O TRATAMENTO DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO ENSINO DE LÍNGUA...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA - UFPB CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃOEM LINGUÍSTICA ERCILENE AZEVEDO SILVA PESSOA O TRATAMENTO DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA JOÃO PESSOA 2014

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA - UFPB

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃOEM LINGUÍSTICA

ERCILENE AZEVEDO SILVA PESSOA

O TRATAMENTO DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

JOÃO PESSOA

2014

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ERCILENE AZEVEDO SILVA PESSOA

O TRATAMENTO DA VARIAÇÃO LINGUÍSTICA

NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Linguística da

Universidade Federal da Paraíba como

requisito para obtenção do título de Mestre

em Linguística.

Área de concentração: Teoria e Análise

Linguística

Orientação: Prof. Dr. Camilo Rosa Silva

JOÃO PESSOA

2014

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P475t Pessoa, Ercilene Azevedo Silva.

O tratamento da variação linguística no ensino de língua portuguesa / Ercilene Azevedo Silva Pessoa.- João Pessoa, 2014.

123f. : il. Orientador: Camilo Rosa Silva Dissertação (Mestrado) - UFPB/CCHL 1. Linguística. 2. Ensino de língua materna. 3. Variação

linguística. 4. Preconceito linguístico.

UFPB/BC CDU: 801(043)

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Dedico este trabalho ao meu esposo Sérgio Pessoa

e a minha filha Hélene Cristhynne que, em

diversos momentos, mesmo privados de minha

companhia, com amor, paciência e apoio me

ajudaram a vencer mais esta etapa.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço a Deus, por ser tão presente em minha vida, concedendo-me

bênçãos. Agradeço pelas oportunidades, por ter me feito chegar até aqui, concluindo

mais esta etapa, e por colocar em meu caminho pessoas tão preciosas.

Aos meus pais, Clarice e Gildo, amigos e companheiros de profissão, meu eterno

agradecimento por tudo o que me ensinaram e me ensinam. E por serem meu porto

seguro em quaisquer circunstâncias.

Ao meu marido e companheiro de todas as horas, meu profundo agradecimento por

acumular muitas de minhas tarefas nestes últimos meses e por compreender os meus

momentos de ausência e dificuldades. Seu incondicional e valioso apoio foi definitivo

em todas as etapas deste trabalho.

Aos meus filhos Othon e Hélene, pelo amor, carinho, afeto, respeito e compreensão;

que eu possa ser para eles o exemplo que meus pais são para mim.

Aos meus seis irmãos: Josane, Joelcio, Elcias, Geliadson, Gilce e Geilce, pelo apoio,

incentivo e por muitas vezes me auxiliarem com minha “princesinha” Hélene.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Camilo Rosa, por ter abraçado o meu projeto e

acreditado no meu potencial, um agradecimento especial e carinhoso por todos os

momentos de disponibilidade, compreensão e competência que demonstrou ao longo de

todo o percurso de orientação desta dissertação.

Às Profas. Mônica Mano e Juliene Lopes, por terem feito parte de minha banca e pelas

sugestões que contribuíram para o enriquecimento do meu trabalho.

A todos do PROLING. Aos professores do curso pelos conhecimentos transmitidos, em

especial, à Profa. Leonor Maia.

Aos meus companheiros de curso pela amizade e companheirismo que tornaram mais

fácil a nossa caminhada, em especial a Iracelane Ferreira e Marcos Tomé.

A direção de minha escola na pessoa da Profª Clarice Azevedo e as minhas colegas de

profissão Leonilda, Elizabeth, Sarah e Geralda, pelo apoio e colaboração, aos demais

amigos da EEEFM Durval Guedes em Acaú e da Secretaria de Educação de Pitimbu,

pela torcida e carinho.

.

A Profa. Dra. Ana Aldrigue, pelo grande incentivo desde a graduação em Letras no

Polo-UAB-Pitimbu – UFPB-Virtual.

Ao Prof. Dr. Lucídio Cabral, pelo empenho e compromisso com a EaD, através da

UFPB-Virtual - Polo-UAB-Pitimbu, pelo qual o sonho do curso de Letras se tornou

uma realidade.

As minhas cunhadas Luciene e Elciene, a minha tia Bill, a minha sobrinha Clara e aos

amigos e amigas que me ajudaram cuidando de minha filha: Antonio, Kleris, Daysiane,

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Joseane, Rayssa, Luciene e Laís. Agradeço, ainda, a valiosa ajuda dos vizinhos

Washingtenes e Nôra.

Aos amigos que conviveram comigo nesse período e sempre me incentivaram: Profa.

Iara Ferreira, Carminha Melo, Gerlane Caetano, Adelson Cordeiro, Débora Dantas,

Israel Júnior, Norma Gouveia e ao Grupo de Estudo de Sintaxe Funcionalista.

Por fim, agradeço a todos que, de uma maneira ou de outra, colaboraram para a

conclusão dessa dissertação – que é a realização de um sonho!

Muito, muito Obrigada!

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“A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros

Vinha da boca do povo na língua errada do povo

Língua certa do povo. Porque ele é que fala gostoso o

português do Brasil.”

Manuel Bandeira

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RESUMO

Esta dissertação apresenta um estudo sobre o tratamento da variação linguística em

turmas da educação básica – ensino fundamental (séries finais) e do ensino médio (EJA

e regular) em uma escola pública estadual. Sob a ótica funcionalista, sobretudo com

base no viés da sociolinguística, realizamos uma revisão teórica sobre a variação e o

preconceito linguístico. Desse modo, amparados em estudos realizados por Bagno

(2007), Bortoni-Ricardo (2004), Antunes (2003), entre outros pesquisadores,

resenhamos os pressupostos teóricos relacionados aos PCN, a partir dos quais

procedemos à análise de observações e entrevistas realizadas com quatro professoras de

língua portuguesa. Nosso objetivo foi verificar se a prática pedagógica dessas

professoras encontra-se pautada em um ensino produtivo, inovador, que considera as

diversas variedades da língua ou se se encontra preso a uma perspectiva prescritivista,

de base normativa, que não leva em consideração o conhecimento linguístico que difere

da linguagem considerada ―culta‖, ―padrão‖. Nossos resultados apontam que a maior

parte das professoras informantes desta pesquisa reconhecem a existência das

variedades linguísticas, compreendem a questão da adequação da fala aos contextos de

uso, mas defendem que a norma culta, mais prestigiada socialmente, deve ser o único

objeto de conhecimento tratado pela escola. Sendo assim, não se encontram

sintonizadas com a necessidade de atualização demandada pelo ensino de língua

portuguesa, e continuam a efetivar um ensino dissociado do que preceituam os PCN, o

que pode ser sinal de um desencontro entre conhecimento teórico e prática pedagógica.

Palavras-chave: ensino de língua materna; variação linguística; preconceito linguístico.

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ABSTRACT

This dissertation presents a study about the treatment of linguistic variation in classes

from basic education – fundamental study (final series) and from high school (EJA and

regular) at a state public school. From the functionalist standpoint, especially based on

sociolinguistics, we realize a theoretical review about the variation and the linguistic

prejudice. Thus, considering studies realized by Bagno (2007), Bortoni-Ricardo (2004),

Antunes (2003), among other researchers, we review the theoretical assumptions related

to the PCN, from which we proceed to the analysis of observations and interviews

realized with four teachers of Portuguese language. Our objective was to verify if the

pedagogical practice of these teachers is guided by a productive and innovative

teaching, which considers the diverse varieties of language or if it is limited to a

prescriptive perspective, from a normative base, that do not consider the linguistic

knowledge that differs from the language known as ―cult‖, ―standard‖. Our results point

that the major part of the teachers informant of this research recognize the existence of

linguistic variations, comprehend the matter of the adequacy of speech to the contexts of

use, but defend that the cult norm, with more social prestige, must be the only object of

knowledge treated by school. Thereby, they are not aligned with the necessity of

actualization demanded by the teaching of Portuguese language, and continue to execute

a teaching disassociated from the PCN, what can be a sign of discrepancy between the

theoretical knowledge and the pedagogical practice.

Key-words: mother language teaching; linguistic variation; linguistic prejudice.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................11

CAPÍTULO 1 – Aspectos sociais da linguagem: breve histórico .............................15

1.1 Contextualizando a Sociolinguística .............................................................15

1.2 Contextualizando a Variação Linguística......................................................18

1.3 Contextualizando o Preconceito Linguístico.................................................30

CAPÍTULO 2 – Ensino de Língua Portuguesa: os PCN e a variação linguística....37

2.1 O lugar da variação: dos documentos oficiais à prática em sala de aula.......37

2.2 O lugar da gramática no ensino de língua......................................................43

2.3 O lugar da oralidade no ensino de língua......................................................55

CAPÍTULO 3 – O percurso metodológico..................................................................60

3.1 Sobre o universo da pesquisa.........................................................................60

3.2 Sobre as escolhas da pesquisa........................................................................61

3.3 Sobre o perfil das professoras......................................................................62

3.4 Etapas da pesquisa.........................................................................................64

3.5 Instrumentos da pesquisa...............................................................................65

CAPÍTULO 4 – Os dados: descrição, análise, reflexões, sugestões... ......................69

4.1 Sobre a Professora 1 ....................................................................................69

4.2 Sobre a Professora 2......................................................................................72

4.3 Sobre a Professora 3......................................................................................74

4.4 Sobre a Professora 4 .....................................................................................76

4.5 Considerações gerais sobre a prática das professoras....................................79

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4.5.1 Em relação à articulação entre os eixos de ensino: leitura,

produção (oral e escrita) e análise linguística ..................................79

4.5.2 Em relação aos PCN, PCNEM, Orientações Curriculares para o

Ensino Médio: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias e à

bibliografia da área de linguística.....................................................80

4.5.3 Em relação à oralidade......................................................................83

4.5.4 Em relação ao ensino de gramática...................................................85

4.5.5 Em relação ao estudo das variações linguísticas...............................86

4.6 Sugestão de atividades ..................................................................................89

CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................93

REFERÊNCIAS.............................................................................................................96

ANEXOS.......................................................................................................................100

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INTRODUÇÃO

Dentro do espaço escolar, muito nos inquieta a falta de interesse de grande parte

dos estudantes em relação ao estudo da língua portuguesa. Mobilizados para entender o

porquê de alunos falantes de português e que, consequentemente, sabem Português, não

gostarem da disciplina e achá-la difícil, propusemos-nos a investigar as causas desse

comportamento.

