (Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré, 2000. p. 144.

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150

vez mais, por soluções alternativas, diante da morosidade e ineficiência do

Judiciário.416

Uma das preferências é pela carta de crédito, que dependendo do

grau de risco é condição para a realização do negócio, o que acontece com

novos clientes ou clientes localizados em países que têm tradição de calote.417

Alguns países são um verdadeiro terror para os empresários do

comércio internacional, pois em caso de inadimplência sem carta de crédito

não existe a quem recorrer, o que acontece, por exemplo, com países como a

Nigéria e o Paquistão.418

Portanto, o Poder Judiciário aparece como um componente

importante na economia por ser a instituição que promove garantias para o

empresariado. Se essas garantias não são tornadas efetivas quando chegam

sob a forma de litígios, o investimento torna-se de risco, com todas as

consequências daí decorrentes:

O risco em um investimento, quando não o desestimula de plano, geralmente incrementa os custos com salvaguardas de outra natureza, como a não terceirização, a não contratação, a consulta a serviços de “listas negras”, a seleção meticulosa e limitada de parceiros (com a exclusão de outros agentes, cuja conduta é desconhecida ou considerada dúbia) e a não expansão dos negócios. (...) E não se trata de suposição teórica, o Brasil já sente na prática todos esses efeitos e a imprensa veicula nos cadernos de economia de diversos jornais as dificuldades em investir no país e a estagnação do desenvolvimento econômico daí decorrente.419

Por outro lado, as empresas exportadoras tendem a enviar os

produtos problemáticos para os países que têm má qualidade de sistemas

judiciários, onde são mais difíceis eventuais problemas com responsabilização

civil:

416 CUNHA, Ricardo Thomazinho da; BORGES, Karla Christina Martins. Negociação e arbitragem: como tornar as soluções de disputas privadas internacionais mais rápidas. Revista de Economia & Relações Internacionais, São Paulo, v. 3, n. 5, p. 21-28, jul./2004, p. 22. 417 BRANDÃO, Vladimir. O Ponto de vista dos exportadores. In: PINHEIRO, Armando Castelar (Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré, 2000. p. 140. 418 BRANDÃO, Vladimir. O Ponto de vista dos exportadores. In: PINHEIRO, Armando Castelar (Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré, 2000. p. 148. 419 SILVEIRA, Fabiana Rodrigues. A Morosidade no poder judiciário e seus reflexos econômicos. Porto Alegre: Sérgio Antonio Frabis, 2007. p. 89.

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151

Quando o mercado, as leis e a justiça de um país são menos exigentes, via de regra ele acaba servindo de destino para lotes de produtos problemáticos – que muitas vezes tinham como destino exatamente a Europa ou os Estados Unidos. Essa desova geralmente é feita no Mercosul. “É muito mais fácil exportar para a Argentina do que para a Alemanha. No Mercosul é raro se enfrentar problemas com produtos fora das especificações ou de responsabilidade civil”, diz uma fonte ligada ao setor têxtil.420

Segundo os empresários do setor de comércio internacional, o Brasil

tem um sistema processual bem estruturado, mas peca quanto ao cumprimento

dos prazos pelos juízes, promotores e outros auxiliares da justiça, bem como

está totalmente divorciado da realidade atual no que diz respeito à atividade

econômica e à dinâmica em que atuam os seus agentes. Além do problema da

morosidade, do excesso de formalismo, do desaparelhamento e de tantas

outras falhas, há também um problema cultural, de mentalidade que envolve

juizados e tribunais, completamente distanciados da realidade em que se

desenvolve a atividade econômica, de sorte que as dificuldades são

intransponíveis e a justiça fatalmente não será realizada quando se necessita

de uma decisão rápida.421

Portanto, a ineficiência da justiça prejudica o desenvolvimento

econômico do país, conforme alertou Adam Smith há muito tempo atrás:

O comércio e as manufaturas raramente podem florescer por muito tempo em um país que não tenha uma administração de justiça normal, no qual as pessoas não se sintam seguras na posse de suas propriedades, no qual a fidelidade nos contratos não seja garantida por lei e no qual não se possa supor que a autoridade do Estado seja regularmente empregada para urgir o pagamento das dívidas por parte de todos aqueles que têm condições de pagar. Em suma, o comércio e as manufaturas raramente podem florescer em qualquer país em que não haja um certo grau de confiança na justiça do Governo.422

Embora seja difícil dimensionar quanto se poderia vender a mais se

existissem sistemas judiciários mais eficientes e que dessem mais segurança

420 BRANDÃO, Vladimir. O Ponto de vista dos exportadores. In: PINHEIRO, Armando Castelar (Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré, 2000. p. 146. 421 BRANDÃO, Vladimir. O Ponto de vista dos exportadores. In: PINHEIRO, Armando Castelar (Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré, 2000. p. 152-154. 422 SMITH, Adam. A Riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. v. II. Trad. Luiz João Baraúna. São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 360.

