O Tempo no Romance: Um recorte da Joaninha dos olhos Verdes

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ PAULO ROBERTO BORGES BERLIM O TEMPO NO ROMANCE: UM RECORTE DA JOANINHA DOS OLHOS VERDES EM VIAGENS NA MINHA TERRA CURITIBA 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

PAULO ROBERTO BORGES BERLIM

O TEMPO NO ROMANCE: UM RECORTE DA JOANINHA DOS OLHOS VERDES

EM VIAGENS NA MINHA TERRA

CURITIBA 2008

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PAULO ROBERTO BORGES BERLIM

O TEMPO NO ROMANCE: UM RECORTE DA JOANINHA DOS OLHOS VERDES

EM VIAGENS NA MINHA TERRA

Monografia apresentada à disciplina Orientação Monográfica II como requisito parcial à conclusão do curso de Letras – Português – Bacharel em Estudos Literários. Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná. Orientadora: Profª. Doutora Anamaria Filizola.

CURITIBA 2008

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AGRADECIMENTOS

A professora Anamaria Filizola, pela orientação e pelo apoio dado para que este trabalho pudesse ser produzido.

À minha esposa Lucila que pacientemente me apoiou, mesmo depois do

nascimento de nosso filho, para que eu pudesse concluir este curso. Ao meu filho Luiz Ignácio que muitas vezes aguardava eu voltar da aula,

tarde da noite, para que pudéssemos brincar. Aos meus pais que sempre me incentivaram a trilhar o caminho do

conhecimento.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURA 1: TIPOLOGIA CRONOTÓPICA DOS GÊNEROS DO ROMANCE ...........13 FIGURA 2: DIAGRAMA TEMPO X CAPÍTULOS DA OBRA SYLVIE ......................19 FIGURA 3: DIAGRAMA TEMPO X CAPÍTULOS DA OBRA VIAGENS NA MINHA TERRA ...............................................................................................21 FIGURA 4: DIAGRAMA TEMPO X CAPÍTULOS NO RECORTE DA JOANINHA DOS OLHOS VERDES ........................................................................24 FIGURA 5: MAPA DE PORTUGAL ...........................................................................25 FIGURA 6: ILHAS DE PORTUGAL ..........................................................................28 QUADRO 1: CAPÍTULOS DA OBRA VIAGENS NA MINHA TERRA CONTENDO REFERÊNCIAS ÀS DATAS, LUGARES E OUTROS ELEMENTOS QUE REMETEM AO TEMPO ...............................................................20

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................4 2 VIAGENS NA MINHA TERRA – ASPECTOS GERAIS ..........................................5 3 CRONOLOGIA NO ROMANCE ..............................................................................6 3.1 Tempo pelo Relógio ou Tempo Conceitual ..........................................................6 3.2 A duração cronológica da leitura ..........................................................................6 3.3 A duração cronológica do escrever ......................................................................6 3.4 A duração pseudocronológica do tema no romance – o tempo ficcional .............7 3.5 Contexto e seleção ...............................................................................................8 4 REALISMO NO ROMANCE ....................................................................................9 5 TEMPO E ESPAÇO ..............................................................................................12 6 ESTRUTURAS NARRATIVAS ..............................................................................14 7 ANÁLISE DO TEMPO EM JOANINHA DOS OLHOS VERDES ...........................18 8 GUERRAS LIBERAIS x JOANINHA DOS OLHOS VERDES ...............................25 9 BIOGRAFIA DE GARRETT x JOANINHA DOS OLHOS VERDES .......................31 10 CONCLUSÃO ......................................................................................................34 REFERÊNCIAS ........................................................................................................36 APÊNDICE ...............................................................................................................37

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1 Introdução A idéia deste trabalho surgiu quando tomei conhecimento da obra de

Almeida Garrett ao ler Viagens na minha terra1. No prefácio, Garrett já nos dá uma

mostra da diversidade de temas que ele irá tratar ao longo de sua obra. Ao mesmo

tempo em que se propõe a escrever uma viagem ele deixa claro que pretende fazer

desta a sua grande obra e não apenas o que se conhecia por literatura de viagem.

Esta intenção seria malograda não fosse feita por um escritor do porte de Garrett.

Já no início existe uma referência a Xavier de Maistre que escreveu uma

obra chamada Voyage autour de ma chambre, onde o autor relata o que se passa

durante 42 dias dentro de seu quarto. Garrett irá mais longe e pretende relatar a

viagem que fará de Lisboa à Santarém; que ficamos sabendo ao final do livro que

durou seis dias.

Garrett transforma esta viagem em uma narração de 49 capítulos. E dentro

desta narração insere um romance sobre a “Joaninha dos olhos verdes”.

O objetivo deste trabalho é mostrar a importância do tempo no romance.

Para isto pretendo trabalhar com Viagens na minha terra, fazendo um

recorte do romance interno da “Joaninha dos olhos verdes”.

Para sustentar as discussões acerca do tempo neste recorte irei me

embasar no trabalho de Umberto Eco em Seis passeios pelos bosques da ficção

onde ele analisa a obra Sylvie de Gérard de Nerval. Iniciarei com uma teorização

sobre o tempo no romance e as diversas técnicas literárias utilizadas para marcá-lo

e representá-lo.

Outros aspectos que serão tratados são as relações biográficas de Garrett

com o personagem Carlos e as guerras liberais que marcam o período tratado no

romance.

1 GARRETT, A. Viagens na minha terra . Apresentação Célia Aparecida Nasrala Passoni, São Paulo, Núcleo, 1992. Todas as citações sobre a obra são referentes a esta edição.

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2 Viagens na minha terra – aspectos gerais

Non, je ne tiendrai plus mon livre in petto; le voilà, messieurs, lisez. J'ai entrepris et exécuté un voyage de quarante-deux jours autour de ma chambre. Les observations intéressantes que j'ai faites, et le plaisir continuel que j'ai éprouvé le long du chemin, me faisaient désirer de le rendre public; la certitude d'être utile m'y a décidé. Mon coeur éprouve une satisfaction inexprimable lorsque je pense au nombre infini de malheureux auxquels j'offre une ressource assurée contre l'ennui, et un adoucissement aux maux qu'ils endurent. Le plaisir qu'on trouve à voyager dans sa chambre est à l'abri de la jalousie inquiète des hommes; il est indépendant de la fortune2.

Trabalhar com Viagens na minha terra é um grande desafio. Quando

comecei a ler novamente esta obra de Garrett notei o quão rico é este material.

Vários temas podem ser analisados: as digressões, as referências literárias,

as guerras liberais, os monumentos, os vultos, o romance, entre outros.

Já no início Garrett nos oferece a referência inicial de sua obra, Xavier de

Maistre com a sua Voyage autour de ma chambre. De forma irônica ele nos diz que

só quem mora nos Alpes pode se contentar em escrever dentro de um quarto, que

se Xavier de Maistre morasse em Lisboa teria ido pelo menos até o quintal.

Ele se propõe a viajar de Lisboa a Santarém e promete que irá relatar tudo

que vir ou ouvir, pensar ou sentir. Mas já no capítulo 5 ele se desmente

...- cuidas que vamos estudar a história, a natureza, os monumentos, as pinturas, os sepulcros, os edifícios, as memórias da época? Não seja pateta, senhor leitor, nem cuide que nós o somos... p. 32

E reforça no capítulo 29

Muito me pesa, leitor amigo, se outra coisa esperavas das minhas viagens, se te falto, sem o querer, a promessas que julgastes ver nesse título, mas que eu não fiz decerto. Querias talvez que te contasse, marco a marco, as léguas de estrada? palmo a palmo, as alturas e larguras dos edifícios? dos algarismo por algarismo as datas de sua fundação? que te resumisse a história de cada pedra, de cada ruína?... p. 113

E o romance vai se desenvolvendo em torno de várias digressões muitas

delas literárias. Em muitos momentos ele conversa com o leitor, ou leitora, que ele

trata sempre de forma educada e carinhosa. Utiliza termos como: benévolo leitor,

amável leitora, leitor amigo, entre outros.

O tema escolhido para ser analisado é o tempo. Veremos nos próximos capítulos algumas questões ligadas ao tema. 2 Xavier de Maistre, Voyage autour de ma chambre . Disponível em <http://www.gloubik.info/demais ter/Voyage-autour-de-ma-chambre.html> Acesso em: 10/11/2008.

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3 Cronologia no Romance

Adam Abraham Mendilow, em 1969, na obra Tempo e romance, trabalhou,

como o título sugere, com a questão da relação do tratamento do tempo no gênero

romance. Para tratar desse assunto ele primeiro iniciou uma discussão filosófica e

histórica em relação ao tempo. Segue com uma análise sobre o romance com

relação a outras artes distinguindo as artes temporais das espaciais. Discute a

dificuldade de transpor a realidade para a linguagem que é a mídia da literatura.

Mendilow apresenta-nos os seguintes valores temporais:

3.1 Tempo pelo Relógio ou Tempo Conceitual:

Para tratar deste valor Mendilow busca alguns conceitos em Isaac Newton

segundo o qual o tempo conceitual é o tempo que é marcado por uma referência

externa criado pelo homem como uma hora, um dia um mês, etc... Contrasta com o

tempo psicológico que é o tempo de percepção. Quando nós pensamos o fazemos

de maneira aleatória não nos fixamos no tempo conceitual, o tempo do relógio não

tem nenhum significado para a nossa imaginação. Mas podemos marcar as nossas

ações projetando-as em uma medida apenas com fins de comparação.

Para a ficção, deve-se distinguir entre a duração cronológica da leitura, a

duração cronológica do escrever, e a duração cronológica do tema romance. Para o

último, seria mais simples usar o termo “tempo ficcional”.

3.2 A duração cronológica da leitura

É a extensão do tempo que o leitor usa para ler um romance, enquanto

julgado pelo relógio. Existem diversos fatores que podem influenciar nesta duração.

Normalmente esta duração está diretamente relacionada à extensão do romance,

mas outros fatores como o gosto do leitor pelo romance ou a sua complexidade

poderão influir.

3.3 A duração cronológica do escrever

É o tempo que o escritor leva para escrever o romance, aqui também julgado

pelo relógio. Este tempo pode ser influenciado muitas vezes pela urgência que as

editoras exigem dos seus escritores. Para atender um mercado consumidor e

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enfrentar a concorrência estipulam prazos exíguos para que os escritores entreguem

seus romances. Isto pode resultar em perdas significativas na qualidade do

romance.

Mendilow cita o Marquês de Sade:

Ne l´adopte pás [le métier d´scrivain de romans] surtout comme un secours à ton existence; ton travail se ressentirait de tes besoins, tu lui transmettrais ta faiblesse; il aurait la pâleur de la faim: dáutres métiers se présentent à toi; fais dês souliers, et n´écris point dês livres.3

Ocasionalmente a duração cronológica do escrever serve de tema para o

próprio escritor como vemos em Tristram Shandy, 1759, de Sterne, Em busca do

tempo perdido, 1913, de Proust e Os falsos moedeiros, 1926, de Gide.

3.4 A duração pseudocronológica do tema no romance – o tempo ficcional

O tempo ficcional implica a passagem de tempo durante a qual as coisas

permanecem ou eventos acontecem no romance. É o que faz com que um minuto do

relógio seja relatado por longas páginas ou que uma vida seja apresentada em um

pequeno trecho do romance. Existe um acordo tácito entre o leitor e o escritor para

que isto ocorra.

Podemos notar em Viagens na minha terra que Almeida Garrett ocupa vários

capítulos de digressões que vão retratar apenas algumas horas ou minutos de sua

viagem.

Benévolo e paciente leitor, o que eu tenho decerto ainda é consciência, um

resto de consciência: acabemos com estas digressões e perenais

divagações minhas. Bem vejo que te deixei parado à minha espera no meio

da ponte da Asseca – p. 48

Em outros momentos ele concentra em um capítulo meses ou anos

passados.

E assim se tinham passados dois anos até a sexta feira em que primeiro

vimos juntos à porta da casa aquelas três criaturas, assim se passou até daí

a oito dias que a nossa história volta a encontrá-los. – p. 73

3 Marquês de Sade. Idée sur lês Romans, publicado post-mortem, 1878, p.3 in Mendilow, A.A. O tempo e o romance , Trad. Flavio Wolf, Porto Alegre, Globo, 1972.

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3.5 Contexto e seleção

Existem romances que irão retratar a vida inteira de um personagem, outros

irão retratar apenas alguns segundos desta existência. Para que o escritor possa

apresentar os fatos relevantes que pretende nos mostrar faz-se necessário que ele

identifique qual é o período que pretende retratar.

Se tivéssemos que retratar a realidade da vida de uma pessoa seria

necessário escrevermos segundo a segundo o que se passa com ela desde o seu

nascimento até a sua morte. Como isto não é possível devemos selecionar apenas

os fatos relevantes sobre a vida desta personagem deixando de lado os momentos

menos importantes.

Para causar este efeito em suas obras alguns escritores optam por pular

longos trechos, onde nada de importante acontece, deixando lacunas temporais. Isto

pode ser feito simplesmente utilizando termos como: “dez anos se passaram”.

Alguns escritores preferem fazer esta transição de uma forma mais gradual e

utilizam alguns artifícios que o ajudarão a alongar ou reduzir o tempo. Entre estes

artifícios temos as séries de flashbacks intercalados, as correntes de consciência, a

troca de tempo e o longueur propositado.

Nas séries de fashbacks temos remissões a situações ocorridas em tempos

passados, podendo ocorrer em cadeia. Nas correntes de consciência o escritor

remete ao pensamento do personagem, como a mente humana não funciona de

forma cronológica pode-se trabalhar com eventos sem depender de uma seqüência

linear. A troca de tempo permite ao escritor passar para um outro período de tempo

fazendo com que as lacunas temporais apesar de continuarem não sejam

percebidas. O longueur propositado é um desdobramento demasiado do tempo que

pode ser feito através de uma digressão.

Garrett utiliza muito bem estes artifícios e como vemos em Viagens na

minha terra o uso de digressões acaba dando um alongamento a obra.

Daí a fragmentação do texto, as inúmeras digressões com que ele se

distancia de uma narrativa organizada e linear e o complexo jogo existente

entre o tempo do discurso ou do narrador e o tempo da história.4

4 DUARTE, Lélia Parreira. Ironia romântica e modernidade em Viagens na minha terra. In - Almeida Garrett, um romântico, um moderno – Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 2003, pag 151.

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4 Realismo no romance

Ian Watt no livro A ascenção do romance, 1957, nos traz uma discussão

sobre o romance. Ele questiona se o romance é uma forma literária nova e busca

qual seria a diferença entre o romance e as formas literárias anteriores. Baseando-

se em autores que ficaram conhecidos como os precursores deste novo gênero

literário, Ian Watt procura qual o ponto comum nas obras destes autores.

Segundo ele, após uma análise com perspectiva bastante alargada, os

historiadores do romance puderam encontrar a características que seriam

determinantes na definição deste gênero. Para eles a busca pelo realismo é a marca

que identifica o romance como sendo diferente das formas literárias anteriores.

Ian Watt nos explica que não devemos entender o realismo como apenas a

busca pelo real, pois isto já ocorria em outras formas romanescas. Aqui o termo está

relacionado ao realismo filosófico e significa a propriedade que o indivíduo possui de

descobrir a verdade através de seus próprios sentidos.

O romance surgiu na época moderna, época em que a orientação intelectual geral estava em ruptura completa com a sua herança clássica e medieval, pelo menos enquanto rejeitava, ou tentava rejeitar, os universais.5

Algumas questões importantes são levantadas para demonstrar como os

traços do realismo filosófico estão ligados aos traços distintivos da forma do

romance.

Primeiramente temos a questão do individualismo. Até o surgimento do

romance os demais gêneros literários retratavam o homem como um ser pertencente

a uma realidade universal. Os autores seguiam modelos rígidos que identificam os

gêneros. Os temas eram buscados nos clássicos onde a natureza era tida como

pronta e imutável. O romance quebra com essa prática e passa a retratar o indivíduo

como participante de seu tempo.

Além na mudança do tema que de geral e universal passa a ser específico e

individual outros fatores importantes do romance são a caracterização e

apresentação do cenário de fundo. É a representação pormenorizada do que rodeia

o indivíduo.