Refletindo sobre essa situação, pensamos, em um primeiro momento, em

investigar o discente, através de um acompanhamento sistemático de aulas e,

posteriormente, da análise dos dados coletados. Porém, deixando-nos mover por um

desejo de mudanças nas nossas práticas pedagógicas, compreendemos que seria mais

importante, primeiramente, lançar um olhar sobre como o ensino tem sido realizado por

professores dessa disciplina.

No ensino de língua portuguesa, parece persistir um equívoco: muitos docentes

limitam-se ao ensino de gramática normativa, entendendo que só dessa forma os alunos

estarão aptos a se tornarem ‗fluentes‘ em português. Boa parte dos professores ignora as

demais variedades da língua, como se o Brasil tivesse apenas uma única forma de falar,

baseada na modalidade escrita. Essa percepção contraria vários estudos que já provaram

a heterogeneidade da língua. Nesse sentido, destacamos as palavras de Perini:

Há duas línguas no Brasil: uma que se escreve (e que recebe o nome de

‗português‘); e outra que se fala (e que é tão desprezada que nem tem nome).

E é esta última que é a língua materna dos brasileiros; a outra (o ‗português‘)

tem de ser aprendida na escola, e a maior parte da população nunca chega a

dominá-la adequadamente (PERINI, 1997, p. 36).

O autor chama essa língua falada em nosso país de vernáculo brasileiro, opondo-

se à língua portuguesa, aquela que é utilizada na escrita. Cada uma das ―duas línguas‖

tem um domínio distinto – na fala informal e em determinados textos escritos usamos o

vernáculo; na escrita formal ou em falas em situações extremamente formais (a exemplo

de discursos de formatura, entre outros), utilizamos o português.

No entanto, são muitos os que ignoram essa realidade, desconsideram as

variações e são preconceituosos no que se refere ao vernáculo brasileiro, concebendo

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como ―correta‖, unicamente, a ―doutrina‖ gramatical. Esta, segundo Bagno (2013), é um

construto intelectual e está longe de ser o ponto máximo da perfeição. O autor afirma:

[...] o que as ciências da linguagem vêm fazendo, em grande parte, no último

século e meio, é precisamente mostrar as incoerências, insuficiências e

contradições da gramática tradicional, como construto teórico para a

análise das línguas, e também a sua ideologia autoritária, preconceituosa e

excludente, como conjunto de ideias sobre a linguagem e seu funcionamento

na sociedade (p.12-3, grifo do autor).

É com base nessa perspectiva que direcionamos a investigação deste trabalho,

considerando que tanto a linguagem oral quanto a linguagem escrita servem,

legitimamente, à interação verbal. Segundo Antunes (2003), tanto a fala quanto a escrita

podem variar, podem estar mais ou menos planejadas, mais ou menos, ‗cuidadas‘ em

relação à norma-padrão, mais ou menos formais, pois ambas são igualmente

dependentes de seus contextos de uso.

No Brasil, desenvolver a capacidade de uso da língua na modalidade oral ganha

importância com a vigência da Lei 9.394/96, que enfatiza a participação do educando

nas mais variadas situações de interação social; acatou-se, a partir daí, a concepção da

língua como fenômeno interativo e dinâmico, voltado para a prática social, na qual fala

e escrita se prestam a usos e funções definidos. Marcuschi (2001, p.22) destaca que a

questão central está em perceber que ―na sociedade atual, tanto a oralidade quanto a

escrita são imprescindíveis. Trata-se, pois, de não confundir seus papeis e seus

contextos de usos, e de não discriminar seus usuários‖.

Na elaboração deste trabalho, fundamentamos nossas reflexões nos Parâmetros

Curriculares Nacionais (PCN), que assumem uma visão predominantemente

sociolinguística e funcionalista em todo o seu conteúdo. Consideramos, também, o

conjunto de conhecimentos que caracterizam os trabalhos de diversos autores sobre as

variedades da língua, dos quais destacamos: Calvet (2002), Antunes (2003), Bortoni-

Ricardo (2004), Lucchesi (2004), Bagno (2007), Silva e Matos (2011), dentre outros.

A partir desses pressupostos, esta pesquisa tem o objetivo nuclear de investigar

como o estudo de língua portuguesa se processa em salas do Ensino Fundamental II

(séries finais) e do Ensino Médio (EJA e regular), em uma escola pública estadual,

especialmente, no que tange à variação linguística, tentando observar se e de que modo

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ela tem sido abordada pelos professores. Esse objetivo se desdobra em outros que

consideramos específicos, conforme sintetizamos a seguir:

Focalizar como tem sido o tratamento dado ao ensino da variação

linguística;

Verificar a atenção dada, por parte das professoras, ao trabalho com a

oralidade;

Refletir, a partir de um diálogo com os pressupostos teóricos elencados,

sobre propostas para reverter práticas de ensino aparentemente inadequadas.

Entendemos que esta pesquisa pode provocar, para além do nosso crescimento

intelectual, reflexões sobre a prática pedagógica de professores de Língua Portuguesa

em sala de aula, uma vez que, ao falar sobre a língua e suas representações, os sujeitos

envolvidos poderão (re)significar sua maneira de pensar, reformulando seus conceitos e

interferindo diretamente na sua maneira de ensinar Língua Portuguesa. Esperamos,

portanto, que esse material se constitua em uma ferramenta que sirva de consulta e

provoque alguma autocrítica por parte de cada professora – não só das que fizeram parte

da pesquisa, como todos(as) a que ela alcançar – instigando autorreflexões sobre seu

papel como mediadoras no processo ensino-aprendizagem, como profissionais que

buscam a melhoria de sua prática.

Para apresentar os resultados das reflexões realizadas, esta dissertação se

estrutura em quatro Capítulos, a saber: no primeiro, trazemos uma revisão teórica sobre

a língua numa perspectiva sociolinguística, discutindo o tema da variação e a questão do

preconceito linguístico.

No Capítulo II, discutimos o ensino de língua portuguesa, com base nas

orientações dos PCN, relacionando-o a estudos de alguns autores que nutrem a ideia de

um ensino calcado numa perspectiva funcional (considerando todas as variedades, com

destaque à oralidade) e, não apenas, que contemple a língua em seu aspecto formal

(gramática a partir da norma padrão).

No Capítulo III, apresentamos a metodologia, revelando os procedimentos

realizados para a realização da pesquisa, os instrumentos utilizados e as demais escolhas

que nos conduziram durante o processo da coleta e sistematização dos dados.

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Na sequência, no Capítulo IV, alçamos os dados que compõem a pesquisa, a

descrição e a análise, seguidas de observações e comentários gerais sobre a prática das

professoras, além de algumas sugestões de intervenções didáticas que considerem a

variação linguística como objeto de ensino. A esses, somam-se as considerações finais

da dissertação.

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CAPÍTULO I

1 ASPECTOS SOCIAIS DA LINGUAGEM: BREVE HISTÓRICO

Neste capítulo, apresentaremos os referenciais teóricos que fornecem subsídios

para esta pesquisa, especialmente, alguns conceitos de variação linguística que nos

embasarão quando da análise do corpus. Assim procederemos por entender que para

uma melhor apreensão de alguns pilares que fundamentam este trabalho se faz

necessário contextualizar, brevemente, nos estudos da linguagem, algumas noções

básicas da Sociolinguística, especialmente, a variação e o preconceito linguístico.

1.1 Contextualizando a Sociolinguística

A Linguística é a ciência que se constituiu em torno dos fatos da língua,

conforme o pensamento de Saussure (2006). Para esse autor, todas as manifestações da

linguagem humana, quer se trate de povos selvagens ou de nações civilizadas (arcaicas,

clássicas ou em decadência), de qualquer época, constituem matéria da Linguística.

Assim, devem-se considerar todas as formas de expressão, não apenas a linguagem

eleita como correta ou a ―bela linguagem‖ como objeto passível de estudo.

Para o linguista supracitado, a tarefa dessa ciência consiste em:

fazer a descrição e a história de todas as línguas que puder abranger, o

que quer dizer: fazer a história das famílias de línguas e reconstituir,

na medida do possível, as línguas-mães de cada família;

procurar as forças que estão em jogo, de modo permanente e

universal, em todas as línguas e deduzir as leis gerais às quais se

possam referir todos os fenômenos peculiares da história;

delimitar-se e definir-se a si própria. (op. cit., p.13)

Foi nesse contexto conceptual que o estudo da língua assumiu outra dimensão.

Falamos do período compreendido entre o final do século XIX e o início do século XX,

quando o modo de enxergar a língua culta como a única forma de expressão digna de

estudo começou a sofrer críticas. Surge, nesse período, a Linguística Moderna que

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considera, prioritariamente, o estudo da língua falada, apesar de também se ocupar da

expressão escrita (PETTER, 2011).

Dando um salto temporal nesse panorama, encontramos as mudanças

significativas que passam a ocorrer, a partir dos meados do século XX, na Linguística: é

a chamada ―virada pragmática‖, ou seja, nos estudos sobre a linguagem, as situações de

uso da língua passam a receber atenção; o interesse maior deixa de restringir-se ao

sistema da língua em si, como prevalecia nas abordagens em voga até então.

De acordo com Marcuschi (2008, p.37), na perspectiva pragmática, o que

interessa, em primeiro plano, é a análise dos usos, considerando as situações concretas

que envolvem o funcionamento da língua. Assim comenta o autor:

Sabemos que as línguas são empregadas no dia a dia das mais variadas

maneiras e não de forma rígida. Os estudos discursivos e pragmáticos tentam

esclarecer como se dá essa produção de sentidos relacionados aos usos

efetivos: o sentido se torna algo situado, negociado, produzido, fruto de

efeitos enunciativos e não algo prévio, imanente e apenas identificável como

um conteúdo.

Dessa forma, considerando a importância de se estudar a língua relacionada às

suas diversas manifestações, vários linguistas enveredam por novos caminhos. Surge,

então, a sociolinguística – área da linguística que estuda a língua em seu uso real.