Page 152: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

152

aos negócios, quando foi regulamentado o seguro de crédito à exportação, o

Ministério da Indústria e Comércio informou que, graças ao seguro, as vendas

poderiam crescer US$ 500 milhões, razão pela qual é possível concluir que

esse valor não estava sendo vendido por falta de segurança, não só no Poder

Judiciário, mas também em clientes e países.423

Assim, o mau funcionamento do Judiciário tem impactos

significativos no desempenho da economia, já que as instituições estão entre

os principais fatores do desenvolvimento econômico. Países com boas

instituições são duas vezes mais eficientes e crescem três vezes mais, em

termos per capita, do que países pobres em “capital institucional”, sendo que

os sistemas jurídico e legal ocupam um papel de destaque entre as instituições

que mais influenciam o desempenho econômico das nações.424

423 BRANDÃO, Vladimir. O Ponto de vista dos exportadores. In: PINHEIRO, Armando Castelar (Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré, 2000. p. 149. 424 PINHEIRO, Armando Castelar. Impacto sobre o crescimento: uma análise conceitual. In: PINHEIRO, Armando Castelar (Org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo: Sumaré, 2000. p. 13.

Page 153: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

153

CONCLUSÃO

A sociedade globalizada é regida pelo tempo, onde tudo deve

apresentar-se de modo fragmentado e urgente, razão pela qual o fator tempo

tem um papel muito relevante em todas as áreas do conhecimento.

Todavia, os operadores do Direito não têm dado ao tema a

importância que ele merece, especialmente porque o tempo do direito é

diferente do tempo da sociedade, que urge por respostas no menor prazo

possível.

O processo ideal consiste no mecanismo capaz de propiciar a justiça

em curto espaço de tempo, devendo cessar o quanto antes o conflito social

apresentado ao Poder Judiciário.

O tempo figura como um dos maiores inimigos dos sistemas

judiciários, pois quando uma demanda leva muito tempo para terminar ocorre o

aumento do descrédito na justiça, bem como aumenta a angústia e a frustração

das partes.

Um dos mais graves problemas enfrentados pela justiça brasileira é

o tempo de tramitação processual, que impede a tutela jurisdicional efetiva e

significa um verdadeiro entrave à obtenção da justiça, uma vez que o processo

será tanto mais efetivo quanto mais rápido.

A morosidade da justiça é um problema que aflige os sistemas

judiciários há muito tempo, caminhando no sentido inverso dos anseios da

sociedade, que atualmente exige o máximo aproveitamento do tempo.

A lentidão da justiça não é um problema exclusivamente brasileiro,

mas universal e multissecular, pois desde o Papa Clemente V já era alto o grau

de insatisfação com a morosidade dos processos.

O problema da morosidade existe em todo o sistema judiciário

brasileiro, tanto no âmbito da justiça civil quanto criminal. Na área cível,

reclama-se que a intervenção judicial não acompanha o ritmo dos negócios

imposto pelo mercado, causando sérios prejuízos à economia, bem como a

morosidade frustra as legítimas expectativas das partes de obter justiça por

meio do processo judicial. No âmbito penal, a sociedade brasileira vem

percebendo o crescimento de todas as modalidades de crimes e de conflitos

Page 154: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

154

interpessoais que resultam em desfechos fatais, incentivados também pela

certeza da impunidade penal, que decorre da incompetência da justiça criminal

em apurar e responsabilizar os autores de crimes.

As causas da morosidade da justiça são inúmeras e variadas,

podendo ser tanto externas quanto internas ao Poder Judiciário. Entre elas

podemos apontar as seguintes: o desaparelhamento dos órgãos judiciários; o

comportamento dos sujeitos processuais; a inflação legislativa; a legislação

processual, recheada de formalismos e recursos; o aumento da litigiosidade; as

demandas repetitivas; a postura do Poder Público.

É praticamente impossível estabelecer, com precisão, quais são e

em que medida atuam os males da demora da justiça, mas inexiste dúvida,

contudo, de que o prejuízo é sempre enorme, pois a intempestividade da

prestação jurisdicional acarreta consequências prejudiciais de ordem

endoprocessual, bem como outras consequências que vão além do processo

judicial.

A morosidade da justiça traz inúmeras consequências, tanto para a

economia quanto para a sociedade, sendo que as principais são as seguintes:

o descrédito na justiça; a impunidade; a insegurança jurídica; a violação do

direito de acesso à justiça; o desrespeito ao direito à razoável duração do

processo; a denegação da justiça; a responsabilização do estado; os prejuízos

para a economia.

