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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DANIA MONTEIRO VIEIRA COSTA O TRABALHO COM A LINGUAGEM ORAL EM UMA INSTITUIÇÃO EDUCATIVA INFANTIL VITÓRIA 2007 PDF criado com versão de teste do pdfFactory Pro. Para comprar, acesse www.divertire.com.br/pdfFactory

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

DANIA MONTEIRO VIEIRA COSTA

O TRABALHO COM A LINGUAGEM ORAL EM UMA INSTITUIÇÃO EDUCATIVA

INFANTIL

VITÓRIA

2007

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DANIA MONTEIRO VIEIRA COSTA

O TRABALHO COM A LINGUAGEM ORAL EM UMA INSTITUIÇÃO EDUCATIVA

INFANTIL

VITÓRIA 2007

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre em Educação, na linha de pesquisa Educação e Linguagens. Orientadora: Profª Drª Cláudia Maria Mendes Gontijo.

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Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil)

Costa, Dania Monteiro Vieira, 1973- C837t O trabalho com a linguagem oral em uma instituição educativa

infantil / Dania Monteiro Vieira Costa. – 2007. 234 f. : il. Orientadora: Claudia Maria Mendes Gontijo. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito Santo,

Centro de Educação. 1. Educação de crianças. 2. Recreação. 3. Crianças - Linguagem. 4.

Psicologia infantil. I. Gontijo, Claudia Maria Mendes. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Educação. III. Título.

CDU: 37

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DANIA MONTEIRO VIEIRA COSTA

O TRABALHO COM A LINGUAGEM ORAL EM UMA INSTITUIÇÃO EDUCATIVA INFANTIL

Aprovada em 29 de outubro de 2007. COMISSÃO EXAMINADORA

Professora Doutora Cláudia Maria Mendes Gontijo Universidade Federal do Espírito Santo

Professora Doutora Cleonara Maria Schwartz

Universidade Federal do Espírito Santo _________________________________________________

Professora Doutora Ivone Martins Oliveira Universidade Federal do Espírito Santo

______________________________________________________

Professora Doutora Cecília Maria Aldigueri Goulart Universidade Federal Fluminense

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação.

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AGRADECIMENTOS

A Deus pela força espiritual.

À professora Claúdia pelos sábios ensinamentos, pela competência e dedicação

com que orientou este trabalho.

Às professoras que abriram as portas de suas salas para a realização deste estudo.

Às amigas Dilza e Solange que muito ajudaram no processo de inserção na escola

para a realização da pesquisa.

Às crianças que participaram do estudo.

Aos meus pais, Djacy e Terezinha, pela vida, pela dedicação e cuidado que me

deram durante toda a vida.

À Kézia cuja existência me estimula a “ousar” na vida.

Ao Wanderlei pela paciência, apoio e dedicação.

À Alina, leitora dedicada.

Às minhas irmãs, Deane e Djane, que tanto me incentivaram e apoiaram.

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Brincadeira de Criança Grandes fazendas eu tinha Quando criança brincava Meu gado feito de osso Mangueira toda enfeitada Laço feito de cordão Como bom peão eu usava Eu tinha um bezerro fujão Que muitas vezes laçava Meu cavalo de montaria Eu mesmo fazia e domava Campereando o dia inteiro Tocar boiada não me cansava Ao entardecer eu juntava Toda boiada guardava Numa pequena caixinha Minha fazenda virava No meu sono de criança Logo com tudo eu sonhava Sou um grande fazendeiro Clareava o dia, tudo acabava Nessa brincadeira infantil Uma esperança alimentava Se eu comprasse uma vaquinha Um dia teria uma boiada. Jorge Amado Brasil Fagundes

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RESUMO

Este trabalho integra estudos desenvolvidos no campo da linguagem, numa

abordagem histórica, cultural e social, pela linha de pesquisa Educação e

Linguagens, do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal

do Espírito Santo. Trata de um estudo de caso que tem por objetivo a investigação

sobre o trabalho que é realizado com a linguagem oral numa instituição de Ensino

Infantil do Sistema Municipal de Vitória, ES. Fundamenta-se na abordagem

bakhtiniana de linguagem e nos pressupostos da Psicologia Histórico-Cultural de

Vigotski que postulam que as interações verbais são, ao mesmo tempo, constitutivas

dos sujeitos e da linguagem. A partir de dados coletados por meio de observação

participante em salas de aula, entrevistas com os sujeitos, gravações em audiovisual

e fotografias, seleciona os eventos nos quais as interações verbais foram mais

evidentes. Para análise dessas situações, toma por base os pressupostos teóricos

da perspectiva bakhtiniana de linguagem e também os pressupostos da Psicologia

Histórico-Cultural de Vigotski, Leontiev e Elkonin (especificamente, nas elaborações

construídas sobre as brincadeiras na infância), buscando dialogar com a realidade

observada por meio de dois tipos de situações: as rodas de conversa e a linguagem

oral e a linguagem oral como elemento integrante da brincadeira. Considera que as

análises efetuadas contribuem com as discussões sobre o tratamento que é dado à

linguagem oral no interior das instituições de ensino infantil, tendo em vista que

aponta a necessidade de transformação da sala de aula em um espaço no qual as

crianças possam se enunciar, se expressar, se constituir como sujeito. Nesse

sentido, as brincadeiras infantis se revelaram como uma atividade que possibilita as

crianças se enunciarem. Nelas, as crianças assumem diferentes lugares sociais e

fazem uso de diferentes gêneros do discurso, de acordo com o lugar que assumiram

na ação lúdica.

Palavras-chave: Educação infantil. Linguagem oral. Crianças. Brincadeiras.

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ABSTRACT

The paper integrates studies developed in the language field, in a historical, cultural

and social approach, based on the research Education and Languages, of the Post

Graduation in Education Program of the Federal University in the Espírito Santo

state. It is about a study case aiming at investigating the work that is made with oral

language in an institution of Children Teaching in the district of Vitória/ES. It is based

on the bakhtiniana approach of language in the assumptions of Historical-Cultural

Psychology of Vigotsky that postulate that the verbal interactions are, at the same

time, constitutive of subjects and language. From the data collected through the

observation participant in classrooms, interviews with the people, audiovisual

recordings and photography, it selects the events in which the verbal interactions

were more evident. For the analysis of such situation, it is based on the theoretical

assumptions of the bakhtiniana perspective of language and also the assumptions of

Historical-Cultural Psychology of Vigotsky, Leontiev and Elkonin (specifically, in the

elaborations built according to childhood’s game) aiming at dialoguing with the reality

observed through two kinds of situation: the group talk and the oral language as an

element integrant of the games. It considers that the analyses made contribute with

the discussions about the treatment given to the oral language inside the children

teaching institutions, considering that it shows the changing necessity of the

classroom into a space where children can enunciate, express, and constitute

themselves as subject. This way, the games are revealed as an activity that makes

possible the children to enunciate themselves. With the games, kids assume different

social places and use different genders of the discourse according to the place

assumed in the ludic action.

Keywords: Children education. Oral language. Children. Games.

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LISTA DE FOTOS

Foto 1 - Sala da Turma 1.................................................................................................65

Foto 2 - Sala da Turma 2.................................................................................................66

Foto 3 - Sala da Turma 3.................................................................................................67

Foto 4 - Sala da Turma 4............................................................................................................68

Foto 5 - Roda de conversa - Turma 1 ...........................................................................101

Foto 6 - Roda de conversa - Turma 3 ..........................................................................101

Foto 7 - Roda de conversa - Turma 2............................................................................102

Foto 8 - Roda de conversa - Turma 4............................................................................102

Foto 9 - Crianças da Turma 1 no pátio..........................................................................152

Foto 10 - Meninas da Turma 1 brincando de contar história...................................... 152

Foto 11 - Brincadeiras de maquiagem...........................................................................153

Foto 12 - Brincadeiras de contar histórias ..................................................................................153

Foto 13 - Brincadeira de produção de foguete .............................................................154

Foto 14 - Brincadeira de ônibus.....................................................................................154

Foto 15 - Brincadeira de montar de uma cidade e uma pista de carrinhos...................155

Foto 16 - Brincadeira de salão de beleza......................................................................155

Foto 17 - Bru brincando de mãe que prepara uma festa de aniversário para o seu

bebê.............................................................................................................................. 157

Foto 18 - A arrumação da noiva representada no salão de beleza..............................165

Foto 19 - Mik vestida de noiva.......................................................................................165

Foto 20 - Fer no altar realizando a cerimônia de casamento........................................166

Foto 21 - Gab conta a história.......................................................................................175

Foto 22 - Menina Car contando a história......................................................................180

Foto 23 - Mik contando história para a sua colega Pao.................................................185

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................11

2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA DE ESTUDO......................................................14

3 REVISITANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA.....................................................................23

4 INFÂNCIA E LINGUAGEM..................................................................................................40

4.1 CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA............................................................................................40

4.2 A LINGUAGEM NA PERSPECTIVA DE MIKHAIL BAKHTIN............................................44

4.3 SOBRE A ABORDAGEM METODOLÓGICA....................................................................46

4.3.1 O processo de inserção em campo e coleta de dados.............................................54 4.3.2 A instituição escolar.....................................................................................................59 4.3.3 As salas de aula............................................................................................................64 4.3.4 As crianças sujeito da pesquisa: relações no ambiente escolar e familiar............68

4.3.5 As professoras e suas trajetórias de trabalho com a linguagem oral.....................75

5 O TRABALHO COM A LINGUAGEM ORAL NAS SALAS DE AULA................................88

5.1 AS RODAS DE CONVERSAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL..............................................96

5.1.2 As rodas de conversas e a linguagem oral..............................................................104

a) Roda de Conversa 1 - História de João e Maria.....................................................110

b) Roda de Conversa 2 - O sanduíche de Dona Maricota...........................................125

c) Roda de Conversa 3 - Papai Noel existe?...............................................................129

d) Roda de Conversa 4 - Direitos das Crianças..........................................................136

5.2 A LINGUAGEM ORAL COMO ELEMENTO INTEGRANTE DA BRINCADEIRA............147

5.2.1 Brincadeiras diversificadas.......................................................................................150

a) A festa de aniversário................................................................................................157

b) A festa de casamento...............................................................................................165

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5.2.2 Brincadeira de Professora.........................................................................................171

a) As histórias do menino Gab....................................................................................173

b) A menina Car e a história do Sapo Lambão..........................................................179

c) Mik e a história de Cinderela.................................................................................185

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................193 7 REFERÊNCIAS..................................................................................................................199 APÊNDICES..........................................................................................................................205 APÊNDICE A - CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIMENTO I.................................206 APÊNDICE B - CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIMENTO II...............................207 APÊNDICE C - ROTEIRO DO FORMULÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DA ESCOLA...............................................................................................................................208 APÊNDICE D - FORMULÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DAS SALAS DE AULA/TURMAS.....................................................................................................................211 APÊNDICE E – ROTEIRO DO FORMULÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DAS CRIANÇAS...........................................................................................................................212 APÊNDICE F – ROTEIRO DE ENTREVISTA COM AS PROFESSORAS.........................214 APÊNDICE G – FOLHA DE DIÁRIO DE CAMPO..............................................................218 APÊNDICE H – Levantamento dos Eventos observados nas turmas de Berçário II, Maternal, Jardim II e Pré.......................................................................................................219 APÊNDICE I – CARACTERIZAÇÃO DAS CRIANÇAS........................................................228

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1 INTRODUÇÃO Este trabalho tem por finalidade apresentar os resultados de nossa pesquisa de

mestrado que foi desenvolvida num Centro de Educação Infantil do Sistema de

Ensino de Vitória-ES, em classes de crianças de dois a seis anos. Considerando a

finalidade da pesquisa, que consiste em investigar como é realizado o trabalho com

a linguagem oral na Educação Infantil, utilizamos a abordagem metodológica

qualitativa sócio-histórica, na modalidade estudo de caso. Nossa inserção em campo

aconteceu no período de maio a dezembro de 2006. Para a coleta de dados,

utilizamos a observação participante, registros em diários de campo, filmagens,

fotografias (salas de aula e crianças) e entrevistas com os sujeitos envolvidos na

pesquisa (professoras e crianças). Os dados obtidos, por meio de filmagens, foram

transcritos, conforme normas apresentadas por Fávero, Andrade e Aquino (2005), e

analisados neste relatório.

A compreensão das práticas pedagógicas que envolvem a linguagem oral é

complexa e desafiadora, pois essa modalidade de linguagem medeia quase todas as

relações que se desenvolvem nas instituições educativas. Por isso, foi preciso ter a

compreensão de que a linguagem oral aparece na sala de aula vinculada a outras

atividades. Nesse sentido, direcionamos nosso olhar para as atividades que as

professoras consideravam importantes para o desenvolvimento da linguagem oral.

Tendo clareza com relação a esse aspecto, inserimo-nos nas salas de aula,

buscando, conforme dito, compreender a maneira como se dava o trabalho com a

linguagem oral. Fundamentamos a análise dos dados na abordagem bakhtiniana de

linguagem e nos pressupostos da Psicologia Histórico-Cultural de Vigotski e

colaboradores, especificamente, nas elaborações construídas sobre a brincadeira na

infância.

As contribuições decorrentes do nosso estudo foram organizadas em cinco

capítulos. Inicialmente, analisamos brevemente o tratamento dado pelo Referencial

Curricular Nacional da Educação Infantil (RCNEI) à linguagem oral, procurando

observar a concepção de linguagem subjacente ao documento. A partir dessas

considerações iniciais, delimitamos o problema de pesquisa e os objetivos que a

orientaram. No segundo capítulo, situamos a produção acadêmica referente à

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linguagem oral. Nessa análise, buscamos explicitar os pressupostos teóricos e

metodológicos que fundamentaram os trabalhos acadêmicos analisados.

No terceiro capítulo, discutimos as diferentes concepções de infância, destacando a

concepção de infância que perpassou o trabalho – crianças concretas inseridas num

contexto sócio-histórico e cultural. Também neste capítulo, colocamos, a partir da

perspectiva bakhtiniana, a concepção de linguagem que fundamentou a análise dos

dados, defendendo uma concepção da linguagem que leve em consideração a sua

relação com a vida, pois, conforme assinala Bakhtin (2004), não é possível separar a

língua do fluxo da comunicação verbal. Partindo desses pressupostos, configuramos

as contribuições decorrentes da abordagem metodológica baseada no estudo de

caso, explicitando como se deu o processo de inserção em campo e de coleta de

dados, para, posteriormente, caracterizar a instituição escolar, a sala de aula e os

sujeitos que participaram do estudo.

Finalmente, abordamos, no Capítulo 4, as situações observadas na sala de aula,

analisando as interações verbais que eram constituídas entre as professoras e as

crianças e entre as crianças e as crianças. A partir de um levantamento geral dos

eventos que compõem o corpus da pesquisa, analisamos os eventos que foram

recorrentes em todas as turmas observadas, definindo, dessa maneira, as duas

principais categorias de análise: as rodas de conversas e a linguagem oral e a

linguagem oral como elemento integrante da brincadeira.

No último capítulo, observamos que, de modo geral, as análises indicam que, nas

rodas de conversas, há dificuldades, por parte das professoras, de se colocarem,

nessa atividade, numa posição que possibilite o diálogo. Nessa direção, os dados

apontam a necessidade de reflexões sobre a possibilidade de a roda de conversa

vir a ser um espaço para as crianças se enunciarem e se posicionarem por meio da

linguagem oral. Por outro lado, as análises realizadas sobre as interações verbais

nas brincadeiras evidenciaram que estas proporcionavam o desenvolvimento da

linguagem oral, porque, na ação lúdica construída pelas crianças, havia espaço para

elas se posicionarem, negociarem, construírem sentidos por meio da utilização de

diferentes gêneros textuais.

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Acreditamos que este trabalho pode contribuir com as discussões a respeito da

linguagem oral na Educação Infantil, porque traz à tona questões e reflexões sobre a

necessidade de avançar com relação à importância da linguagem oral e sobre o

tratamento que tem recebido no interior das instituições educativas. Nessa direção,

aponta a transformação da sala de aula num espaço onde seja possível o diálogo

que possibilite às crianças a vivência de situações em que possam se posicionar,

negociar, confrontar, se expressar, se contrapor... Um espaço no qual, efetivamente,

possam se constituir como sujeitos.

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2 CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA DE ESTUDO

Neste item, faremos uma breve apresentação do Referencial Curricular Nacional

para a Educação Infantil (RCNEI), procurando analisar a concepção de linguagem

subjacente no documento. Inicialmente, teceremos algumas considerações a

respeito da estrutura geral do referido documento, apresentando também o contexto

em que foi produzido. Abordaremos ainda questões relativas às relações entre

oralidade e escrita para, em seguida, apresentar o problema desta pesquisa.

Iniciaremos, portanto, com a apresentação do RCNEI. O Volume I traz reflexões

sobre as concepções de criança, de educação, de instituição e do profissional que

fundamentam os objetivos gerais da Educação Infantil; o Volume II trata do âmbito

da experiência – Formação Pessoal e Social, que contém o eixo de trabalho – que,

segundo o documento, favorece os processos de construção da Identidade e da Autonomia das crianças; finalmente, o Volume III, intitulado Conhecimento de

Mundo, apresenta “[...] os eixos de trabalho orientados para a construção de

diferentes linguagens pelas crianças e para as relações que estabelecem com os

objetos de conhecimento: Movimento, Música, Artes Visuais, Linguagem Oral e

Escrita, Natureza e Sociedade e Matemática” (BRASIL, 1998, p. 7, grifos do

original).

É importante ressaltar que o RCNEI integra a série de documentos dos Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCNs), elaborados pelo Ministério da Educação e do

Desporto. Seu objetivo, segundo o texto de apresentação do documento, é atender

às determinações da Lei n. º 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

(LDB) que aponta, pela primeira vez na história de nosso País, a Educação Infantil

como a primeira etapa da educação básica.

Ainda de acordo com a carta de apresentação do documento, o Referencial tem

caráter instrumental e didático, devendo os professores ter consciência, em sua

prática educativa, de que a construção de conhecimentos se processa de maneira

integrada e global e, dessa forma, há inter-relações entre os diferentes eixos

sugeridos para serem trabalhados com as crianças. Consideramos a orientação

prescrita no RCNEI muito importante, mas pretendemos analisar em que perspectiva

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a linguagem oral, considerada, de acordo com nosso ponto de vista, um objeto de

ensino, é discutida nesse documento.

Inicialmente, o Referencial destaca que a “[...] a linguagem oral está presente no

cotidiano e na prática das instituições de educação infantil à medida que todos

fazem uso: crianças e adultos falam, se comunicam entre si, expressando

sentimentos e idéias” (BRASIL, 1998, p. 119). Em seguida, apresenta as

concepções que têm permeado o trabalho pedagógico com a linguagem oral, nas

últimas décadas, nas instituições educativas infantis:

a) a aprendizagem da linguagem oral é vista como um processo natural. Nesse

caso, não são planejadas ações educativas visando à sua aprendizagem;

b) a aprendizagem da linguagem oral ocorre a partir da intervenção direta do adulto,

que ensina à criança pequenas listas de palavras com graus de complexidade

gradativa (a linguagem é considerada simplesmente como um grupo de palavras

que nomeia objetos e ações);

c) o adulto imita a forma como a criança fala, acreditando com isso conseguir

estabelecer maior aproximação com a criança.

O Referencial aponta ainda que o trabalho pedagógico com a linguagem oral, nas

instituições infantis, tem se restringido à roda de conversa. Essas atividades,

segundo o documento,

[...] apesar de serem organizadas com a intenção de desenvolver a conversa, se caracterizam, em geral, por um monólogo com o professor, no qual as crianças são chamadas a responder em coro a uma única pergunta dirigida a todos, ou cada um por sua vez, em uma ação totalmente centrada no adulto (BRASIL, 1998, p. 119).

Neste relatório, discutiremos as rodas de conversa e verificaremos como têm sido

desenvolvidas na instituição em que o trabalho foi realizado. É importante ressaltar

ainda que as questões apontadas no RCNEI sobre a linguagem oral aparecem em

paralelo às da linguagem escrita. Assim, o documento compara as concepções de

linguagem oral e escrita que perpassam o trabalho educativo nas instituições de

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educação Infantil, afirmando que existe uma semelhança entre elas, e tenta

distanciar-se das concepções de base idealistas e empiristas, assinalando:

[...] pesquisas realizadas, nas últimas décadas, baseadas na análise de produções das crianças e das práticas correntes, têm apontado novas direções no que se refere ao ensino e à aprendizagem da linguagem oral e escrita, considerando a perspectiva da criança que aprende. Ao se considerar as crianças ativas na construção de conhecimentos e não receptoras passivas de informações há uma transformação substancial na forma de compreender como a aprendem a falar, a ler e a escrever (BRASIL, 1998, p. 120).

Assim, procura defender que a aprendizagem da linguagem oral e escrita ocorre por

meio da interação entre a criança e a linguagem (oral ou escrita). Posteriormente,

indica sua concepção de linguagem oral com a seguinte afirmação:

A linguagem oral possibilita comunicar idéias, pensamentos e intenções de diversas naturezas, influenciar o outro e estabelecer relações interpessoais. Seu aprendizado acontece dentro de um contexto. As palavras só têm sentido em enunciados e textos que significam e são significados por situações. [...] È por meio do diálogo que a comunicação acontece. São os sujeitos singulares que atribuem sentidos únicos às falas. A linguagem não é homogênea: há variedades de falas, diferenças nos graus de formalidade e nas convenções do que se pode e deve falar em determinadas situações comunicativas. Quanto mais as crianças puderem falar em situações diferentes, como contar histórias, dar um recado, explicar um jogo ou pedir uma informação, mais poderão desenvolver suas capacidades comunicativas de maneira significativa (BRASIL, 1998, p. 120-121).

Podemos observar, neste trecho, a presença do conceito de enunciado. No

Referencial, ele é definido em nota de rodapé, referindo-se “[...] a algo que alguém

falou para outro em certo momento e em certo espaço; e esse ato é chamado de

enunciação” (BRASIL, 1998, p. 121). Em nossa opinião, esse conceito é “vago”, pois

o RCNEI não identifica a sua origem. Segundo Brait e Melo (2005, p. 63) ”[...] os

conceitos enunciado/enunciação, tão largamente utilizados na área de linguagem,

estão longe de promover um consenso, apresentando, ao contrário, uma grande

polissemia de definições e empregos”. No caso do RCNEI, o não esclarecimento da

filiação do conceito de enunciado à teoria lingüística que o fundamenta torna mais

difícil identificar a perspectiva epistemológica da linguagem que orienta o

documento.

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O documento também aponta que as crianças possuem uma competência

lingüística, que é definida como a capacidade que elas têm para entender a

linguagem e se fazer compreender por meio dela. Desse modo, enfatiza a

criatividade da criança, ao afirmar que,

[...] nas inúmeras interações com a linguagem oral, as crianças vão tentando descobrir as regularidades que a constitui, usando os recursos de que dispõem: histórias que conhecem, vocabulário familiar etc. Assim, acabam criando formas verbais, expressões e palavras, na tentativa de apropriar-se das convenções da linguagem (BRASIL, 1998, p. 126).

A noção de competência nos parece adequada à visão de que a linguagem é

instrumento de comunicação, pois o Referencial defende a idéia de que a

apropriação da linguagem ocorre pela interação entre a criança (sujeito) e o objeto

(linguagem) e decorre da necessidade de comunicação. Logo, não há, no

documento, uma análise da natureza sócio-histórica e ideológica da linguagem, na

medida em que defende que ela é instrumento de comunicação entre as pessoas. A

criatividade ou a competência do sujeito para aprender a linguagem vincula-se aos

trabalhos de Noam Chomsky, para quem a linguagem constitui-se em um sistema

abstrato, no qual os aspectos sócio-históricos não são relevantes.

Apesar dos problemas no tratamento da linguagem oral e da dificuldade de definir a

concepção de linguagem que o orienta, ela foi incorporada ao RCNEI como eixo a

ser trabalhado. Resta saber, por meio de investigações científicas, que

desdobramentos essa orientação tem produzido na prática com a oralidade nas

instituições educativas infantis. Para aprofundar um pouco a questão relativa às

relações entre linguagem oral e linguagem escrita, tendo em vista que o RCNEI trata

essas duas linguagens concomitantemente, tomaremos as discussões de Marcuschi

(2003). Ele aponta que, atualmente, existem muitas tendências que estudam essas

relações. Por isso, faz-se necessário discutir as “[...] várias tendências de tratamento

da questão, para identificar problemas e sugerir uma linha de tratamento que pode

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ser mais frutífera, menos comprometida com o preconceito e a desvalorização da

oralidade” (MARCUSCHI, 2003, p. 26).

A primeira das tendências apresentadas por Marcuschi (2003) é a da perspectiva

das dicotomias. De acordo com o autor, essa tendência é a de maior tradição entre

os lingüistas, pois se interessa em analisar as relações entre as duas modalidades

de uso da língua: fala e escrita. No entanto, dentro dessa perspectiva, há linhas

diferentes. Por isso o autor situa Bernstein (1971), Labov (1972), Halliday (1985,

numa primeira fase), Ochs (1979) como representantes das dicotomias mais

polarizadas, chamadas por ele de visão restrita. Dentro dessa mesma perspectiva,

mas percebendo as relações entre fala e escrita dentro de um contínuo, aponta

autores como Chafe, (1982, 1984, 1985), Tannen (1982, 1985), Gumperz (1982),

Biber (1986, 1995), Blanche-Benveniste (1990), Halliday/Hasan (1989). Sobre as

dicotomias restritas, o autor argumenta:

[...] trata-se, no geral, de uma análise que se volta para o código e permanece na imanência do fato lingüístico. Esta perspectiva, na sua forma mais rigorosa e restritiva, tal como vista pelos gramáticos, deu origem ao prescritivismo de uma única norma lingüística tida como padrão e que está representada na denominada norma culta (MARCUSCHI, 2003, p. 27).

Logo, é essa perspectiva, para Marcuschi (2003), que fundamenta a divisão clássica

entre a língua falada e a língua escrita e que, portanto, possibilita o estabelecimento

de dois blocos distintos, fato que resulta nos seguintes desdobramentos: não há

preocupação com os usos discursivos da língua nem com a produção textual;

postula para a fala uma menor complexidade, e o contrário para a escrita; considera

a fala como lugar de erro, e a escrita como momento do uso correto e adequado da

língua. Essa perspectiva, segundo Marcuschi (2003, p. 28), “[...] oferece um modelo

muito difundido nos manuais escolares, que pode ser caracterizado como uma visão

imanentista que deu origem à maioria das gramáticas pedagógicas que se acham

hoje em uso”. Ainda segundo o autor, esses manuais pedagógicos disseminam

dicotomias estanques que separam forma e conteúdo, língua e uso, e fundamentam

o ensino da língua com base em regras gramaticais.

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Uma segunda perspectiva, discutida por Marcuschi, é a tendência fenomenológica

de caráter culturalista, que enfatiza a natureza das práticas da oralidade “versus” as

da escrita, fazendo, então, uma análise dos aspectos cognitivo, antropológico ou

social, que resultam na construção de uma fenomenologia da escrita. O autor afirma

que essa perspectiva é basicamente de cunho epistemológico, pois foi produzida por

antropólogos, psicólogos e sociólogos, entre eles, segundo o autor, Walter Ong

(1982), Jack Goody (1977), Sylvia Scribner (1997) e David Olson (1977) em seus

primeiros trabalhos. Marcuschi (2003) também destaca que essa perspectiva não

consegue explicar as relações lingüísticas, já que o seu foco de análise está fundado

na questão macro, voltada para as atividades psicoeconômicas e culturais de um

modo amplo.

Marcuschi (2003) também aponta que, para alguns autores que defendem essa

perspectiva, “[...] a escrita representa um avanço na capacidade cognitiva dos

indivíduos e, como tal, uma evolução nos processos noéticos (relativos ao

pensamento em geral), que medeiam entre a fala e a escrita” (MARCUSCHI, 2003,

p. 29). Nesse sentido, alguns autores criticam o excessivo engrandecimento da

escrita por essa perspectiva. Gnerre (1985) é apresentado por Marcuschi como um

desses críticos. Baseado em Gnerre (1985), Marcuschi (2003) aponta que os

problemas dessa tendência podem ser sintetizados em três pontos: no

etnocentrismo, na supervalorização da escrita e no tratamento globalizante que não

leva em consideração o “[...] fato de que não existem ‘sociedades letradas’, mas sim

grupos de letrados, elites que detêm o poder social, já que as sociedades não são

fenômenos homogêneos, globais” (MARCUSCHI, 2003, p. 30-31).

A terceira tendência apresentada por Marcuschi é a perspectiva variacionista,

considerada por ele como uma tendência intermediária entre as duas discutidas

anteriormente. Esse caráter intermediário, na perspectiva desse autor, dá-se

principalmente pelo não estabelecimento de dicotomias ou “caracterizações

estanques”. O que há, então, é uma preocupação com regularidades e variações.

Outro aspecto destacado pelo autor, com relação a essa tendência, é o rigor

metodológico para a observação da língua. Assim, nessa tendência não há “[...] uma

distinção entre fala e escrita, mas sim uma observação de variedades lingüísticas

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distintas. Todas as variedades submetem-se a algum tipo de norma“ (MARCUSCHI,

2003, p. 31). Na análise realizada pelo autor, autores brasileiros, como Bortoni

(1992, 1995), Kleiman (1995), integram essa perspectiva. Marcuschi (2003) afirma

que isso ocorre numa perspectiva um pouco diversa, mas dentro do mesmo espírito,

Soares (1986) acaba defendendo a perspectiva variacionista. Assim, para

Marcuschi (2003, p. 32):

O interessante nesta perspectiva é que a variação se daria tanto na fala como na escrita, o que evitaria o equivoco de identificar a língua escrita como a padronização da língua, ou seja, impediria identificar a escrita como equivalente à língua padrão, como fazem autores situados na perspectiva da dicotomia estrita.

No entanto, Marcuschi afirma não defender essa tendência, porque não acredita que

fala e escrita representem dois dialetos, “[...] mas sim duas modalidades de uso da

língua, de maneira que o aluno, ao simplesmente dominar a escrita, se torna

bimodal. Fluente em dois modos de uso e não simplesmente em dois dialetos”

(MARCUSCHI, 2003, p. 32). Nesse contexto, o autor apresenta a quarta perspectiva,

a qual denominou sociointeracionista. 1 Segundo o autor, esse modelo leva uma

vantagem em relação às outras tendências, que é o fato de uma melhor percepção

“[...] da língua como fenômeno interativo e dinâmico, voltado para as atividades

dialógicas que marcam as características mais salientes da fala, tais como as

estratégias de formulação em tempo real” (MARCUSCHI, 2003, p. 33). No Brasil,

esse modelo tem, entre seus representantes, Preti (1991, 1993) e o próprio

Marcuschi (1986, 1992, 1995), além de Kleiman (1995) e Urbano (2000). Assim,

para Marcuschi, essa perspectiva preocupa-se

[...] com os processos de produção de sentido tomando-os sempre como situados em contextos sócio-historicamente marcados por atividades de negociação ou por processos inferenciais. Não toma as categorias lingüísticas como dadas a priori, mas como construídas interativamente e sensíveis aos fatos culturais. Preocupa-se com a análise dos gêneros textuais e seus usos em sociedade. Tem muita

1 Com base nas discussões realizadas por Duarte, ressaltamos que não concordamos com essa nomenclatura utilizada por Marcuschi, pois, para Duarte (apud TULESKI, 2002, p. 84-85) “[...] o interacionismo é um modelo epistemológico que aborda o psiquismo humano de forma biológica, ou seja, não dá conta das especificidades desse psiquismo enquanto um fenômeno histórico-cultural”.

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sensibilidade para fenômenos cognitivos e processos de textualização na oralidade e na escrita, que permitam a produção de coerência como uma atividade do leitor/ouvinte sobre o texto recebido (MARCUSCHI, 2003, p. 34).

Assim, também compartilhamos com Marcuschi a crença de que essa tendência é a

que melhor compreende a língua como fenômeno interativo e dinâmico e se constitui

nas relações históricas e sociais. Nesse sentido, ela não pode ser compreendida

fora dessas relações, limitada simplesmente aos aspectos lingüísticos postulados,

na maioria das vezes, de maneira dicotômica, como observamos anteriormente.

Portanto as “[...] relações entre fala e escrita não são óbvias nem lineares, pois elas

refletem um constante dinamismo fundado no continuum que se manifesta entre

essas duas modalidades de uso da língua” (MARCUSCHI, 2003, p. 34).

Marcuschi (2003) argumenta ainda que a língua, seja na sua modalidade falada seja

na modalidade escrita, reflete, em boa medida, a organização da sociedade. Além

disso, postular algum tipo de superioridade de alguma das modalidades seria uma

visão equivocada, pois não se pode afirmar que a fala é superior à escrita ou vice-

versa. O maior prestígio social da escrita em relação à fala não se dá por questões

intrínsecas nem por parâmetros lingüísticos, mas, sim, por uma postura ideológica.

Conclui-se então que oralidade e escrita são duas práticas sociais, e não duas

propriedades de sociedades diversas. Portanto,

[...] as diferenças entre fala e escrita se dão dentro de um continuum tipológico das práticas sociais de produção textual e não na relação dicotômica de dois pólos opostos. Em conseqüência, temos a ver com correlações em vários planos, surgindo daí um conjunto de variações e não uma simples variação linear (MARCUSCHI, 2003, p. 37).

Essas questões trazem muitos desdobramentos para o trabalho com a linguagem

oral na Educação Infantil. Assim, este relatório apresenta os resultados da pesquisa

que teve por finalidade investigar o trabalho com a linguagem oral em classes de crianças de dois a seis anos de idade de uma instituição educativa infantil

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pública do município de Vitória, ES. Em termos específicos, os objetivos desta

pesquisa são:

a) analisar as concepções de infância e de educação infantil das professoras e

suas relações com os modos como desenvolvem o trabalho com a linguagem

oral;

b) analisar como se desenvolve o trabalho com a linguagem oral nas classes de

Educação Infantil, tomando situações em que as professoras têm intenção de

ensinar/trabalhar a linguagem oral;

c) discutir situações observadas na instituição que possibilitam o

desenvolvimento da linguagem oral.

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3 REVISITANDO A PRODUÇÃO ACADÊMICA

Em face do problema deste trabalho, revisitaremos a produção acadêmica que trata

a linguagem oral. Inicialmente, é importante dizer que tivemos dificuldades para

realizar essa tarefa, pois são poucas as pesquisas sobre esse tema. Dessa forma,

analisaremos os trabalhos de Cerqueira (1986), Hubert (2002) e Barbosa (2001)

encontrados até o momento da elaboração deste relatório.

Cerqueira (1986), em sua pesquisa, objetivou ampliar os estudos naturalísticos que

identificam variáveis relevantes do meio lingüístico para a aquisição da linguagem,

uma vez que os dados existentes, de acordo com a autora, sugerem apenas

indicações, exigindo maior fundamentação empírica e teórica sobre o assunto.

Assim, buscou compreender as relações funcionais que explicam a aquisição da

linguagem por meio da análise dos atributos específicos, na interação verbal mãe-

criança. Além disso, procurou entender o papel que a criança desempenha nesse

processo. A autora propôs-se também a :

a) analisar o nível de simplificação e redundância da fala dirigida à criança, que se

vai modificando à medida que a ela se desenvolve lingüisticamente;

b) verificar que tipos de categorias verbais são mais efetivos para a produção de

respostas da criança;

c) estudar como se modificam as conseqüências verbais, providas para certas

emissões da criança, à medida que ocorre seu desenvolvimento.

Para Cerqueira (1986), são muito restritas e controvertidas as evidências dos efeitos

da fala materna sobre o desenvolvimento da fala infantil. Portanto é fundamental que

se desenvolvam mais estudos naturalísticos, no contexto interativo, para buscar

subsídios empíricos e teóricos sobre o tema.

A autora apresenta duas vertentes teóricas sobre a origem da linguagem: as

proposições de Skinner e as de Chomsky. Entretanto não declara a sua posição com

relação à visão desses autores. Por isso, não encontramos no trabalho um

posicionamento explícito com relação à concepção de linguagem norteadora do

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estudo. No entanto percebemos que a concepção de linguagem da autora não é a

comportamentalista. Os defensores dessa visão acreditam que

[...] as crianças do gênero humano são feitas de forma a apresentar alta probabilidade de imitar sons da fala que ouvem de pessoas significativas. A partir dessa predisposição programada geneticamente e do reforço dado por essas pessoas na qualidade de ouvintes, o comportamento verbal é adquirido e modelado (BAUM, 1999, p. 130).

Assim, consideramos que a concepção de linguagem que orienta as análises

aproxima-se do modelo psicolingüístico de Chomsky na medida em que acredita que

a aquisição da linguagem pelas crianças de classes populares, conforme aponta a

autora, acontece da mesma forma que a aquisição da linguagem das crianças de

classe média, ou seja, “[...] todas as crianças, independente de raça ou status sócio-

econômico, têm uma habilidade igual em adquirir a linguagem, independente de

controle de estímulos” (BRAGGIO, 1992, p. 18). Cerqueira (1986) vê a aquisição da

linguagem a partir do modelo de Chomsky que

[...] ressalta o papel da “criatividade”: a capacidade que as crianças têm de produzir e entender um número indefinidamente grande de enunciados, com os quais não tiveram experiência anterior, dado o caráter produtivo das línguas humanas. Ou seja, a capacidade de operar com a língua independentemente de estímulos, a qual se manifesta, todavia, dentro dos limites estabelecidos pela produtividade do sistema lingüístico, regidos por regras de adequação gramatical, cujas propriedades formais seriam características da estrutura da mente humana (BRAGGIO, 1992, p. 17).

Nesse contexto, Cerqueira (1986) construiu a metodologia do estudo com as

seguintes etapas: utilizou nove pares de mães e crianças (M-C) de uma das creches

da cidade de Botucatu, sendo cinco do sexo feminino e quatro do sexo masculino,

cuja idade variou entre 19 e 38 meses. Com esse grupo, fez um estudo transversal e

um estudo longitudinal.

Para efetuar o estudo transversal, constituiu dois grupos, de quatro pares cada um,

com faixas etárias em torno de dois e três anos de idade. No longitudinal, estudou

cinco pares de M-C, quatro dos que compuseram os grupos e mais um par, cuja

criança tinha 19 meses de idade no primeiro mês analisado. As observações foram

realizadas na creche em que permaneciam as crianças, em salas designadas pela

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diretora da instituição. A pesquisadora também fez uma visita domiciliar, para

aplicação de um questionário. As mães foram convidadas a participar do trabalho,

cujo objetivo era estudar como brincavam mães e crianças.

Para as mães que aceitavam o convite, foi marcado um horário em dias que eram

convenientes para elas. Nos dias agendados, quando chegavam à creche, eram

conduzidas à sala de observação e informadas de que deveriam brincar com seu

filho por aproximadamente 15 minutos, durante os quais a observadora

permaneceria afastada, registrando as observações.

Depois de estarem instalados o par M-C e a observadora, e M-C terem iniciado

algum contato, acionavam-se os dois gravadores. Após a emissão de um bip longo,

que indicava o primeiro intervalo de 15 segundos, era iniciado o registro manual dos

eventos físicos e motores. Com esse procedimento, os sinais sonoros emitidos

indicavam ao observador os intervalos de 15 segundos e superpunham-se aos

eventos verbais que estavam sendo gravados, o que permitiu uma sincronia entre os

registros vocais gravados e o registro contínuo dos eventos físicos e motores

tomados manualmente pelo observador.

As gravações foram transcritas em verbatim, pontuando-se de acordo com a

entoação dada à emissão verbal. Posteriormente, essa transcrição foi acoplada ao

registro motor correspondente a cada intervalo de 15 segundos. Efetuada a

transcrição, as fitas eram ouvidas e anotados todos os intervalos de silêncio

perceptíveis entre as emissões verbais, mediante o uso de um cronômetro. Nesse

estudo, identificou-se o padrão interativo e o padrão individual de mudança de

intercâmbio verbal. Os padrões interativos, segundo Cerqueira (1986), eram

representados por aqueles em que uma resposta verbal (RV) da criança © era

sucedida a menos de um segundo por RV da mãe (M) e vice-versa. Os padrões

individuais constituídos por RV diferentes de M-M ou C-C eram considerados

padrões individuais de mudança no fluxo verbal. A partir desse ponto, foram

identificadas as RVs de cada membro da díade que constituiu as unidades de

análise.

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Com relação aos resultados, Cerqueira (1986) assinala que seu trabalho apontou

evidências de uma evolução no comportamento verbal das crianças estudadas, nas

direções descritas por outros trabalhos que estudaram crianças de classe média.

Houve também, segundo a autora, a identifição de características específicas na fala

das mães, que coincidiam com as descritas pela literatura de motherese,2 sugerindo

que essas características podem ser efetivas para o ensino da linguagem.

Conforme Cerqueira (1986), não foram encontradas evidências que possam ser

vistas como características de crianças oriundas das camadas menos privilegiadas

economicamente, pelo menos durante o processo de aquisição da linguagem, o que

sugere que essas diferenças talvez se introduzam mais tarde, ou devam ser

procuradas em outro tipo de análise do comportamento verbal. A autora conclui

também que é importante desenvolver estudos sistemáticos sobre o que falam as

mães e as crianças desde a idade mais precoce, pois muito se poderá aprender

sobre a aquisição da linguagem em todos os seus aspectos.

Cerqueira (1986) argumenta que os dados do seu trabalho são sugestivos e

reclamam uma análise sistemática daquilo que a criança aprende precocemente na

interação verbal com adultos, pois, segundo ela, o estudo que realizou apresentou

fortes indicações da transmissão da noção de propriedade, auto-imagem, dos papéis

sexuais, da explicação de contingências repressivas nos controles vigentes em

nossa sociedade. Para ela, essa análise do conteúdo talvez possa esclarecer sobre

“as diferentes linguagens” apresentadas pelas “diferentes classes”. Ela sugere

também a ampliação desse tipo de estudo, focalizando um número maior de

crianças em interação não apenas com suas mães, mas também com outros

adultos e crianças do seu meio.

Podemos perceber, assim, que o foco deste trabalho é a aquisição da linguagem

como um processo ativo, no qual a criança formula hipóteses sobre as regras que

constituem as sentenças que escuta do adulto e assim chega à produção de um

2 De acordo com Elliot (1981, p. 147), o motherese ou maternalês é a fala dirigida à criança. O maternalês parece ter dois componentes principais. Em alguns casos, tem características que estão ausentes no modelo adulto ou que seriam desviantes dentro dele, e que são comumente designadas por fala tatibitate. Além disso, exibe modificações típicas do modelo adulto, particularmente nos níveis dos traços paralingüísticos, traços sintáticos e traços do discurso.

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corpus lingüístico. Isto é, Cerqueira (1986) postula que “[...] todo ser humano é

biologicamente pré-programado para adquirir a linguagem. Uma vez exposta a um

pequeno conjunto de dados lingüísticos, a criança descobre a teoria da sua língua”

(BRAGGIO, 1992, p. 18).

Não pretendemos negar a relevância teórica dessa pesquisa para os estudos sobre

a apropriação da linguagem oral. No entanto a perspectiva teórica que o orientou é

diferente da proposta teórica deste estudo que concebe a linguagem como

constituidora da identidade do sujeito. Diferentemente de Chomsky, para quem a

linguagem é um sistema abstrato, no qual os aspectos sócio-históricos não são

relevantes, a teoria histórico-cultural vê a linguagem como resultado das relações

humanas, o que significa dizer que ela é produzida num contexto heterogêneo,

contraditório, multifacetado e concreto. Assim, não basta dizer que todas as crianças

nascem com uma competência para aprender a linguagem, como assinala

Chomsky. É preciso pensar a apropriação da linguagem como resultado da atividade

social, determinada sociocultural e historicamente.

Hubert (2002), em seus estudos, procurou explicitar quais elementos lingüísticos são

identificados nas rupturas em narrativas orais produzidas por adolescentes e

adultos. O objetivo central desse trabalho foi, segundo a autora, descrever os

sistemas lingüísticos utilizados pelos nossos informantes diante do continuum da

aquisição da Língua Materna (LM), ou seja, quais elementos da língua nossos

informantes já têm adquirido para narrar eventos numa seqüência linear, e como os

emprega ao romper com a linearidade. O trabalho de Hubert (2002) buscou

responder às seguintes questões: a) Já que algumas categorias verbais são adquiridas tardiamente, quais estruturas

verbais encontraremos nas produções textuais de adolescentes e de adultos?

b) Quais elementos lingüísticos o informante utiliza para dar conta de eventos

simultâneos e/ou anteriores?

c) Diante da estrutura de texto narrativo, como ocorre o movimento referencial nas

narrativas coletadas?

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Em suma, para Hubert (2002), a pesquisa tentou estabelecer ligação entre a

aquisição da linguagem oral e os processos cognitivos que envolvem a produção

textual oral. No início do estudo, a autora discutiu o conceito de “aquisição da

linguagem”. Afirma que, dentre as áreas envolvidas na pesquisa sobre a aquisição

e/ou aprendizagem, a Psicologia Cognitiva e a Lingüística (mesmo com diferentes

ramificações) merecem destaque. A autora define esses estudos das seguintes

perspectivas: a sociointeracionista, a psicolingüística e a dos modelos conexionistas.

O ponto de vista sociointeracionista, assinala Hubert (2002), uniu parâmetros

discutidos, na década de 80, pela sociolingüística e pelo interacionismo 3

vigotskiano. Essa união, segundo a autora, fortaleceu a hipótese de que o

desenvolvimento da linguagem está intrinsecamente ligado a fatores sociais, etários,

raciais e econômicos, bem como à interação dos aprendizes no meio social (escolar

ou externo à escola).

Na abordagem sociointeracionista, afirma a autora, o indivíduo constrói seu sistema

lingüístico por meio da interação social, tornando sua competência lingüística

favorável à comunicação. Já a psicolingüística preocupa-se com os processos

psicológicos envolvidos na produção e na compreensão da linguagem. O interesse

está centrado nos aspectos mental e psicológico que podem estar envolvidos na

aquisição e/ou aprendizagem de uma língua.

Hubert (2002) discute também a respeito das divergências entre a teoria

chomskyana e a Psicologia Cognitiva. Segundo a autora, a primeira afirma que o

indivíduo teria mais facilidade para adquirir uma língua até a adolescência. A

segunda, representada pelos psicólogos Piaget e Vigotski, discorda quanto ao

tempo em que o ser humano estaria predisposto a adquirir novos conhecimentos,

destacando a relação entre o desenvolvimento da linguagem e da inteligência em

diferentes períodos da vida.

A teoria de Piaget, de acordo com Hubert (2002), não enfoca a linguagem como

ponto essencial. Sua contribuição ao desenvolvimento da linguagem surge no 3 Não concordamos com a associação de Vigotski ao interacionismo, conforme Hubert (2002). O interacionismo é apresentado por Duarte como um modelo epistemológico que aborda o psiquismo de forma biológica, diferentemente de Vigotski, para quem o psiquismo humano é construído culturalmente.

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segundo estágio (2-7anos) e segue com as operações do pensamento no estágio da

inteligência operacional. Vigotski enfatiza o componente social do processo de

aprendizagem. Apesar de vincular Vigotski e Piaget à mesma corrente teórica

(Psicologia Cognitiva), Hubert (2002) afirma que Vigotski não compreende o

processo da fala egocêntrica da forma como foi descrita por Piaget. Segundo a

autora, para Vigotski, a fala, mesmo individual, é social, porque ocorre de “fora para

dentro”, ou seja, a verdadeira direção do pensamento vai do social ao individual.

Para Piaget, ocontece o contrário: a direção do pensamento vai de “dentro para

fora”. A autora também mostra resultados de pesquisas psicolingüísticas sobre a

aquisição lexical, os quais demonstram que, a partir dos 12, 13 anos, a criança já

teria armazenado uma grande quantidade de itens lexicais.

A autora apresenta também os modelos textuais de Labov (1993), Stutterheim e

Klein (1989) que reforçam a idéia de que todo texto oral, antes de ser articulado, é

organizado e estruturado em nível conceitual. Afirma, também, que esses modelos

se complementam, na medida em que todos se referem aos elementos tempo e

personagem como constituintes necessários à narrativa, mas sem descartar os

elementos processo, lugar e modalidade. No trabalho realizado por esses autores,

segundo Hubert (2002), qualquer tipo de texto é originado por uma quaestio4

explícita ou implícita.

O corpus da pesquisa foi constituído com narrativas de adolescentes e adultos.

Hubert (2002) dividiu os informantes e as produções coletadas em dois grupos: um

grupo constituído de sete adultos com idades entre 23 e 40 anos; outro contendo 19

adolescentes com idades entre 15 e 18 anos. Todos os informantes encontravam-se

diariamente e mantinham relações mais ou menos intensas e hierarquizadas.

Hubert (2002) menciona que os dois grupos pareciam ser homogêneos porque

estavam expostos, durante algumas horas do dia, ao mesmo input, ou seja,

conviviam numa mesma comunidade sociocultural. O grupo de adolescentes era

constituído por estudantes do Ensino Médio, e o grupo de adultos era formado por

4 Questão proposta pela autora aos informantes do estudo. As respostas dos informantes formaram os dados da pesquisa.

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professores de diferentes disciplinas. Ela também estabelece a seguinte distinção

entre os dois grupos:

a) o grupo de adultos estava com o domínio da LM relativamente estabilizado.

Todos tinham concluído o curso de graduação e, profissionalmente, estavam

estabelecidos. Por essas razões, os informantes adultos representavam na

pesquisa a língua portuguesa culta padrão (grupo de controle);

b) o grupo de adolescentes encontrava-se em fase de formação. No Ensino Médio,

estavam expostos a diferentes conhecimentos, entre eles, o ensino sistemático e

progressivo do português como LM. Desse modo, os adolescentes possuíam um

sistema lingüístico em construção, menos estabilizado do que os apresentados

pelo grupo anterior.

O contato entre a pesquisadora e os informantes foi realizado fora do ambiente

escolar. O local de gravações variou de acordo com a disponibilidade do informante.

No primeiro momento da entrevista, a pesquisadora solicitou aos informantes uma

narrativa pessoal por meio da quaestio: o que aconteceu contigo? No segundo

momento, quando os informantes estavam mais tranqüilos em relação à situação, a

pesquisadora mostrou a história em imagens: Frog, where are you? (Rã, onde está

você?) e pediu que contassem uma história como se estivessem contando a uma

criança.

As narrativas foram gravadas em áudio e transcritas na íntegra pela pesquisadora.

Em seguida, a autora realizou a segmentação dos textos coletados. De acordo com

Hubert (2002), um dos problemas encontrados, durante a segmentação das

narrativas, decorreu do fato de o texto oral se apresentar num continuum de fala, no

qual nem as palavras e nem as orações são separadas entre si, a não ser quando

uma pausa as interrompe, ou quando há mudança de turno entre os falantes.