Refinando esse ponto de vista, Cezário e Votre (2011) afirmam que a sociolinguística

leva em consideração as relações entre a estrutura linguística e os aspectos sociais e

culturais da produção linguística. Os autores destacam que, para essa corrente, a língua

é vista como uma instituição social e, ―portanto, não pode ser estudada como uma

estrutura autônoma, independente do contexto situacional, da cultura e da história das

pessoas que a utilizam como meio de comunicação‖ (CEZÁRIO; VOTRE, 2011,

p.141).

Foi nos idos de 1950 que surgiu o termo ―sociolinguística‖. Mas a proposta

investigativa vai desenvolver-se como corrente, na década de 60, nos Estados Unidos,

num contexto de inclusão do componente social como fator de relevância para o

conhecimento sobre a língua. Tarallo (2003, p. 7) enfatiza que foi William Labov quem,

―mais veementemente, voltou a insistir na relação entre língua e sociedade e na

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possibilidade, virtual e real, de se sistematizar a variação existente e própria da língua

falada‖.

De fato, além de Labov, merecem destaque, no desenvolvimento dessa corrente,

os trabalhos de Gumperz e Dell Hymes, como também a conferência The Dimensions of

Sociolinguistics, de William Bright (1966), publicada sob o título de Sociolinguistics, na

qual o autor afirma que ―o escopo da sociolinguística está na demonstração de que

existe uma sistemática covariação entre a estrutura linguística e a estrutura social‖ (apud

CEZÁRIO; VOTRE, 2011, p.146).

A linguagem tem importância fundamental na história da sociedade, o que

confirma a necessidade de atentar para a influência que o fator social representa para

sua formação e evolução. A esse respeito, Calvet (2002, p.12) é categórico ao afirmar

que ―as línguas não existem sem as pessoas que as falam, e a história de uma língua é a

história de seus falantes‖.

O mesmo autor ainda destaca que Saussure e Meillet estudaram a concepção

social da língua, mas que entre eles surge um conflito: para Meillet, existe a

convergência de uma abordagem interna e de uma abordagem externa dos fatos da

língua e de uma abordagem sincrônica e diacrônica desses mesmos fatos, enquanto

Saussure opõe linguística interna e linguística externa e distingue abordagem

sincrônica de abordagem diacrônica. Apesar de utilizarem quase a mesma fórmula, eles

não atribuem à língua o mesmo sentido – Saussure busca elaborar um modelo abstrato

da língua, enquanto Meillet se vê em conflito entre o fato social e o sistema que tudo

contém: segundo o autor francês, não se chega a compreender os fatos da língua sem

fazer referência à diacronia, à história. Meillet afirma que, ―por ser a língua um fato

social, resulta que a linguística é uma ciência social, e o único elemento variável ao qual

se pode recorrer para dar conta da variação linguística é a mudança social‖ (MEILLET

apud CALVET, 2002, p.15-6). Essa posição de Meillet é muito próxima do que

defenderá, mais tarde, William Labov.

Os anos 1970 constituíram uma virada para a sociolinguística, com publicações

de vários autores da área, entre eles: Joshua Fishman, Erving Goffman, Basil Bernstein,

William Labov, John Gumperz, Charles Ferguson, Einar Haugen, Peter Trudgill

(CALVET, op. cit.). Segundo Calvet (op. cit., p.33-4), ―essa atividade em várias frentes

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é um indicador irrefutável de mudança: a luta por uma ‗concepção social da língua‘ está

em vias de se concretizar‖.

É de extrema importância destacarmos que, na contribuição da sociolinguística

para as ciências da linguagem, a concepção de língua calcada na percepção de um

processo intrinsecamente heterogêneo é bastante significativa e, conforme explica

Lucchesi (2004, p.198),

[...] constitui o momento crucial da ruptura epistemológica que a

sociolinguística opera em relação ao modelo estruturalista. Ao integrar, na

concepção de língua como sistema heterogêneo, estrutura e mudança, a

sociolinguística busca construir uma representação teórica do fenômeno

linguístico que articule as suas dimensões estrutural e histórica.

Esse autor ainda destaca que ―o princípio teórico básico da concepção do objeto

de estudo proposta pela sociolinguística era o de quebrar a identificação entre

estruturalidade e homogeneidade‖ (idem, p.198, grifo do autor).

É com base nessa ideia de língua heterogênea, mutável, plural e com variações

decorrentes de fatores sociais que fundamentaremos nossa análise, com o objetivo de

investigar, à luz da Sociolinguística, a prática de alguns professores de língua

portuguesa. De antemão, podemos afirmar, com Bagno (2007, p.39), que a variação

linguística ―é a espinha dorsal da Sociolinguística‖.

A consolidação de uma perspectiva de percepção da língua enquanto fenômeno

heterogêneo está diretamente relacionada à questão da variação. A seção a seguir

pretende debruçar-se sobre essa temática.

1.2 Contextualizando a Variação Linguística

A sociolinguística desenvolvida em grande parte por William Labov é conhecida

como ―Sociolinguística Variacionista‖ ou ―Teoria da variação‖. Essa abordagem, de

acordo com Cezário e Votre (2011, p.142), ―baseia-se em pressupostos teóricos que

permitem ver regularidade e sistematicidade por trás do aparente caos da comunicação

do dia a dia. Procura demonstrar como uma variante se implementa na língua ou

desaparece‖.

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Weinreich, Labov e Herzog (2006[1975]), em seu texto clássico, afirmam que

estruturas heterogêneas constituem parte da competência linguística, ou seja, elas são

necessárias para o real funcionamento de qualquer língua e o indivíduo tem capacidade

para codificar e decodificar essa heterogeneidade.

Os principais objetivos da Teoria da Variação são estabelecidos a partir da ideia

de heterogeneidade constitutiva e de interrelação de língua e sociedade (LABOV,

1975). Vale ressaltar que, embora essa abordagem seja comumente tratada como teoria,

não é raro ouvirmos referências ao ―modelo teórico-metodológico variacionista‖. Esse

modelo de análise linguística, proposto por Labov, segundo Tarallo (2003), é também

rotulado de ―sociolinguística quantitativa‖, por operar com números e tratamento

estatístico dos dados coletados.

De acordo com Hora (2011, p.99), o referido modelo

[...] busca a ordenação da heterogeneidade e considera a variação inerente do

sistema linguístico, sistemática, regular e ordenada. Propõe-se explicá-la,

descrevê-la, relacionando-a aos contextos social e linguístico. A Teoria da

Variação enfatiza a variabilidade e concebe a língua como instrumento de

comunicação usado por falantes da comunidade, num sistema de associações

comumente aceito entre formas arbitrárias e seus significados.

A abordagem variacionista, conforme proposta por Labov (1962), possibilita

sistematizar os fenômenos tanto fonético-fonológicos como semântico-lexicais,

evidenciando em seus postulados a necessidade de estabelecer interrelações dos

aspectos linguísticos com os extralinguísticos (variáveis sexo, faixa etária, escolaridade,

entre outros), tratando quantitativa e qualitativamente os dados estatísticos.

Os variacionistas defendem que a variação não pode ser vista como um efeito do

acaso; ela deve ser percebida como um efeito cultural, que é motivado por fatores

linguísticos e extralinguísticos; ela não é assistemática (WEINREICH, LABOV E

HERZOG (2006[1975]).

Concordando com tal pensamento, Bagno (2007, p.36-40), afirma que um dos

sustentáculos básicos da concepção sociolinguística, ―é o de que a variação não é

aleatória, fortuita, caótica – muito pelo contrário, ela é estruturada, organizada,

condicionada por diferentes fatores [...]. A língua é intrinsecamente heterogênea,

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múltipla, variável, instável e está sempre em desconstrução e em reconstrução” (grifo

do autor).

Para Bagno (2007), é um paradoxo pensar que as línguas são estáveis e

homogêneas, uma vez que elas são faladas por seres humanos que vivem em

sociedades, sendo ambos heterogêneos, diversificados, instáveis, sujeitos a conflitos e a

transformações, independentemente de lugar ou época.

Em sua proposta, Labov (1962), enfatiza que a variação linguística é natural e

essencial à linguagem humana; sendo assim, a ausência da variação na linguagem seria

o que exigiria explicação e não a sua presença.

Comungando das ideias de Labov, Castilho (2010, p. 197) aponta:

As línguas são constitutivamente heterogêneas, pois através delas temos de

dar conta das muitas situações sociais em que nos envolvemos, em nosso dia

a dia. Elas são também inevitavelmente voltadas para a mudança, pois os

grupos humanos são dinâmicos, e as línguas que eles falam precisam adaptar-

se às novas situações históricas.

Ao concordarmos com os variacionistas referenciados, podemos afirmar que não

faz sentido conceber a variação linguística como um ―problema‖; o problema estaria em

considerar a existência de uma língua ideal, correta, bem-acabada e fixada em bases

sólidas. Como também considerar várias manifestações, orais e escritas, como ervas

daninhas por se distanciarem dessa utópica língua ideal (BAGNO, 2007).

Ainda para Bagno (2007), a expressão variedades dialetais constitui um

conceito fundamental da Sociolinguística. Ao abordar o tema, ele afirma:

Não são as variedades linguísticas que constituem ―desvios‖ ou ―distorções‖

de uma língua homogênea e estável. Ao contrário: a construção de uma

norma-padrão, de um modelo idealizado de língua, é que representa um

controle dos processos inerentes de variações e mudança, um refreamento

artificial das forças que levam a língua a variar e mudar – exatamente como a

construção de uma represa impede que as águas de um rio prossigam no

caminho que vinham seguindo naturalmente nos últimos milhões de anos.

(BAGNO, 2007, p.37).

A Sociolinguística tem definido, como objetivo central, estabelecer a relação

entre a heterogeneidade linguística e a heterogeneidade social. Em outras palavras, essa

ciência correlaciona as variações existentes na expressão verbal às diferenças de

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natureza social e geográfica, entendendo o domínio linguístico e o social como

fenômenos estruturados e regulares. Para essa corrente, ainda segundo Bagno (op. cit.),

língua e sociedade se entrelaçam, uma influencia a outra, uma constitui a outra; sendo

impossível, para o sociolinguista, estudar a língua, sem estudar, simultaneamente, a

sociedade em que esta é falada.

