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O tenente Vinhaes como representante do operariado na Constituinte e no Congresso Nacional (1890 - 1893) Adalberto Coutinho de ARAÚJO NETO 1 Primeiras palavras José Augusto Vinhaes, 1º tenente da Marinha, eleito deputado constituinte, declarado e autodeclarado “chefe do partido operário” foi um personagem histórico polêmico. Houve acirrada disputa entre ele e o grupo que se organizou em torno de Luiz da França e Silva e outro em torno de Gustavo de Lacerda para a formação do partido de classe do proletariado no Rio de Janeiro, logo meses após a Proclamação da República. Essas disputas envolveram toda sorte de acusações, legítimas e, outras, provavelmente exageradas, conquanto não criminosas. A historiografia e nossas pesquisas têm discutido a atuação polêmica como dirigente partidário do Centro do Partido Operário, organização que girou em torno de sua liderança. Mas, como foi a atuação como constituinte e parlamentar de Vinhaes como “chefe” do operariado carioca? Retomemos alguns pontos da polêmica através das reconstituições feitas pelos autores que se trataram desse momento. Marcos Vinícius Pansardi (1993) trata dos esforços para eleição dos representantes dos operários cariocas, tanto pelo Partido Operário, liderado por França e Silva, como do Centro do Partido Operário, “chefiado” por José Augusto Vinhaes. O Partido Operário, inicialmente, escolheu como dirigente o diretor de uma companhia de seguros, Kinsmann Benjamin, que foi lançado candidato à Assembleia Nacional Constituinte e obteve 115 votos. Este logo partiu para a Europa e deixou a direção do partido nas mãos de França e Silva, seu líder “natural”. Os principais líderes lançaram-se às eleições, sendo que França e Silva obteve 689 votos, Gustavo de Lacerda 5 e Mariano Garcia 3… José Augusto Vinhaes conseguiu 5.401 votos, sendo eleito deputado 1 Doutor em História pela FFLCH-USP. Professor do Instituto Federal de São Paulo/IFSP, membro do Grupo de Pesquisa Trabalho, Economia, Sociedade e Ensino (GP TESE), reconhecido pelo CNPq e cadastrado na Pró-Reitoria de Pesquisa do IFSP.

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O tenente Vinhaes como representante do operariado na Constituinte e no Congresso Nacional (1890 - 1893)

Adalberto Coutinho de ARAÚJO NETO1

Primeiras palavras

José Augusto Vinhaes, 1º tenente da Marinha, eleito deputado constituinte,

declarado e autodeclarado “chefe do partido operário” foi um personagem histórico

polêmico. Houve acirrada disputa entre ele e o grupo que se organizou em torno de Luiz

da França e Silva e outro em torno de Gustavo de Lacerda para a formação do partido de

classe do proletariado no Rio de Janeiro, logo meses após a Proclamação da República.

Essas disputas envolveram toda sorte de acusações, legítimas e, outras, provavelmente

exageradas, conquanto não criminosas. A historiografia e nossas pesquisas têm discutido

a atuação polêmica como dirigente partidário do Centro do Partido Operário, organização

que girou em torno de sua liderança. Mas, como foi a atuação como constituinte e

parlamentar de Vinhaes como “chefe” do operariado carioca?

Retomemos alguns pontos da polêmica através das reconstituições feitas pelos

autores que se trataram desse momento.

Marcos Vinícius Pansardi (1993) trata dos esforços para eleição dos

representantes dos operários cariocas, tanto pelo Partido Operário, liderado por França e

Silva, como do Centro do Partido Operário, “chefiado” por José Augusto Vinhaes. O

Partido Operário, inicialmente, escolheu como dirigente o diretor de uma companhia de

seguros, Kinsmann Benjamin, que foi lançado candidato à Assembleia Nacional

Constituinte e obteve 115 votos. Este logo partiu para a Europa e deixou a direção do

partido nas mãos de França e Silva, seu líder “natural”. Os principais líderes lançaram-se

às eleições, sendo que França e Silva obteve 689 votos, Gustavo de Lacerda 5 e Mariano

Garcia 3… José Augusto Vinhaes conseguiu 5.401 votos, sendo eleito deputado

1 Doutor em História pela FFLCH-USP. Professor do Instituto Federal de São Paulo/IFSP, membro do

Grupo de Pesquisa Trabalho, Economia, Sociedade e Ensino (GP TESE), reconhecido pelo CNPq e

cadastrado na Pró-Reitoria de Pesquisa do IFSP.

constituinte e continuou como deputado federal na primeira legislatura da República, tão

logo os trabalhos constituintes se encerraram (PANSARDI, 1993: 106).

Benito Bisso Schmidt (2007) considera a aproximação de Vinhaes com o Governo

Provisório de Deodoro da Fonseca e sua ruptura. Até a ruptura, entretanto, essa

aproximação foi útil para que pudesse fazer sua campanha político-eleitoral e partidária

de forma semioficial. Nessa situação, pôde adentrar facilmente oficinas e fábricas,

principalmente as oficinas dos estabelecimentos estatais, como as do Arsenal de Guerra,

do Arsenal da Marinha e as oficinas da Estrada de Ferro Central do Brasil. Esse

semioficialismo teria facilitado, inclusive, segundo esse autor, sua eleição à Constituinte.