Hubert (2002) afirma que a atenção está voltada à produção de uma narrativa que

se realiza, normalmente, num único turno. Para ela, esse turno, inserido numa

interação face a face, apresenta características de um monólogo. Assim, acredita

que a segmentação do texto oral pode preservar o conteúdo semântico e discursivo

das narrativas, por isso optou pela proposição como unidade mínima de

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segmentação. Após a segmentação das narrativas em proposições e a retirada dos

elementos citados acima, inseriu os textos em tabelas, para melhor visualizar,

contabilizar e comparar aspectos semânticos e lingüísticos.

A análise das produções coletadas ocorreu durante a transcrição e a segmentação.

A base teórica de análise privilegiou, de acordo com a autora, a estrutura textual

proposta por Stutterheim e Klein (1989). Esses autores, segundo Hubert (2002),

consideram que toda narrativa contém, em sua macroestrutura, dois planos

discursivos (a trama e o pano de fundo) e, em sua microestrutura, cinco domínios

referenciais que se movimentam de uma proposição para outra. Em suma, a análise

aconteceu a partir das narrativas que estão distribuídas em dois grupos distintos,

adulto e adolescente, objetivando descrever as características lingüísticas dos dois.

A autora conclui que a maioria dos informantes elaborou textos coesos e

organizados cronologicamente, demonstrando que o domínio referencial tempo é

determinante no relato de eventos simultâneos ou anteriores. Os elementos

lingüísticos capazes de dar conta desse movimento parecem, segundo ela, estar

disponíveis nos dois grupos de informantes. Os dados mostraram ainda que, no

grupo de adultos, ocorreu o maior número de rupturas em relação ao grupo de

adolescentes. Esse fato confirmou suas hipóteses de que os adultos teriam mais

elementos lingüísticos para realizar rupturas e organizar a narração de eventos, ou

seja, os adultos teriam, de certa maneira, estabilizada a aquisição da LM, enquanto

os adolescentes estariam predispostos à aquisição.

Hubert (2002) constata também que o ser humano continua armazenando

conhecimento após o período crítico.5 Esse processo apresenta ritmos mais ou

menos intensos ao longo das diferentes fases da vida, o que não está associado, de

maneira prioritária, a aspectos biológicos, mas a aspectos psicológicos que dizem

respeito à identidade social do indivíduo. Essa autora, partindo da postura de que

todo texto responde a uma quaestio implícita ou explícita, sustenta que a linguagem

é um processo em desenvolvimento contínuo no indivíduo.

5 Conceito apresentado por Lennenberg, segundo o qual o desenvolvimento lexical é rápido na fase pré-escolar, tornando-se mais lento durante a puberdade.

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Concluímos, então, que não há, no estudo de Hubert, referência aos aspectos sócio-

históricos e culturais que são centrais para a compreensão do desenvolvimento da

linguagem no ser humano. No estudo que desenvolveu, a linguagem parece mais

uma forma natural do comportamento humano, associada aos aspectos biológicos e

psicológicos. Discordamos desse modo de compreender a linguagem, pois, de

acordo com Bakhtin (2004), falante e ouvinte não interagem com a linguagem como

se ela fosse um sistema abstrato de normas. Ao contrário, ela emerge em um

contexto de produção concreto, multifacetado e contraditório; logo, está

intrinsecamente ligada ao contexto sócio-histórico e ideológico.

Barbosa (2001) inicia seu relatório de pesquisa discutindo a importância de o

trabalho com a produção de textos orais ser incorporado às orientações curriculares

oficiais. Apesar disso, afirma que há ausência de práticas escolares envolvendo

gêneros orais, principalmente no que se refere à produção oral argumentativa. Na

busca de uma explicação para isso, aponta, de acordo com Dolz e Schneuwly, duas

linhas de justificativas: a) a crença de que haveria um desenvolvimento “natural” da argumentação;

b) a crença de que a construção dos discursos se dá num movimento linear, ou

seja, primeiro ocorre a construção do discurso descritivo, depois do narrativo

para, em seguida, vir o argumentativo.

Dessa maneira, Barbosa (2001) insere sua pesquisa no grupo dos que defendem

um ensino intensivo de gêneros orais na sala de aula, de modo que a linguagem oral

seja concebida na sua heterogeneidade, especialmente os gêneros orais públicos

argumentativos. A autora afirma que a pesquisa se iniciou com o objetivo de

investigar se os discursos orais argumentativos se faziam presentes na prática

pedagógica de professores da rede pública do Ensino Fundamental e pressupondo

uma não-circulação de tais discursos, também era objetivo da pesquisa sugerir

algumas possibilidades de prática. Inicialmente, o título do seu projeto era: O ensino

da argumentação oral: análises e possibilidades para um trabalho na perspectiva

enunciativa, cujos objetivos eram:

- analisar e descrever o trabalho com linguagem oral argumentativa (discussões argumentativas e debates) em algumas classes da 1ª à 8ª

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série do Ensino Fundamental da Rede Estadual de Ensino de São Paulo, apontando as situações enunciativas em que ocorrem; - investigar se havia intenção de se ensinar a linguagem oral argumentativa; - observar se havia planejamento prévio e de que forma era feita a intervenção pedagógica, em situações de interação oral argumentativa; - discutir com o professor as observações feitas e sugerir formas de encaminhamento para esse trabalho, num processo de formação docente (BARBOSA, 2001, p. 13).

No final de 1999, Barbosa observou 21 aulas e constatou que, em apenas uma aula,

houve ocorrência de discussão oral argumentativa. Uma aula que não havia sido

planejada para ensinar linguagem oral argumentativa, mas para enriquecer a

produção de um texto dissertativo escrito. Para a autora, isso confirmava sua

hipótese sobre a pouca circulação da argumentação em sala de aula. Por isso,

reorientou seu olhar para responder às seguintes questões:

- Os discursos orais argumentativos estão presentes nas interações de sala de aula do ensino fundamental? Em que situações enunciativas? Eles são tomados como objeto de ensino? - Que gêneros argumentativos circulam nessas situações? Como se caracterizam? - Em que medida a discussão argumentativa é e pode ser utilizada como um instrumento no ensino-aprendizagem dos conteúdos nas diferentes áreas (BARBOSA, 2001, p. 14).

Os pressupostos teóricos que embasaram a pesquisa foram a teoria de

aprendizagem de Vigotski e a teoria da enunciação de Bakhtin. Baseada em

Vigotski, a autora apresenta a relação entre desenvolvimento e aprendizagem, que

constitui a base da sua pesquisa.

De acordo com a Barbosa (2001), Vigotski opõe-se às orientações que negam a

existência do processo de desenvolvimento de conceitos, e também a outra

orientação, que vem da Psicologia infantil, que admite um processo de

desenvolvimento na mente da criança em idade escolar, porém não considera as

características especiais do desenvolvimento de conceitos adquiridos após a

entrada na escola. Na perspectiva de Vigotski (apud BARBOSA, 2001, p. 74), “[...] o

aprendizado é uma das principais fontes de conceitos da criança em idade escolar, e

é também uma poderosa força que direciona o seu desenvolvimento mental“. A

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autora concorda com Vigotski no sentido de que o aprendizado escolar impulsiona e

direciona o desenvolvimento das funções intelectuais superiores, marcadas pela

consciência reflexiva e pelo controle das operações mentais pela criança.

Barbosa (2001) afirma ainda que, para Vigotski, o desenvolvimento é uma

construção social, interpessoal, que adquire características especiais no momento

em que a criança entra na escola. Nesse contexto, a idéia de Zona Proximal de

Desenvolvimento (ZPD), desenvolvida por Vigotski, tem um significado importante

para seu trabalho já que, ao criar uma ZPD, o professor pode possibilitar o

desenvolvimento de condutas argumentativas nos alunos, pelo fato de levá-los a

falar sobre os saberes e os não-saberes. Outro conceito da teoria de Vigotski

apresentado pela autora é a mediação semiótica. Entende que a utilização de meios

artificiais - a atividade mediada - na espécie humana, ocorre com as necessidades

objetivas de dominar a natureza, a partir do exterior. Esse conceito também

fundamenta a análise que faz a respeito do trabalho pedagógico com textos orais

argumentativos.

A autora discute ainda a relação que Vigotski estabeleceu entre pensamento e

palavra. Para Vigotski, aponta a autora, pensamento e palavra não podem ser

analisados separadamente, por isso ele busca uma unidade de análise que possa

substituir aquela realizada por elementos e encontra essa unidade na significação

das palavras. De acordo com Vigotski, “[...] a relação entre o pensamento e a

palavra não é uma coisa, mas um processo, um movimento contínuo de vaivém do

pensamento para a palavra, e vice-versa” (VIGOTSKI, apud BARBOSA, 2001, p.

108). A natureza social da atividade mental é outro aspecto da teoria de Vigotski

discutido por Barbosa (2001). Assim, são as necessidades sociais dos indivíduos

que permitem o desenvolvimento e a complexificação da atividade mental. A

mediação que ocorre pela palavra e pelo outro é dialógica, no sentido de que é

produto da interação social.

A reflexão de Vigotski sobre a linguagem oral também é apresentada por Barbosa

(2001). Ela afirma que os estudos de Vigotski sobre o pensamento e a palavra se

concentram na validação de sua tese sobre a natureza social da linguagem. Ainda

que, para tanto, tenha direcionado sua análise para os processos de internalização

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dos conceitos e a compreensão da fala interior, pode-se observar, em sua obra, que

essa análise se dá comparativamente à fala exterior. Vigotski, ao fazer observações

sobre as distinções entre fala exterior e fala interior, tece comentários sobre o

diálogo e o monólogo, apontando que o primeiro é representado pela fala oral,

enquanto o segundo, pela escrita e pela fala interior. Também segundo Barbosa

(2001), outro aspecto discutido por Vigotski é a tendência a um dizer mais abreviado

da fala oral, pois a sua velocidade exige respostas/réplicas imediatas. Na escrita, no

entanto, há uma exigência de completude, pois não é possível dispor do contexto

material de comunicação.

Nas discussões que faz sobre as relações interativas em sala de aula, Barbosa

(2001) apresenta um padrão interacional conhecido como Iniciação, Resposta e

Avaliação (IRA) que aparece em pesquisas de autores como Mehan (1979), Wertsch

e Smolka (1993), entre outros, e significa uma Iniciação por parte do professor; uma

Resposta por parte do aluno e uma Avaliação do professor, sempre nessa ordem.

Nesse contexto, a autora afirma que, segundo a pesquisa de Wertsch e Smolka

(1993), em nenhum caso de interação do padrão IRA as enunciações foram

utilizadas para criar estratégias de pensamento, nem no professor nem no aluno. O

que esses pesquisadores observaram foi uma ênfase no aspecto transmissivo das

informações.

Além das interações no padrão IRA, há também o mecanismo de eleição do

interlocutor privilegiado, com quem o professor estabelece pequenos diálogos,

denominados por Dolz e Aebi (1996, apud BARBOSA, 2001) como diálogos em

forma de estrela. A discussão é, em geral, coletiva, mas quem responde às

perguntas são aqueles alunos selecionados.

Nesse sentido, Barbosa (2001) afirma que o tipo de análise que se propõe realizar

(enunciativa) pode revelar informações importantes sobre as características distintas

que esses diálogos assumem em sala de aula. Por isso, também recorre às

pesquisas realizadas por Bakhtin e seu círculo. De acordo com a autora, os estudos

de Vigotski parecem insuficientes, visto que, num rápido exame de episódios em

linguagem oral, encontrou exemplos de linguagem elaborada sem nenhuma

característica para a abreviação, o que contradiz a afirmação de Vigotski a esse

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respeito. Ainda que o psicólogo russo sinalize a importância de se observarem as

diferentes situações e os conhecimentos compartilhados pelos interlocutores, não

apresenta elementos suficientes para sua análise, visto que seu enfoque é,

principalmente, psicológico e, discursivamente, pouco desenvolvido. Por isso, a

autora, apesar de reconhecer a importância da concepção de aprendizagem de

Vigotski, acredita que as idéias de Bakhtin e de seu círculo permitiram a realização

de uma análise lingüístico-enunciativa dos episódios em linguagem oral que

constituem o corpus da pesquisa.

Assim, Barbosa (2001) apresenta os conceitos de enunciação, tema e significação,

gêneros do discurso e discurso de outrem. Além disso, faz também um diálogo entre

Bakhtin e Vigotski sobre a natureza social do conhecimento. Segundo ela, ao

enfatizarem a natureza social e interpessoal dos conhecimentos e da linguagem,

ambos consideram que há um predomínio do sentido (tema) sobre o significado de

uma palavra ou frase.

A autora caracteriza a sua pesquisa como qualitativa interpretativista e justifica a

escolha dessa metodologia por se tratar de um trabalho sobre a interação em sala

de aula. Assim, esse paradigma permitiu interpretar as relações estabelecidas entre

professores e alunos nas aulas dialogadas, a partir de uma perspectiva enunciativa,

investigando em que medida essas interações possibilitam o desenvolvimento das

capacidades necessárias à apropriação (e mestria) do gênero discussão

argumentativa. Dessa forma, cada interação compôs uma realidade única, que foi

interpretada em relação constante com a situação mais geral de comunicação. Os

dados foram coletados por filmagens, durante o ano de 1999 e o primeiro semestre

de 2000.

As fitas foram transcritas (transcrição ortográfica). A coleta e a transcrição foram

realizadas pelas bolsistas de iniciação científica, e a revisão foi feita pela

coordenação do projeto e pela pesquisadora, pois sua pesquisa integrava um projeto

mais amplo, denominado Práticas de Linguagem no Ensino Fundamental: circulação

e apropriação dos gêneros do discurso e a construção do conhecimento – uma

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parceria universidade e escola pública.6 Esse foi um projeto de pesquisa aplicada,

desenvolvido na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Seminário Nossa

Senhora da Glória, dentro da linha especial de fomento da Fundação de Apoio à

Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), designada Melhoria do Ensino Público

no Estado de São Paulo (março de 1999 a março de 2001).

Na metodologia de análise dos dados, a autora fundamentou-se no “método de

Bakhtin e de seu círculo”. Assim, segundo a concepção bakhtiniana de linguagem,

os discursos verbais não são auto-suficientes: eles nascem de uma situação

extraverbal. Por isso, ela iniciou a análise dos dados com base no contexto em que

surgiram, adotando a seguinte ordem metodológica:

a) as formas e os tipos de interação verbal em ligação com as condições concretas

em que se realizam;

b) as formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados, em ligação

estreita com a interação de que constituem os elementos, isto é, as categorias de

atos de fala na vida e na criação ideológica que se prestam a uma determinação

pela interação verbal;

c) o exame das formas da língua na sua interpretação lingüística habitual.

Barbosa (2001) afirma, então, que procurou manter uma atitude de diálogo com o

corpus, investigando as formas e os tipos de interação (discursos), dentro dos

respectivos contextos de produção em que se desenvolveram, na tentativa de

relacionar os discursos em circulação às condições concretas em que se realizavam.

A autora avaliou também as formas utilizadas pelos professores para a transmissão

dos discursos (palavra internamente persuasiva ou autoritária), especificando o

padrão interacional em que essas formas se davam: IRA / diálogos em estrela. No

desenvolvimento da pesquisa, Barbosa constatou uma quase ausência de

interações em linguagem oral argumentativa. Por isso, voltou-se para as formas de

transmissão dos discursos postos em cena nas aulas observadas.

6 Projeto coordenado pela professora doutora Roxane H. R. Rojo, em parceria com outros pesquisadores.

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Barbosa (2001) observou também a possibilidade de interações mais persuasivas

em outras áreas que não apenas a de Português, como a de Matemática, por

exemplo, na qual foi possível notar que os alunos faziam uso de operadores

argumentativos para justificar suas respostas. Esse fato possibilitou que se

percebesse uma maior evidência de aprendizagem dos conteúdos ensinados, pois,

à medida que justificavam suas respostas, tinham oportunidade de refletir sobre seu

processo de aprendizagem. Nesse sentido, a autora considerou, como um resultado

importante da sua pesquisa, a utilização da discussão argumentativa como um

megainstrumento de ensino-aprendizagem dos objetos das diferentes disciplinas, o

que amplia as possibilidades de circulação desse discurso durante a escolaridade,

podendo contribuir para a formação da consciência auto-reflexiva: saber que sabe.

Assim, o deslocamento do aspecto transmissivo para o aspecto persuasivo,

dialógico, durante as aulas, produz uma atividade mental diferenciada nos alunos e

professores.

A autora também registra que encontrou, numa mesma aula, evidências dos dois

estilos (persuasivos e autoritários). Assim, observou muitos momentos de uma

convivência conflituosa nos discursos, em que o predomínio de uma linguagem

sobre a outra ficou evidente, tanto nas situações em que a forma de transmissão foi

persuasiva, quanto na que foi autoritária. Para Barbosa (2001), podemos encontrar

a explicação desse fato nos estudos de Bakhtin/Voloschinov (1929) quando o autor

afirma que a linguagem está sempre “povoada” por intenções de outrem, e não fácil

submetê-la ao estilo em intenção de um falante. Por isso, é importante ter uma maior

consciência da natureza pluridiscursiva da língua e da linguagem para que ocorra

algum tipo de seleção das significações – trazidas pelas linguagens – que permeiam

a atividade do professor.

A autora conclui que é relevante reconhecer a importância da adoção de uma

concepção de aprendizagem que considere o aluno co-participante das significações

construídas na sala de aula, permitindo, assim, a diminuição da assimetria

característica das interações de sala de aula e, com isso, a entrada de uma palavra

internamente persuasiva.

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Consideramos o trabalho de Barbosa (2001) muito interessante, porque trouxe

valiosas contribuições para a construção deste estudo. Apesar de a pesquisa

desenvolvida por ela estar voltada para o trabalho pedagógico com o texto oral

argumentativo no Ensino Fundamental e este estudo voltar-se para a produção de

textos orais na Educação Infantil, encontramos algumas aproximações,

principalmente com relação aos objetivos do trabalho e à fundamentação teórica.

Consideradas as diferenças citadas acima, o principal objetivo deste trabalho

assemelha-se ao de Barbosa (2001), na medida em que busca analisar e descrever

o trabalho com a linguagem oral em classes de crianças de dois a seis anos da

Educação Infantil, apontando as situações enunciativas em que ocorre. Outra

semelhança relevante é a de o desenvolvimento da pesquisa estar baseado na

produção teórica de Vigotski e Bakhtin a respeito da linguagem. Desse modo, ambos

os estudos postulam uma concepção de linguagem, como constituidora da

consciência humana, cuja apropriação acontece a partir das relações sociais e, por

isso, expressa a concretude da sociedade, envolvendo suas contradições e conflitos.

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4 INFÂNCIA E LINGUAGEM

Como já mencionamos, realizamos uma pesquisa com a finalidade de investigar o

trabalho com a linguagem oral em classes de crianças de dois a seis anos de idade

da Educação Infantil. Assim, consideramos pertinente discutir a nossa visão de

infância, que, em nossa opinião, se articula à concepção de linguagem que orienta

este estudo. Neste mesmo capítulo, delinearemos a metodologia da pesquisa.

4.1 CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA

O trabalho com a linguagem, certamente, está vinculado a uma concepção de

infância. Desse modo, para pesquisar a respeito do trabalho pedagógico com a

linguagem oral desenvolvido em classes de crianças de dois a seis anos, é

importante discutirmos as concepções de infância que têm permeado o trabalho

pedagógico com essas crianças e apontar a concepção de infância que defendemos

Assim, tentaremos discutir essa questão neste tópico.

Mary Del Priore (2004), na apresentação do livro Historia das Crianças no Brasil,

apresenta-nos as seguintes questões: o lugar da criança na sociedade brasileira terá

sido o mesmo? Como terá ela passado da condição do anonimato para a condição

de cidadão, com direitos e deveres aparentemente reconhecidos? Numa sociedade

desigual e marcada por transformações culturais, teremos recepcionado, ao longo

do tempo, nossas crianças da mesma forma? Essas perguntas remetem-nos a

pensar na existência de diferentes maneiras de ver a infância ou de diferentes

concepções de infância. De acordo com Kramer (1995, p. 19),

[...] a infância não existiu sempre, e nem da mesma maneira. Ao contrário, ela aparece com a sociedade capitalista, urbano-industrial, na medida em que mudam a inserção e o papel da criança na comunidade. Se, na sociedade feudal, a criança exercia um papel produtivo direto (de adulto) assim que ultrapassava o período de alta mortalidade, na sociedade burguesa ela passa a ser alguém que precisa ser cuidada, escolarizada e preparada para uma atuação

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futura. Este conceito de infância é, pois, determinado historicamente pela modificação das formas de organização da sociedade.

Kramer analisa as modificações dos sentimentos devotados à infância que

ocorreram na sociedade e influenciaram a “concepção de criança” que domina na

atualidade. Assim, para a autora, o sentimento de infância faz referência à

consciência da particularidade infantil, que é diferente da afeição pelas crianças. “O

sentimento moderno de infância corresponde a duas atitudes contraditórias que

caracterizam o comportamento dos adultos até os dias de hoje” (KRAMER, 1995, p.

18). Essas duas atitudes que Kramer analisa são a “paparicação” realizada pelos

adultos, segundo a qual a criança é vista como um ser ingênuo, inocente e gracioso

e em contraposição a essa atitude, a idéia de criança como a de alguém que

necessita de “moralização”, pois é um ser imperfeito. Ainda de acordo com Kramer

(1995, p. 18),

[...] este duplo sentimento é concomitante à nova função efetiva que a instituição familiar (agora constituída de maior número de crianças que sobrevivem) assume no seio da burguesia, e vai sendo progressivamente imposto ao povo. Não é a família que é nova, mas, sim, o sentimento de família que surge nos séculos XVI e XVII, inseparável do sentimento de infância. O reduto familiar torna-se, então, cada vez mais privado e, progressivamente, esta instituição vai assumindo funções antes preenchidas pela comunidade.

Em suma, o sentimento relacionado com a infância surgiu juntamente com a família

burguesa. Resulta, de acordo com Kramer, em duas atitudes em relação à criança

(mencionadas anteriormente): a preservação, para protegê-la da corrupção do meio

(inocência), e o seu fortalecimento, para o desenvolvimento do seu caráter

(moralização). Kramer alerta-nos para a importância da identificação do contexto

burguês em que o sentimento de infância surge e se estrutura, pois

[...] é extremamente importante para a compreensão da concepção atual de criança, quando se acredita ou se quer fazer acreditar numa essência infantil desvinculada das condições de existência, ou seja, na criança universal, idêntica qualquer que seja sua classe social e cultura (KRAMER, 1995, p. 18).

A análise do contexto histórico no qual surgiu esse sentimento de infância resulta no

questionamento sobre a existência de uma essência infantil, como diz Kramer, e nos

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aponta a idéia de infância como uma construção histórica, social e cultural. A

sociedade burguesa instituiu diferentes classes sociais, nas quais as crianças

desempenham papéis distintos. “A idéia de uma infância universal foi divulgada

pelas classes dominantes baseada no seu modelo padrão de criança, justamente a

partir dos critérios de idade e de dependência do adulto” (KRAMER, 1995, p. 19).

Por isso, não podemos aceitar uma concepção abstrata e universal da criança para

a análise da infância no Brasil, pois vivemos em uma sociedade eminentemente

marcada pela desigualdade social, pelas diferenças culturais, sociais e políticas, fato

que resulta em diferentes tipos de tratamento do adulto em relação à criança,

diferenciando “[...] sua participação no processo produtivo, o tempo de

escolarização, o processo de socialização no interior da família e da comunidade, as

atividades cotidianas (das brincadeiras às tarefas assumidas)” (KRAMER, 1995, p.

15).

Os estudos realizados pela Sociologia da Infância também contribuem para o

questionamento da idéia de uma infância universal. De acordo com Sarmento

(2000), a Sociologia da Infância é uma disciplina recente, que teve um

desenvolvimento mais significativo na década de 1990. Conforme esse autor,

[...] a Sociologia da Infância propõe-se a constituir a infância como objeto sociológico, resgatando-a das perspectivas biologistas, que a reduzem a um estado intermediário de maturação e desenvolvimento humano, e psicologizantes, que tendem a interpretar as crianças como indivíduos que se desenvolvem independentemente da construção social das suas condições de existência e das representações e imagens historicamente construídas sobre e para eles (SARMENTO, 2005, p. 363).

A Sociologia da Infância questiona, então, a concepção uniformizadora e universal

de infância divulgada pela burguesia, que teve como principal resultado a separação

das crianças do mundo do adulto e a institucionalização do mundo das crianças.

Dessa maneira, considera a infância como uma construção histórica e discute a

idéia de infância construída na modernidade que, entre outras ideologias, tem

disseminado o conceito de infância como algo natural, abstrato, desvinculado das

condições objetivas, concretas, reais. Para Sarmento, a Psicologia do

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Desenvolvimento tem sido responsável pela divulgação da imagem da criança como

um ser incompleto, incompetente, cujas sucessivas etapas do desenvolvimento se

encarregarão de construir. Nesse contexto, a Sociologia da Infância considera

importante uma

[...] revisão dos fundamentos teleológicos e do linearismo evolutivo da tradição psicológica desenvolvimentista tem permitido abrir novas perspectivas interpretativas da ação infantil, considerando-a na sua complexidade e na sua dimensão de competência específica, isto é, como dotada de um sentimento próprio, pertinente e adequado aos contextos de vida das crianças. Em especial, a revisão da psicologia (seja piagetiana, seja freudiana) põe em causa a concepção dominante da criança como um ser essencialmente narcísico e egocêntrico, para considerar a dimensão relacional e inter-relacional constitutiva da ação infantil (SARMENTO, 2005, p. 374).

Nas publicações de Vigotski (1896-1934), também encontramos uma crítica à

Psicologia Desenvolvimentista. Entretanto, para ele, os diferentes sistemas da

Psicologia são orientados por diferentes princípios metodológicos, nos quais as

categorias fundamentais da investigação adquirem significados distintos. Nesse

contexto, Vigotski critica a Psicologia de sua época por ser marcada por uma

concepção que supunha que a criança fosse um adulto em miniatura, resultado da

forte influência do pré-formismo. Para ele

apesar de que en la formulación científica general sobre el niño se desechado ya hace tiempo la idea de que el niño se diferencia del adulto únicamente por las proporciones de su cuerpo, por su volumen, esta idea sigue existiendo en la psicología infantil, en forma encubierta. Ningún tratado de psicología infantil puede repetir ahora abiertamente las verdades hace tiempo refutadas de que el niño es un adulto en miniatura, sin embargo, semejante concepción perdura, en forma oculta, en casi todas las investigaciones psicológicas. [...] Pero en su inmensa mayoría, las investigaciones científicas se atienden en forma oculta a la concepción que explica el desarrollo del niño como un fenómeno puramente cuantitativo7 (VIGOTSKI, 1993, p. 140).

Nesse trecho, podemos observar que Vigotski não concorda com a idéia de que a

criança é um “vir-a-ser“ sujeito, como defende o pré-formismo. Assim, coerente com

sua concepção de ser humano, o autor defende uma idéia de infância que prima

pela concretude, ou seja, a criança é um sujeito concreto que se constitui histórica e

socialmente.

7 Texto de 1931.

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Nessa perspectiva, a linguagem tem uma importância fundamental, pois ela é

constitutiva da consciência, do pensamento, enfim do sujeito. Dessa forma, ao

postular a centralidade da linguagem e a sua importância na formação dos seres

humanos, Vigotski, diferentemente da maioria das correntes na Psicologia, assinala

a constituição social dos seres humanos e de seus processos psíquicos. Algumas

questões defendidas por esse autor e por Bakhtin (1895-1975) a respeito da

linguagem serão discutidas nos tópicos 2 e 3 deste capítulo.

É importante destacar que defendemos uma concepção de criança que leve em

consideração sua existência concreta no contexto das diferentes classes sociais,

fato que é determinante para a sua posição na sociedade brasileira. Concordamos

com Kramer (1995, p. 16), quando defende o entendimento da “[...] criança em

relação ao contexto social, e não como natureza infantil”. Assim, nesta pesquisa,

depararar-nos-emos com crianças que trazem “marcas” das condições de vida de

sua classe social, além das “marcas” relacionadas com o gênero, a etnia e o credo

religioso e que, na instituição de Educação Infantil, se deparam com profissionais da

educação que têm suas maneiras de conceber a infância, realizando um trabalho

pedagógico eminentemente marcado por essa concepção de infância. Nesse

contexto, este estudo aponta que é relevante identificar quais concepções de

infância estão presentes na instituição de Educação Infantil e como essas

concepções influenciam os modos como as professores concebem e trabalham com

a linguagem.

4.2 A LINGUAGEM NA PERSPECTIVA DE MIKHAIL BAKHTIN

Neste tópico, apresentaremos a concepção de linguagem que orienta este trabalho.

Iniciaremos nossa discussão com alguns elementos apresentados por Bakhtin, no

livro Marxismo e Filosofia da Linguagem. Em seguida, apresentaremos a concepção

de Vigotski sobre o desenvolvimento infantil relacionado com o processo de

apropriação da linguagem.

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Como podemos constatar na afirmação a seguir, Bakhtin (2004) elaborou uma crítica

radical às grandes correntes teóricas da lingüística contemporânea e dividiu as

teorias conhecidas em sua época em dois grandes grupos ou, como ele mesmo

denominou, em “[...] linhas mestras do pensamento filosófico e lingüístico dos

tempos atuais”: o subjetivismo idealista, representado principalmente por Humboldt,

e o objetivismo abstrato, que tem Saussure como seu principal representante:

[...] na filosofia da linguagem e nas divisões metodológicas correspondentes da lingüística geral, encontramo-nos em presença de duas orientações principais no que concerne à resolução de nosso problema, que consiste em isolar e delimitar a linguagem como objeto de estudo específico. Isto acarreta, por suposto, uma distinção radical entre duas orientações para todas as demais questões que se colocam em lingüística. Chamaremos a primeira orientação de ‘subjetivismo idealista’ e a segunda de ‘objetivismo abstrato’ 8(BAKHTIN, 2004, p. 72).

Assim, Bakhtin (2004) critica essas duas orientações e concebe a língua no seu

contexto vivencial, pois o falante da língua não está interessado na palavra “fria” do

dicionário, mas nas palavras que integram os diferentes enunciados nos variados

contextos lingüísticos em que está inserido. Ele critica a separação da língua da

realidade em que ela é criada e considera um erro grosseiro do objetivismo abstrato

(estruturalismo) separar a língua do seu caráter ideológico e vivencial. Para ele:

[...] a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. É assim que compreendemos as palavras e somente reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida. (BAKHTIN, 2004, p. 95).

Dessa maneira, ele apresenta a interação verbal como realidade fundamental da

língua, cuja característica principal é o dialogismo, pois, segundo o autor, toda

enunciação é um diálogo que participa de um processo de comunicação ininterrupto.

Dessa forma, são as interações verbais entre as pessoas que vão determinar o

conteúdo do enunciado. Portanto, o enunciado tem uma natureza social, dialógica, e

uma ligação profunda com a vida.

8 Texto de 1929.

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Em síntese, Bakhtin postula uma concepção da língua que leva em consideração a

relação dela com a vida, pois, para ele, não é possível separar a língua do fluxo da

comunicação verbal. Nesse sentido, a língua não pode ser vista como um “produto

acabado”, como prega o estruturalismo (objetivismo abstrato). Como Bakhtin,

acreditamos que a língua não é “[...] constituída por sistema abstrato de formas

lingüísticas e nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico

da sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal” (BAKHTIN, 2004,

p. 123).

Desse modo, entendemos que a língua não pode ser vista como um sistema

abstrato “ideal”, que não consegue apreender uma situação real, isto é, o contexto

no qual ela é criada e recriada, um contexto heterogêneo, multifacetado e

contraditório, que expressa a natureza humana, que é política, social, histórica,

ideológica e cultural. Também como Bakhtin, vemos a linguagem como constitutiva

da consciência humana e constituída nas interações verbais. Sendo assim, a

linguagem não é “algo” natural, uma faculdade humana inata, mas uma construção

social e histórica do homem. Nesse sentido, não vemos a linguagem como uma

propriedade inata, mas como um produto das atividades sociais.

4.3 SOBRE A ABORDAGEM METODOLÓGICA

Vigotski (2000) falando sobre o método instrumental ou histórico-genético de

investigação que serviu de base para ele e seus colaboradores nas pesquisas em

que buscava compreender como ocorria o desenvolvimento das funções

psicológicas superiores, ou seja, como se dava o desenvolvimento cultural da

criança, afirma que, em qualquer área de investigação, se começa pela busca ou

pela construção de um método. A busca de um método ou a elaboração de um

método é uma das tarefas de maior importância da investigação, pois, segundo ele,

a escolha ou a elaboração do método deve ser adequada ao objeto que se estuda.

A Psicologia até então, segundo Vigotski (2000), era dominada por uma

compreensão naturalista do homem e utilizava sempre o esquema estímulo-resposta

para realizar as suas investigações. Esse esquema tem como princípio a

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estimulação do comportamento humano com o objetivo de estudar, analisar e

descrever as reações que ocorrem induzidas pelo estímulo. Ao privilegiar uma

abordagem naturalista, de acordo com esse autor, a Psicologia desconsidera o

ponto de vista histórico e social do comportamento humano e, assim, não dá conta

de compreender como se desenvolvem as funções psicológicas superiores,

focalizando as funções psicológicas elementares.

Vigotski e seus companheiros, em suas investigações, construíram um método

fundado no materialismo histórico e dialético, com a finalidade de estudar as

funções psicológicas superiores. O denominado método instrumental ou histórico

genético parte do pressuposto de que a compreensão do desenvolvimento cultural

da criança só é possível por meio de uma abordagem da história desse

desenvolvimento. Conforme o autor, esse método pode utilizar instrumentos

técnicos, como a observação e a experimentação. A observação possibilita ao

pesquisador a análise dos processos psíquicos na práxis. A experimentação é

apontada por Vigotski (2000) com limites. Por isso, considera que sempre devemos

nos indagar como acontece um processo de desenvolvimento que foi observado e

analisado por meio da experimentação na vida real ou na práxis.

O método é, para Vigotski (1931-2000, p. 47), “[...] al mismo tiempo premisa y

producto, herramienta y resultado de la investigación”. Fundamentada nessas

questões apontadas por Vigotski (2000), apresentaremos, a seguir, o caminho que

percorremos para o estudo do objeto que elegemos para esta pesquisa, o trabalho

com a linguagem oral na Educação Infantil. Concordamos com Vigotski (2000), pois

o trabalho de pesquisa nos mostrou que, mesmo tendo escolhido/construído uma

metodologia que nos serviu de ferramenta, ela é também o resultado deste trabalho.

Desse modo, este estudo se fundamenta nos pressupostos teórico-metodológicos,

no campo da Psicologia, da Psicologia Histórico-Cultural e, no campo da linguagem,

na perspectiva bakhtiniana. As concepções de sujeito, sociedade, ciência e

linguagem desses autores estão na base da construção deste trabalho. Por isso, à

medida que descrevermos como foi o percurso do trabalho, destacaremos alguns

aspectos dessas perspectivas que nos serviram de apoio, quando estivemos

inserida no campo de pesquisa.

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Os sujeitos da pesquisa (crianças e professores) são vistos, neste trabalho, como

sujeitos que se formam nas relações sociais, concebidos como indivíduos que vivem

em uma sociedade dividida por classes sociais com interesses antagônicos. Dessa

maneira, a nossa inserção no campo de pesquisa se deu pensando nesse sujeito

que vive nessa sociedade. Não o vemos como um sujeito passivo, mas como

alguém que participa da construção da história do seu grupo social e que, ao mesmo

tempo, se forma nas relações que nele estabelece sendo a linguagem fundamental,

porque é ela que medeia essas relações.

Nesse sentido, com base na abordagem teórica apresentada acima, buscamos

compreender como acontece o trabalho com a linguagem oral na Educação Infantil.

Como já mencionado, a linguagem tem uma importância fundamental, pois a sua

apropriação ocorre nas relações sociais e imprime suas “marcas” na consciência

humana, pois ela é, segundo Vigotski (2001, p. 486), “[...] a expressão mais direta da

natureza histórica da consciência humana”. Bakhtin (2004) coaduna com essa

perspectiva, quando assinala que a consciência só adquire forma e existência nos

signos criados por um grupo organizado no curso de suas relações.

Desse modo, a pesquisa levou em consideração essa concepção de linguagem,

buscando também não perder de vista que os sujeitos, crianças e professoras

usam/constroem e se formam por meio da linguagem. Outro aspecto com o qual

tivemos cuidado foi o fato de a pesquisa ter crianças como sujeitos. Isso apresenta

algumas especificidades que não podemos desconsiderar. Kramer (2005), ao

discutir os aspectos teórico-metodológicos da pesquisa com crianças, afirma que é

importante a busca de referenciais teóricos para a compreensão interdisciplinar,

dialógica e dialética dos processos educacionais. A autora defende que, “[...] nas

situações de pesquisa, com crianças, se coloca como fundamental analisar os

discursos, as interlocuções tanto nas entrevistas quanto em outras situações de

interação” (KRAMER, 2005, p. 55). Nesse sentido, a posição da autora evidencia

que a linguagem - discursos - produzida pelas crianças deve ser analisada a partir

da concepção de linguagem delineada no desenvolvimento deste estudo.

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A adoção dessa concepção traz vários desdobramentos para a relação entre

pesquisador e sujeitos da pesquisa. Sendo assim, em primeiro lugar, com base na

categoria básica da concepção de linguagem bakhtiniana, a interação verbal ou o

dialogismo, empreendemos esforços para estabelecer relações dialógicas com os

sujeitos da pesquisa (crianças e professoras). Nesse contexto, o pesquisador

também é um ator agindo e exercendo sua influência “[...] frente aos fatos sociais,

tem preferências, inclinações; interesses particulares; interessa-se por eles e os

considera a partir de seu sistema de valores “ (LAVILLE; DIONNE, 1999).

Portanto, na investigação, o pesquisador é alguém que observa as situações da

pesquisa e reúne “[...] dados verdadeiros e objetivos sobre as interações,

significados e regras (explícitas e implícitas), [que] estão subjacentes tanto a

subjetividade do pesquisador quanto os referenciais teóricos que disciplinam seu

olhar” (KRAMER, 2005, p. 52).

O segundo aspecto que levamos em consideração foi o desvelamento do contexto

em que os textos foram produzidos, pois a enunciação constrói-se nas relações

sociais. Por isso, citaremos algumas questões referentes ao contexto da produção

dos textos apresentadas por Kramer (2005), que utilizamos como base para a

apresentação dos textos produzidos pelos sujeitos durante a pesquisa:

[...] - as condições de produção do discurso; - o lugar social do pesquisador (posição de onde fala/escuta); - as marcações de idade, gênero, classe social, etnia, tamanho; - as interações, falas, ações, diálogos, movimentos; - o(s) gênero(s) discursivo(s) produzido(s), os modos de produção (KRAMER, 2005, p. 55).

Conforme recomenda Kramer, buscamos destacar as condições de produção dos

discursos, apresentando os elementos que garantam a contextualização das falas,

contribuindo, assim, para o delineamento do cenário das produções.

Dessa forma, reconhecendo a relevância desses pressupostos para a compreensão

das situações enunciativas na Educação Infantil, recorremos aos sentidos

produzidos nessas atividades, procurando analisar a realidade, levando em

consideração a relação sujeito-objeto, mas privilegiando as relações

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comunicativas/dialógicas que ocorreram entre os sujeitos. Para isso, alguns estudos

sobre a abordagem qualitativa de pesquisa em educação, como os realizados por

Sarmento (2003), Kramer (2002), Lüdke e André (1986) e Laveville e Dione (1999),

nos ajudaram no delineamento do percurso da investigação apontando os aspectos

metodológicos que fundamentaram nossa inserção em uma instituição educativa

infantil.

Conforme Laveville e Dione (1999), as ciências humanas foram influenciadas desde

muito cedo pelo paradigma positivista. Nesse contexto, acreditava-se na

possibilidade de decompor os fenômenos educacionais em suas variáveis básicas,

cujo estudo analítico, e se possível quantitativo, levaria ao conhecimento total

desses fenômenos. No entanto, no decorrer do tempo e com o desenvolvimento de

outras abordagens no campo das ciências humanas e sociais, percebeu-se os

limites desse modelo, suas ambigüidades e inadequações aos estudos do ser

humano. De acordo com Lüdke e André (1986), essa abordagem não dava conta de

todos os fenômenos educacionais. Dessa maneira, para

[...] responder às questões propostas pelos atuais desafios da pesquisa educacional, começaram a surgir métodos de investigação e abordagens diferentes daqueles empregados tradicionalmente. As questões novas vinham, por um lado, de uma curiosidade investigativa despertada por problemas revelados pela prática educacional. Por outro lado, elas foram fortemente influenciadas por uma nova atitude de pesquisa que coloca o pesquisador no meio da cena investigada, participando dela e tomando partido na trama da peça (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 11).

Assim, o pesquisador tem a oportunidade de observar o fenômeno de maneira mais

intensiva e, desse modo, ter o contato com o maior número de situações em que ele

se manifesta. Entre as várias formas que pode assumir a pesquisa qualitativa,

destacam-se: [...] a pesquisa do tipo etnográfico e o estudo de caso. Ambos vêm ganhando crescente aceitação na área de educação, devido principalmente ao seu potencial para estudar as questões relacionadas à escola (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 11).

Assim, o estudo de caso foi a metodologia escolhida para o desenvolvimento deste

trabalho, pois é uma abordagem metodológica que reúne características que

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atendem ao foco da pesquisa. O estudo de caso é apontado por Merriam (apud

BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 89) como a “[...] a observação detalhada de um

contexto, de um indivíduo, de uma única fonte de documentos ou de um

acontecimento específico”. Para Sarmento (2003, p. 139),

[...] os estudos organizacionais da escola, não dominados por modelos estatístico-experimentais, têm vindo a encontrar no estudo de caso condições de realização investigativa que favorecem o desenvolvimento de diferenciadas vias teóricas e metodológicas.

Também de acordo com Sarmento (2003), a escolha do estudo de caso como

estratégia investigativa não significa, necessariamente, a filiação a um determinado

paradigma, pois essa estratégia possibilita a investigação pluriparadigmática. Em

suma, o estudo de caso permite a observação detalhada de um contexto e a sua

utilização como estratégia investigativa não representa a associação direta a um

determinado paradigma, o que possibilita sua utilização por diferentes concepções

teóricas. Neste caso, foi utilizado para um estudo orientado pela perspectiva

Histórico-Cultural. Portanto, foi uma estratégia investigativa que respondeu à

expectativa deste estudo, que analisou e descreveu o trabalho com a linguagem oral

em classes de crianças de dois a seis anos da Educação Infantil de uma instituição

pública do município de Vitória, apontando as situações enunciativas em que

ocorreram. Além disso, escolhemos o estudo de caso porque esse procedimento

investigativo “[...] apresenta a plasticidade suficiente para que, sendo utilizado de

forma tão diferenciada, possa permanecer como poderosamente presente na base

de alguns dos mais importantes contributos para o estudo das escolas”

(SARMENTO, 2003, p. 137).

Sarmento (2003) aponta também, nesse contexto, as dimensões paradigmáticas da

investigação. Para ele, os paradigmas têm um fundamento epistemológico que se

baseia em concepção relativamente estabilizada sobre o sujeito, o objeto e as

relações entre sujeito e objeto do conhecimento. Essa questão já foi discutida no

início deste capítulo, quando apresentamos alguns itens relacionados com a teoria

Histórico-Cultural que fundamentam esta pesquisa. No entanto, a discussão que

Sarmento (2003) faz sobre os paradigmas positivista, interpretativo e crítico,

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sobretudo o paradigma crítico, interessa-nos porque apresenta algumas questões

que são relevantes para este estudo.

O paradigma crítico, segundo Sarmento (2003, p. 143), “[...] procura articular a

interpretação empírica dos dados sociais com os contextos políticos e ideológicos

em que se geram as condições da ação social”. Nesse contexto, o autor apresenta

alguns pressupostos que orientam esse paradigma. O primeiro pressuposto citado

por Sarmento (2003) mostra que a “[...] análise organizacional da ação educativa é

uma ciência que renuncia à lei universal, distancia-se da preocupação exclusiva com

as regularidades e recusa uma orientação normativa” (SARMENTO, 2003, p. 145). O

autor denominou esse aspecto de pressuposto da singularidade, porque situa a

pesquisa no contexto escolar como a ciência das diferenças.

Com relação ao segundo pressuposto, foi denominado por Sarmento (2003)

pressuposto da intersubjetividade, definido como a “[...] possibilidade de um diálogo

atento aos reflexos da voz do outro na sua própria voz” (SARMENTO, 2003, p. 148).

As interações comunicativas formam o terceiro pressuposto epistemológico

desenvolvido pelo autor. Esse pressuposto refere-se à natureza lingüística da

investigação; são as interações comunicativas que levam em consideração a

linguagem verbal e a linguagem não-verbal, elementos fundamentais para a

compreensão dos contextos pesquisados.

A reflexividade metodológica é o quarto pressuposto discutido por Sarmento (2003).

Esse princípio aponta o “[...] momento em que se interroga o sentido do que se vê e

por que se vê e se acrescenta o escopo do campo de visão a um olhar-outro,

coexistente no investigador” (SARMENTO, 2003, p. 151). Nesse sentido, o

investigador não apenas realiza a pesquisa, mas também faz parte da investigação,

por isso é importante que o pesquisador realize constantemente uma auto-análise,

interrogando os sentidos do que observa.

Assim, atenta a esses princípios metodológicos que, certamente, estiveram

envolvidos no estudo de caso que realizamos, descreveremos, a, seguir os

instrumentos metodológicos que utilizamos. Lembramos que o estudo de caso pode

tomar diferentes instrumentos de pesquisa e, dessa forma, a coleta de dados

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ocorreu por meio da observação participante nas classes de crianças de dois a seis

anos da Educação Infantil de uma instituição pública de ensino. Os registros da

observação foram feitos no diário de campo. Além disso, negociamos com a

instituição a possibilidade de filmar e fotografar9 as aulas que observamos.

Escolhemos uma escola pública pelo fato de ela ser mais representativa da situação

educacional no Brasil.

Com relação à escolha da observação do tipo participante, concordamos com

Woods (apud SARMENTO, 2003, p. 160), quando assinala que “[...] não há modo de

realizar a observação dos contextos de ação que não seja participante”. Nesse

sentido, o nível da participação pode variar, aponta Sarmento (2003), de acordo com

a inserção do pesquisador, que pode ser como um simples observador (com um

mínimo de interferência) ou como sujeito de ação, cuja interferência é significativa.

Sarmento (2003) chama a atenção para algumas questões que envolvem a

observação participante:

a) a presença de um pesquisador na escola introduz um cenário de

complexificações;

b) a observação pode ser interpretada pelos professores e por outros atores

educativos como a avaliação das práticas, fato que afeta as condições

colaborativas da investigação. Nesse sentido, as ações organizacionais,

pedagógicas e as entrevistas podem assumir a perspectiva do investigador.

Para superar essas dificuldades, Sarmento (2003) sugere a vivência de um processo

de “familiarização” que significa afirmar o investigador como mais um de nós, ou

seja, a inserção do investigador deve ocorrer da forma mais natural possível, a ponto

de tornar-se mais um integrante do grupo. Para isso, sugere algumas atividades que

possibilitam esse tipo de inserção, por meio de tarefas práticas, tais como:

Monitorar grupos de alunos no seu primeiro contato com o computador, ensaiar uma curta representação teatral numa atividade sobre prática da língua, escrever um artigo para a publicação da escola, ajudar a montar uma exposição, acionar a aparelhagem

9 É importante ressaltar que pedimos autorização aos sujeitos da pesquisa para a utilização das suas imagens.

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sonora para uma atividade de projeto, intervir junto à Câmara Municipal para garantir alguns apoios, ajudar a tirar fotocópias ou colaborar nas filmagens de uma atividade – eis alguns exemplos de uma participação que nos pode fazer gostosamente redescobrir a alegria de nos sentirmos ‘mais um’ (SARMENTO, 2003, p. 161).

Conforme a orientação de Sarmento (2003), buscamos vivenciar a observação

participante por meio de um processo de “familiarização”, procurando participar de

atividades desenvolvidas pela escola, o que nos possibilitou uma inserção “natural”,

vivenciando esse momento “[...] como uma oportunidade de ajudar modestamente a

construir, ao mesmo tempo, que a interpretar, os mundos de vida de alunos(as) e

professores (as) na escola” (SARMENTO, 2003, p. 161).

Outro instrumento que utilizamos para a coleta de dados foi a entrevista com os

professores, as crianças e a equipe pedagógica, com o objetivo de caracterizar

esses sujeitos. No entanto é importante ressaltar que, da mesma forma que a

observação participante, “[...] as entrevistas de investigação podem constituir um

espaço opressivo para os entrevistados” (BOURDIEU, apud SARMENTO, 2003, p.

162). Por isso, as entrevistas foram realizadas após o processo de familiarização e,

portanto, da tentativa de construção do sentimento de éramos “mais um”. Em

consonância com esse processo de “familiarização”, realizamos, além das

entrevistas formais, as “conversações” cotidianas com os sujeitos da pesquisa, para

que eles pudessem expressar suas opiniões a respeito do tema investigado.

4.3.1 O processo de inserção em campo e coleta de dados

Conforme levantamento apresentado no APÊNDICE H, o estudo foi realizado

durante o ano letivo de 2006, tendo início no dia 29 de maio, e sua finalização no dia

13 de dezembro. Durante 51 dias, estivemos presente nas turmas de Berçário II,

Maternal, Jardim I e Pré,10 e ficamos aproximadamente um mês em cada sala. As

observações eram feitas duas a três vezes por semana, seguindo a organização das

10 É necessário enfatizar que, apesar de a investigação ter sido realizada apenas em quatro turmas (Berçário II, Maternal, Jardim I e Pré), a idade das crianças variava de dois anos a seis anos (conforme Tabela 1 do APÊNDICE I).

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atividades letivas em sala de aula, resultando um total médio de 200 horas de

observação participante.

Escolhemos, como dito, uma instituição educativa pública para a realização do

estudo. Como a pesquisa deveria ser realizada em classes de crianças de dois,

três, quatro, cinco e seis anos de idade, todos os professores da instituição

deveriam concordar com a presença da pesquisadora em sala de aula. Nesse

contexto, foram contactadas duas escolas da Educação infantil da Rede Municipal

de Vitória. A opção pela Escola 2 justificou-se pelo fato de as professoras

concordarem em participar da pesquisa. Entretanto, nessa instituição, no turno

matutino, existiam apenas classes de dois, três, cinco e seis anos. Desse modo,

realizamos o trabalho nas classes de crianças com essas idades.