5 R.I. Aaron, The theory of universals, Oxford, 1952, pp. 18-41 In Realismo e forma romanesca, Literatura e realidade . Tradução Tereza Coelho, Arte e sociedade, Lisboa, Dom Quixote, 1984

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Para melhor individualizar o personagem faz-se necessário também a

nomeação do mesmo. Nos gêneros anteriores os personagens também

apresentavam nomes, mas normalmente estes nomes eram representativos de uma

classe ou de um indivíduo tipo. No romance os personagens passam a ter nome e

sobrenome que mesmo que sejam inventados apresentam uma representação mais

próxima da realidade.

Outro fator importante para a individualização é a questão do tempo.

Segundo Ian Watt o tempo é uma categoria essencial para a definição da

individualidade de um objeto qualquer e cita Locke com o seu princípio de

individualização. Para Locke as idéias se tornam gerais quando não estão

relacionadas às condições espaço-temporais. E para Watt os personagens do

romance só podem ser individualizados se forem situados num espaço e tempo

determinados. A importância do tempo no romance é reforçada por Watt. Ele lembra

que o papel do tempo na literatura antiga é muito diferente da que o romance

assume. Exemplifica que na tragédia a ação se restringia a 24 horas.

Conforme já vimos anteriormente, a individualização só se completa com a

sua ligação tempo-espaço. Portanto um outro fator bastante importante para a

definição do romance está na descrição que o escritor faz do espaço. Os

pormenores dos espaços internos ou a descrição pictórica de uma cena ajudando a

situar a personagem em um determinado local nos farão identificar melhor este

indivíduo.

O último fator que Ian Watt identifica como importante para marcar a

distinção do romance com outros gêneros literários é a utilização da palavra. Para

ele a palavra passa a ter a necessidade de ser utilizada no seu significado próprio

para a definição das coisas. O romancista é, sobretudo, um relator dos

acontecimentos e deve fazer este relato de forma clara e precisa. Para Ian Watt a

utilização de figuras de linguagem dando um valor poético para a prosa não deve ser

feita.

Vistos estes fatores descritos por Ian Watt é interessante fazer uma leitura

do Viagens na minha terra buscando identificar estes elementos na obra de Garrett.

Partindo da questão da identidade das personagens vemos que os nomes que

Garrett dá as suas personagens, ou são nomes de pessoas contemporâneas suas, e

todas reconhecidamente fazem parte da história de Portugal, ou são nomes que

encontraríamos facilmente na vida real, caso de Carlos, Joana, etc...

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As descrições dos lugares, locais e pessoas são bastante precisas.

As marcas do tempo através de datas que podem ser checadas com a

história de Portugal e dos locais que são toponímias também facilmente

identificáveis mostram que Garrett teve a preocupação espaço-temporal do

romance.

Notamos também que a linguagem utilizada é bastante simples e direta. Não

precisamos fazer nenhum esforço para entendermos a narração.

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5 Tempo e espaço

Desde a Poética de Aristóteles o tempo é tido como um elemento formador

dos gêneros literários. Para ele o tempo é uma medida de duração e pode refletir a

ocorrência de uma mudança.

Desta concepção surgem duas vertentes que tratam do tempo na teoria

literária. Uma entende o tempo como medida de duração e movimento e a outra vê o

tempo como agente formador dos gêneros literários.

Os estruturalistas definem dois planos temporais: o discurso, que é o tempo

de narrar a história e o vivido que é o tempo narrado.

Os formalistas russos trabalham o tempo entre a reflexão sobre o motivo,

que define a passagem dos acontecimentos (fábula) para a composição literária

(trama).

O mito, a lenda e a história universal dão lugar à experiência individual.

Passa a ser importante a identidade nominal e localização espacial.

Bakhtin trabalha com a idéia de que o tempo e o espaço têm que ser

trabalhados juntos para que possamos definir um gênero literário. Para definir

melhor esta sua teoria Bakhtin irá se valer do conceito que ele batizou de cronotopo,

definido em seu trabalho intitulado Formas de tempo e de cronotopos no romance:

ensaios de poética histórica (1937).

A função do cronotopo para Bakhtin seria para analisar conjuntamente as

relações histórico-biográficas, representados na literatura pelo tempo, e as sociais,

representadas pelo espaço.

Ele vai buscar o termo cronotopo na teoria da relatividade de Einstein da

qual ele faz uma metáfora e traz para a literatura uma indissociabilidade entre o

tempo e o espaço. Para Bakhtin o romance é um sistema de representação do

homem que se define no espaço e no tempo das civilizações. Segundo ele o

cronotopo é a representação em dado momento do tempo e que o gênero literário

não morre, mas vai apenas incorporando novas representações através do tempo.

Ou seja, para ele existia um romance grego que representava a cultura da época

com as suas nuances e, portanto apresentava o seu cronotopo. Na Idade Média este

cronotopo incorpora outra realidade que vai trazer um novo tipo de romance que

incorpora o que havia no romance grego.

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Reproduzo aqui o quadro que representa a tipologia cronotópica dos

gêneros do romance para Bakhtin.

FIGURA 1: Tipologia cronotópica dos gêneros do romance FONTE: Reproduzido da obra MACHADO, I.A. O romance e a voz: a prosaica dialógica de M. Bakhtin. Rio de Janeiro, Imago Editora. 1995. Pág.41

Podemos situar Viagens na minha terra no cronotopo da narrativa de

viagem.

* É designado com o termo alemão Bildungsroman (romance de aprendizagem ou formação) o tipo de romance em que é exposto de forma pormenorizada o processo de desenvolvimento físico, moral, psicológico, estético, social ou político de uma personagem, geralmente desde a sua infância ou adolescência até um estágio de maior maturidade.

gêneros antigos romance grego

sátira

biografia

romance de

provação

cronotopo da aventura e da povoação

romance de

provação

romance de

aventura

romance de

formação

narrativa de

viagem

romance picaresco

romance biográfico

novela de cavalaria

Bildungsroman *

romance realista

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6 Estruturas narrativas

Para Umberto Eco em Lector in Fabula, o texto deve ser apreendido pelo

leitor por um conhecimento enciclopédico que ele possui. Deve existir uma

cooperação textual entre o autor e o leitor.

Para uma comunicação frente a frente utilizamos várias formas de reforço

extralingüístico como gestos, feições, etc.

Para um texto escrito o autor tem que utilizar uma série de competências e

estas competências tem que ser entendidas pelo leitor. Ele estará criando assim um

leitor modelo.

Eco faz uma distinção entre o leitor modelo e o leitor empírico. Para ele o

leitor empírico é aquele que lê um texto sem a preocupação de reconhecer todas as

competências que o autor utilizou. O leitor modelo deve procurar o autor modelo.

Tentar entender como ele gerou uma obra imaginando como o leitor iria se

comportar diante de seu texto. Desse leitor modelo espera-se que faça várias

leituras do texto para encontrar todas as possíveis interpretações.

É esta a idéia que tenho em mente. Ser um leitor modelo para a obra de

Garrett. Para entender as Viagens na minha terra, de Garrett, é preciso estar atento

às formas utilizadas pelo autor para criar sua obra. As técnicas utilizadas, a forma

narrativa, os recursos empregados para prender o leitor.

Garrett em vários momentos chama a atenção do seu leitor para dirigi-lo. Ele

sempre está se comunicando com os leitores para explicar onde apresenta uma

digressão, o que é relevante ou não na opinião dele, e a forma que utiliza para

trabalhar seu texto.

Umberto Eco utiliza-se da definição dos formalistas russos entre fábula e

enredo.

Fábula é o esquema fundamental da narração, a lógica das ações e a

sintaxe das personagens, o curso de eventos ordenado temporalmente.

Enredo é a história como de fato é contada, conforme aparece na

superfície, com as suas deslocações temporais, saltos para frente e para

trás (antecipações e flashback), descrições, digressões, reflexões

parentéticas.6

6 Eco, U. Seis passeios pelos bosques da ficção , Tradução Hildegard Feist, São Paulo, Companhia das Letras, 1994.

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Ou seja, se formos marcar a fábula e o enredo em Viagens na minha terra,

teremos:

Fábula: Almeida Garrett resolve fazer uma viagem entre Lisboa e Santarém

e escrever um livro sobre ela. Sai de Lisboa no dia 17 de julho de 1843 passa por

Azambuja, Pinhal do Azambuja, Cartaxo e o Vale do Santarém, onde inicia um

Romance dentro da obra, segue para Santarém. Passa 2 dias visitando as cidades

de Santarém e Ribeira, começa o caminho de volta passando novamente pelo Vale

de Santarém onde termina o romance e retorna a Lisboa.

Enredo: Almeida Garrett faz digressões sobre o livro Voyage autour de ma

chambre de Xavier de Maistre dizendo que só pode escrever uma viagem desta

quem mora nos Alpes. Ele irá fazer uma obra relatando sua viagem de Lisboa a

Santarém. Sai de Lisboa no dia 17 de julho de 1843, uma segunda-feira, às 6 horas

da manhã. Embarcam e seguem pelo rio Tejo onde o autor vai tecendo alguns

comentários sobre a passagem até chegarem ao desembarcadouro de Vila Nova da

Rainha. O autor faz grande digressão discutindo sobre os materialistas

representados por Sancho Pança e os espiritualistas representados por D. Quixote.

Vão a Azambuja. Faz um relato da estalagem onde tomam uma limonada. Chegam

ao Pinhal do Azambuja. O autor relata a sua decepção e questiona o que foi feito

com o Pinhal do qual ele possuía na memória como um grande bosque. Faz uma

grande digressão sobre os Lusíadas de Camões e diz que vai ao mundo dos mortos

encontrar com o Marquês de Pombal para perguntar o que ele fez com o Pinhal de

Azambuja. Chega a Cartaxo. Fala sobre a importância de viajar. Explica como

consegue saber tudo sobre um lugar apenas visitando um café. Conversam com o

dono do Café e seguem em visita a Cartaxo. Vão para a charneca. O autor faz um

belo retrato da charneca. Chegam a ponte de Asseca, nova digressão agora sobre o

passado do autor. Chegam ao vale do Santarém. Faz uma descrição sobre a beleza

do vale. Vê uma janela e pensa em um romance. Um amigo de viagem conta que ali

morava uma jovem conhecida como a menina dos rouxinóis. Começa a cantar o

romance da Joaninha dos olhos verdes. Chegam a Santarém. Conta a história de

Santa Iria nas formas popular e religiosa. Passeiam por Santarém. Continua a

história da Joaninha. Vão à Ribeira onde mais uma vez o autor se decepciona. Novo

passeio por Santarém. Conta a história da profanação do túmulo de S. Frei Gil.

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Cansa-se da viagem e das coisas que vê. Vai embora e no caminho encontra Frei

Dinis e D. Francisca. Conta o final da história da Joaninha através da carta de

Carlos. Vai ao Cartaxo e depois a Lisboa. Termina a viagem.

Vamos fazer esta mesma experiência para a “Joaninha dos olhos verdes”.

Fábula: Carlos perde sua mãe quando nasce. Morrem o pai, a tia e o tio. É

criado junto com a prima por sua avó. Vai estudar em Lisboa. Vai para a guerra. Sua

avó fica cega. Carlos volta para casa onde reencontra Joaninha. Descobre que o

Frei é seu pai e desolado vai embora. Torna-se barão.

Enredo: Uma senhora está sentada em frente a uma casa enrolando um

novelo de lã. O novelo cai, ela pede ajuda a sua neta Joaninha que estava dentro da

casa. Ficamos sabendo que ela é cega. Chega Frei Dinis, conversam alguns

instantes. Ela pergunta pelo neto. Ele conta que o neto da velha está em Lisboa com

os soldados liberais. Os dois discutem e o Frei vai embora. É-nos revelado que Frei

Dinis havia entrado para a vida religiosa motivado por algo que ocorreu no passado.

Que quando o filho e o genro de D. Francisca ainda eram vivos ele freqüentava a

sua casa. Que parou de freqüentá-la quando os dois morreram. Que um dia resolveu

virar frade. Depois de alguns anos sumidos passou a vir toda sexta-feira a casa da

velha. Carlos, que estava estudando em Lisboa volta para casa. Encontra com Frei

Dinis e discute com ele sobre algo que aconteceu no passado. Comunica a sua avó

que vai embora para o exílio porque defendia as idéias dos liberais. Parte. No dia

seguinte a avó após longa discussão com frei Dinis fica cega. Passam dois anos

estamos novamente no vale. Oito dias se passaram desde a conversa inicial de Frei

Dinis e D. Francisca. Frei Dinis trás uma carta de Carlos. Na semana seguinte ele

leva a resposta. Carlos não dá notícias durante anos. A guerra liberal chega a

Santarém. O vale fica dividido pelas tropas liberais e absolutistas. Joaninha circula

livremente entre eles. Carlos volta para o vale e encontra com Joaninha. Os dois se

revelam apaixonados. Carlos fica em dúvida em relação aos seus sentimentos e

prefere ir para a batalha. É ferido e fica aos cuidados de Georgina sua antiga amada

acompanhado de perto por Frei Dinis. Quando melhora fica sabendo que Frei Dinis é

seu pai e que foi ele o responsável pelas desgraças ocorridas em sua família.

Georgina vai embora por entender que Carlos e Joaninha deveriam se casar. Carlos

vai embora. Manda uma carta contando seus romances para Joaninha e explicando

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para ela porquê ela não o merece. Joaninha morre, Georgina vira abadessa, a avó

de Carlos e Frei Dinis apenas aguardam suas mortes. Carlos torna-se barão.

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7 Análise do tempo em Joaninha dos olhos verdes.

Umberto Eco em Seis passeios pelos bosques da ficção faz uma nova

reflexão sobre a condução do romance por parte do autor e utiliza o romance Sylvie

como exemplo. Ele vai mostrar que os recursos utilizados por Nerval para narrar a

história do protagonista de Sylvie fazem com que o romance ganhe ares de

nebulosidade ficando difícil para o leitor entender em que tempo os fatos acontecem.

Segundo Eco, Nerval faz isto utilizando recursos de flashbacks e flashforwards.

Eco vai destacar as marcas de tempo encontradas durante o romance e vai

criar um diagrama onde o eixo x representa os capítulos e o eixo y representa as

marcas do tempo.

Ele vai determinar a data em que o romance foi escrito como um tempo

inicial, em 1853, mas deixa claro que esta determinação é arbitrária. Depois disso

ele vai construir uma seqüência de marcas por comparação.

No caso de Eco este trabalho é bastante complexo, pois a única data que o

texto possui é a data da morte de Adrienne que ocorre em 1832. A partir desta data

Eco faz um trabalho de detetive para determinar as demais datas.

O resultado deste trabalho pode ser visto na figura 2 na página 19.

No caso de Viagens na minha terra não teremos tanta dificuldade pois

Garrett nos apresenta algumas datas.

Para auxiliar nesta tarefa foi desenvolvido um quadro contendo a relação de

todos os capítulos onde estão descritas as referências às datas, lugares e outros

elementos que remetem a questão do tempo. Este quadro pode ser visto na página

20.

Considerando para o valor arbitrário T0 a data atual que é variável.

Explicando melhor: como Garrett faz muitas chamadas ao leitor considera-se que

cada chamada destas é uma fuga para a data em que o leitor está lendo o livro. Isto

deu-se em 1843 quando a obra foi publicada e continuará a acontecer enquanto

houverem leitores para este romance.

Fazendo um trabalho semelhante ao de Eco desenvolvemos o diagrama da

figura 3 na página 21.