Nos meses que assistiram à formação do Partido Operário e à cisão que deu origem

ao Centro do Parido Operário, este liderado por Vinhaes, ocorreram as disputas e diatribes

entre o grupo de França e Silva, através do jornal Echo Operário, e o grupo de Vinhaes,

que se expressava, principalmente, pelo diário O Paiz. França e Silva e seu grupo

criticaram o partido de Vinhaes por sua própria liderança imposta, isto é, o próprio

Vinhaes era ligado ao Partido Republicano Federal, segundo Ângela de Castro Gomes

(1994). O grupo de França e Silva não era contra alianças, mas queria-as no Congresso e,

acima disso, queria a independência do Partido Operário. É interessante ver que ambos

os partidos apelavam aos trabalhadores (artistas, operários) e aos industriais. Ângela

Gomes explica que, para aquele momento, não se considerava a oposição ferrenha entre

patrões e empregados e os socialistas. Contudo, devemos notar que a animosidade entre

as classes, não raras vezes, vinha à tona, complicando a execução de uma concepção,

talvez utópica e saint-simoniana, dos socialistas brasileiros desses primeiros anos da

República.

Embora tenha sido lançado por vários partidos, inclusive pelo Partido

Republicano Federal, ao ser eleito constituinte, assumiu-se socialista e chefe do Partido

Operário. Quando de sua posse, Vinhaes foi acompanhado pelas ruas por uma comitiva

do CPO, com direito à banda de música e fogos de artifício. Tentou organizar

cooperativas e serviço mutual além do Banco dos Operários, no que foi severamente

criticado pelo grupo de França e Silva, que considerou isso uma espécie de agiotagem

sobre os trabalhadores. Será por mobilização de Vinhaes e do CPO que no Código Penal,

certas formas de greve não foram consideradas crimes: somente aquelas interrupções

violentas do trabalho eram consideradas ilegais. Isso desagradou as elites e os políticos

da época (GOMES, 1994).

Sobre esse assunto, Vinhaes se manifesta na imprensa defendendo sua atuação

parlamentar, uma das primeiras, em prol dos interesses proletários. Os novos artigos do

Código Penal, [em] “nada prejudicam as classes laboriosas; é esta a minha opinião e a de

distintos e abalizados jurisconsultos, a quem tenho consultado”, declara Vinhaes2.

Inclusive, a direção do Centro do Partido Operário endossou sua posição, defendendo a

mudança dos artigos 205 e 206, sobre o “constrangimento”, “violência” e “desvio

fraudulento” do trabalhador em caso de greve. Para a direção do CPO, o que se havia

obtido era o melhor que se podia conseguir; do contrário

A ofensa e o aviltamento da classe operária levar-nos-ia com nosso dedicado chefe, na

vanguarda de nossos irmãos e ao encontro das balas e baionetas, e nenhum de nós recuaria

então, como não recuamos agora em apresentar ao cidadão ministro, os nossos protestos

de gratidão.

(…)

A classe operária deve estar satisfeita3.

A conciliação de classes conjugava-se aí, delicadamente com as exigências e

rompantes dos trabalhadores organizados. Em que pese a exaltação da figura do “chefe”

e, sem dúvida, o uso do blefe e da retórica, pressionou-se por um interesse legítimo de

classe tendo-se em vista a própria luta de classes.

Vinhaes, eleito deputado constituinte e autodeclarado representante do operariado

na Câmara dos Deputados Federais representava o que Cláudio Batalha (2003) considera

como uma tendência política e ideológica reformista que visava, legalmente, mas com

participação política e eleitoral própria, introduzir discussões e promover reformas legais

que caminhassem para um cenário de justiça social progressiva.

Notemos que esses socialistas consideravam o 15 de Novembro como uma

Revolução. Cumpria a eles, socialistas e trabalhadores organizados, dar conteúdo social

justo e democrático ao novo regime que apoiavam totalmente em relação à monarquia.

2 “Seção Livre”, “À Classe Operária”, O Paiz, nº 3157, 16/12/1890, p. 2. 3 “O Novo Código Penal e a Classe Operária”, O Paiz, nº 3158, 17/12/1890, p. 3.

Quem era José Augusto Vinhaes?

Nascido no Maranhão, em 1858, filho de um comerciante português, ingressou na

Marinha em 1875 e atingiu o posto de 1º tenente em 1887 (BATALHA, 2009: 170). Seria

ele um “republicano histórico” e se destacou na ocupação da repartição dos Correios, no

Rio de Janeiro, quando do episódio da Proclamação da República, em 15 de novembro

de 1889, seguindo as ordens do Governo Provisório. Foi partidário de Deodoro da

Fonseca, como indica a historiografia consultada, assim como nossa análise das fontes, e

“afastou-se deste para apoiar Floriano, com o qual rompeu por ocasião da Revolta da

Armada, em 1893. Partiu para o exílio por um breve período em março de 1894, com a

derrota da Revolta da Armada” (BATALHA, 2009: 170). Fundou ainda, segundo Batalha

(2009), o “Centro Doméstico que estaria na origem do Centro Cosmopolita”. Ao final da

década e início dos 1900, Vinhaes tentou se aproximar novamente das organizações

operárias, mas “seu tempo” havia “passado”. Pansardi (1993) considera que, entre as

razões do fracasso estavam elementos que deveriam representar a força da organização,

como o próprio envolvimento político de Vinhaes com o novo regime e sua intermediação

em greves etc. Isso tirava à classe o impulso de organização autônoma e independente,

segundo Pansardi, o que a enfraqueceria. De outro lado [e talvez mais importante] estava

o fato de que se esperava uma aliança harmônica com a ainda jovem e frágil burguesia

industrial que não aceitava-a, contudo. A República fora feita da aliança da burguesia

agrária com as classes médias urbanas e não da aliança revolucionária entre burgueses e

operários, como em 1848, segundo o autor. E a própria classe operária era ainda fraca

numericamente e ensaiava sua organização política.

Compete-nos, agora, o exame de sua atuação congressual como constituinte, entre

os meses finais de 1890 e os dois primeiros meses do ano seguinte.