Tendo a autorização das professoras para a realização da pesquisa em suas

respectivas salas de aula, encaminhamos à Secretária Municipal de Educação de

Vitória um requerimento solicitando a permissão para a realização da pesquisa na

unidade de ensino Infantil que escolhemos. Enquanto isso, fizemos as primeiras

aproximações com o dia-a-dia da escola que se deu por meio de conversas

informais com os profissionais que concordaram em participar da pesquisa. No dia 5-

6-2006, a Secretaria Municipal de Educação (SEME) autorizou a realização da

pesquisa. Assim, oficializamos a nossa entrada na escola por meio do protocolo de

pesquisa que inclui os documentos dos APÊNDICES A e B. Dessa forma, de posse

das autorizações da SEME, da escola e das professoras envolvidas, inserimo-nos

em campo, tendo clareza do desafio que tínhamos pela frente, que era a

compreensão de como se dava o trabalho com a linguagem oral naquela unidade de

ensino. De acordo com Lüdke e André (1986, p. 27),

tendo determinado que a observação é o método mais adequado para investigar determinado problema, o pesquisador depara ainda com uma série de decisões quanto ao seu grau de participação no trabalho, quanto à explicitação do seu papel e dos propósitos da pesquisa junto aos sujeitos e quanto à forma da sua inserção na realidade.

Apresentamos aos sujeitos da pesquisas os nossos objetivos de estudo naquela

realidade. A partir daí, nos envolvemos no cotidiano das salas de aula,

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demonstrando interesse pelas questões que apareceram nessas realidades.

Conforme proposto por Sarmento (2003), buscamos vivenciar um processo de

familiarização, ou seja, realizar a nossa inserção nas salas de aula da maneira mais

natural possível, tentando, com o tempo, tornar-nos mais um integrante do grupo.

Para isso, procuramos contribuir com o trabalho desenvolvido pelas professoras nas

salas de aula. Um exemplo do envolvimento foi quando uma das professoras do

berçário não compareceu à escola para realizar o trabalho e, nesse momento, nos

oferecemos para ajudar a professora que ficou sozinha com muitas crianças

pequenas e precisava de ajuda para a realização das atividades. Uma situação

semelhante ocorreu na turma de Maternal quando a estagiária que era ajudante da

professora faltou. Além disso, em alguns momentos, a professora da turma de

Maternal nos pediu que lêssemos histórias para as crianças.

Segundo Lüdke e André (1986), a observação participante tem recebido algumas

críticas. A principal delas é o fato de a inserção do pesquisador provocar mudanças

na realidade que está sendo observada. No entanto, de acordo com as autoras,

essas críticas têm sido refutadas por pesquisadores, como Guba e Lincoln (1981),

que apontam que as críticas partem dos “objetivistas” que defendem que as

pesquisas não devem utilizar metodologias que fazem uso da experiência direta.

Com relação à inserção do pesquisador em campo, eles argumentam que os

ambientes sociais são relativamente estáveis e, assim, a presença do pesquisador

não provoca mudanças bruscas nesses ambientes e, mesmo que provoquem, isso

não é tão importante diante de uma inserção mais prolongada numa instituição.

Nesse sentido, realizamos a observação com bastante cautela para evitar que o

nosso trabalho na sala de aula fosse entendido como uma espécie de avaliação da

prática pedagógica. Por isso, estivemos atenta a essas especificidades da

observação participante, levando em conta a relação objetividade/participação.

Assim, além da observação em sala de aula, recorremos a outras fontes de

informações, como entrevistas com os professores, profissionais da escola e pais

das crianças e o acesso a documentos e materiais pedagógicos da escola.

No processo de observação participante que realizamos nas salas de aula, fizemos

uso de algumas formas de registro. Começamos com as anotações em diário de

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campo que foram organizadas em arquivo do Microsoft Word, no qual foram

registradas todas as situações observadas nas salas de aula. Utilizamos também

recursos audiovisuais, como a fotografia e a filmagem. O uso desses recursos foi

acordado com os sujeitos da pesquisa por meio de autorização dos familiares.

Inicialmente, as crianças apresentavam uma certa inibição diante da filmadora.

Depois, esse método de coleta de dados tornou-se “natural” para as crianças.

Assim, elas pediam para serem filmadas, para olhar os colegas que estavam sendo

filmados e até se divertiam com as filmagens. Em um dos eventos, no qual houve

uma brincadeira organizada pela professora, cujo tema foi a realização de um

casamento na turma, as crianças nos convidaram para fazer parte da brincadeira

fazendo o papel de fotógrafo e cinegrafista daquele casamento.

Desse modo, as técnicas utilizadas para a coleta de dados, durante a observação

participante em sala de aula, nos permitiram o armazenamento de informações que

envolvem questões do desenvolvimento do trabalho pedagógico realizado pelas

professoras. Nesse contexto, tivemos também a oportunidade de observar e

registrar situações em que os sujeitos (professores e crianças) vivenciaram relações

mediadas pela linguagem oral.

Para caracterizar os sujeitos envolvidos no estudo, realizamos entrevistas com a

diretora, com a pedagoga, com as professoras e com os familiares das crianças

envolvidas no estudo. Segundo Lüdke e André (1986), a entrevista, juntamente com

a observação, representa um dos principais instrumentos da coleta de dados da

pesquisa qualitativa de pesquisa. Sua principal vantagem, para as autoras, é o fato

de esse instrumento permitir captar, de maneira rápida e corrente, a informação que

se deseja.

Realizamos as entrevistas por meio de roteiros semi-estruturados, conforme

apêndices. Esse instrumento de coleta de dados foi muito importante para este

estudo, porque possibilitou conseguir informações para a caracterização da escola e

dos sujeitos da pesquisa. Conforme Lüdke e André (1986, p. 35),

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[...] ao lado do respeito pela cultura e pelos valores do entrevistado, o entrevistador tem que desenvolver uma grande capacidade de ouvir atentamente e de estimular o fluxo natural de informações por parte do entrevistado. Essa estimulação não deve, entretanto, forçar o rumo das respostas para determinada direção. Deve apenas garantir um clima de confiança, para que o informante se sinta à vontade para se expressar livremente.

Considerando as discussões de Lüdke e André (1986), as entrevistas foram

realizadas depois de um certo tempo de convívio com os sujeitos da pesquisa,

quando percebemos que o grupo havia nos aceitado como um de seus integrantes.

Tomamos esse cuidado para que os sujeitos ficassem à vontade e, dessa maneira,

não se sentissem avaliados durante a entrevista.

Outro instrumento que utilizamos neste estudo foi a coleta de informações por meio

de documentos e materiais pedagógicos. Esse instrumento também contribui para a

contextualização do fenômeno em estudo, à medida que constitui

[...] uma fonte poderosa de onde podem ser retiradas evidências que fundamentem afirmações e declarações do pesquisador. Representam ainda uma fonte ‘natural’ de informação. Não são apenas fonte de informação contextualizada, mas surgem num determinado contexto e fornecem informações sobre esse mesmo contexto (LÜDKE; ANDRÉ, p. 1986, p. 39).

Assim, conforme defendem as autoras, a coleta de informações por meio da análise

de documentos e materiais pedagógicos nos interessaram, porque apresentam

dados sobre o fenômeno estudado e sua vinculação com os contextos: institucional,

sociopolítico e cultura. Finalmente, o uso dessas diferentes técnicas de coleta de

dados (observação participante, entrevistas e análise de documentos) possibilitou a

análise das práticas com a linguagem oral na instituição de educação infantil

pesquisada. As informações que coletamos, por meio dessas técnicas, nos

permitiram pensar as pessoas que integram o contexto pesquisado, tal qual sugere

Bakhtin (2000, p. 341):

A ação do homem deve ser compreendida como um ato; ora, o ato não pode ser compreendido fora do signo virtual (reconstruído por nós) que o expressa (motivações, finalidades, estímulos, níveis de consciência). É como se fizéssemos o homem falar (construímos suas asserções essenciais, suas explicações, suas confissões, suas

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confidências, levamos a cabo um discurso interior potencial ou real, etc.).

Dessa maneira, nossa inserção em campo de pesquisa permitiu, juntamente com os

sujeitos da pesquisa, a vivência de diferentes “atos”. Pois, assim como Bakhtin

(2000, p. 341), acreditamos que o estudo se torna interrogação e troca, ou seja,

diálogo, na medida em que “[...] interrogamos a nós mesmos, e nós, de certa

maneira organizamos nossa observação ou nossas experiências a fim de obtermos

uma resposta”.

4.3.2 A instituição escolar

Para caracterizar a escola, utilizamos como referência as anotações feitas nos

formulários que foram usados nas entrevista com a diretora (APÊNDICE C). A

entrevista realizada com a diretora foi muito importante para a caracterização da

escola. Ela foi muito gentil e permitiu que filmássemos a entrevista. A partir das

suas declarações, pudemos realizar a caracterização da escola. A escola não tinha

o seu Projeto Político-Pedagógico, por isso, o documento que recolhemos na escola

foi o Plano de Trabalho Anual. Além disso, nossas observações em campo foram

fundamentais para fazer o delineamento do perfil da escola pesquisada. A descrição

que faremos a seguir leva em consideração os seguintes aspectos: localização,

histórico, espaço físico, rotina escolar, organização administrativa e pedagógica e o

trabalho com a linguagem oral no contexto da instituição de Educação Infantil.

A escola onde o estudo foi realizado integra o Sistema Municipal de Ensino de

Vitória, capital do Espírito Santo. Fica num bairro de classe popular entre os morros

de São Benedito e Penha. A região é urbanizada com um intenso comércio e de fácil

acesso a outras regiões. Próximo a essa instituição de ensino infantil, há um caíque,

onde funciona uma escola de Ensino Fundamental. A comunidade onde a escola

está inserida conta, como principal opção de lazer, com um importante parque do

município de Vitória, o Horto de Maruípe, além de comércio e uma grande unidade

de saúde particular da Capital do Estado.

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Como já mencionado, a diretora da escola, por meio de entrevista semi-estruturada

(gravada em vídeo e transcrita), relatou como a instituição foi criada. Essa entrevista

foi fundamental para compreendermos várias questões sobre a instituição onde

realizamos a pesquisa. Assim, no relato sobre a história do CMEI, utilizaremos vários

trechos da entrevista. Sol, 11 no texto a seguir, ela diz em que circunstâncias a

instituição foi criada:

[...] na verdade o que que aconteceu... eu era professora do CMEI Rub que fica localizado

no alto Itararé... né? atende mais proximamente a essa comunidade do alto aqui... São

Benedito... Bairro da Penha...e é uma comunidade que existe uma demanda muito grande

por vagas... o CMEI tinha assim... listas eNORmes de espera... de crianças que não

conseguiam ser contempladas pelas vagas que a escola oferecia...muita... a

maioria...sempre tivemos um número muito grande na faixa etária menor...berçário um...

berçário dois... sempre foi a grande procura... essas listas então dessas turmas eram

infinitas... durante o ano todo... sempre muito grande... e aí... com isso... houve um

movimento da comunidade para a ampliação dessas vagas... né? entrou um... teve

interferência de um vereador que inclusive é do bairro... morador aqui debaixo... de

Itararé...e::: pensaram-se... pensou-se em ampliar... mas como ampliar a escola lá já era

imenso... é uma escola muito grande... eles têm quatorze turmas...

Conforme a fala da diretora, a escola surgiu como resposta a uma reivindicação da

comunidade que não conseguia vagas para seus filhos no único CMEI do bairro.

Houve uma mobilização da comunidade, liderada por um vereador residente naquela

região que levou à Prefeitura de Vitória a demanda de ampliação do número de

vagas para o atendimento das crianças daquela região. Nesse contexto, a escola

surge como um anexo do CMEI que havia naquela região. A Prefeitura alugou uma

casa em uma área distante daquele CMEI e fez as adaptações necessárias para a

instalação da escola. Convidou Sol, uma das professoras mais antigas do CMEI

Rub, para coordenar o trabalho que seria desenvolvido naquela instituição. Sol conta

as dificuldades que enfrentou para organizar a escola:

11 De acordo com protocolo de pesquisa, não utilizaremos os verdadeiros nomes dos sujeitos e sim as iniciais dos seus nomes, garantindo, assim, o sigilo que foi prometido aos participantes.

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[...] ih... hoje... assim em vista do que eu enfrentei aqui... porque eu peguei este espaço

vazio...me entregaram as chaves... uma casa... né?.... essa estrutura a Prefeitura aqui...

Secretaria de Obras já tinha vindo e feito as adaptações... algumas das adaptações que tem

até hoje...né... assim que terminaram me entregaram a chave e eu vim pra cá sem nada... e

sem dinheiro... sem uma conta bancária...que normalmente as escolas tem né pra ta

comprando o que for possível...ih... fui atrás para gente conseguir montar da melhor forma

aquilo que dava...não era o ideal... mas era o que era o que possível naquele momento...

então assim... hoje a escola já foi criada... foi toda legalizada...hoje através de assembléia

com os pais foi escolhido o nome... The... porque até então era conhecido como anexo do

Rub...

Como vimos na fala da diretora, a escola foi montada numa casa alugada, um

espaço que não havia sido construído com essa finalidade. A Secretaria de Obras se

encarregou de fazer as adaptações e entregou as chaves para a professora Sol, que

seria a coordenadora da escola, para que ela mobiliasse e organizasse a escola.

Para mobiliar a escola, ela nos contou que teve ir aos depósitos da Prefeitura, locais

onde eram colocados os móveis que as escolas não queriam mais. Nas visitas que

realizava a esses depósitos, ela “garimpava” aquilo que estava em condições de ser

reutilizado. Assim, conforme relato de Sol, a escola sempre teve carências com

relação aos recursos físicos e materiais para o desenvolvimento do trabalho

pedagógico:

[...] então a maioria das coisas que a gente tem até hoje aqui foi conquistado dessa forma...

a gente ainda tem problema com máquina copiadora né?... que é reaproveitada... a gente

nunca teve uma nova pra cá... pra gente conseguir um computador foi muito difícil... a gente

trabalhava sem computador... sem xerox... sem aparelho de fax...coisas assim que

dificultavam muito o dia...a...dia... da escola...e... mesmo com todas as dificuldades a gente

tava ali sempre tentando apresentar o melhor trabalho possível...

A diretora nos relatou outras dificuldades que enfrentou. Segundo ela, durante muito

tempo, a escola foi esquecida pela SEME, as informações chegavam apenas ao

Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) a que a escola estava ligada como um

anexo e não eram repassadas para ela. As vagas para cursos, por exemplo, que

eram oferecidas aos profissionais. Raramente chegavam a escola, pois eram

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preenchidas pelos profissionais do CMEI. A escola era considerada um anexo.

Além disso, os profissionais da Secretaria de Educação entendiam a escola como

um anexo, no sentido de estar próximo ao CMEI. Assim, faziam deliberações

levando em consideração esse aspecto. Porém as duas escolas ficam muito

distantes e isso trazia muitas dificuldades, conforme nos relata a diretora:

[...] isso dificultava algumas coisas pra gente porque... por exemplo... quando você ia

solicitar alguma coisa junto a Seme... ou até de alguma outra secretaria... eles interpretavam

que o anexo era alguma coisa anexa mesmo... quando na verdade e não era...então

pensavam assim como deve junto então dá para atender... e não era...porque é uma

distância grande desse local pra outro... então algumas coisas complicava.

No ano de 2006, ano em que realizamos a pesquisa, a escola havia conquistado sua

autonomia. Por meio de uma assembléia com os pais dos alunos, escolheu-se o

nome da escola, formou-se o Conselho de Escola e, nesse mesmo ano, a diretora e

a pedagoga estavam organizando o processo para a criação do caixa escolar.

Entretanto as dificuldades de ordens física e material permaneceram, pois a

instituição continuou a funcionar em um espaço improvisado.

No ano da realização do estudo, a escola atendia a um total de 208 alunos divididos

em 12 turmas, seis no período matutino e seis no período vespertino. Conforme

histórico da instituição relatado pela diretora na época, vimos que a escola foi

fundada com o objetivo de atender, de forma emergencial, às crianças que não

conseguiam vagas no CMEI daquela região. Por isso, não houve a construção de

um espaço adequado para o seu funcionamento. Dessa maneira, alugou-se uma

casa de dois andares. No primeiro, funcionava, no turno matutino (período da

realização do estudo), a sala do Berçário II e duas turmas de Maternal. Além da

cozinha e do refeitório, tinha também um banheiro que atendia às crianças das três

turmas. O quintal da casa, que não era muito grande, era utilizado como pátio.

No segundo andar, funcionava a turma do Jardim I e as duas turmas de Pré. Havia,

também, nesse andar, a sala de professores (improvisada no lugar onde seria a

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cozinha da casa). Era um espaço muito pequeno. No horário do lanche, por

exemplo, não havia espaço para todos os professores. A equipe técnica atendia na

sala, onde ficava a secretaria e, logo ao lado, funcionava a sala da direção. Nesse

andar, também havia uma sala ambiente com televisão, vídeo, DVD, uma pequena

estante com livros e uma arara com roupas feitas com TNT que as professoras

utilizavam para fazer dramatizações com os alunos. Assim era o espaço onde as

crianças assistiam a vídeos e liam livros.

Apesar das dificuldades por causa do espaço “adaptado” para a realização do

trabalho pedagógico, percebemos, durante o período em que realizamos a

observação, um grande esforço por parte dos profissionais da escola para organizar

o trabalho de maneira a proporcionar o bem-estar das crianças que eram recebidas

pela instituição.

Nos períodos de lazer e das refeições, a rotina escolar era marcada por vários

intervalos que ocorriam de maneira bastante organizada. No turno em que o estudo

foi realizado, as atividades iniciavam-se às 7h, com a chegada das crianças que

eram encaminhadas às salas de aulas. Como o refeitório era muito pequeno, as

crianças eram divididas para realizar as refeições oferecidas pela escola. Desse

modo, às 7h20min, as crianças das turmas do Berçário II e Maternal eram

encaminhadas ao refeitório, onde, até as 7h40min faziam o seu lanche. Às 7h40min

era a vez das crianças das turmas do Jardim e do Pré. As turmas do Berçário II e

Maternal almoçavam no período das 10h20min às 10h40min. Já as turmas de jardim

e pré almoçavam no horário das 10h40min às 11h20min.

A escola não possuía parquinho. Tinha apenas uma casinha e um minhocão no

pátio. As crianças tinham um horário reservado para ir ao pátio, no qual os alunos

realizavam atividades recreativas (cerca de 45 minutos aproximadamente todos os

dias). A ida ao pátio acontecia em diferentes momentos para cada faixa etária e, em

alguns momentos, as professoras desenvolviam atividades com os alunos, mas, na

maioria das vezes, elas ficavam livres para brincar. Por causa do tamanho do pátio,

algumas atividades, como jogar bola, eram quase impossíveis. As declarações da

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diretora da escola apontam uma realidade que não é só da escola na qual este

estudo foi feito, mas uma realidade do Brasil.

4.3.3 As salas de aula

Para realizarmos a caracterização do espaço de trabalho nas salas de aula,

tomamos por referência os indicadores escritos no roteiro do APÊNDICE D e as

nossas anotações no diário de campo, realizadas no decorrer da observação

participante em salas de aula.

Conforme explicitado, para a realização da pesquisa, fizemos observação

participante em quatro salas de aula. A primeira sala em que nos inserimos foi a sala

do Berçário II. Posteriormente, fizemos as observações nas turmas de Maternal,

Jardim e Pré. Desse modo, faremos uma caracterização geral das salas de aula,

destacando os aspectos que são mais relevantes para a compreensão do contexto

da realização do estudo.

A classe do Berçário II (Foto 1) tinha, no período da realização da observação

participante, 17 crianças. A sala de aula ficava no andar térreo da casa. As paredes

não eram azulejadas, as partes inferiores eram pintadas com tinta óleo num tom

amarelo claro. Na sala de aula, não havia banheiro para os alunos, como é indicado

para as crianças dessa faixa etária. Desse modo, as crianças utilizavam o banheiro

que ficava no corredor e servia para as três turmas que ficavam naquele andar. A

sala de aula tinha uma pequena estante, onde ficavam os livros que as crianças

utilizavam, além de um armário para guardar os materiais das professoras e uma

mesa que as professoras usavam para fazer suas anotações. Na parte esquerda da

sala de aula, as professoras montaram um painel, onde faziam a exposição dos

trabalhos realizados pelas crianças. Também havia ganchinhos na parede, onde

eram colocadas as mochilas dos alunos.

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Foto 1 – Sala da Turma 1

A turma do maternal tinha 15 alunos. No período da realização da observação,

também funcionava na parte térrea da casa. A sala ficava próxima do banheiro

desse andar da casa. Como as outras salas da escola, ela também tinha pouco

espaço para a realização do trabalho. Além disso, havia duas janelas com vista para

o pátio (quintal). Assim, de vez em quando, a professora fechava as janelas, porque

não conseguia falar com seus alunos, por causa do barulho que as crianças das

outras turmas faziam quando estavam no pátio. Os móveis dessa sala eram: uma

estante, onde eram colocados livros para as crianças, um armário para colocar os

materiais das professoras e mesa com cadeiras pequenas para os alunos realizarem

atividades como pinturas e desenhos. Em alguns momentos presenciamos a falta de

cadeiras para as crianças. Na parede, havia ganchos para as crianças colocarem

suas mochilas e um painel onde eram fixados os seus trabalhos, um quadro de

pregas para a realização da chamada, um quadro-de-giz, onde a professora

colocava atividades dos projetos que vinha desenvolvendo com seus alunos (Foto

2).

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Foto 2- Sala da Turma 2

A falta de espaço atrapalhava o cotidiano de algumas das turmas, onde realizamos a

observação. Por exemplo, a sala onde ficava a turma de Jardim I que tinha 13

alunos e era muito pequena. As crianças não tinham espaço para brincar ou realizar

atividades, como a roda de conversa. Além disso, o banheiro das crianças do

segundo andar ficava dentro de sala. Desse modo, constantemente, os alunos de

outras turmas entravam nessa sala para usar o banheiro. Nessa sala, havia um

guarda-roupa embutido na parede (móvel deixado pelos antigos moradores da casa)

que tomava muito espaço da sala de aula. Além de tomar espaço, esse móvel não

tinha portas, fato que causava uma certa desorganização dos materiais da

professora, pois, nele, ela colocava os materiais que usava no dia-a-dia com os

alunos e os brinquedos que as crianças costumavam usar na sala. Tinha também

duas mesas para os alunos realizarem suas tarefas, quando a professora fazia

atividades com os alunos nessas mesas, não era possível se movimentar dentro da

sala de aula. Havia também, nessa sala, uma pequena estante, onde eram

colocados alguns livros para as crianças. Nas paredes, a professora fixou o cartaz

de pregas para a realização da chamada, um alfabeto que ficava em cima do quadro

de giz, os números do lado esquerdo da parede e do lado direito um varal para

colocar as atividades das crianças (Foto 3).

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Foto 3 -Sala da Turma 3

A turma do Pré A tinha dez alunos e ficava no espaço onde seria também a área de

serviço (Foto 4). Assim, as crianças conviviam constantemente com a entrada de

uma funcionária que cuidava da limpeza da escola para utilizar o tanque, a máquina

de lavar e a secadora de roupas que ficavam nessa sala. Era a sala de aula mais

ampla e arejada da escola, por isso as crianças tinham facilidade de se organizar em

grupos para brincar. Como já mencionado, nessa sala, havia um tanque, uma

máquina de lavar e uma secadora, mesas individuais e cadeiras para as crianças,

armário para guardar os materiais das professoras. Também tinha duas estantes

onde eram colocados livros para as crianças e quadro-de-giz. Nos cantos da sala,

havia baldes que as crianças utilizavam para brincar: salão de beleza (uma caixa

vidros vazios de xampu e desodorante, entre outros), computador feito com caixas

de maçã e pedaços de madeiras que as crianças usavam para montar cidades.

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Foto 4 – Sala da Turma 4

4.3.4 As crianças - sujeitos da pesquisa: relações no ambiente escolar e

familiar

Para construirmos o texto de caracterização das crianças-sujeitos da nossa

pesquisa, utilizamos os dados das tabelas que se encontram no APÊNDICE I. Essas

tabelas foram organizadas a partir das informações obtidas nas entrevistas com os

pais e das fichas de matrícula. Concordamos com Freitas (2002, p. 26), quando

afirma que

[...] os estudos qualitativos com o olhar da perspectiva sócio-histórica, ao valorizarem os aspectos descritivos e as percepções pessoais, devem focalizar o particular como instância da totalidade social, procurando compreender os sujeitos envolvidos e, por seu intermédio, compreender também o contexto.

Nesse sentido, esses dados são muito importantes para o entendimento do contexto

social das crianças envolvidas no estudo. Aspectos como idade, experiência escolar,

local de moradia, composição familiar, características socioeconômicas da família,

costumes cotidianos das crianças e suas preferências possibilitam uma proximidade

com esse contexto.

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Os índices percentuais foram calculados levando em consideração os 52 sujeitos

que participaram da pesquisa e nos possibilitaram a quantificação de aspectos que

consideramos extremamente relevantes para a construção do percurso investigativo.

Assim, conforme a perspectiva teórica que orienta este trabalho - a Psicologia

Histórico-Cultural - não podemos perder de vista as questões culturais e sociais que,

certamente, envolvem as experiências dos sujeitos em sala de aula, trazendo

marcas para o trabalho com a linguagem oral.

Conforme mencionamos, 52 sujeitos participaram da pesquisa, sendo 31 (59,6%) e

21 meninos (40,4%). De maneira geral, pudemos observar que os meninos das

turmas pesquisadas eram mais agitados que as meninas, exceto na turma de

Jardim, na qual as meninas também eram muito agitadas. Nessa turma,

especificamente, ocorriam muitas brigas entre as crianças, elas se chutavam,

empurravam, beliscavam e xingavam, gerando dificuldades para a professora na

condução das atividades que ela propunha para o grupo.

Com relação à idade, no período da realização do estudo, 14 crianças tinham entre

um ano e sete meses a dois anos e seis meses (26,9%); 18 crianças tinham entre

dois e sete meses e quatro anos e dois meses (34,6%); 9 crianças tinham entre

quatro anos e sete meses e cinco anos e seis meses (17,3%); e 11 crianças tinham

entre cinco anos e sete meses e seis anos e seis meses (21,2%). Das 52 crianças

participantes da pesquisa, 23 crianças freqüentavam a escola pela primeira vez

(44,2%) e 29 crianças já tinham experiência escolar (55,8%).

No que diz respeito ao local de moradia dos alunos, os 52 sujeitos integrantes do

estudo moravam nas seguintes regiões: 14 crianças moravam no Bairro da Penha

(26,9%); 20 crianças moravam em Itararé (38,5%); 9 crianças moravam em São

Benedito (17,3%); uma criança morava em Andorinhas (1,9%); uma criança no

Bairro Bonfim (1,9%); e 13,5% não informaram, na entrevista, o bairro onde

moravam.

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O contexto familiar12 das turmas pesquisadas apresentava as seguintes

características: 13,5% das crianças moravam apenas com os pais; 23,1% moravam

com os pais e um irmão; 9,6 moravam apenas com um dos pais; e 3,8% moravam

com um dos pais e irmão(ã), caracterizando um total de 50,0% de crianças que

constituíam famílias pouco numerosas. Constatamos que 3,8% das crianças

moravam com pais, irmãos e parentes; 15,4% residiam com pais e irmãos. Havia

também crianças que moravam com apenas um dos pais e irmãos e, dessas, 7,7%

moravam com um dos pais e irmãos e 11,5% com um dos pais, irmãos e parentes.

Dessa maneira, os dados nos apontam a predominância de famílias pouco

numerosas dos sujeitos envolvidos no estudo, fato que é explicado por fatores sócio-

históricos e econômicos que têm produzido quedas nas taxas de fecundidade.

Quanto às ocupações dos familiares, segundo a Classificação Brasileira de

Ocupações (BRASIL, 2002), do Ministério do Trabalho e Emprego, o maior índice de

ocupação dos pais (32,7%) incidiu sobre o grupo dos trabalhadores dos serviços,

vendedores de comércio, em lojas e mercados. Outros grupos com maior número de

ocupações são os trabalhadores da produção de bens e serviços industriais (25,0%)

e os trabalhadores de manutenção e reparação (11,5%); 5,8% fazem parte do grupo

que trabalha nas Forças Armadas, policiais e bombeiros militares; 15,4% não deram

informações a respeito da profissão que exercem. Os desempregados

representavam 9,6% do grupo, fato que não nos surpreende, pois o País tem na

atualidade altos índices de desemprego, mas que nos preocupa, pois revela, em

termos específicos, que as políticas em vigor não têm contribuído para garantir que

todos os cidadãos tenham direito ao meio fundamental para sua sobrevivência física

e de sua família.

No que diz respeito à ocupação das 52 mães entrevistadas, 5,7% não informaram a

ocupação; 38,5% trabalham como empregadas domésticas, o que representa um

total de 20 mães; 30,8% integram o grupo de trabalhadoras dos serviços,

vendedores do comércio em lojas e mercados, representado um total de 16 mães;

7,7% disseram que estavam desempregadas, representando um total de 3 mães;

1,9% são técnicas de nível médio; 5,8% são profissionais das ciências e das artes;

1,9% trabalha nas áreas de bens e serviços; e apenas 7,7% disseram que 12 É importante dizer que 11,6% dos 52 pais preferiram não fornecer informações sobre o assunto.

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trabalhavam somente em casa (4 mães do grupo de 52 mães), confirmando, assim,

a predominância de mães que estão inseridas no mercado de trabalho. Concluímos,

então, com relação à ocupação das mães, que elas têm um papel ativo na obtenção

de renda para o sustento de suas famílias e algumas até têm assumido sozinhas o

sustento da casa. Esse dados coadunam com os resultados da Pesquisa Nacional

por Amostra por Domicílio (PNAD) que, em 2001, apontou que 27,3% das famílias

que moram no Brasil eram chefiadas por mulheres.

A renda familiar mensal dos sujeitos envolvidos em nosso estudo, declarada na

entrevista realizada com os pais, se caracterizava por índices que giraram em torno

de um a dois salários mínimos (63,4%), três a quatro salários mínimos (21,2%),

cinco a seis salários mínimos (1,9%); 13,5% não informaram a renda familiar.Esses

dados mostraram que 44 crianças faziam parte de famílias cuja renda mensal estava

entre um a quatro salários mínimos. Tomando como referência o valor do salário

mínimo no Brasil e as formas de vida da população brasileira dos grandes centros

urbanos, tínhamos 84,6% da população pesquisada com uma renda mensal baixa;

sendo 63,4% com renda entre um e dois salários mínimos, o que mostra que a

maioria dessas famílias vive grandes dificuldades financeiras. Segundo Kramer

(2005, p. 190), “[...] é bastante preocupante o futuro das crianças brasileiras, pois a

grande maioria delas vive em famílias cujo rendimento médio não ultrapassa dois

salários mínimos, e isso dificulta o acesso às condições necessárias e adequadas

para seu desenvolvimento”.

O nível de escolarização dos pais pode ser caracterizado com base nos seguintes

índices: 7,7% (4 pais) possuíam o ensino fundamental completo; 23,1% (12 pais)

não haviam completado o ensino fundamental; 21,2 (11 pais) tinham o ensino médio

completo; 11,5% (6 pais) tinham o ensino médio incompleto; 3,8% (2 pais) tinham o

ensino superior completo; e 3,8% (2 pais) tinham o ensino superior incompleto.

Curiosamente, 28,9% (15 pais) preferiram não informar a escolaridade. Esse fato

pode indicar que esses pais têm “uma baixa escolaridade” ou “nunca estudaram”,

mas, como a maioria das pessoas se sente constrangida devido ao valor social

atribuído à educação, preferiram não informar sua escolaridade. Assim, os dados

nos mostraram que a maioria dos pais das crianças (sujeitos da pesquisa) têm baixa

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escolaridade. Apenas 11 pais do grupo dos 52 pais haviam completado o Ensino

Médio, dois pais tinham Ensino Superior e dois estavam terminando a faculdade.

Com relação ao nível de escolarização das mães, obtivemos os seguintes índices

nas entrevistas: 19,2% (10 mães) chegaram a concluir o ensino fundamental; 15,4%

(8 mães) não chegaram a concluir o ensino fundamental; 25,0% (13 mães)

concluíram o ensino médio; 7,7% (4 mães) não concluíram o ensino médio; 1,9% (1

mãe) tinha o Ensino Superior incompleto; 3,9% (2 mães) não freqüentaram escola; e

nenhuma mãe tinha curso superior. O número de mães que não informou a

escolaridade também foi alto 26,9% (14 mães). Acreditamos que pelo mesmo motivo

que os pais não informaram sua escolaridade. As mães também apresentaram uma

escolaridade baixam. Do grupo de 52 mães dos sujeitos da pesquisa, apenas 13

chegaram a concluir o Ensino Médio e uma mãe estava cursando o Ensino Superior.

Nas entrevistas que realizamos com os pais, também buscamos informações sobre

o universo sociocultural das crianças a fim de compreendermos algumas formas de

interação dos sujeitos fora do ambiente escolar. Segundo os pais, as atividades

preferidas das crianças estavam vinculadas a brincar (36,8%), assistir à televisão

(10,5%), cantar (6,6%) dentre outras. Fora do ambiente familiar, as atividades mais

citadas pelos pais foram os passeios à praia, ao parque (13,1%), as brincadeiras

(28,9). Dentre os programas de rádio e televisão preferidos das crianças, estavam

os desenhos animados (30,5%), filmes (9,5%), Programa da Xuxa (9,5%), novelas

(8,6%), Sítio do Pica-Pau-Amarelo (7,6%), DVDs (6,7%), músicas (5,7%). Além

desses, as crianças citaram alguns programas humorísticos, jogos de futebol,

programas de rádio, Fórmula 1, noticiários, Esport Car e um dos pais disse que seu

filho gostava do Programa Mais Você (por causa do Louro José). As brincadeiras

são as diversões preferidas das crianças (sujeitos da pesquisa) com 63,1%.

Finalmente, terminamos esse item retomando as questões relacionadas com a

escolaridade e o emprego dos pais das crianças-sujeitos da pesquisa. Os dados nos

mostraram que a maioria dos pais tem baixa escolaridade e grande parte dos que

estão empregados ganham de um a dois salários mínimos. Na atualidade, o “[...]

acesso ou não ao emprego aparece como dependendo da estrita vontade individual

de formação, quando se sabe que fatores de ordem macro e mesoeconômicas

contribuem decisivamente para essa situação individual” (HIRATA, apud SHIROMA;

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CAMPOS, 1997, p. 28). Desse modo, tem havido uma transferência de

responsabilidade do mercado de trabalho para o trabalhador. Apesar de vivermos,

de acordo com Paiva (1997, p. 22), uma época de “[...] perda do poder dos diplomas

decorrente da expansão quantitativa ocorrida nas duas últimas décadas”. Os dados

sobre a renda e escolaridade dos pais das crianças que participaram da pesquisa

nos mostraram que ainda existe uma relação entre empregabilidade e educação, à

medida que há, no grupo dos pais das crianças da escola onde a pesquisa foi

realizada, um número grande de pais desempregados e os que estão empregados

têm uma renda baixa (de um a dois salários mínimos). A maioria desses pais tem

baixa escolaridade.

Infelizmente, essa é a realidade da América Latina. De acordo com Severino (2000),

paga-se um preço muito alto pela modernização do Continente Latino Americano, na

medida em que a imensa maioria de sua população têm tido condições de vida

extremamente precárias, resultado da organização capitalista que tem como

principais características a dominação externa de grupos internacionais e um clima

político interno dominado pelo mandonismo das elites nacionais. E a situação do

Brasil no contexto latino-americano? Severino (2000, p. 67) afirma que a “[...]

situação particular do Brasil é pior do que a do conjunto da América Latina, que já é

péssima: os 20% mais ricos dispõem de 52,94% da renda e os 20% mais pobres, de

4,52%”. Nesse contexto, Severino (2000) ressalta que o Brasil vive um grave nível

de desumanização já que a distribuição dos bens materiais é extremamente

desigual. Assim,

[...] o país está com uma das mais altas concentrações de renda do mundo, medida pelo índice Gini13 e que se expressa da seguinte maneira: enquanto 20% mais pobres precisam disputar entre si apenas 2,5% da renda do país, os 20% mais ricos se locupletam com 63,4% ou seja, no Brasil, 30 milhões de pessoas precisam sobreviver com a pequena fatia de 2,5% e outros 30 milhões dispõem de 63,4% para o mesmo fim (SEVERINO, 2000, p. 67).

13 O coeficiente Gini é a medida dos graus de desigualdade na distribuição da renda. Segundo Severino (apud KLIKSBERG, 2000, p. 84), “[...] ele é igual a zero quando a eqüidade é máxima, a renda sendo eqüitativamente distribuída entre todas as pessoas que integram uma população. Vai de 0 a 1. Países altamente eqüitativos, como Suécia e Espanha, têm o índice Gini entre 0,25 a 0,30. A média mundial é 0,40. A média da América Latina é de 0,57, enquanto o Brasil está 0,69, após ter passado de 0,59 em 1980, para 0,63 em 1989, o que mostra a continuidade do agravamento de concentração nas últimas décadas”.

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Desse modo, as crianças sujeitos da pesquisa fazem parte da maioria da população

brasileira que integra o grupo dos mais pobres que disputam 2,5% da renda do País.

Esse dado é preocupante, porque indica que a maioria das crianças do Brasil tem

famílias que não podem oferecer-lhes condições de vida que lhe possibilitem, por

exemplo, o acesso à “[...] a saúde e à nutrição que tem efeito direto no

desenvolvimento emocional e intelectual do ser humano” (KRAMER, 2005, p. 189).

Além disso, a renda familiar é um dos fatores que mais influencia a escolaridade das

crianças. De acordo com Kramer (2005, p. 194),

[...] a análise das taxas de escolarização, considerando as classes de renda mensal familiar per capita em salários mínimos, permite identificar uma nítida desigualdade entre as crianças de famílias com maior renda e aquelas com renda menor: à medida que aumenta a renda familiar, crescem os níveis de escolarização. 14

Nesse sentido, as crianças sujeitos da pesquisa são integrantes de famílias cujas

questões socioeconômicas lhes colocam em condições de desigualdade em relação

às crianças de classes sociais mais favorecidas, à medida que não possibilita a

essas crianças o acesso a melhores níveis de escolarização, por exemplo. A baixa

escolaridade da maioria dos pais das crianças envolvidas na pesquisa também é um

outro fato que tem sido apontado por estudiosos da realidade de crianças brasileiras,

como Kramer (2005), como um fator que tem íntima relação com a escolarização

das crianças. Conforme denuncia Kramer (2005, p. 195-196), “[...] do ponto de vista

socioeducacional, o nível educacional dos pais e a ambiência cultural da família

condicionam as chances de escolaridade de seus filhos. Isto é a educação do filho é

fortemente relacionada à educação dos pais”.

As questões aqui apontadas sobre a realidade socioeconômica das famílias das

crianças que participaram da pesquisa são representativas da realidade vivida pela

maioria das crianças brasileiras. São essas crianças que a escola pública tem

recebido e com as quais tem um sério compromisso. Conforme discussão realizada

por Saviani (2003, p. 22), esse compromisso está relacionado com a garantia da

apropriação de 14 Kramer (2005) faz essa afirmação a partir de dados divulgados pelo IBGE da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, 2001.

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[...] conhecimentos, idéias, conceitos, valores, atitudes, hábitos, símbolos sob o aspecto de elementos necessários à formação da humanidade em cada indivíduo singular, na forma de uma segunda natureza, que se produz deliberada e intencionalmente, através das relações pedagógicas historicamente determinadas que se travam entre os homens.

Desse modo, o trabalho educativo possibilita ao indivíduo a apropriação “[...] de

ferramentas de caráter histórico, matemático, científico, literário etc., que o professor

seja capaz de colocar de posse dos alunos” (SAVIANI, 2002, p. 80), para que o

indivíduo se instrumentalize para lidar com as lutas que são travadas em uma

sociedade de classes sociais antagônicas como a nossa que, ainda conforme os

dados aqui apresentados, vive um capitalismo selvagem que gera uma extrema

desigualdade na distribuição de renda.

4.3.5 As professoras e suas trajetórias de trabalho com a linguagem oral

Tivemos o contato com o trabalho de cinco professoras: duas professoras da turma

do Berçário II, que chamaremos de Professora 1 e Professora 2, uma professora da

turma do Maternal (Professora 3) e duas professoras das turmas de Jardim

(Professora 4) e Pré (Professora 5). Destacaremos, a seguir, alguns aspectos da

formação e da trajetória profissional de cada uma delas, como, também, o trabalho

pedagógico que desenvolveram durante o período que realizamos a observação.

Para isso, utilizaremos informações que coletamos por meio de entrevistas

(APÊNDICE F) que realizamos com as professoras, além das informações que

obtivemos na observação nas salas dessas professoras. Na parte final do texto,

apresentaremos as respostas das professoras sobre as questões das entrevistas

que fizemos com elas. Faremos também uma breve análise das respostas das

professoras a essas questões.

Dessa forma, iniciamos com a caracterização das duas professoras do Berçário II. A

Professora 1 tinha, no período de realização do estudo, entre 31 e 35 anos,

trabalhava em duas escolas do sistema público de ensino. Lecionava há dois anos

na escola onde a pesquisa foi realizada e era profissional efetiva da Prefeitura

Municipal de Vitória. Tinha quinze anos de experiência na docência da Educação

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Infantil e estava fazendo graduação em Pedagogia, na modalidade a distância. A

Professora 2 tinha entre 36 e 40 anos e também trabalhava em duas escolas do

sistema público de ensino. Trabalhava há dois anos na escola onde o estudo foi

realizado, tinha 15 anos de experiência como professora da Educação Infantil e,

além do Curso de Magistério (Ensino Médio), tinha Licenciatura Plena em Letras.

A Professora 3, no momento da realização da pesquisa, tinha entre 36 e 40 anos,

trabalhava nos dois turnos da escola onde fizemos a pesquisa. A sua cadeira do

turno vespertino era uma extensão de carga horária. Tinha oito anos de experiência

no Magistério, sendo quatro anos na Educação Infantil e quatro anos no Ensino

Fundamental (1ª a 4ª séries). Estava cursando Pedagogia na modalidade a

distância.

A Professora 4 tinha entre 36 e 40 anos e era a única das cinco professoras que

lecionava apenas em um período do dia. Trabalhava no CMEI há aproximadamente

quatro anos e sua formação era graduação em Pedagogia e, no período da

realização do estudo, estava fazendo pós-graduação.

Das cinco professoras envolvidas na pesquisa, a Professora 5 era a única que

possuía pós-graduação/especialização (Educação Infantil e Educação Especial). Ela

tinha entre 36 e 40 anos, trabalhava há quatro anos na escola onde fizemos a

pesquisa. Profissional efetiva da Prefeitura de Municipal de Vitória, atuava como

professora em duas escolas dessa rede de ensino, no período da manhã na

Educação Infantil e, à tarde, em uma turma de 2ª série do Ensino Fundamental.

Tinha 15 anos de experiência no Ensino Fundamental (1ª a 4ª séries) e seis anos na

Educação Infantil.

Destacaremos, a seguir, alguns aspectos do trabalho pedagógico que

desenvolveram durante o período que realizamos a observação. Como já

mencionado, as Professoras 1 e 2 atuavam na turma de Berçário II. Elas realizavam

o que chamavam de estabelecimento de uma “rotina” com os alunos, para que eles

se adaptassem às regras da escola, já que a maioria das crianças dessa turma,

segundo as professoras, freqüentava a escola pela primeira vez e, por isso, as

professoras acreditavam que seus alunos precisavam compreender as regras da

escola.

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Assim, nessa turma, o trabalho era desenvolvido pelas professoras da seguinte

forma: recepção das crianças, posteriormente, os alunos eram levados ao refeitório

para tomar o café da manhã. No retorno à sala de aula, as professoras organizavam

a roda de conversa, onde faziam a chamada (as professoras entregavam as fichas

com seus nomes para as crianças colocarem num quadro de pregas que ficava na

parede). Depois desenvolviam com elas as atividades que haviam planejado para

aquele dia: contavam histórias, atividades de artes plásticas, mostravam ilustrações

de histórias que haviam contado e faziam perguntas sobre as histórias contadas,

além de questionar as crianças sobre outros aspectos das ilustrações como: nomes

das cores, nomes de bichos, nomes de personagens, entre outros. Elas também

colocavam CDs para as crianças ouvirem histórias e músicas.

Pudemos observar, durante a observação participante que realizamos na turma da

Professora 3, que ela gostava muito de trabalhar com músicas. Desenvolvia projetos

cujo eixo central era uma música que lhe possibilitava o desenvolvimento de outras

atividades, como as artes plásticas e a leitura de histórias para as crianças,

conforme relatado no diário de campo (páginas 16 e 40). Geralmente, a professora

iniciava a sua aula fazendo a chamada que era realizada da seguinte forma: a

professora mostrava fichas com os nomes dos alunos da turma e pedia às crianças

que identificassem seu próprio nome. Grande parte das crianças conseguia

reconhecer seu nome. Em seguida, elas colocavam a ficha num quadro de pregas

que ficava na parede, esse quadro era divido entre meninos e meninas. Depois, a

professora fazia a roda de conversa, onde ela apresentava aos alunos as atividades

que seriam desenvolvidas durante aquele dia, que estavam inseridas nos projetos

que a professora desenvolvia com essa turma: Projeto Moradia, Projeto

Alimentação, entre outros.

A Professora 4 enfrentava algumas dificuldades para o desenvolvimento do trabalho

pedagógico na turma em que era regente. Uma delas era o fato de a sala de aula

ser muito pequena para o número de crianças. Assim, atividades como a roda de

conversa ficava muito prejudicada por causa da falta de espaço. Além disso, essa

turma era muito agitada, o que dificultava a realização de algumas atividades que a

professora propunha. Com relação à prática pedagógica, percebemos que essa

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professora tinha uma preocupação em apresentar as crianças alguns aspectos

lingüísticos da linguagem escrita. Desse modo, ela produzia, diariamente, com as

crianças, um calendário do mês, no qual elas deveriam escrever seus nomes e

preencher os quadrados com os números referentes à data. Nesse contexto, ela

enfatizava o ensino dos nomes e das letras dos nomes das crianças. Ela também

fazia a chamada apresentando fichas com os nomes das crianças e pedia que elas

lessem o nome que estava escrito naquelas fichas. Observamos que grande parte

das crianças conseguia fazer essa leitura. Quando levava seus alunos para o pátio,

ela direcionava as brincadeiras. Presenciamos, também, durante o período da

observação na turma dessa professora, a realização de atividades envolvendo artes

plásticas, como a produção de maquetes e cartazes. No período que realizamos a

observação na turma dessa professora, não presenciamos nenhum momento em

que ela realizasse uma atividade envolvendo a contação de histórias.

Durante a observação na turma da Professora 5, verificamos que essa professora

era a que tinha maior preocupação em trabalhar a apropriação da linguagem

escrita. Nesse sentido, ela realizava com seus alunos, durante o período em que

estivemos em sua sala, várias atividades envolvendo a escrita, tais como: produção

de cartas, cartões e muitos exercícios xerocados, envolvendo as unidades menores

da língua. Essa professora fazia, diariamente, a roda de conversas com seus alunos

para contar histórias e ouvir seus alunos contarem histórias, conversarem sobre

problemas que ocorriam entre seus alunos, entre outros. Além disso, havia na sala

dessa professora cantinhos de brincadeiras (computador feito com sucata, jogos de

pinos, salão de beleza). As crianças se dividiam nesses cantinhos e realizavam

diferentes brincadeiras.

Feita as devidas caracterizações das professoras, bem como a apresentação de

alguns aspectos do trabalho pedagógico desenvolvido por elas, durante o período

que realizamos a observação, faremos, uma análise das respostas das professoras

às seguintes perguntas feitas durante as entrevistas15 que realizamos com elas: para

elas, o que era linguagem? Quais as funções da linguagem? Como elas concebiam

15 Realizamos entrevistas com as cinco professoras participantes da pesquisa, três delas permitiram que fizéssemos a gravação por meio de filmagem, em seguida as entrevistas foram transcritas.

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a produção de textos orais na Educação Infantil? Na opinião delas, qual era a

contribuição da Educação Infantil para o desenvolvimento da criança?

Antes, porém, é preciso ressaltar que as Professoras 1 e 2 disseram que não se

sentiriam à vontade se gravássemos a entrevista. Por isso, não pudemos gravar

suas declarações sobre o trabalho com a linguagem oral na Educação Infantil, tema

deste estudo. Além disso, nos pediram que fizéssemos a entrevistas com as duas

juntas. Assim, anotamos suas respostas que também serão apresentadas e

analisadas, posteriormente. As Professoras 3, 4 e 5 aceitaram sem dificuldades a

gravação da entrevistas. Iniciamos a entrevista, perguntando às professoras: para

você, o que é linguagem?

Prof. 1: [...] a função da linguagem é a comunicação oral e escrita...

Prof. 2: [...] é uma forma de expressão do ser humano...

Prof. 3: [...] linguagem...como que eu vou te falar... é o que a criança né?... é::: o que

a criança fala... gesticula... isso aí tudo é linguagem...a partir do momento que ela

está fazendo um sinal dá linguagem... ela tá falando é uma linguagem... o que ela

vê... eu penso assim...

Prof. 4: [...] linguagem? linguagem? uma forma de expressão...aí tem vários tipos de

linguagens... né?... oral... escrita... desenho... pictográfica né que eles falam...

Prof. 5 : [...] é uma forma de se expressar..

Pudemos observar, de maneira geral, nas respostas das professoras, que a

linguagem é vista por elas como um instrumento para a expressão do pensamento

humano. Conforme discussão realizada por Bakhtin (2004), apresentada no capítulo

anterior, a corrente lingüística que concebe a linguagem como expressão do

pensamento é o subjetivismo idealista, que tem a teoria da expressão como uma de

suas principais linhas teóricas. Nesse contexto, a teoria da expressão “[...] supõe,

inevitavelmente, um certo dualismo entre o que é interior e o que é exterior, com

primazia explícita do conteúdo interior, já que todo ato de objetivação (expressão)

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procede do interior para o exterior” (BAKHTIN, 2004, p. 111). Assim, para essa

perspectiva, a linguagem é uma produção “interior” ou uma produção individual do

homem. Nesse contexto, a situação social é desconsiderada, quando na verdade, na

perspectiva bakhtiniana, é justamente ela que produz a enunciação-expressão, pois

“[...] a situação social mais imediata e o meio social mais amplo determinam

completamente e, por assim dizer, a partir do seu próprio interior, a estrutura da

enunciação” (BAKHTIN, 2004, p. 113).

A linguagem também foi apresentada pelas professoras como um instrumento de

comunicação. “Essa concepção está ligada à teoria da comunicação e vê a língua

como código (conjunto de signos que se combinam segundo regras) capaz de

transmitir ao receptor certa mensagem” (GERALDI, 2006, p. 41). Esse autor afirma

que essa concepção está muito presente nos livros didáticos, mais especificamente,

nas instruções que são dadas ao professor, além de aparecer nas introduções, nos

título, embora, segundo ele, não apareça nos exercícios gramaticais.