Do exposto até aqui, percebemos que os sociolinguistas defendem a ideia de que

existe uma forte interrelação entre língua e sociedade. A esse respeito, Mattos e Silva

(2004, p. 299) afirma que

O grande avanço da sociolinguística se funda basicamente na sua

conceituação de língua como sistema intrinsecamente heterogêneo, em que se

entrecruzam e são correlacionáveis fatores intra e extralinguísticos, ou seja,

fatores estruturais e fatores sociais (como classe, sexo, idade, etnia,

escolaridade, estilo).

Buscar apreender a língua como um sistema invariável, estático e homogêneo é

uma redução na compreensão do fenômeno linguístico, especialmente, se pensarmos na

dinamicidade da língua oral. Afinal, conforme propaga Tarallo (2003, p.19), ―a língua

falada está totalmente inserida e interligada à sociedade. Não há sociedade sem língua e

nem língua sem uma sociedade para que esta se manifeste‖.

Provavelmente, os autores citados vão buscar em Labov (1972) a defesa de que a

heterogeneidade linguística é inerente à língua de qualquer comunidade de fala, sendo

resultado de variações que ocorrem sistematicamente a partir de fatores sociais e

linguísticos, que transcorrem naturalmente. Tal pensamento confronta a ideia das

abordagens de cunho estruturalista, as quais tratam o sistema linguístico como se ele

fosse homogêneo.

Cunha, Costa e Martelotta (2011) defendem que a capacidade da linguagem,

eminentemente humana, parece implicar um conjunto de características, das quais

destacamos duas, por se apresentarem como fundamentais para o embasamento da

presente pesquisa:

Uma base sociocultutral que atribui à linguagem humana os aspectos

variáveis que ela apresenta no tempo e no espaço – a linguagem está

relacionada à forma como interagimos com nossos semelhantes, refletindo

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tendências de comportamento delimitadas socialmente; como nossas vidas,

em função da evolução cultural, muda com o tempo, as línguas acabam

sofrendo mudanças decorrentes de modificações nas estruturas sociais e

políticas.

Uma base comunicativa que fornece os dados que regulam a interação entre

os falantes – a linguagem se manifesta no exercício da comunicação, assim,

existem aspectos provenientes da interação entre os indivíduos que se

revelam na estrutura das línguas.

Visualizando essas características, as quais se acham intrinsecamente

relacionadas, podemos reafirmar que os processos naturais de variação e mudança por

que a língua passa no seu desenvolvimento são resultantes de fatores de natureza

histórica, regional, social ou contextual. Pode ocorrer a variação em todos os níveis da

língua: do fonético-fonológico ao estilístico-pragmático. Vejamos o que, a esse respeito,

esclarece Faraco (2005, p.34-5):

qualquer parte da língua pode mudar, desde aspectos da pronúncia até

aspectos de sua organização semântica e pragmática. A classificação geral

das mudanças é feita utilizando-se os diferentes níveis comuns no trabalho de

análise linguística. Assim, na história de uma língua, pode haver mudanças

fonético-fonológicas, morfológicas, sintáticas, semânticas, lexicais,

pragmáticas.

Bagno (2007), abordando esse tema, explica e exemplifica sua ocorrência em

cada um dos níveis mencionados por Faraco:

Variação fonético-fonológica – ocorre quando uma palavra é

pronunciada de maneiras diferentes.

Exemplo: As diversas formas de se pronunciar o /r/, da palavra porta

no português brasileiro. Ou a palavra titia [tsitsia], por exemplo.

Variação morfológica – termos que expressam a mesma ideia, porém

são construídos com sufixos diferentes.

Ex: Pegajoso e peguento.

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Variação sintática – posição dos termos de formas diferentes nas

frases, porém com o mesmo sentido:

Ex: Uma história que ninguém prevê o final / Uma história que

ninguém prevê o final dela / Uma história cujo final ninguém prevê.

Variação semântica – o significado e/ou o sentido de uma palavra

varia dependendo da origem regional do falante. Ex: Vexame pode

significar ―vergonha‖ ou ―pressa‖.

Variação lexical – palavras diferentes que se referem à mesma coisa.

Ex: mandioca, macaxeira e aipim designam o mesmo tubérculo.

Variação estilístico-pragmática – expressões que são usadas com

maior ou menor grau de formalidade, dependendo do ambiente e da

intimidade entre os interlocutores nas diferentes situações de

interação, podendo ser pronunciadas pelo mesmo interlocutor.

Ex: Por favor, queira sentar / Senta aí logo / Vamo sentano aí,

pessoal.

Poderíamos afirmar que seria inconsistente defendermos a existência em uma

unidade/uniformidade linguística. É consensual entre os linguistas o fato de que as

línguas naturais mudam no curso do tempo. As variações acima apontadas não são fatos

exclusivos da língua portuguesa, a exemplo disso são conhecidos os trabalhos de Stubbs

sobre o inglês britânico1 e Gagné sobre o francês quebequense

2, que abordam as

particularidades de suas línguas, como também discutem o sistema educacional de seus

países.

Segundo Bagno (2007, p.47, grifo do autor), a partir da noção de

heterogeneidade, a Sociolinguística afirma que toda língua é um feixe de variedades.

Para essa ciência, a língua não pode ser estudada sem considerar as variáveis que

condicionam os diferentes usos. Além dos fatores linguísticos, são fundamentais,

1 A Língua na Educação – Texto que constitui um dos capítulos da obra coletiva Na Encyclopaedia of

Language, organizada por N. E. Collinge (Londres: Routledge, 1999, pp. 551-589). 2 A Norma e o Ensino da Língua Materna – Texto que constitui um dos capítulos da obra coletiva La

Norme linguistique, organizada por E. Bédard e J. Maurais (Québec/Paris: Office de la langue

française/Le Robert, 1983, pp. 463-510).

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também, para compreendermos o porquê das escolhas produzidas, os fatores

extralinguísticos.

Os trabalhos de Bortoni-Ricardo (2004) e Bagno (2007) destacam alguns fatores

que têm, dentre os muitos possíveis, revelado-se instigantes para os estudos da

linguagem. Achamos pertinente comentar cada um deles.

Origem geográfica – há variação da língua de um lugar para outro;

dessa forma podemos investigar os diferentes ‗falares‘: das regiões,

dos estados, dentro do mesmo estado, dos espaços urbano ou rural,

etc.

Status socioeconômico – a variação ocorre entre pessoas com níveis

de renda diferenciados: baixo, médio, alto, muito alto; sendo este, um

fator relevante, pois em nosso país a desigualdade de renda é muito

grande.

Grau de escolarização – é fator importante na configuração dos usos

da língua entre os diferentes indivíduos: o maior ou menor acesso à

educação, à cultura letrada, às práticas de leitura e escrita.

Idade – as diversas gerações se expressam de formas variadas: as

pessoas de hoje falam diferente de pessoas de gerações anteriores; um

adolescente não fala do mesmo modo que seus pais.

Sexo – mulheres e homens fazem uso dos recursos que a língua

oferece de maneiras distintas; as mulheres usam mais diminutivos; a

linguagem dos homens é mais marcada por ‗palavrões‘.

Mercado de trabalho – a atividade profissional de cada indivíduo

influencia na sua atividade linguística: professores, jornalistas,

advogados não utilizam os mesmos recursos linguísticos que um

encanador, um cortador de cana, um pedreiro; enquanto esses

utilizam estilos menos monitorados, aqueles precisam fazer uso de

estilos mais monitorados, porém devem ser capazes de variar seu

repertório sociolinguístico com segurança.

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Redes sociais – cada indivíduo adota o comportamento semelhante

das pessoas com quem convive em seu grupo, em sua rede social.

Variação estilística – cada indivíduo tem seu estilo pessoal, ou seja,

possui uma maneira única de falar; variamos o nosso modo de falar

de acordo com a situação de interação em que nos encontramos.

Observando cada um desses fatores, compreendemos que não existe apenas um

modo de falar; isso é enfatizado pelos sociolinguistas; segundo Bagno (2007, p.45),

―[...] todo e qualquer indivíduo varia a sua maneira de falar, monitora mais ou menos

seu comportamento verbal, independente de seu grau de instrução, classe social, faixa

etária etc.‖, comportamento que é apreendido no convívio social, a partir das diversas

interações.

Esses fatores representam os atributos de um falante, mas, embora eles sejam de

natureza estrutural, estão relacionados a outros de dimensão funcional (BORTONI-

RICARDO, 2004). Segundo essa autora, podemos compreender que os atributos

estruturais fazem parte da individualidade do falante, não esquecendo que

Há outros fatores que não são estruturais, mas sim funcionais. [Eles]

Resultam das interações sociais. Podemos, então, dizer que a variação

linguística depende de fatores socioculturais e de fatores sociofuncionais. [...]

os fatores estruturais se inter-relacionam com os fatores funcionais na

conformação dos repertórios sociolinguísticos dos falantes. (BORTONI-

RICARDO, 2004, p.49).

Percebemos que todos esses fatores contribuem para tornar o estudo da variação

linguística bastante complexo. Essa complexidade, segundo a citada autora (2004, p.49),

―equivale à da própria ação humana, por sua vez, determinada por fatores biológicos,

psicológicos, sociológicos e culturais‖.

Além dos aspectos sociais envolvidos na variação sociolinguística, é necessário

lembrarmos que ela constitui um processo inerente ao próprio sistema linguístico,

devendo ser considerada, portanto, um fenômeno natural. Alguns adjetivos que

acompanham esse termo também podem ajudar o leitor a compreender melhor o

fenômeno da variação, que tem sido abordada sobre diferentes aspectos. Assim, é

possível falarmos em variação diatópica, diastrática, diamésica, diafásica e diacrônica.

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Classificação essa, defendida por Coseriu (1980), quando afirma que devido a esses

fatores é que ocorre a diversidade linguística.

Para entendermos cada conceito, recorremos à apresentação formulada por

Coelho (2007):

Variação diatópica – também chamada de regional ou geolinguística,

é a variação linguística existente nas diferentes regiões em que

determinada língua é falada.

Variação diastrática – é a diferença no sistema linguístico observada

entre diferentes estratos da população, que têm entre si distinções

sociais e/ou culturais, decorrentes do nível de escolaridade, do local

de origem (urbano/rural) etc.