Page 21: O Tempo no Romance: Um recorte da Joaninha dos olhos Verdes

19

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 Noite Adr Res Cit Ald Oth Cha Lois Erm janota Ret Père Aur Última* 1830 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 1831 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 1832 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 1833 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 1834 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 1835 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 1836 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 1837 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 1838 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... Tempo 1 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 11 horas ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 12 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 13 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 14 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 15 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 16 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 17 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 18 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 19 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 20 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 21 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 22 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 23 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 24 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 1 hora ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 2 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 3 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 4 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 5 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 6 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 7 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 8 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 9 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 10 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 1 dia depois ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... Dia seguinte ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... Uma manhã ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... Poucos meses ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... Um dia ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... Dias depois ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 2 meses ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... Verão seguinte ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 1839 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... 1853 ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... TEMPO 0 FIGURA 2 : DIAGRAMA TEMPO x CAPÍTULOS DA OBRA SYLVIE FONTE: REPRODUZIDO DE SEIS PASSEIOS PELOS BOSQUES DA FICÇÃO. COPYRIGHT BY EDITORA SCHWARCZ LTDA, 2006, PÁG. 46

Page 22: O Tempo no Romance: Um recorte da Joaninha dos olhos Verdes

20 Capítulo 1 Capítulo 2 Capítulo 3 Capítulo 4 Capítulo 5 Capítulo 6 Capítulo 7 Capítulo 8 Capítulo 9 Capítulo 10

17/07/1843 (seg)

Lisboa

Alhandha

Vila Franca

17/07/1843 (seg)

Desembarcadouro da Vila da Rainha

Azambuja

Vila Nova

17/07/1843 (seg)

Pinhal do Azambuja

17/07/1843 (seg) 17/07/1843 (seg)

Pinhal do Azambuja

17/07/1843 (seg)

Cartaxo

17/07/1843 (seg)

Café do Cartaxo

Passeio no Cartaxo

17/07/1843 (seg)

Charneca

Ponte de Asseca

17/07/1843 (seg)

Ponte de Asseca

Vale do Santarém

17/07/1843 (seg)

ref. Há 10 anos

Capítulo 11 Capítulo 12 Capítulo 13 Capítulo 14 Capítulo 15 Capítulo 16 Capítulo 17 Capítulo 18 Capítulo 19 Capítulo 20

1832

idade da avó

± 70 anos

Vale do Santarém

1832

idade da Joaninha

16 anos

Vale do Santarém

1843 (seg)

frades x barões

Vale do Santarém

1843 (seg)

desembarque dos liberais no Porto

Vale do Santarém

1843 (seg)

Dinis aos 50 anos

Ref. 2 anos sem ver Carlos

Vale do Santarém

1843 (seg)

Dinis corregedor 1825

Dinis frade 1827

Dinis volta a freqüentar a casa um pouco antes de 1830

Carlos formado 1830

Idade de Carlos 21 anos

mês de agosto

sexta-feira

sábado

próxima sexta-feira

3 dias depois avó fica cega

passam 2 anos

Vale do Santarém

1832

oito dias depois

Vale do Santarém

1832

mais uma semana

mais semanas

meses

passa de 1 ano

meados de 1833

Liberais tomam Algarve

Liberais tomam Lisboa

Miguelistas cercam Lisboa

outubro

Vale do Santarém

1833

Retirada de 11 de outubro

Liberais no Cartaxo

D. Miguel em Santarém

meses

abril

ref. Janela cap. 10

Vale do Santarém

1834

ref. leitoras

idade de Carlos talvez 30 anos

novembro

ref. 2 anos sem ver Joaninha

Vale do Santarém

Capítulo 21 Capítulo 22 Capítulo 23 Capítulo 24 Capítulo 25 Capítulo 26 Capítulo 27 Capítulo 28 Capítulo 29 Capítulo 30

1834

Vale do Santarém

1834

dia seguinte

ref. 3 anos sem ver Joaninha

ref. leitor

Vale do Santarém

1834

ref. leitoras

mesmo dia

Vale do Santarém

1834

mesmo dia

ref. 15 anos mais entre Carlos e Joaninha

Vale do Santarém

1834

mesmo dia

Vale do Santarém

1834

ref. autor

ref. leitor

fim de tarde

Vale do Santarém

1843 (seg)

fim do dia

ref. leitor

Santarém

1843 (ter)

jantar

noite

Santarém

1843 (ter)

ref. leitor

ref. Santa Iria

Santarém

1843 (ter)

ref. Santa Iria

Santarém

Capítulo 31 Capítulo 32 Capítulo 33 Capítulo 34 Capítulo 35 Capítulo 36 Capítulo 37 Capítulo 38 Capítulo 39 Capítulo 40

1843 (qua)

10 horas da manhã

ref. leitor

Santarém

1834

ref. capítulo 25

ref. leitor

ref. batalhas de Pernes e Almoster

outro dia

dias

semanas

Santarém

1834

Santarém

1834

ref. batalha de Asseisseira

ref. evacuação de Santarém

Santarém

1834

idade de Joaninha pouco mais de 16 anos

3 dias depois

Santarém

1843 (qua)

ref. futuro de Carlos

ref. leitor

Santarém

1843 (qua)

ref. leitor

Ribeira

1843 (qua)

fim da tarde

Santarém

1843 (qui)

outro dia

Santarém

1834

noite

Santarém

Capítulo 41 Capítulo 42 Capítulo 43 Capítulo 44 Capítulo 45 Capítulo 46 Capítulo 47 Capítulo 48 Capítulo 49

1843 (sex)

ref. leitor

Santarém

1843 (sex)

ref. final do capítulo anterior

Santarém

1843 (sex)

sexta-feira

Vale do Santarém

1843 (sex)

carta de Carlos

Vale do Santarém

1843 (sex)

carta de Carlos

Vale do Santarém

1843 (sex)

carta de Carlos

Vale do Santarém

1843 (sex)

carta de Carlos

Vale do Santarém

1843 (sex)

carta de Carlos

Vale do Santarém

1843 (sáb)

Vale do Santarém

Cartaxo

Lisboa QUADRO 1: CAPÍTULOS DA OBRA VIAGENS NA MINHA TERRA CONTENDO REFERÊNCIAS AS DATAS, LUGARES E OUTROS ELEMENTOS QUE REMETEM AO TEMPO FONTE: O AUTOR (2008)

Page 23: O Tempo no Romance: Um recorte da Joaninha dos olhos Verdes

21

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48 49 1825 ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... 1827 ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... 1830 ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... 1832 ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... 8 dias depois ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... dias ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... semanas ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... meses ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... 1833 ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... abril ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... novembro ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... dia seguinte ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... 1834 ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... 16/17 maio ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... 1843 ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... TEMPO 0 ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... FIGURA 3: DIAGRAMA TEMPO x CAPÍTULOS DA OBRA VIAGENS NA MINHA TERRA FONTE: O AUTOR (2008)

Page 24: O Tempo no Romance: Um recorte da Joaninha dos olhos Verdes

22

Agora vamos fazer o recorte de “Joaninha dos olhos verdes”.

Garrett só inicia a história da “Joaninha dos olhos verdes” no capítulo 11. Do

primeiro até o décimo primeiro capítulo somos levados de Lisboa até o vale de

Santarém através de relatos e digressões do autor. No capítulo 13 o autor nos

apresenta uma digressão sobre frades e barões. Do capítulo 14 ao 25 continua a

história. Do capítulo 26 até o capítulo 31 voltamos à viagem. No capítulo 32 o autor

nos pede que recordemos do capítulo 25 e dá continuidade a história. No capítulo 36

temos uma nova retomada da viagem que irá até o capítulo 42. Os próximos

capítulos serão dedicados a finalizar a história de Joaninha, sendo que os capítulos

43 ao 48 apresentam a carta que Carlos escreveu para Joaninha após partir para

Évora.

Encontramos algumas datas definidas.

• Data da saída para a viagem: 17 de julho de 1843

• Encontro com a Duquesa de Abrantes: 1831

• Início da história da Joaninha: 1832

• Dinis é corregedor e é transferido do Ribatejo ao Porto: 1825

• Volta de Carlos após se formar: 1830

• Reação religiosa: 1842

Mas também podemos deduzir algumas datas através do texto.

• Dinis torna-se Frei dois anos depois de ter sido transferido para o Porto como

isto aconteceu em 1825, sabemos que ele virou Frei Dinis em 1827.

Outra análise pode ser feita em relação a idade dos personagens.

No capítulo 12 Joaninha é apresentada e segundo a descrição ela tinha um

corpo de 16 anos. Podemos entender que ela ainda não havia completado os 16

anos, mas estava próxima disso. Este fato ocorre em 1832. Depois no capítulo 35

Joaninha volta a ser apresentada com 16 anos.

Joaninha não era bela, talvez nem galante sequer no sentido popular e expressivo que a palavra tem em português, mas era o tipo de gentileza, o ideal da espiritualidade. Naquele rosto, naquele corpo de dezesseis anos, havia por dom natural e por uma admirável simetria de proporções toda a elegância nobre, todo o desembaraço modesto, toda a flexibilidade graciosa que a arte, o uso e a conversação da corte e da mais escolhida companhia vêm a dar a algumas raras e privilegiadas criaturas no mundo. p. 55

Page 25: O Tempo no Romance: Um recorte da Joaninha dos olhos Verdes

23

... uma velha decrépita e meia morta, arrastada por uma criança de pouco mais de dezesseis anos, estava diante de Carlos, e ambas cobriam com seus débeis corpos a frágil e extenuada figura da sua vítima. p. 130

No capítulo 16 é feito um flashback para o ano de 1830 e somos informados

que Carlos havia acabado de se formar e que tinha 21 anos. É na voz do próprio

Carlos que obtemos esta informação.

Não assim Carlos, o primo, o companheiro, o único amigo do nossa Joaninha, o outro neto da velha por sua filha. Andava ele já no último ano de Coimbra e ia formar-se em leis, quando Frei Dinis da Cruz começou de novo a freqüentar a casa que Dinis de Ataíde tinha abandonado. p. 71

—Por quê? eu hei de ser sempre criança? A minha vida há de ser esta? Horácio! Tenho bom ânimo para ler Horácio agora... e é bela ocupação para um homem de vinte e um anos, escandar jambos e troqueus! p. 71

No capítulo 22, Carlos nos diz que fazia três anos que não via Joaninha e

que neste tempo ela havia se tornado uma mulher.

... Não já a mesma Joaninha de há três anos, não a mesma imagem que ele trazia, como a levara, no coração; mas uma gentil e airosa donzela, uma mulher feita e perfeita, e que nada perdera, contudo, da graça, do encanto, do suave e delicioso perfume da inocência infantil em que a deixara! p. 90

No capítulo 24, Carlos diz a Joaninha que lembrava dela quando era uma

criança que ele carregava no colo e que o fazia brincar apesar de ter 15 anos mais.

Neste ponto fica a dúvida se Carlos quis dizer que tinha 15 anos de diferença a mais

que Joaninha ou se ele tinha um pouco mais de 15 anos. Se for a primeira hipótese

as contas não fecham, pois se Carlos saiu de casa com 21 anos ao voltar ele deve

estar com 22 ou 23 anos. Como Joaninha tem 16 anos a diferença é de apenas seis

anos entre eles.

... aquela Joaninha com quem eu andava ao colo, que trazia às cavaleiras, que me fazia ser tão doido e tão criança como ela, apesar de eu ter quinze anos mais. Via-te alegre, cantando... p. 97

Estas imprecisões na história narrada por um terceiro, talvez por conter

tantos e fortes elementos emotivos, não acontecem na narração da viagem. Como

as datas podem ser comparadas com fatos históricos e não foram encontradas

discrepâncias entre elas vamos considerar que houve a preocupação de manter uma

relação de verossimilhança.

Foi elaborado separadamente o diagrama sobre o recorte da “Joaninha dos

olhos verdes” conforme a figura 4 na página 24.

Page 26: O Tempo no Romance: Um recorte da Joaninha dos olhos Verdes

24 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 32 33 34 35 43 44 45 46 47 48 49

1825 ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... 1827 ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... 1830 ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... 1832 ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... 8 dias depois ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... dias ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... semanas ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... meses ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... 1833 ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... abril ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... outubro ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... novembro ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... dia seguinte ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... 1834 ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... 1843 ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... TEMPO 0 ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... ..... FIGURA 4: DIAGRAMA TEMPO x CAPÍTULOS DA JOANINHA DOS OLHOS VERDES FONTE: O AUTOR (2008)

Page 27: O Tempo no Romance: Um recorte da Joaninha dos olhos Verdes

25

8 As guerras liberais x Joaninha dos olhos verdes

O pano de fundo utilizado por Garrett para o romance da “Joaninha dos

olhos verdes” foi a guerra liberal ocorrida em Portugal entre os anos de 1820 e 1834.

Se olharmos para o quadro cronológico veremos que a história de Joaninha começa

em 1832 quando ela tem 16 anos. Num dos flashbacks utilizados por Garret

voltamos a 1830 que é o ano que Carlos irá partir para o exílio. O Final se dá

quando Carlos está sendo tratado no convento de S. Francisco quando ficamos

sabendo que a guerra estava terminando. Ou seja, no período de 1830 a 1834 que

vamos ver agora que serão os anos mais intensos e que marcam a vida dos

personagens.

Para que se tenha uma visão da localização espacial de alguns lugares

citados aqui inserimos o mapa de Portugal.

FIGURA 5: MAPA DE PORTUGAL FONTE: http://images.google.com.br/images. Acesso em: 20/11/2008

Vamos à guerra liberal e aos pontos de contato com a obra de Garrett:

Page 28: O Tempo no Romance: Um recorte da Joaninha dos olhos Verdes

26

Para entendermos os motivos que levaram a guerra liberal devemos lembrar

que no ano de 1820 o sistema que vigia em muitos países era a monarquia. As

idéias da Revolução Francesa, 1789, que defendiam a liberdade, igualdade e

fraternidade, contra o despotismo estavam sendo controladas pelos defensores do

poder real. Mas focos do liberalismo eclodiam em todas as partes da Europa. Em

Portugal vivia-se um momento de angústia, pois D. João havia mudado para o Brasil

fugindo da invasão das tropas napoleônicas.

Em 24 de agosto de 1820 no Porto ocorre um levante criando uma Junta

Provisional do Governo Supremo do Reino que tinha como objetivo solicitar a volta

de D. João para Portugal, após 13 anos de ausência. A intenção era que D. João

restabelecesse as liberdades e trouxesse progresso tanto na política quanto na

economia. Mas houve resistências para que o povo português aceitasse a

submissão a esta junta que havia se formado mais ao norte do país.

Em 15 de setembro um exército formado em Portugal marchou em direção

ao Porto para sufocar esta sublevação. Mas os ideais de liberdade atingiram a uma

grande parte da população tendo inclusive ocorrido deserções dos soldados que

aderiam ao movimento pela volta de D. João.

Em Lisboa uma nova junta se criou resultando em um governo provisório.

Em 27 de outubro em Alcobaça foi selada uma aliança e os membros das

duas juntas passam a fazer parte de uma única junta.

As resistências continuaram e através de alguns militares moderados de

Lisboa ocorreu um golpe chamado Martinhada que destitua do poder alguns

ministros.

Em 17 de novembro um contragolpe retorna os ministros a seus postos.

Diante dos acontecimentos D. João decide voltar a Portugal e deixa seu filho

D. Pedro como príncipe regente do Brasil. Mas ao chegar em Portugal a recepção

não é tão calorosa quanto se esperava. Também no Brasil a situação não foi

favorável, pois a corte daqui esperava que com a saída de D. João eles teriam mais

autonomia e escolheriam seu governante. Com a definição de D. Pedro como

príncipe regente muitos desejavam a sua ida para Portugal. Mas D. Pedro entendeu

que seria mais útil aqui no Brasil e no dia 4 de janeiro de 1822 afirmou que ficaria no

Brasil, episódio que ficou conhecido na história como o “Dia do Fico”.

Page 29: O Tempo no Romance: Um recorte da Joaninha dos olhos Verdes

27

Em Portugal as Cortes Constituintes prepararam uma constituição que foi

assinada e jurada por D. João. Mas a rainha Carlota Joaquina recusa-se a jurá-la.

Eclodem revoltas contra a constituição em Elvas, Vila Viçosa e Trás-os-montes.

Em 27 de maio de 1823, D. Miguel, que estava em Vila Franca de Xira,

impetrou um golpe de estado ao declarar ao povo que a realeza estava sendo posta

em xeque por revoltosos e traidores da pátria. O episódio ficou conhecido como

“Vilafrancada”.

D. João, vendo que os ânimos estavam exaltados colaborou com o

pronunciamento de D. Miguel e dissolveu o governo e suspendeu a constituição.