Desse modo, a linguagem não foi apontada pelas professoras como constituída nas

relações entre os sujeitos e constitutiva do sujeito, na medida em que é formadora

da consciência humana. Tal como defende Bakhtin (2004, p. 35), “[...] a consciência

adquire forma e existência nos signos criados por um grupo organizado no curso de

suas relações sociais”. Desse modo, não aparece nas respostas das professoras a

compreensão da relevância que tem a linguagem para a formação das crianças. A

linguagem é apontada por Vigotski, conforme discussão realizada no capítulo

anterior, como uma função psicológica superior que se desenvolve nos indivíduos

por meio das relações que estabelece com outros sujeitos. Além disso, é

considerada por ele como a função central das relações sociais, na medida em que

medeia essas relações. Nesse contexto, não podemos perder de vista a importância

que tem a linguagem para a formação dos nossos alunos.

Continuamos a entrevista, perguntando às professoras: qual era a opinião delas

sobre funções da linguagem?

Prof. 1: a função da linguagem é comunicativa...

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Prof. 2: penso como ela...

Prof. 3: pra gente se comunicar...né?... passar o que pensa... o que quer... tudo

isso...

Prof. 4: [...] comunicação a primeira coisa...expressão né?... nesse caso da criança

pequena seria o que assim...expressão que eu falei nesse caso seria para ela

mostrar o pensamento dela...

Prof. 5 : expressão... interação...comunicação e socialização...

Com relação às funções da linguagem, as professoras responderam que a função

da linguagem é o estabelecimento da comunicação entre as pessoas. Vigotski

(1934-2001, p. 11), como as professoras, também reconhece “[...] que a função da

linguagem é comunicativa. A linguagem é, antes de tudo, um meio de comunicação

social, de enunciação e compreensão”. No entanto esse mesmo autor discute em

seus trabalhos outra função da linguagem, que é o fato de ela participar intimamente

da construção do pensamento que se dá por meio da formação de conceitos que

ocorre no processo de apropriação da linguagem pela criança e resulta na

generalização que é, segundo Vigotski (2001), a inserção de um conteúdo numa

determinada classe ou grupo de fenômenos para se realizar a comunicação. Nesse

sentido, “[...] a comunicação pressupõe necessariamente generalização e

desenvolvimento do significado da palavra, ou seja, a generalização se torna

possível se há desenvolvimento da comunicação” (VIGOTSKI, 2001, p. 12). Dessa

forma, Vigotski (2001) considera a comunicação e a generalização as duas funções

básicas da linguagem.

Desse modo, a linguagem, que é formada por signos e possui uma função simbólica

de representação do mundo, participa da organização psicológica do indivíduo. Mas

como isso ocorre? Vigotski (2001) faz uma minuciosa análise da relação entre a

linguagem e a construção do pensamento mostrando que os conceitos participam da

construção do pensamento, na medida em que envolvem um “[...] sistema de

relações e generalizações contidas nas palavras e determinadas por um processo

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histórico. O contexto cultural no qual o indivíduo se desenvolve vai fornecer-lhe os

significados das palavras do grupo que está inserido” (FACCI, 2004, p. 212). Assim,

[...] o conceito é impossível sem palavras, o pensamento em conceitos é impossível fora do pensamento verbal, em todo esse processo, o momento central, que tem todos os fundamentos para ser considerado causa decorrente do amadurecimento de conceitos, é o emprego específico da palavra, o emprego funcional do signo como meio de formação de conceitos (VIGOTSKI, 2001, p. 170).

Nesse contexto, os experimentos realizados por Vigotski (2001) sobre a formação de

conceitos apontaram que “[...] há todos os fundamentos para considerar o

significado da palavra não só como unidade do pensamento e da linguagem, mas

também como unidade da generalização e da comunicação, da comunicação e do

pensamento” (VIGOTSKI, 2001, p. 13). Assim, para Vigotski, a linguagem e sua

ligação com o pensamento produzem um redimensionamento das funções

psicológicas superiores que são reguladoras da atividade do indivíduo. Nesse

sentido,

[...] a compreensão, alcançada através do pensamento verbal, permite o autocontrole (inibição das atitudes impulsivas), das ações apenas por reflexos. O comportamento da criança, sua vontade, que a princípio são regulados pelo meio externo, pelos comandos verbais e ações dos indivíduos com os quais convive, passam lentamente, a ser controlados pelo próprio pensamento (TULESKI, 2002, p. 122).

Desse modo, a linguagem também funciona como reguladora do comportamento

humano, pois, como vimos, todo o processo de desenvolvimento da linguagem na

criança liga-se à construção do pensamento que, por meio de instrumentos

psicológicos (signos), dirige a conduta humana. Finalmente, terminamos a discussão

sobre as funções da linguagem, reafirmando que, na perspectiva histórico-cultural,

“[...] a linguagem é fundamental para o desenvolvimento de todas as demais

funções: reestrutura o pensamento, conferindo-lhes novas formas e, através do

pensamento verbal, transforma todas as outras funções” (TULESKI, 2002, p. 133).

Passemos, agora, à apresentação da terceira questão que perguntamos as

professoras: como elas concebiam a produção de textos orais na Educação Infantil?

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Prof. 1: foi uma proposta boa para a prática... porque ficava na mesmice do papel...

você pode fazer com que as crianças se expressem...

Prof. 2: é de suma importância porque é um momento para as crianças se

expressarem...

Prof. 3: [...] a forma que eu trabalho com eles...eu conto uma história depois eles vão

falando... [...] bem melhor do que a gente escrever né?... já trazer prontinho pra

sala...porque ali a gente tá construindo com eles... porque ali é a fala deles né?...

eles assimilam melhor...igual o texto da casa quando eu trabalhei...até hoje ficou

marcado... trabalhei lazer...mas veio né?... a partir do texto da casa... eles não

esquecem...

Prof. 4: [...] é uma atividade assim... tranqüila né?... de se fazer...né?... é uma

atividade rotineira...também...que a todo momento a gente ta produzindo texto com

eles... a gente pode ter aquele horário específico né?... que a gente chama assim de

rodinha...né...que é inicial que a gente faz... de mesmo... só de contação de

novidades... quem quer conversar... uma conversa informal... e pode ter aquele

horário já mesmo.... assim... um específico de produção de textos... que é quando a

gente faz um relato de um passeio... né?... a gente vai produzir algum texto

mesmo...ou é reconto de uma história de um filme...ou uma atividade que seja

mesmo de produção de texto...

Prof. 5: [...] eu acho que é importante você trabalhar a oralidade da criança até pra

que ela se solte na parte escrita também... por:::que... ((a professora é interrompida

por um aluno)) o importante... eu acho legal o professor aproveitar esses momentos

na rodinha... agora isso é muito fácil.. agora essas técnicas... esse tipo de trabalho...

é muito mais tranqüilo quando você tem um número menor de alunos como aqui...

eu estou numa sala com trinta pessoas...crianças a tarde... gente... Dan é muito

difícil... você::: desenvolver... essa...esse...oralidade...a criticidade.. sabe o papo

sadio...

Com relação às respostas da professoras sobre o trabalho com textos orais na

Educação Infantil, pudemos observar que, para elas, o trabalho com a linguagem

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oral acontecia quando permitia que as crianças falassem de “forma espontânea” (na

roda de conversa ou quando pedia que as crianças fizessem o reconto de histórias

que haviam contado). Isso mostra que as professoras acreditam que a linguagem

oral se desenvolve de forma natural na criança.

No entanto o desenvolvimento da linguagem oral na criança não acontece

naturalmente, como se fosse algo que está presente nela em estado embrionário

que a maturação biológica e o ambiente, nesse caso, o contexto da sala de aula

farão vir à tona. Os estudos desenvolvidos por Vigotski apontam que o

desenvolvimento da linguagem na criança é, antes de tudo, cultural, o que significa

dizer que a linguagem é aprendida ou apropriada pela criança no contexto sócio-

histórico em que ela está inserida. Desse modo, a criança realiza um processo de

apropriação que proporciona: “[...] a reprodução das aptidões e propriedades

historicamente formadas da espécie humana, inclusive a aptidão para compreender

e utilizar a linguagem – por meio da qual se generaliza e transmite a experiência da

prática sócio-histórica da humanidade” (FACCI, 2004, p. 203).

Entretanto, para que esse processo de apropriação aconteça, é necessária a

presença de outros indivíduos que são, de certa maneira, portadores da cultura

produzida social e historicamente e que medeiam a relação da criança com esses

conhecimentos. Um desses mediadores é o professor que, nesse contexto, deve

planejar e realizar atividades que visem a uma efetiva mediação entre a criança e a

linguagem oral.

Na entrevista, também perguntamos às professoras: qual era a sua opinião delas à

respeito do papel da Educação infantil pra o desenvolvimento das crianças? A

Professora 1 nos respondeu que é papel da Educação infantil: “Preparar a criança

para viver na sociedade, para lidar com o outro, a socialização”. A Professora 2

disse que pensava como a Professora 1. A seguir, as transcrições das respostas

das Professoras 3, 4 e 5:

Prof. 3: [...] tem criança que não sabe nem o que que é licença... bom-dia... boa

tarde... igual nada disso... igual o Laz chegou nem falar nada...eu achava que o

menino não falava...hoje ele fala tia posso pegar? eu falei pode... tia já terminei...eu

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vou guardar... assim...eu passei.. você pode brincar com os livrinhos... ai depois

você vai lá e guarda... quando você for para o refeitório...chega lá a gente tem que

fazer silêncio que é um lugar da gente lanchar...almoçar.. então a criança aprende

muito... a gente aprende com ele... por exemplo a criança que nunca passou pela

educação infantil e vai direto para o ensino fundamental... tem diferença porque tem

criança que às vezes não tem aquele acesso em casa a livros de

história...né?...música...essas coisas assim...aí o que acontece? chega lá e fica

assim... todo perdido... tem diferença sim... a criança que passa pela Educação

Infantil...

Prof. 4: [...] no início eu falava assim que ((risos) não achava não muito importante

.... vamos dizer...essencial...não achava porque eu achava que a criança só vinha

pra escola pra ter horário...né...ficar naquela rotina...começar a rotina muito cedo e

depois quando ela chegava na primeira série ela já estava cansada... mas hoje em

dia eu vejo que é uma coisa assim muito legal pra criança porque a gente... o que

que a gente faz... a gente aproveita o que ela já sabe... né? que ela já vem com

muita coisa... com muita experiência e a gente aproveita isso que ela já sabe e

amplia ou então assim... sistematiza mesmo... que as vezes ela sabe... mas ela

sabe de uma forma que seria do senso comum...né... e a gente aqui sistematiza...a

gente e::: trabalha...como é que eu vou falar... cientificamente...né? a forma

mesmo...o conceito correto com elas... e o mais interessante da Educação Infantil é

que a gente trabalha conteúdo de primeira a quarta ou até mais...

Prof. 5: [...] eu hoje vejo que é um espaço muito importante na vida da crianças

freqüentar a Educação Infantil... porque ela dá mais oportunidade para desenvolver

melhor socialmente... oralmente também...né...desenvolver sua oralidade... sua

autonomia... além de desenvolver hábitos... alguns hábitos também...atitudes...e::a

questão pedagógica também... a criança consegue desenvolver o seu cognitivo de

forma mais prazerosa...

No que diz respeito ao papel da Educação Infantil para o desenvolvimento da

criança, encontramos, nas respostas, variadas concepções de infância e de

Educação Infantil. As Professoras 1 e 2, por exemplo, disseram que a Educação

Infantil “[...] deve preparar a criança para viver na sociedade”. Há, nessa concepção,

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uma visão de criança que não a concebe como um sujeito que produz cultura e

história e sim como um vir-a-ser sujeito, como alguém que precisa ser “[...] modelado

de acordo com as necessidades da sociedade na qual está inserida, com vistas a

uma adaptação satisfatória a essa sociedade” (KRAMER, 2005, p. 135). Já as

Professora 3, 4 e 5 apontaram a Educação Infantil como o espaço para suprir as

“carências culturais” das crianças (ter contatos com livros e histórias que ela não

teria em casa), funcionando como um espaço preparatório para o Ensino

Fundamental e, também, como um espaço de formação de hábitos adequados ou

que se pensa como adequados, é uma idéia “[...] da infância como um tempo para

se desenhar o caminho que levaria à solução das mazelas por que passa a

educação do país” (KRAMER, 2005, p. 136). Desse modo, pudemos observar, nas

respostas das professoras, que, para elas, é importante que a criança freqüente a

Educação Infantil para, principalmente, ter oportunidade de adquirir hábitos

considerados adequados e desejados. Nesse sentido, para Kramer (2005, p. 136-

137),

[...] tal perspectiva reduz o fato de que crianças têm um papel na sociedade em que vivem e desconsidera que a educação infantil é um espaço de interação, de fortalecer nas crianças (e também nos adultos) a visão de que possuem e produzem uma história, uma cultura que lhes são anteriores, mas com as quais interagem, modificando e apropriando-se de forma crítica, transformando a si mesmas e àqueles com quem convivem.

Nessa perspectiva, as crianças “já estão” inseridas na sociedade e participam de

sua construção. São sujeitos históricos, concretos, sendo participantes ativos dos

grupos sociais, dos quais fazem parte.

Para finalizar, é importante salientar que ficou evidenciada, nas respostas das

professoras, uma concepção de linguagem que desconsidera a sua gênese, as

relações sociais. No entanto, conforme discussão realizada no capítulo anterior, são

justamente as relações sociais que explicam o surgimento, o uso, a apropriação e o

desenvolvimento da linguagem na criança. Nesse contexto, quando as professoras

falam sobre as funções da linguagem, enfatizam apenas a função comunicativa. Não

destacam a importância que tem a linguagem para a formação do indivíduo, na

medida em que medeia a relação do ser humano com o mundo, participando, assim,

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da formação de conceitos no indivíduo. A desconsideração do aspecto histórico-

cultural da apropriação da linguagem resulta numa prática pedagógica com os textos

orais pautada no espontaneísmo, pois demonstraram, em suas respostas, que

acreditam que a linguagem oral se desenvolve naturalmente. Essa concepção de

linguagem predominantemente naturalista também está relacionada com a

concepção de criança apresentada pelas professoras como alguém que, com o

tempo (desenvolvimento natural), se tornará sujeito. Nesse sentido, elas defendem

que o espaço escolar deve preparar a criança para viver em sociedade ou como

espaço para imprimir nelas hábitos considerados bons para a sociedade.

Feitos os necessários esclarecimentos sobre a instituição e os sujeitos envolvidos

em nossa pesquisa, bem como o delineamento geral do trabalho com a linguagem

oral nas turmas pesquisadas e a apresentação das concepções de linguagem e de

criança das professoras envolvidas no estudo, faremos, no capítulo que se segue, o

desvelamento do trabalho com a produção de textos orais nas turmas, nas quais o

estudo foi desenvolvido.

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5 O TRABALHO COM A LINGUAGEM ORAL NAS SALAS DE AULA

No capítulo anterior, apresentamos os princípios teóricos e metodológicos que

nortearam nosso estudo. Neste capítulo, vamos analisar alguns eventos mediados

pela linguagem oral no contexto das salas de aulas pesquisadas. Conforme

apresentamos, as salas de aulas integravam uma instituição de Educação infantil do

Sistema Municipal de Ensino de Vitória. A pesquisa foi realizada com quatro turmas:

crianças de Berçário II (Turma 1), Maternal (Turma 2), Jardim I (Turma 3) e Pré

(Turma 4). Somando o número de crianças das turmas onde a pesquisa foi

realizada, temos um total de 52 crianças. Partindo da abordagem enunciativo-

discursiva de linguagem bakhtiniana e da perspectiva Histórico-Cultural da

Psicologia, a análise dos eventos tem por objetivo compreender como se

desenvolveu o trabalho pedagógico com a linguagem oral nessas turmas.

Nesse sentido, procuramos respostas para questões que estiveram presentes

durante toda a pesquisa: como se desenvolve o trabalho com a linguagem oral em

classes de crianças de uma instituição de Educação Infantil? Como se desenvolvem

as interações verbais nas salas de aula? Quais as possibilidades de

desenvolvimento da oralidade nas situações observadas? Essas questões são

discutidas a partir do conjunto de dados analisados neste capítulo.

Procuramos, assim, reunir, neste relatório, eventos que consideramos relevantes

para a configuração da dinâmica do trabalho com a linguagem oral no contexto das

turmas onde a investigação foi realizada. Tomamos os eventos como base das

análises, fundamentada na concepção bakhtiniana de ato/atividade e evento. Sobral

(2005, p. 26), ao analisar o conceito de evento, nessa perspectiva, aponta que

evento “[...] pode ser definido como o processo de irrupção de entidades, ou objetos,

no plano histórico (geschichlich), como a presentificação ou apresentação, dos seres

à consciência viva, isto é, situada no concreto”. Nesse sentido, para esse autor, o

evento é formado pelos vários atos da atividade humana que são situados concreta

e historicamente. Desse modo, o evento “[...] ocorre num dado lugar e num dado

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espaço; os fatos por ele gerados permanecem no tempo e no espaço” (SOBRAL,

2005, p. 27). Assim, para Bajtin16 (1997, p. 60),

El mundo em el cual e acto realmente transcurre y se lleva a cabo, es um mundo unitário y singular vivenciado em forma concreta: es visto, oído, palpado y pensado, impregnado por completo de tonos emocionales y volitivos de uma validez axiológica positivamente afirmada.

O aspecto singular do evento, destacado por Bakhtin, está intrinsecamente

relacionado com a concretude do ato. No entanto, a singularidade do ato não

descarta os elementos repetíveis, pois, segundo Sobral (2005), a estrutura

processual dos atos humanos é a base da possibilidade de generalização a partir do

específico. Sobral (2005, p. 11-12) aponta, a partir da teoria bakhtiniana, duas

características dos atos humanos:

[...] atos absoluta e irredutivelmente singulares exigiriam agentes absolutamente únicos e dessemelhantes, e portanto indistinguíveis, bem como situações de ação absolutamente irrepetíveis, o que impediria toda e qualquer generalização, deixando-nos sob a eterna tirania do agir. Por outro lado, uma generalização que enfeixe atos sem respeitar o que neles há de singular pressuporia agentes absolutamente iguais entre si, bem como uma única situação de ação no âmbito de uma dada atividade – o que em nada corresponde à condição humana.

Bakhtin (1997) apresenta um sujeito concreto, situado, responsável pelos seus atos.

Um sujeito que produz o evento e se produz no evento. Por isso, “[...] recusa tanto

um sujeito infenso à sua inserção social, sobreposto ao social, como um sujeito

submetido ao ambiente sócio-histórico, tanto um sujeito fonte de sentido, como um

sujeito assujeitado” (SOBRAL, 2005, p. 22). Para o referido autor,

Este mundo se me presenta, desde mi lugar singular, como concreto y único. Para mi conciencia que actúa participativamente, el mundo se organiza como um todo arquitectónico em rededor mio, siendo yo el centro único de irradiación de mi acto: [...] em correlación com el único lugar de mi irradiación activa hacia el mundo, todas las relaciones

16 Texto de 1920.

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pensables de espacio y tiempo adquierem um centro valorativo (BAJTIN, 1997, p. 63).17

A visão de sujeito apresentada por Bakhtin (1997) implica, como já mencionado,

uma concepção ativa de sujeito, localizado no tempo e no espaço. Esse aspecto se

liga, inevitavelmente, a um dos principais pilares da teoria bakhtiniana, o princípio

dialógico. Nesse sentido,

[...] pensar o contexto complexo em que se age, implica considerar tanto o princípio dialógico – que segue a direção do interdiscurso, constitutivo do discurso, mas não se esgota aí _, como os elementos sociais, históricos etc. que formam o contexto mais amplo do agir (SOBRAL, 2005, p. 22-23).

A concepção dialógica de linguagem da perspectiva bakhtiniana e que serve de

base para construção do conceito de enunciado-concreto está relacionada com

atos/atividades e eventos que são produzidos pelos sujeitos, na medida em que

estes estão carregados de sentidos que são construídos no interdiscurso, conforme

aponta Sobral (2005).

Em suma, a perspectiva bakhtiniana de ato/atividade e evento funda-se numa

concepção de sujeito corporificado, historicamente situado e que, desse modo,

produz o evento no mundo vivido, recusando, assim, as teorias que defendem o

transcendentalismo do sujeito. Este trabalho se insere nesse contexto, pois os

eventos que apresentaremos, ao longo deste texto, ocorreram concretamente num

dado lugar, num determinado espaço (as salas de aulas onde a pesquisa foi

realizada) e foram produzidos por sujeitos historicamente situados (professoras,

crianças e pesquisadora). Em nosso trabalho, tomamos como eventos

interdiscursivos as situações observadas em salas de aulas, nos quais o foco de

observação foi a linguagem oral, mais especificamente, os eventos em que as

crianças eram incentivadas a fazer uso dela em diferentes situações.

Foram registrados, em nosso corpus de pesquisa, cerca de 134 eventos: 23 na

Turma 1, 48 na Turma 2, 23 na Turma 3 e 40 na Turma 4. Considerando os

objetivos desta pesquisa, realizamos um levantamento dos eventos observados a

17 Texto de 1920-24.

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fim de identificar aqueles em que havia, por parte das regentes das classes, uma

certa intenção de trabalhar a linguagem oral. As tabelas que seguem retratam a

freqüência com que ocorreram em cada uma das turmas.

Tabela 1 – Eventos observados que visavam ao desenvolvimento da linguagem oral

– Turma 1

Eventos F %

Rodas de conversa

Histórias encenadas

Brincadeiras diversificadas

Brincadeira de professora

08

02

02

02

57,1

14,3

14,3

14,3

Total 14 100

Tabela 2 – Eventos observados que visavam ao desenvolvimento da linguagem oral

– Turma 2

Eventos F %

Rodas de conversa

Histórias encenadas

Brincadeiras diversificadas

Brincadeira de professora

Criança dando um recado da professora

à cozinheira da escola

15

01

07

05

02

50,0

3,3

23,3

16,7

6,7

Total 30 100

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Tabela 3 – Eventos observados que visavam ao desenvolvimento da linguagem oral

– Turma 3

Eventos F %

Rodas de conversa

Histórias encenadas

Brincadeiras diversificadas

Brincadeira de professora

07

00

07

01

46,7

0,0

46,7

6,6

Total 15 100

Tabela 4 – Eventos observados que visavam ao desenvolvimento da linguagem oral

– Turma 4

Eventos F %

Rodas de conversa

Histórias encenadas

Brincadeiras diversificadas

Brincadeira de professora

06

00

10

06

27,3

0,0

45,4

27,3

Total 22 100

De acordo com essas tabelas, três eventos foram recorrentes nas quatro turmas: a

roda de conversa, as brincadeiras diversificadas e as brincadeiras de professora.

Desse modo, tendo em vista a recorrência desses três primeiros eventos, optamos

por analisá-los neste relatório de pesquisa.

É necessário, antes de iniciarmos as análises, definirmos os termos oralidade e

gêneros discursivos, pois esses conceitos perpassam as discussões que serão

desenvolvidas. Marcuschi (2007, p. 25) postula que a oralidade é uma prática “[...]

social interativa para fins comunicativos que se apresenta sob variadas formas ou

gêneros textuais fundados na realidade sonora; ela vai desde uma realização mais

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informal à mais formal nos mais variados contextos de uso”. Desse modo, podemos

dizer que tomamos, para análises, as práticas sociais interativas mediadas pela

linguagem oral em classes de crianças de uma instituição educativa infantil. Para

Bakhtin (2000, p. 279),

[...] todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão sempre relacionadas com a utilização da língua. Não é de surpreender que o caráter e os modos dessa utilização sejam tão variados como as próprias esferas da atividade humana.

Nessa direção, é importante esclarecer que, efetivamente, todas as atividades

desenvolvidas nas classes observadas estavam sempre relacionadas com a

utilização da língua. Entretanto focamos os eventos18, nos quais identificamos que

as professoras de alguma forma consideravam importantes para o desenvolvimento

da linguagem oral. Conforme ainda nos aponta o trecho citado, Bakhtin (2000)

compreende que os gêneros discursivos estão intimamente relacionados com as

diversas esferas das atividades desenvolvidas pelos seres humanos, na medida em

que os vários modos de utilização da língua estão ligados às múltiplas atividades

construídas pelos seres humanos. Sendo assim, “[...] cada esfera de utilização da

língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados sendo isso que

denominamos gêneros dos discursos” (BAKHTIN, 2000, p. 279). O autor aponta

ainda que

[...] a riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa (BAKHTIN, 2000, p. 279).

Nesse sentido, segundo postula Bakhtin (2000), como as atividades humanas são

inesgotáveis, há também uma infinita variedade de gêneros do discurso. Essa

questão deve ser evidenciada, porque mostra que a classificação dos gêneros do

discurso é demasiadamente complexa, tendo em vista a sua infinitude. Por isso,

diferentemente do que tem feito alguns autores, neste estudo, não buscamos

classificar os gêneros do discurso. Em outras palavras, nós os concebemos num 18 É importante dizer que os eventos apresentados são aqueles que a pesquisadora observou uma certa intenção por parte das professoras em trabalhar a linguagem oral.

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contexto das relações interativas, nas quais ocorrem processo comunicativos que se

dão por meio de enunciados, em que um dos elementos é o querer-dizer do locutor

que

[...] se realiza acima de tudo na escolha de um gênero do discurso. Essa escolha é determinada em função da especificidade de uma esfera da comunicação verbal, das necessidades de uma temática (do objeto do sentido), do conjunto constituído dos parceiros, etc. Depois disso, o intuito discursivo do locutor, sem que este renuncie à sua individualidade e à sua subjetividade, adapta-se e ajusta-se ao gênero escolhido, compõe-se e desenvolve-se na forma do gênero determinado (BAKHTIN, 2000, p. 301).

Nesse sentido, os gêneros do discurso são “[...] focalizados como esferas de uso da

linguagem verbal ou da comunicação fundada na palavra” (MACHADO, 2005, p.

152). Uma comunicação que se dá por meio de enunciados, conforme nos

apresenta Bakhtin (2000), quando afirma que o uso da língua ocorre em forma de

enunciados (orais e escritos) que são construídos nas diversas esferas das

atividades humanas em função dos interlocutores. Desse modo,

[...] o enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua – recursos lexicais, fraseológicas e gramaticais – mas também, e sobretudo, por sua construção composicional. Esses três elementos (conteúdo temático, estilo e construção composicional) fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos eles são marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação (BAKHTIN, 2000, p. 279).

Portanto os enunciados são constituídos pela escolha de gêneros do discurso que

variam, segundo as diferentes esferas de comunicação. Nesse contexto, Bakhtin

(2000) aponta, ainda, que, por causa da heterogeneidade dos gêneros discursivos,

há uma dificuldade de se definir o caráter genérico do enunciado. No entanto o autor

apresenta uma solução para essa questão, quando discute a diferença essencial

entre o gênero de discurso primário (simples) e o gênero de discurso secundário

(complexo). Para o autor,

[...] os gêneros secundários do discurso – o romance, o teatro, o discurso científico, o discurso ideológico, etc. – aparecem em circunstâncias de uma comunicação cultural, mais complexa e

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relativamente mais evoluída, principalmente escrita: artística, científica, sociopolítica. Durante o processo de sua formação, esses gêneros secundários absorvem e transmutam os gêneros primários (simples) de todas as espécies, que se constituíram em circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea (BAKHTIN, 2000, p. 281).

Assim, para a perspectiva bakhtiniana, os gêneros primários são os da comunicação

cotidiana e os secundários são os gêneros elaborados a partir de códigos culturais

complexos. Considerando o contexto de produção dessa definição, o autor parece

deixar querer evidenciar que os gêneros primários são mais variados em função de

serem variadas as circunstâncias da vida cotidiana. Dessa forma, a distinção feita

por Bakhtin (2000) é extremamente relevante, porque, conforme defende o próprio

autor, possibilita também a compreensão da natureza do enunciado. Nesse sentido,

Bakhtin (2000, p. 282) afirma que “[...] a inter-relação entre os gêneros primários e

secundários de um lado, o processo histórico de formação dos gêneros secundários

do outro, eis o que esclarece a natureza do enunciado”. Nesse contexto, a

compreensão da natureza do enunciado, na perspectiva de Bakhtin (2000), aponta o

entendimento do vínculo entre a língua e a vida, pois “[...] a língua penetra na vida

através dos enunciados concretos que a realizam e é, também, através dos

enunciados concretos que a vida penetra na língua” (BAKHTIN, 2000, p. 282).

Dessa forma, compreendemos que os enunciados das crianças e das professoras

que apresentaremos ao longo das análises que realizaremos estão intimamente

ligados à vida. Assim, eles estão carregados de valores ideológicos, políticos,

sociais, culturais e históricos e, nesse sentido, não podem ser compreendidos,

conforme discussão realizada no Capítulo Quatro deste estudo, como meros

elementos de um sistema lingüístico, como postula o objetivismo abstrato, nem

como uma construção individual do sujeito, como aponta o subjetivismo idealista.

Portanto, interessa-nos observar “[...] a natureza social dos fatos lingüísticos, o que

significa entender a enunciação indissoluvelmente ligada às condições de

comunicação, que, por sua vez, estão sempre ligadas às estruturas sociais” (BRAIT,

2005, p. 94). Nesse sentido, a partir da perspectiva bakhtiniana de linguagem,

compreendemos que os gêneros do discurso devem ser pensados no interior das

relações culturais e sociais que as pessoas estabelecem entre si, pois, conforme

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mencionado, eles são utilizados nas diferentes atividades humanas atendendo às

necessidades e às condições particulares de cada atividade.

Iniciaremos as nossas análises pelos eventos Rodas de conversa. Considerando

que a roda de conversa é um espaço privilegiado pelas professoras para se

trabalhar a linguagem oral, primeiramente, é importante considerar que as

interações verbais que ocorrem na roda se realizam ou deveriam se realizar por

meio da conversação.

5.1 AS RODAS DE CONVERSA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Segundo Barbosa (2007), nos séculos XIX e XX, ocorreu um estabelecimento de um

corpo de saberes e fazeres que resultou na construção do conceito social de

infância e na constituição da Educação Infantil e, portanto, de pedagogias para

educar e cuidar das crianças. Assim, para essa autora,

é possível afirmar que os grandes temas em torno dos quais se sustentam os discursos políticos e técnicos sobre as pedagogias da educação infantil podem ser resumidamente definidos como: a existência de um discurso que institui um estatuto para a infância; a organização de espaços sociais adequados para a educação e cuidado das crianças; o nascimento de um profissional para atuar na educação infantil; [...]; a organização da vida cotidiana das instituições e das pessoas sob a forma de rotina (BARBOSA, 2007, p. 1).

Nesse contexto, a roda de conversa foi incorporada à Educação Infantil, como

instrumento pedagógico que integra o dia-a-dia desse tipo de instituição. Nessa

direção, é importante questionar: que outras condições possibilitaram que a roda de

conversa se tornasse instrumento do trabalho do professor no cotidiano da

Educação Infantil? Na tentativa de responder a essa pergunta, faremos uma breve

apresentação das principais tendências que, ao longo do tempo, têm direcionado o

trabalho pedagógico na Educação Infantil, identificando a tendência que influenciou

a incorporação da roda de conversa ao trabalho das instituições escolares infantis.

Kramer (1994), ao discutir as tendências pedagógicas que têm influenciado a

Educação Infantil aponta a existência de três tendências, denominadas por ela de:

romântica, cognitiva e crítica. Para a autora, a tendência romântica é aquela em que

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a instituição pré-escolar é vista como um jardim de infância, onde a professora

representa a figura da jardineira que cuidará da criança (sementinha) para que ela,

no futuro, se torne uma plantinha. Essa perspectiva é chamada de romântica pela

autora, porque desconsidera os aspectos históricos, sociais e culturais que

interferem no desenvolvimento das crianças, na professora e na escola. Para

Kramer (1994, p. 25),

Essa tendência se identifica com o próprio surgimento da educação pré-escolar. Nasce no século XVIII, num contexto em que os princípios do liberalismo, no plano filosófico, as profundas modificações na organização da sociedade, no plano social, e, ainda, as progressivas descobertas na área do desenvolvimento infantil geram intensos questionamentos à chamada escola tradicional, no plano educacional.

Essa tendência, segundo Kramer (1994), produziu os fundamentos da escola nova

que se desenvolveram mais intensamente nos séculos posteriores (XIX e XX), cujos

principais representantes, para a autora, foram: Friedrich Wilhelm August Froebel

(1782-1852), fundador dos primeiros jardins de infância; Jean-Ovide Decroly (1871-

1932), que propôs a renovação do ensino e a organização das atividades escolares

em centros de interesses; e Maria Montessori (1870-1952), que se preocupou com a

construção de uma Pedagogia científica e um método pedagógico que fosse capaz

de orientar eficientemente a ação escolar.

A tendência cognitiva, segundo Kramer (1994), concebe a criança como um sujeito

que pensa. A instituição escolar deve tornar as crianças inteligentes e, assim, a

função da educação é favorecer o desenvolvimento cognitivo. Jean Piaget (1896-

1980) é apontado pela autora como o principal representante dessa tendência. A

autora critica essa tendência, porque ela

Identifica o desenvolvimento do homem com o desenvolvimento da inteligência e, dessa forma, prioriza o pensamento lógico-matemático (ocidental), desconsiderando outras ‘lógicas’ construídas em outros contextos sócio-culturais. Pode-se questionar, também, o caráter universal de seus achados, na medida em que a teoria não leva em consideração as interferências de classe social, cultura e sexo (KRAMER, 1994, p. 31).

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Conforme evidenciado, Kramer (1994) questiona o caráter universalista da teoria

piagetiana, cuja base epistemológica se funda numa compreensão do conhecimento

como um processo interno, individual e subjetivo de adaptação ao meio.

Coadunando com a tese de Kramer (1994), Klein (2000) aponta que Piaget tenta

explicar a condição humana, por meio de um modelo biológico inalterável na sua

funcionalidade. Assim, desconsidera as relações sociais vividas pelos indivíduos que

são materiais e produto da práxis humana. As reais condições de vida das crianças

não são consideradas e os seus desenvolvimentos são vistos como iguais e

independentes do contexto histórico, social, econômico, político e cultural em que

vivem.

A tendência denominada pela autora de tendência crítica tem Celestin Freinet (1896-

1966) como um dos seus principais representantes. De acordo com Kramer (1994),

para essa tendência, a criança e o professor são sujeitos ativos e cidadãos e a

educação deve favorecer a transformação do contexto social. Segundo Ferreira

(2003), Freinet, por meio da defesa da livre expressão da criança pré-escolar, foi o

precursor da incorporação da roda de conversa ao trabalho pedagógico na

Educação Infantil. Assim, ela é um dos instrumentos da Pedagogia de Freinet que

visa à livre expressão e, na dinâmica educativa, é, também, “[...] um momento

importante para o grupo se conhecer e se organizar. [...] é um momento privilegiado

no atendimento à necessidade de exprimir sentimentos e idéias e comunicar-se com

os outros” (FERREIRA, 2003, p. 30).

Angotti (1994, p. 50) considera a livre expressão um princípio fundamental da

proposta feita por Freinet para o trabalho pedagógico com as crianças, à medida que

“[...] garante o caminho para que a criança aprenda a expor, a expressar-se, a falar,

partindo da ação para se aprender a agir, aprenda a elaborar colocar sob diferentes

formas o que construiu, o que sente, suas concepções”. Segundo a autora, Freinet

defendia que

[...] só falando, se aprende a falar, só andando se aprende a andar e só o desejo superior que o indivíduo sente de subir e de se realizar, para satisfazer as exigências vitais, o leva a transpor obstáculos e procurar incessantemente um máximo de perfeição (FREINET, apud ANGOTTI, 1994, p. 50).

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Dessa forma, as mudanças nos modos de se conceber as crianças e os professores

criam as condições para a integração das rodas de conversa nas rotinas da

Educação Infantil. Sua utilização, como instrumento pedagógico, está ligada à visão

crítica que questiona o modelo tradicional de educação.

Entretanto a introdução desse instrumento pedagógico na Educação Infantil assumiu

diferentes propósitos e muitos deles se afastam dos sentidos que lhes foi atribuído

nos trabalhos de Freinet. No RCNEI, encontramos, no item linguagem oral e escrita,

críticas ao modo como vem sendo trabalhada a linguagem oral e a utilização da roda

de conversa. Para o documento,

[...] o trabalho com a linguagem oral, nas instituições de educação infantil, tem se restringido a algumas atividades, entre elas as rodas de conversa. Apesar de serem organizadas com a intenção de desenvolver a conversa, se caracterizam, em geral, por um monólogo com o professor, no qual as crianças são chamadas a responder em coro a uma única pergunta dirigida a todos, ou cada um por sua vez, em uma ação totalmente centrada no adulto (BRASIL, 1998, p. 119).

Desse modo, se a roda de conversa tem sido trabalhada como apontado pelo

RCNEI, ela não tem atingido o seu propósito de desenvolvimento da linguagem oral

e da livre expressão. Entretanto, por considerar que ela pode vir a ser um espaço

privilegiado para a realização do trabalho pedagógico com a linguagem oral, o

documento sugere uma mudança na forma de se trabalhar a roda de conversa na

Educação Infantil.

A roda de conversa é o momento privilegiado de diálogo e intercâmbio de idéias. Por meio desse exercício cotidiano as crianças podem ampliar suas capacidades comunicativas, como a fluência para falar, perguntar, expor suas idéias, dúvidas e descobertas, ampliar seu vocabulário e aprender a valorizar o grupo como instância de troca e aprendizagem. A participação na roda permite que as crianças aprendam a olhar e a ouvir os amigos, trocando experiências. Pode-se, na roda, contar fatos às crianças, descrever ações e promover uma aproximação com aspectos mais formais da linguagem por meio de situações como ler e contar histórias, cantar ou entoar canções, declamar poesias, dizer parlenda, textos de brincadeiras infantis (BRASIL, 1998, p. 138).

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Assim, o RCNEI define a roda de conversa como um momento da dinâmica escolar

que possibilita o intercâmbio de idéias. Nesse sentido, ela não é vista apenas como

um instrumento pedagógico, mas como momento de troca entre as crianças e as

crianças e a professora, com a finalidade de ampliar as capacidades comunicativas

das crianças. A palavra ampliar revela que a criança não aprende a usar a

linguagem oral nas instituições educativas infantis, mas que, nesse espaço e,

sobretudo, no momento da roda de conversa, poderá ampliar as suas capacidades

comunicativas, falando e ouvindo os colegas.

Apesar de o RCNEI definir a roda de conversa como momento de troca de

experiências (o que nos parece muito importante), sugere atividades que podem ser

realizadas nesse momento. Dentre as atividades sugeridas, chama a nossa atenção

o fato de o documento apontar o trabalho com textos escritos na roda de conversa

para promover a aproximação da criança “[...] com aspectos mais formais da

linguagem”. Nesse contexto, é necessário retomar as idéias de Marcuschi (2007),

quando aponta que a oralidade “[...] é uma prática social interativa para fins

comunicativos que se apresenta sob variadas formas ou gêneros textuais fundados

na realidade sonora; ela vai desde uma realização mais informal à mais formal nos

mais variados contextos” (MARCUSCHI, 2007, p. 25). Portanto o documento não

considera que a linguagem oral adquire caráter mais ou menos formal, dependendo

do contexto de produção e das finalidades do texto, apresentando a linguagem

escrita como modelo para a linguagem oral ou para a produção de textos orais.

Nesse sentido, mesmo que o RCNEI apresente avanços no modo de conceber as

rodas de conversa, perpassa as sugestões ou orientações de trabalho a perspectiva

da dicotomia estrita presente no modo de conceber a relação entre linguagem oral e

linguagem escrita.

Conforme assinala Marcuschi (2007), nessa perspectiva, a escrita equivale à língua-

padrão e possui, dentre outras características, maior complexidade que a linguagem

oral. Logo, “[...] a perspectiva da dicotomia estrita tem o inconveniente de considerar

a fala como lugar do erro e do caos gramatical, tomando a escrita como o lugar da

norma e do bom uso da língua. Seguramente, trata-se de uma visão a ser rejeitada”

(MARCUSCHI, 2007, p. 28), pois as linguagens oral e escrita são modalidades de

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uso da língua, o que significa dizer que ambas variam e adquirem usos mais formais

ou menos formais a depender das condições de produção. Em outras palavras, “[...]

as diferenças entre fala e escrita se dão dentro do continuum tipológicos das

práticas sociais de produção textual e não na relação dicotômica de dois pólos

opostos” (MARCUSCHI, 2007, p. 37). Nesse sentido, compreendemos que a

orientação para o trabalho pedagógico com a linguagem oral presente no RCNEI

precisa avançar, no sentido de considerar as linguagens oral e escrita, conforme

defende Marcuschi (2007), como duas modalidades de uso da língua que podem

assumir características mais ou menos formais, dependendo do contexto de uso.

Salientamos essa necessidade, porque as indicações do RCNEI sobre condução do

trabalho pedagógico na roda de conversa, como veremos, são apropriadas pelas

professoras na instituição pesquisada.

Antes de iniciarmos as discussões das rodas de conversa nas classes observadas,

apresentaremos fotos das rodas nas turmas onde o estudo foi desenvolvido (Fotos

5, 6,7,8).

Foto 5 - Roda de conversa – Turma 1 Foto 6 - Roda de conversa – Turma 3

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Foto 7 - Roda de conversa – Turma 2 Foto 8 -Roda de conversa – Turma 4

Conforme podemos observar nessas fotos, com exceção da Turma 3, em que a

professora, algumas vezes, também realizava a roda no pátio, de modo geral, as

rodas aconteciam nas salas. Na maior parte do tempo, as crianças demonstravam

gostar de participar das rodas. No entanto, havia, por parte das crianças, em alguns

momentos, certa resistência em participar das rodas, principalmente, quando tinham

que parar de brincar. As professoras, nas rodas de conversa, faziam a chamada

(controle de presença das crianças). Também tinham o costume de contar e ler

histórias para as crianças, além de utilizar a roda como espaço para o ensino de

músicas e para a discussão de alguns assuntos que estavam sendo estudados. Os

detalhes sobre as atividades desenvolvidas pelas professoras serão apresentados

no decorrer das análises.

Considerando as observações realizadas nas turmas de Educação Infantil,

salientamos que não entendemos a roda de conversa apenas como um instrumento

pedagógico. No contexto de nossas observações, consideramos a roda como um

elemento da cultura da Educação Infantil, a qual, conforme vimos, se origina como

um espaço para a realização de conversas entre as crianças e a professora. Desse

modo, concebemos as rodas de conversa como espaços interlocutivos que se

desenvolvem por meio da conversação.

Para Marcuschi (2006, p. 14), “[...] a conversação é a primeira das formas de

linguagem a que estamos expostos e provavelmente a única da qual nunca

abdicamos pela vida afora. [...] é o gênero básico da interação humana”. Assim,

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utilizamos o gênero conversação na maior parte das atividades que realizamos

durante a vida: no trabalho, na escola, nas ruas, na família, ou seja, nas atividades

humanas de forma geral. Marcuschi (2006) apresenta, ainda, algumas

características da conversação que são: a conversação é um espaço privilegiado

para a construção de identidades sociais; a conversação exige uma enorme

coordenação de ações que exorbitam, em muito, as simples habilidades lingüísticas

dos falantes; a conversação não é fenômeno anárquico e aleatório, mas altamente

organizado e possível de ser estudado com rigor científico.

Essas questões apresentadas por Marcuschi (2006) nos levam a pensar que a

conversação que ocorre na roda pode contribuir para a formação da identidade das

crianças, na medida em que é um espaço que pode possibilitar a expressão de

sentimentos, de desejos, de pensamentos, etc. Além disso, é no dia-a-dia que a

criança se apropria “[...] das palavras do outro; daqueles que a cercam, fazendo das

palavras dos outros as suas palavras, tornando as palavras alheias, palavras

próprias, apropriando-se assim dos signos e valores de sua cultura” (BRITO, 2005,

p. 4). Em outras palavras, a conversação que se dá na roda pode resultar na

produção de movimentos discursivos entre as crianças e os seus pares e as

professoras. Por isso, conforme defende Marcuschi (2006), a conversação deve ser

analisada levando em consideração a forma como os interlocutores interagem, pois,

[...] a conversação não se funda exclusivamente na produção individual de cada falante, mas na produção conjunta. Isto permite que se tome a conversação como atividade de co-produção discursiva, mesmo quando a fonte é um indivíduo de cada vez (MARCUSCHI, 2006, p. 84).

Nessa perspectiva, a conversação é uma produção conjunta dos locutores que a

integram. Desse modo, consideraremos, no decorrer das análises, o processo de

interação entre os participantes da roda de conversa. A interação é

[...] um componente do processo de comunicação, de significação, de construção de sentido e que faz parte de todo ato de linguagem. É um fenômeno sociocultural, com características lingüísticas e discursivas passíveis de serem observadas, descritas, analisadas e interpretadas (BRAIT, 2003, p. 220).

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Nesse sentido, na análise da interação nas rodas de conversas, também é preciso

considerar a situação, as características dos participantes (crianças e professoras) e

a maneira como se posicionam na interação verbal.

Feitas as necessárias considerações, passaremos, agora, à análise das rodas de

conversa. Para a análise, selecionamos quatro rodas denominadas: Roda 1 -

História de João e Maria; Roda 2 – O sanduíche de Dona Maricota; Roda 3 – Papai

Noel existe?; Roda 4 – Direitos das crianças. A escolha dessas rodas se deu,

porque, por meio delas, observamos com mais clareza as interações verbais entre

as crianças e as professoras e, também, porque essas rodas nos revelaram os

modos peculiares de as crianças responderam às propostas das professoras.

5.1.2 As rodas de conversa e a linguagem oral Iniciaremos nossas análises, conforme mencionado, considerando os eventos

registrados em nosso corpus de pesquisa, em que as professoras levaram as

crianças a se sentarem na roda para conversar. Por meio do levantamento realizado

e explicitado nos quadros a seguir, podemos observar um panorama geral dessas

situações:

Evento: data Contexto da Roda de Conversa (Turma 1)

02: 29-5-2006 As professoras lêem o texto do cartaz (Era uma vez os três porquinhos) e

conversam com as crianças sobre o texto

06: 30-5-2006 Conversa sobre a história dos Três Porquinhos

09:06-6-2006 Relembrando a história dos Três Porquinhos

12:07-6-2006 As professoras contam a história do Macaquinho e fazem perguntas às

crianças sobre a história

15:12-6-2006 Audição do CD da história Chapeuzinho Vermelho e conversa sobre ela

18:14-6-2006 A professora conta novamente a história Chapeuzinho Vermelho e conversa

sobre ela

22:20-6-2006 A professora conta uma história sobre higiene. Conversa sobre higiene

pessoal

Quadro 1 – Situações envolvendo as rodas de conversa – Turma 1

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A partir do quadro apresentado, podemos verificar que, durante o período em que

observamos as atividades desenvolvidas na Turma 1 (29 de maio a 27 de junho de

2006), a roda de conversa era utilizada pelas professoras para leitura de histórias e

para conversas sobre as histórias lidas. Também era um espaço utilizado para a

escuta de CD com histórias e conversas sobre outros assuntos, como higiene

pessoal. Além de ouvir histórias e comentar sobre elas, observamos momentos de

realização de atividades envolvendo artes plásticas: colagem de formas geométricas

de diferentes cores para ensinar os nomes das cores, produção das casinhas dos

Três Porquinhos com palitos de picolé e outros materiais, pintura dos Três

Porquinhos e do Lobo Mau. Também trabalhavam com músicas que eram utilizadas

no momento de recepção das crianças (Bom-dia...Bom-dia...), para ir ao refeitório (O

trenzinho vai subindo a serra...). As professoras ainda colocavam CDs para as

crianças ouvirem cantigas de roda e músicas da Xuxa. A roda também era um

momento para a realização da “chamadinha”, que era realizada da seguinte

maneira: as professoras cantavam a música “Bom-dia”. Ao longo da música, as

crianças iam falando seus nomes e, nesse momento, recebiam fichas com seus

nomes escritos que eram colocadas pelas próprias crianças em um quadro de

pregas (dividido entre meninos e meninas) que ficava na parede.

Evento: data Contexto da Roda de Conversa (Turma 2)

25:7-7-2006 A estagiária organiza a roda de conversa para contar a história “O sanduíche

de Dona Maricota” e, depois de contar a história, conversa com os crianças

sobre a história

26:7-7-2006 A professora conversa com as crianças sobre o que gostariam de colocar nos

seus sanduíches

27:11-7-2006 A professora organiza a roda de conversa para ensinar a música “Se eu fosse

um peixinho”

29:11-07-06 A estagiária organiza a roda de conversa para contar a história “O macaco que

queria brincar”

32:11-7-2006 A professora conversa com as crianças sobre quem eles gostariam que

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passassem na rua de brilhantes deles (música – “Se esta rua fosse minha”)

35:25-7-2006 Leitura do texto informativo sobre Festa Junina e conversa sobre o texto

36:25-7-2006 Conversa sobre o que tem em uma Festa Junina

42:31-7-2006 A professora faz perguntas às crianças sobre o que tinha na Festa Junina que

tinha ocorrido no CMEI

48:2-8-2006 A professora faz perguntas às crianças sobre a história “A cesta da Dona

Maricota”

50:3-8-2006 A professora faz perguntas às crianças sobre quais frutas Dona Maricota

comprou na feira

56:11-8-2006 Conversa sobre o milho e seus derivados

62:18-8-2006 A professora canta com as crianças a música “Se eu fosse um peixinho”

65:23-8-2006 A estagiária conta a história de João e Maria e a professora faz perguntas

sobre a história

69:26-8-2006 A estagiária conta a história do sapo

Quadro 2 – Situações envolvendo a roda de conversa – Turma 2

Observamos, na Turma 2 (7 de julho a 24 de agosto de 2006), conforme nos

apresenta o quadro acima, que as rodas de conversa também eram utilizadas como

um instrumento pedagógico para a contação de histórias e conversas sobre elas,

além de servir como espaço para o ensino de músicas, para o ensino de conteúdos

e como um momento para a realização de perguntas às crianças sobre situações

vivenciadas na instituição.

Evento: data Contexto da Roda de Conversa (Turma 3)

76:31-8-2006 A professora organiza a roda de conversa e orienta a criança Elz a contar

uma história para a turma

81:4-9-2006 A professora jogava uma garrafa no meio da roda e as crianças que estavam

sentadas onde a garrafa parava falavam sobre o que lembravam quando a

professora dizia algumas palavras (sol, praia, etc.)