Vinhaes na Constituinte Uma das primeiras manifestações de Vinhaes na Constituinte foi candidatar-se à

2ª Secretaria da Mesa Diretora dos trabalhos, na sessão de 21 de novembro. A votação

teve resultado no mínimo fantástico para ele: obteve um entre duzentos e vinte e nove

votos (CAMARA DOS DEPUTADOS, 1924: Vol I: 349)…

Mas, isso não o desanimou e, em articulação com outros constituintes, trabalhou

e fez propostas que, embora fossem todas derrotadas, tinham fundamental importância

àquele momento. Vinhaes, Lopes Trovão, Saldanha Marinho, Nilo Peçanha e outros,

propuseram, na 30ª Sessão, de 12 de janeiro de 1891, e assinaram:

A Seção II

Declaração de Direitos

Acrescente-se onde convier:

1º Fica garantida às mulheres a plenitude dos direitos civis nos termos do art. 72.

2º Fica conferido o direito eleitoral às mulheres diplomadas com títulos científicos e de

professora, às que estiverem na posse de seus bens e às casadas, nos termos da lei eleitoral

(CARAMA DOS DEPUTADOS, 1926: Vol II: 439)

Contudo, esses deputados não obtiveram êxito. Tanto assim, que tais termos não

constam no exame do texto da Carta de 1891. Não satisfeitos com a derrota de sua

proposição, tentaram novamente na 40ª Sessão propor a questão, com uma redação

ligeiramente diferente, desta vez, referente ao Art. 71, “Seção II” – “Declaração de

Direitos”: “§ 3º Fica conferido o direito político às mulheres diplomadas com títulos

científicos e de professora de qualquer instituto da União ou dos estados, às que

exercerem qualquer cargo público e às casadas, nos termos da lei eleitoral” (CAMARA

DOS DEPUTADOS: 1926: Vol III: 75). E na página seguinte:

São eleitores e elegíveis, nos termos da lei eleitoral, para cargos municipais, as mulheres

diplomadas com títulos científicos e professoras de qualquer instituto de ensino da União

ou dos estados, as que estiverem de posse e administração de seus bens, as que exercerem

qualquer cargo público e as casadas (CAMARA DOS DEPUTADOS, 1926: Vol III:76).

Novamente, a proposição foi derrotada, não constando no texto constitucional

aprovado. Muito mais que notarmos essas tentativas, vemos que elementos ditos

republicanos radicais e o único representante assumido das classes trabalhadoras nesse

Congresso, Vinhaes, apoiaram, mais de uma vez a extensão dos direitos políticos às

mulheres nesses anos finais do século XIX. O liberalismo republicano e federalista

brasileiro, entretanto, não conseguia ir além de algumas fórmulas clássicas referentes às

liberdades burguesas de propriedade e filosóficas, também burguesas, de liberdade de

expressão, consciência etc., mas mantendo-se excludente em matéria de direitos políticos

e sociais.

Nessa mesma sessão, Vinhaes também figurará como um dos proponentes que

visava conferir os mesmos direitos aos jornaleiros [diaristas] e empregados efetivos do

quadro do funcionalismo público. Assinou esse projeto que deveria ser incluído no Art.

69, com os congressistas Alcindo Guanabara, Antão de Farias, Demétrio Ribeiro e Aníbal

Falcão: “Ficam suprimidas as distinções entre jornaleiros e empregados do quadro para o

fim de todos os cidadãos estipendiados pelo Erário Público gozarem as mesmas

imunidades, regalias e favores” (CAMARA DOS DEPUTADOS: 1926: Vol III: 113).

Também não obtiveram êxito nessa empreitada.

Interessante notarmos que os republicanos radicais e um socialista representando

o movimento operário insistiram na extensão do direito de voto e candidatura às mulheres

nos debates e disputas da primeira constituinte republicana brasileira.

Mas, a atuação principal de Vinhaes dizia respeito ao proletariado. Em 9 de

fevereiro, ele e Alexandre Stockler apresentaram emenda em que propunham que

operários empregados no serviço da União, ou dos estados, tivessem o mesmo status de

“empregados públicos”. A emenda foi rejeitada, embora contasse com declarações de

votos favoráveis. Logo na sequência, nesse mesmo dia, Vinhaes e Stockler apresentaram

outra emenda “extinguindo distinções entre jornaleiros e empregados do quadro”, que foi

derrotada, também, embora contasse com a declaração de voto de 41 congressistas

(CMARA DOS DEPUTADOS: 1926: Vol III: 606). Mesmo não logrando êxito, o

representante do proletariado, autointitulado seu “chefe”, se esforçava em defender os

interesses da classe.

Ainda teve participação em outro projeto que dizia mais respeito às “classes

militares”, tendo pouca relação com o proletariado.

Não só nesses projetos o deputado Vinhaes atuou, mas também usando a tribuna

e discutindo vivamente, tanto em apartes, como discursando, defendendo o proletariado

diretamente, ou os “pobres” e “humildes” de maneira geral. Nesse sentido, intervenções

relativamente longas e polêmicas, que, em alguns casos, exigiram a intervenção da

presidência do Congresso, foram protagonizadas por Vinhaes. Inclusive em atrito político

com Lopes Trovão – diga-se que parte do proletariado carioca esperava uma atuação

aliada desse republicano histórico e radical que, no entanto, em alguns momentos,

demonstrou seguir preceitos doutrinários políticos do liberalismo que se mostrava já,

àquela altura, excludente quanto às classes laboriosas.

E será exatamente contra essa concepção que Vinhaes se levanta já em sua

primeira intervenção na forma de aparte, que encontramos nos anais da Constituinte.