Em 29 de abril D. Miguel, vendo que seus partidários ganhavam espaço no

poder e sob o pretexto que havia uma conspiração para matar membros da família

real, tentou um golpe que ficou conhecido como Abrilada. D. João percebendo a

manobra de D. Miguel sufoca o golpe em 9 de maio. Em 13 de maio D. Miguel é

enviado ao exílio em Viena.

Em 1826 morre D. João.

No ano seguinte vários levantes miguelistas acontecem. Defendendo os

constitucionais o general Vila Flor vence em 9 de janeiro em Coruche e em 5 de

fevereiro em Amarante. Em 30 de abril houve uma nova derrota dos absolutistas em

Elvas.

Entendendo que a situação estava ficando insustentável em Portugal, D.

Pedro ofereceu um acordo a D. Miguel. Ele casaria com sua sobrinha e passaria a

governar Portugal. Só que esta decisão deu motivos para os defensores do

absolutismo tentarem assumir o poder. Os ministros favoráveis à constituição são

demitidos, entre eles Saldanha. Uma manifestação a favor dos ministros demitidos

acontece em Lisboa, conhecida como Archotada, pois foi feita à noite sob a luz de

archotes.

Em 28 de fevereiro de 1828, D. Miguel volta a Portugal. Toma posse em 24

de fevereiro, em 25 de abril é abolida a constituição. Em 11 de julho é aclamado.

Em 16 de maio acontece a revolta do Porto onde os liberais rejeitam o poder

de D. Miguel. Novas batalhas acontecem tendo o general Póvoas na frente dos

absolutistas e o general Refóios a favor dos liberais.

Os miguelistas obtêm algumas vitórias. Os liberais são obrigados a se

retirarem do Porto. Focos liberais acontecem na ilha da Madeira em 22 de junho e

nos Açores em setembro.

Page 30: O Tempo no Romance: Um recorte da Joaninha dos olhos Verdes

28

FIGURA 6: ILHAS DE PORTUGAL

Em dezembro é feito um bloqueio inglês para que outros liberais não

desembarquem nas ilhas. Este bloqueio dura por pouco tempo e em 8 de março

ocorre um grande desembarque na ilha terceira. D. Miguel envia uma frota para

sufocar este foco de rebelião, mas sua frota sofre uma grande derrota. Animados

com o resultado os liberais passam a ocupar outras ilhas no ano de 1831. Em 21 de

abril, ilha Pico; 9 de maio, ilha de São Jorge; junho, ilha do Faial; 10 de julho, ilha da

Graciosa e 1 de agosto a ilha de São Miguel.

Em 21 de agosto 800 militares se revoltam contra D. Miguel e são

massacrados.

Diante da situação D. Pedro decide voltar a Portugal, o que ocorre no dia 7

de abril de 1831, desembarcando na ilha Terceira.

Em 27 de junho é formado um comboio que ruma ao Continente.

Desembarcam próximo ao Porto retomando-o para os liberais em 9 de julho.

Em 14 de julho os miguelistas atacam a partir de Vila Nova, mas são

rechaçados pelo exército liberal. Os liberais atacam pelo norte na tentativa de

conquistar Braga.

Em 23 de junho ocorre uma grande batalha em Ponte Ferreira. Os liberais

utilizando-se de uma boa visão estratégica acabaram se saindo melhor que os

absolutistas.

Em 7 de agosto foi a vez dos absolutistas armarem uma grande emboscada

para os liberais.

Em 11 de agosto os liberais tomam o Cerro das Antas.

Em 10 de setembro em uma batalha naval a esquadra miguelista obteve

vantagem.

Em 29 de setembro os miguelistas conquistam Gaia.

Page 31: O Tempo no Romance: Um recorte da Joaninha dos olhos Verdes

29

Em 1 de novembro D. Miguel vai a Braga, pois está desolado por não obter

resultados no cerco que seu exército vem fazendo ao Porto.

Em 1 de janeiro de 1833, o general Solignac no comando do exército liberal

fracassa ao tentar conquistar Crasto e o Castelo do Queijo. Isto mostra que havia

uma ruptura interna entre os liberais. Os oficiais que iniciaram ao lado dos liberais

em 1820 haviam sido desconsiderados por D. Pedro que não confiava neles. Diante

da derrota de Solignac coube a D. Pedro repensar sua conduta. Chamam Saldanha.

Em 9 de abril os liberais sob o comando de Saldanha conquistam Covelo.

Em 24 de abril os liberais desembarcam em Alagoa.

Ocorrem então uma série de guerrilhas liberais: 24/25 de junho, Tomar,

Chão de Couce, Alpiarça, Almerim, Coruche, Galveias e Avis, Sousel, Fronteira,

Cabeço de Vide, Alter do Chão e Crato; 2/3 de julho, Portalegre; 4 de julho, Castelo

de Vide com a ajuda dos freis do convento de S. Francisco.

Os absolutistas também tinham as suas vitórias: 29 de junho, Santarém,

Vimeiro, Estremoz, retomam Sousel, Fronteira, Cabeço de vide; 8 de julho, retomam

Portalegre; 14 de julho, Beja.

Uma grande batalha naval é travada entre as duas forças e a vitória dos

liberais vai pesar bastante para os desígnios da guerra.

Em 24 de julho os liberais entram em Lisboa.

Em 5 de setembro e 14 de setembro ocorrem duas tentativas frustradas dos

absolutistas de retomarem Lisboa.

No entretanto a guerra civil progredia; e depois das suas tremendas peripécias, o grande drama da Restauração chegava rapidamente ao fim. Eram meados do ano de 33, a operação de Algarve sucedera milagrosamente aos constitucionais, a esquadra de D. Miguel fora tomada, Lisboa estava em poder deles. Os tardios e inúteis esforços dos realistas para retomar a capital tinham ocupado o resto do verão. Já outubro se descoroava de seus últimos frutos, e as folhas começavam a empalidecer e a cair, quando uma sexta-feira, ao pôr do sol, Frei Dinis aparecia no vale mais curvado e mais trêmulo que nunca. Vinha do exército realista que então cercava Lisboa. p. 77-78

Em 10 e 12 de outubro ocorre uma grande retirada dos absolutistas para

Santarém.

— Avó, avó!... tanta gente que aí vem! soldados e povo... homens e mulheres... tanta gente! Era a retirada de 11 de outubro. p. 79

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Como o exército de D. Miguel teve que desviar seus esforços em direção ao

Sul, sendo Lisboa sua prioridade de ataque, desguarneceu o norte dando assim

oportunidade para o exército liberal avançar.

Em 12 de dezembro os liberais, ajudados pelos espanhóis, tomam a

fortaleza de Marvão deixando estupefatos os absolutistas.

Em 14 de janeiro de 1834, os liberais sob o comando de Saldanha tomam

Leiria, mas logo em seguida os absolutistas sob o comando de Póvoas a retomam.

Entre 16 e 18 de fevereiro, na ponte de Asseca uma nova derrota dos

miguelistas.

Em 17 de março, Napier e Torres avançam por Caminha, Viana do Castelo,

Ponteal, Lima, Valença e Guimarães, em favor dos liberais.

Em 7 de maio os liberais recebem reforço do exército espanhol que entrou

em Portugal para buscar D. Carlos que estava sob a guarda de D. Miguel. Eles

tomam Castelo de Vide enquanto os liberais tomam Portalegre.

Em 10 de maio chegam a Tomar.

Em 16 de maio uma grande vitória dos liberais que vai selar o fim da guerra

em Asseiceira.

Em 17 de maio ocorre a retirada de Santarém com destino a Évora.

— O resto do exército realista evacua neste momento Santarém; vão em fuga para o Alentejo. Os constitucionais venceram na Asseiceira, e tudo esta dito para nós. Para mim, Carlos, falta uma palavra só: quererás tu dizê-la? p. 129

E finalmente em 31 de maio alguns dias após ser assinada a convenção de

Évora Monte, os soldados absolutistas depuseram suas armas e D. Miguel foi

expatriado não podendo mais voltar para Portugal.

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31

9 Biografia de Almeida Garrett x Joaninha dos olhos verdes

Umberto Eco ao analisar Sylvie, em seu Seis passeios no bosque da ficção,

nos diz que muitos críticos procuraram ver no personagem principal o próprio

Lebrunie. Segundo Eco estes fizeram bons trabalhos biográficos de Lebrunie, mas

nenhum deles acrescentou muito ao entendimento de Sylvie. Outros críticos também

são criteriosos e reticentes em buscar na biografia do autor elementos que possam

ajudar no entendimento da obra.

Mas nos parece que a biografia de Almeida Garrett pode nos ajudar a

entender as Viagens na minha terra. Vamos notar que existem alguns pontos de

contato entre a vida de Garrett e dos seus personagens, principalmente Carlos que

alguns críticos dizem ser o próprio Garrett e outros que seria o seu complemento.

Como vemos na citação de Helder Macedo, um grande estudioso de Garrett, que

identifica em Carlos não o próprio Garrett mas aquele que Garrett não foi.

É o caso de Carlos, nas Viagens na minha terra que, longe de ser o duplo de Garrett – como tem sido entendido pela crítica -, é o seu oposto semântico. E paradoxalmente, tanto mais o é quanto o que biograficamente sabemos de Garrett e o que Garrett nos diz de sua personagem parecem factualmente convergir7

• Nasceu no Porto, em 4 de fevereiro de 1799; morreu em Lisboa em 9 de

dezembro de 1854.

• Filho segundo do selador-mor da Alfândega do Porto, acompanhou a família

quando esta se refugiou nos Açores, onde tinha propriedades, fugindo da

segunda invasão francesa, realizada pelo exército comandado pelo marechal

Soult que entrando em Portugal por Chaves se dirigiu para o Porto,

ocupando-o.

• Passou a adolescência na ilha Terceira, tendo sido destinado à vida

eclesiástica, devendo entrar na Ordem de Cristo, por intercedência do tio

paterno, Frei Alexandre da Sagrada Família, bispo de Malaca e depois de

Angra.

Neste momento da vida de Garrett podemos notar duas aproximações com

as Viagens na minha terra, sabemos que Carlos assim como muitos liberais

7 Macedo, H. Garrett no romantismo europeu. In Almeida Garrett, um romântico, um moderno , Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2003, pág. 29.

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passaram muitos anos na ilha Terceira que durante algum tempo foi o único reduto

dos liberais portugueses. Seu tio sendo Frei intercedendo para que ele siga a vida

religiosa lembra-nos o Frei Dinis que se preocupava com a educação de Carlos.

• Em 1816, tendo regressado a Portugal, inscreveu-se na Universidade, na

Faculdade de Leis, sendo aí que entrou em contacto com os ideais liberais.

Mais um ponto de contato com Carlos que também se envolveu com as

idéias liberais quando cursava a universidade.

• Participa entusiasticamente na revolução de 1820.

Carlos também irá participar das guerras liberais.

• A Vilafrancada, o golpe militar de D. Miguel que, em 1823, acaba com a

primeira experiência liberal em Portugal, leva-o para o exílio.

• Volta ao exílio em junho de 1828, devido ao restabelecimento do regime

absoluto por D. Miguel. De 1828 a dezembro de 1831 vive em Inglaterra, indo

depois para França, onde se integra num batalhão de caçadores, e mais

tarde, em 1832, para os Açores integrado na expedição comandada por D.

Pedro IV.

Também Carlos nos conta que viveu na Inglaterra, onde conheceu Georgina

e suas duas irmãs. Na carta apresentada nos últimos capítulos da obra temos uma

descrição detalhada sobre o tempo que Carlos esteve entre os amores das três

irmãs.

• Participa na expedição liberal que desembarca no Mindelo e ocupa o Porto

em julho de 1832.

• Envolve-se com o Setembrismo, dando assim origem à sua carreira

parlamentar.

• Eleito deputado nas eleições para a nova Câmara dos Deputados cartista,

recusa qualquer nomeação para as comissões parlamentares, como toda a

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esquerda parlamentar. No ano seguinte ataca violentamente o governo

cabralista, que compara ao absolutista.

Vamos lembrar que Carlos, segundo frei Dinis ainda vai tornar-se deputado

sendo este um dos tristes fins que o narrador das Viagens na minha terra previa

para ele. O outro é que se tornaria barão conforme aconteceu.

• No ano de 1843, começou a publicar, na Revista Universal Lisbonense, as

Viagens na Minha Terra, descrevendo a viagem ao vale de Santarém

começada em 17 de julho.

• Em 1852 é eleito novamente deputado, e de 4 a 17 de agosto será ministro

dos Negócios Estrangeiros. A sua última intervenção no Parlamento será em

março de 1854 em ataca o governo na pessoa de Rodrigo de Fonseca

Magalhães.

• Morre neste ano devido a um cancro de origem hepática, tendo sido

sepultado no Cemitério dos Prazeres.

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10 Conclusão

A análise do tempo no recorte da “Joaninha dos olhos verdes” na obra

Viagens na minha terra de Garrett teve como objetivo procurar compreender a

relação que o autor procurou estabelecer com o tempo.

Na busca de um embasamento teórico notamos que o quesito tempo é fator

marcante do gênero romance conforme visto pelas teorias de Ian Watt e Bakhtin.

Procurou-se apresentar algumas teorias sobre o tempo que nos foram dadas

por Mendilow, Bakhtin e Eco.

As formas da narração e apreensão pelo leitor nos foram dada por Umberto

Eco. Foi baseado nele também que se utilizou a técnica empregada para mostrar

graficamente como o tempo é retratado durante a obra.

Procurou-se trabalhar com a obra como um todo, mas focando-se no recorte

escolhido. Isto se deu, pois o romance da “Joaninha dos olhos verdes” está

entrelaçado a narração da viagem.

Garrett se propôs a escrever uma obra sobre o progresso de Portugal e

acabou caminhando para a história da “Joaninha dos olhos verdes”. Este que seria

um romance é na verdade um intenso relato sobre a guerra liberal da qual Garrett

participou.

Se considerarmos que as Viagens na minha terra foi escrita em 1943,

portanto 11 anos depois de terminada a guerra, vemos o quanto este período

marcou a vida de Garrett e do povo de Portugal.

Notamos que a Joaninha é sempre referenciada como tendo 16 anos e

podemos ver aqui uma metáfora simbolizando a manutenção da ingenuidade que

pode significar a idéia de que o povo Português devia manter os seus ideais puros

ou que tal pureza não amadurece, não evolui e morre. Em contradição vemos Carlos

evoluindo para o que Garrett considera o caminho errado. Carlos que lutou pelos

ideais do liberalismo acabou perdendo os sentimentos e transforma-se em barão.

Segundo o próprio Garrett um erro cometido pelo povo de Portugal. É a metáfora do

D. Quixote x Sancho Pança onde o materialismo prevalece sobre o sentimentalismo

e o idealismo.

Os barões acabaram com os frades, mas não houve a melhora desejada.

Garrett faz um mea-culpa por também ter acreditado nos ideais liberais. Podemos

ver isto na conversa que ele tem com Frei Dinis.

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Foi possível fazer uma análise intrínseca da obra e posteriormente como

forma de complementar esta análise buscaram-se de forma extrínseca as relações

históricas e biográficas.

Como resultado geral deste trabalho pudemos apresentar uma

representação gráfica do movimento do tempo pelos capítulos. Ainda através de

análises comparativas notamos algumas discrepâncias entre os fatos e datas

narradas no recorte estudado. Um motivo pode ser a falta de alguma informação que

tenha deixado uma lacuna ficando assim descoberta alguma investigação resultando

um desencontro entre tempos. A narrativa das viagens ainda que digressiva, não

apresenta discrepâncias, enquanto a da Joaninha, por ter sido narrada oralmente

por um terceiro, por conter fortes elementos emotivos, carece de precisão.

De uma forma geral foi um grande prazer trabalhar com a obra de Garrett

que conforme já foi dito anteriormente é um corpus muito rico que apresenta

diversas possibilidades de análise. Espera-se assim contribuir com a variedade de

análises já realizadas sobre esta grande obra.