O desenvolvimento, entendido como a melhoria do nível social e

econômico das pessoas ou como o processo de expansão das liberdades reais

que as pessoas desfrutam, depende do bom funcionamento dos sistemas

judiciários, ou seja, a morosidade da justiça prejudica o desenvolvimento

socioeconômico do país.

No campo social, os sistemas judiciários eficientes ajudam na

promoção dos direitos humanos fundamentais, em quaisquer de suas

gerações, bem como impedem o cometimento ou a perpetuação de injustiças.

A atuação do sistema judicial ineficiente provoca efeitos negativos

no desenvolvimento social, já que muitos países em desenvolvimento possuem

sérios problemas de segurança jurídica, frequentemente combinados com

Page 155: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

155

corrupção e impunidade, tornando os ambientes social e econômico bastante

inseguros.

A morosidade da justiça prejudica o desenvolvimento social, que

decorre da melhora da qualidade de vida da população, a partir da constatação

da melhoria de índices de saúde, trabalho, educação, expectativa de vida, que

indicam a existência de vida digna para as pessoas.

O mau funcionamento da justiça também prejudica o julgamento de

irregularidades praticadas por bancos, impedindo a condenação de banqueiros

fraudulentos, tanto no campo civil como no criminal.

A intervenção intempestiva do Poder Judiciário nas questões

ambientais prejudica o desenvolvimento social, já que a demora na prevenção

e a reparação tardia do meio ambiente prejudicam o exercício do direito ao

ambiente saudável.

A morosidade da justiça também prejudica o desenvolvimento

econômico do país, que abrange um sentido de aperfeiçoamento qualitativo da

economia, através da melhor divisão social do trabalho, do emprego de melhor

tecnologia, recursos naturais e do capital.

O sistema judiciário impacta os agentes econômicos (os

investidores) por meio da atuação em seu aspecto decisório a respeito de

como, quando, quanto e onde investir, já que o objetivo principal desses

agentes é obter lucro, pois quanto mais independente e eficiente for o

Judiciário, mais os mercados de crédito e de capitais se desenvolvem, em

especial para as pequenas e médias empresas.

O Poder Judiciário funciona como componente importante para o

desenvolvimento econômico justamente por ser uma instituição que promove

garantias, cujas mais importantes para o empresariado são o cumprimento dos

contratos, a proteção aos direitos de propriedade, o controle dos abusos por

parte do Governo na condução e implementação da política econômica, bem

assim em relação à rapidez com que vai solucionar contendas que envolvam

essas garantias.

Sistemas judiciários disfuncionais inibem a propensão a se fazerem

novos investimentos, pois reduzem o valor dos ativos e o retorno esperado do

Page 156: O TEMPO DA JUSTIÇA E SEUS IMPACTOS SOCIOECÔNOMICOS

156

capital empregado, desencorajando a poupança e estimulando a evasão do

capital.

Os problemas verificados dentro do Poder Judiciário levam os

bancos e as empresas a não realizar ou reduzir negócios em alguns estados e

a não realizar investimentos que poderiam ter sido implementados não fosse o

problema da morosidade da justiça.

O mau funcionamento do Judiciário causa impacto negativo nas

atividades do sistema financeiro, elevando os spreads bancários entre 10% e

30% e limitando as atividades realizadas pelos bancos, além de impedir a

entrada de novos investimentos.

Em relação ao comércio internacional, a maioria dos empresários do

ramo prefere outras formas de solução de conflitos, pois a solução dos litígios

por meio da justiça é muito mais demorada e onerosa, sendo preferível utilizar

um velho chavão, segundo o qual é melhor uma má negociação do que um

bom processo.

As empresas de exportação tendem a enviar os produtos

problemáticos para os países que têm má qualidade de sistemas judiciários,

onde são mais difíceis eventuais problemas com responsabilização civil.

A ineficiência do serviço público judiciário prejudica, portanto, a

economia do país, reduzindo a taxa de crescimento de longo prazo em 25%, ao

passo que se o país tivesse uma justiça eficiente teria condições de crescer

0,8% a mais todo ano, bem como a produção nacional poderia aumentar 14%,

o desemprego cairia quase 9,5% e o investimento saltaria 10,4%.

Portanto, a morosidade da justiça não atinge somente aqueles que

se utilizam dos serviços judiciários ineficientes, mas também toda a sociedade,

já que o problema da lentidão atua como óbice ao desenvolvimento social e

econômico do país, de sorte que incumbe a todos a tarefa de, ao mesmo

tempo, exigir e buscar soluções para otimizar o sistema judiciário, sob pena de

o sonho de viver em um país desenvolvido jamais se tornar realidade.

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