Durante o transcorrer da 3ª Sessão, em 15 de dezembro de 1890, logo após propor uma

aposentadoria de Chefe de Estado a D. Pedro II, o deputado Virgílio Damásio voltou à

discussão do Artigo 2º do projeto de Constituição que tratava da possibilidade de

transferência física da capital do país. Ela deveria ser transferida para o interior, em

território que representaria geograficamente, o centro espacial do país, em Goiás. Entre

os diversos motivos elencados, dentre motivos militares, “higiênicos” – distanciar-se da

febre amarela do litoral – destacou:

Além disso, em uma cidade populosa, onde avulta a lia social constituída por massas as

quais, infelizmente, a instrução não penetrou ainda, nem a mínima educação cívica; onde

se encontram muitos, falemos a verdade, que, inteiramente fora da comunhão do povo

laborioso e honesto, vivem entre a ociosidade e os manejos ou expedientes pouco

confessáveis; essa grande massa de homens é uma arma, uma alavanca poderosíssima em

mãos de agitadores (CAMARA DOS DEPUTADOS: 1924 Vol I: 559)…

Imediatamente interveio Vinhaes no discurso do colega, iniciando o debate:

O Sr. VINHAES – Pois esta é a verdadeira base em que se assenta a democracia.

O Sr. VIRGÍLIO DAMÁSIO – A base da democracia é a liberdade. (Apoiados. O Sr.

Vinhaes dá um longo aparte, provocando reclamações das bancadas).

Prudente de Moraes, então eleito presidente da mesa diretora, advertiu que a

palavra estava com o deputado Damásio.

O Sr. VIRGÍLIO DAMÁSIO – Mas, o que é isto? Por ventura eu disse que a plebe era

ignóbil ou baixa? Mas o que sou eu? O que é a maior parte dos que aqui estão?

UMA VOZ – Somos todos plebeus.

O Sr. OLIVEIRA PINTO – Aqui não há fidalguia (CAMARA DOS DEPUTADOS: 1924

Vol I: 559).

Segue a discussão com novo aparte de Vinhaes que não foi registrado, assim como

o anterior. De qualquer forma, Vinhaes obrigou o constituinte Virgílio Damásio a destacar

a importância do operariado à coletividade – certamente a contragosto – e diferi-lo do que

via como lia social4 e, inclusive, ao final, declarar sua concepção, talvez meio

apocalíptica, já que partindo de um liberal:

O Sr. VIRGÍLIO DAMÁSIO – Senhores, uma palavra apenas ao nobre colega que fez-

me o obséquio de interromper-me e cuja atenção peço para explicar meu pensamento.

4 Lia: “bagaço de que se faz a aguapé”, cf. GRANDE ENCICLOPÉDIA LAROUSSE CULTURAL. São Paulo: Nova

Cultural, 1995, vol. 15, p. 3578. Aguapé: “emaranhado de plantas aquáticas que cobre as águas dos rios,

lagos e pantanais”, cf. Dicionário Hoassis Conciso. S. Paulo: Moderna, 2011, p. 34

Não quero de modo nenhum dizer que aquele que tem meio de vida, isto é, que o operário

pertence à lia social; mas entendo que aquele que não trabalha, que não é operário, está

abaixo de toda a classificação (muitos apoiados) e aquele que está abaixo de toda a

classificação é a lia social sem dúvida nenhuma (muitos apoiados; muito bem).

O operário, por isso que aquele que trabalha é a consagração, em ponto pequeno, a

consagração individual do espírito social, do espírito de hoje e do futuro; o operário, por

isso mesmo, está superior a todos, segundo as palavras do divino filósofo, que dizia ‘Os

últimos serão os primeiros’.

Incontestavelmente, já o disse na Comissão dos 21, e repito, é convicção minha, apesar

dos meus cabelos brancos, apesar de mais de meio século de existência, que deve chamar-

me para o passado, considero de máxima importância no futuro, a questão operária, e

quanto a mim, a República é uma fase de transição na evolução dos povos; vejam o que

está sucedendo na Alemanha, onde o socialismo se organiza (CAMARA DOS

DEPUTADOS: 1924 Vol I: 559-660)

A República como fase transitória para o socialismo era também, a visão de boa

parte da direção do movimento operário à época; especialmente a tão sonhada República

Democrática. Quanto à conciliação de classes; a espera de ações benfazejas em relação

aos trabalhadores pobres por iniciativa de patrões de “bom coração” eram atitudes que

também o proletariado francês, no transcorrer dos anos 1840 e às vésperas de 1848, nutria

com relação à burguesia5. Nesse caso, não seria de admirar uma certa utopia dos líderes

operários brasileiros, saint-simonianos em sua maioria nos primeiros anos da década de

1890 e pouco experientes com a luta de classes entre o proletariado nascente e a

burguesia, em relação à benignidade de certos empresários. O desenvolvimento

econômico, bem como suas crises recorrentes e as contradições entre os interesses de

classe desfarão boa parte dessas ilusões, embora nem todas…

Pouco mais de um mês depois, na 47ª Sessão, de 4 de fevereiro, Vinhaes

novamente usa da palavra, desta vez, ocupando diretamente a tribuna da Constituinte. Sua

intervenção alongou-se devido à necessidade de resposta aos numerosos apartes, alguns

5 “Percebem-se, portanto, muita disponibilidade e muitas divisões na classe operária parisiense. E também

muito arcaísmo. Convém evitar uma abordagem demasiado moderna da consciência de classe dos

trabalhadores da época [1848], e não perder de vista seu relacionamento com os republicanos burgueses.