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REFERÊNCIAS

ECO, U. Seis passeios pelos bosques da ficção. Tradução Hildegard Feist, São Paulo: Companhia das Letras, 1994. _______. Lector in fabula . Tradução Attílio Canciam, São Paulo, Perspectiva, 1986 GARRETT, A. Viagens na minha terra . Apresentação Célia Aparecida Nasrala Passoni, São Paulo, Núcleo, 1992 MACHADO, I.A. O romance e a voz: a prosaica dialógica de M. Bakht in. Rio de Janeiro, Imago Editora. 1995. MENDILOW, A. A. O tempo e o romance . Tradução Flávio Wolf, Porto Alegre, Globo, 1972. MONTEIRO, O.P.; SANTANA, M.F. (Org.) Almeida Garrett – um romântico, um moderno . Lisboa, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, set. 2003, vol 1. VENTURA, A. As guerras liberais . Lisboa, Quidnovi, 2008. WATT, I. Realismo e forma romanesca. In Literatura e Realidade . Tradução Tereza Coelho, Lisboa, Dom Quixote, 1984. BIOGRAFIA de Almeida Garrett. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Almeida _Garrett>, Acesso em 20/11/2008.

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APÊNDICE

Resumo dos capítulos de Viagens na minha terra Capítulo 1 Almeida Garrett faz um relato sobre os motivos que o levaram a escrever esta obra. Faz sua primeira citação a outro escritor, Xavier de Maistre (Voyage autour de ma chambre) dizendo que este viajou dentro de seu quarto por morar à beira dos Alpes, mas que Garrett prefere dedicar seu texto a uma extensão mais longa e para tanto irá fazer uma viagem de Lisboa à Santarém da qual tudo que for digno de registro será relatado em sua obra. Conta que este era um desejo que foi reforçado pela mexeriquice feita em um jornal sobre esta viagem. Começa então a relatar os detalhes de sua partida como o horário e local da partida. Inclui um primeiro personagem chamado Sr. C. da T. e outros não nomeados. O navio parte e ele vai admirando as primeiras paisagens da ré do navio. Entediado passa para a proa para fumar um charuto. Encontra dois grupos que se enfrentam em uma questão. Seriam homens do norte disputando com os homens do sul quais eram os mais fortes. Desfeita a dúvida a viagem prossegue. Capítulo 2 Começa com uma grande digressão acerca da obra que se está escrevendo. Garrett conversa com o leitor inserindo-o na obra através da explicação do motivo nobre de sua obra. Segundo o autor ele pretende escrever sobre a marcha do Progresso Social. Para embasar sua opção ele busca em D. Quixote de Cervantes os princípios que entende que regem a humanidade: o materialismo representado por Sancho Pança e o espiritualismo representado por D. Quixote. Chegam ao triste desembarcadouro de Vila Nova da Rainha que segundo Garrett é o mais feio pedaço da terra onde pôs seus pés. A descrição do local á pavorosa e o lado Sancho Pança de Garrett sobressai sobre o seu lado D. Quixote. Ele nos apresenta mais um companheiro de viagem de nome Sr. L.S. que oferece carona em sua carroça até o Azambuja. Cita Jeremias Bentham. Passam por Vila Nova que recebe mais críticas sobre o aspecto do lugar. Garrett critica o governo e relata que para que as estradas do país fossem boas os ministros deveriam viajar pelo menos uma vez por ano por elas. Chegam a Azambuja aonde vão se instalar em um local que serve de hotel, restaurante e de café da terra. Na porta Garrett vê uma mulher a quem ele chama de bruxa e assustado deixa a pena cair de sua mão. Capítulo 3 Volta a conversar com o leitor. Tenta mostrar que o leitor deveria esperar do autor. Segue com mais uma digressão. Compara a estalagem da Azambuja com a estalagem de Cervantes. Critica os ricos perguntando quantos miseráveis são necessários para que se tenha um homem rico. Cita Doutor Fausto e Vitor Hugo e acaba a digressão citando Sheakespeare. Quando finalmente diz que irá começar a descrição da estalagem faz nova digressão. Afirma que a sociedade é materialista como Sancho Pança, mas a literatura que deveria ser sua representação é espiritualista como D. Quixote. Começa uma descrição falsa da estalagem. Cita Boileau para defender que a verdade é mais importante que a mentira. Fala sobre a mentira de Santo Antão e de São Pacômio que na verdade eram demônios. Finalmente relata que na estalagem havia apenas a velha que vira no final do capítulo anterior, uma jovem que era tão feia quanto à velha e um velho demente e paralítico. Garrett reclama da água, dos limões e do açúcar que são utilizados para fazer uma limonada que os viajantes bebem apesar do aspecto abominável. Caminham em direção ao pinhal da Azambuja.

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Capítulo 4 Neste capítulo Garrett defende uma proposição sua de que entre as qualidades prefere a modéstia sobre a inocência. Introduz um debate filosófico entre o poeta Dêmades que argumenta ao contrário e o filósofo Addison que formula o mesmo pensamento de Garrett. Para o autor a utilização de erudição dará a sua obra um status de grande obra com a qual ele pretende fazer sua reputação. Antecipa-se as críticas sobre o fato de Addison ter sido ministro de estado e demonstra que não vê incompatibilidade entre um grande erudito fazer parte da vida política. Em seguida faz uma grande digressão sobre os efeitos que a modéstia causam sobre uma bela dama. Coloca ao leitor a pergunta sobre o que este assunto teria haver com a viagem e responde que esteve sonhando acordado durante o caminho entre a Azambuja e o Cartaxo. No final sugere que o leitor pule este capítulo e siga direto para o próximo. Capítulo 5 Chegando ao Pinhal da Azambuja frustra-se com o que vê. O que deveria ser uma floresta nada mais é que um local quase deserto. Faz alusões às imagens que fazia do Pinhal colocando-o sempre como cenário de grandes clássicos literários que necessitavam de uma floresta como fundo. Explica como se faz a literatura em seu tempo e alerta ao leitor que não espere outra coisa desta obra senão um romance. Apresenta uma fórmula de fazer um romance: Todos os romances precisam de: Uma ou duas damas; um pai; dois ou três filhos, de dezenove a trinta anos; um criado velho; um monstro, encarregado de fazer maldades; vários tratantes, e de algumas pessoas capazes para intermédios. Vai-se aos figurinos franceses recorta as personagens e as cola em qualquer arranjo. Vai-se às crônicas tirando os nomes e palavrões velhos. E eis como se faz a literatura original. Busca a referência clássica de Orfeu para explicar o sumiço do Pinhal. Cria a alegoria de uma companhia por ações criada por Orfeu fazendo alusão as grandes negociatas entre banqueiros e o tesouro. Fica sem o seu meio de locomoção e cita novamente Xavier de Maistre comparando o momento em que este autor cai em seu quarto no meio de uma de suas andanças. Resigna-se que terá que ir à Santarém no lombo de uma mula. A mulinha a trotar dá choitos que o fazem lembrar de seu amigo Marquês de F. que apreciava os choitos de sua carruagem. Capítulo 6 Garrett defende Camões dizendo que a solução encontrada para os Lusíadas foi misturar o mitológico com o cristianismo. Acha uma pena Camões ter existido antes do Romantismo. Faz uma comparação entre A divina comédia de Dante, Fausto de Goethe e Os lusíadas de Camões. Segundo Garrett, Dante tinha fé em Deus, Goethe no ceticismo e Camões na sua pátria. Faz uma defesa às crenças e uma grande digressão a respeito do romantismo fazendo paralelos entre os grandes autores clássicos e os primeiros grandes romancistas. Iguala-se a Camões ao dizer que se encontra entalado sem poder dar continuidade a sua obra. Propõem então fazer uma sensaboria indo buscar respostas de um ser já morto. Cita novamente Dante em sua Divina comédia enaltecendo que tenha escrito uma obra densa num momento inquisitivo. Mas não pretende descer ao inferno de Dante e prefere procurar o Marquês de Pombal nas ilhas aventuradas descritas pelo poeta Alceu. Encontra com o Marquês e pergunta a ele porquê mandou arrancar as vinhas do Ribatejo pois estas se multiplicaram e atingiram o pinhal de Azambuja. Não obteve resposta. Volta a este mundo em frente ao grande café de Cartaxo. Capítulo 7 O autor faz uma comparação entre os prazeres de chegar em um bom caleche ao Café Tortoni de Paris e sua chegada na mula ao café de Cartaxo. Critica os Lisboetas por não viajarem defendendo que só conhece o mundo aquele que viaja. Faz um relato do Café de Cartaxo e defende que através dos Cafés podemos apreender tudo sobre o país em que estamos. Conversa com o dono do Café que lhe diz que todas as notícias vêm de Lisboa. Conversam então sobre o mestre J.P, conhecido como o Alfageme. Discutem sobre o porquê chamam J.P. de Alfageme e fazem alusão ao Alfageme de Santarém. O dono do café explica que J.P falava bem ao povo, fez-se juiz e conquistou bom nome fazendo do povo o que bem quer. Os viajantes tomam uma limonada fazendo antes uma libação aos

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deuses. Vão ao encontro do velho D. que os encontra no caminho. Criticam os ingleses que abandonaram a aliança com Portugal. Citam que trocaram o bom vinho português pelo francês. Dizem que os ingleses não são nada sem o Porto ou Madeira portugueses. Citam que Cartaxo foi importante na história de Portugal sendo palco da guerra da sucessão abrigando o quartel general do Marquês de Saldanha. Criticam o governo liberal dizendo que não foi bom para a indústria do vinho. O autor não concorda com esta afirmação, mas diz que vai explicar futuramente o motivo. Capítulo 8 As cinco da tarde eles seguem viagem. Chegam à charneca. O autor faz uma digressão sobre as montanhas, os bosques e os vales descrevendo imagens pictóricas e se diz apaixonado pela charneca. Renega a hipótese de ser Romântico. Diz que tem vontade de fazer versos, mas é acordado de sua letargia por um companheiro de viagem. Foi aqui, dizia ao autor. Este ainda voltando do transe pergunta o quê foi ali. O viajante lembra que naquele local foi feita a última revista do imperador D. Pedro. O autor lembra que ali fora feita a última revista ao exército liberal. Que foi depois da batalha de Almoster. O autor questiona os desígnios da guerra. Conta que esteve no campo de Waterloo, vinte anos depois da batalha, e ainda viu luzir os ossos das vítimas da guerra. As reflexões sobre as guerras fizeram mudar seu sentimento. Chegam à ponte da Asseca. Capítulo 9 O autor inicia este capítulo com uma grande digressão que ele chama de dramático-literária. Cita uma lista de peças de teatro escritas por Ênio Manuel de Figueiredo; O casamento da cadeia, O fidalgo de sua casa, O cioso, O Álvaro dissipador. Mas para o autor a melhor obra intitula-se Poeta em anos de prosa. Não pelo seu conteúdo, mas pelo seu título. Segundo o autor existem algumas obras que não deveriam ter título e alguns títulos que em si só já são uma grande obra. Cita como grandes poetas de seu século Bonaparte, Sílvio Pélico e o barão de Rotschild. O primeiro com a espada o segundo com a paciência e o terceiro com o dinheiro. Faz uma reflexão sobre o nome da ponte de Asseca. Cita que neste local Junot foi ferido na cara. Lembra que a primeira notabilidade que conheceu foi Bonaparte e se diz jacobino desde pequeno. Conta que por suas idéias liberais sofre perseguição e foi pedir asilo à França. Através de seu amigo C. do S. é apresentado a Madame de Abrantes. Era uma senhorita já de idade mas que deixou-o encantado. Conversaram sobre vários assuntos. O autor conversa novamente com o leitor desculpando-se por suas digressões. Coloca-nos novamente na ponte de Asseca e chega agora ao vale do Santarém. Pátria dos rouxinóis e das madressilvas. Capítulo 10 O autor faz uma descrição do vale de Santarém falando sobre a sua beleza imaginando ali um jardim do Éden onde só há lugar para o amor e harmonia. A descrição é de um quadro bucólico onde se vê por entre as árvores a janela de uma casa pela qual o autor se interessa. Começa uma digressão sobre quem moraria naquela casa e que belo romance daria. Diz que se fosse homem seria poeta e se fosse mulher estaria apaixonada. Estabelece uma relação entre estas duas possibilidades aludindo que o poeta é como uma mulher apaixonada. Vê um rouxinol cantar ao pé da janela seguido de mais outro. Pensa então como seria a mulher que viveria naquela casa, se seus olhos eram pretos. É interrompido por um companheiro de viagem que relata que realmente habitou ali uma moça, mas que os olhos eram verdes. E que ali se desenvolveu um belo romance. Que vivera ali uma moça que ficou conhecida como a menina dos rouxinóis, mas que já havia morrido e que já havia passado 10 anos. O autor pede então que se conte a história que ele irá narrar. Chama de um épico e fica apreensivo de contar, pois segundo dizem, os portugueses não são bons romancistas. Mas alerta as suas leitoras que não vai narrar um romance e sim uma estória simples. Finda o capítulo com esta digressão.

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Capítulo 11 O autor inicia o capítulo com mais uma grande digressão agora sobre os poetas e filósofos. Segundo o autor a grande virtude dos poetas é viverem apaixonados, o que os filósofos tentaram lhes tirar em vão. Também os Romancistas apresentam esta virtude e, segundo o autor, se não estiver apaixonado não deve escrever, pois sua obra será maçante. Cita Yorick de Sheakespeare que se dizia viver sempre apaixonado. Questiona como ele mesmo poderá escrever um romance se lhe resta no mundo apenas uma esperança e uma saudade, um filho no berço e uma mulher na cova. Pede a opinião de suas leitoras. Conversa com elas. Fala de uma visão que teve um mês antes e se diz habilitado para ser cronista da história. Começa a história. Era o ano de 1832 estava uma velhinha com mais de setenta anos sentada a porta da casa. Estava sentada em uma cadeira em frente a uma dobadoira enrolando um novelo de fio. O movimento da dobadoira era constante e lento. A velha tinha seus olhos voltados para o horizonte. A meada engatou fazendo o trabalho parar. Ela então chamou para dentro da casa pelo nome de Joaninha. Era sua neta. Ficamos sabendo que a velha é cega. Capítulo 12 Joaninha ajuda a avó a desenrolar a meada e oferece-lhe um lanche. As duas lancham e ficam paradas. As duas estão tristes. O autor faz uma longa descrição de Joaninha. Ela contava então com 16 anos e não era muito bonita, mas uma moça de muitos bons sentimentos capaz de fazer um homem muito feliz. Tinha os olhos verdes que encantaram o narrador que diz ser mais devoto dos olhos pretos e também admirar os olhos azuis. Mas os olhos verdes de Joaninha são de uma beleza nunca vista por ele. A velha percebendo-se triste pede a Joaninha que lhe coloque o novelo na mão para que ela se ocupe de algo para espantar a tristeza. A velha nota que Joaninha estava chorando e aconselha que deixe a tristeza para ela que já viveu e sofreu bastante. Joaninha quer conversar mais com a avó, mas elas percebem que alguém está se aproximando da casa. Era Frei Dinis o austero guardião de S. Francisco de Santarém. Capítulo 13 O autor relata que pessoalmente é contra os Frades. Mas que poeticamente eles são importantes. Faz uma reflexão entre o Frade e o Barão relacionando o primeiro a D. Quixote e o segundo a Sancho Pança. Faz várias críticas ao Barão comparando-o ao asno. Diz que os Frades não entenderam o seu século e nem o século os entendeu e que os Barões acabaram com os Frades e pergunta quem irá agora acabar com os Barões. Fala das perdas para o progresso e questiona o silêncio que só é quebrado pelos gritos dos Barões contando dinheiro. Critica as universidades. O autor nos informa que este capítulo deve ser considerado como introdução do próximo capítulo em que entra em cena Frei Dinis. Faz uma lista dos vários frades que utilizou em outras obras suas. Cita as obras Camões, Dona Branca, Adosinda, Gil Vicente, Frei Luís de Souza, e Arco de Santana, todas de sua lavra. Justifica-se alegando que em tudo que ocorre em Portugal desde o início de sua história até mil oitocentos e trinta e tantos não houve coisa pública ou particular em que um frade não estivesse envolvido. Para fugir do uso do Frade sugere que se use a receita de fazer romance que ele apresentou no capítulo 5, mas alega que ele não sabe fazer daquela forma. Capítulo 14 No início do capítulo, o autor promete que não haverá divagações. Frei Dinis chega junto as duas mulheres e as abençoa. Frei Dinis repreende a velha, que agora ficamos sabendo que se chama Francisca, por suas queixas. Sustenta que virou frade por vontade própria, jurando diante da igreja, e que a Irmã Francisca não precisaria vestir o hábito por ter feito o juramento apenas diante de Deus. Irmã Francisca pergunta sobre o neto. O frade pede que Joaninha entre na casa. Conta para Francisca que o seu neto está na companhia dos liberais que vieram das ilhas e desembarcaram no Porto. A avó se desespera ante a possibilidade de não ver mais o neto. Frei Dinis diz que não vê mais nenhuma possibilidade de conciliação entre os liberais e os absolutistas. Segundo ele, o jovem passa a ser seu inimigo e ele prevê a vitória dos liberais. Diz que os absolutistas estão cheios de pecados e que a misericórdia de Deus está esgotada para os que não crêem nele. Vê que o neto de Francisca é