Variação diamésica – comporta as diferenças existentes entre as

modalidades de expressão da língua: oral e escrita. Nessa categoria se

acomoda o conceito de gêneros discursivos.

Variação diafásica – dentro de um grupo o mais homogêneo possível,

tomando-se a mesma época, mesma região, mesmo nível social,

mesmo sexo, idade e profissão dos falantes, pode ocorrer a variação

diafásica, isto é, o uso diferenciado que o individuo faz da língua de

acordo com o grau de monitoramento em determinada situação.

Variação diacrônica – de acordo com Dubois (1988, p.609), chama-se

variação diacrônica o fenômeno pelo qual, na prática corrente, uma

língua não é, jamais, numa época, num lugar e num grupo social

dados, idêntica ao que ela é noutra época, noutro lugar e noutro grupo

social.

Podemos constatar que, como afirma Bagno (1999, p.48), não há nenhuma

variedade nacional, regional ou local intrinsecamente ‗melhor‘, ‗mais pura‘, ‗mais

bonita‘, ‗mais correta‘ que outra. O autor destaca, ainda, outro postulado fundamental

da Sociolinguística: ―toda e qualquer variedade linguística é plenamente funcional,

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oferece todos os recursos necessários para que seus falantes interajam socialmente, é um

meio eficiente de manutenção da coesão social da comunidade em que é empregada.‖

Vários são os autores que corroboram esse pensamento, entre eles, podemos

citar Soares (1989, p.42), quando afirma:

[...] do ponto de vista puramente linguístico, é inadmissível usar os critérios

de ―certo‖ e ―errado‖ em relação ao uso da língua. O que se considera

―errado‖ não é linguisticamente melhor nem pior que o que se considera

―certo‖; é apenas aquilo que difere da norma de prestígio, socialmente

privilegiada.

Ainda podemos mencionar o pensamento expresso por Cunha, Costa e

Martelotta (2011, p.20): ―a linguística considera que língua nenhuma é melhor ou pior

que outra, pois todo sistema linguístico tem a capacidade de expressar a cultura do povo

que a fala, de forma adequada‖.

Analisando as contribuições desses autores, observamos que toda e qualquer

variedade linguística atende às necessidades comunicacionais dos indivíduos que a

utilizam. Já destacamos que é característica das comunidades o emprego de diferentes

modos de falar; essas diversas formas, no contexto sociolinguístico, recebem o nome de

variedades linguísticas ou dialetos.

Tarallo (2003, p.8) afirma que ―a um conjunto de variantes dá-se o nome de

―variável linguística‖‖. Bagno (2007), esclarece que variável é algum elemento da

língua, alguma regra, que se realiza de maneiras diferentes, conforme a variedade

linguística analisada. Cada uma das realizações possíveis de uma variável é chamada de

variante. Podemos dizer que a variável é o fenômeno em variação, motivado por grupo

de fatores internos (fonético-fonológico, morfológico, sintático, semântico, lexical,

estilístico-pragmático) e/ou externos (etnia, sexo, escolarização, nível de renda, idade,

profissão, classe social).

Variantes são as diversas formas alternativas que configuram um fenômeno

variável; duas ou mais alternativas possíveis e equivalentes. Labov (1972) define

variantes como sendo duas ou mais formas de dizer a mesma coisa no mesmo contexto.

Para uma melhor compreensão, apresentamos o seguinte exemplo proposto por Bagno

(2007, p.50):

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Exemplo: a variável (pronome-objeto direto de 3ª pessoa) pode apresentar

as seguintes variantes:

(1) pronome oblíquo (COMPREI O LIVRO MAS O ESQUECI EM CASA);

(2) pronome reto (COMPREI O LIVRO MAS ESQUECI ELE EM CASA);

(3) pronome nulo (COMPREI O LIVRO MAS ESQUECI Ø EM CASA).

(BAGNO, op. cit.)

Ainda segundo esse autor (op. cit.), uma das principais tarefas da

Sociolinguística está em estudar as regras variáveis, para possibilitar o conhecimento do

estado atual e real da língua; permitindo descobrir que elementos se encontram em

variação, contribuindo, assim, para o entendimento dos fenômenos da mudança

linguística.

Fica claro que, no âmbito da (socio)linguística, qualquer variação que a língua

apresente é considerada legítima, independentemente de região, escolarização, gênero,

ou grupo social que a utilize.

Existe, em nosso país – como, provavelmente, em qualquer outro - uma norma

socialmente mais prestigiada. O ensino dessa norma é desenvolvido por muitas escolas,

equivocadamente, pois a concebem como a única forma de expressão legítima; além da

escola, é sabido que os pais cobram essa atitude normativista por parte dos professores

que, apesar de terem consciência de que um ensino restrito a intervenções prescritivistas

e nomenclaturas não alcança os objetivos atuais do ensino de língua materna, não sabem

o que fazer para modificar essa situação. De fato, o papel da escola é, também, e

principalmente, ensinar a norma. Mas esse ensino tem enfrentado graves dificuldades,

provavelmente, por não encontrar a metodologia adequada, a qual, em nosso ponto de

vista, precisa partir de uma valorização do conhecimento linguístico que o aluno já

possui.

Nesse sentido, é necessário compreender que existem diferenças entre a norma-

padrão e a norma-culta. De acordo com Bagno (2007, p.106-7),

[...] a norma-padrão aparece fora do universo da variação, fora dos usos

sociais da língua empiricamente comprováveis. [...] a norma-padrão não

faz parte da língua, não corresponde a nenhum uso real da língua,

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constituindo-se muito mais como um modelo, uma entidade abstrata, um

discurso sobre a língua, uma ideologia linguística, que exerce efetivamente

um grande poder simbólico sobre o imaginário dos falantes em geral, mas

principalmente sobre os falantes urbanos mais escolarizados. [...] apesar de

ser um produto cultural, de natureza diferente das variedades linguísticas

efetivamente empregadas pelos falantes, a norma-padrão tem que ser incluída

em qualquer estudo sobre as relações entre linguagem e sociedade (grifos do

autor).

Observamos que, na visão desse autor, a norma-padrão é um referencial abstrato,

por isso não pode ser considerada como uma variedade da língua. A Sociolinguística

considera o termo língua-padrão equivocado, uma vez que, para ela, uma língua

pressupõe falantes reais em uso efetivo e concreto da língua. A norma-padrão é, em

tese, utilizada pelas classes intelectuais da sociedade e vista como um modelo

idealizado de língua com o objetivo de uniformizá-la, desconsiderando suas variações.

O autor defende que ―norma-padrão‖ e ―norma culta‖ não são sinônimos e

enfatiza que não podemos confundi-las, pois são duas entidades sociolinguísticas

bastante diferentes. Segundo ele,

A norma culta é o conjunto de variedades linguísticas efetivamente

empregadas pelos falantes urbanos, mais escolarizados e de maior renda

econômica, e nelas aparecem muitos usos não previstos na norma-padrão,

mas que já caracterizam o verdadeiro português brasileiro prestigiado

(BAGNO, 2007, p.117, grifos do autor).

Ao abordar esse tema, Antunes (2007, p.87) explica:

A norma culta, na compreensão tradicionalmente veiculada pela escola,

corresponde àquele falar tido como ―modelar‖, como ―correto‖, segundo as

regras estipuladas nas gramáticas normativas. Constitui, portanto, a

representação do que seria o falar exemplar – aquele ―sem erros‖ – por isso

mesmo o mais prestigiado socialmente.

Percebemos, então, que a norma culta é considerada uma variedade, por ser

utilizada por determinado grupo de falantes, àqueles socialmente favorecidos, com grau

de escolaridade mais alto. Antunes (idem, p. 91) afirma que ―o conceito de norma culta

corresponde aos usos que se consideram mais adequados aos contextos (orais e escritos)

de uso da língua formal‖.

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Tentando fugir a equívocos que possam causar problemas quanto ao emprego do

termo – uma vez que todo indivíduo é culto ou tem sua cultura – alguns estudiosos

propõem a substituição do emprego da expressão ―norma culta‖ por variedades

prestigiadas e em oposição, chamar a ―norma popular‖ ou ―vernácula‖ de variedades

estigmatizadas (ANTUNES, op. cit.).

Como vemos, o tema é instigante e está diretamente relacionado a um outro

sobre o qual discutiremos a seguir: a questão do preconceito linguístico.

1.3 Contextualizando o Preconceito Linguístico

Sabemos que, geralmente, os usuários de uma língua se apropriam

primeiramente das variantes informais, adquiridas no seio familiar, para depois, num

processo mais sistemático e, de forma gradativa, apropriarem-se de estilos e gêneros

mais formais (calcados nos usos da norma-padrão), aproximando-os da variedade culta.

As pesquisas sociolinguísticas atestam que as variedades prestigiadas são

aquelas utilizadas pelas camadas privilegiadas da população, em oposição às variedades

estigmatizadas que são utilizadas geralmente por falantes com pouca ou nenhuma

instrução formal. Os falantes que utilizam a chamada ―norma popular‖ (variedade

estigmatizada), distanciando-se da norma culta (variedade prestigiada), são, de forma

pública ou velada, vítimas de preconceito linguístico.

Segundo Gomes (2009, p. 76), esse preconceito está relacionado à tradição

ditada pela gramática normativa. Para a autora, esse histórico

nos acostumou a achar que toda forma diferente das regras gramaticais

contidas nos livros que estudamos são ―erradas‖. É fruto de uma tradição de

tratamento da língua como um sistema rígido de leis a serem cumpridas, e

aquele que não as cumpre é ―julgado e condenado‖ por isso.

Os usos que divergem dessa prescrição são entendidos como anormais, pois se

encontram fora dos padrões ditados pelas classes socialmente dominantes. Porém,

conforme destaca Antunes (2007), se há diferentes situações sociais, deve haver

diferentes padrões de uso da língua. A variação aparece como algo inevitavelmente

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normal. Segundo a autora, ―existem variações linguísticas não porque as pessoas são

ignorantes ou indisciplinadas; existem porque as línguas são fatos sociais, situados num

tempo e num espaço concretos, com funções definidas‖ (ANTUNES, 2007, p.104).