Estes, quase sempre oriundos de profissões liberais, viviam bem; alguns eram até ricos, comparados à classe

operária. (…) Sendo ricos e também humanitários, os republicanos burgueses não podiam deixar de ser

filantropos e generosos. Seria absoluto anacronismo considerar como fatos de direita a caridade e o

paternalismo na época. (…) Um republicano de 1848 não veria no fato de fazer o bem qualquer quebra de

seus princípios. Era muito comum os médicos – sobretudo eles, testemunhas das piores misérias – tratarem

pessoas pobres sem cobrar; os vários médicos republicanos agiam dessa forma, e não eram os únicos a fazê-

lo. (…) A classe operária mostrava-se sensível a tal atitude, e a ela correspondia. Não se furtava em chamar

um burguês de ‘pai dos pobres’ (…). Até grandes burgueses republicanos, membros da Câmara, mereciam

tal devoção, se demonstrassem, por menos que fosse, um pouco de piedade para com o povo e não fossem

muito desfavoráveis à ideia de uma legislação social” (AGULHON, 1991, pp. 30-31).

diversos, como o de Seabra, que questionou a trajetória do Banco dos Operários. Vinhaes

iniciou seu discurso denunciando as dificuldades da população diante da alta do custo de

vida na capital do país. “Os gêneros de primeira necessidade aumentaram de 50% e sob

tão descomunal pressão as classes pobres são levadas a reclamar, como, aliás, estão

fazendo” (CAMARA DOS DEPUTADOS: 1926: Vol III: 447). E parte desse problema

era a cobrança de imposto alfandegário em ouro, o que excitava, por sua vez, os

“pequenos negociantes, ávidos de lucros”, a lançarem mão “de qualquer pretexto para

sobrecarregar o consumidor, em sua maioria pobre (muitos apoiados)”.

A fome já principia a sentir-se entre as classes menos favorecidas desta capital.

A quem se deve isto?

Não quero especificar, mas sou forçado a declarar que ao Sr. ex-Ministro da Fazenda se

deve em grande parte semelhante estado anormal de coisas (muitos apoiados; não

apoiados e apartes).

(…)

É ainda ao Sr. ex-Ministro da Fazenda que cabe a triste honra de ter estabelecido neste

empório comercial a plutocracia, o jogo exagerado da praça do Rio de Janeiro, que levará

este país, se o Congresso a isto não puser embargos, às mesmas dificuldades e vexames

por que ora está passando a nossa vizinha do Prata (muitos apoiados e numerosos

apartes).

Era a crítica ao Encilhamento, em muito, com tom moralista, já que seria um

incentivo às apostas na bolsa e desalento ao trabalho.

Eis o motivo porque subi à esta tribuna, afim de reclamar em nome da população pobre

desta capital, de que sou um dos mais humildes representantes (não apoiados), que seja

quanto antes posto um paradeiro salutar, afim de serem poupados à coletividade brasileira

embaraços e dificuldades futuras.

É mister não abusar da cordura e paciência deste povo.

Não constitui ele exceção etnográfica; tem paciência, é verdade, mas essa paciência pode

esgotar-se, e, como os ilustres congressistas sabem, a fome tem quase sempre arrastado

os povos à revolução (CAMARA DOS DEPUTADOS: 1926: Vol III: 450).

Enquanto Vinhaes descrevia a situação de pobreza do povo, foi interrompido pelo

congressista Almeida Pernambuco: “Mas os salários têm aumentado”. Responde que sim,

mas muito mais, porém, subiam os preços no mercado, afirma. Vinhaes prossegue e

critica a prática dos bancos emissores e das empresas em suas trocas de papéis,

configurando uma situação “artificial” no mercado e perigosa às próprias empresas.

Seabra novamente o interrompe: “A vertigem dos bancos também arrastou V.Ex.”. Em

resposta, Vinhaes procura explicar os objetivos e as dificuldades financeiras de fundo

político vividas pelo Banco dos Operários.

Ao encerrar sua explicação sobre o Banco dos Operários, novamente Vinhaes é

interrompido por Seabra, em clara provocação: “No Brasil ainda não há proletariado”. Ao

respondê-lo, também provoca a entrada de Lopes Trovão no debate.

O Sr. VINHAES – Pelo que vejo, V. Ex. é um daqueles otimistas que acreditam não

existir entre nós proletariado.

Não sei o que se passa sobre o assunto nos outros pontos da República. Aqui, nesta capital,

porém, cuja população é de 600 a 700 mil habitantes, já existe proletariado, que todos os

dias avoluma-se com trabalhadores provenientes do norte e sul da Europa.

O Sr. LOPES TROVÃO – Não fale em nome do operário estrangeiro, porque esse é muito

feliz aqui, sobretudo o italiano, que na sua terra natal ganha cinquenta centésimos por dia.

O Sr. VINHAES – V.Ex. longe de derrocar, vem fortalecer o que eu estava dizendo, o

que agradeço.

O operário italiano, diz o ilustre representante, vem para aqui melhorar de situação. É

verdade: essa melhoria, porém, não é tanto quanto ao cidadão se afigura.

A moeda que os trabalhadores italianos percebem aqui relativamente à da sua pátria, não

é muito superior. Ficando por isso, muito aquém daquilo que almejavam. O orador refere-

se, já se vê, ao trabalhador urbano.

O Sr. LOPES TROVÃO – Não se entreguem a vícios, como, por exemplo, corridas de

cavalos e outros que terão grandes compensações.

O Sr. VINHAES – Com certeza, esses vícios, aliás, peculiares a todas as classes, não os

vieram adquirir aqui.

UMA VOZ – São as consequências do socialismo europeu.

O Sr. VINHAES – Estou a par do movimento proletário na Europa e América do Norte,

seguindo com especial atenção os esforços que fazem as classes laboriosas na península

Itálica.

Não nego que seja sobremodo precária a vida do operário no país de Mazzini: o que,

porém, posso assegurar, é que o trabalhador estrangeiro nesta capital pouco adianta, quer

pelo lado pecuniário, que pelo lado político-social.

O Sr. LOPES TROVÃO – É a fome o principal motivo que obriga o trabalhador italiano

a abandonar sua terra. Se V. Ex. tivesse lido o que foi ultimamente publicado, devia saber

que o operariado do campo na Itália vive em buracos cavados em montanhas, como se

fosse bicho.

O Sr. VINHAES – Com certeza, os imundos cortiços que infestam esta cidade em nada

levam vantagens às tais moradas trogloditas a que se refere V.Ex.