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81:4-9-2006 A professora sorteou o nome de uma criança da turma – enquanto as

crianças descreviam o colega sorteado e a professora escrevia o que elas

diziam em uma folha de papel cenário

82:19-9-2006 A professora mostra a fita métrica e conversa com as crianças sobre para

que ela é utilizada

91:2-10-2006 A professora conversa com as crianças sobre os alimentos saudáveis e os

alimentos não saudáveis.

92:04-10-06 A professora retoma a conversa com as crianças sobre os alimentos

saudáveis e os alimentos não saudáveis.

Quadro 3 – situações envolvendo a roda de conversa – Turma 3

O quadro acima, referente à Turma 3, indica que, no período de realização da

pesquisa (30 de agosto a 24 de outubro de 2006), diferentemente das outras turmas,

a roda de conversa não era utilizada para a contação de histórias. A Professora 4 a

utilizava para a realização de brincadeiras, para a produção de textos coletivos

escritos em papel cenário, para o ensino de conteúdos (medidas, alimentos

saudáveis e não saudáveis). Há também um evento no qual a professora orienta a

aluna Elz a contar uma história aos colegas, apoiando-se nas ilustrações contidas no

livro.

Evento: data Contexto da Roda de Conversa (Turma 4)

95:26-10-2006 Professora apresenta às crianças a pasta de leitura (elas levam a pasta para

casa com histórias para serem contadas por seus pais; no dia seguinte, a

criança conta a história que ouviu de seus pais para seus colegas de sala)

101:31-10-2006 A professora conversa com as crianças sobre os direitos das crianças

continua

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109:9-11-2006 As crianças ouvem o Hino Nacional e a professora conversa com elas sobre

o significado de algumas palavras do Hino e que não são utilizadas no nosso

cotidiano

112:22-11-2006 A professora conversa com os crianças sobre como surgiu Papai Noel

114:22-11-2006 Roda de conversa – A professora conversa com Paol e a turma sobre as

brincadeiras durante o recreio

122:27-11-2006 A professora conversa com a turma sobre um vídeo da Turma da Mônica

que as crianças haviam assistido

123:27-11-2006 A professora conta a história “A árvore de Beto”

127:31-11-2006 A professora conversa com crianças sobre a elaboração de uma carta para

Papai Noel

Quadro 4 – Situações envolvendo a roda de conversa – Turma 4

Na Turma 4, segundo os eventos descritos no quadro acima, registrado no período

de 26 de outubro a 7 de dezembro de 2006, as rodas de conversa eram um espaço

muito utilizado pela Professora 5 para a contação de histórias. Também foi usada

para a conversa sobre: Papai Noel, direitos das crianças, Hino Nacional e

comportamento das crianças durante o recreio na instituição, além de uma atividade

desenvolvida pela professora, em que as crianças, seguindo uma agenda, levavam

para a casa um livro. Em casa, os pais deveriam ler a história para as crianças e, no

dia seguinte, elas contariam a história para os colegas.

De modo geral, conforme evidenciado nos quadros apresentados, as rodas de

conversas eram utilizadas pelas professoras como meio para desenvolver trabalhos

com a leitura. No momento da roda, eram contadas histórias que davam origem a

outras rodas com a finalidade de conversar/questionar sobre a história ouvida. Esses

questionamentos sobre as histórias objetivavam saber se as crianças “decoraram”

os nomes das personagens e a seqüência dos fatos. As rodas de conversas também

eram utilizadas para o ensino de conteúdos, tais como: nome de frutas, de cores, de

elementos que integram uma festa junina, sobre o milho e seus derivados, Hino

Nacional, fita métrica, alimentos saudáveis e alimentos não saudáveis. Foi utilizada

também para trabalhar os direitos das crianças, etc. Além disso, as professoras das

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Turmas 2 e 4, em uma roda de conversa, fizeram a leitura de textos informativos: “O

que é uma Festa Junina” e “Como surgiu Papai Noel”. Houve, ainda, a organização

de rodas para que algumas crianças contassem histórias.

Diante da diversidade de atividades desenvolvidas nas rodas e das possibilidades

analíticas, nesse contexto, é importante lembrar que buscamos compreender como

se deram as conversas na roda e como aconteceram as interações nesse espaço.

Vale ressaltar também que a denominação roda de conversa não foi alterada,

porque, mesmo diante da diversidade de atividades desenvolvidas e apesar de elas

não visarem ao desenvolvimento de uma conversação, as relações que se efetivam,

de um modo ou de outro, se organizam por meio desse gênero. Para a análise,

selecionamos quatro rodas de conversa. Essa escolha pode ser explicada pelo fato

de, nessas rodas, termos conseguido observar, de forma mais clara, as interações

verbais entre as crianças e as professoras e, ainda, pelo fato de elas terem revelado

modos particulares de as crianças responderem às propostas das professoras e de

serem também representativas das diversas rodas observadas. A descrição e a

análise das conversas tomam como ponto de partida gravações feitas por meio da

câmara de vídeo e de anotações registradas no diário de campo.

Iniciaremos com a análise de uma roda de conversa que aconteceu na Turma 2¨,

com crianças que tinham, no período da realização da pesquisa, entre dois anos e

sete meses e quatro anos e dois meses. A professora dessa turma utilizava a roda

para contar histórias e fazer perguntas às crianças, além de aproveitar esse espaço

para ensinar conteúdos com os quais desejava trabalhar. Analisaremos o evento 65

que ocorreu no dia 23 de agosto de 2006. Nele, a Professora 3, após ter pedido à

estagiária que contasse a História de João e Maria, faz uma série de perguntas às

crianças sobre a história contada.

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a) Roda de Conversa 1 – História de João e Maria19

Para análise dos eventos observados, construímos um percurso analítico que

começa pela descrição das condições em que foram realizadas as rodas, para, em

seguida, analisar as interações/conversas que se desenvolveram durante o evento

focalizado.

Assim, o primeiro evento a ser analisado – História de João e Maria – integrava uma

série de atividades planejadas pela Professora 3. Entre elas, atividades que

envolviam artes plásticas, como a produção de doces pelas crianças com massinha

de modelar para colar em uma casinha feita com papelão e que representava a

casinha de doces da história. Além disso, planejou ensinar uma música sobre a

história e a dramatização (feita pelas professoras da escola) do texto para as

crianças.

O evento observado ocorreu na sala da Turma 2. A estagiária Jaq, que ajudava a

professora, leu a história João e Maria. Ao mesmo tempo em que lia, mostrava as

ilustrações para as crianças. Às vezes, parava a leitura para fazer perguntas. Após o

término da leitura, a Professora 3 continuou o trabalho com a aplicação de um

questionário oral a respeito da história. Assim, a análise do evento está centrada no

momento em que a Professora 3 assume o trabalho no lugar da estagiária.

Ela inicia o trabalho na roda dizendo às crianças que gostaria de ver “[...] quem

lembrava a historinha que a tia Jaq contou”. As crianças disseram o nome da história

para a professora. Em seguida, ela começou a fazer as perguntas. Antes, porém,

convida a criança Car, que não gostava de ficar na roda, para anotar as respostas

de seus colegas. A menina aceitou a proposta da professora e, por isso, recebeu um

caderno e um lápis para fazer as anotações. Assim, à medida que as crianças iam

respondendo, a Professora 3 pedia a Car que anotasse as respostas. As perguntas

elaboradas pela professora foram construídas a partir das ilustrações e do texto do

livro. Dessa forma, ela retomou toda a história por meio das perguntas.

19 GRISOLIA, Dulcy. Joao e Maria. Ilustrações de Avelino Guedes. São Paulo: FTD, 2000.

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Apresentaremos um recorte do evento observado em que a Professora 3 apresenta

a ilustração na qual João ouve seus pais conversando sobre deixá-los na floresta

para não vê-los morrer de fome. Como João ouviu a conversa de seus pais, teve a

idéia de pegar pedras para sinalizar o caminho e, assim, não se perder na floresta.

• Como João e Maria retornam para casa

T36 Prof. 3: pegou pedrinhas... pra jogar onde? pra ir pra floresta... pra não ficar

perdido... pra jogar no...

T37Jos: na folha...

T38 Prof.: no ca... não... quando a gente anda... lembra...que vocês até fizeram de

pedrinhas... colocar no... ca...

T39 Rua: rua...

T40 Prof. 3: não... começa com ca... que a gente anda pra chegar na floresta... no

ca-mi...

T41 Crianças: cami... ((repetem o que a professora diz))

T42 Prof. 3: no caminho... gente... quando a gente anda...

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No turno 36, a professora pergunta às crianças onde João jogou as pedrinhas. A

criança Jos (T37) responde que João jogou as pedrinhas na folha. Considerando a

ilustração do livro apresentada pela professora, podemos dizer que essa era uma

resposta possível, pois havia folhas de árvores caídas pelo chão da floresta por

onde os meninos da história caminharam. Entretanto a professora não ouve a

resposta da criança e, no turno 38, tenta levar as crianças a se lembrarem da

palavra dizendo a sua primeira sílaba. Ainda faz referência a uma atividade

(colagem de pedrinhas na rua desenhada em um cartaz) realizada com elas a partir

da música “Se essa rua fosse minha”. A criança Rua, no turno 39, diz à professora

que João jogou as pedrinhas na rua. Certamente, a pista dada pela professora

possibilitou essa resposta. Apesar disso, ela refuta a resposta com um não e

continua indicando novamente a sílaba inicial da palavra que deseja obter como

resposta.

A Professora 3 segue com os questionamentos indagando às crianças quem ficou

alegre após João e Maria terem conseguido voltar para casa:

T56 Prof. 3: [...] mas quem ficou alegre? quando João e Maria chegou?

T57 Rua: João... JOÃO...

[

T58 Mano: o pai...

[

T59 Prof. 3: o pai::: e a?

[

T60 Mano: mãe:::

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De acordo com essa transcrição, a criança Rua responde, no turno 57, que João

ficou alegre, ao chegar à sua casa. No entanto, ela não obtém resposta da

professora que alterna o turno para outras crianças que enunciam respostas que

atendem à sua expectativa. No turno 58, a aluna Man diz que quem ficou alegre foi o

pai dos meninos. Essa era a resposta desejada pela professora e, para demonstrar

a sua concordância com a resposta, no turno 59, ela repete a resposta da criança e

completa com uma nova pergunta “e a?”. Imediatamente, no turno 60, Man completa

dizendo que a mãe também ficou feliz.

Desse modo, assim como evidenciado no trecho, a professora tinha uma resposta

para a pergunta formulada. Por isso, mesmo que a resposta de Rua seja adequada,

porque, provavelmente, João também ficou muito alegre por conseguir chegar à sua

casa, após ficar com sua irmã perdido na floresta, a professora não discute a

resposta. Vemos, nos dois exemplos, que a professora esperava, para as perguntas,

respostas únicas que consistiam na repetição do escrito no texto. Dessa forma, a

produção de sentidos é cerceada e o diálogo com o texto não se instaura. Essa

questão será discutida na parte final da apresentação dessa roda de conversa. A

professora segue a atividade na roda dizendo às crianças que os pais de João e

Maria conversaram, novamente, sobre o fato de não terem comida para darem aos

seus filhos. Vejamos, na transcrição, como se deu essa interação verbal:

• João e Maria são, novamente, levados para a floresta

T63 Prof. 3: [...] TEmos que levar João e Maria para a::: floresta... João ouviu

novamente... só que a casa estava trancada... ((faz uma pergunta ao Rua que não

estava prestando atenção)) não estava... Rua?

T64 Rua: tava...

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T65 Prof. 3: ele não conseguiu pegar a pedrinha... o quê? que ele pegou? pra voltar

pra floresta?

T66 Crianças: pedri-nhas...

T67 Prof. 3: não... depois... o quê::? que ele pegou o quê? que a gente come de

manhã com manteiga? pegou o quê?

T68 Crianças: pão:::

No turno 63, a professora fala para as crianças que os pais de João e Maria não

tinham comida para dar a seus filhos e, pela segunda vez, combinam deixar as

crianças na floresta. Nesse contexto, ela relembra, no turno 65, que, desta vez, João

não conseguiu pegar pedrinhas e pergunta o que ele levou, para não se perder na

floresta. Como as crianças não respondiam, ela dirige a interação verbal, a fim de

obter delas a resposta que considerava adequada (T68). Nos turnos 69 a 82,

transcritos em seguida, temos uma sucessão de perguntas realizadas pela

professora, visando à obtenção da resposta esperada que se efetiva no turno 82.

Vejamos:

• O passarinho come as migalhas de pão que João jogou para marcar o

caminho e os irmãos ficam perdidos na floresta

T69 Prof. 3: pão:: aí... ele foi jogando... isso... ele foi jogando no caminho... quem foi

que comeu? ((pede a Pau que mostre a ilustração para os colegas)) mostra... mostra

aqui... tá aqui... tá certo.. tá na página... mostra aqui... o passarinho pra eles... quem

foi que comeu os pães? os pedacinhos de pães? quem foi que comeu? mostra pra

tia... mostra aí Pau... tá na sua mão...

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T70 Jose: que o menino comeu tudo... comeu tudo...

T71 Prof. 3: quem comeu?

T72 Jose: o menino...

T73 Prof. 3: não::: foi uma outra pessoa que comeu... quem comeu?

T74 Rua:a bru-XA...

T75 Prof. 3: não... o pão foi a bruxa que comeu?

Cria: não...

T76 Prof. 3: aqui Maria no seu... mostra a ele... deixa eu ver? ah...cadê Maria? você

achou... eu não achei não...

T77 Esta: aqui tem também... oh...

T78 Prof. 3: quem foi que comeu os pedacinhos de pães que ele jogou no caminho?

Olha... quem comeu? que bichinho é esse aqui? Manoele... ah::: tem aqui::: quem foi

que comeu da segunda vez?

T79 Mano: as meninas e meninos...

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T80 Prof. 3: não isso aqui é as meninas e os... ((olha a ilustração)) é::: isso aqui é

João e Maria... mas da segunda vez quem comeu? os pe-dacinhos de pão que ele

colocou na estradinha pra voltar pra casa? ((mostra a ilustração)) que animalzinho é

esse? que voa?

T81 Eman: o passarinho...

T82 Prof. 3: ah o passarinho... comeu todas as migalhas de pão... todos os

pedacinhos ... não foi? aí... João e Maria... ficaram o quê? Rua... vem cá...

Nesse contexto, a professora queria saber quem havia comido o pão que João tinha

jogado no caminho. As crianças não conseguem responder, pois ela fornece uma

indicação inadequada. No turno 72, Jos diz que foi o menino. Já no turno 74, a

criança Rua, diante da intervenção da professora, diz que foi a bruxa. Assim, após a

professora mostrar a ilustração com o passarinho, a aluna Ema (T82) diz que foi ele

quem comeu o pão.

Posteriormente, a Professora 3 pergunta como João e Maria ficaram, quando

descobriram que o passarinho havia comido as migalhas de pão que marcavam o

caminho de volta. A transcrição a seguir detalha como ocorreu o diálogo entre a

professora e as crianças sobre essa questão:

T82 Prof. 3: ah o passarinho... comeu todas as migalhas de pão... todos os

pedacinhos ... não foi? aí... João e Maria... ficaram o quê? Rua... vem cá...

[

T83 Rua: ficou triste...

[

T84 Prof. 3: ficou per::

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[

T85 Rua: dido...

[

T86 Prof. 3: dido... conseguiu voltar para casa?

T87 Cria: não

T88 Prof. 3: não::: vem aqui... Rua... ((a professora chama a atenção da criança Rua

que estava inquieto e se afastava constantemente da roda))

A transcrição acima nos mostra que, após a professora perguntar como João e

Maria ficaram na floresta (T82), a criança Rua responde, no turno 84, que João ficou

triste. A professora não dá atenção à resposta dessa criança e conduz as crianças

para a resposta que desejava ouvir (T85). No entanto podemos considerar que,

quando Rua diz que João ficou triste, sua resposta não é inadequada, porque, ao

descobrir que estava perdida, a personagem da história, certamente, poderia ficar

triste. Mais uma vez, entretanto, a professora insiste em concordar com respostas

que estão visíveis no texto escrito. Ela continua dirigindo a interação verbal,

perguntando às crianças o que João e Maria encontraram na floresta:

T94 Prof. 3: Mano::: o que eles viram na floresta? quando estava escuro? Ruan... o

que que eles viram na floresta quando estavam perdidos?

T95 Man: chocolate...

T96 Prof. 3: viram uma ca::: começa com ca... viram uma ca...

[

T97 Cria: viram uma::: ca:::

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T98 Prof. 3: casa... cheia de que?

A menina Man responde, no turno 95, que João e Maria encontraram chocolate na

floresta. No turno seguinte, a professora indica que não aceita a resposta, ao

continuar a interação verbal, induzindo-as a dizerem a palavra casa. No entanto, se

a casa era feita de chocolate, João e Maria também encontraram chocolate.

Finalizando, a Professora 3 pergunta o que foi que a bruxa fez com João e Maria,

como podemos ver no trecho que segue:

T104 Prof.3: [...] o que que foi a bruxa fez com João e Maria?

T105 Rua: NADA... NADA... ((fala alto))

A criança Rua demonstra, no turno 105, a sua insatisfação com o fato de suas

respostas não serem levadas em consideração pela professora. Assim, percebendo

que não era possível se enunciar, perde o interesse e demonstra sua chateação.

Logo, quando a professora pergunta o que foi que a bruxa fez com João e Maria?

Ele responde de forma enfática: NADA, NADA.

Feita a apresentação de alguns momentos da interação verbal que se estabeleceu

nessa roda de conversa, teceremos alguns comentários. Inicialmente, é importante

salientar que as crianças vivenciaram dificuldades na elaboração sentidos para o

texto que instaurou a conversa, a História de João e Maria. Conforme vimos, a

Professora 3 faz uso do discurso denominado triádico (IRA), pois faz constantes

reformulações das questões até que as crianças apresentem a resposta desejada

por ela. Para Compiani (1996), o “[...] discurso tipo IRA” é uma forma interativa e de

discurso que se estabelece entre professor/criança. Ele é “[...] um padrão discursivo

muito comum em sala de aula, que se caracteriza pela seguinte seqüência: o

professor inicia o intercâmbio, normalmente a partir de uma pergunta (I), a criança

responde, o professor faz um comentário avaliativo (A)” (MONTEIRO; TEIXEIRA,

2003, p.1).

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A perspectiva bakhtiniana de linguagem que orienta este estudo compreende que a

realidade da linguagem se baseia numa estrutura socioideológica. Portanto não

podemos perder de vista que o discurso tipo IRA utilizado pela Professora 3 é um

fenômeno socioideológico, pois

A verdadeira substância da língua não é constituída por sistema abstrato de formas lingüísticas, nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações (BAKHTIN, 2004, p. 123).

Assim, a interação verbal que ocorreu entre a professora e as crianças não é,

segundo a perspectiva de Bakhtin (2004), meramente um fenômeno lingüístico, nem

simplesmente um fenômeno psicofisiológico, mas, principalmente, um fenômeno

social. Para Bakhtin (2004, p. 114), “[...] a situação e os participantes mais imediatos

determinam a forma e o estilo ocasionais da enunciação”. Nesse sentido, o

fenômeno social explica o fato de a professora se dirigir às crianças usando o

discurso triádico (IRA)? Que relações sociais são travadas na escola entre professor

e criança que resultam nesse tipo de interação verbal?

Bakhtin (2004) faz alguns apontamentos sobre essas questões. Para ele, “[...] na

realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de

que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém” (BAKHTIN,

2004, p. 113). Orlandi (1996, p. 26) concorda com Bakhtin afirmando que, “[...]

quando se diz algo, alguém o diz de algum lugar da sociedade para outro alguém

também de algum lugar da sociedade e isso faz parte da significação”. Assim, no

contexto do evento apresentado, a palavra procede da professora que ocupa o lugar

de quem ensina e sua palavra se dirige às crianças que ocupam o lugar de quem

aprende.

De acordo com Orlandi (1996, p. 28), “[...] a escola se institui por regulamentos, por

máximas que aparecem como válidas para a ação, como modelos. Ela atua pelo

prestígio e pelo seu discurso, o DP (Discurso Pedagógico)”. Nesse contexto,

conforme observamos, o discurso triádico tipo IRA utilizado pela professora pouco

contribuía para que as crianças construíssem sentidos sobre o texto, pois as

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respostas aceitas por ela já estavam estabelecidas previamente. Essa forma de

conduta é resultado do “[...] autoritarismo que está incorporado nas relações sociais.

Está na escola, está no seu discurso” (ORLANDI, 1996, p. 32) e, também, traduzem

as visões que se tem de leitura. Desse modo, temos então a utilização de um DP

tipicamente autoritário, porque, segundo Orlandi (1996), nesse tipo de discurso,

ocorre a contenção da polissemia, o agente do discurso se coloca como único,

ocultando o referente por meio do dizer, fato que ocorre no evento que

apresentamos. Nesse sentido, a forma como a professora direciona a interação

verbal está intimamente relacionada com a sua concepção de linguagem, questão

que discutiremos no final da análise da roda de conversa.

Geraldi (2003, p. 153-154), comentando a constituição do sujeito por meio dos

processos interacionais da linguagem, defende que, ao nos formamos como “[...]

locutores a cada turno de conversação, estamos investindo nos atos lingüísticos que

praticamos, no sentido de que a imagem que se tem de si próprio é uma identidade

que a interação constrói e, ao mesmo tempo, ameaça”. Assim, na roda de conversa

que apresentamos, que oportunidades as crianças tiveram de se constituírem como

locutores ou de se construírem como sujeitos? Que imagens de si próprias foram

construídas? Ao não comentar as respostas das crianças, a professora pouco

contribui para que elas se constituam como locutores e construam imagens positivas

sobre elas próprias.

Conforme argumentamos, a produção de sentidos era contida pela professora por

meio da ausência de respostas às colocações das crianças. Ela seguia o trabalho de

levar a identificação dos sentidos contidos no texto escrito. É importante

acentuarmos que consideramos a leitura como uma atividade de

constituição/produção de sentidos. Nessa direção, o que se espera é que os sujeitos

leitores tenham uma atitude ativa responsiva no processo de leitura, o que implica

concordar ou não com as idéias expressas no texto, completá-las e adaptá-las,

muitas vezes, ao próprio vocabulário utilizado pelo leitor no seu cotidiano. Se a

atividade de leitura é produção de sentido baseada na interação autor-texto-leitor, na

situação observada, estabelece-se, nessa relação, um terceiro elemento – a

professora – que conduz o processo de leitura para sentidos que ela própria

construiu. Por isso, é necessário discutir a maneira como a professora concebe a

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leitura que, conforme vimos, aponta a compreensão de que o texto escrito é a única

fonte de sentidos. Assim, segundo essa concepção, a leitura se dá por meio da

decodificação do texto escrito.

Desse modo, segundo Pfeiffer (2003), para essa perspectiva, o que dá legitimidade

à leitura é a escrita, resultando, assim, num apagamento da oralidade em detrimento

da escrita, sendo que esta última é “[...] entendida como legitimadora e

evidenciadora dos fatos – é porque está escrito que é. As coisas se tornam

enquanto tais através da escrita” (PFEIFFER, 2003, p. 91). Essa questão apontada

pela autora é extremamente relevante para este estudo, pois, conforme vimos, as

respostas das crianças só eram legitimadas ou aceitas pela professora, quando

reproduziam os sentidos presentes no texto escrito. Assim, para a professora, a

leitura correta dos textos é aquela que apresenta os sentidos que nele estão

demarcados.

Nessa perspectiva, como fica, então, o espaço para a construção de sentidos pelas

crianças? Vimos, na análise dessa roda, o cerceamento da produção de sentidos

pelas crianças, quando a professora, na condução do processo de leitura, as

direciona para o reconhecimento dos sentidos presentes no texto considerados

como os mais adequados à sua compreensão. Assim, o foco da leitura é o texto e a

concepção de língua que fundamenta essa perspectiva é aquela que concebe a

língua como um código, uma estrutura ou um sistema, no qual os sentidos estão

presentes na “suposta” linearidade do texto, cabendo ao leitor reconhecer esses

sentidos. Fato este que resulta num apagamento do sujeito-leitor e,

conseqüentemente, de sua história, de suas leituras e de seu conhecimento de

mundo.

Apesar de a professora controlar a produção de sentidos, as crianças constroem os

seus próprios sentidos sobre o texto, conforme apresentado nos turnos 39, 57, 82 e

95. Assim, observamos que essas relações não são mecânicas e deterministas, pois

as crianças nos mostraram, nesse evento, que constroem sentidos, apesar da

censura que sofrem durante o processo de leitura, porque o “[...] sujeito-leitor se

constrói em outros lugares fora da escola e isso causa efeitos dentro dos muros

escolares, assim como o inverso também é verdadeiro” (PFEIFFER, 2003, p. 91).

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Nesse contexto, também consideramos relevante retomar a dicotomia presente nas

propostas do RCNEI de trabalho com as linguagens oral e escrita. Essa última é

considerada formal, enquanto a linguagem oral é aquela em que se estabelecem os

usos não formais da língua. As propostas do RCNEI se apresentam nas práticas

educativas, pois os textos escritos são utilizados intensamente pelas professoras

como modelos formais de linguagem.

Historicamente, construiu-se uma concepção, na qual a escola é vista como o lugar

do ensino da norma culta da língua que, segundo essa concepção, está presente na

escrita e não no texto oral. Todavia este estudo se insere numa perspectiva que

concebe a linguagem oral, assim como a linguagem escrita como modalidades de

uso da língua e as instituições educativas como lugar de interação verbal, portanto,

de diálogo entre sujeitos – crianças e crianças e professores – todos portadores de

diferentes conhecimentos. Logo, “[...] a fala não apresenta propriedades intrínsecas

negativas, também a escrita não tem propriedades intrínsecas privilegiadas. São

modos de representação cognitiva e social que se revelam em práticas específicas”

(MARCUSCHI, 2007, p. 35). Portanto tanto a fala quanto a escrita são utilizadas em

situações mais formais ou menos formais e a escola precisa considerar esse

aspecto, fato que resultará no ensino das duas modalidades sem dicotomizá-las ou,

ainda, sem o privilégio do texto escrito e dos sentidos que ela carrega em detrimento

da fala das crianças, conforme ficou evidenciado nesse evento.

Outra questão que deve ser mencionada é o fato de considerarmos que a proposta

de realizar leituras na roda de conversa pode ser uma atividade extremamente

interessante para as crianças e a professora, se essa última reconhecer ou conhecer

a necessidade de subsidiar essa prática com outra concepção de leitura, uma

concepção que compreenda a leitura numa perspectiva dialógica, que vislumbre a

leitura como o encontro entre autor-texto-leitor numa relação interlocutiva, cujos

sentidos são construídos por meio desse encontro. Dito de outra forma por Geraldi

(2006, p. 91),

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[...] o autor, instância discursiva de que emana o texto, se mostra e se dilui nas leituras de seu texto: deu-lhe uma significação, imaginou seus interlocutores, mas não domina sozinho o processo de leitura de seu leitor, pois este, por sua vez, reconstrói o texto na sua leitura, atribuído-lhe a sua (do leitor) significação.

O encontro a que Geraldi (2006) faz referência deve ocorrer entre o leitor e o

texto/autor. O professor, nesse contexto, deve se portar como mediador dessa

relação e, também, como um leitor, é claro, mas que faz uma das leituras possíveis

e não a leitura considerada mais “correta” ou mais “adequada”. Assim, consideramos

que a compreensão da leitura, numa perspectiva discursiva, possibilitaria a efetiva

participação das crianças na roda de conversa, dando-lhes condições de

construírem seus sentidos sobre o texto. Nesse contexto, a professora entenderia as

respostas das crianças como produção de sentidos a partir do texto e não como

respostas erradas ou inadequadas, mas como interlocução com o texto que lhes foi

apresentado. Dessa forma, defendemos que a leitura deve ser compreendida numa

perspectiva discursiva, pois é produção/construção de sentidos pelo leitor e autor

que estão situados num contexto sócio-histórico e, por isso, ideologicamente

constituídos. Para Orlandi (1996, p. 37-38),

[...] a leitura é o momento crítico da constituição do texto, o momento privilegiado do processo de interação verbal, uma vez que é nele que se desencadeia o processo de significação. No momento em que se realiza o processo de leitura, se configura o espaço da discursividade em que se instaura um modo de significação específico.

O texto só se constitui, segundo essa concepção, no processo de interação verbal,

no qual, efetivamente, há o desenvolvimento da significação ou da produção de

sentidos, no qual a produção do leitor é “[...] marcada pela experiência do outro,

autor, tal como este, na produção do texto que se oferece à leitura, se marcou pelos

leitores que, sempre, qualquer texto demanda. Se assim não fosse não seria

interlocução” (GERALDI, 2003, p. 166-167). E o professor, como mediador no

processo de leitura, pode possibilitar a interlocução, na medida em que compreende

a leitura numa perspectiva dialógica, possibilitando, assim, que as crianças falem

sobre suas impressões a respeito do texto, sobre suas dúvidas, seus

questionamentos entre outros, podendo se constituir como sujeito que diz, que

produz significações. Um exemplo disso é o que faz o menino Rua, quando fala que

João e Maria ficaram tristes. Sabemos que as pessoas que, por algum motivo, ficam

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perdidas sentem tristeza, preocupação. Infelizmente, não houve, por parte da

professora, uma valorização da fala do menino.

Finalmente, insistimos que a conversação didática e a aferição das respostas própria

do discurso tipo IRA realizadas pela professora pouco contribuíram para que as

crianças se enunciassem ou se tornassem sujeitos da sua fala. As suas

contribuições, em determinados momentos, eram extremamente relevantes,

entretanto, no contexto da interação verbal, que se estabelecia, conforme

apresentamos nos exemplos citados, eram cerceadas pela professora. Desse modo,

não é por acaso que a criança Rua, no turno 105, se rebela respondendo que a

bruxa não fez nada com as crianças, demonstrando certa “ironia” e irritação, pois

não adianta elaborar respostas, já que suas palavras não são ouvidas. A visão da

linguagem pautada no dialogismo bakhtiniano postula a linguagem como

[...] um acontecimento social, fruto de alguma atividade de comunicação social (trabalho) realizada na forma de uma comunicação verbal determinada, isto é, da interação verbal de um ou mais enunciados construídos num processo dialógico de alternância dos sujeitos envolvidos, e não na concepção estática (SOUZA, 2002, p. 77).

Acreditamos, portanto, que essa concepção de linguagem transforma o trabalho

pedagógico que tem como foco a linguagem numa perspectiva unívoca, estática e

mecânica para o estabelecimento de uma prática que veja a criança como

participante ativa da interação verbal, cujas falas representam o diálogo que ela

constitui para os textos. Nessa perspectiva, concordamos com Bakhtin (1982),

quando diz: La vida es dialógica por su naturaleza. Vivir significa participar em um diálogo: significa interrogar, oír, responder, esta de acuerdo, etc. El hombre participa em este diálogo todo y com toda su vida: com ojos, lábios, manos, alma, espíritu, com todo el cuerpo, com sus actos. El hombre se entrega todo a la palavra y esta palavra forma parte de la tela dialógica de la vida humana, del simpósio universal (BAKHTIN, apud SOUZA, 2002, p. 82).

As crianças estão a todo o tempo dialogando com a vida. Isso fica evidente no

evento apresentado, na medida em que elas, constantemente, buscam instaurar um

diálogo, quando mantêm, diante da professora, uma atitude responsiva na tentativa

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de desvencilhar-se da coisificação da palavra do texto escrito que tem sido

fundamentada em procedimentos mecânicos que impedem a visualização de

diálogos.

b) Roda de Conversa 2 – O Sanduíche de Dona Maricota 20

Outra roda de conversa que também pode ser tomada para ilustrar a presença do

discurso triádico tipo (IRA) que, conforme discorremos no item anterior, acaba

dificultando a instauração dos sujeitos e da interação verbal, ocorreu no evento 25,

no dia 7 de julho de 2006, na Turma 2 da Professora 3. Essa professora orientou a

estagiária para contar a história O sanduíche da Dona Maricota. A leitura integrava

uma série de atividades que a professora vinha realizando sobre o tema

alimentação: o milho e seus derivados, docinhos da casa da história de João e

Maria, comidas típicas (Festa Junina). Nesse contexto, a professora planejou a

atividade de leitura para as crianças do livro O sanduíche de Dona Maricota,

também para falar sobre alimentação, objetivando que as crianças fizessem o

reconhecimento dos ingredientes que são usados nos sanduíches. Após ouvirem a

história, ela propôs, na roda de conversa, que as crianças construíssem o seu

próprio sanduíche, dizendo o que eles gostariam de colocar no sanduíche. Na

interação verbal que apresentaremos a seguir, a professora e sua ajudante, a

estagiária Jaq, revezam-se no diálogo com as crianças sobre o que eles gostariam

de colocar nos seus sanduíches.

T1 Prof. 3: o que... que tem no seu sanduíche... Vit? ((a professora perguntava e

anotava no caderno))

T2 Vit : bala...

20 GUEDES, Avelino. O sanduíche da Maricota. Ilustrações do autor. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2002. Coleção Girassol.

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T3 Prof. 3 : mais o que? vamos fazer... mais o quê Vit? tem no seu sanduíche?

T4 Estagiária: o quê? que a gente vai usar pra fazer um sanduíche bem gostoso:::?

T5 Rua: caneta:::

T6 Estagiária: caneta:::?

T7 Prof. 3:: não para comER...

Levando em consideração que a criança deveria dizer aquilo que gostaria de colocar

no seu sanduíche, podemos afirmar que a Professora 3 propôs uma pergunta que

possibilitava inúmeras respostas. Apesar disso, a resposta caneta do menino Rua,

no turno 5, é considerada inadequada pela estagiária e pela professora, por meio da

afirmação de que a resposta adequada teria que ser algo para comer (T6 e T7).

Conforme defendemos na análise da roda de conversa anterior, há, por parte da

professora e da estagiária, a busca de respostas que são consideradas corretas.

Assim, mesmo que a resposta da criança não tenha sido adequada, pois não

colocamos canetas em sanduíches, não há comentários sobre essa questão, há

apenas negação. Nesse contexto, a professora conduz a interação verbal,

mostrando às crianças a ilustração do livro, dizendo que tipo de coisas se pode

colocar em um sanduíche.

T24 Prof. 3: vai ficar grandão... que mais o que que a gente vai colocar no

sanduíche? ovo... o que que Maricota colocou? abre o livro e mostra pra eles ((a

Professora 3 pede a estagiária Jaq que mostre o que Maricota colocou no

sanduíche))

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T25 Estagiária: olha aqui... olha... o monte coisa que tem... ((mostrando a ilustração

do livro)) mas...vamos sentar pra todo mundo ver... o que você vai colocar...

T26 Prof. 3: ovo...

T27 Estagiária: ovo...ela já colocou aqui...oh...

Insistimos, portanto, que a utilização do discurso triádico tipo IRA tem caráter

autoritário, porque conduz a uma única resposta, não contribuindo, assim, para que

a criança vivencie situações, nas quais haja a possibilidade de que faça,

verdadeiramente, o uso da palavra. Desse modo, a criança é levada a parafrasear o

texto. Mesmo quando, inicialmente, a Professora 3 coloca uma questão “aberta” que

possibilita a polissemia (O que você gostaria de colocar no seu sanduíche?), ocorre

um direcionamento da interação verbal para a realização da paráfrase e, assim, o

que se faz é a repetição dos sentidos presentes no texto que abriu a discussão.

Conforme o trecho aqui apresentado, as crianças deveriam colocar no “seu”

sanduíche “aquilo que a Dona Maricota, personagem da história, havia colocado no

sanduíche”. Mais uma vez, o espaço para a polissemia é descartado. Logo, a

participação das crianças em diálogos como os que estamos apresentando, “[...] na

medida em que vivenciados pelas crianças, vai-lhes ensinando: só se responde

quando se tem a resposta que a professora quer” (GERALDI, 2003, p. 156).

Retomando o evento, a professora segue a interação, pedindo às crianças que

continuem dizendo coisas que gostariam que colocassem em seus sanduíches.

T75 Rua: tia... eu vou fazer sanduíche de rato pra você...

T76 Prof. 3: eu hein... eu não gosto de rato... a gente não come rato:::

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T77 Rua: tia... é só matar e fritar::: ó tia... ((o criança insiste e a professora muda de

assunto, mas ele puxa o rosto dela pra ela prestar atenção no que ele está falando))

T78 Prof. 3: eu hein... ((os outros crianças ficam pedindo a estagiária que mostre as

ilustrações do livro))

T79 Estagiária: vamos sentar todo mundo que agora o Edu vai contar de novo a

historinha...

Na interação verbal apresentada, vimos que a Professora 3 eliminou a possibilidade

de discutir por que não comemos carne de rato. Sabe-se que, em outras culturas, é

uma carne que é utilizada na alimentação das pessoas. Desse modo, poderia se

discutir a partir da participação da criança, porque outros grupos sociais comem

essa carne. É possível que a professora não tivesse, no momento, elementos para a

realização dessa discussão com sua turma, porém isso não a impediria de pensar

com as crianças sobre a questão. Todavia a assimetria própria do discurso veiculado

na escola não colabora para que a professora abra a possibilidade de discussão.

Geraldi (2003) defende a possibilidade de relativização das posições do professor e

da criança no discurso ensino-aprendizagem, “[...] recuperando a ambos (professor

e crianças) como sujeitos que se debruçam sobre um objeto a conhecer e que

compartilham, no discurso de sala de aula, contribuições exploratórias na construção

do conhecimento” (GERALDI, 2003, p. 159-160).

Por fim, na roda de conversa 2, a produção de sentidos pelas crianças ficou

prejudicada. Conforme aponta Geraldi (2003), o texto é o lugar de encontro entre

autor e leitor, pois os sentidos não estão somente no autor e não apenas no leitor,

mas no encontro dos dois. Assim, o texto O sanduíche de Dona Maricota, como

outros textos, têm sua materialidade lingüística que, segundo Geraldi (2003, p. 167),

“[...] se constrói nos encontros concretos de cada leitura e estas, por seu turno, são

materialmente marcadas pela concretude de um produto com ‘espaços em branco’”.

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Nesse sentido, o texto apresentado pela professora tem espaços em branco que as

crianças tentaram preencher, quando na enunciação era sugerida a produção de um

sanduíche diferente daquele produzido pela Dona Maricota, colocando nele caneta,

bala e carne de rato. Contudo, apesar de a interação verbal produzir relações

intersubjetivas autoritárias, as crianças não se assujeitam às condições do discurso

instaurado, quando expandem aos sentidos propostos pelo diálogo.

c) Roda de conversa 3 – Papai Noel existe?

A roda de conversa que agora analisaremos ocorreu no evento 127, no dia 31 de

novembro de 2006, na Turma 4 da Professora 5. Lembramos que as crianças dessa

turma tinham, no período de realização da observação, cinco anos e sete meses a

seis anos e seis meses de idade. Nele, a Professora 5 inicia a roda de conversa,

falando sobre a possibilidade de a turma escrever uma carta fazendo pedidos a

Papai Noel. Em seguida, começa a direcionar a elaboração da carta, dizendo às

crianças como se deve escrever uma carta. Essa atividade integrou uma série de

trabalhos que a professora realizava sobre o Natal como: a produção de

lembrancinhas e a conversa com as crianças sobre como surgiu Papai Noel. É

importante salientar que, diferentemente, das duas rodas apresentadas até aqui, a

roda que analisaremos, agora, não ocorreu com o objetivo de fazer perguntas sobre

uma história contada às crianças, mas no intuito de mostrar a elas como se dá a

produção de uma carta. Analisaremos, a seguir, um trecho da transcrição, no qual a

professora faz perguntas sobre o Natal:

T40 Prof. 5: será que o Natal e só ganhar presente? ein Enz? quem não tem papai

e mamãe que não pode dar presente? como é que passa o Natal? essa criança...

como que vocês acham?

T41 Vin: eu não posso ganhar presente...

T42 Enz: oh tia... Papai Noel não existe não... tia... tia...e os pais que dão presente...

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[

T43 Ali: mamãe falou que está tudo caro...

[

T44 Enz: ele não existe... não... são os pais que dão presente...

[

T45 Mil: existe... eu ganhei um fogãozinho dele...

T46 Prof. 5: presta atenção na pergunta que a tia Márcia está fazendo... Vin... oh...

vocês vão pedir para o pai... táq... e quem não tem um pai uma que não pode

comprar o presente que ele quer? como é que essa criança passa o natal? vocês

acham que ela pede o quê?

T47 Crianças: minha tia comprou uma bicicleta ((a resposta da criança, sugere que

quando o pai não pode dar presente, um parente pode))

T48 Prof. 5: mas...e outras coisas que dinheiro não compra? senta aí... depois você

mostra o seu...tá bem?((fala com sua filha que estava na sal)) o que que a gente

pode pedir que não custa dinheiro pro Papai Noel? o que que não custa dinheiro que

a gente tem? que a gente pode pedir? paz custa dinheiro?

No turno 40, a professora faz perguntas sobre o aspecto comercial da festa de Natal.

Pensamos que as perguntas estão relacionadas com o fato de as crianças de sua

sala de aula, conforme apresentamos no item sobre a caracterização dos sujeitos,

pertencerem a famílias com uma renda mensal baixa. Logo, suas famílias têm

dificuldades para dar-lhes presentes no Natal. Nesse contexto, o que pedir a Papai

Noel? Conforme podemos ver no T48, pedidos que não dependem de dinheiro, por

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exemplo, paz. Esse fato é extremamente relevante, para a nossa análise, pois,

segundo Bakhtin (2004, p. 41), “[...] as palavras são tecidas a partir de uma multidão

de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os

domínios”. Nesse sentido, as perguntas da professora e seu direcionamento no

turno 48 eram para que as crianças pensassem em presentes como paz,

apresentado por ela como algo que não precisa de dinheiro. De certa maneira,

demonstra o desejo de amenizar a realidade dura das crianças de sua turma, por

meio da ocultação da sua realidade: seus pais não podem comprar presentes,

porque sofrem um processo de marginalização do mercado de consumo, na medida

em que suas condições socioeconômicas não permitem que comprem presentes

para os seus filhos no Natal, além de outros bens de consumo.

Compreendemos, a partir da perspectiva bakhtiniana, que a palavra materializada no

signo, “[...] pode distorcer a realidade, ser-lhe fiel, ou apreendê-la de um ponto de

vista específico, etc. Todo signo está sujeito aos critérios da avaliação ideológica

(isto é: se é verdadeiro, falso, correto, justificado, bom, etc.)” (BAKHTIN, 2004, p.

32). Comentando a formação da consciência por meio da linguagem na perspectiva

bakhtiniana, Geraldi (2003, p. 33) afirma que,

[...] a consciência dos sujeitos forma-se neste universo de discurso e é deles que cada um extrai, em função das interlocuções de que vai participando, um amplo sistema de referências no qual vai interpretando os recursos expressivos, constrói sua compreensão de mundo.

Nesse sentido, a consciência é habitada por signos que são eminentemente

ideológicos. Acreditamos que, quando a professora oculta a realidade, não colabora

para a formação da consciência crítica, para que possam, assim, pensar sobre a

realidade excludente e consumista.

Posteriormente, nos turnos 42 a 46, vemos um diálogo entre as crianças sobre a

existência de Papai Noel. A criança Enz, no turno 42, contraria a proposta feita pela

professora, a elaboração de uma carta para Papai Noel, quando diz que ele não

existe. A professora não emite resposta e Enz retoma seu enunciado, no turno 44,

dizendo, novamente, que Papai Noel não existe e que quem dá os presentes são os

pais. No turno 45, a aluna Mil discorda de Enz dizendo que ele existe, porque ela

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ganhou um fogãozinho. A professora muda de assunto, evitando discutir a

existência ou não de Papai Noel.

O fato de a professora fugir do conflito instaurado no diálogo entre Enz e Mil,

referente à existência ou não de Papai Noel, demonstra que ela prefere não se

posicionar e, ao mesmo tempo, não possibilita o diálogo. Por isso, muda de assunto,

produzindo, assim, o silenciamento dos sujeitos participantes da interação verbal.

Essa atitude da professora não contribui para que as crianças exerçam a

capacidade de, efetivamente, se constituírem como autores na interlocução. Apesar

disso, os sujeitos envolvidos na interação verbal não desistem de discutir com a

professora a existência de Papai Noel. A criança Luc dirige a pergunta à professora:

Tia... Papai Noel existe? O trecho a seguir nos mostra como ocorreu esse diálogo:

T62 Luc: tia... Papai Noel existe?

T63 Ali: existe...

T64 Vin: tá bom... como que eu não ganho presente...

T65 Ali: como é que eu ganhei o presente... e estava acordada... então

T66 Enz: não é papai Noel não... é seu pai...

T67 Prof. 5: Enz... não atrapalha não... Joa quer uma bicicleta... Vin quer o que?

Vin...

A questão colocada pela criança Luc é extremamente interessante, porque traz,

novamente, a polêmica para a interação verbal. Essa criança se apresenta como

sujeito na interlocução, quando cobra da professora uma posição no debate que se

instaurou no diálogo. As crianças se posicionam, apresentam suas experiência, mas

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a professora prefere silenciar a criança que busca responder e se posicionar diante

do debate.

Concluímos, então, que, quando as crianças Luc, Vin e Enz discordam quanto à

existência de Papai Noel, se constituem como ouvintes/autores na dinâmica da

interlocução instaurada nessa roda de conversa. Como a professora preferiu não se

pronunciar sobre a polêmica instaurada, os colegas de Luc se manifestam a respeito

da pergunta elaborada por ele. Vemos que o posicionamento das crianças está

relacionado com as suas experiências, pois “[...] uma análise fecunda das formas do

conjunto de enunciações como unidades reais na cadeia verbal só é possível de

uma perspectiva que encare a enunciação individual como um fenômeno puramente

sociológico” (BAKHTIN, 2004, p. 126). Desse modo, não é uma mera coincidência o

fato de a menina Ali, que disse que acreditava na existência de Papai Noel,

apresentar condições socioeconômicas melhores que a criança Vin, que não ganha

presente e, por isso, não acredita em Papai Noel.

Assim, conforme defende Bakhtin (2004), a linguagem não pode ser divorciada da

vida. Quando nos defrontamos com uma interação verbal como a apresentada,

percebemos que ela envolve uma série de questões que vão além de questões

meramente lingüísticas, como os fatores de ordem sociais, históricas, éticas,

políticas, afetivas entre outras. Há, portanto, uma relação de interdependência das

questões sociais que fazem parte do contexto do sujeito falante e de sua experiência

individual.

N turno 67, a professora pede a Enz que não atrapalhe, quando ele, mais uma vez,

afirmava que Papai Noel não existe, pois quem dá os presentes são os pais. Ele é

cerceado, porque sua fala se contrapõe à proposta de texto sugerido por ela: fazer

alguns pedidos a Papai Noel por meio da escritura de uma carta. Ora, escrever, para

alguém que não existe não faz sentido. Vemos, portanto, que os interlocutores da

interação verbal de sala de aula não podem fugir do discurso instituído, sob a pena

de serem afastados do diálogo. Para Bakhtin (2004), a hierarquização das relações

sociais tem uma forte influência no processo de interação verbal. Logo, no contexto

da sala de aula, onde a observação foi realizada, a professora que,

hierarquicamente, está acima da criança, decide os rumos da interação verbal, na

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medida em que não permitiu que se continuasse a discutir a existência de papai

Noel. Logo,

[...] os lugares sociais, do modo como estão organizados quanto a valores e prestígios, também hierarquizam as vozes, estabelecendo tensões, mais ou menos conflitivas que geram concordância, contrapontos e contradições (VOESE, 2004, p. 49).

Assim, a professora preferiu “fugir” de uma discussão de base ideológica que, se

instaurada, colaboraria para a construção de uma visão crítica. Nesse sentido, “[...]

o discurso sempre é ideológico, o que diz que ele traduz, na sua materialidade como

marcas, o conflito de diferentes projetos de socialidade” (VOESE, 2004, p. 55). Logo,

há um projeto de um grupo da sociedade, para o qual é importante que se acredite

em papai Noel e que todas as crianças poderão receber sua visita e dele ganhar

presentes. Esse tipo de discurso camufla as reais condições de uma sociedade

dividida em classes sociais, na qual apenas um grupo dessa sociedade pode

garantir efetivamente a “visita de Papai Noel”, pois os

[...] interesses e os objetivos dos grupos protagonizam, por efeito da atividade dos indivíduos, o estabelecimento, nem sempre explícito e preciso, de linhas demarcatórias de um projeto de socialidade. Isto é: o grupo passa a centrar suas atividades na consecução de um ideal de sociedade que, certamente, contemplará seus interesses e objetivos (VOESE, 2004, p. 55).

Assim, o discurso pode, pois, “[...] ser um recurso que um grupo utiliza para tentar

instalar um controle mais ou menos eficiente sobre quais sentidos são ou não

convenientes à manutenção de uma hierarquização que privilegia seus interesses e

produz efeitos de poder” (VOESE, 2004, p. 56-57). Nesse sentido, não podemos

fechar os olhos para essa questão, sobretudo porque a escola não é um espaço

neutro, pois, conforme evidenciado, há um controle de sentidos nas interações

verbais que estabelecemos com nossas crianças, na medida em que se tenta, por

exemplo, manter a crença em Papai Noel, uma personagem vinculada à classe

dominante.

Para encerrar a discussão sobre esse diálogo, é importante pôr em evidência

algumas questões por ele apresentado. Primeiro, a linguagem é, muitas vezes,

utilizada na escola como um simulacro, pois, conforme vimos no diálogo, não se

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discutem as reais condições de vida das crianças, prefere-se ensinar-lhes que

peçam a Papai Noel algo que não se compra com dinheiro e, assim, fugir de uma

discussão de cunho ideológico. Nas palavras de Geraldi (2003, p. 160), não cabe ao

professor “[...] ‘esconder’ ou ‘sonegar’ informações de que disponha, sob a pena de

continuar a se anular como sujeito”. Nesse sentido, consideramos que, quando a

professora prefere não discutir as questões construídas pelas crianças, ela também

deixa de atuar como sujeito, ao mesmo em que contribui para o apagamento das

crianças, como sujeitos na interação verbal.

Segundo, a fala das crianças não pode ser vista apenas como um fenômeno

lingüístico. Devem-se levar em consideração os fatores extraverbais que integram

essa fala, como as condições socioeconômicas dos indivíduos que, no caso do

diálogo apresentado, condicionaram a crença em Papai Noel. Terceiro, vimos que

algumas crianças, ao buscar com a professora resposta para a polêmica que se

instaurou, colocam-se como sujeitos da interação da verbal. Apesar de a professora

não querer se posicionar, as crianças tentaram, de várias maneiras, incentivar a

participação da professora. Isso mostra que as relações verbais não são mecânicas

e que as crianças, apesar de vivenciarem situações na escola, nas quais, na maioria

das vezes, devem ficar na posição de receptores nos diálogos, burlam essa

condição e se tornam sujeitos na interlocução, pois “[...] alguma coisa escapa e é

sempre possível a crítica” (ORLANDI, 1996, p. 37).