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seu inimigo e chama-o de maldito e de filho ingrato. Francisca se desespera diante destas palavras, pede a Deus que não ouça as palavras do Frei e cai prostrada no chão. O frei em sua rigidez chama Joaninha para cuidar de sua avó e vai embora. Capítulo 15 O autor inicia o capítulo com uma pergunta. Quem era o Frei Dinis? Um homem que se fizera frade depois de certa idade e num momento em que os frades já não tinham valor. Homem de princípios austeros, crenças rígidas e lógica inflexível e teimosa. Achava absurdas as teorias dos liberais e entendia que a única lei necessária para a humanidade era o Decálogo e que o Evangelho bastaria como única constituição. Acreditava que o poder do homem sobre o homem era usurpação e que todo poder estava em Deus. Dizia que o liberalismo dividia-se em duas coisas; duvidar e destruir por princípio, adquirir e enriquecer por fim. Que seria liberal se os liberais entendessem que a igualdade e a liberdade só se conseguem seguindo os preceitos da religião. Os sistemas monásticos eram seu sistema e que sem a rigidez e o controle a sociedade precipitar-se-ia a um materialismo estúpido e ao individualismo egoísta que a levariam a seu fim. Tornou-se frade aos cinqüenta anos. E apesar da rigidez algo o prendia ao mundo exterior. Ele deixava todas as sextas o convento para ir ao encontro da Irmã Francisca e de Joaninha. O rapaz que habitava àquela casa fazia dois anos que se afastara. Capítulo 16 Diz-se que a vida do claustro era monótona e singela e passa-se então a falar da vida do frei Dinis antes dele ter abraçado a causa religiosa. Chamava-se Dinis de Ataíde, foi da carreira das armas e das letras, lutou na guerra Peninsular. Abandonou a vida militar para tornar-se corregedor do Ribatejo em 1825. Seria reconduzido ao Porto e foi a Lisboa receber o seu despacho, beijou a mão à el-Rei, e tomou o caminho de Santarém. Foi ao convento de S. Francisco e não se soube mais dele durante dois anos quando apareceu então como Frei Dinis da Cruz. Escolheu a ordem de S. Francisco por ser a mais desacreditada entre tantas outras, assim teria uma penitência maior. De todos os seus bens separou apenas o necessário para o dote para entrar para o convento e doou todos o resto para D. Francisca Joana. A família de D. Francisca era apenas sua neta e seu neto. Quando os seus filhos ainda eram vivos o então corregedor Dinis de Ataíde freqüentava sua casa. Foi após a morte do seu filho e genro que ocorreu em um naufrágio que ele nunca mais havia voltado àquela casa. E no mesmo momento em que se tornou Frei, D. Francisca vestiu uma túnica roxa que nunca mais largou. Mas um dia Frei Dinis voltou a visitar a casa de D. Francisca. A filha e nora já haviam morrido e ela estava apenas com os netos. Ela e Frei Dinis conversaram por longas horas. Era uma sexta-feira e a partir dali todas as sextas-feiras Frei Dinis voltava a visitá-los. Não se intrometia na educação de Joaninha, mas sempre se mostrou preocupado com Carlos. Queria saber tudo sobre ele e fazia recomendações a avó. Nos meados de 1830, Carlos que se formara havia voltado de Lisboa. Era uma sexta-feira e ele encontrou com o Frei Dinis que lhe fez algumas reprimendas. Carlos então discutiu com o Frei dizendo que estava indo embora por não aceitar a intromissão dele na casa de sua avó. Reforçou que sabia que havia algo de muito errado que ocorrera no passado. Frei Dinis mostrou-se preocupado sobre esta possibilidade. Carlos contou suas intenções para a avó explicando que estava envolvido com a causa liberal e que teria que emigrar, pois já havia demonstrado sua opção em Coimbra e Lisboa. Partiu no dia seguinte para Inglaterra onde passou alguns meses e depois se transferiu para a ilha Terceira. Na sexta-feira seguinte à partida de Carlos, Frei Dinis veio a casa. Depois de uma longa conversa com D. Francisca ela chorou, trancada no quarto, por três dias seguidos. No final do terceiro dia ficou cega. Joaninha nunca mais sorriu para o frade. Frei Dinis envelheceu dez anos naquele dia. A partir daquele dia todos os dias foram tristes naquela casa. Passaram-se então dois anos até a cena em que a história se iniciou como vimos no capítulo 11. Capítulo 17 Passaram-se mais oito dias. D. Francisca e Joaninha estavam ansiosas a espera do frade para saber notícias de Carlos. As duas aguardavam que o frei surgisse pelo mesmo caminho que o trazia de Santarém todas as sextas-feiras. Mas sem notar chegou-lhes o Frei da direção de Lisboa assustando as duas. D. Francisca perguntou-lhe de onde vinha tão tarde e ele respondeu que fora a Lisboa saber notícias sobre a guerra. D. Francisca ficou apreensiva sobre notícias de Carlos, pois ouviram muitos

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rumores de momentos sanguinários da guerra. D. Francisca suplica ao Frei Dinis, pois pressente que uma tragédia possa ter acontecido a Carlos. Frei Dinis irrita-se e blasfema contra Carlos dizendo que não se importa com o que aconteça com ele. Mas em seu íntimo ele sente a mesma preocupação de D. Francisca. Após uma discussão entre os dois passam-se longos minutos sem que nada se diga até que Frei Dinis entrega a Joaninha uma carta que fora enviada por Carlos através do cônsul da França. Capítulo 18 Após entregar a carta a Joaninha o frade se despede dizendo que voltará na próxima semana para saber a resposta. D. Francisca pede para que ele fique para escutar o conteúdo da carta. Ele reluta, mas acaba ficando. Joaninha lê a carta apenas com os olhos. A avó pede que ela leia em voz alta para que ela e o frei ouçam. Joaninha explica que a carta diz respeito apenas a ela. A avó pede que leia assim mesmo. Carlos fala realmente apenas a Joaninha dizendo das suas saudades, de seu amor fraterno pela prima e da pouca esperança no futuro. Joaninha leu a carta enxertando no final um pedido de benção à avó. D. Francisca abençoa Carlos. Joaninha fica corada por ter mentido, mas nota que Frei Dinis aprovou sua atitude de compaixão para com a avó. Frei Dinis foi embora para Santarém. As duas se abraçaram chorando sem falar nada sobre a carta. A avó havia notado a fraude de Joaninha. Na semana seguinte frei Dinis voltou e encaminhou a carta de resposta a Carlos. Soube-se que ela chegou ao destinatário, mas semanas, meses, se passaram e não chegou mais nenhuma carta. A guerra evoluiu os liberais haviam tomado Lisboa e os absolutistas tentavam retomar a capital. Frei Dinis chega ao vale. D. Francisca estava só. Perguntou notícias ao frade. Frei Dinis conta que estava difícil conseguir notícias de Lisboa, pois as tropas absolutistas cercavam a cidade. D. Francisca roga que a vitória esteja do lado daqueles que estiverem com a razão. Frei Dinis alega que os dois lados estão errados. Ela pede então que vença o Carlos. Frei Dinis diz que se Carlos for vitorioso virá para destruir seu convento e que ele estará lá para defendê-lo cabendo a Carlos a obrigação de matá-lo. D. Francisca defende Carlos dizendo que o neto não seria capaz de tal feito. Frei Dinis alega que Carlos o odeia e que ele sabe do seu passado. D. Francisca garante que Carlos sabe apenas meia verdade sobre o passado, mas que assim que ela o encontrar irá contar-lhe tudo. Frei Dinis ameaça de amaldiçoá-la caso ela cumpra o prometido, pois Carlos passaria a desprezá-los. Capítulo 19 Joaninha surge sobressaltada gritando para a avó que vinham muitos homens e mulheres, soldados e povo. Era a retirada de 11 de outubro. Frei Dinis diz que já pressentia que os constitucionais venceriam a guerra. Alguns feridos ficaram na casa de D. Francisca para serem tratados. D. Miguel seguiu para Santarém e os constitucionais montaram seu quartel-general no Cartaxo. Estabelecidos os exércitos Frei Dinis ficou preocupado de deixar D. Francisca e Joaninha a mercê do exército. Quis levá-las a Santarém. D. Francisca insistiu que não sairia de sua casa e se preciso morreria ali. Frei Dinis entendeu que ela alimentava a esperança que Carlos voltasse e não insistiu em levá-las, pois internamente nutria a mesma esperança. Joaninha ganhou o respeito e o carinho dos soldados. Não se ouviu mais notícias de Carlos. Passaram-se meses. A guerra parecia ter arrefecido. Os soldados das duas vertentes já se conheciam e trocavam opiniões sobre o país. Joaninha também se acostumou. Acompanhava os toques de alvorada e de retretas de sua janela. Aquela janela que chamou a atenção do autor nos capítulo 10. Era acompanhada dos rouxinóis que cantavam ao pé da janela. Os soldados a apelidaram de menina dos rouxinóis. Ela passou a circular livremente entre os dois exércitos. Costumava passear por entre um grupo de álamos e oliveiras que ficavam mais ao sul perto de onde se postavam as sentinelas dos constitucionais. Um dia ela adormeceu entre as árvores. Era tarde e os soldados estavam sendo postos em sentinela por um novo oficial que chegara de Lisboa como reforço. Ao avistarem Joaninha o oficial pediu cuidado aos soldados que logo reconheceram a moça. Um dos soldados mais antigos falou que se tratava da menina dos rouxinóis. O oficial quis saber mais sobre a moça e foi-lhe mostrada a janela da casa onde ela morava. O oficial ordenou que todos se afastassem e se aproximou da moça.

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Capítulo 20 Joaninha dorme e junto dela está um rouxinol. O oficial se aproxima. O autor conversa com as leitoras e antecipa que elas querem saber mais sobre este oficial. Reforça que este é um dever do romancista. Faz um relato sobre o oficial dizendo que ele tem aproximadamente 30 anos. Chegou perto da moça e reconheceu nela Joaninha apesar de achá-la diferente. Beijou-lhe a mão fazendo-a acordar. Joaninha reconheceu que era Carlos. Falou que sonhara que ele havia morrido. Fica muito feliz em vê-lo. Carlos pergunta se ela estava realmente sonhando com ele. Joaninha responde que sempre sonha com ele. Abraçaram-se e beijaram-se. Joaninha não se continha de tanta felicidade. Falava sem parar. Voltou a dizer que sonhara com a morte de Carlos. Ela e a avó. Cai em si e pergunta como os dois estão sozinhos ali naquela hora. Preocupa-se com o que os outros falariam se os vissem sós. Lembra de levar Carlos à avó. Pensa em ir à frente para prepará-la, lembra então que ela está cega. Carlos se assusta, pois não sabia da cegueira da avó. Joaninha começa a relatar como ocorreu, mas resolve deixar para falar depois. Pega Carlos pela mão para levá-lo para casa. Capítulo 21 Os dois estavam tão felizes do reencontro que se esqueceram que estavam no meio de uma guerra. Foram lembrados pelo brado das sentinelas que ao verem os vultos perguntaram: quem vem lá? Carlos abraçou Joaninha e lembro-lhe que a guerra os afastava. As sentinelas perguntaram novamente agora engatilhando suas armas. Joaninha sentindo o perigo pede a Carlos que se apresente as suas sentinelas. Ele fica preocupado com ela, mas Joaninha o tranqüiliza dizendo que é bem quista pelas sentinelas absolutistas. Ela se apresenta e os soldados sentem-se aliviados e sorriem por ser a menina dos rouxinóis que se apresentava. Joaninha despede-se de Carlos e pede para que se encontrem no dia seguinte. Carlos pede para que ela não conte para sua avó que esteve com ele. Joaninha afastou-se em direção a casa. Carlos ficou observando-a. As sentinelas constitucionais atiraram nele. Ele apresentou-se. Joaninha ouvindo o tiro perguntou o que acontecera. Carlos disse que não fora nada e que estava tudo bem. Não culpou os seus soldados, pois eles estavam obedecendo ordens, ele é que havia errado em não se apresentar. Os soldados ao ouvirem o grito de Joaninha fizeram o comentário que o capitão nem bem chegara e já estava as voltas com mulheres. Um dos soldados explicou que Carlos era dali e que a moça era sua prima, a menina dos rouxinóis. Fizeram uma relação das mulheres com quem o capitão estivera dizendo que todas eram loucas. Ficaram na dúvida se era prima ou irmã. Alguém lembrou que existia um frade ligado à família. Um dos soldados disse que quase atirou no frade. Outro lembra que quase mataram o capitão e que se o frade fosse pai ou tio do capitão poderiam ter causado um problema. Capítulo 22 Joaninha envia uma carta a Carlos onde conta que manteve o acordo de não contar à avó que estivera com Carlos. A avó estava muito adoentada e, para aliviá-la, Joaninha disse que recebeu notícias que Carlos estava bem. Pede a Carlos que não adie por muito tempo o encontro com a avó, pois teme pela sua saúde. Marca um novo encontro no mesmo local. Carlos havia passado a noite apreensivo. Pensava no quanto ele lembrava de Joaninha e a vontade de vê-la novamente, mas a imagem que tinha da prima era de uma menina e não de uma mulher. A sensação que Carlos sentiu ao ver joaninha foi nova não sabendo explicar se era amor. Mas ele já havia amado outras vezes e ainda mantinha uma relação de amor com uma outra mulher da qual guardava um talismã. Carlos estava confuso entre os sentimentos que nutria pelas duas mulheres. O autor interrompe para nos dar sua versão dos fatos. Segundo ele Carlos estaria apaixonado por Joaninha apesar de estar também apaixonado por esta outra mulher. O autor nos adianta que o nome desta outra mulher é Georgina e que falará dela mais tarde. Pede que as leitoras perdoem Carlos pelas suas dúvidas. Carlos havia passado a noite em claro abalado pela reação que teve ao abraçar e beijar Joaninha. Mas de manhã ele já havia pensado o suficiente para sentir confiança no amor que sentia por Geogina. Pretende encontrar com Joaninha no horário e local marcados.