Quanto ao lado social, não vejo melhoras. Ainda há poucos dias, vi com desgosto uma

autoridade suburbana, digna de eternas lamúrias, invadir um alojamento de operários

italianos, maltratá-los fisicamente com o auxílio de seus esbirros e, não contente com isso,

ainda dar saques nas mesquinhas economias, ganhas à custa de tantos sacrifícios e

trabalhos pelos infelizes trabalhadores (CAMARA DOS DEPUTADOS: 1926: Vol III:

453).

Vinhaes ao narrar o depoimento de um desses operários, vítimas da arbitrariedade

e da violência policial é novamente interrompido por uma provocação:

UM Sr. REPRESENTANTE – A hospitalidade de nosso país é proverbial, não se

conhecendo ainda aqui a miséria.

O Sr. VINHAES – Se o nobre representante tivesse entrado, como eu, em um desses

tugúrios que pululam nesta capital, e examinado de perto a miséria, em que vivem os

italianos e outros infelizes trabalhadores, sem dúvida não teria essa linguagem

(CAMARA DOS DEPUTADOS: 1926: Vol III: 453).

Essa longa citação, e todas eram transcritas nos jornais do Rio, principalmente

n’O Paiz, revelam tanto um provável desconhecimento das condições de vida das classes

trabalhadoras por parte de políticos filhos de e, eles próprios, latifundiários, como,

certamente, sua desfaçatez em negar os problemas sociais que vitimavam o povo

brasileiro e os imigrantes pobres desde antes da Proclamação da República.

No âmbito da Assembleia Constituinte, na segunda semana de fevereiro, de 1891,

Vinhaes participou das discussões acerca da assinatura do tratado de comércio com os

EUA. Houve manifestação contra esse acordo no discurso do representante gaúcho,

Antão de Faria, na 50ª Sessão, em 7 de fevereiro e foi aparteado e apoiado por Vinhaes.

Em troca de direitos especiais para a venda de café, açúcar e melado nos EUA, projetava-

se a abertura do mercado nacional para os mais variados produtos norte-americanos,

inclusive agropecuários, brutos e semielaborados, prejudicando, segundo Faria, a

produção nacional, especialmente a sulista. Isso, pretensamente, em nome do

barateamento de gêneros de primeira necessidade às populações litorâneas.

O Sr. ANTÃO FARIA – É o argumento, senhores, aliás, bebido na escola do livre-câmbio

e, especialmente, nas doutrinas um tanto poéticas de Bastiat.

UMA VOZ – Doutrina que ninguém mais professa.

O Sr. VINHAES - Isso não é tratado, é entrega.

De imediato, notamos a oposição ideológica que já começava a surgir contra o

liberalismo econômico de base clássica, ainda professado à época. Muito mais se dirá

contra essas práticas político-ideológicas na economia, conquanto o intervencionismo

dessa época não estivesse formulado em uma teoria, ou princípios ideológicos claros.

No “Expediente” da sessão de 9 de fevereiro, Vinhaes discursa criticando o tratado

de comércio com os EUA, segundo ele, articulado pelo ministro brasileiro lá estabelecido,

Salvador de Mendonça e pelo Secretário de Estado norte-americano, Blaine. A principal

crítica levantada por Vinhaes era sobre a abertura para entrada de produtos têxteis em

território nacional por suas presumíveis consequências às fábricas têxteis estabelecidas e,

evidentemente, às também presumíveis consequências sociais a serem provocados no Rio

de Janeiro:

O governo fez constar que a parte boa de tal tratado estava em facilitar ele a entrada de

gêneros de primeira necessidade nos diversos portos da República, vindo assim, favorecer

as classes laboriosas de nossa coletividade. Contesta essa asserção pois, longe de serem

favorecidas, as classes pobres ficarão enormemente prejudicadas pelo que vejamos: o

tratado refere-se à tecelagem de algodão, fazendo abatimento de 25% ao de procedência

norte-americana. Como o Congresso sabe, em quase todos os pontos do Brasil, já existem

fábricas de tecido de algodão, notando-se nesta Capital, em seus arrabaldes e no vizinho

Estado do Rio de Janeiro, fábricas que, afirma, rivalizam com as melhores congêneres da

Europa e dos Estados Unidos da América do Norte. Citando por alto, nomeia a de

Macacos, das Laranjeiras, Vila Isabel e São Lázaro – tendo esta última resolvido, também,

um importante problema social instituindo no seu estabelecimento creches e escola

infantil.

Os nossos industriais, portanto, longe de estarem aquém de seus colegas da Europa e

América do Norte, podem competir com eles, quer pelo lado do desenvolvimento

industrial, quer pelo lado altruístico. Podem examinar as tarifas da alfândega desta Capital

e a dos estados que, nelas, se verificará o notável decrescimento da importação de tecidos

de algodão.

Franqueando-se, portanto, a entrada dos produtos similares norte-americanos, tão

florescente indústria nacional minguará e, quiçá, desaparecerá por falta de auxílio eficaz

e patriótico. Sofrendo as fábricas, sofrerá ainda mais o operário, pois será despedido por

falta de trabalho (CAMARA DOS DEPUTADOS: 1926: Vol III: 542).

Antes, porém, classificou o Sr. Blaine:

Um dos principais paraninfos do tratado, nos Estados Unidos, foi o Sr. Blaine, Secretário

Geral do Governo, em Washington. Aquele estadista é conhecido no mundo político

como um dos mais aferrados protecionistas quando se trata de assuntos internos,

tornando-se o mais exaltado livre-cambista logo que venha a pelo assunto de caráter

externo (CAMARA DOS DEPUTADOS: 1926: Vol III: 542).