Finalmente, é preciso ressaltar que a sala de aula deve ser encarada como espaço

de interação verbal, portanto, de diálogo entre professores e crianças que são

portadores de diferentes saberes. Nesse contexto, “[...] os saberes do vivido que

trazidos por ambos – crianças e professores – se confrontam com outros saberes,

historicamente sistematizados e denominados ‘conhecimentos’ que dialogam em

sala de aula” (GERALDI, 1997, 21). As crianças, conforme vimos, querem dialogar,

confrontar saberes, compreender o mundo em que vivem e usam a linguagem na

busca de compreensão da realidade.

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d) Roda de conversa 4 – Direitos das Crianças

Outra roda de conversa que apresenta aspectos interessantes para serem

destacados neste trabalho ocorreu no evento 101, no dia 31 de outubro de 2006, na

Turma 4. Nela, a professora inicia a conversa com as crianças, falando sobre as

atividades que eles estavam realizando, desde o início do ano, sobre os direitos das

crianças. Esse tema era referente a um projeto que a escola vinha desenvolvendo

com todas as turmas. Desse modo, nessa roda de conversa, a professora disse às

crianças que gostaria de apresentar a Declaração Universal dos Direitos das

Crianças. No entanto, segundo ela, como é uma lei e a sua leitura ficaria cansativa,

preparou uma dinâmica em que as crianças leriam a declaração. A dinâmica se

desenvolveu da seguinte maneira: as crianças circulavam na roda uma garrafinha.

Enquanto isso, a professora, que se mantinha de olhos fechados, balançava um

molho de chaves. No momento em que parava de balançar as chaves, a criança que

estivesse com a garrafinha na mão pegava, na caixinha, uma ficha onde estava

escrito uma palavra relacionada com um direitos e tentava ler para os colegas. Se

ela não conseguisse, tinha a ajuda da professora ou dos seus colegas. Depois da

leitura, eles conversavam sobre o item da declaração a que a palavra se referia. A

professora disse que as crianças deveriam dar suas opiniões sobre os itens da

Declaração que iam sendo apresentados por meio da dinâmica.

T20 Prof. 5: Ali...tira um papel aí Ali...as crianças têm direito a::: lê pra gente... o que

elas têm direito...

T21 Ali: escola...

T22 Prof. 5: a esco-la:: vocês acham importante as crianças irem para a escola...

T23 Ali: eu acho...

T24 Prof. 5: por que vocês acham que é importante ir pra escola? pra vocês?

T25 Ali: pra gente aprender mais...

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T26 Prof. 5: aprender o quê? o que que a gente aprende ein?

T27 Mil: aprender a ler e a escrever... [

T28 Pao: escrever...desenhar...

T29 Prof. 5: escrever... desenhar... mas o quê? que a gente faz na escola?

T30 Mil: brincar... T31 Prof. 5: brincar... fazer amizade com os colegas... né.. T32 Pao: ser amigo... T33 Prof. 5: ser amigo...

T34 Vin: respeitar...

T35 Prof. 5: respeitar...

T36 Car: ser bonzinho...

T37 Prof. 5: ser bonzinho... saber falar com as pessoas... né... legal... a escola não

ensina só a ler e a escrever...a gente faz pintura na escola... a gente corta... a gente

faz trabalho de arte né...

T38 Mil: eu queria trazer meu kit de cozinha... mas minha mãe não deixou... ( ) ela

falou que a escola é pra fazer dever...

T39 Prof. 5: não é só dever... né... na escola a gente assiste filme... usa

computador...

[

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T40 Vin: não tem computador...aqui...

T41 Prof. 5: mas... o ano passado nós usamos... você lembra... lembra... quem usou

computador comigo o ano passado aqui...

As crianças apresentaram respostas que vão ao encontro do discurso instituído pela

escola, o que significa que elas disseram “aquilo” que é veiculado pela sociedade a

respeito das funções da escola. Desse modo, é importante ir para a escola porque

ela é a instituição onde se aprende a ler e a escrever. Na escola se deve fazer

dever, aprender a respeitar, a ser bonzinho e a ser amigo. Segundo Orlandi (1996,

p. 23), a escola

[...] atua através dos regulamentos, do sentimento de dever que preside o DP e este veicula. Se define como ordem legítima porque se orienta por máximas e essas máximas aparecem como válidas para a ação, isto é, como modelos de conduta, logo como obrigatórias. Aparece pois, como algo que deve ser. Na medida em que a convenção, pela qual a escola atua, aparece como modelo, como obrigatória, tem o prestígio da legitimidade.

Logo, as máximas apresentadas pelas crianças que também são veiculadas no

Discurso Pedagógico, conforme foi possível observar nos turnos já apresentados,

são assumidas pelas crianças como suas “verdades”. Assim, percebe-se que as

crianças, desde muito cedo, já compreendem o jogo discursivo, ou seja, o que deve

ser dito sobre determinados assuntos, por exemplo, sobre a importância da escola.

E esse jogo discursivo é constituído pela palavra, na qual se “[...] revelam as formas

básicas, as formas ideológicas gerais da comunicação semiótica” (BAKHTIN, 2004,

p. 36). Fato que resulta numa construção, no dizer de Geraldi (2003, p. 55) de “[...]

modo de ver o mundo” e, portanto, de representá-lo para nós mesmos [uma

construção que] é atravessada por confrontos que se dão na existência histórica.

Assim, o aspecto ideológico da palavra que está ligado aos fatores que produzem o

nosso “modo de ver o mundo” liga-se, inevitavelmente, ao sujeito e aos fatores

históricos e sociais. A linguagem é uma construção histórico-social e, portanto,

carrega as marcas do discurso social. É muita clara a ação da linguagem na

formação da consciência dos sujeitos e reafirma mais uma vez as palavras de

Bakhtin (2004, p. 35-36) quando diz que “[...] a consciência adquire forma e

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existência nos signos criados por um grupo organizado no curso de suas relações

sociais. Os signos são o alimento da consciência individual, a matéria de seu

desenvolvimento”. Por isso, há necessidade de ações com e pela linguagem nas

instituições educativas que possibilitem o exercício da cidadania. Mas, como isso é

possível se o discurso pedagógico faz uso de mecanismos que pouco possibilitam a

participação das crianças na interação verbal? Para Orlandi (1996), uma das

maneiras de criar processos interlocutivos em sala de aula é o uso do discurso

polêmico. Conforme a autora,

Do ponto de vista do autor (professor) uma maneira de se colocar de forma polêmica é construir seu texto, seu discurso, de maneira a expor-se a efeitos de sentidos possíveis, é deixar um espaço para a existência do ouvinte como ‘sujeito’. Isto é deixar vago um espaço para o outro (o ouvinte) dentro do discurso e construir a própria possibilidade de ele mesmo (locutor) se colocar como ouvinte. É saber ser ouvinte do próprio texto e do outro (ORLANDI, 1996, p. 32).

Assim, é no processo de escuta que o professor poderá criar condições para que se

efetivem processos, legitimamente interlocutivos. Como Geraldi (2003, p. 161),

acreditamos que “[...] a não escuta é na verdade uma não devolução da palavra; é a

negação do direito de proferir. A não escuta do professor ou seu mutismo

empurrariam a ambos, crianças e professor, a monologia”. Fato que resulta na

ausência de sujeitos, ausência de pontos de vista. Nessa perspectiva, ainda como

sugere o mesmo autor, é necessário que os sujeitos se des(velem), para que as

discussões de cunho ideológico possam ser travadas nas salas de aula.

Diferentemente do trecho discutido anteriormente, nos turnos a seguir, ocorre um

diálogo muito interessante, no qual consideramos que as crianças e a professora,

efetivamente, constroem uma interlocução:

T45 Mil: ((pega o papel da caixinha e faz a leitura)) brincar...

T46 Prof. 5: uhm... a crianças têm direito de brincar... e aí... é verdade?

T47 Crianças ((respondem juntas)) é:::

T48 Ali: porque a criança que não brinca fica triste...

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T49 Prof. 5: agora tem criança que trabalha também?

T50 Crianças: tem:::

T51 Mil: a gente vê na televisão...

T52 Prof. 5: a gente vê na televisão... elas trabalham com quê?

T53 Mil: lá em casa quando eu sujo a mesa... ela fala que eu tenho que limpar...

limpar o chão...

T54 Prof. 5: mas aí você ajuda a sua mãe... ajudar a gente tem que ajudar mesmo...

[

T55 Vin: eu ajudo o meu pai...

[

T56 Pao: eu ajudo a minha mãe a arrumar a casa...

T57 Prof. 5: mas vocês sabiam gente que tem criança que não pode ir pra escola

porque tem trabalhar muito... tem essas sabia? tem crianças não pode estudar

porque tem que trabalhar muito pra ajudar os pais...

[

T58 Mil: eu lavo a louça só de noite...

T59 Vin: quando o meu pai comprava as coisas eu carregava...

T60 Prof. 5: então ajudar um pouquinho pode né...agora se se tivesse que só

trabalhar... só trabalhar... só trabalhar...

T61 Ali: quando mamãe chega do trabalho... eu tenho que lavar louça...

T62 Prof. 5: tem que ajudar né...

T63 Vin: ontem eu limpei a cozinha...

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T64 Ali: mamãe disse que quando eu tiver dez anos ela vai me ensinar a cozinhar...

aí quando eu tiver com doze anos ela já vai deixar...

T65Vin: mesma coisa que a minha mãe falou...

T66 Enz : isso também minha mãe falou...

Vemos, nesse trecho da interação, que a professora não é alguém que se coloca

para dizer se as respostas estão corretas ou erradas, mas como um sujeito que

participa, juntamente com as crianças, da interlocução, colocando-se, em alguns

momentos, na posição de ouvinte. O diálogo se instaura quando pergunta às

crianças no turno 49: agora tem criança que trabalha também? No turno 52: [...] elas

trabalham com quê? Percebemos, a partir das questões propostas pela professora,

que ela, inicialmente, objetivava discutir com as crianças sobre a questão do

trabalho infantil que impede que muitas delas freqüentem a escola, conforme

podemos observar na afirmação que ela faz no turno 57. No entanto, as crianças

não respondem à pergunta e preferem contar à professora e aos seus colegas sobre

o trabalho nas suas vidas.

Desse modo, demonstraram que elas, crianças, são sujeitos produtores de

linguagem, de história e de cultura e, por isso, têm muitas histórias para contar,

formas de ver o mundo que são elaboradas e (re)elaboradas nas relações sociais,

em diálogo com as outras pessoas. Assim, se, inicialmente, o diálogo parecia

caminhar para a discussão do trabalho infantil na sociedade, ele assumiu um sentido

particular a partir das próprias experiências das crianças.

Nessa direção, “[...] no processo de compreensão ativa e responsiva, a presença da

fala do outro deflagra uma espécie de ‘inevitabilidade de busca de sentido’“

(GERALDI, 2003, p. 19). Compreendemos, portanto, que a fala da professora

deflagrou uma busca de sentidos por parte das crianças que resultou em falar sobre

a forma como o trabalho está incorporado ao dia-a-dia delas. No turno 53, Mil

introduz a questão do trabalho na sua vida. O modo como expressa a sua relação

com o trabalho parece demonstrar que não gosta de realizá-lo. O uso do pronome

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pessoal “ela”, para se referir à mãe, que exige que limpe o chão, produz um efeito

de distanciamento e, ao mesmo tempo, “limpar o chão” é apresentado como castigo

decorrente da ação de ela sujar. Entretanto, apesar de a criança se mostrar

insatisfeita com o castigo, a professora compreende a atitude da mãe de outra

maneira. Ela inicia a resposta, usando uma conjunção que expressa oposição ou

restrição ao posicionamento da criança “mas aí você ajuda a sua mãe...” e conclui

reafirmando a sua restrição, quando afirma que “ajudar a gente tem que ajudar

mesmo...”. As demais crianças, diante da posição da professora, passam a contar

como ajudam a seus pais e sobre formas de ajuda que poderão ocorrer quando

tiverem mais idade.

Também é relevante destacar que, nos três últimos turnos (64,65 e 66), as crianças

apresentam uma interessante análise do discurso de suas mães sobre a idade que

elas permitirão que seus filhos aprendam a cozinhar. A menina Ali, no turno 64,

afirma que sua mãe disse que vai lhe ensinar a cozinhar quando ela tiver dez anos e

quando ela tiver doze ela poderá, efetivamente, cozinhar. Os meninos Vin e Enz

dizem que suas mães se posicionaram da mesma maneira que a mãe de Ali. Esse

trecho da interação verbal também é interessante, porque as crianças evidenciaram

que, por meio do diálogo com os colegas da sala, elas puderam analisar que os

discursos são recorrentes, ou seja, as mães têm a mesma opinião sobre a idade

certa para aprender a cozinhar. Em outras palavras, é na interação com outro por

meio da linguagem, que as crianças buscam a compreensão das práticas sociais do

mundo em que vivem.

Para finalizar a análise das interações verbais que ocorreram nas rodas de

conversas apresentadas, teceremos alguns comentários que consideramos

relevantes para o fechamento deste item. Primeiro, as rodas apresentadas nos

fizeram concluir que o objetivo inicial desse espaço pedagógica da Educação Infantil

foi alterado. Elas, atualmente, estão sendo utilizadas como um espaço que é dirigido

pelas professoras, com o objetivo de ensinar algo e não como um espaço para

crianças e professoras dialogarem, trocarem experiências e saberes. Conforme

vimos, na maioria das rodas, as professoras direcionam a interação verbal, por meio

do discurso pedagógico que se caracteriza pelo fato de “[...] ser um dizer

institucionalizado, sobre as coisas, que se garante, garantido, a instituição em que

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se origina e para a qual tende” (ORLANDI, 1996, p. 23). Além disso, é um discurso

que faz uso da tríade: informação, resposta e avaliação do professor (IRA),

resultando numa fixidez nos diálogos de sala de aula, nos quais as respostas das

crianças devem corresponder às expectativas da professora, sob a pena de não

obterem respostas ou de serem simplesmente refutadas, resultando numa

assimetria dos espaços ocupados pelas professoras e pelas crianças. Para Geraldi

(2003, p. 158), a

Análise de diálogos efetivos de sala de aula pode mostrar como hipóteses científicas são traduzidas em conteúdos escolares, fixando respostas e, portanto, centrando-se numa distinção entre certo/errado que vai se formando como produto final do processo de escolarização. É neste sentido que o ensino se constrói como reconhecimento e reprodução.

Vemos que a afirmação de Geraldi (2003) está mais voltada para outros níveis de

ensino, como o Fundamental, Médio e Superior. No entanto, a partir dos diálogos

apresentados neste estudo, que investiga o trabalho com a linguagem oral na

Educação Infantil, pudemos perceber que a primeira etapa da educação básica tem

assumido características próprias de outros níveis de ensino, quando estrutura seus

espaços, como a roda de conversa, a partir desse nível de referências que temos

com relação às demais etapas. Nesse sentido, pudemos observar, nos diálogos

apresentados, As contribuições dos alunos sendo constantemente desclassificadas. Mesmo que algumas vezes tomadas em conta, elas o são para serem ‘corrigidas’ e não para serem expandidas, o que somente é possível quando não se parte para o processo com respostas previamente fabricadas, como verdades, mas como respostas que estão no horizonte (para quem as ‘sabe’) (GERALDI, 2003, p. 158).

Assim, as conversas nas rodas objetivavam a produção de respostas pelas crianças

previamente fabricadas. Pudemos perceber que se ensina desde cedo ou, para

sermos mais específicos, desde a Educação Infantil, deve-se responder àquilo que a

professora qualifica como correto. Assim,

[...] perde-se a dimensão da criança com suas diferenças e generaliza-se na idéia da criança aprendiz tomando como referência um modelo uniformizante, pré-determinado e construído historicamente a partir do processo de escolarização primária no Brasil (CÔCO, 2005, p. 163).

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Portanto a polissemia era cerceada pela professora, a possibilidade de expansão

dos sentidos ou da constituição de sentidos não era estimulada, principalmente, nas

Rodas 1 e 2. Logo, as conversas nas rodas apresentadas apontaram uma

compreensão da palavra como unívoca, desconsiderando a sua plurivalência. Para

Bakhtin (2005, p. 106), “[...] o sentido da palavra é totalmente determinado por seu

contexto. De fato, há tantas significações possíveis quantos contextos possíveis”,

pois a palavra é polissêmica.

Também ficou evidenciado, por meio das interações verbais apresentadas, que é o

fenômeno social que explica a enunciação. Assim, na Roda 3, na qual as crianças

discutiram a existência de Papai Noel, vimos que as respostas das crianças estavam

ligadas ao fato de ganharem ou não presente no Natal. Desse modo, as crianças

que ganhavam presentes acreditavam e as que não ganhavam não acreditavam em

Papai Noel. Nessa roda, a professora preferiu não se posicionar a respeito desse

assunto, fugindo, assim, de uma discussão de cunho ideológico. Apesar disso, as

crianças se posicionaram sobre a questão, mostrando claramente que elas não se

submetem todo o tempo ao discurso instituído.

Nesse contexto, não podemos deixar de discutir que as maneiras como as

professoras conduzem o diálogo na roda de conversa estão intimamente

relacionadas com determinadas concepções de linguagem (mesmo que não estejam

conscientes disso). Notamos que, na maioria das vezes, as contribuições das

crianças não eram tomadas como participação em um processo interlocutivo. O

direcionamento das respostas das crianças liga-se, inevitavelmente, a uma

compreensão do sujeito que não tem condições de participar do diálogo de forma

ativa. Esse fato está, inexoravelmente, relacionado com uma visão da língua como

um sistema abstrato, pronto, acabado, no qual a criança, como receptor da

mensagem, deve fazer o possível para reproduzir a fala do emissor, que, neste

caso, é a professora. Já dissemos que Bakhtin (2004) chama essa corrente da

lingüística de objetivismo abstrato e que discorda dessa maneira de conceber a

linguagem, pois, para ele “[...] os indivíduos não recebem a língua pronta para ser

usada; eles penetram na corrente da comunicação verbal” (BAKHTIN, 2004, p. 108).

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Retomando a discussão sobre a concepção de linguagem das professoras que

participaram deste estudo, é importante salientar que, na entrevista que realizamos

com elas, observamos que compreendiam a linguagem ora como expressão do

pensamento, ora como instrumento de comunicação. As professoras não

demonstraram, em suas respostas, a compreensão de que a linguagem é

constitutiva dos sujeitos. Junto à concepção de linguagem das professoras, está

uma concepção de criança e educação. Elas também demonstraram, nas

entrevistas, que acreditam que a criança virá a ser sujeito, esquecendo-se de que a

Educação Infantil deve ser um espaço fundamental de exercício da cidadania. Esse

fato é comprovado nas análises que realizamos nas rodas de conversas, nas quais,

na maioria das vezes, a participação das crianças não era valorizada,

demonstrando, assim, a crença na existência de uma criança que a educação

precisa “moldar”. Nesse sentido, elas defendem que o espaço escolar deve preparar

a criança para viver em sociedade ou como espaço para imprimir nelas hábitos

considerados bons para a sociedade.

Partindo do princípio de que “[...] a questão da linguagem é fundamental no

desenvolvimento dos seres humanos, de que ela é condição sine qua non na

apreensão de conceitos que permite aos sujeitos compreender o mundo e nele agir”

(GERALDI, 2003, p. 4-5), acreditamos que as crianças são partícipes do processo

interlocutivo e é, por meio dele, que se constituem como sujeitos. Assim, insistimos

que os “[...] sujeitos se constituem como tais à medida que interagem com os outros,

sua consciência e seu conhecimento de mundo resultam como ‘produto’ deste

mesmo processo” (GERALDI, 2003, p. 6). Isso muda a forma de conceber a

linguagem e, conseqüentemente, de se trabalhar com a linguagem na Educação

Infantil, na medida em que os professores terão como foco o diálogo.

Vimos, no último trecho da roda de conversa 4, que, quando a professora se coloca

numa posição, na qual é possível a instauração do diálogo, as crianças se revelam,

falam sobre as suas vidas. Nesse contexto, trazemos novamente Geraldi (2003, p.

160) para o nosso diálogo, quando afirma,

[...] que não se pretende ‘abolir’ a assimetria do discurso ensino-aprendizagem, mas relativizar as posições que têm sido aprofundadas

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pela escola, recuperando a ambos (professor e crianças) como sujeitos que se debruçam sobre um objeto a conhecer e que compartilham, no discurso de sala de aula, contribuições exploratórias na construção do conhecimento.

Desse modo, é preciso mudar a concepção de linguagem que orienta o trabalho

pedagógico, de maneira que a língua possa ser vista numa perspectiva dialógica, de

maneira que as interlocuções da sala de aula, conforme vimos em algumas rodas de

conversas apresentadas, não sejam somente para a realização de “aferições”, isto é,

para verificar se houve a incorporação por parte das crianças, dos sentidos

apresentados pela professora, mas para a efetivação do diálogo e que, assim, as

vozes que habitam a sala de aula possam se encontrar e se confrontar. Portanto o

dialogismo, na perspectiva bakhtiniana, aponta uma concepção de linguagem, na

qual a fala das crianças deve ser vista num contexto enunciativo, o que significa

dizer que as questões de ordem social, política, cultural estão intrinsecamente

envolvidas nas interlocuções que ocorrem na sala de aula. Por isso, a depender do

lugar que o sujeito fala, seu discurso veiculará diferentes ideologias. Esse fato ficou

mais evidente na roda de conversa, na qual se discutia a existência de Papai Noel e,

também, na última roda.

Nesse contexto, a crença das crianças na existência ou não de Papai Noel estava

relacionada com fatores de ordem econômica, ou seja, as crianças que não

ganhavam presente no Natal não acreditavam em Papai Noel e as crianças que

ganhavam presentes acreditavam nessa personagem. A professora, nessa roda,

preferiu não se pronunciar a respeito do conflito instaurado, optando pelo silêncio.

Entretanto podemos perceber que

[...] o poder da ideologia dominante é indubitavelmente enorme, não só pelo esmagador poder material e por um equivalente arsenal político-cultural à disposição das classes dominantes, mas sim, porque esse poder ideológico só pode prevalecer, graças à posição de supremacia da mistificação, através da qual os receptores potenciais podem se induzidos a endossar, ‘consensualmente’, valores e diretrizes práticas que são, na realidade, totalmente adversos a seus interesses vitais (MÉSZÁROS, apud VOESE, 2004, p. 57).

Assim, a classe dominante, na sociedade capitalista, para manter o status quo, faz

uso de ideologias veiculadas nos discursos que camuflam as reais condições de

vida da maioria da população brasileira. Na situação analisada, as crianças que não

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ganham presentes devem acreditar que podem ganhar presentes que não são

comprados com dinheiro, apesar do número excessivo de propagandas em

diferentes meios de comunicação de massa que estimulam a necessidade de

ganhar presentes. Desse modo, ocultam-se as desigualdades sociais, produtoras de

exclusão e, portanto, de relações que impedem as crianças de terem acesso aos

bens produzidos pelos seres humanos.

O silêncio, com relação ao conflito, é complicado, pois ele não ajuda as crianças a

refletirem sobre a sua vida, sobre as relações sociais existentes em sociedades

como a nossa e o lugar que ocupa no interior dessas relações. Nesse sentido,

consideramos que “[...] em alguns casos, a ideologia pode operar através do

ocultamento e dos mascaramentos das relações sociais, através do obscurecimento

ou da falsa interpretação das situações” (THOMPSON, apud VOESE, 2004, p. 57).

Nesse contexto, o silêncio também revela uma visão romântica em relação à

natureza infantil.

Por isso, retomamos uma discussão apresentada no item Concepção de Infância, no

qual, a partir de uma análise realizada por Kramer (1995), fazemos referência a duas

atitudes ou sentimentos dos adultos em relação à criança, que é a “paparicação”, no

qual a criança é compreendida como um ser ingênuo, inocente e gracioso. Em

contrapartida, há um outro sentimento ou atitude que a concebe como um ser

imperfeito que necessita ser moralizado. Nesse contexto, consideramos que a

professora agiu segundo a perspectiva que concebe a criança como um ser ingênuo,

gracioso, puro. Por isso, preferiu poupá-las para não lhes roubar a inocência.

5.2 A LINGUAGEM ORAL COMO ELEMENTO INTEGRANTE DA BRINCADEIRA

No período em que realizamos as observações na instituição de Educação Infantil,

foi possível verificar as interações verbais entre as crianças, no momento das

brincadeiras. Dividiremos as brincadeiras observadas em sala de aula em dois

grupos: no primeiro, foram reunidas brincadeiras diversas; no segundo grupo,

agrupamos apenas as brincadeiras em que as crianças contavam histórias como as

professoras. Essa divisão tem como finalidade organizar as análises que serão

realizadas, mas, também, evidencia que as crianças recriam, nas brincadeiras,

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atividades que se desenvolvem em diferentes esferas das relações humanas e,

também, atividades da esfera escolar.

Antes de apresentarmos essas interações que se efetivaram nas brincadeiras,

realizaremos uma breve discussão a respeito da brincadeira na perspectiva

histórico-cultural, tomando como referência os estudos de Leontiev (1988) e Elkonin

(1998), que integram a escola de Vigotski. Nesse contexto, é importante evidenciar

que esses autores discordam das concepções sobre o jogo ou a brincadeira na

infância como atividade instintiva, natural ou biológica. Assim, na perspectiva de

Elkonin (1998, p. 48),21 “[...] a natureza dos jogos infantis só pode compreender-se

pela correlação existente entra eles e a vida da criança em sociedade”. Isso significa

que o jogo ou a brincadeira é de natureza cultural. Inserido nessa perspectiva,

Vigotski (2000)22 considera que as brincadeiras infantis são eminentemente

simbólicas, na medida em que

[...] durante el juego unos objetos pasan a significar muy fácilmente otros, los sustituyen, se convierten em signos suyos. Se sabe igualmente que lo importante no es la semejanza entre el juguete y el objeto que designa. Lo que tiene mayor importância es su utilización funcional, la posibilidad de realizar com su ayuda el gesto representativo. Creemos que tan solo en ello radica la clave de la explicación de toda función simbólica de los juegos infantiles [...]. Es el própio movimiento del nino, su própio gesto, los que atribuyen la función de signo al objeto correspondiente, lo que le confiere sentido.

Desse modo, Vigotski (2000) postula que a brincadeira é uma atividade simbólica,

pois, quando brincam, as crianças conferem aos objetos sentidos que não possuem

no cotidiano. Segundo o autor, a escolha dos objetos que compõem a brincadeira

não é aleatória, porque deve permitir que se realize a atividade lúdica, ou seja, a

ação que a criança representa no momento em que está brincando.

Portanto, a brincadeira, na perspectiva de Vigotski (2000), é uma atividade, na qual

os sentidos dos objetos se modificam ou são modificados pelas crianças. Elkonin

(1998) concorda com essa visão, ao afirmar que o jogo protagonizado23 é uma

21 Texto de 1979. 22 Texto de 1931. 23 Jogo protagonizado é uma expressão utilizada por Elkonin (1998) para designar brincadeiras realizadas pelas crianças. Nessa perspectiva, compreendemos jogo protagonizado como uma atividade desenvolvida pelas crianças, na qual elas ocupam lugares sociais em uma situação fictícia.

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atividade original em que as crianças atribuem aos objetos sentidos no interior das

ações que representam na brincadeira.

Também para Elkonin (1998, p. 355), no desenvolvimento do jogo, a “simbolização”

aparece, pelo menos duas vezes: “[...] a primeira como passagem da ação de um

objeto para outro, ao transnomeá-lo. Aqui, a função da simbolização baseia-se em

destruir a rigidez da ação com o objeto”. A segunda refere-se ao fato de a criança,

no jogo protagonizado, assumir um papel 24 e atuar de acordo ele. O autor conclui

que, “[...] graças, precisamente, a esse plano duplo de ‘simbolização’, a ação insere-

se na atividade e obtém o sentido no sistema de relações inter-humanas”

(ELKONIN, 1998, p. 356).

Nesse sentido, no jogo protagonizado, a criança faz uso de objetos que permitem

realizar determinados gestos, mas, também, ocupam lugares sociais, cuja “[...]

essência interna consiste em reconstituir precisamente as relações entre as

pessoas” (ELKONIN, 1998, p. 284). Para o autor, a brincadeira está intimamente

relacionada com as necessidades que as crianças sentem, desde muito cedo, de se

comunicar com os adultos e de compreender esse mundo, necessidades que se

convertem em tendência para levar uma vida comum com eles, por isso as relações

humanas são o cerne da brincadeira. Assim, quando a criança assume um lugar

social, no jogo, ela leva em consideração as convenções, isto é, as regras sociais

referentes ao lugar que ocupa.

De acordo com Elkonin (1998), a produção de uma situação fictícia pelas crianças

se apóia nos modos de vida dos adultos com os quais as crianças vivem. Leontiev

(1988, p. 130) concorda com essa perspectiva, afirmando:

[...] o brinquedo não surge de uma fantasia artística, arbitrariamente construída no mundo imaginário da brincadeira infantil, a própria fantasia da criança é necessariamente engendrada pelo jogo, surgindo precisamente neste caminho, pelo qual a criança penetra a realidade.

24 Considerando a perspectiva teórica que adotamos e os possíveis problemas na tradução no texto de referência, ao invés de papel social, usaremos o termo lugar social.

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Nessa perspectiva, a brincadeira é uma atividade cultural, podendo adquirir

diferentes formas no interior de diferentes culturas, pois, nela, a criança reconstitui

as relações sociais que se desenvolvem entre os adultos. Nessa direção, a

necessidade de viver/compreender as relações sociais estabelecidas no mundo dos

adultos produz a brincadeira. Dessa maneira, a imaginação é um dos elementos da

ação lúdica, mas não é o seu elemento desencadeador. Sabemos que a linguagem

é mediadora das relações entre os humanos. Portanto, quando as crianças brincam,

elas fazem uso da linguagem, vivenciam situações por meio das ações lúdicas, nas

quais precisam enunciar-se constantemente e, dessa forma, assumem as palavras

alheias.

Nas brincadeiras observadas na instituição infantil onde este estudo foi realizado,

verificamos como as crianças tornam próprias as palavras das outras pessoas.

Apresentaremos, neste relatório de pesquisa, eventos nos quais as crianças, nas

atividades lúdicas, produzem linguagem. Veremos que elas se posicionam e usam

diferentes gêneros discursivos, dependendo da esfera da atividade humana recriada

na ação lúdica. Começaremos as análises pelas brincadeiras em que as crianças

recriavam atividades de diferentes esferas.

5.2.1 Brincadeiras diversificadas

Conforme discussão realizada na instituição de Educação Infantil, encontramos o

que Elkonin (1988) chama de jogo protagonizado. De modo geral, nas quatro turmas

em que a observação foi realizada, as professoras organizavam a rotina de forma a

garantir espaços e tempos para as brincadeiras, que ocorriam na sala, após a

realização de atividades que tinham um maior direcionamento por parte das

docentes. Havia, também, um horário que era reservado para brincarem no pátio

(quintal da casa onde funcionava a escola) livremente. Nas salas, as crianças

costumavam brincar com os objetos que havia em cada uma delas e que

contribuíam para que construíssem diferentes atividades lúdicas. Assim, no período

em que realizamos a observação, nos deparamos com alguns eventos nos quais as

crianças realizavam diversas brincadeiras. Os quadros a seguir apresentam um

panorama desses eventos:

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Evento: data Contexto da brincadeira (Turma 1)

08: 6-6-2006 Brincadeiras no pátio

17: 12-6-2006 Brincadeiras na sala de atividades – danças ao som de cantigas de roda.

20: 14-6-2006 Brincadeira de produção de docinhos para colocar na cesta da Chapeuzinho

Vermelho

Quadro 1 – Brincadeiras diversificadas - Turma 1

Na Turma 1,25 as crianças brincavam com um número muito reduzido de

brinquedos26 que havia na sala de atividades: em uma estante encostada na parede

esquerda da sala, ficavam três bonecas e dois carrinhos; do outro lado da sala,

também havia uma estante, onde ficavam uns bichinhos de pelúcia e alguns livros,

parte deles de tecido. Havia, ainda, um balde com bloquinhos que, no momento da

brincadeira, as professoras espalhavam pela sala. Conforme dito, geralmente, as

crianças brincavam depois que as professoram faziam as atividades dirigidas que

haviam planejado para aquele dia e, também, ao final da manhã, quando esperavam

os seus pais ou parentes que vinham buscá-las.

As professoras também gostavam de colocar CD com cantigas de roda para as

crianças dançarem, fato que foi observado, principalmente, no período em que a

escola se organizava para a realização da festa junina. Observamos uma

brincadeira de produção de docinhos que ocorreu como parte de uma encenação

sobre a história Chapeuzinho Vermelho realizada pelas professoras. Nesse

contexto, as crianças, orientadas pelas professoras, produziram os docinhos (com

leite em pó) que representavam as guloseimas que Chapeuzinho Vermelho levou

para a vovó. Os momentos de atividades não direcionadas totalmente se realizavam

no pátio da instituição, onde as crianças brincavam em uma casinha e um minhocão.

Além desses brinquedos, havia um armário onde ficavam guardados alguns

materiais que eram utilizados pela escola. As crianças dessa turma também 25 É necessário dizer que nos inserimos nessa turma em 29-5-2006 e começamos a fazer as filmagens no dia 14-6-2006. Por isso, a quantidade de eventos, cujo foco era a brincadeira das crianças, registrados nessa turma foi menor, evidentemente, porque gravamos uma quantidade menor de eventos. 26 A quantidade reduzida de brinquedos não era um impedimento para que as crianças brincassem, pois, conforme vimos, elas realizam todo um processo de substituição de um objeto por outro. Desse modo, as brincadeiras não se subordinam aos brinquedos figurativos, porque o que importa não é a semelhança física dos objetos, mas a possibilidade que o objeto tem de realizar a função que a criança deseja na brincadeira.

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brincavam de contar histórias para seus colegas (eventos que discutiremos no

Grupo 2 dessa categoria).

Com relação à estrutura do pátio, conforme exposto no item caracterização da

escola, pelo fato de a instituição funcionar em um espaço adaptado (uma casa), o

pátio era muito pequeno. Desse modo, algumas brincadeiras, como pique-esconde,

de bola, entre outras, ficavam prejudicadas. Também é preciso dizer que, quando as

crianças estavam no pátio, elas eram acompanhadas pelas suas respectivas

professoras que as deixavam brincar livremente, interrompendo, somente, quando

percebiam alguma situação que representava perigo para as crianças.

Foto 9 – Crianças da Turma 1 no pátio Foto 10 - Meninas da Turma 1 brincando de contar histórias As fotos acima mostram crianças da Turma 1 em duas atividades que envolviam

brincadeiras: na Foto 9, as crianças estão no pátio brincando com pinos; na Foto 10,

elas estão na sala, onde brincavam de contar histórias para os colegas, atividade

que também era desenvolvida com freqüência pelas professoras da turma.

O quadro a seguir nos apresenta os dados referentes ao Grupo 1: Evento: data Contexto da brincadeira (Turma 2)

46: 2-8-2006 Brincadeira com carrinho

53: 8-8-2006 Brincadeira no pátio

55:8-8-2006 Brincadeira de fotografar os colegas

60:11-8-2006 Brincadeira de salão de beleza

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64: 18-8-2006

71: 23-8-2006

Brincadeira de casinha

Quadro 2 – Brincadeiras diversificadas - Turma 2

Conforme esse quadro, na Turma 2, as brincadeiras também faziam parte da rotina.

As preferidas pelas crianças eram: salão de beleza, casinha, fotógrafo (havia na sala

uma máquina fotográfica antiga) e carrinho. Além das idas ao pátio, onde brincavam

livremente, elas gostavam também de brincar de contar histórias para seus colegas.

Foto 11– Brincadeiras de maquiagem Foto 12 - Brincadeiras de contar histórias

Nas Fotos 11 e 12, temos crianças da Turma 2 brincando de salão de beleza e de

contar histórias. Como nas Turmas 1 e 4, as crianças dessa turma também

gostavam de brincar de contar histórias para seus colegas. Apresentaremos ainda o

Quadro 3 referente às brincadeiras na Turma 3.

Evento: data Contexto da brincadeira (Turma 3)

72: 30-8-2006 Brincadeira de festa de aniversário

73: 30-8-2006 Brincadeiras com bloquinhos

74:31-8-2006 Brincadeira de caça ao tesouro

77: 31-8-2006 Brincadeira de ônibus 78: 4-9-2006 Brincadeira “A galinha do vizinho bota ovo amarelinho”

79:4-9-2006 Brincadeira no pátio – jogo da velha

88:30-9-2006 Brincadeira no pátio – “A galinha do vizinho”

94:4-10-2006 Brincadeiras com bloquinhos

Quadro 3– Brincadeiras diversificadas - Turma 3

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Na Turma 3, apesar de o espaço ser limitado na sala de aula, as crianças

realizavam diversas atividades envolvendo o jogo protagonizado. Brincavam de

montar carrinhos e foguetes com pinos e tampinhas (objetos que ficavam em um

armário em sala de aula). Além de participar das brincadeiras que eram direcionadas

pela professora, tais como: “A galinha do vizinho”, ônibus, jogo da velha e caça ao

tesouro (atividades desenvolvidas no pátio sob a orientação da professora), as

crianças dessa turma também participaram da “festa de aniversário”, jogo

protagonizado organizado pela aluna Bru.

Foto 13– Brincadeira de produção de foguete Foto 14 – Brincadeira de ônibus

Nas fotos acima, temos crianças da Turma 3. Na Foto 13, os meninos constroem um

foguete com pinos para brincar de astronautas e na Foto 14, as crianças estão no

pátio da instituição brincando de ônibus (jogo organizado pela professora). Nele, a

professora orientou sobre os lugares sociais a serem assumidos pelas crianças.

Segue, abaixo, quadro com os dados referentes ao Grupo 1 da Turma 4:

Evento: data Contexto da brincadeira (Turma 4)

98: 26-10-2006 Brincadeira com computador feito com caixas de colocar maçã

103: 31-10-2006 134: 13-12-2006

Brincadeira de construção de uma cidade

106: 1-11-2006

129: 7-12-2006

Brincadeira de salão de beleza

110: 17-11-2006 Brincadeira de casinha

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119: 23-11-2006

125: 30-11-2006

132: 7-12-2006

Brincadeira de carrinhos

133: 8-12-2006 Brincadeira de casamento

Quadro 4 – Brincadeiras diversificadas – Turma 4

Na Turma 4, conforme apresentado no quadro, as crianças realizavam diferentes

brincadeiras, mas as que se destacavam eram as brincadeiras de montar cidades e

pistas de carrinhos que eram realizadas com pedaços de madeira que ficavam em

um balde em um dos cantos da sala. As crianças também brincavam muito de salão

de beleza. Para isso, utilizavam uma caixa com embalagens de xampus, cremes e

outros produtos. Havia, também, umas caixas de maçãs montadas em forma de

computador e as crianças também brincavam com esse material. Esses brinquedos

feitos com sucata foram elaborados pela professora que os distribuiu nas estantes

que ficavam na sala. Outra brincadeira muito constante, nessa turma, era de

professor. As crianças tinham o costume de contar histórias utilizando alguns livros

que ficavam em uma estante na sala.

Foto 15 - Brincadeira de montar de uma cidade Foto 16 - Brincadeira de salão e uma pista de carrinhos de beleza

Nas fotos apresentadas, temos crianças da Turma 4. Na Foto 15, os meninos

constroem uma cidade e uma pista de carrinhos. Na Foto 16, temos a aluna Mik

brincando de salão de beleza. Conforme mencionado, essas duas brincadeiras

eram muito comuns nessa turma.

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De modo geral, presenciamos diferentes brincadeiras em todas as turmas onde as

observações foram realizadas. As crianças se organizavam de diversas maneiras

para a realização do “jogo protagonizado”. Como percebemos, “[...] as brincadeiras

ou jogos surgem com base na necessidade crescente da criança de dominar o

mundo dos objetos humanos” (LEONTIEV, 1988, p. 135).

Leontiev (1998) faz uma interessante discussão sobre o desenvolvimento das

formas de brinquedo no período pré-escolar. O autor afirma que as crianças iniciam

esse período, produzindo os jogos subjetivos ou de enredo, nos quais, segundo o

autor, a criança que brinca assume uma função social, humana. Para o autor, esse

tipo de jogo é constituído pela “[...] unidade do papel do enredo e da regra do jogo

que expressa a unidade do conteúdo físico e social do brinquedo na fase pré-

escolar” (LEONTIEV, 1998, p. 133). Segundo esse autor, baseado nas pesquisas

realizadas por Elkonin, há um desenvolvimento do brinquedo no período pré-escolar.

Assim, segundo Leontiev (1998), no início do período pré-escolar, os jogos clássicos

são os jogos de enredo que contêm uma situação imaginária explícita e uma regra

latente que, posteriormente, se transformam nos jogos com “regras”.

Como descrito nos quadros anteriores, as brincadeiras são variadas, porque as

atividades humanas também são diversificadas. A linguagem, como mediadora das

relações entre os seres humanos adultos, também é um elemento integrante das

atividades lúdicas realizadas pelas crianças. Em outras palavras, as crianças

utilizam a linguagem para estabelecer as diferentes relações vivenciadas por meio

das situações fictícias. Considerando que o foco desta pesquisa, a linguagem oral

na Educação Infantil, ela se tornou um material privilegiado nas análises

apresentadas. Portanto, as análises que serão apresentadas são de crianças

realizando o que Leontiev (1998) denominou jogos subjetivos ou de enredos, nos

quais as crianças desempenham os lugares de mãe, de convidados de uma festa de

aniversário, de filho, de padre, de convidados de uma festa de casamento, de noivo,

de noiva, de professor e professoras contando histórias para seus alunos (eventos

que serão apresentados no segundo item desta categoria).

Assim, para análise, selecionamos dois eventos. Essa escolha pode ser explicada

pelo fato de, nesses eventos, termos conseguido observar de forma mais clara as

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interações verbais entre as crianças. A descrição e a análise dessas interações

tomam como ponto de partida as gravações que fizemos por meio de vídeo e as

anotações que realizamos no diário de campo.

a) A festa de aniversário

Buscando, portanto, dar visibilidade aos movimentos realizados com a linguagem

pelas crianças, quando brincavam, optamos por analisar os eventos, nos quais elas

utilizavam a linguagem de forma mais evidente e intensa. Nesse contexto,

iniciaremos com a análise do evento 72, que ocorreu na Turma 3, no dia 30 de

agosto de 2006, quando a Professora 4 recepcionou as crianças e as liberou27 para

brincar na sala. Nesse contexto, a menina Bru realizava um jogo protagonizado, no

qual assumiu, na brincadeira, o lugar de mãe e organizava uma festa de aniversário

(Foto 17) para o seu nenê, representado pelo colega Ton da sua turma. O diálogo a

seguir descreve a cena:

Foto 17 – Bru brincando de mãe que prepara uma festa de aniversário para o seu bebê

T1 Bru: ((mexe em caixa cheia de tampas de garrafas de refrigerantes)) oh... tia...

quer um pouquinho de pipoca? 27 É importante dizer que percebemos, durante a observação, que as brincadeiras representavam para as professoras uma atividade para ocupar o tempo livre.

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T2 Prof. 3: espera um pouquinho... depois eu vou aí... ((Bruna pega algumas

pipocas representadas pelas tampinhas e coloca na mão da professora que diz))

que delicia... hein...

T3 Bru: oh... tem até sorvete na minha casa... toma... ((entrega um sorvete

representado por um pedaço de madeira para a professora))

T4 Prof.3: sorvete também?

T5 Bru: oh tia... tem um bebê ali...um bebê... fi-lho... fi-lho...fi-lho... ne-nê... ne-nê...

vem cá... oh tia... eu tô chamando o Toni de nenê...

T6 Prof. 3: é...

T7 Bru: ele é meu bebê...

T8 Prof. 3: ah...ele é seu filho?

T9 Bru: mas ele é meu beBÊ...

T10 Prof. 3: ah... bebê?

T11 Bru: é...

T12 Prof. 3: mas filho não é bebÊ não... bebê não é filho não

T13 Bru: é... minha mãe tinha um bebê...

Elkonin (1998) postula que o emprego lúdico dos objetos é um traço típico da

brincadeira infantil. Assim, “[...] os objetos incorporados pela criança ao jogo perdem

a sua significação usual e adquirem outra, uma significação lúdica, de acordo com a

qual a criança os denomina e com eles opera” (ELKONIN, 1998, p. 325). A menina

Bru constrói uma significação lúdica, conforme evidencia o Turno 1, quando utiliza

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as tampinhas de garrafa que estavam dentro de uma caixa de sapato para

representar a pipoca que ela oferece à professora que inicia a participação na

brincadeira da seguinte maneira: enquanto as crianças brincavam, ela orientava a

menina Cam sobre uma atividade de escrita envolvendo calendário feito com a

turma. Depois disso, começou a organizar seu material que estava em uma mesa

próxima à menina Bru que, nesse momento, organizava a festa de aniversário.

Nesse contexto, a menina Bru lhe oferece pipoca (tampinhas de garrafa) e começa a

tratá-la como uma das convidadas de sua festa. Bru continua a realizar o emprego

lúdico dos objetos, quando pega um pedaço de madeira que nomeia de sorvete que,

também, é oferecido à convidada.

No entanto, como os sentidos atribuídos não são compartilhados por aqueles que

são integrados à brincadeira, a criança, ao entregá-los à professora, nomeia-os, ou

seja, compartilha dos seus sentidos. Assim, Vigotski (2000, p. 188) também aponta

que, nos primeiros jogos das crianças, entre quatro e cinco anos, forma-se

[...] una conexión lingüística de extrordinaria riqueza que explica, interpreta y confiere sentido a cada movimiento, objeto y acción por separado. El nino, además de gesticular, habla, se explica a sí mismo el juego, lo organiza, confirmando claramente la idea de que lãs formas primarias del juego no son más que el gesto inicial, el lenguaje com ayuda de signos (VYGOTSKI, 2000, p. 188).

Desse modo, as idéias de Vigotski confirmam as nossas observações de que a

linguagem é um elemento fundamental na brincadeira. Nesse evento, a menina Bru,

nos turnos apresentados, constantemente, explica a ação lúdica que estava

desenvolvendo, gesticula e organiza sua atividade por meio da linguagem. Por

exemplo, incita novamente a professora a participar da brincadeira, falando que seu

bebê é o colega Ton e que está fazendo o bolo de aniversário dele. A linguagem, na

brincadeira observada, tem a função de organização da atividade, por meio do

compartilhamento com a professora dos sentidos atribuídos aos objetos e dos

lugares dos participantes.

Já mencionamos que Leontiev (1988, p. 133) chama esse tipo de brincadeira de

jogos subjetivos ou de enredo, no qual a criança “[...] atribui-se uma função social,

humana, a qual ela desempenha em suas ações. Uma criança brinca de ser

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motorista ou professora de escola maternal etc., construindo uma situação

apropriada e o enredo do jogo”. Entretanto, como protagonista da brincadeira, ela

precisa inserir as pessoas na rede de sentidos que constrói e faz isso ao denominar

os objetos para a professora e ao dizer quem é o seu bebê.

Nesse contexto, concordamos com Leontiev (1988), quando diz que a brincadeira

não é fruto de uma fantasia artística, produzida no mundo imaginário infantil, mas é

resultado das incursões que a criança faz para penetrar no mundo dos adultos. Com

a linguagem, a menina se posiciona como uma mulher que ocupa o lugar de dona

de casa, oferecendo pipoca e sorvete à sua visita – a professora. Logo, ao mudar de

lugar (na situação fictícia), a menina faz usos dos enunciados e de ações que,

geralmente, são utilizados por uma dona de casa, pois

[...] a língua materna – a composição de seu léxico e sua estrutura gramatical -, não a aprendemos nos dicionários e nas gramáticas, nós a adquirimos mediante enunciados concretos que ouvimos e reproduzimos durante a comunicação verbal viva que se efetua com os indivíduos que nos rodeiam. Assimilamos as formas da língua somente nas formas assumidas pelo enunciado (BAKHTIN, 2000, p. 301).

Conforme mencionado, as formas típicas dos enunciados a que Bakhtin (2000) faz

referência são os gêneros do discurso que “[...] organizam a nossa fala da mesma

maneira que organizam as formas gramaticais (sintáticas). Aprendemos a moldar

nossa fala às formas do gênero” (BAKHTIN, 2000, p. 302). A menina Bru nos

mostra que compreendeu que reestruturamos a nossa fala conforme lugares que

ocupamos. Em outras palavras, fazemos uso dos gêneros discursivos dependendo

do lugar social que ocupamos. Assim,

[...] aprendemos a moldar nossa fala às formas do gênero e, ao ouvir a fala do outro, sabemos de imediato, bem nas primeiras palavras, pressentir-lhe o gênero, adivinhar-lhe o volume (a extensão aproximada do todo discursivo), a dada estrutura composicional, prever-lhe o fim, ou seja, desde o início, somos sensíveis ao todo discursivo que, em seguida, no processo de fala, evidenciará suas diferenciações (BAKHTIN, 2000, p. 302).

Nesse sentido, “[...] o vínculo estreito que Bakhtin verifica entre discurso e enunciado

evidencia a necessidade de se pensar o discurso no contexto enunciativo da

comunicação e não como unidade de estruturas lingüísticas” (MACHADO, 2005, p.

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157). Portanto as crianças se apropriam dos gêneros discursivos não em manuais,

mas nos processos interativos. Conforme ficou evidenciado, nesse evento, as

brincadeiras são atividades extremamente importantes para que elas se apropriem

dos diferentes gêneros discursivos, na medida em que, nas brincadeiras, as crianças

ocupam diversos lugares nas relações sociais que se desenvolvem nas diferentes

esferas da atividade humana.

Apesar de a criança vivenciar uma situação em que todos teoricamente parecem

felizes (festa de aniversário), Bru dialoga com a Professora 3 e conta sobre o que

aconteceu com o bebê da sua mãe:

T13 Bru: é... minha mãe tinha um bebê...

T14 Prof.3: sua mãe tinha um bebê? e cadê o bebê? e cadê o bebê?

T15 Bru: o policial matou...

T16 Prof.3: nossa mãe... porQUE?

T17 Bru: mamãe tava dando mamar a ele... aí matou ele... por causa que...

T18 Prof. 3: é mes::mo... eu não sabia disso não...

Assim, a criança conta para a professora sobre a morte do irmão. A menina Bru

morava, no período da realização deste estudo, em um morro da cidade de Vitória,

onde havia altos índices de violência. Nesse momento, podemos dizer que ela deixa

de brincar para denunciar a difícil realidade. Não podemos responder a essa

pergunta. Apenas podemos dizer que, segundo Elkonin (1998), é inegável a

dependência que os temas dos jogos infantis mantêm com a vida da criança e, na

situação específica, a palavra denuncia a violência.