É visível, em nossa sociedade, uma luta contra as mais diferentes formas de

preconceito, a exemplo da luta da mulher por igualdade, da luta contra o racismo ou,

ainda, da luta dos homossexuais por direitos civis. Diferentemente, essa luta não ocorre

a favor das variações linguísticas, ou seja, contra o preconceito linguístico que, segundo

Bagno (1999), fica evidente em uma série de afirmações que já fazem parte da imagem

(negativa) que o brasileiro tem de si mesmo e da língua falada por aqui. Para o autor,

algumas dessas afirmações são mitos que qualquer análise mais rigorosa não demora a

derrubar. Ele destaca 8 mitos que compõem a mitologia do preconceito linguístico:

Mito nº 1 – A língua portuguesa falada no Brasil apresenta uma unidade

surpreendente.

Mito nº 2 – Brasileiro não sabe português / Só em Portugal se fala bem o

português.

Mito nº 3 – Português é muito difícil.

Mito nº 4 – As pessoas sem instrução falam tudo errado.

Mito nº 5 – O lugar onde melhor se fala o português no Brasil é o Maranhão.

Mito nº 6 – O certo é falar assim porque se escreve assim.

Mito nº 7 – É preciso saber gramática para falar e escrever bem.

Mito nº 8 – O domínio da norma culta é um instrumento de ascensão social.

Muitos são os brasileiros que acreditam cegamente nesses mitos. O que

observamos é a parte elitizada da sociedade alimentando-os diariamente, através de

vários elementos que fazem parte de um mecanismo a que Bagno (1999) denomina de

círculo vicioso do preconceito linguístico; são eles: a gramática tradicional, os métodos

tradicionais de ensino e os livros didáticos. Juntam-se a estes outro elemento a que este

autor chama de comandos paragramaticais – composto, segundo ele, ―por todo arsenal

de livros, manuais de redação de empresas jornalísticas, programas de rádio e de

televisão, colunas de jornal e de revista, CD-ROMS, ‗consultórios gramaticais‘ por

telefone e por aí a fora...‖ (BAGNO, 1999, p.76-7).

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Cabe-nos, aqui, destacar que existe uma diferença entre língua e gramática. Essa

diferença, entretanto, não é considerada por muitas ―autoridades‖ que, ao conceber as

regras ditadas pela gramática tradicional como a única forma correta de falar/escrever,

favorecem o preconceito linguístico. A esse respeito, Silva (2012, p. 168-9) afirma:

O preconceito linguístico é, provavelmente, consequência da não distinção

entre gramática e língua. De maneira equivocada, o fomento dessa confusão

tem sido patrocinado, historicamente, pelos próprios gramáticos. Usando a

língua como instrumento de dominação, as elites elegem a sua variedade

linguística como padrão oficial e exclusivo, discriminando e marginalizando

as outras variedades. Impõe-se, assim, um único modelo de língua como

correto. As demais manifestações são estigmatizadas, já que não se pautam

pela gramática normativa, a qual, invariavelmente, retrata uma língua

artificializada, fictícia e distanciada do uso dos falantes em geral.

Através da Sociolinguística, compreendemos que onde houver variação

(linguística), haverá sempre avaliação (social); isto quer dizer que as formas linguísticas

utilizadas poderão ser analisadas ou julgadas não por características propriamente

linguísticas, mas conforme os juízos de valores sociais conferidos a quem as utiliza.

Para a Teoria da Variação, entretanto, esse fato representa simplesmente ―diferença‖ no

uso da língua e não inferioridade.

No entanto, em nosso meio social, a aceitação dessas diferenças encontra fortes

restrições, fazendo surgir o preconceito e, por consequência, a discriminação. Na

concepção de Fiorin (2002, p.23),

Os preconceitos aparecem quando se considera uma especificidade como

toda a realidade ou como um elemento superior a todos os outros. Neste caso,

tudo o que é diferente é visto seja como inexistente, seja como inferior, feio,

errado. A raiz do preconceito está na rejeição da alteridade ou na

consideração das diferenças como patologia, erro, vício, etc.

Nesse contexto, é preciso refletir também acerca da noção de erro. Em nossa

sociedade, qualquer uso que se distancie do modelo idealizado da língua, ou qualquer

traço fonológico que revele a origem social desprestigiada do falante, ou ainda, tudo o

que não conste do universo das classes sociais letradas passa a ser visto como ―erro‖.

Nesse grupo fica incluída a grande maioria da população. Seguindo essas concepções

deturpadas, vão-se construindo uma série de equívocos, que muitos de nós – sociedade

em geral: professores, pais, meios de comunicação – cultivamos, mantemos e

reproduzimos.

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A desinformação que está na fonte desses equívocos, os quais favorecem e

alimentam a criação e a manutenção dos preconceitos, é de responsabilidade de todos

nós. A esse respeito, Antunes (2007, p.121) afirma:

Nós os mantemos, sim, quando não conseguimos ―dar a volta‖ para ver, de

outros lados, o que significa e o que representa a possibilidade de usar a

linguagem. Isto é: o que podemos compreender, apreender e aprender,

expressar, sentir, representar, imaginar, criar, recriar, ressignificar com a

linguagem. Do prático ao artístico; do individual ao coletivo; do particular ao

geral; do objetivo ao subjetivo; do episódico ao mais elaborado.

Não é difícil percebermos que várias são as possibilidades de uso de uma língua.

É preciso, portanto, que se considere a liberdade relativa com que o falante deve

usufruir a linguagem adequando-a às mais variadas situações de interação. De acordo

com Bortoni-Ricardo (2004, p.73),

Em situações que exijam mais formalidade, porque está diante de um

interlocutor desconhecido ou que mereça grande consideração, ou porque o

assunto exige um tratamento formal, o falante vai selecionar um estilo mais

monitorado; em situações de descontração, em que seus interlocutores sejam

pessoas que ele ama e em que confia, o falante vai sentir-se desobrigado de

proceder a uma vigilante monitoração e pode usar estilos mais coloquiais. Em

todos esses processos, ele tem sempre de levar em conta o papel social que

está desempenhando.

Ao monitorar seu estilo, o falante escolarizado deverá saber usar a linguagem

adequadamente em seus diferentes contextos sociais. É esse pensamento exposto nos

PCN (1997) quando veiculam as seguintes considerações:

A questão não é falar certo ou errado, mas saber qual forma de fala utilizar,

considerando as características do contexto de comunicação, ou seja, saber

adequar o registro às diferentes situações comunicativas. É saber coordenar

satisfatoriamente o que falar e como fazê-lo, considerando quem e por que se

diz determinada coisa. É saber, portanto, quais variedades e registros da

língua oral são pertinentes em função da intenção comunicativa, do contexto

e dos interlocutores a quem o texto se dirige. A questão não é de correção da

forma, mas de sua adequação às circunstâncias de uso, ou seja, de utilização

eficaz da linguagem: falar bem é falar adequadamente, é produzir o efeito

pretendido (PCN, 1997, p.26).

Para evitar situações preconceituosas, é preciso que a sociedade entenda que

esse é o processo natural de evolução da linguagem e todo falante pode utilizar sua

individualidade linguística de forma competente, produzindo sentenças bem formadas.

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Os termos ―adequado‖, ―competente‖, ―sentenças bem formadas‖ mencionados neste

trabalho são muito importantes para o entendimento do estudo sobre as variedades

linguísticas.

É relevante, nesse momento, chamarmos a atenção para a distinção entre

competência linguística e competência comunicativa. O termo competência foi

introduzido nos estudos da linguagem por Chomsky (1965) ao propor uma dicotomia

entre competência e desempenho.

Surge, então, o conceito de competência linguística em oposição ao conceito de

desempenho: a competência é abstrata e consiste no conhecimento internalizado que o

falante tem das regras para a formação de sentenças da língua; o desempenho, por outro

lado, consiste no uso efetivo da língua pelo falante (BORTONI-RICARDO, 2004,

p.73).

Em sua teoria, Chomsky defende que a competência consiste no conhecimento

de um conjunto de regras por parte do falante que lhe permitirá produzir e compreender,

de acordo com o sistema de regras da língua, um número infinito de sentenças,

reconhecendo as que são bem formadas.

Outros estudiosos contemporâneos de Chomsky, a exemplo de Hymes (1966),

concordavam com a sua teoria, porém com algumas críticas e reformulações ao conceito

de competência linguística. Para Hymes, tal conceito apresentava um problema: o fato

de que a competência linguística não dá conta de questões da variação da língua, seja

entre pessoas ou no repertório de uma mesma pessoa. Este autor, então, propõe o

conceito de competência comunicativa que inclui, além das regras que presidem à

formação das sentenças, as normas sociais e culturais que definem a adequação da fala.

Bortoni-Ricardo (2004) destaca que a competência comunicativa de um falante

lhe permite saber o que falar e como falar com quaisquer interlocutores em quaisquer

circunstâncias. Reportando-se à noção de adequação proposta por Dell Hymes (1966), a

autora explica que, quando utiliza a língua, o falante, além de aplicar regras para obter

sentenças bem formadas, também utiliza normas de adequação definidas em sua cultura.

Essas normas é que orientam o falante a monitorar seu estilo.

Nesse contexto, percebemos que toda e qualquer sentença produzida em

contextos de comunicação por qualquer usuário de uma língua pode ser considerada

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uma ―sentença bem formada‖. O erro (no sentido literal da palavra) está em

considerarmos ―incorretas‖ as sentenças próprias de outras variedades, principalmente,

as que diferem das sentenças da chamada língua padrão, especialmente se o falante está

em processo de aquisição ou se se encontra alijado do acesso à formação escolarizada

de boa qualidade.

Do ponto de vista descritivo, a Linguística, como qualquer ciência, descreve seu

objeto como ele é, não especula nem faz afirmações sobre como a língua deveria ser

(PETTER, 2011). Dizer que a linguística é uma ciência descritiva (ou seja, não-

normativa), segundo Lyons (1982), ―é dizer que ela tenta descobrir e registrar as regras

segundo as quais se comportam os membros de uma comunidade linguística, sem tentar

impor-lhes outras regras ou normas, de correção exógenas‖. Ele afirma que, não há na

língua padrões de correção absolutos. O autor destaca um ponto muitas vezes mal

entendido: ao traçarmos uma distinção entre descrição e prescrição, não estamos

dizendo que não haja lugar para o estabelecimento e prescrição de normas de uso. Para

ele, o problema de selecionar, padronizar e promover uma determinada língua ou dialeto

em detrimento de outros está envolto em dificuldades políticas e sociais (LYONS, 1982,

p.59).