Mais uma vez, devemos deixar claro que o pretenso nacionalismo do representante

do proletariado; seu “patriotismo”, como muitas vezes aventou na imprensa e o fará na

tribuna da Câmara dos Deputados Federais, tem uma motivação clara: o desenvolvimento

fabril e industrial nacional deveria reverter em empregos e, portanto, de maneira

ampliada, no próprio desenvolvimento da classe operária, nos seus mais variados

aspectos. Principalmente, em uma sociedade em que a ausência e escassez de serviços

públicos e direitos sociais era patente e pauta constante do movimento operário que se

politizava e buscava representação política. Daí a importância do “altruísmo” que alguns

representantes da burguesia apresentavam.

Houve mais defensores do proletariado, mas não tão sistemáticos como Vinhaes,

nesse momento. Outro deputado constituinte que discursou em defesa da classe, mas de

maneira muito mais romantizada e com bem menos propriedade, foi Barbosa Lima. E o

fez por ocasião de seu protesto contra o projeto de tratado de comércio com os EUA, na

59ª Sessão, de 23 de fevereiro de 1891. Ele discutiu diversos pontos, findando com o

pedido para que não se elegesse Deodoro da Fonseca como Presidente Constitucional.

Descaracterizou o Governo Provisório como ditadura republicana; era muito mais uma

autocracia despótica a desvirtuar a República. Daí passou a criticar a difícil situação

vivida pelo proletariado; questão trazida à tona pelas greves e, consequentemente, o

quanto o novo regime se desviava em atender às necessidades dessa importante parcela

da população (CAMARA DOS DEPUTADOS: 1926: Vol III: 851).

Vinhaes como deputado federal Os congressistas constituintes de 1891 tornaram-se deputados e senadores da

primeira legislatura da República logo após a promulgação da Constituição, com mandato

até fins de 1894. Nesse sentido, todos os congressistas, aqueles eleitos deputados e outros

senadores, assumiram seus respectivos mandatos em suas respectivas casas legislativas.

Da mesma forma, Vinhaes agora cumpria seu mandato como deputado federal.

Sua atuação foi até mais destacada e conturbada que de constituinte. Sua trajetória

encerrou-se com sua renúncia, comunicada publicamente na Sessão de 9 de agosto de

1893 (CONGRESSO NACIONAL: 1894: Vol. IV: 221), quando, envolveu-se com os

eventos da segunda Revolta da Armada, iniciada nesse mesmo ano, contra o Governo

Floriano Peixoto (BATALHA, 2009).

Em diversas ocasiões, denunciou a arbitrariedade e a violência policial contra o

proletariado, tanto as ocorridas durante protestos e greves (CONGRESSO NACIONAL:

1891: Vol. I: 590-591). e durante e depois de manifestações político-ideológicas

(CONGRESSO NACIONAL: 1891: Vol. I: 106-108). Essas denúncias e outras

circunstâncias em que foi obrigado a criticar instâncias de governo, como a Intendência

Municipal da capital federal, foram-no empurrando para a oposição dos governos que

apoiou – primeiro o de Deodoro da Fonseca e depois, o do próprio Floriano Peixoto –

embora nunca contra a República, conquanto a tenha criticado de forma amarga…

Defendeu suas concepções socialistas e termo “socialismo” em diversas ocasiões,

no recinto da Câmara dos Deputados Federais. E nessas defesas do socialismo, de uma

maneira pouco precisa, já que não mencionava teóricos, mas situações, como a da

Alemanha e mesmo a Italiana, também entrava em polêmica contra os liberais.

Esse debate, sobretudo com o deputado Henrqui Carvalho, ocorreu quando

Vinhaes fez uso da palavra para a discussão do Projeto nº 80, “que organiza o Distrito

Federal”, na Sessão de 8 de agosto de 1890. Vinhaes considerou a importância do projeto

para a democracia, para a organização do Rio de Janeiro e para as municipalidades de

todo o país. Levantou pontos sobre os quais arguiu, sendo o primeiro: eleição direta do

prefeito do DF e não indireta, como previa o projeto para que não se entrasse em

contradição com a própria forma e regime de governo presidencialista de eleição direta.

O segundo e polêmico ponto: extensão do direito de voto – para âmbito municipal – aos

estrangeiros. Eram muitos e vivendo em colônias numerosas. O direito de voto àqueles

estabelecidos economicamente e, ou, com relações familiares estabelecidas até teria o

efeito de estimular a imigração ao Brasil. O terceiro, finalmente, considera que dever-se-

ia criar uma comissão municipal de Assistência Pública que atuaria sobre as situações de

pobreza e miséria da capital federal. Essa era situação em que se encontrava o proletariado

da capital, segundo Vinhaes (CONGRESSO NACIONAL: 1891: Vol II: 140).

Na defesa do segundo e terceiro pontos, Vinhaes declarou-se socialista e

demonstrou parte de suas concepções sociais e econômicas no debate com outros

deputados. No segundo ponto defendido demonstrou ser cosmopolita:

O simples fato de darmos ao estrangeiro direito de votar nas eleições municipais fará com

que se transforme em simpatia a prevenção que existe contra nós em quase toda a Europa.

É sobre este ponto de vista que me coloco, para os que, como eu, advogam a doutrina

socialista, a pátria não tem fronteiras; é todo o lugar onde podemos exercer atividade,

quer material, quer intelectual (CONGRESSO NACIONAL: 1891: Vol II: 141).

Declarou ter sido reformado (aposentado compulsoriamente da Marinha) pelo

Governo Provisório como forma de intimidação o que, na realidade, apenas incentivou-o

e encorajou-o mais em sua “missão” de defesa dos mais pobres. E será nessa discussão

que seu terceiro ponto, a criação de uma comissão municipal a atacar os problemas da

pobreza e miséria no Rio, é que revela parte de suas concepções sociais e econômicas,

quando em polêmica com o deputado Henrique de Carvalho.

O Sr. VINHAES – O nobre deputado pelo Rio de Janeiro, afeito a questões financeiras e

conhecedor da economia política ortodoxa de Schmith [sic] e B. Say, que eu, como

socialista, não admito, mas para qual vou apelar, garante que o salário do operário

representa o dinheiro que ele recebe; - “é, diz Ricardo, o preço por que está no mercado

o gênero de primeira necessidade”.