A menina Bru continua a preparar a festa de aniversário. Nesse contexto, a caixa

que guardava as tampinhas de garrafa se transforma em uma vasilha, na qual ela

faz o bolo de aniversário, conforme podemos observar nos turnos a seguir:

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T40 Bru: ((com um pedaço de madeira que representa a colher mexe as tampinhas

de refrigerante que representam a massa do bolo que estava na caixa que

representava a vasilha e diz)) já tá pronto... o bolo... o bolo tem que fritar... oh tia...

vem::: lo-go... já ta fritado...

T41 Prof. 3: noSSA... cal::ma...eu tô arrumando aqui...

T42 Bru: já tá pronto... bate parabéns... tia... espera aí... ((brinca de colocar enfeites

sobre o bolo))

T43 Prof. 3: você não me falou que era bolo de aniversá-rio...

T44 Bru: ((começa a cantar)) parabéns pra você... vem Ton...

[

T45 Prof.3: ((canta junto com BRU)) parabéns pra você... nesta data queri-da...

muitas felicida-des... muitos anos de vi-da...

T46 Prof. 3: é quem que está fazendo aniversário?

T47 Bru: aqui ((aponta o colega Ton))

T48 Prof.3: o Ton? então sopra a velinha Ton... aqui...oh... bota a velinha

aqui...((Ton sopra a velinha)) ISSO... é big...

T49 Bru: espera aí ((ajeita o bolo))

T50 Prof. 3: ((segue cantando a música)) é big... é big... é hora... é hora... é hora...

ra...

T51 Cam: oh tia... pra soprar a velinha e ganhar presente... tem que falar assim... é

hora... é hora... é hora... é hora...ra tim bum...

T52 Prof.3: já falei... rá Tim bum... Ton... Ton... sopra a velinha... então... agora

((Toni sopra novamente a vela)) isso... legal... pronto...

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T53 Ton: agora (canta assim)... com quem será? com quem será? que o Ton vai

casar? vai depender... vai depender... se a Cam vai querer... ela aceitou... ela

aceitou...

T54 Bru: oh tia... toma um docinho... toma Ton um docinho... ((entrega uma

tampinha de garrafa para a professora e para o colega Ton))

T55 Prof. 3: dá pro Ton também...

T56 Bru: toma Cam ((entrega uma tampinha de garrafa que simboliza o docinho

para a colega Cami))

Assim, a menina Bru assume o lugar de mãe e organiza a festa de aniversário de

seu nenê, mantendo com seus convidados relações sociais que se dão entre o

anfitrião da festa e os convidados. No T42, a mãe (Bru) arruma o bolo e chama os

convidados para cantar parabéns; no T44, convida seu filho para ficar na frente do

bolo; no T49, ajeita o bolo para que seu nenê assopre a velinha. Entretanto, no T51,

a convidada Cam se dirige à professora e diz como ela deve se conduzir; e, no T54,

a mãe começa a servir os convidados. Assim, as atitudes de Bru apontam que “[...] a

brincadeira da criança não é instintiva, mas precisamente humana, atividade

objetiva, que, por construir a base da percepção que a criança tem do mundo dos

objetos humanos, determina o conteúdo de sua brincadeira” (LEONTIEV, 1988, p.

120). Logo, é a maneira como a menina Bru compreende as ações e as relações

entre as pessoas em uma festa de aniversário infantil que é recriada na atividade.

Na perspectiva de Elkonin (1998), são as relações que os seres humanos

estabelecem entre si que formam a base da brincadeira infantil. Nesse contexto,

quando a menina Bru estabelece relações com seus colegas, ela torna próprias as

palavras que medeiam as relações no mundo dos adultos, quando estão inseridos

em uma determinada atividade humana, pois “[...] a reconstituição e, por essa razão,

a assimilação dessas relações transcorrem mediante o papel do adulto assumido

pela criança” (ELKONIN, 1998, p. 34). Dessa forma, como observado anteriormente,

as crianças, por meio da ação lúdica, têm a oportunidade de vivenciar situações em

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que precisam construir diferentes enunciados, como é caso da menina Bru que

falava como fosse uma dona de casa, como uma mãe, fato que, inegavelmente,

possibilitou-lhe uma ampliação de seu universo discursivo e a oportunidade de se

enunciar, de falar sobre sua vida, denunciando a violência do lugar onde mora.

Nesse sentido, Leontiev (1988) postula que, quando as crianças estão brincando,

elas acabam desenvolvendo o que ele chama de papel lúdico que é, no caso da

menina Bru, a ação de ser mãe recriada por ela. Assim, para ocupar determinado

lugar nas relações sociais, a criança seleciona, entre todas as ações possíveis,

aquelas que se ajustam ao lugar que ocupa. Ao ocupar o lugar de mãe, a menina

Bru envolveu uma série de ações simbólicas de uma mãe real, que se configura na

cultura (fazer bolo para o aniversário do filho, recepcionar e servir os convidados da

festa de seu filho) na qual está inserida.

O evento apresentado também evidenciou que a linguagem utilizada no curso da

brincadeira teve a função de regulação da conduta alheia. Desse modo, as ações

lúdicas possibilitam às crianças situações nas quais elas podem se relacionar com

seus colegas, defendendo pontos de vistas e idéias a respeito da situação fictícia

que estão construindo juntos. É muito interessante o que ocorre, por exemplo, no

turno 51, quando a menina Cam chama a atenção da professora dizendo como ela

deveria se comportar no momento em que cantavam parabéns. Vemos, portanto,

que as crianças, na brincadeira, se relacionam com a professora de uma maneira

diferente da que ocorre no cotidiano da instituição. Isso está associado ao fato de

elas terem atribuído à professora um lugar na brincadeira (convidada da festa de

aniversário).

Como evidenciado nas transcrições, as crianças não lançam mão, na brincadeira,

apenas de objetos, mas também da linguagem e mais especificamente de diversos

gêneros do discurso que circulam em diferentes esferas sociais. Assim, constituem-

se como locutores em diferentes interações verbais. Inserida na brincadeira, a

criança tem o que dizer e considera o que deve ser dito levando em consideração os

seus interlocutores e a situação específica, ou seja, a situação social. Nesse

contexto, concordamos com Elkonin (1998, p. 400), quando defende que o jogo

protagonizado no grupo de crianças tem “[...] possibilidades inesgotáveis para

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reconstituir as relações e vínculos mais diversos que as pessoas estabelecem na

vida real”. Passemos, agora, à análise de um outro evento, cujo conteúdo também é

o jogo protagonizado.

b) A festa de casamento

Como nas outras turmas, na Turma 4, as crianças sempre tinham um espaço para a

brincadeira. No caso da Turma 4, as brincadeiras ocorriam depois das atividades

que a professora desenvolvia com a turma. As crianças se dividiam em pequenos

grupos, de acordo com a brincadeira que lhes interessava naquele momento. Havia

grupos que brincavam de contar histórias, outro grupo brincava de salão de beleza e

havia ainda um grupo que brincava de construir cidades e, às vezes, pista de carros.

O evento 133 que analisaremos ocorreu nessa turma, no dia 8 de dezembro de

2006, quando um grupo formado pelas meninas da turma pediu à professora que

organizasse um casamento de brincadeira. A professora aceitou a proposta das

meninas e realizou com elas a atividade. As meninas arrumaram a noiva Mik no

salão de beleza que elas costumavam brincar (Foto 18 e 19).

Foto 18– A arrumação da noiva representada Foto 19 – Mik vestida de noiva no salão de beleza A professora e as crianças arrumaram a sala de modo semelhante a uma igreja.

Arrumaram o altar e colocaram as cadeiras em fileiras de frete para o altar, da

mesma maneira que os bancos de uma igreja. Assim, a ação lúdica foi sendo

construída com a participação da professora que, também, assumiu um lugar social

no jogo protagonizado, a de organizadora do casamento. Ela vestiu o sacerdote,

representado pelo menino Fer (Foto 20) e lhe deu um dicionário para representar a

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Bíblia na brincadeira. A professora também definiu os lugares sociais das crianças:

pais da noiva, padrinhos, etc.

Foto 20 – Fer no altar realizando a cerimônia de casamento

O diálogo a seguir descreve a cerimônia de casamento:

T17 Fer: ((abre os braços)) senhoras e senhores... estamos reunidos hoje para

fazer o casamento de nossos irmãos... que entrem os noivos... ((a Professora 5 fala

no ouvido do aluno que repete suas palavras para o auditório)) estamos esperando

silêncio... estamos aqui reunidos para celebrar um momento de amor com nossos

amigos ( ) o casamento de Mik e Cai e podem entrar os noivos...

T18 Prof. 5: você é o pa-drinho... senta padrinho...você é o padrinho... senta aqui...

padrinho...madrinha...né... são os padrinhos... Car pode ficar a qui... Car

[

T19 Fer: vamos ler um versículo da Bíblia...

T20 Prof. 5: isso... agora antes de antes... espera...o padre vai ler um versículo da

Bíblia... mas sem ironizar...

T21 Fer: ((imita uma leitura e diz)) vamos orar...

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T22 Prof. 5: ((a professora procura no dicionário o significado da palavra Deus))

vamos ver o que que é Deus aqui...Deus... lê... o que que é Deus aqui...

[

T23 Mar: mãe... deixa eu ver também...

T24 Fer: ((lê o )) um ser infi-nito... per-feito... cria-dor do universo... ( )

T25 Prof. 5: vocês estão ouvindo o que que ele leu aqui? ser infinito... criador do

universo... pronto gente...

T26 Fer: podem entrar os noivos... que Deus abençoe... que Deus abençoe...

[

T27 Prof. 5: Milena::: vai lá chamar a noiva...

T28 Prof. 5: oh... silêncio que a noiva vai entrar hein... como é que é mesmo a

música... a marcha nupcial...

T29 Crianças: ((cantam a marcha nupcial))

T30 Prof. 5: psiu... para... a noiva vai esperar o silêncio...

Como no evento apresentado anteriormente, temos, nos turnos acima, uma situação

fictícia na qual as crianças ocupam diferentes lugares sociais: noivo e noiva, padre,

padrinhos, convidados, pais da noiva, etc. Portanto as relações entre colegas de

turma são transformadas, quando as crianças assumem outros lugares construídos

por elas mesmas, apoiadas em uma situação da vida real, que é realização de um

casamento. Nesse contexto,

[...] a atividade concreta das pessoas e suas relações são variadíssimas na realidade, também os temas dos jogos são muito diversificados e cambiáveis. Nas diferentes épocas da história, segundo as condições sócio-históricas, geográficas e domésticas concretas da vida, as crianças praticam jogos de temática diversa. São diferentes os temas dos jogos das crianças das diferentes classes sociais (ELKONIN, 1998, p. 34).

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Nesse sentido, o casamento é um ritual religioso que foi vivenciado por essas

crianças em algum momento da vida, pois o impacto que a esfera de atividade

humana e das relações entre as pessoas “[...] produz no jogo evidencia que, apesar

da variedade de temas, todos eles contêm, por princípio, o mesmo conteúdo, ou

seja, a atividade humana e as relações sociais entre as pessoas” (ELKONIN, 1998,

p. 35). Nos turnos 17, 19, 21 e 24, por exemplo, o menino Fer, que assumiu o lugar

de sacerdote no ritual religioso, busca fazer uso da linguagem utilizada nesse tipo de

cerimônia: “[...] senhoras e senhores... estamos reunidos hoje para fazer o

casamento de nossos irmãos... que entrem os noivos”. De acordo com Bakhtin

(2000), a língua é utilizada por meio de enunciados que podem ser orais e escritos,

concretos e únicos que são construídos a partir das diferentes esferas das

atividades humanas.

Assim, “[...] cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente

estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros dos discursos”

(BAKHTIN, 2000, p. 279). Nesse sentido, as crianças, na situação fictícia, fazem uso

da linguagem que é utilizada na esfera de atividade que estão recriando.

É o caso de Fer que fala como um sacerdote, ao realizar uma cerimônia de

casamento. Os trechos que seguem apresentam mais evidências sobre esse fato:

T35 Fer: se alguém tem alguma coisa contra esse casamento que fale ou se cale-se

para sempre... ((coloca o dedo na boca, simbolizando o silêncio))

T36 Crianças: ((risos))

T37 Prof. 5: ninguém tem nada...

T38 Mil: deixa eu ri...

T39 Fer: Bruno da Silva Ferreira não sei que lá... você aceita Mik como sua

esposa... na saúde... na doença... na riqueza... na pobreza... na desgraça ou na

ferida?

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Novamente, o menino Fer faz uso do gênero textual que é utilizado nessa atividade

humana. No turno 35, conforme podemos observar, ele pergunta se alguém tem

alguma coisa que possa impedir o casamento e, no turno 39, pergunta aos noivos se

aceitam casar-se um com o outro. Assim, na brincadeira, o menino Fer assume o

lugar de sacerdote e a linguagem é o elemento principal que identifica o lugar social

que lhe foi indicado na situação fictícia.

Nesse sentido, compreendemos que a brincadeira é um importante espaço para a

apropriação da linguagem oral pela criança, na medida em que, nessa atividade, ela

realiza o que Leontiev (1988) chama de ação lúdica, que é a capacidade de assumir

determinados lugares sociais numa brincadeira. Esse fato repercute no

desenvolvimento da linguagem na criança, pois, nesse contexto, ela pode fazer uso

da linguagem, levando em consideração seus usos nas diferentes esferas das

atividades humanas.

O menino Fer utiliza o texto que um sacerdote usa ao celebrar um casamento e a

menina Bru se comporta e fala como uma mãe que estava organizando a festa de

aniversário de seu filho. No entanto, há uma diferença em relação aos dois eventos.

O evento em que a menina Bru brinca da festa de aniversário está ligado às

atividades cotidianas que as crianças vivenciam no seu dia-a-dia. Por conseguinte, a

linguagem utilizada não possui o grau de formalidade da linguagem utilizada por Fer.

No caso da realização do casamento, o menino Fer, com a ajuda professora,

precisou fazer uso de um gênero formal público, pois representava, na atividade

lúdica, um sacerdote. A professora, nesse evento, colaborou para a organização do

texto de tal maneira que as crianças pudessem vivenciar uma ação lúdica. Nesse

contexto, ultrapassou-se o uso de gêneros primários para a produção de um texto

oral “regulado” por normas institucionais, nesse caso, o discurso religioso.

Para finalizar, faremos algumas considerações sobre os eventos apresentados

nesse grupo, referente às brincadeiras das crianças e professoras. Vimos, à luz da

teoria de Elkonin (1998) e Leontiev (1988), que a brincadeira, por meio do jogo

protagonizado, é um dos principais elementos da vida da criança contemporânea e

que as brincadeiras das crianças têm como foco a representação das relações

sociais que são estabelecidas nas diversas esferas das atividades humanas.

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Pela análise desses eventos, foi possível evidenciar algumas questões relacionadas

com os modos de utilização da linguagem pelas crianças durante a atividade lúdica,

envolvendo o jogo protagonizado. Vimos que “[...] o jogo apresenta-se como prática

real não só de mudança de postura ao adotar o papel, mas também como prática de

relações com o companheiro de jogo” (ELKONIN, 1988, p. 412). Essas práticas de

relações entre as crianças, conforme foi evidenciado, são, na atividade lúdica, assim

como nas atividades humanas, mediadas pela linguagem. Desse modo, as crianças,

a depender do lugar que assumiram na brincadeira, fazem uso de diferentes

gêneros discursivos que circulam nas diversas esferas discursivas. De acordo com

Machado (2005, p. 158), na perspectiva de Bakhtin, “[...] os gêneros são elos de

uma cadeia que não apenas une como também dinamiza as relações entre as

pessoas”. Essa dinamicidade produzida pelos gêneros discursivos nas relações

entre as pessoas aparece no jogo protagonizado, pois, por meio dos textos

construídos no jogo, as crianças estabelecem relações e nelas usam a linguagem

para se posicionar, defender pontos de vistas ou, ainda, organizar sua fala, levando

em consideração a situação de comunicação construída no jogo.

Assim, a menina Bru organiza o seu discurso a partir da maneira que uma mãe fala

quando está à frente da festa de aniversário de seu filho, levando em consideração

os seus interlocutores, os convidados da festa. Também o menino Fer, na posição

de sacerdote, usa os recursos discursivos utilizados para celebração de um

casamento, uma situação que exigia um texto oral formal público. Ele constrói o

texto a partir da situação de comunicação, tendo em vista os seus interlocutores

(convidados e noivos) e a instituição religiosa que representava na brincadeira.

Logo, as crianças se apropriam dos modos e usos da linguagem pelas de relações

interativas que estabelecem com as pessoas. Nesse sentido, a análise desses

eventos nos revelou que a brincadeira, como reconstituição de lugares sociais e das

interações entre os adultos, por parte das crianças, se revela como uma atividade

que lhes possibilita se constituírem como sujeitos que criam linguagem, que se

enunciam, que se posicionam e que escolhem as estratégias do dizer, a depender

da atividade humana que estão vivenciando na ação lúdica.

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5.2.2 Brincadeira de professora

Observamos, durante a pesquisa de campo, que as professoras tinham o hábito de

ler histórias para suas crianças e, em alguns momentos, elas as estimulavam a

recontar a história que haviam contado. Por isso, fizemos os registros de alguns

eventos, utilizando filmagens, nos quais as crianças, nas brincadeiras, contavam

histórias que, na maioria das vezes, as professoras já tinham lido para elas.

Chartier (1999, p. 143) fala que a prática sociocultural da leitura em voz alta é “[...]

uma forma de sociabilidade compartilhada e muito comum. Lia-se em voz alta nos

salões, nas sociedades literárias, nas carruagens ou nos cafés. A leitura em voz alta

alimentava o encontro com o outro”. O mesmo autor aponta que, no século XIX, a

leitura em voz alta é incorporada a espaços institucionais, como a igreja, a

universidade, o tribunal. Desse modo, de acordo com Chartier (1999), ocorre um

esvaziamento de formas de sociabilidade ou formas de lazer, por meio da leitura em

voz alta e, assim, chega-se à contemporaneidade, na qual “[...] a leitura em voz alta

é finalmente reduzida à relação adulto-criança e aos lugares institucionais”

(CHARTIER, 1999, p. 143).

Na atualidade, observamos que é comum os adultos lerem em voz alta para as

crianças. Nas instituições de Educação Infantil, a leitura em voz alta é uma prática

que já foi incorporada às suas rotinas. Durante o período em que realizamos a

observação, deparamo-nos com algumas situações em que as crianças, muitas

vezes, após ouvirem histórias lidas em voz alta pelas professoras, contavam

histórias, assumindo, nessa atividade, o lugar da professora. Discutimos, no início

deste item, que, para a Psicologia Histórico-Cultural, a brincadeira da criança não é

instintiva, mas cultural, sobretudo porque o conteúdo das brincadeiras têm origem

nas relações humanas que se desenvolvem nas mais variadas esferas de atividades

do ser humano.

Nesse sentido, quando as crianças recontam as histórias lidas pelas professoras,

elas o fazem porque presenciaram essa atividade e, na busca de compreensão

desse mundo cultural, constroem atividades lúdicas que lhes permitem inserir-se

nessas esferas e, portanto, compreendê-las. Em seguida, apresentaremos um

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panorama dos eventos que presenciamos durante a observação participante, nos

quais as crianças contavam histórias nas turmas onde o estudo foi realizado.

Tabela com a freqüência de atividades que envolviam crianças contando histórias

Brincadeira de Professora F %

Turma 1 2 16,7

Turma 2 4 33,3

Turma 3 1 8,3

Turma 4 5 41,7

Total 12 100

Conforme nos apresenta a tabela acima, de modo geral, presenciamos atividades

lúdicas que envolviam crianças das quatro turmas contando histórias. Na Turma 1,

as professoras, no período em que realizamos a observação, liam constantemente

para as crianças. Assim, observamos as professoras lendo para a turma: a história

dos Três Porquinhos, O macaquinho, Chapeuzinho Vermelho e O elefante Cheiroso

(história sobre higiene). Após ouvir essas histórias, o menino Gab reconta-as. Na

Turma 2, a professora também lia histórias para as crianças. No período em que

estivemos nessa turma, a Professora 3 contou histórias como: O sanduíche de dona

Maricota, o Sapo babão, João e Maria, O macaco que queria brincar e O short

amarelo da raposa. Nessa turma, as crianças também eram incentivadas a brincar

de contar histórias para seus colegas. Na Turma 3, não presenciamos nenhuma

situação na qual a professora contou histórias para as crianças. Entretanto

observamos um evento em que umas das crianças contou uma história para seus

colegas. Na Turma 4, durante o período em que estivemos na sua sala, a professora

realizou a leitura de várias histórias para as crianças, tais como: O patinho feio,

Barba Azul e A árvore de Beto. Além disso, ela enviava para casa uma pasta com

um livro escolhido pela criança para ser lida por seus pais.

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No item a seguir, analisaremos três eventos apresentados na tabela acima. Antes,

porém, é importante salientar que escolhemos aqueles eventos que consideramos

mais representativos do conjunto de dados que obtivemos na observação que

realizamos nas turmas onde este estudo foi realizado e, também, que

acompanhamos integralmente.

a) As histórias do menino Gab

Conforme mencionado, as professoras da Turma 1 desenvolviam atividades que

envolviam a leitura de histórias para as crianças. O menino Gab que, no período da

observação, estava com dois anos e nove meses, contava as histórias que as

professoras liam. Ao contar as histórias, ele reconstituía os elementos que

envolviam a prática de leitura de histórias em voz alta para a turma. Desse modo,

quando lia, segurava os livros como na situação vivenciada (mostrando as imagens

para as crianças) e, também, fazia perguntas às crianças sobre a história, conforme

as professoras faziam ao ler para a turma. Desse modo, o menino Gab assumia o

lugar da professora nas relações sociais que se desenvolviam na sala de aula.

Analisaremos o evento 13 que ocorreu no dia 7 de junho de 2006, no qual Gab

pega alguns livros na estante da sala e imita a maneira como as professoras liam

histórias para sua turma:

T1 Gab: ((segura o livro, mostra a ilustração e faz perguntas como a professora

fazia)) quem é esse aqui? quem é esse aqui?

[

T2 Prof. 1: ((risos))

T3 Prof. 2: ((risos))

T4 Prof. 1: é um pintinho...

T5 Prof. 2: abre a história... abre::: conta a história para a Ires...conta:::conta:::

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T6 Gab: ((canta a música que as professoras cantavam antes de contar a história))

uma história vou cantar... eu vou contar:::eu vou contar:::

T7 Prof. 1 e Prof. 2: ((risos – acham engraçada a cena – Gabriel imitando a maneira

como elas contam a história e começam a cantar)) e agora minha gente... uma

história eu vou contar::: uma história BEM bonita... sei que todos vão gosTAR...

he...he..tra-lá...tra-lá... he...he..tra-lá...tra-lá...lá...lá...

T8 Prof. 2: conta a história

T9 Gab: quem é essa aqui... vaca? ((mostra a ilustração de uma vaca))

T10 Prof.:2 tá procurando quem?

T11 Gab: o boi...( ) a mãezinha...

T12 Prof. 1: quem é? quem.... Gab ?ai quem tá procurando a mãezi-nha... quem é?

quem é?

T13 Prof.1: é a ovelhinha... o cordeirinho... ((imita a ovelhinha))

É interessante destacar que Gab realiza uma atividade que as professoras

desenvolviam constantemente com a turma. Nesse contexto, ele ressignifica as

atitudes das professoras quando contavam histórias. Inicialmente, ele retoma os

gestos das professoras: segura o livro, conforme podemos observar na foto a seguir:

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Foto 21 – Gab conta a história

Gab também canta a música que era cantada pelas professoras ao realizarem essa

atividade: contar histórias (turno 6). Além disso, as professoras mostravam as

ilustrações e perguntavam: que bicho é esse? Que cor é essa? Quem é esse ui?

Gab mostra o livro para seus colegas e, como as professoras, também faz

perguntas, conforme podemos ver nos turnos 1 e 9. Elkonin (1998, p. 419) aponta

que “[...] a interpretação de um papel atrativo no aspecto emocional, estimula a

execução de ações nas quais o papel se personaliza”. Nesse sentido, para as

crianças, contar histórias é uma atividade extremamente envolvente, por isso vemos,

nesse evento, o menino Gab produzir os gestos das professoras. Já discutimos, no

item anterior, a questão referente à vivência da criança de atividades humanas por

meio de situações fictícias ou de brincadeiras. Assim, destacaremos, na análise

desse evento, um outro aspecto relacionado com o desenvolvimento da linguagem

na criança. Logo, discutiremos princípios da teoria vigotskiana para buscar entender

a atividade realizada por Gab.

Inicialmente, é importante ressaltar que concordamos com Vigotski quando aponta

que o desenvolvimento da criança “[...] não é ditado unicamente pelas leis da

natureza, mas, cada vez mais, pelas leis da história humana; história constituída das

transformações que o homem opera na natureza” (PINO, 2005, p. 24). Assim,

segundo Pino (2005), Vigotski vê o desenvolvimento psíquico como

desenvolvimento cultural. Nesse sentido, existe uma história do desenvolvimento

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cultural da criança e foi essa história que Vigotski e seus colaboradores buscaram

evidenciar. Para Leontiev (1997, p 435 ),

El estúdio de la historia de la formación de las funciones psíquicas superiores em la ontogénesis y de la filogénesis como funciones contituidas sobre la base de funciones elementales, que actúan de forma mediada a través de instrumentos psicológicos, se convirtió en el tema central de las investigaciones de Vygotski y sus colaboradores.

Nesse contexto, Vigotski (2000) 28 estabeleceu o que ele chama de uma lei geral do

desenvolvimento cultural da criança, descrita da seguinte maneira:

El nino, a lo largo de su desarrollo, empieza a aplicar a su persona las mismas formas de comportamiento que al principio otros aplicaban com respecto a él. El próprio nino asimila las formas sociales de la conducta y las transfiere a sí mismo. Si aplicamos lo dicho a la esfera que nos interesa cabría decir que esta ley se manifiesta como cierta sobre todo em el empleo de los signos (VYGOTSKI, 2000, p. 146).

Portanto, conforme já mencionado, o desenvolvimento da criança se dá em dois

planos: um intersubjetivo, quando as pessoas se relacionam com ela por meio de

signos; e outro plano intrasubjetivo, quando a criança transfere para si mesma

essas relações. Em outras palavras, o desenvolvimento ocorre em dois planos: um

social e outro pessoal. Assim, as funções culturais

[...] não emergem diretamente da natureza por força das “leis” naturais que regem o desenvolvimento orgânico, como se fossem um mero desdobramento dele ou o simples produto da maturação. Elas surgem como resultado da progressiva inserção da criança nas práticas sociais de seu meio cultural onde, graças à mediação do Outro, vai adquirindo sua forma humana (PINO, 2005, p. 32).

Gab está inserido em uma instituição de Educação Infantil onde participa de diversas

práticas sociais de leitura. A presença dessa criança em um ambiente cultural, no

qual se lê histórias, resulta na apropriação, por parte de Gab, dos modos e das

formas de ler histórias, fato que aparece na transcrição apresentada.

28 Texto de 1931.

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No contexto do evento apresentado, o menino Gab é orientado pelas professoras

com relação às histórias que contava. Para Vigotski (2001), ao realizar uma

atividade colaborativa, a criança está, de alguma maneira, passando do que sabe

fazer para o que não sabe. Assim, na perspectiva de Vigotski (2001, p. 329), “[...] em

colaboração, a criança sempre pode fazer mais do que sozinha”. Esse fato é

evidenciado no evento que apresentamos, pois, quando Gab realizou a atividade,

estava com dois anos e nove meses e ainda não lia textos escritos, mas, na

interação com as professoras, o menino conta algumas histórias contidas nos livros

que havia na sala. Portanto, ao contar histórias, ele assume o lugar da professora e

realiza uma atividade que está além da sua zona de desenvolvimento real.

Desse modo, Vigotski (2001) defende que as atividades realizadas pela criança por

meio da colaboração são fundamentais para o seu desenvolvimento. Ele aponta

ainda que a imitação,29 se compreendida em sentido amplo, “[...] é a forma principal

em que se realiza a influência da aprendizagem sobre o desenvolvimento. A

aprendizagem da fala, a aprendizagem na escola se organiza amplamente com base

na imitação” (VIGOTSKI, 2001, p. 331). Assim, quando Gab realiza uma atividade

com a colaboração das professoras, ele está atuando na sua zona de

desenvolvimento próximo.

Na perspectiva discursiva, podemos observar, na linguagem, elementos de uma

intensa dialogia. Vejamos:

T13 Prof. 2: conta a historinha pra Sulamita... Sul...

T14 Gab: lamita... ((chama a colega)) quem é esse aqui?

T15 Prof.1: quem é esse aqui? o cordeirinho...

T17 Prof.1: agora troca pega outro livro... outro... embaixo também tem...embaixo ((

referindo-se à parte de baixo da estante))

29 É importante ressaltar que não concebemos a imitação numa perspectiva mecânica, mas como um conceito que foi ressignificado por Vigotski (2001) no contexto da Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP).

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T18 Prof.2: é esse daí...oh...esse quem é?

T19 Prof. 1: esse é o cachorrinho...

T20 Gab: aqui? quem é? o cachorrinho...

T21 Prof.2: o que que tá fazendo?

T22 Prof. 1: ele tá tomando banho...

T23 Gab: tomando banho com água fria... ( ) saboNETE...oh o

Lobo...socoRRO...socoRRO... ((a Professora 1 tinha acabado de contar uma história

que envolvia banho))

Vimos, nos turnos acima, que Gab continua contando histórias para seus colegas.

No turno 13, a professora sugere que ele conte a história para sua colega Sul e, no

turno seguinte, chama a colega, mostra a ilustração do bicho e pergunta: quem é

esse aqui? Essa pergunta era utilizada pelas professoras. Quando contavam

histórias para as crianças, elas mostravam as ilustrações, nas quais apareciam

animais ou personagens, e perguntavam às crianças: quem é esse aqui? Assim, o

menino traz para a interação verbal um enunciado muito utilizado pelas professoras.

No turno 17, ele troca de livro e as professoras estabelecem uma interlocução com

ele, fazendo perguntas sobre o cachorro, personagem da história. A Professora 2

pergunta a Gab o que o cachorro está fazendo, a Professora 1 responde dizendo

que ele está tomando banho. Assim, no turno 23, Gab retoma a fala da professora

(turno 22) e acrescenta que o cachorro estava tomando banho com água fria...

sabonete .... o lobo... socorro...socorro... Desse modo, Gab retoma os enunciados

que eram utilizados pelas professoras, quando estavam contando histórias. Para

Bakhtin (2000, p. 314),

[...] nossa fala, isto é, nossos enunciados [...] estão repletos de palavras dos outros, caracterizadas, em graus variáveis, pela alteridade ou pela assimilação, caracterizadas também em graus variáveis, por um emprego consciente e decalcado. As palavras dos

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outros introduzem sua própria expressividade, seu tom valorativo, que assimilamos, reestruturamos, modificamos.

Desse modo, a fala do menino Gab, conforme evidenciamos, está carregada de

palavras, dos enunciados das professoras. Mas isso não significa que a sua palavra

é uma “repetição” mecânica dos enunciados produzidos por elas. Ao retomar os

enunciados delas, ele os reestrutura e imprime o seu tom valorativo que resulta na

atualização do enunciado. Os tons valorativos ou as entoações “[...] são valores

atribuídos e/ou agregados àquilo dito pelo locutor. Esse valores correspondem a

uma avaliação da situação pelo locutor posicionado historicamente frente ao seu

interlocutor” (STELLA, 2005, p. 178). Para Brait (2005), essa “avaliação social”

realizada pelo locutor destaca o aspecto da particularidade da situação em que se

dá um enunciado.

Nesse contexto, pode-se concluir que o enunciado construído por Gab já não é o

mesmo produzido pelas professoras, pois a situação social em que este a realiza é

outra. No entanto, quando, por meio da brincadeira, a criança assume um lugar,

conforme discussão realizada anteriormente, ela o faz levando em consideração as

regras referentes a esse lugar nas relações sociais, ou seja, a criança não perde de

vista o lugar social (as relações sociais).

Para finalizar a análise desse evento, é necessário ressaltar ainda que as atividades

realizadas pela criança em colaboração com a professora incidem diretamente sobre

a Zona de Desenvolvimento Proximal. No evento apresentado, as professoras, ao

perceberem que o menino Gab construía uma brincadeira, cujo conteúdo era a

“leitura” de histórias para seus colegas, elas entram no jogo e colaboram na

realização da atividade, fazendo perguntas sobre a história e sugerindo ao menino a

leitura de outros livros, além da orientação da realização da leitura para os colegas.

Assim, contribuíram para o desenvolvimento de uma atividade que estava além das

reais possibilidades da criança.

b) A menina Car e a história do Sapo Lambão Continuaremos a discussão tomando um outro evento que ocorreu na Turma 2, com

a menina Car. Esse evento de número 70 aconteceu no dia 23 de agosto de 2006,

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no momento em que a estagiária Jaq fazia a leitura da história O sapo lambão. No

entanto, como as crianças estavam muito agitadas e não se interessaram em ouvir a

história, ela não conclui a leitura. A professora e a estagiária levaram a turma para o

pátio, mas Car, Kez e Emi ficaram na sala de aula e Car (Foto 22) pega o livro e

inicia a leitura da história:

Foto 22 - Menina Car contando a história

T1 Car: ((sentada na cadeira como a professora e segurando o livro como ela,

começa a contar a história do sapo lambão)) na historinha do sapo lambão... o sapo

lambão colocou a língua na areia... ((começa a cantar a música que a professora

ensinou)) o sapo não lava o pé... não lava porque não quer... ele mora lá na lagoa...

não lava o pé porque não quer... mas que chulé::: ((canta novamente a música, mas

troca o nome do sapo pelo nome da menina para quem ela estava contando a

história)) a Kez não lava o pé... não lava porque não quer... ele mora lá na lagoa...

não lava o pé porque não quer... mas que chulé::: ( ) oh o sapo tá covando o

denTE... ((mostra ilustração do sapo escovando os dentes)) quem gosta de covar o

dente?

T2 Kez: eu:::

T3 Car: Kez... é você mesmo covando o dente... ((mostra ilustração do sapo))

quando aqui fica um monte de bichinho aqui oh... dá negócio... um monte de

bichinho... ((mostra os dentes)) oh o sapo na lagoa... o sapo não lava o pé porque

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não quer... ((fala esse trecho da música como se estivesse lendo no livro)) olha

gente olha aqui tá vendo a historinha do sapo... olha...os dois irmãos... ((olha a

ilustração de dois sapos se abraçando)) pra QUE ISSO? pra QUE ISSO? o sapo de

olho fechado... ((para a leitura para tossir)) nossa::: os dois tá com batom... não os

dois não tá com batom...só um... ele mora na lagoa... olha que lindo... chuá::: quem

come isso? ((mostra a ilustração do sapo comendo mosquito))

T4 Kez: ninguém...

T5 Car: eu come isso... quem come aquele negócio que eu mostrei?... hein... Kez?

come a gente assim na praia andando... a::onde o sapo mora?

T6 Kez: não sei...

T7 Emi: ele mora na la:::goa...

T8 Car: olha que ele mora... vamos ver que ele mora? vem cá... Kezi... vem...vamo

lá... vem cá... vem Kez... ( ) olha aqui o lugar dele... olha que bonito... vamos cantar

gente...

Inicialmente, é relevante destacar, conforme postula Bakhtin (2004), que a

enunciação não é um ato monológico, mas dialógico. Logo, o autor interessa-se “[...]

pela natureza social dos fatos lingüísticos, o que significa entender a enunciação

indissoluvelmente ligada às condições de comunicação, que, por sua vez, estão

sempre ligadas às estruturas sociais” (BRAIT, 2005, p.94). Assim, deve-se

considerar que, quando a menina Car pega o livro O sapo lambão e constrói

enunciados, ela dialoga com enunciados anteriores produzidos em situações de

comunicação das quais ela participou, principalmente, aquele produzido pela

estagiária, no momento em que contou a história. Dessa forma, “[...] o enunciado

está repleto dos ecos e lembranças de outros enunciados, aos quais está vinculado

no interior de uma esfera comum da comunicação verbal” (BAKHTIN, 2000, p. 316).

Nesse sentido, a menina traz para o seu enunciado as muitas vozes que o

antecederam. No turno 1, por exemplo, ela canta a música O sapo não lava o pé,

estabelecendo, assim, um diálogo com outro enunciado, cujo personagem também é

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o sapo. Além disso, ela reconstrói esse enunciado, ao trocar a palavra sapo pelo

nome da sua interlocutora, a menina Kez. Por isso, o enunciado deve ser analisado

em sua relação “[...] com o autor (o locutor) e enquanto elo na cadeia da

comunicação verbal, em sua relação com outros enunciados (uma relação que não

se costuma procurar no plano verbal, estilístico-composicional, mas no plano do

objeto de sentido)” (BAKHTIN, 2000, p. 318-319). Desse modo, a menina dialoga,

quando traz para o seu enunciado um outro enunciado, cujo objeto de sentido é o

mesmo, o sapo. A dialogia é, pois,

[...] inerente a todo discurso e, na medida em que diz respeito a vozes que antecederam a do enunciante e às que poderão sucedê-lo, explicita a dupla função da linguagem: não há enunciado que não exiba traços do produto histórico da atividade dos homens e que, objetivado, não possa servir de referência para que novos enunciados sejam construídos e nos quais se manifeste uma maior ou menor superação do que estava socialmente posto (VOESE, 2004, p. 47).

Essas questões estão ligadas ao caráter social do enunciado, pois, conforme

defende Brait (2005), a partir da perspectiva bakhtiniana de linguagem, a enunciação

é explicada pelas estruturas sociais. Nesse contexto, para Bakhtin (2004, p. 112)

[...] a enunciação é o produto da interação de dois indivíduos socialmente organizados e, mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o locutor. A palavra dirige-se a um interlocutor: ela é função da pessoa desse interlocutor: variará se se tratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou não, se esta for inferior ou superior na hierarquia social ou não, se estiver ligada ao locutor por laços sociais mais ou menos estreitos (pai, mãe, marido, etc.). Não pode haver interlocutor abstrato.

Assim, para a efetivação do enunciado, é necessário “[...] ter um destinatário, dirigir-

se a alguém, é uma particularidade constitutiva do enunciado, sem a qual não há, e

não poderia haver enunciado” (BAKHTIN, 2000, p. 325). Nos turnos apresentados, a

menina Car se dirige a Kez, sua interlocutora, como alguém que está na posição de

aluno. Nesse contexto, ela fez perguntas que a professora costumava fazer, quando

lhes contava histórias: “quem gosta de covar o dente? (T1), pra QUE ISSO? pra

QUE ISSO? (T3), quem come isso? (T3), quem come aquele negócio que eu

mostrei?... hein... Kez?(T5), a::onde o sapo mora? (T5), olha que ele mora... vamos

ver que ele mora? (T8)”. Além disso, no turno 3, a menina Car fala da higiene com

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os dentes, tema que é extremamente discutido pelas professoras na instituição

infantil, lembrando que as bactérias (bichinhos) que ficam nos dentes podem dar um

negócio (cárie). Desse modo, Car assume o lugar da professora, ao introduzir, em

seu enunciado, aspectos do discurso pedagógico produzido por ela. Segundo

Bakhtin (2000, p. 279),

[...] a utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana. O enunciado reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas.

Portanto o evento demonstra que as crianças são produtoras de linguagem e que,

desde muito cedo, compreendem e fazem uso do jogo discursivo que a permeia.

Quando brinca de contar história, ela assume outro lugar na esfera de atividade da

qual participa como criança, ou seja, a menina se coloca em outro lugar, o da

professora. Nessas condições e observando as finalidades, “[...] o querer-dizer do

locutor se realiza acima de tudo na escolha de um gênero do discurso. Essa escolha

é determinada em função da especificidade de uma esfera da comunicação verbal,

das necessidades de uma temática” (BAKHTIN, 2000, p. 301).

Nesse sentido, conforme defende Brait (2005), o dialogismo, na perspectiva

bakhtiniana, tem uma dupla e indissolúvel dimensão. Primeiro, é ele que instaura a

interdiscursividade da linguagem que “[...] diz respeito ao permanente diálogo, nem

sempre simétrico e harmonioso, existente entre os diferentes discursos que

configuram uma comunidade, uma cultura, uma sociedade” (BRAIT, 2005, p. 94).

Segundo, o dialogismo, também na perspectiva de Brait (2005), está relacionado

com as relações travadas entre o eu e o outro, “[...] nos processos discursivos

instaurados historicamente pelos sujeitos, que, por sua vez, se instauram e são

instaurados por esses discursos” (BRAIT, 2005, p. 94-95). Por conseguinte, para a

perspectiva enunciativo-discursiva de linguagem bakhtiniana, o enunciado é

eminentemente sociológico. Nesse sentido, a comunicação verbal estrutura-se de

acordo com os elementos que integram as diferentes atividades humanas. Dessa

forma, na atividade realizada pela menina Car, observamos esses aspectos.

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Logo, “[...] a língua penetra na vida através dos enunciados concretos que a

realizam, e é também através dos enunciados concretos que a vida penetra na

língua” (BAKHTIN, 2000, p. 282). Assim, brincando de contar histórias, a menina Car

se constitui como sujeito que se enuncia e que constitui linguagem à medida que

produz enunciados. Nesse sentido, é importante destacar que a brincadeira, na

criança em idade pré-escolar, “[...] surge a partir de sua necessidade de agir em

relação não apenas ao mundo dos objetos acessíveis a ela, mas também em

relação ao mundo dos adultos” (LEONTIEV, 1988, p. 125). Portanto, quando Car

brinca de contar histórias, ela está se relacionando com o mundo dos adultos que

lhe contam histórias, uma ação que produz desenvolvimento.

Conforme discutido, a partir da concepção de linguagem bakhtiniana,

compreendemos o enunciado como eminentemente social, por isso ele está

intimamente ligado ao dialogismo, à medida que participa de um elo da cadeia da

comunicação verbal que só se realiza, na sociedade, por meio de enunciados-textos

orais ou escritos. Nesse contexto, “[...] toda enunciação é um diálogo; faz parte de

um processo de comunicação ininterrupto. Não há enunciado isolado, todo

enunciado pressupõe aqueles que o antecederam e todos os que o sucederão”

(SOUZA, 1995, p. 99). Desse modo, evento apresentado, a menina Car assume a

função de professora e conta a história O sapo lambão e estabelece um diálogo com

outro texto O sapo não lava o pé. Nesse contexto, ela acaba produzindo uma

relação dialógica entre os textos, por isso, podemos afirmar que, no discurso

elaborado pela menina, aparece um dos aspectos do dialogismo que é a

intertextualidade que pode ser definida como “[...] o diálogo entre os muitos textos da

cultura, que se instala no interior de cada texto e o define” (BARROS, 2003, p. 4).

Assim, a criança, além de se constituir por meio da linguagem, também a produz, na

medida em que constrói textos levando em consideração a situação de comunicação

que se estabelecia na brincadeira, uma professora contando história sobre um sapo.

Por isso, traz para sua fala outras vozes que falam sobre sapo, que acabam se

entrecruzando no texto oral da menina Car, tornando, assim, o seu texto mais rico

na medida em que não oculta a polifonia.

Também, conforme evidenciado, as crianças iniciam a leitura das histórias apoiadas

nas experiências vivenciadas na sala. Esse fato é comum aos eventos trazidos para

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a análise. Desse modo, o que deflagra o ato de contar histórias pelas crianças é o

fato de ouvirem histórias contadas pelas professoras. Nesse sentido, a partir da

teoria vigotskiana, compreendemos que o desenvolvimento da linguagem na criança

ocorre por meio das relações que ela estabelece com outras pessoas que integram

o contexto sociocultural.

c) Mik e a história de Cinderela

Tomemos agora um outro evento que ocorreu no dia 23 de novembro de 2006, na

Turma 4. Nessa turma, as crianças, quando eram liberadas pela professora para

brincar, constantemente, também pegavam livros e brincavam de contar histórias. É

o caso de Mik (Foto 23) que tinha, no período da realização da observação, seis

anos e seis meses. Ela ainda não sabia ler, mas já conhecia a maioria das histórias

dos livros que eram lidos pela professora. Assim, para realizar a leitura, as

ilustrações eram utilizadas como signos que serviam de apoio à memória. Desse

modo, apoiada nas ilustrações, a menina Mik lia os livros. Vejamos, a seguir, a

transcrição da situação, na qual Mik conta a história Cinderela para as suas amigas

Pao e Ali.

Foto 23 - Mik contando história para a sua colega Pao

T1 Mik: Cinderela...

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T2 Pao: alto::: ((chama a atenção de Mikaela)) aí você mostra a foto... ((referia-se à

ilustração)

T3 Mik: Cinderela... era uma vez...

T4 Pao: mais alTO... ((fala alto))

T5 Ali: ela falou mais alto...

T6 Pao: ((fala alto)) era uma vez...

T7 Mik: era uma vez... duas irmãs invejosas com uma madrasta

T8 Pao: é três:::

T9 Mik: ((mostra a ilustração que apresentava as duas irmãs e a madrasta)) tinha

umas que era muito invejosas... e a madrastra...

T10 Pao: Mik lê baixo... né...

T11 Ali: eu estou ouvindo TUDO... TUDO que ela está falando...

T12 Mik: e também... as irmãs estavam vendo... os seus... vestidos para irem pro

baile que tinha lá no palácio do rei... Cinderela não podia ir... tinha que ficar em

casa... ((vira a página))... rasgaram uma parte... Paola... cadê a parte que eles

estavam dançando?

T13 Pao: não tem... não tem... é só no filme...

T14 Mik: e também chegou a madrinha de Cinderela e disse... não chore...

T15 Pao: ((fala alto)) disse... lê alto Mikaela... você tem que ler alto...

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T16 Mik: não chore minha querida... você também irá a este baile... deu um vestido

bonito para Cinderela... e falou... não volte depois da meia-noite... aí... ela saiu

correndo... perdeu o sapatinho de cristal... mas tinha que correr... para chegar antes

da meia-noite... aí... aí... o príncipe pediu Cinderela em casamento... casaram e

viveram felizes para sempre...

Após a leitura desses turnos, perguntamos: o que motiva as crianças a vivenciarem

lugares de professoras, mães, padres em suas ações lúdicas? Na perspectiva de

Leontiev (1988), a motivação da criança está na própria ação e não no seu

resultado. Assim, “[...] o que a distingue de uma ação que não constitui uma

brincadeira é apenas sua motivação, i.e., a ação lúdica é psicologicamente

independente de seu resultado objetivo, por que sua motivação não reside nesse

resultado” (LEONTIEV, 1988, p. 126). Logo,

[...] muitos tipos de atividades nesse período do desenvolvimento possuem seus motivos (aquilo que estimula a atividade) em si mesmo, por assim dizer. Quando, por exemplo, uma criança bate com uma vara ou constrói com blocos, é claro que ela não age assim porque essa atividade leva a certo resultado que satisfaz algumas de suas necessidades, o que a motiva a agir nesse caso aparentemente é o conteúdo do processo real da atividade (LEONTIEV, 1988, p. 119).

Nesse sentido, a motivação não está ligada a motivos biológicos, mas à vida social.

Por outro lado, “[...] no brinquedo, a ação, todavia, não persegue um objetivo, pois

sua motivação está na própria ação e não em seu resultado” (LEONTIEV, 1998, p.

127). Nesse sentido, o objetivo da menina Mik não é que as crianças que a escutam

aprendam algum conteúdo, mas é a atividade em si que a motiva. Ainda é

importante mencionar que a brincadeira construída pelas crianças não se originou

de um mundo imaginário, mas revela o modo como compreende e vê o mundo

adulto. Nesse contexto, reafirmamos que “[...] a brincadeira da criança não é

instintiva, mas precisamente humana, atividade objetiva, que por constituir a base da

percepção que a criança tem do mundo dos objetos humanos, determina o conteúdo

de suas brincadeiras” (LEONTIEV, 1988, p. 120). Assim, para essa perspectiva, não

é a imaginação da criança que resulta na ação, mas é a concretude da ação que faz

com que a imaginação surja nas ações lúdicas produzidas pelas crianças. Ainda

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segundo Leontiev (1988), quando as crianças realizam uma atividade lúdica, essa

atividade é sempre generalizada. Para o autor,

[...] uma criança que se imagina um motorista em uma brincadeira reproduz talvez a forma de agir do único motorista que ela viu, mas sua própria ação é uma representação, não de um certo motorista que ela viu, não de um certo motorista concreto, mas de um motorista ‘em geral’, nas suas ações concretas, tais como foram observadas pelas crianças, mas as ações em geral, dentro dos limites, é claro, da compreensão e generalização dessas ações, que sejam acessíveis à criança (LEONTIEV, 1988, p. 130).

Nesse sentido, quando a menina Mik assume o lugar de professora, na brincadeira,

ela produz a forma de agir da professora que lê histórias para ela. No entanto sua

ação, a leitura de histórias em voz alta, é uma generalização. Na medida e dentro

dos limites da sua compreensão, ela realiza elementos que caracterizam a atividade

de leitura. Então, a atividade lúdica da criança, segundo Leontiev (1988), sempre é

uma atividade generalizada, é um modo de compreensão da realidade. Para Elkonin

(1998, p. 80), 30 o jogo ou a brincadeira:

[...] nasce no decorrer do desenvolvimento histórico da sociedade como resultado da mudança de lugar da criança no sistema de relações sociais. Por conseguinte, é de origem e natureza sociais. O seu nascimento está relacionado com condições sociais muito concretas da vida da criança na sociedade e não como ação de energia instintiva inata, interna, de nenhuma espécie.

Desse modo, Elkonin (1998) rejeita concepções que compreendem o jogo ou

brincadeira realizada pelas crianças numa perspectiva inatista. Assim, quando

vemos as meninas Mik, Pao e Ali vivenciarem uma situação fictícia, na qual a

menina Mik assume o lugar de professora, podemos observar o quanto a brincadeira

reflete a percepção que as crianças têm das relações humanas. Dessa forma, nos

deparamos com vários aspectos ligados à relação da criança com o mundo que está

à sua volta e que, nesse caso, é a sala de aula. A maneira como a menina Mik

segura o livro (Foto 23) é resultado do modo como ela percebe a atividade

desenvolvida pela professora. Além disso, ela inicia a leitura da história também

como a professora o fazia, dizendo, de forma enfática, o título da história:

“Cinderela” (T1). Assim, “[...] quando uma criança assume um papel em uma 30 Texto de 1977.