No tocante à questão política, quanto ao ensino da língua, observamos que, em

nosso país, as instituições oficiais que planejam a educação têm avançado e já

consideram como legítima essa diversidade que compõe nossa realidade linguística. É o

que constatamos nos PCN (1998), quando expõem:

A Língua Portuguesa é uma unidade composta de muitas variedades. [...] A

discriminação de algumas variedades linguísticas, tratadas de modo

preconceituoso e anticientífico, expressa os próprios conflitos existentes no

interior da sociedade. Por isso mesmo, o preconceito linguístico, como

qualquer outro preconceito, resulta de avaliações subjetivas dos grupos

sociais e deve ser combatido com vigor e energia. É importante que o aluno,

ao aprender novas formas linguísticas, particularmente a escrita e o padrão de

oralidade mais formal orientado pela tradição gramatical, entenda que todas

as variedades linguísticas são legítimas e próprias da história e da cultura

humana. Para isso, o estudo da variação cumpre papel fundamental na

formação da consciência linguística e no desenvolvimento da competência

discursiva do aluno, devendo estar sistematicamente presente nas atividades

de Língua Portuguesa (PCN, 1998, p.81-2).

É preciso que esse entendimento seja aceito pela sociedade em geral – àqueles

grupos diversos já mencionados ao longo deste trabalho: os professores que ainda não

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sabem como trabalhar a questão da variação; os pais que acreditam num ensino de

língua tal e qual ‗aprenderam‘ tempos atrás, ratificando a tradição; a mídia que propaga

os padrões e os mitos instituídos pela elite brasileira. Quem ganhará com o

entendimento, com a aceitação e com o respeito a essa gama de variedades serão todos

aqueles que estarão livres do medo, vergonha ou insegurança ao se expressar.

Essa é uma questão complexa, que envolve consciência política e tolerância às

diferenças, especialmente, por parte do professor de língua. Segundo Silva (2012), não

se trata apenas de respeitar as variedades ou de generalizar uma defesa contra o

preconceito linguístico – já que essas são atitudes democráticas e que devem fazer parte

do dia a dia da escola. O que o autor ressalta é

a premência de transformar as aulas de língua em campo de descobertas

científicas, via análises pautadas em dados reais, refletindo, testando

hipóteses, identificando motivações, descobrindo fatores condicionantes,

favorecedores ou bloqueadores de determinados usos, formas e funções que

se instalam em contextos de interação (idem, p.184).

Uma prática de ensino de língua calcada nessa ótica, certamente, contribuirá

para que os falantes (de língua portuguesa) sintam prazer com o estudo da língua

materna; essa língua não pode ser reduzida apenas ao ―certo‖ ou ―errado‖ já que é

dinâmica, múltipla, heterogênea.

Lyons (1982, p.30) comenta que talvez a característica mais gritante da língua,

se comparada a outros códigos ou sistemas de comunicação, seja a flexibilidade e a

versatilidade.

Eis a nossa língua portuguesa, não distinta das demais nesse aspecto:

―camaleoa‖, ―heterogênea", quase uma ―metamorfose ambulante‖ e, indubitavelmente,

―viva‖.

É sob essa perspectiva que pretendemos, nos próximos capítulos, refletir sobre o

ensino de língua materna. Buscaremos, de olho em suas tradições e, especialmente, em

suas contradições, diagnosticar como tem se estabelecido sua prática e - por que não?-

como essa realidade poderia ser transformada.

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CAPÍTULO II

2 ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: OS PCN E A VARIAÇÃO

LINGUÍSTICA

Este capítulo apresenta e discute o ensino de língua a partir das proposições

veiculadas nos PCN. Nele, sumarizamos diversos estudos que realizam reflexões sobre

o ensino calcado numa concepção de língua como artefato social, no qual se deve levar

em consideração os usos e seus respectivos contextos de produção e recepção. Na pauta,

também estão aspectos relacionados ao ensino de gramática e à valorização da oralidade

como objeto de ensino.

2.1 O lugar da variação: dos documentos oficiais à prática em sala de aula

Atualmente, com o avanço dos estudos linguísticos, produziu-se uma gama

consistente de reflexões sobre o estudo da língua. No interior dessa produção, emerge o

entendimento de que a supremacia absoluta da norma culta como único objeto digno de

ensino deve ser revisada, cedendo espaço às possibilidades de ensino-aprendizagem que

levem em consideração a existência das variedades linguísticas.

Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em

1996, a qual visava à normatização institucional da educação, surgiram as novas

Diretrizes Curriculares Nacionais (1998) e, em decorrência, os Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCN). Esses documentos oficiais tornam-se referência para o ensino de

Língua Portuguesa, incluindo no debate a ênfase em torno da diversidade linguística.

A partir de então, o estudo das variações linguísticas passa a ser não apenas

―autorizado‖ como também sugerido e estimulado pelos órgãos que regulamentam a

educação brasileira, tornando-se parte do currículo educacional. Os referidos

documentos oficiais abrangem o ensino da língua materna desde a educação infantil,

passando pelo ensino fundamental até o ensino médio, destacando a influência do meio

sociocultural sobre a linguagem.

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Segundo o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, “Aprender

uma língua não é somente aprender as palavras, mas também os seus significados

culturais, e, com eles, os modos pelos quais as pessoas do seu meio sociocultural

entendem, interpretam e representam a realidade‖. (RCNEI, 1998, p. 117). Já para o

Ensino Fundamental, um dos objetivos apresentados nos PCN é que os alunos sejam

capazes de ―Utilizar as diferentes linguagens – verbal, matemática, gráfica, plástica e

corporal – como meio para produzir, expressar e comunicar suas ideias, interpretar e

usufruir das produções culturais, em contextos públicos e privados, atendendo a

diferentes intenções e situações de comunicação‖. (PCN, 1998, p. 7). Do mesmo modo,

podemos sublinhar como referência às competências a serem desenvolvidas no ensino

médio, de acordo com os PCNEM, a necessidade de que o aluno venha a ―Considerar a

Língua Portuguesa como fonte de legitimação de acordos e condutas sociais e como

representação simbólica de experiências humanas manifestas nas formas de sentir,

pensar, agir na vida social‖ (PCNEM, 1999, p. 142).

A valorização da diversidade linguística e cultural no ensino sistemático, de

acordo com os documentos acima referidos, deve abranger, portanto, todos os níveis da

educação básica. Assumindo essa perspectiva, não podemos conceber as diferentes

formas de comunicação como ―erro‖ ou ―desvio‖, mas como formas legítimas de uso.

Todos nós utilizamos o mesmo sistema linguístico – o português brasileiro -, o que

significa dizer que falamos a mesma língua. No entanto, é perceptível que essa língua

não apresenta uma unidade: a fala é individualizada, diversificada, heterogênea.

Conforme já evidenciamos no capítulo anterior, a variação faz parte da

constituição das línguas vivas e ocorre tanto entre grupos sociais quanto no interior

deles. Não há dúvidas de que a variação é inerente às línguas humanas,

independentemente das forças coercitivas que lutam para detê-la e desconsiderá-la.

Parte desse pressuposto a defesa que os PCN (1998, p. 29) fazem da variação

linguística, explicitando que ela

[...] sempre existiu e sempre existirá, independentemente de qualquer ação

normativa. Assim, quando se fala em “Língua Portuguesa‖ está se falando de

uma unidade que se constitui de muitas variedades. Embora no Brasil haja

relativa unidade linguística e apenas uma língua nacional, notam-se

diferenças de pronúncia, de emprego de palavras, de morfologia e de

construções sintáticas, as quais não somente identificam os falantes de

comunidades linguísticas em diferentes regiões, como ainda se multiplicam

em uma mesma comunidade de fala. Não existem, portanto, variedades fixas:

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em um mesmo espaço social convivem mescladas diferentes variedades

linguísticas, geralmente associadas a diferentes valores sociais.

Se não há, em nossa sociedade, uma língua homogênea, não pode haver apenas

um objeto de ensino linguístico. Conceber o ensino da língua sob a perspectiva única de

um modelo padrão, no qual se assenta a dicotomia do acerto/erro, vai de encontro à

concepção formulada por vários autores, entre eles Cagliari (1990, p.35), quando afirma

que ―a língua portuguesa, como qualquer língua, tem o certo e o errado somente em

relação à sua estrutura. Com relação a seu uso pelas comunidades falantes, não existe o

certo e o errado linguisticamente, mas o diferente‖.

Essa é uma temática bastante discutida pelos autores influenciados pelas teorias

linguísticas mais recentes. Nessa direção, por exemplo, vai a seguinte fala de Antunes

(2007, p.22):

A língua não pode ser vista, tão simplesmente, como uma questão, apenas, de

certo e errado, ou como um conjunto de palavras que pertencem a

determinada classe e que se juntam para formar frases, à volta de um sujeito e

de um predicado.

A língua é muito mais que isso tudo. É parte de nós mesmos, de nossa

identidade cultural, histórica, social.

No entanto, apesar dos avanços de teorias que incorporam os aspectos sociais da

linguagem, será que essa concepção de língua tem sido usada como subsídio ao ensino

por parte dos professores? A língua estudada no dia a dia da sala de aula não estaria

baseada, quase que exclusivamente, na norma padrão, instituída, como já dissemos, pela

classe dominante? A partir de nossas observações, arriscaríamos- nos a responder essas

questões, pois percebemos que ainda persiste uma prática tradicionalista, guiada por

uma permanente caça ao erro.

Por outro lado, sabemos, também, que alterar essa situação é um desafio, pois tal

concepção se encontra arraigada em nossa sociedade, que concebe a obediência

mecânica às regras gramaticais preconizadas pelas gramáticas tradicionais como o único

caminho de se chegar à norma socialmente prestigiada. Em relação a essa prática,

Martins (2011, p.15) afirma:

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[...] a gramática tradicional ainda mostra análises de estruturas sem

referências ao ato de produção, priorizando o entendimento da nomenclatura

gramatical como eixo principal: conceituação, classificação e norma se

confundem na análise da frase, essa deslocada do uso e da função.