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Capítulo 23 O dia custa a passar e Carlos começa a refletir novamente. Todas as ponderações da noite lhe voltaram ao pensamento. Para o autor, os tormentos causados pelo pensamento, fazendo com que a pessoa sonhe acordada, é tratada pela ciência como nervosismo, para o romantismo sensibilidade e para o conhecimento popular de loucura. Carlos tinha tudo isso. Entre os pensamentos de Carlos estava agora a imagem de sua avó. Ele lembrou que Joaninha havia dito que ela estava cega e que havia um mistério por trás deste fato. Carlos pensa também em Frei Dinis que ele considera um peso na vida da avó. Pondera se Joaninha sabe alguma coisa sobre o passado da avó e de frei Dinis. Ele lembra que foi sua certeza de que um crime fora cometido pelos dois que o fizeram sair de casa. Fica imaginando se Joaninha sabe o mesmo que ele. Pensa em desfazer qualquer pensamento neste sentido mesmo que tenha que mentir para Joaninha. Pensa em não mais ver a avó. Procurou se ocupar de afazeres militares para acalmar o espírito. Mas o dia era longo e voltou a pensar. Pensou agora nas mulheres que amava. Em uma visão nebulosa ora apareciam os olhos de Soledade, ora de Georgina e ora de Joaninha. Pensou em dizer a verdade para Joaninha. O autor aparece novamente para nos dizer que Carlos era poeta e introduz um poema que não segue os padrões formais rígidos da poética. Apresenta um longo poema onde o tema principal é a cor dos olhos dos amores de Carlos. O autor nos diz que não se formulam em palavras os pensamentos poéticos e que coube a ele fazer uma fotografia mental de Carlos para apresentar o poema. Faz uma nova digressão sobre os poetas criticando a escola clássica. Capítulo 24 O autor fala dos homens tendo Adão como o modelo da criação. Fala de seus desvios que o fizeram ser expulso do paraíso. Critica a sociedade criada pelo homem que o torna um ser vil. Cita Carlos como um homem bom, muito parecido com Adão, mas que como todo homem tem os seus defeitos. Carlos estava quase como os demais homens, ainda era bom e verdadeiro no primeiro impulso mas a reflexão o descia a vulgaridade da fraqueza, da hipocrisia e da mentira comum. Era um homem como os outros homens. Cheio de dúvidas e incertezas foi ao encontro de Joaninha. Ela notou que Carlos estava diferente do dia anterior. Joaninha elogia a beleza de Carlos e diz que já o via assim em seus sonhos. Carlos ao contrário sonhava com Joaninha sempre menina risonha e brincalhona. Joaninha lhe disse que nunca mais sorrira depois de sua partida e que naquele vale a tristeza tomara conta. Disse que não gosta de Frei Dinis, mas que acredita que ele nutre um carinho por sua família. Principalmente por Carlos que trata como um filho. Carlos alega que ele precisa do perdão de Deus. Joaninha concorda que ele tenha sobre si um grande pecado. Carlos se impressiona com a alegação de Joaninha e quer saber que pecado é esse que Joaninha conhece. Ela relata então que foi Frei Dinis o responsável pela cegueira da avó. Que ele a culpava por Carlos ter se desviado do caminho da religião. Ela diz que Frei Dinis sufoca sua avó com seu Deus de terrores, que Frei Dinis vê pecado em tudo. Carlos fica aliviado, pois vê que Joaninha não sabe a verdade sobre o pecado que ele imagina saber sobre o Frei Dinis e sua avó. Joaninha conta que o Frei continua visitando sua casa todas as sextas-feiras e que no dia seguinte será sexta-feira e que, portanto eles não poderão se ver. Ela cobra de Carlos uma data para ele encontrar com a avó. Carlos alega que por motivos da guerra ele não pode se aproximar da casa. Joaninha conta que é bem quista pelo comandante do exército absolutista e que ele sabe que ela está se encontrando com um parente. Carlos pergunta sobre a idade deste comandante. Joaninha pergunta se ele está bravo. Diz que quando ele franze a testa fica parecido com Frei Dinis. Carlos beijou a mão de Joaninha e os dois ficaram com os olhos marejados. Capítulo 25 Carlos e Joaninha ficaram por longo tempo de mãos dadas olhando-se sem nada dizer um ao outro. Enfim, Joaninha falou novamente que no dia seguinte o Frei viria. Carlos pediu para que a prima não contasse nada a Frei Dinis. Joaninha garantiu que não falaria nada mas insistiu em saber quando poderia falar com a avó. Carlos deu a desculpa que precisaria de ordens de Lisboa para não incorrer em crime de guerra. Disse também que não sabia quantos dias precisaria. Joaninha pediu para encontrá-lo todos os dias, excetuando-se as sextas-feiras, dias de visita do Frei. Carlos jurou que a veria todos os dias; Joaninha insistiu perguntando se não havia nada que os impedisse de se encontrar. Carlos hesitou por um momento dizendo que havia apenas um motivo, mas não quis dizer qual. Joaninha insistiu e Carlos respondeu que seria se o seu comando o proibisse. Joaninha não

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acreditou na desculpa de Carlos. Joaninha confessa a Carlos que o ama. Carlos por um momento pensou em abraçá-la, mas freou seu impulso. Trocaram juras de amor. Carlos perguntou se Joaninha estava certa sobre o seu sentimento. Ela reafirmou e disse que já havia contado à avó seu amor por Carlos e que a avó havia ficado muito feliz. Despediram-se. Carlos disse que falaria no próximo encontro. Joaninha suspeitou que Carlos não a amava e que seu coração estava destinado à outra mulher. Ao se despedirem Carlos perguntou se Joaninha acreditava que ele pudesse enganá-la. Ela respondeu que não. Os dois foram cada qual para o seu lado. A partir daquele dia os dois eram outros. Capítulo 26 O autor diz que se for a Roma pretende levar consigo um livro de Tito Lívio e de Tácito. Que estando sentado ali poderia entender melhor a história escrita por estes grandes autores. Sugere ao leitor que pegue suas crônicas e vá a Santarém e leia diante dos monumentos a história contada por ele. Relata que faz isso com freqüência que só entendeu Sheakespeare quando o leu em Warwick ao pé do Avon, debaixo de um carvalho secular. Relata o caso de um inglês que chegou a Paris e foi conferir no túmulo de Heloísa e Abelardo e lendo as cartas de Paracleto sentiu-se o próprio Abelardo e saiu gritando por um cônego que lhe acudisse. Diz que não chega a se impressionar tanto quanto o referido leitor. Lembra de uma outra passagem em que estando em seu quarto pôs-se a ler Os lusíadas de Camões. De sua janela pode ver o Tejo e passou a se sentir na Portugal que ele entende como a verdadeira Portugal. Pergunta-se então o que esta digressão tem a ver com a sua obra e defende que tem tudo. Defende que se lermos uma obra no local que a inspirou vamos entender melhor esta obra. Diz que foi importante ter ficado no vale a ouvir e relatar a história da menina dos rouxinóis, mas que agora vão continuar viagem para Santarém. E nos avisa que a história de Joaninha não terminou, mas que haverá uma mudança de cenário para Santarém. Capítulo 27 Ao final do dia chegam a calçada que leva ao alto de Santarém. Fala sobre os olivais de Santarém e a sua importância histórica. O autor diz-se feliz por ainda encontrar ali os olivais que apesar de estragados como tudo que viu ainda é um monumento. Chegam a entrada da Vila. Vários monumentos são vistos. Mas a cidade parece abandonada. Começa a enumerar os monumentos. À esquerda o convento do Sitio de Jesus, o das Donas, o de S. Domingos onde jazem os restos de S. Frei Gil tido como o Fausto português por ter sido bruxo. Defronte está o mosteiro das claras. Ao pé estão as baixas arcadas góticas de S. Francisco de cujo último guardião foi Frei Dinis. À direita o Colégio Jesuíta de arquitetura filipina. O autor chama a atenção para a disposição dos edifícios que foram construídos para mostrar o poder que era exercido em cada momento da história. Por isso estão frente a frente monumentos de religiões diferentes. Entram nos muros de Santarém. As igrejas, as muralhas e algumas casas mantém a fisionomia antiga mas as demais casas apesar de velhas perdem a relação com a sua origem. Seguem com destino a Alcáçova. Na ponta da antiga cidadela uma confusão de entulhos e caliça e a falta de uma estrada vão dificultar o caminho da casa do amigo dos viajantes. Capítulo 28 Depois de muito procurar pela Igreja de Santa Maria de Alcáçova e diante do estado em que se encontram, os viajantes não se conformam com o que vêem. A igreja havia passado por várias reformas estando totalmente descaracterizada o que irrita o autor que critica a forma com que os monumentos são descaracterizados. Critica o Marquês de Pombal responsabilizando-o por ter adotado o estilo de Luiz XV. Encontram a entrada e são recebidos pelo Sr. M. P.. Fazem as abluções e vão jantar. Conversam sobre política, literatura, Santarém e as suas ruínas e depois vão dormir. Ao acordar, o autor vai a janela de seu quarto e encanta-se com a vista. Faz uma descrição da paisagem como se pinta um quadro. Recorda-se dos versos da introdução do Fausto de Goethe. Apresenta alguns versos e diz não se atrever a continuar com a sua tradução por achar que a língua portuguesa não dá conta de traduzir a língua alemã.

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Capítulo 29 Um pensamento sobre o sonhar acordado e o fazer poético. O autor faz uma comparação entre os escritores que produziam pelo sentimento e os que escreviam pela imaginação. Aos primeiros a morte chegou cedo, pois segundo o autor o sentimento desgasta a vida. Aos que trabalham com a imaginação não existe este desgaste e, portanto eles viveram por mais tempo. Aos primeiros ele cita Byron, Schiller, Camões e Tasso. No segundo grupo estão Homero, Goethe, Sófocles e Voltaire. O autor explica que escreve aquilo que pensa e aquilo que sente. Questiona se o leitor esperava outra coisa dele e já se desculpa por não ter feito uma obra de viagem. Caso os leitores esperassem dele uma descrição marco a marco as léguas da estrada, palmo a palmo a altura dos edifícios, algarismos por algarismos as datas da sua fundação, sugere que procurem ao Padre de Vasconcelos que nele encontrarão o que procuram. Ressente-se apenas por não ser bom desenhista, pois acha que seria mais fácil descrever a viagem através dos traços de que pela literatura. Para ele Santarém é um grande livro de pedra. Que os monumentos contam sua história, mas que infelizmente o povo e o governo vem destruindo esta história. Ouve chamarem para o almoço. A conversa durante o almoço é Santarém e os vultos que ali estiveram. D. Afonso Henriques, S. Frei Gil, o Alfageme, el-rei D. Fernando e Rainha D. Leonor, Camões, Frei Luís de Sousa, Pedro Álvares Cabral , os Docems, grandes figuras da historia de Portugal. Também falaram de Santa Iria. O autor lembrou que existem duas versões para a história de Santa Iria, uma de cunho popular e outra monástica. Ele termina o capítulo contando a versão popular. Capítulo 30 O autor nos faz saber que Santa Iria, também Santa Irene, é que originou o nome de Santarém. Donzela, natural da Nabância era freira no convento beneditino. Enamorou-se por ela Britaldo, filho do cônsul Cristinaldo que governava a Nabância. Ela não lhe retribuía o amor e como Santa não podendo ver-lhe sofrer foi a seu encontro e o curou. Mas o monge Remígio também se encantou por Iria e não sendo também correspondido resolver se vingar. Deu a ela uma poção que fez com que os sintomas de uma gravidez aparecessem. Britaldo sentiu-se traído e mandou matá-la. Seu corpo foi jogado no rio e seguiu até as margens do Tejo onde foi sepultado. Tendo o Abade do convento uma revelação de toda a verdade, comunicou ao povo da Nabância. Foram todos ao rio. Chegando ao local do túmulo benzeram o rio que se abriu para que eles pudessem alcançar o corpo. Mas como não puderam tirá-lo dali entendeu-se que se tratava de um milagre e todos voltaram a sua terra. As águas tornaram-se a juntar e só se abriram novamente seis séculos e meio depois quando a Rainha Santa Izabel, mulher del-rei D. Dinis fez tão fervorosa oração. Entraram o Rei e a Rainha no rio, mas por mais esforço que fizessem não conseguiram abrir o túmulo. O rei então ordenou que se erguesse um padrão tão alto que cheia alguma o cobrisse. Passados mais três séculos e meio, a Câmara de Santarém mandou refazer o dito marco e colocar sobre ele uma estátua da Santa Iria. Esta é a história contada pelos frades. O autor reconta a história popular que ele já havia reproduzido a letra da cantiga no final do capítulo anterior. A Santa está em casa de seus pais: um cavalheiro desconhecido, a quem dão pousada uma noite, levanta-se por horas mortas, rouba a descuidada e inocente donzela, foge a todo o correr de seu cavalo, e chegando a um descampado dali muito longe, pretende fazer-lhe violência... A santa resiste, ele mata-a. Dali a anos passa por ai o indigno cavaleiro, vê uma linda ermida levantada no próprio sítio onde cometeu o crime, pergunta de que santa é, dizem-lhe que é Santa Iria. Ele cai de joelhos a pedir perdão à santa, que lhe lança em rosto o seu pecado e o amaldiçoa. Assim termina a história. O autor questiona qual seria a história mais correta. Se o povo reduziu a uma história mais simples ou se foram os monges que a aumentaram em suas escrituras. O autor faz ainda algumas considerações sobre a estrutura formal da cantiga, versão popular da história. Capitulo 31 Passado das dez horas da manhã, os viajantes saíram para visitar a cidade. O autor novamente nos lembra que a história está escrita nas ruínas e monumentos. Passam pela Igreja de Alcáçoba que se encontra fechada. Seguem pela esquerda onde vêem portas e janelas que o autor identifica como estilo moçarabe e que não combinam com as edificações em que estão colocadas. Chegam a porta do Sol um mirante onde a vista é bela, mas melancólica. Ali teria sido o local escolhido para execuções em tempos antigos. O autor fica pensando se não seria ali que Frei Dinis teria estado para

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lamentar o resultado da guerra. Neste momento o companheiro de viagem que iniciou a história da Joaninha aproxima-se e sugere que eles sentem ali para ouvirem o final da história. Agora o autor promete aos leitores que não irá mais entrar em digressões e que a história será contada de forma direta até o seu final. Capítulo 32 O autor recorda ao leitor o que se passou no final do capítulo 25 de onde retoma a história. Tinham Carlos e Joaninha se despedido tristes e duvidosos. Naquela noite um grande movimento de guerra reinava nos postos dos constitucionais. Carlos apresentou-se ao quartel general recebeu ordens para partir para um ataque onde poderia encontrar com a morte. Devido às confusões que lhe abatiam, Carlos já contava com a possibilidade de uma morte digna que o livraria de suas angústias. Armou-se e foi para o combate. Uma grande batalha sucedeu-se. Ao final do dia Carlos dava entrada em um hospital de Santarém crivado de balas. Foi atendido junto aos outros feridos. Guardava seguro na mão esquerda um talismã que não largava por nenhum motivo. Adormeceu. Quando acordou estava em uma cela do convento de S. Francisco. Tinha por enfermeira uma jovem bonita de rosto oval, cabelos louros e anelados e os olhos azuis. Acompanhava da porta de sua alcova o Frei Dinis. A cada movimento de Carlos ele se recolhia para não ser notado. Carlos acordou e reconheceu Georgina. Carlos fica sabendo que está prisioneiro no Convento de S. Francisco, mas que assim que ele se curar ela irá ajudá-lo a livrar-se. Carlos perguntou pela sua família. Georgina contou que eles estavam também em Santarém e que assim que ele estivesse fora de perigo iria vê-los. Carlos estava fraco, foi medicado e adormeceu. Passaram dias e semanas nas quais Carlos foi aconselhado a não falar para não agravar sua saúde. Um dia Georgina pode lhe dizer que já estava fora de perigo e que iria rever sua avó e Joaninha. Capítulo 33 Georgina diz a Carlos que não o ama mais. Ele fica desolado e questiona os motivos que a levaram a não mais amá-lo. Faz juras de amor a Georgina e diz que vai padecer se não for mais correspondido. Georgina pede que ele se acalme, pois está debilitado. Calmamente ela explica que realmente amou muito a Carlos. Que todos os momentos que viveram foram verdadeiros. Carlos diz não entender então porque ela não o ama mais. Georgina explica que depois que Carlos voltou para a Ilha Terceira ela havia se resignado, mas mantinha por ele o amor. Sentia que da parte dele também existia este amor. Recebia suas cartas e via nelas a verdade nas palavras de Carlos, mas quando ele voltou ao vale, começou a notar que o sentimento dele estava diferente. As suas palavras não fluíam com tanta naturalidade. Ela sentia que o estava perdendo e decidiu vir para Portugal para encontrar com ele. Ali chegando encontrou-o ferido e junto dele estava Frei Dinis. Ela contou ao Frei quem era ela e qual a relação que eles tinham. O frei trouxe-os ao convento onde ela passou a cuidar dele. Ficou próxima da sua avó e de Joaninha. Carlos ainda tentou afirmar que amava Georgina. Ela contou então que já sabia que Carlos estava apaixonado por Joaninha e que a prima também o amava. Já tinha se comprometido a ajudar que os dois ficassem juntos. Carlos a princípio disse que não queria ficar com Joaninha. Georgina questionou se ele queria trazer mais sofrimentos a sua família. À Joaninha, à sua avó que o amava como mãe e ao Frei Dinis que o amava com todo o coração. Quando ele ouviu o nome de Frei Dinis, ficou irritado e o amaldiçoou. Mal ele tinha pronunciado o seu nome, o Frei abriu a porta da alcova e entrou na cela. Capítulo 34 A cela estava meio escura. Carlos puxou a cortina que velava a luz que vinha de fora atingindo com um raio solar os olhos do frade. Frei Dinis chegou para perto de Carlos e pediu para que ele não o amaldiçoasse, pois ele vinha pedir-lhe perdão e dizer que o amava. Carlos ficou sem palavras. Ouviu-se um burburinho que vinha de fora do convento. Frei Dinis contou a Carlos que os constitucionais haviam vencido, que o barulho que ouviam eram os absolutistas que evacuavam Santarém indo na direção do Alentejo. Os constitucionais haviam vencido em Asseiceira e não havia mais nada a acontecer a não ser o perdão que pedia a Carlos. Carlos estava com uma confusão de sentimentos entre piedade, compaixão e ódio. Não se contendo ele acusou o padre de ter assassinado o seu pai e de ter cegado a sua avó. Frei Dinis confirmou as suas suspeitas e pediu que ele o matasse. E