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brincadeira, por exemplo, o de professora da escola maternal, ela se conduz de

acordo com as regras latentes a essa função” (LEONTIEV, 1988, p. 133). Esse

conduzir-se segundo as regras desse lugar é tão fundamental na brincadeira que a

menina Pao (T4,T10 e T15) chama constantemente a atenção da colega Mik para

que falasse alto, pois, de acordo com as suas experiências, quando se está falando

para uma turma em sala, deve-se falar com um tom de voz que seja acessível a

todos, por isso não se deve falar baixo. Nesse contexto, é importante salientar ainda

que Leontiev (1988) não considera a situação imaginária como fator componente

inicial do brinquedo, mas como um aspecto resultante. Para esse autor, o principal

fator componente da brincadeira “[...] é a reprodução da ação ou, [...] o papel lúdico.

O papel lúdico é a ação sendo reproduzida pela criança” (LEONTIEV, 1988, p. 132).

Por isso, a menina Pao exige que a colega Mik (re)produza a ação, tal qual ela se

apresenta nas suas experiências. No entanto é preciso salientar que as brincadeiras

das crianças não são meras cópias reprodutivas das ações dos adultos, pois as

crianças deixam as marcas da sua singularidade, combinam, constroem novas

realidades. Elas imprimem suas marcas.

Desse modo, há elementos da singularidade infantil que modificam a atividade de

contar histórias. No turno 12, ao virar a página do livro e não encontrar a ilustração

referente à Cinderela dançando com o príncipe, a menina Mik diz à sua colega Pao

que rasgaram uma parte do livro. Pao responde, no turno 13, que é só no filme que

as personagens aparecem dançando. De acordo com Rocha (1997), as crianças têm

uma liberdade em relação ao real que está presente no jogo. Portanto

compreendemos que, quando Mik, por um momento, interrompe a atividade, para

dialogar com a colega sobre um trecho do livro que acreditava que estava faltando,

ela nos mostra que as crianças, quando estão realizando o jogo protagonizado,

imprimem suas marcas pessoais, conferindo, assim, originalidade aos textos, na

medida em que sua singularidade e os seus modos de compreensão da cultura

estão muito presentes na brincadeira, de tal forma que as crianças não reproduzem

o real de maneira mecânica, mas o recriam, dialogam com eles.

Para finalizar este item, no qual apresentamos eventos envolvendo: brincadeiras

diversificadas e brincadeiras com o conto de histórias pelas crianças, faremos

alguns comentários que consideramos relevantes para o fechamento deste capítulo.

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Inicialmente, é importante destacar que os jogos ou as brincadeiras infantis são de

natureza cultural. Isso ficou evidente nos eventos (brincadeiras) que analisamos,

cujos conteúdos, conforme vimos, eram as relações sociais que se constituem em

festa de aniversário, casamento. Ainda foi possível observar como as crianças

brincam de contar histórias, assumindo o lugar de professoras. Conforme aponta

Leontiev (1988), nos eventos analisados, constatamos que a criança se relaciona

com o mundo dos adultos brincando. Assim,

[...] na brincadeira, a criança pequena tenta agir como adulto, incorporando aspectos da cultura. Tal ação, guiada pela imaginação, resulta da necessidade da criança e seu desejo de incorporar elementos dispostos no real. Por meio da construção de cenários lúdicos e assumindo papéis sociais (personagens), as crianças se apropriam das regras social e historicamente construídas (SILVA, 2006, p. 35).

Nesse contexto, a linguagem oral é fundamental, pois as crianças, por meio dela,

organizam o jogo: nomeiam os objetos, conferindo-lhes sentidos e compartilham

esses sentidos com seus interlocutores. Um exemplo é quando a menina Bru, por

meio do gesto e da linguagem, define o sentido que as tampinhas de garrafa

tiveram na brincadeira (pipoca). Além disso, as crianças usam a linguagem oral para

definir os lugares dos participantes, levando em consideração os modos de agir dos

indivíduos retratados na brincadeira. É o caso da menina Pao que chama a atenção

da colega Mik que ocupa o lugar da professora. Assim, ao brincarem, as crianças

levam os comportamentos sociais referentes ao lugar que ocupam nas relações

sociais. Também, por isso, a menina Cam se sente tão à vontade para orientar a

professora sobre como deveria ser comportar na brincadeira. Afinal, naquele

momento, ela não era a professora, mas uma das participantes do jogo, uma

convidada da festa de aniversário e deveria, portanto, assumir a postura de uma

convidada. Em suma,

[...] a criança dirige sua atenção para a cultura: re-produz cenários da vida do grupo social, assume o lugar e os dizeres de figuras desses cenários; faz uso de objetos pertinentes à atividade humana; atende regras de relações interpessoais, de acordo com posições de prestígio e poder; explora formas de agir, valores, afetos e saberes; mais geralmente, re-conhece discursos e práticas sociais (GÓES; LEITE, 2003, p. 2).

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Desse modo, para ocupar diferentes lugares, a criança se apóia na cultura, ou seja,

toda a organização da ação lúdica necessita dos elementos culturais e a linguagem,

como uma produção cultural, instrumento que medeia as relações sociais é um

desses elementos que a criança faz uso durante a brincadeira. Em outras palavras,

ao ocupar lugares sociais, as crianças utilizam diferentes gêneros do discurso que

são utilizados nas esferas da atividade humana para identificar o lugar que ocupam

na brincadeira. Por isso, nesta pesquisa, nos deparamos: com a menina Bru fazendo

uso do gênero discursivo utilizado pelas mães, quando estão recebendo os

convidados da festa de aniversário de seu filho; o menino Fer utilizando um gênero

formal público, o discurso de um sacerdote, quando conduz a celebração de um

casamento; com as crianças Gab, Car e Mik assumindo as palavras da professora e

se dirigindo aos colegas que representavam seus alunos no jogo protagonizado do

mesmo modo que a professora. Assim, observamos, nesta pesquisa, que, na

brincadeira, a criança tem a oportunidade de ampliar o seu universo discursivo, na

medida em que, nele, necessita fazer uso de gêneros do discurso que não são

aqueles que usa habitualmente. Nesse sentido,

[...] o brincar é uma atividade fundamental no desenvolvimento humano porque permite à criança agir além de suas competências habituais, além de seu comportamento diário. O brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal, um espaço de capacidades emergentes, colocando a criança a frente de suas condições reais de vida (SILVA, 2006, p. 36).

Concordamos com Silva (2006), pois os eventos apresentados evidenciaram que, na

brincadeira, as crianças realizavam atividades que estavam além de suas

possibilidades reais. Nesse sentido, é uma atividade que contribui para o

desenvolvimento da criança.

Os eventos apresentados também evidenciaram que a linguagem oral é um

elemento integrante da brincadeira, pois, conforme discutido, as crianças ao

assumirem diferentes lugares sociais, na brincadeira, assumiam também os dizeres

dos outros que estavam representando, fato que possibilita a ampliação do universo

discursivo da criança. Nessa direção, Rocha (1997, p. 72) postula que, na

brincadeira, “[...] é possível a formulação da linguagem em planos diversos: como

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falas do papéis assumidos, como instrumento de planejamento, de negociações, de

instruções e/ou narrações”.

Assim, a linguagem integra a brincadeira. Nas análises que realizamos, também

notamos que, por meio da linguagem, as crianças organizam e constituem lugares

sociais. Elas se constituem como sujeitos, na medida em que se enunciam, se

posicionam e escolhem as estratégias do dizer levando em consideração a atividade

humana que estão vivenciando na ação lúdica.

Podemos concluir, então, que as brincadeiras se constituíram em espaço

fundamental para o desenvolvimento da linguagem oral, diferentemente do que

ocorreu nas rodas de conversa, onde as crianças tinham poucas oportunidades de

se constituírem como sujeitos, pois havia um grande direcionamento por parte das

professoras no sentido de levá-las a reproduzir, por exemplo, o discurso instituído na

sociedade ou de identificar os sentidos contidos no texto escrito.

Apesar dessas situações, as brincadeiras se revelaram como um importante espaço

para que as crianças se constituíssem como produtoras de linguagem, enunciando-

se de diferentes lugares sociais. Nesse sentido, na brincadeira, a criança

experimenta diferentes situações com as quais necessita fazer uso da linguagem

para se constituir como sujeito das mais diversas ações lúdicas.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A inserção no interior das práticas com a linguagem oral em uma instituição de

ensino infantil nos proporcionou o contato com desafios que integram o complexo

universo de significações que atravessam nosso olhar investigativo. Seguindo o

postulado teórico bakhtiniano que concebe a linguagem como constituída por fatores

de ordem econômica, social, política, cultural e ideológica, pois “[...] cada época e

cada grupo social têm seu repertório de formas de discurso na comunicação sócio-

ideológica” (BAKHTIN, 2004, p. 43), fomos impulsionada a buscar a compreensão

dos sentidos constituídos pelas crianças e pelas professoras.

Nesse sentido, descortinar o trabalho pedagógico realizado com a linguagem oral

em uma instituição de ensino infantil do Sistema Municipal de Vitória, ES, foi uma

tarefa árdua, mas que não se revelou impossível. Para isso, foi necessário ter

clareza de que a linguagem oral aparece vinculada às atividades que eram

desenvolvidas nos diversos espaços da instituição. Desse modo, estivemos atenta

às atividades que eram desenvolvidas, nas quais a linguagem oral aparecia com

maior intensidade. Assim, motivada pela busca da compreensão a respeito de como

se desenvolviam os processos de constituição de sentidos pelos sujeitos, por meio

da utilização da linguagem oral, nos inserimos em quatro turmas com crianças de

dois a seis anos.

Após a organização dos dados coletados, definimos as duas principais categorias de

análise: a roda de conversa e as brincadeiras realizadas pelas crianças. Optamos

por um percurso analítico que focalizou as interações verbais, pois, com base na

concepção bakhtiniana de linguagem, acreditamos que a interação verbal é a

realidade fundamental da linguagem. Nesse sentido, compreendemos, conforme

postula Brait (2003), que a interação é um fenômeno sociocultural que integra o

processo de comunicação. Sendo assim, é o espaço no qual acontece a produção

de sentidos, envolvendo elementos lingüísticos e discursivos que possibilitam a

observação e a análise. Ainda segundo essa perspectiva, “[...] os falantes não só

trocam informações e expressam idéias, mas, também, durante o diálogo, constroem

juntos o texto, desempenhando papéis que, exatamente como numa partida de um

jogo qualquer, visam a atuação sobre o outro” (BRAIT, 2003, p. 222).

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De maneira geral, nas rodas de conversa, o dizer das crianças era dirigido pelas

professoras, ora para a reprodução dos sentidos veiculados pelo texto escrito,

quando a roda era organizada para a leitura de histórias e conversas, ora para a

reprodução de sentidos presentes no discurso pedagógico, fato que resultou na

desconsideração, na maior parte das vezes, da fala das crianças. A não

consideração do dizer das crianças reduziu bastante as possibilidades de

constituição de sentidos e de interação com o outro por meio do texto oral.

Nessas circunstâncias, essas implicações foram agravadas devido à ênfase na

leitura como reprodução de sentidos e/ou decodificação. Nessas rodas de

conversas, havia, por parte da professora, uma preocupação com a avaliação das

falas das crianças, levando-as a fazer um reconhecimento dos sentidos presentes

no texto lido. Para isso, fazia uso do padrão discursivo muito comum em sala de

aula o discurso triádico, denominado IRA, que se caracteriza pela conversação

didática e/ou aferição das respostas das crianças durante o diálogo. Assim, nesse

tipo de discurso, conforme ficou evidenciado nas análises, a polissemia era contida.

Dessa forma, nesse contexto interlocutivo, o trabalho que poderia ser de produção

se circunscreveu ao exercício de reprodução de enunciados.

Entretanto, apesar de haver controle da polissemia, as crianças não se assujeitam

todo o tempo, elas se enunciam e se constituem como sujeitos na interação verbal.

Nesse sentido, deparamo-nos com algumas interações verbais, como é o caso da

roda de conversa em que se discutiu a existência de Papai Noel, na qual, as

crianças se posicionaram, tentaram negociar com a professora os rumos da

interação verbal, confrontando os saberes e as crenças. No entanto, houve certa

resistência por parte da professora em promover o discurso polêmico.

Desse modo, ficou evidenciado, nas análises das rodas de conversas, que há

dificuldades, por parte das professoras, de se colocarem, nessa atividade, numa

posição que possibilite, efetivamente, o diálogo. No entanto acreditamos que as

dificuldades em relativizar a assimetria do discurso pedagógico, de forma que seja

possível escutar as crianças, dar-lhes voz no diálogo, não deve ser vista como um

problema enfrentado apenas pelas docentes que participaram do estudo. É preciso

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considerar que o professor é um profissional que “[...] tem características forjadas

pelo tempo, pela sociedade e pelas relações” (BOCK, 2000, p. 24). Em outras

palavras, existem fatores de ordem política, econômica, social, histórica e cultural

que influenciam diretamente as experiências das professoras no trabalho com a

linguagem.

Talvez a possibilidade de compreensão das concepções que orientam a ação

pedagógica e, conseqüentemente, o entendimento da linguagem numa perspectiva

dialógica, possa contribuir para que a sala de aula dê

Continuidade ao diálogo que as crianças já fazem com a realidade [...] ampliando as suas redes de conhecimento, alargando as suas sensibilidades, respondendo a algumas perguntas e criando outras [...]. O texto não parte somente da sala de aula: o texto entra na classe primeiramente nas vozes dos alunos, da professora, deixando à mostra seus conhecimentos, suas origens (GOULART, 2005, apud PIFFER, 2006, p. 315).

Nesse sentido, defendemos que o redimensionamento das concepções de

linguagem e de sujeito pode ser o ponto de partida para mudanças necessárias no

trabalho educativo. Para isso, acreditamos que é necessário pensar a formação do

professor como um processo que promova a “[...] sua própria humanização para

além do senso comum e que, na qualidade de membro atuante na sociedade, possa

colaborar com a transformação social, a qual tem como pressuposto a

transformação da sua própria consciência” (FACCI, 2004, p. 250). Acreditamos que

uma formação sólida possibilitará, inclusive, que as professoras tenham elementos

para avaliar criticamente as prescrições contidas em documentos oficiais, pois,

conforme vimos, as professoras se apropriam das indicações sobre o trabalho com a

linguagem oral nas rodas de conversas apontadas pelo RCNEI, sem observar

problemas que levam a continuar a tratar as relações entre linguagem oral e

linguagem escrita em uma perspectiva dicotômica, desconsiderando que ambas são

modalidades de utilização da língua.

Na análise que realizamos sobre “A linguagem oral como elemento integrante da

brincadeira”, deparamo-nos com uma situação diferenciada. Nesse contexto,

tivemos a oportunidade de observar as crianças em situações em que não havia

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controle dos sentidos, o que abriu a possibilidade de elas se enunciarem e,

conseqüentemente, se constituírem como sujeitos produtores de linguagem. Desse

modo, os dados apresentados na análise dessa categoria evidenciaram que, na

brincadeira, a criança assume diferentes lugares sociais e, para isso, necessita fazer

uso da linguagem para identificação dos objetos (que ganharam outros sentidos na

brincadeira) e dos lugares sociais representados. Também ela é usada para

influenciar o comportamento alheio (dos parceiros na brincadeira).

Desse modo, segundo Rocha (1997), na brincadeira, a linguagem permite à criança,

a adesão e o distanciamento do real, pois, conforme análise apresentada, quando

brinca, a criança estrutura os textos da brincadeira a partir de elementos da

realidade. No entanto, a realidade, no jogo protagonizado, não é reproduzida de

maneira mecânica, ela é reelaborada, reconstituída pela criança que imprime suas

marcas pessoais, sua subjetividade. Além disso, a linguagem, como mediadora das

relações humanas e constitutiva das subjetividades das crianças, está presente na

brincadeira. No evento no qual Bru brinca de festa de aniversário, por exemplo, a

menina fala de sua vida, de seus dilemas pessoais com relação à violência presente

na comunidade onde vive. Assim, na brincadeira, conforme evidenciado, as crianças

vivenciam movimentos interdiscursivos que possibilitam a constituição de suas

subjetividades. Por isso, foi possível observar, nas brincadeiras analisadas, que, ao

vivenciar outros lugares sociais, as crianças assumem os dizeres destes, assimilam

a palavra alheia, quando “[...] reiteram a voz [....] de [pessoas] representadas, em

enunciados típicos [...] que por sua vez ecoam outros dizeres coletivos que circulam

na cultura” (GOES; LEITE, 2003, p. 3). Em outras palavras, nesse movimento

discursivo que acontece na brincadeira, as crianças vivenciam encontros,

desencontros, busca de compreensão de sentidos, construção/instauração de

sentidos num movimento interativo de “[...] incorporação/apropriação/objetivação da

palavra que poderíamos caracterizar como eco/empréstimo da fala do outro”

(SMOLKA, 1991, p. 63). O “eco” da palavra do outro, no discurso das crianças,

materializa-se na utilização de diferentes gêneros do discurso (o discurso da mãe,

do padre, da professora e de outros).

As crianças, ao assumirem diferentes lugares sociais, na brincadeira, conforme

vimos, agem segundo as regras sociais referentes a esses lugares. Desse modo,

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“[...] o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal, um espaço de

capacidades emergentes, colocando a criança à frente de suas condições reais de

vida” (SILVA, 2006, p. 36). Esse fato que ficou evidente nos eventos apresentados,

quando as crianças assumiram, nas brincadeiras, os lugares de mãe, de padre e de

professora, realizando, assim, atividades que não desenvolvem no seu dia-a-dia. Por

isso, concordamos com Silva (2006, p. 36), quando afirma que “[...] o brincar é uma

atividade fundamental no desenvolvimento humano porque permite à criança agir

além de suas competências habituais, além de seu comportamento diário”. Nesse

sentido, os eventos analisados evidenciaram que as brincadeiras realizadas pelas

crianças se revelaram como uma atividade extremamente importante para o

desenvolvimento da sua linguagem oral. Nelas, as crianças têm a possibilidade de

se constituírem como sujeitos produtores de linguagem.

Consideramos que o professor pode garantir espaços de mediação que encorajam o

desenvolvimento das brincadeiras ou a sua interdição/inibição. Entretanto, nos

eventos apresentados, não houve, por parte das professoras, um impedimento das

atividades lúdicas, ao contrário, ocorreram situações em que elas as incentivaram. É

o caso das professoras da Turma 1 que colaboraram na atividade de conto de

histórias pelo menino Gab ou, ainda, a professora da Turma 4 que atendeu ao

pedido das crianças para a organização do casamento.

Apesar disso, observamos que as brincadeiras ocorriam entre uma atividade e outra.

Isso revela que existe o “[...] ideário de que a experiência lúdica não é produtiva e,

por isso, o seu tempo e espaço, no planejamento pedagógico, são restritos em

relação às atividades escolares conteudísticas” (SILVA, 2006, p. 60). No entanto as

análises realizadas, neste trabalho, evidenciaram que as brincadeiras são atividades

fundamentais para o desenvolvimento da criança. Por isso, é preciso que essa

atividade tenha um espaço efetivo nas instituições educativas. Nesse contexto, é

necessário ressaltar que concordamos com Fontana e Cruz (1997, p. 139), quando

postulam que

Brincar é, sem dúvida, uma forma de aprender, mas é muito mais que isso. Brincar é experimentar-se, relacionar-se, imaginar-se, expressar-se, compreender-se, confrontar-se, negociar, transforma-se, ser. Na escola, a despeito dos objetivos do professor e de seu controle, a

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brincadeira não envolve apenas a atividade cognitiva da criança. Envolve a criança toda. É prática social, atividade simbólica, forma de interação com o outro [...]. Quando perde sua dimensão lúdica, sufocada por um uso didático que a restringe a seu papel técnico, a brincadeira esvazia-se.

Dessa maneira, quando apontamos que as brincadeiras contribuem para o

desenvolvimento das crianças e que é necessário que tenham espaço privilegiado

na Educação Infantil, não estamos querendo dizer que as professoras devem utilizá-

las como recurso didático para o ensino de diferentes conteúdos, sob pena de as

brincadeiras perderem o seu significado. Dito de outra forma, as brincadeiras

precisam ter um lugar privilegiado no currículo da Educação Infantil. Seu lugar deve

ser garantido não como um elemento que ocupe lugar entre uma atividade e outra,

mas como uma atividade de extrema importância para o desenvolvimento da

linguagem. Nesse sentido, as professoras, ao invés de dirigirem as brincadeiras,

podem integrar-se a elas como alguém que, juntamente, com as crianças, assume

um lugar na brincadeira. É o caso da professora da Turma 3 que aceita o lugar de

convidada na festa de aniversário ou ainda a professora da Turma 4 que age como a

organizadora do casamento.

Sem qualquer pretensão de esgotamento do tema, mas certa de que este trabalho

poderá contribuir com as discussões sobre a linguagem oral, “fechamos” este

trabalho, pois [...] teoricamente, o objeto é inesgotável, porém, quando se torna tema de um enunciado [...], recebe um acabamento relativo, em condições determinadas, em função de uma dada abordagem do problema, do material, dos objetivos por atingir, ou seja, desde o início ele estará dentro dos limites de um intuito definido pelo autor (BAKHTIN, 2000, p. 300

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APÊNDICES

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APÊNDICE A - CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIMENTO I

Em cumprimento ao protocolo de pesquisa, apresenta-se aos profissionais

(sujeitos da pesquisa) do ............................, unidade da Rede Municipal de Ensino

de Vitória-ES, o projeto de pesquisa “O TRABALHO COM A LINGUAGEM ORAL NA

EDUCAÇÃO INFANTIL”, de autoria da mestranda Dania Monteiro Vieira Costa,

como recomendação para a realização do Mestrado em Educação do Programa de

Pós-Graduação em Educação – PPGE, da Universidade Federal do Espírito Santo –

UFES.

O objetivo da pesquisa é investigar o trabalho com a linguagem oral em classes de

crianças de dois a seis anos da Educação Infantil, apontando as situações

enunciativas em que ocorrem. Como instrumentos de pesquisa, serão utilizados

formulários para análise de documentos, para realização de entrevistas e

observação participante em sala de aula com gravações em vídeo e registros em

diário de campo. Solicitaremos às famílias consentimento para participação das

crianças na pesquisa com esclarecimentos sobre o tratamento ético dos dados. O

trabalho será realizado a partir de negociações com os sujeitos e os resultados

serão disponibilizados aos interessados durante e após o relatório final que será

apresentado na dissertação com possibilidade de publicação.

Vitória, abril de 2005.

DANIA MONTEIRO VIEIRA COSTA

Nome do profissional Função Assinatura Telefone

Professora

Professora

Professora

Professora

Pedagoga

Diretora

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APÊNDICE B - CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIMENTO II

Em cumprimento ao protocolo de pesquisa, apresenta-se aos pais/responsáveis das crianças/sujeitos da turma ......... do ......................................, o projeto de

pesquisa “ O TRABALHO COM A LINGUAGEM ORAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL”,

de autoria da mestranda Dania Monteiro Vieira Costa, como recomendação para a

realização do Mestrado em Educação do Programa de Pós-Graduação em

Educação (PPGE), da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

O objetivo da pesquisa é investigar o trabalho com a linguagem oral em classes de

crianças de dois a seis anos da Educação Infantil, apontando as situações

enunciativas em que ocorrem.

Desse modo, a pesquisa será realizada na sala de aula, por meio da observação

participante, com gravações em vídeo, entrevistas e registros em diário de campo.

Para garantir o tratamento ético dos dados, o nome da escola será mantido em

sigilo. Serão utilizadas apenas as iniciais dos nomes das crianças e as filmagens

serão efetuadas sem comprometimento da ação educativa, preservando, sobretudo,

a integridade do grupo. Os dados (filmagens, fotos e entrevistas) /resultados da

pesquisa serão apresentados na dissertação e poderão ser utilizados para

publicação. Por isso, solicitamos sua autorização por meio da assinatura deste

consentimento.

Eu,________________________________________________________________,

responsável pelo aluno(a) ____________________________________________,

do........... autorizo sua participação no projeto de pesquisa “O TRABALHO COM A

LINGUAGEM ORAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL” de autoria da mestranda Dania

Monteiro Vieira Costa, do PPGE/UFES, concordando com os procedimentos acima

apresentados.

Assinatura: ________________________________________RG:_______________

Vitória,_______ de_____________ 2006.

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APÊNDICE C - ROTEIRO DO FORMULÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DA

ESCOLA

Instrumento de pesquisa a ser utilizado para coletar informações destinadas à

escola-campo.

1. Nome da escola:___________________________________________________ 2. Fundação:________________________________________________________ 3. Endereço:________________________________________________________ 4. Dados da comunidade:______________________________________________ ___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

5. Bairros de origem da clientela:________________________________________ 6. Aspecto Físico: a) Número de salas de aula: ____________________________________________

b) Condições das salas de aula: _________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

c) Possui biblioteca?____________ Condições de funcionamento:______________

___________________________________________________________________

d) Possui sala ambiente? _______________ Quais? _________________________

___________________________________________________________________

e) Possui sala de professores, sala de direção, coordenação pedagógica,

secretaria?___________________________________________________________

f) Possui refeitório?____________________________________________________

Possui área livre? Parquinho? Como são utilizados?__________________________

Organização das turmas:

a) Média de alunos por turma: ___________________________________________

b) Número de alunos por turno: Matutino:____________ Vespertino:_____________

c) Número de turmas por turno: Matutino:____________ Vespertino:____________

d) Organização das turmas: Matutino Vespertino

0 a 2 anos: _______ ________

3 anos: _______ ________

4 anos: _______ ________

5 anos: _______ ________

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6 anos: _______ _________

Recursos humanos:

Número de professores por turno: Matutino:__________ Vespertino:____________

Composição do corpo técnico-administrativo:_______________________________

___________________________________________________________________

Faxineiras e merendeiras:______________________________________________

Pessoal de apoio: ____________________________________________________

Recursos materiais:

a) Tipo de material pedagógico existente na escola: _________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

b) Recursos audiovisuais:______________________________________________

___________________________________________________________________

Rotina escolar:

a) A chegada das crianças na escola:_____________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

b) O recreio:_________________________________________________________

___________________________________________________________________

c) O momento da saída: _______________________________________________

___________________________________________________________________

d) Outras atividades: __________________________________________________

___________________________________________________________________

e) Eventos: _________________________________________________________

___________________________________________________________________

Usos da escrita no ambiente escolar:

Espaços destinados à circulação de material escrito:_________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

b) Por quem e para que são utilizados esses espaços: _______________________

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211

c) São aproveitados como recurso pedagógico? Como?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

12. Histórico da escola: ________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

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APÊNDICE D - FORMULÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DAS SALAS DE

AULA/TURMAS

Aspecto físico:

Dimensão espacial: ___________________________________________________

Mobília:_____________________________________________________________

Há ambientes específicos na sala de aula? Quais? __________________________

___________________________________________________________________

Materiais escritos expostos:_____________________________________________

A turma:

Número de alunos: Meninas: _____________ Meninos:_______________________

Forma de organização da turma:_________________________________________

___________________________________________________________________

Números de crianças ingressantes este ano: _______________________________

Sobre a organização do trabalho coletivo:

Há regras para orientar o trabalho e a organização diária: _____________________

São explicitadas? Como?_______________________________________________

___________________________________________________________________

São cobradas? Como? ________________________________________________

A rotina diária:

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APÊNDICE E - ROTEIRO DO FORMULÁRIO PARA CARACTERIZAÇÃO DAS

CRIANÇAS

Nome da criança:_____________________________________________________

Endereço completo:___________________________________________________

___________________________________________________________________

Dados pessoais: Data de nascimento: _______/______/_______ Sexo: _______________________ Idade: _______________________ (especificar meses) Algum problema de saúde? Qual? _______________________________________

Dados da vida escolar: a) Já estudou? ( ) Sim ( ) Não Onde e quanto tempo:_________________________________________________

Programas favoritos:

Rádio: _____________________________________________________________

TV:________________________________________________________________

Outro(s): ___________________________________________________________

Diversão preferida da criança:___________________________________________

Dados familiares:

a) Pessoas que moram com a criança:____________________________________

___________________________________________________________________

b) Pai:______________________________________________________________ Profissão:___________________________________________________________ Trabalho atual:_______________________________________________________ Renda mensal:_______________________________________________________ Grau de instrução:____________________________________________________ Mãe:_______________________________________________________________

Profissão:______________________________________________________ Trabalho atual:__________________________________________________ Renda mensal:__________________________________________________ Grau de instrução:_______________________________________________

Responsável:________________________________________________________ Profissão: _____________________________________________________ Trabalho atual: _________________________________________________ Renda mensal: _________________________________________________ Grau de instrução: ______________________________________________

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Número de irmãos:

Nenhum irmão ( )

Um irmão ( )

Dois irmãos ( )

Três irmãos ( )

Mais de três irmãos ( )

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APÊNDICE F - ROTEIRO DE ENTREVISTA COM AS PROFESSORAS

Instrumento a ser utilizado para coletar informações para a caracterização das

professoras das turmas envolvidas no estudo.

1. Sexo: masculino ( ) feminino ( )

2. Idade:

Abaixo de 25 anos ( )

Entre 26 e 30 anos ( )

Entre 31 e 35 anos ( )

Entre 36 e 40 anos ( )

Mais de 40 anos ( )

3. Você trabalha em:

Uma só escola ( )

Duas escolas ( )

Três escolas ou mais ( )

Outra situação: _______________________________________________________

Nessa escola você é:

Profissional efetivo ( )

Profissional contratado ( )

Profissional com designação temporária ( )

Outra situação funcional: _______________________________________________

Há quanto tempo trabalha nessa escola?__________________________________

Além de trabalhar nessa escola, você exerce outra atividade profissional? Qual?

___________________________________________________________________

Sua formação acadêmica está em nível:

( ) Médio

( ) Licenciatura curta

( ) Licenciatura plena

( ) Pós-graduação/aperfeiçoamento ( menos de 360 horas)

( ) Pós-graduação/especialização (360 horas ou mais)

( ) Mestrado

Outros: _____________________________________________________________

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4. Sua experiência como professor (a) é

( ) Abaixo de 2 anos

( ) Entre 3 e 5 anos

( ) Entre 6 e 7 anos

( ) Entre 8 e 10 anos

( ) Acima de 10 anos

5. Sua experiência profissional foi adquirida:

( ) Na docência na educação infantil

( ) Na docência em nível fundamental (1ª a 4ª séries)

( ) Na docência em nível fundamental (5ª a 8ª séries)

( ) Na docência em nível médio

( ) Na docência em nível superior

( ) Em funções técnicas de ensino

6. Participa e/ou participou de cursos que tenham contribuído com sua formação?

Cite três cursos, por ordem de relevância, indicando a carga horária correspondente:

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

7. É vinculado(a) à sindicato? ______________ Qual(is)? ____________________

8. Assina jornais, revistas, periódicos? ___________________________________

9. Participa de congressos, seminários ou encontros similares?

( ) Sempre.

( ) Às vezes.

( ) Nunca.

10. Suas atividades culturais mais freqüentes:

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

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11. Suas leituras mais comuns:__________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

12. Há quanto tempo exerce atividade docente na Educação Infantil:____________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

É uma opção sua? Por quê?____________________________________________

___________________________________________________________________

13. Como você concebe a produção de textos orais na Educação Infantil?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

14. Em qual referencial teórico você se apoia para efetivar o trabalho com a

linguagem oral na sala de aula? ______________________________________

________________________________________________________________

15. Quais materiais teórico-práticos você consulta para orientar esse trabalho?

( ) Livros. Citar os mais consultados: ____________________________________

( ) Revistas. Quais? _________________________________________________

___________________________________________________________________

( ) Livros didáticos. Quais os preferidos?_________________________________

___________________________________________________________________

( ) Referencial Curricular Nacional.

( ) Material do PROFA.

( ) Diretrizes Municipais.

( ) Projeto da escola.

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Outros: _____________________________________________________________

___________________________________________________________________

20. Para você, o que é linguagem?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

21. Em sua opinião, quais são as funções da linguagem?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

22. Quais gêneros textuais são mais utilizados por você no trabalho com a

linguagem oral na sala de aula? Por quê? ________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

23. Em sua opinião, qual é o papel da Educação Infantil para o desenvolvimento da

criança?

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

___________________________________________________________________

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APÊNDICE G - FOLHA DO DIÁRIO DE CAMPO

O diário de campo será utilizado para registo das observações realizadas em sala de

aula.

Escola: _____________________________________________________________

Data: __________________________________________________________ Período de observação (horário):

____________________________________

Observações:

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APÊNDICE H - Levantamento dos Eventos observados nas turmas de Berçário II,

Maternal, Jardim II e Pré

Período: 29-5-2007 a 7-12-2007

Levantamento de Eventos gravados em VCD da Turma de Berçário II

Turma Data Eventos Berçário II

29-5-2006 1-Atividades de Artes Plásticas

2-Roda de conversa para a leitura do texto do cartaz: Era

uma vez os “Três Porquinhos”

3-Encenação com as crianças da história dos “Três

Porquinhos”

Berçário II

30-5-2006 4-Chamada

5- Ouvindo um CD com a história dos “Três Porquinhos”

6- Roda de conversa sobre a história dos Três

Porquinhos”

7- Produção de um cartaz com as casinhas dos “Três

Porquinhos”

Berçário II

6-6-2006 8-Crianças brincando no pátio

9-Roda de conversa: relembrando a história dos “Três

Porquinhos”

10- Pintura da casinha dos “Três Porquinhos”

Berçário II

7-6-2006

11-As crianças assistindo a um vídeo com a história dos

“Três Porquinhos”

12-Roda de conversa – “História do Macaquinho”

13-Aluno Gabriel contando história

14-A professora ensina os nomes das figuras geométricas

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Berçário II

12-6-2006 15-Roda de conversa – CD com a história de

“Chapeuzinho Vermelho”

16-Professora ensinando cantigas de roda

17-Alunos brincando de dançar

Berçário II

14-6-2006 18-Roda de conversa – a professora contando a história

de “Chapeuzinho Vermelho”

19-As professoras encenam a história de “Chapeuzinho

Vermelho”

20- Brincadeira _ produção de docinhos para colocar na

cestinha de “Chapeuzinho Vermelho”

21-Produção de um cartaz com a receita do docinho

Berçário II

20-6-2006 22-Roda de conversa – história sobre higiene – vonversa

sobre a importância da higiene pessoal

23- Gabriel contando história

Levantamento de Eventos gravados em VCD da Turma do Maternal

Turma Data Eventos Maternal

7-7-2006

24--Ensaio para a quadrilha

25-Artes Plásticas – ensinando os nomes das cores _

pintura de bandeirolas

25- Roda de Conversa – a estagiária Jaqueline contando a

história “O sanduíche de Dona Maricota”

26- Roda de Conversa – a professora conversa com os

alunos sobre o que eles gostariam de colocar no

sanduíche

Maternal 11-7- 2006

27-Roda de conversa – música “Se eu fosse um peixinho”

28- Crianças contando história (Car, Luc, Ram e Rua)

29- Roda de conversa – a estagiária contando história

sobre “O Macaco que queria brincar”

30- Car e Luc contando a história que Jaq havia terminado

de contar

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31- Chamada – mostra as fichas com os nomes das

crianças para que elas identifiquem e coloquem na parede

32- Roda de conversa – Canta a música “Se essa rua

fosse minha” – depois conversa com as crianças sobre

quem elas gostaria que passasse na rua que elas tinham

colocado pedrinhas de brilhantes

Maternal 25-7-2006 33- Chamada

34- Atividade de artes plásticas – pintando a “fogueirinha”

35- Roda de conversa – leitura de texto sobre informativo

sobra a Festa Junina

36- Roda de conversa – o que tem na festa junina?

37- Atividade de artes plásticas – colando pedrinhas na

rua

Maternal 26-7-2006

38-chamada

39- Atividade de artes plástica – as crianças fazendo

pipocas com papel crepom para colar na sacola de pipoca

Maternal 27-7-2006 40-Atividade de artes plásticas – montagem de uma igreja

no papel cartão com palitos de picolé

Maternal 31-7-2006

41-Chamada

42-Roda de conversa – a professora perguntava as

crianças o que tinha na quadrilha

Maternal 2-8-2006

43-Chamada

44-Professora contando história “A cesta de Dona

Maricota”

45-Ingrid, Rua, Jos e Luc contando história;

46-Crianças brincando

47-Roda de conversa – a professora mostra ilustrações de

frutas e pergunta o nome delas.

48-Roda de conversa – perguntas sobre a história “A

cesta de Dona Maricota”

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223

Maternal 03-8-2006

49-Chamada

50-Roda de conversa – a professora perguntando quais

frutas a Dona Maricota comprou na feira

51-A professora ensina a música “Meu limão... meu

limoeiro” – entrega uma folha com a música e pede às

crianças que desenhem um limão

Maternal 08-8-2006 52-A estagiária Jaq entrega para as crianças uma

parlenda que falava de batata e pede que as crianças

pintem a batata que ela desenhou logo abaixo da parlenda

53-Crianças brincando

54-Jaq cola numa cartolina a quadrinha (Batatinha) e lê

para as crianças

55-Crianças brincando

Maternal 11-8-2006 56-Roda de conversa – Jaq apresenta para as crianças

uma peneira e explica para que ela serve – a professora

mostra aos alunos um milho verde e milho maduro – ela

mostra alguns produtos que são derivados do milho

(canjiquinha, canjicão, milho de pipoca, fubá) – conversa

com os alunos sobre os alimento que são feitos com

esses produtos

57-A professora pedindo o aluno Rua para pedir mais

milho a cozinheira da escola

58-Atividade de artes plásticas – colagem de milho em um

papel com formato de milho

59-Crianças contando história

60-Crianças brincando.

Maternal 18-8-2006 61-Crianças brincando

62-Roda de conversa – música “Se eu fosse um peixinho”;

63- Professora fazendo com os alunos uma atividade de

colagem de milho, arroz e feijão num papel ofício com

algumas figuras geométricas (quadrado, círculo e

triângulo)

64-Crianças brincando (meninas brincando de casinha)

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224

Maternal 22-8-2006 65-Roda de conversa – Jaqueline contando a história de

“João e Maria” – professora Ádina fazendo perguntas

sobre a história de “João e Maria”

66- Atividade de artes plásticas – crianças fazendo, com

massa de modelar, o pirulito da casa da bruxa da história

de João e Maria

Maternal 23-8-2006

67-Encenação feita pelas professoras da história de “João

e Maria”

68-Atividade de artes plásticas – desenhando e pintando a

história de “João e Maria”

69- Roda de conversa - Jaq contando a “História do Sapo”

70- Car contando a “História do Sapo”

71-Crianças brincando

Levantamento de eventos gravados em VCD da Turma de Jardim

Turma Data Eventos Jardim 30-8-2006 72-A aluna Bruna brincando

73-Crianças brincando

Jardim 31-8-2006

74-Crianças brincando

75-Chamada

76-Roda de conversa – Elz contando história na roda

77-Crianças brincando de ônibus

Jardim 4-9-2006

78-Crianças brincando – “A galinha do vizinho bota ovo

amarelinho”

79-Crianças brincando no pátio

80-Chamada

81-Roda de conversa -- a professora jogava uma garrafa

no meio da roda e a crianças que estava sentada onde a

garrafa parava, falava sobre o que lembrava quando a

professora dizia algumas palavras (sol, praia...)

Jardim 19-9-2006

82-Roda de conversa – a professora mostra a fita

métrica e conversa com as crianças sobre para que ele é

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225

utilizado

83-A professora utiliza a fita métrica para medir a altura

das crianças

84-Atividade de artes plásticas – a professora de Artes

contou para as crianças a história dos pingos

85-Atividade de artes plásticas – as crianças

desenharam objetos feitos com linhas que, por sua vez,

são formadas por pontos

Jardim 26-92006

86-Visita a exposição de insetos gigantes na Escola da

Ciência da Prefeitura de Vitória

87-Sala de aula – construção do calendário

88- Crianças brincando no pátio

Jardim 2-10-2006

89-Atividade de escrita – construção do calendário do

mês de outubro. A professora destacou algumas datas

importantes desse mês, principalmente, o dia 12, no qual

é comemorado o dia das crianças

90-Atividade de escrita – montagem de um livro com a

família da criança sobre os alimentos

91-Roda de conversa – alimentos saudáveis e não

saudáveis

Jardim 4-10-2006

92-Roda de conversa – alimentos saudáveis e não

saudáveis

93-A professora coordena a montagem de cartazes com

alimentos saudáveis e não saudáveis

94-Crianças brincando

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226

Levantamento de eventos gravados em VCD da Turma do Pré

Turma Data Eventos Pré 26-10-2006

95-Roda de conversa – professora apresentando aos

alunos a pasta de leitura (os alunos levam para casa um

pasta com histórias para serem contadas por seus pais.

No dia seguinte o aluno contava a história que ouviu de

seus pais para seus colegas de sala)

96- Enzo contando a história do “Patinho feio”

97- Atividade de artes plásticas – as crianças

representaram uma parte da história com massa de

modelar

98- Crianças brincando (computador feito com caixas de

colocar maçã)

99- Professora contando a história “Barba Gato”

100- A professora lendo a história do “Patinho Feio”

Pré 31-10-2006

101-Roda de conversa – direitos das crianças

102-Atividade de artes plásticas – as crianças

representaram, por meio do desenho, os direitos das

crianças

103-Crianças brincando

104-Alic contando história

Pré 1-11-2006

105-Pao contando história

106-Crianças brincando

Pré 7-11-2006

9-11-2006

107-Atividade de escrita – produção de um cartão

108-Atividade de escrita – Hino Nacional

109-Roda de conversa – os alunos ouviram o Hino

Nacional e a professora conversou com eles sobre o

significado de palavras que não são utilizadas no nosso

cotidiano

Atividade de artes plásticas – desenhando a bandeira do

Brasil

Pré 17-11-2006 110-Crianças brincando

111-Atividade de escrita – identificação e pintura das

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227

letras do primeiro nome do aluno num quadro de letras

Pré 22-11-2006

112-Roda de conversa – a professora conversando com

os alunos sobre como surgiu Papai Noel

113-Apresentação de uma revista com sugestões de

trabalhos manuais com temas natalinos

114- Roda de conversa – a professora conversa com a

aluna Pao sobre suas brincadeiras durante o recreio

115-Atividade de escrita – a professora entregou uma

folha com um texto – ela indicava algumas palavras e

escolhia um aluno para localizá-la no texto, depois as

crianças fizeram um desenho sobre o texto

116- A aluna Pao contando sobre uma discussão que

teve com a mãe

Pré 23-11-2006

117-Atividade de escrita – listas de palavras

118-Atividade de artes plásticas – a professora

orientando os alunos na construção de dobraduras

119- Crianças brincando

120-As alunas Pao e Mik contando histórias

Pré 27-11-2006

121-Ensaio para a despedida de final de ano da turma de

Pré

122- Roda de conversa – questões do vídeo da Turma

da Mônica

123- Roda de conversa – a professora contando a

história “A árvore de Beto”

124-Paol contando a história que a professora havia

contado na rodinha (A árvore de Beto)

Pré 30-11-2006

125-Crianças brincando

126- Atividade de escrita – fazendo um pedido para

Papai Noel

127- Atividade de escrita – texto coletivo (uma carta da

turma para o Papai Noel)

128- Atividade de escrita – os alunos copiam do quadro a

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228

carta que fizeram para Papai Noel

Pré 7-12-2006

129-Crianças brincando

130- Atividade de escrita e leitura – a poesia sobre o

lápis

131- Desenhando a poesia

132-Crianças brincando

Pré 8-12-2006 133-Crianças brincando de casamento

Pré 13-12-2006 134-Crianças brincando

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229

APÊNDICE I - CARACATERIZAÇÃO DAS CRIANÇAS

Tabela 1 – Distribuição das crianças segundo a idade Idade F %

1 anos e 7 meses a 2 anos e 6 meses

2 anos e 7 meses a 4 anos e 2 meses

4 anos e 7 meses a 5 anos e 6 meses

5 anos e 7 meses a 6 anos e 6 meses

14

18

09

11

26,9

34,6

17,3

21,2

Total 52 100

Tabela 2 – Distribuição das crianças segundo o sexo Sexo F %

Feminino

Masculino

31

21

59,6

40,4

Total 52 100

Tabela 3 – Distribuição das crianças quanto à experiência escolar

Escolaridade anterior F %

Sim

Não

29

23

55,8

44,2

Total 52 100

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230

Tabela 4 – Distribuição das crianças de acordo com a instituição de origem

Instituição escolar anterior F %

Sempre estudou na escola em que a pesquisa foi realizada

Já estudou em outra escola

33

19

63,5

36,5

Total 52 100

Tabela 5 – Distribuição das crianças conforme o bairro em que residem

Bairro F %

Andorinhas

Bairro da Penha

Bonfim

Itararé

São Benedito

Não informou

01

14

01

20

09

07

1,9

26,9

1,9

38,5

17,3

13,5

Total 52 100

Tabela 6 – Distribuição das crianças conforme as pessoas que moram em sua casa

Pessoas que moram com a criança F %

Os pais

Pais e irmão(ã)

Pais e irmãos

Pais, irmãos e parentes

Um dos pais

Um dos pais e irmão (ã)

Um dos pais e irmãos

Um dos pais, irmãos e parentes

Parentes

Não informou

07

12

08

02

02

05

04

06

00

06

13,5

23,1

15,4

3,8

3,8

9,6

7,7

11,5

0,0

11,6

Total 52 100

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231

Tabela 7 – Distribuição das crianças de acordo com o número de irmãos

Pessoas que moram com a

criança

F %

Um irmão

Dois irmãos

Mais de dois irmãos

Nenhum irmão

Não informou

20

09

08

09

06

38,5

17,3

15,4

17,3

11,5

Total 52 100

Tabela 8 – Distribuição das crianças de acordo com a ocupação do pai

Ocupação do pai F %

GGO: Forças Armadas, policiais e bombeiros militares GG1: Membros superiores do Poder Público, dirigentes de organização de interesse público e de empresas gerentes GG2: Profissionais das ciências e das artes GG3: Técnicos de nível médio GG4: Trabalhadores dos serviços administrativos GG5: Trabalhadores dos serviços. vendedores do comércio em lojas e mercados GG6: Trabalhadores agropecuários, florestais, da caça e da pesca GG7: Trabalhadores da produção de bens e serviços industriais (sistemas de produção discretos) GG8: Trabalhadores da produção de bens e serviços industriais (sistemas de produção contínuos) GG9: trabalhadores de manutenção e reparação Desempregado Não informou

03

00 00 00 00 00 17 00 00 13

00 06 05 08

5,8

0,0 0,0 0,0 0,0 0,0

32,7 0,0 0,0

25,0

0,0 11,5 9,6

15,4

Total 52 100

Obs.: As ocupações dos pais foram organizadas tomando por base os Grandes Grupos (GG) da Classificação Brasileira das Ocupações (Brasil, 2002) do Ministério do Trabalho e Emprego. Disponível em: WWW.metecbo.gov.br. Acesso em 07/03/2007

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Tabela 9 – Distribuição das crianças conforme ocupação da mãe

Ocupação do mãe F %

GGO: Forças Armadas, policiais e bombeiros militares GG1: Membros superiores do Poder Público, dirigentes de organização de interesse público e de empresas gerentes GG2: Profissionais das ciências e das artes GG3: Técnicos de nível médio GG4: Trabalhadores dos serviços administrativos GG5: Trabalhadores dos serviços. vendedores do comércio em lojas e mercados GG6: Trabalhadores agropecuários, florestais, da caça e da pesca GG7: Trabalhadores da produção de bens e serviços industriais (sistemas de produção discretos) GG8: Trabalhadores da produção de bens e serviços industriais (sistemas de produção contínuo) GG9: trabalhadores de manutenção e reparação Não classificada (do lar) Não classificada (empregada doméstica) Desempregada Não informou

00

00 01 03 00

16 00

01

00 00 04 20 04 03

0,0

0,0 1,9 5,8 0,0

30,8 0,0

1,9

0,0 0,0 7,7

38,5 7,7 5,7

Total 52 100

Obs.: As ocupações dos pais foram organizadas tomando por base os Grandes Grupos (GG) da Classificação Brasileira das Ocupações (Brasil, 2002) do Ministério do Trabalho e Emprego. Disponível em: WWW.metecbo.gov.br. Acesso em 07/03/2007. Tabela 10 – Distribuição das crianças de acordo com o nível de escolarização do pai Escolarização do pai F %

Ensino fundamental completo

Ensino fundamental incompleto

Ensino médio completo

Ensino médio incompleto

Ensino superior completo

Ensino superior incompleto

Nunca estudou

Não informou

04

12

11

06

02

02

00

15

7,7

23,1

21,2

11,5

3,8

3,8

0,0

28,9

Total 52 100

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233

Tabela 11 – Distribuição das crianças de acordo com o nível de escolarização da

mãe Escolarização da mãe F %

Ensino fundamental completo

Ensino fundamental incompleto

Ensino médio completo

Ensino médio incompleto

Ensino superior completo

Ensino superior incompleto

Nunca estudou

Não informou

10

08

13

04

00

01

02

14

19,2

15,4

25,0

7,7

0,0

1,9

3,9

26,9

Total 52 100

Tabela 12 – Distribuição das crianças conforme a renda familiar declarada em

questionário enviado para a família Renda familiar F %

Um a dois salários mínimos

três a quatro salários mínimos

cinco a seis salários mínimos

Mais de seis salários mínimos

Não informou

33

11

01

00

07

63,4

21,2

1,9

0,0

13,5

Total 52 100

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234

Tabela 13 – Distribuição das crianças segundo os programas de rádio e televisão

favoritos Programas de rádio e televisão favoritos F %

Músicas

Seriado – Sítio do Pica-Pau-Amarelo

Desenhos animados

Programa Mais Você (Ana Maria Braga)

Dvds

Novelas

Filmes

Programa da Xuxa

Fórmula 1

Programas Humorísticos

Esport Car

Jogos de futebol

Amiguinho da Vitória

Programas de Rádio

Notícias

Não informou

06

08

32

01

07

09

10

10

01

06

01

01

01

05

01

06

5,7

7,6

30,5

1,0

6,7

8,6

9,5

9,5

1,0

5,7

1,0

1,0

1,0

4,8

1,0

5,7

Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento porque os pais citaram mais de um programa favorito. O percentual foi calculado tendo por base os 52 sujeitos que participaram da entrevista.

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235

Tabela 14– Distribuição das crianças quanto a diversão preferida Diversões preferidas da criança F %

Brincar

Soltar pipa

Ir á praia

Ir ao parque

Andar de bicicleta

Pintar

Jogar vídeo game

Jogar bola

Assistir televisão

Pular corda

Passear

Cantar

Dançar

Correr

Andar de velocípede

Escrever

Pula-pula

Pique-esconde

Não informou

28

04

01

08

01

01

01

08

02

01

01

05

01

01

01

01

05

02

04

36,8

5,3

1,3

10,5

1,3

1,3

1,3

10,5

2,6

1,3

1,3

6,6

1,3

1,3

1,3

1,3

6,6

2,6

5,3

Obs.: Esta tabela não apresenta o total de cem por cento porque os pais citaram mais de uma diversão favorita. O percentual foi calculado tendo por base os 52 sujeitos que participaram da entrevista.

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