O Sr. HENRIQUE de CARVALHO – Isso é um modo de definir.

O Sr. VINHAES – Estou respondendo a um ponto capital e comezinho da ciência

econômica.

O Sr. HENRIQUE de CARVALHO – Está respondendo brilhantemente, mas não com

verdade.

O Sr. VINHAES – É um ponto importante e provado que desejo pôr hoje a limpo, e que

diz respeito ao assunto da organização municipal.

V.Ex. sabe que o operário trabalha durante certo tempo com o intuito de receber no fim

um tanto, faz com o patrão o contrato tácito.

A obrigação, portanto, entre os dois é mútua.

Se na época do contrato os gêneros de primeira necessidade estavam por preços módicos,

o operário, regulando seu salário pelo estado do mercado, coloca-se em posição regular.

Se, por qualquer circunstância econômica ou política, como ora acontece entre nós, o

preço dos gêneros de primeira necessidade se eleva a quase o dobro, a situação do operário

piora, torna-se mesmo aflitiva.

Como é que ele pode equilibrar a despesa com a receita, por mais econômico e previdente

que possa ser?

O patrão, esquecendo-se de que em 12 horas de trabalho diário o operário lhe dá quatro

de lucro completo, retrai-se, finge que não vê a miséria dos que o enriquecem e nega-se

a aumentar-lhes o salário, proporcionalmente à carestia dos gêneros de primeira

necessidade.

Daí as coalisões, as greves.

O Sr. PRESIDENTE – Observo ao Sr. deputado que está em discussão o projeto relativo

à organização municipal (CONGRESSO NACIONAL: 1891: Vol II: 142).

As citações relativamente longas das fontes documentais foram colocadas neste

trabalho para demonstrar o clima dos debates, assim como as formas como se davam e as

posições do primeiro representante eleito pelos trabalhadores ao Legislativo brasileiro,

logo após a Proclamação da República. Embora, em dois momentos, tenha surgido uma

disputa entre Vinhaes e Lauro Müller, deputado por Santa Catarina, que fora procurado

pela direção do Partido Operário, do Rio, para representação solicitando a jornada de

trabalho diária de oito horas, como resultado das ações de 1º de Maio, em 1892

(CONGRESSO NACIONAL: 1892: Vol I: 64-66). Vinhaes se arrogava à exclusividade

na representação do operariado carioca…

Contudo, essa exclusividade também era praticamente solitária… E essa “solidão”

na representação do proletariado na Câmara dos Deputados Federais, ocasionou as

derrotas práticas sentidas por Vinhaes: ainda em outubro de 1891, ele se queixou na

tribuna que seus requerimentos sobre violência contra operários estrangeiros e sobre a

formação da comissão para acompanhamento do problema da carestia no município do

Rio de Janeiro não eram respondidos ou encaminhados. Via isso com maus olhos…

(CONGRESSO NACIONAL: 1891: Vol III: 180).

Certamente, essa era uma situação limitante para a representação política

organizada e independente do proletariado, conquanto fosse reformista, ou considerasse,

sumamente, agir por meio da nova legalidade republicana. Contudo, em que pese todas

as ações e atitudes criticáveis de José Augusto Vinhaes e da organização política que

liderava, o CPO, foi a primeira atuação de um representante assumido do proletariado e

abertamente defensor de alguma forma de socialismo na política brasileira.

Temos esta pesquisa iniciada e outras mais, buscando resgatar e esclarecer a ação

política dos socialistas na Primeira República virão. Este artigo é parte de um trabalho

mais amplo em andamento.

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Rio Janeiro: Imprensa Nacional, 1924, 2ª ed., Vol. I.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Annaes do Congresso Constituinte da República,

segunda edição revista. Rio Janeiro: Imprensa Nacional, 1926, Vol. II.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Annaes do Congresso Constituinte da República,

segunda edição revista. Rio Janeiro: Imprensa Nacional, 1926, Vol. III.

CONGRESSO NACIONAL. Annaes da Camara dos Deputados. Sessões de 10 de junho a 31

de julho de 1891. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891, Vol. I.

CONGRESSO NACIONAL. Annaes da Camara dos Deputados. Sessões de 1º a 31 de agosto

de 1891. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891, Vol. II.

CONGRESSO NACIONAL. Annaes da Camara dos Deputados. Sessões de 1º a 31 de outubro

de 1891. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1892, Vol. III.

CONGRESSO NACIONAL. Annaes da Camara dos Deputados. Sessões de 27 de abril a 31

de maio de 1892. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1892, Vol. I.

CONGRESSO NACIONAL. Annaes da Camara dos Deputados. Sessões de 1º a 31 de agosto

de 1892. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1893, Vol. IV.

CONGRESSO NACIONAL. Annaes da Camara dos Deputados. Sessões de 1º a 30 de

setembro de 1892. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1893, Vol. V.

CONGRESSO NACIONAL. Annaes da Camara dos Deputados. Sessões de 1º a 11 de

novembro de 1892. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1893, Vol. VII.

CONGRESSO NACIONAL. Annaes da Camara dos Deputados. Sessões de 27 de abril a 31

de maio de 1893. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1893.

CONGRESSO NACIONAL. Annaes da Camara dos Deputados. Sessões de 1º a 31 de julho

de 1893. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1894, Vol III.

CONGRESSO NACIONAL. Annaes da Camara dos Deputados. Sessões de 1º a 31 de agosto

de 1893. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1894, Vol IV.

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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm,

acesso em 30/06/2018.

O Paiz, periódico diário, Rio de Janeiro, anos consultados, 1890-1893, disponível em

Biblioteca Nacional Digital: http://bndigital.bn.gov.br/

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