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abaixando-se implorou que ele lhe pisasse sobre a sua cabeça, pois já estava velho e seria fácil matá-lo. Dizia que todos os anos de penitência não tinham lhe curado a culpa dos males que causou a família de Carlos. Capítulo 35 Georgina pede a Carlos que ele dê a mão ao frade e que o levante do chão e o perdoe. Carlos fica impassível. Georgina pega na mão do frade e levanta o seu rosto e o trás para junto de si tentando consolá-lo. Frei Dinis parecia uma criança. Georgina com a voz da sedução feminina pediu novamente. Esse homem vai morrer, você não vai perdoá-lo, meu Carlos? Ao ouvir estas palavras Carlos se rendeu e ajoelhando-se ficou abraçado a Georgina e ao Frade. Ficaram assim por muito tempo sem dizer palavra alguma. Até que o Frei pediu com voz fraca que Carlos perdoasse também a sua mãe. Carlos deu um salto chamando o Frei de Demônio e dizendo que iria matá-lo. Pegou um velador de pau-santo e levou ao ar para desferir um golpe mortal no crânio do velho. Este apenas estendeu a cabeça não mostrando resistência. No momento que iria se consumar este homicídio dois gritos foram ouvidos. Eram a avó e Joaninha que entravam na cela. A avó dizia a Carlos que o Frei era na verdade o seu pai. Carlos soltou o velador e caiu sem sentidos. Georgina o levantou e o colocou sentado na cadeira. Uma ferida em seu pescoço havia aberto devido ao esforço e ele estava todo ensangüentado. Joaninha e Georgina acudiram Carlos e fizeram um curativo para estancar o sangue. Joaninha sentiu-se ameaçada com a presença de Georgina. Georgina lembrou o trato que fizera com Joaninha despedindo-se e pedindo que ela cuidasse de Carlos. Disse que estava sobrando ali, pois não precisava saber sobre os segredos daquela família. Pede para que ela console a avó e o Frei que ela acha que não é criminoso. Joaninha alega que a avó já havia contado a verdade para ela e que o Frei realmente não tinha culpa. Carlos murmurou sem abrir os olhos, querendo saber a verdade. A avó contou que o Frei era na verdade o pai de Carlos e que sua mãe o havia amado. Carlos perguntou qual o motivo que levaram o Frei a matar aquele que conhecia por pai e o pai de Joaninha, seu tio. Frei Dinis respondeu que ele apenas se defendeu. Os dois homens se uniram para lhe emboscar na charneca. Era noite e ele não viu quem o atacou. Ao se defender acabou matando os dois homens e só ficou sabendo a sua identidade quando foi jogar os corpos no rio. Era época de cheia e quando encontraram os corpos ninguém ficou sabendo o motivo da morte dos dois. Mas Frei Dinis contou para a mãe de Carlos e esta morreu de desgosto e remorso. Não satisfeito um dia ele contou para D. Francisca o que ocorrera e ela chorou lágrimas de sangue e acabou ficando cega. Diante de todo sofrimento que causou esperava não viver o suficiente para revelar toda a verdade a Carlos. Carlos então levantou o frade, colocou-o sentado na cadeira e beijou-lhe a mão. Depois abraçou a avó que o apalpava e resmungava que já poderia morrer pois já havia abraçado mais uma vez o neto que ela considerava como filho. Carlos saiu fazendo sinal que já voltava, mas não retornou. Três dias depois chegou uma carta de Évora onde ele estava com o exército constitucional. Capítulo 36 Ainda não acabou a história da Joaninha. Não falta muito, nem pouco. O autor diz que vai acabar logo, pois as gentes estão impacientes em saber. Querem saber que fim levou Joaninha, a avó, o Frei, a inglesa e Carlos. Questiona se Carlos deve ser tratado como impuro ou digno de pena. Que seu grande problema foi amar demais. Que o coração pode ser grande fisicamente ou moralmente. O coração que é fisicamente grande causa a morte e o que é moralmente grande leva a morte dos sentimentos. Segundo o autor Carlos padece do coração moralmente grande e prevê o seu fim com a perda dos sentimentos. Só vê dois caminhos possíveis, a política ou a agiotagem. Diz que a maldição maior é se for os dois; Deputado e Barão. Neste momento voltam à viagem e o final da história fica para o dia seguinte. Encontram o Barão de P. que irá guiá-los. Foram a porta de Atamarma local onde D. Afonso Henriques pôs fim ao domínio árabe em Portugal. O autor lamenta que a Câmara de Santarém pretenda demolir este Monumento. Em cima do arco existe uma capela da Virgem da Vitória que o autor coloca em dúvida se foi D. Afonso que construiu. Questiona a falta de documentação sobre alguns monumentos. Crê que os frades croniqueiros deixavam de registrar muitas coisas, pois achavam que não seriam modificados os monumentos pelos homens. Eles visitaram a capela por dentro o que desanimou o autor profundamente, pois ela não guardava em nada o aspecto de passado esperado por ele. Faz um grande lamento pelo abandono que deixaram

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Santarém. Como uma súplica faz um apelo à cidade de Santarém e a seus monumentos pedindo que eles resistam aos descasos dos governantes. Faz um grande desabafo. Capítulo 37 Passaram diante da Graça onde está sepultado Pedro Álvares Cabral, mas não puderam visitar o túmulo, pois o responsável pelas chaves não se encontrava no local. Foram à casa do Barão de A., outro que segundo o autor não se encontra entre os barões assinalados, referência clara a Os lusíadas. Seguiram com o Barão de A. para a cerimônia da exposição e ostensão do Santo milagre. O autor faz uma pequena descrição da igreja e inicia-se a cerimônia. Sobem até o local onde se encontra a âmbula que contém a partícula consagrada. Foram abençoados e puderam olhar a relíquia de perto. O pároco contou que naquele mesmo camarim estavam os restos mortais de D. Maria da Assunção, filha de D. João VI, que morreu em Santarém nos últimos anos em que o exército absolutista ocupava a cidade. O corpo havia ficado mal embalsamado e estava causando doenças aos freqüentadores da igreja. Pediu-se então ao governo que tomasse alguma medida, mas devido ao desinteresse do mesmo o corpo foi sepultado em cova rasa sem nenhum distinção ou epitáfio. Era mais um descaso com a história de Portugal. Depois da cerimônia foram visitar a casa em que se deu o milagre. A casa havia sido transformada em capela, mas estava em estado de abandono. Associado ao Santo milagre existia uma lenda do homem de botas. Na época da invasão francesa o paládio escalabitano havia sido transferido para Lisboa para que não fosse roubado. Após a retirada dos franceses o povo santareno começou a requisitar o retorno da relíquia. Preocupados com os tumultos que poderiam acontecer durante o transporte foi espalhado um boato de que um homem iria atravessar o rio Tejo utilizando apenas uma bota de cortiça não precisando de embarcação para isso. Todos foram para a beira do rio ou para embarcações para esperar o feito. Enquanto isso, era embarcado o Santo milagre rumo a Santarém. Os Lisboetas só ficaram sabendo do fato quando a relíquia já havia chegado a Santarém e o povo festejava a sua volta. Os viajantes foram jantar à Alcáçova. Capítulo 38 Esperava por eles um belo jantar. Foram depois para a Ribeira. Procuraram em vão um local onde se pudesse ter havido a tenda do Alfageme. Para o autor, a Ribeira foi mais decepcionante que Santarém. Chegando novamente a Santarém ocorre um baile que não apetece ao autor. Apenas admira pelo fato de reunirem-se tantas pessoas em uma cidade que ele tinha como quase deserta. Fala-se sobre Lisboa e sobre Portugal. Discutem-se as coisas erradas e conclui-se depois que a ausência de Lisboa parece fazê-la ficar mais atraente. Fala-se ainda das enfadonhas óperas do Teatro Carlos Gomes e as apresentações dramáticas que são repetitivas e maçantes. Mesmo assim a província não conta com estes recursos. Faz algumas digressões sobre o uso das palavras. Faz mais críticas a sociedade diz que detesta a filosofia e a razão e termina o capítulo. Capítulo 39 Explica o ceticismo colocado no final do capítulo anterior e faz mais algumas digressões sobre o assunto. Fala novamente ao leitor. Volta à viagem. Diz que preferia o ócio a fazer mais descobertas, pois o dia não está agradável para passeios. Preferia estar de volta ao vale para concluir a história da Joaninha. Promete que irá depois, pois agora vai almoçar e continuar seus estudos arqueológicos. Vão ao Colégio dos jesuítas. Questiona os motivos que não permitem a Santarém que mantenha bons colégios. Questiona a centralização dos estudos em Lisboa deixando a província desprovida de um bom colégio. Vão a S. Domingos. Fica impressionado quando a porta se abre e nota que acabara de servir de palheiro. Encontra-se ali o jazigo de S. Frei Gil, que o autor chamou anteriormente de o Fausto Português. Reforça que só existem os grandes vultos na literatura devido a existência dos grandes escritores. Não existiria um Fausto sem o Goethe e um Agamêmnon sem Homero. Fala da grande admiração que tem pelo S. Frei Gil e como ele concentrava-se apenas na história deste mago quando na escola obrigavam-no a estudar a história de S. Domingos. As referências que tinha de Fausto e a necessidade que vê de escrever uma obra onde S. Frei Gil apareça como protagonista. Cita a pequena inserção que faz em Dona Branca. Vai a capela de S. Frei Gil e se desaponta

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novamente. O túmulo é totalmente sensabor e não faz jus ao grande homem que ali jaz. Ao chegar perto do túmulo nota que ele foi profanado e questiona quem teria coragem de cometer tal sacrilégio. Capítulo 40 Era noite e reinava a confusão em Santarém, três homens chegaram ao mosteiro das claras onde foram abrigados pelas monjas. Os homens traziam uma urna contendo algo muito valioso talvez fruto de um crime. Era o ano de 1834. Os liberais estavam espoliando os conventos dos franciscanos e dos dominicanos. Toda a comunidade das claras acompanhou estes homens a uma capela entoando um salmo que prenunciava a invasão dos templos. Fica-se sabendo que entre os homens, dois eram frades dominicanos, e um, frade franciscano. Os mosteiros já haviam sido tomados pelos liberais e para resguardar o corpo de S. Frei Gil que jazia no mosteiro de S. Domingos estes homens haviam praticado um roubo. Profanaram o túmulo de S. Frei Gil para que não o fizessem os liberais. Sabendo que o mosteiro das claras não seria invadido pediram para que as monjas protegessem os restos mortais de S. Frei Gil. Ninguém ficou sabendo, apenas o autor que guardou segredo. Agora que os tempos são outros, diz que pode revelar o segredo. Faz nova crítica aos barões. Capítulo 41 O autor dá crédito ao leitor dizendo saber que ele reconheceu Frei Dinis no capítulo anterior como sendo um dos frades que roubou o corpo de S. Frei Gil. Chega ao convento de S. Francisco. Diz que já se interessa mais pelo final da história da Joaninha do que dos monumentos de Santarém. Se diz cansado de Santarém e que quer ir embora pois não suporta mais ver o descaso com a história de Portugal. Capítulo 42 Novamente se diz desolado com o descaso e com as profanações. Quer ir embora mas lembra-se de visitar o túmulo do rei Fernando. Fica novamente decepcionado pois encontra o túmulo profanado. Critica o povo de Portugal por não ter mais religião e ter se tornado materialista e faz uma previsão de que Portugal não durará mais 10 anos se os barões continuarem mandando. Finaliza com uma reflexão de que Jesus que sempre foi tolerante, perdeu a paciência quando viu os vendilhões em frente do templo. Capítulo 43 Sai de Santarém. Passa pelo vale. Encontra D. Francisca e o Frei Dinis na frente da casa. Pergunta sobre Joaninha. Frei Dinis diz que Joaninha está morta. Pergunta sobre Carlos. Frei Dinis pergunta o que ele sabe. Diz que conhece toda a história até a partida de Carlos. Frei Dinis entrega a ele a carta de Carlos para que ele leia. Capítulo 44 Carlos escreve a Joaninha para explicar a ela porque ele não a merece. Começa contando a história dele depois que foi embora da casa da avó. Foi para a Inglaterra onde relacionou-se com uma família elegante e rica. Que em princípio estranhou os hábitos daquela família mas que depois acostumou-se. Havia três meninas naquela família. Ele passou a gostar das três mas acabou se apaixonando por uma delas. Laura, a segunda em idade. Capítulo 45 Faz uma descrição de Laura. Declarou-se para ela num passeio mas ela não respondeu. No dia seguinte a irmã mais velha de Laura, Júlia, o chamou para conversar. Faz uma descrição de Júlia. Os dois ficam sós.

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Capítulo 46 Júlia diz a Carlos que Laura também o ama mas que não pode ficar com ele pois já está comprometida. Diz que Laura irá se casar dali a três meses e que irá para a Índia. Carlos sente uma grande dor pede para falar com Laura. Júlia traz Laura e os dois conversam. À noite partem para uma estalagem de onde Laura partirá para o País de Gales e lá ficará esperando até a data do casamento. Carlos relata que durante a viagem era em Joaninha que ele pensava. Diz que julga-se um monstro e que está espantado consigo. Capítulo 47 Chegam a estalagem onde despede-se de Laura. Carlos sente-se aliviado. O pai de Laura chega de uma excursão de Londres e pede para que Carlos cuide de suas duas filhas pois vai encontrar-se com Laura no País de Gales. Carlos fica três dias sem aparecer. Quando volta Júlia fica alegre. Mostra para Júlia as cartas que escreve para Laura. Júlia passa a ser correspondente entre Carlos e Laura. Carlos diz a Joaninha que a ama. Carlos vai para Londres para que Laura se case. A pedido de Júlia volta a Shire. Capítulo 48 Ao voltar a Shire Carlos encontra Georgina. Apaixona-se por ela. Três meses se passam. Carlos vai para o Açores. Conhece Soledade mas diz que não a amou. Volta a Portugal e diz a Joaninha que a partir daí ela já sabia a continuação da sua história. Diz que ao vê-la novamente, notou que sempre foi ela que amou. Diz que não pode e não deve amar mais ninguém. Pede a Joaninha que cuide da avó e de Frei Dinis e despede-se dela para sempre. Capítulo 49 O autor entrega a carta a Frei Dinis. Este conta que Joaninha enlouqueceu e morreu no colo da avó e de Georgina. Georgina virou abadessa em Shire e a avó de Joaninha, após a sua morte, ficou em estado mórbido conforme ele estava vendo em sua frente. E Carlos virou barão e logo entraria para a política. Fizeram algumas discussões sobre o fato dos barões terem sucedido os frades e o prejuízo para Portugal. O autor segue viagem para Cartaxo onde encontra com seus companheiros de viagem. Dormem ali e no dia seguinte seguem para Lisboa. Termina a viagem e o livro. O autor mostra o apreço que tem pelas viagens que faz em sua terra e jura que não irá viajar nas estradas de ferro dos barões.