Somando-se às vozes que ratificam a dimensão do desafio mencionado, Mattos e

Silva (2000, p.22) é enfática:

Esse português-padrão prescritivo-normativo, idealizado pelos gramáticos,

continua, contudo, pairante, pelo menos no ideário e em expectativas de

segmentos da sociedade brasileira que numa atitude anacrônica, mesmo

reacionária e preconceituosa, ainda labuta contra a maré da História.

Essa postura resulta em enorme prejuízo para a aprendizagem do aluno,

especialmente, se considerarmos que, no momento atual, o acesso às novas tecnologias

está cada vez mais democratizado, e com ele a demanda de conhecimentos linguísticos

variados, de acordo com o suporte e o ambiente interacional. Dessa falta de habilidade

ou competência para encarar o desafio acima assinalado resulta o desperdício da riqueza

de possibilidades expressivas que fazem parte do repertório linguístico do aluno,

presentes em sua variedade e que, se acionadas adequadamente, podem auxiliá-lo a

adquirir o dialeto considerado padrão, sabendo em quais circunstâncias deverá utilizá-

lo.

Na proposta pedagógica institucional em voga, observamos uma nova postura

política: todas as formas de manifestações linguísticas no Brasil são legítimas; o que

não implica, evidentemente, desconsiderarmos, no processo de ensino-aprendizagem a

variante padrão, principalmente, na modalidade escrita, que favorece o aprimoramento

da competência comunicativa verbal.

Porém, são muitos os que discordam dessa abordagem e criticam esse novo

quadro, muitas vezes de forma equivocada, especialmente, porque contestam a partir de

uma perspectiva que não leva em consideração o contexto da educação linguística atual

e o conhecimento acumulado pela pesquisa acadêmico-científica nos últimos anos.

Reportemo-nos, a título de exemplo, ao fato ocorrido em 2011, quando uma

frase presente em uma página do livro ―Por uma vida melhor‖ foi retirada do contexto

explorado na lição e, transformada em alvo de disputa político-ideológica, passou a ser

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manipulada pelos meios de comunicação, alegando-se que o governo federal estava

patrocinando a disseminação de livros didáticos que ensinavam os alunos a ―falar

errado‖.

Para ilustrar essa discussão, trazemos a passagem do livro alvo da polêmica para

tentar situar mais claramente o ponto de vista por nós defendido:

FIGURA 1: Capa e página do livro ‗Por uma vida melhor‘, que criou polêmica em 2011 ao ser acusado de ensinar regras de

português erradas. O debate mostrou que a língua é um fenômeno mais complexo do que parece. (imagens: reprodução)

A polêmica gerada por essa acusação mereceu diversas manifestações de

especialistas na área da linguística, que tentaram mostrar que uma língua é um

fenômeno mais complexo do que parece ser quando apresentada apenas em termos

prescritivos. Em resposta às críticas, os especialistas elaboraram um dossiê no qual se

posicionam na defesa da proposta desenvolvida no livro didático em questão.

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Podemos ler nas páginas do referido Dossiê3 (2011, p.4) que

Os autores não se furtam a ensinar a norma culta. Pelo contrário, a linguagem

formal é ensinada em todo o livro, inclusive no trecho em questão. No

capítulo mencionado, os autores apresentam trechos inadequados à norma

culta para que o estudante os reescreva e os adeque ao padrão formal, de

posse das regras aprendidas. Por isso, é leviana a afirmação de que o livro

―despreza‖ a norma culta. Ainda mais incorreta é a afirmação de que o livro

―contém erros gramaticais‖, ou ainda que ―ensina a falar e escrever errado‖.

Também vale a pena destacarmos as falas de alguns autores e estudiosos que

defendem o livro, assinalando, de antemão, a convergência de perspectivas em relação

ao ponto de vista ocupado neste trabalho. Eis algumas:

Posicionamento da Associação de Linguística Aplicada do Brasil

Ao contrário de contribuir para uma agenda partidária de manutenção da

ignorância, acusação levianamente imputada ao livro e ao PNLD, os ―erros‖

em questão, se interpretados contextualizadamente e explorados de forma

interessante em sala de aula, contribuem para o desenvolvimento da

consciência linguística, mostrando que apesar de todas as variedades serem

aceitáveis, o domínio da norma culta é fundamental para efetiva participação

nas diversas atividades sociais de mais prestígio (idem, p.5).

Polêmica vazia - Carlos Alberto Faraco

O tom geral é de escândalo. A polêmica, no entanto, não tem qualquer

fundamento. Quem a iniciou e quem a está sustentando pelo lado do

escândalo, leu o que não está escrito, está atirando a esmo, atingindo alvos

errados e revelando sua espantosa ignorância sobre a história e a realidade

social e linguística do Brasil (idem, p.20).

Uma nação com variadas línguas - Miriam Lemle

Na sua parte de língua portuguesa, o livro didático 'Por uma vida melhor' tem

sido lido com descuido e criticado injustificadamente, pois a autora explicita

que os exemplos discutidos de frases de uma língua que difere da nossa

norma culta são provenientes do uso oral, a fala, e não da norma

convencionada para língua escrita (idem, p.23).

3 O dossiê da polêmica do livro em questão, elaborado pela editora Ação Educativa (2011), contou com o

apoio de associações e de linguistas, entre eles: Associação Brasileira de Linguística (Abralin), Marcos

Bagno (em O Globo), Sírio Possenti (em O Estado de S. Paulo), Carlos Alberto Faraco (na Gazeta do

Povo - PR), Miriam Lemle (UFRJ), Janice Ascari (Procuradora Regional da República em São Paulo),

Darcilia Marindir Pinto Simões (UERJ), Dante Lucchesi (UFBA), Stella Bortoni (UNB) e Formandos em

Letras (PUC-SP).

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Ambientando-nos nessa discussão, podemos ressaltar a necessidade de

entendimento por parte da sociedade no que diz respeito à realidade social e linguística

do nosso país, a qual passa por mudanças significativas, como passam por mudanças a

geografia, a medicina e tantas outras ciências. Porém, no campo da linguística,

percebemos mais nitidamente os olhares preconceituosos em relação às diferenças.

Assim, torna-se necessário o enfrentamento ao preconceito linguístico, tal como

orientam os PCN (1997, p.26):

O problema do preconceito disseminado na sociedade em relação às falas

dialetais deve ser enfrentado, na escola, como parte do objetivo educacional

mais amplo de educação para o respeito à diferença. Para isso, e também para

poder ensinar Língua Portuguesa, a escola precisa livrar-se de alguns mitos: o

de que existe uma única forma ―certa‖ de falar — a que se parece com a

escrita — e o de que a escrita é o espelho da fala — e, sendo assim, seria

preciso ―consertar‖ a fala do aluno para evitar que ele escreva errado. Essas

duas crenças produziram uma prática de mutilação cultural que, além de

desvalorizar a forma de falar do aluno, tratando sua comunidade como se

fosse formada por incapazes, denota desconhecimento de que a escrita de

uma língua não corresponde inteiramente a nenhum de seus dialetos, por

mais prestígio que um deles tenha em um dado momento histórico.

Toda essa discussão é bastante esclarecedora acerca de como a sociedade em

geral concebe a língua e de como o seu ponto de vista sobre o ensino se distancia do dos

especialistas e pesquisadores.

Com esta visão, dentro deste novo paradigma, passemos a analisar a questão do

ensino da gramática normativa na sala de aula.

2.2 O lugar da gramática no ensino de língua

Muitos autores chamam a atenção para os avanços que têm ocorrido no campo

da linguística; muitos, também, são os professores da educação básica que tentam, mas

ainda não sabem como trabalhar de acordo com essa nova perspectiva. A esse respeito,

comenta Bagno (2002, p.11),

O ensino de língua no Brasil, neste início de século XXI, se encontra numa

nítida fase de transição. A maioria dos professores que estão se formando

agora já têm consciência de que não é mais possível simplesmente dar as

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costas a todas as contribuições da ciência linguística moderna e continuar a

ensinar de acordo com os preceitos e preconceitos da Gramática Tradicional.

Por outro lado [...], ainda não sabem de que modo concretizar essa

consciência em prática de sala de aula.

É importante deixar claro que não advogamos, neste trabalho, que o ensino da

gramática seja abolido do espaço escolar, ―mesmo porque é impossível usar a língua ou

refletir sobre ela sem gramática‖ (MENDONÇA, 2006, p.206). Como também

lembram Possenti (1996) e Antunes (2003), não há língua sem gramática. Mas, é

preciso estudá-la em outro paradigma – perspectiva que abordaremos mais adiante.

Autores como Antunes (2003) e Travaglia (2006), refletindo sobre o ensino de

gramática, apontam que este se encontra baseado, principalmente, em um ensino

descritivo e prescritivo, no qual se privilegia a norma culta – estabelecendo conceitos de

―certo‖ e ―errado‖ na língua, como já mencionado por nós neste trabalho. Também

ainda persiste a ideia de primazia absoluta da língua escrita em detrimento da língua

oral.

É sabido que as escolhas ideológicas que estabelecem comportamentos sociais,

neles incluído o ensino de língua, tem objetivos políticos explícitos ou velados. Ao

desconsiderar a existência ou o valor de variedades linguísticas concorrentes ao padrão,

a escola está assumindo uma concepção de língua que a dissocia do meio social em que

é usada. Vejamos a visão de Rodrigues-Leite (2011, p.13-4) a esse respeito:

[...] a escola legitima o poder das classes dominantes sobre as classes

populares, uma vez que a linguagem padrão geralmente não é utilizada pelos

alunos de classes trabalhadoras como uma ferramenta de apoio para a

obtenção de bons resultados escolares, ou de sucesso. Pelo contrário, a escola

induz esses alunos a acreditarem que a variedade de língua que eles utilizam

é incorreta e que, sem o domínio do padrão das classes dominantes estão

mais propensos a fracassar no mundo acadêmico e profissional.

Esse padrão dominante em referência é o ensino da gramática normativa calcada

no modelo autônomo considerado padrão. Esse tipo de ensino tem gerado muitas

críticas, sendo comum encontrarmos textos que refletem sobre o método tradicional de

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ensinar, dois dos quais destaco aqui: Senhora Dona Norma Culta4, de Edna Lopes e A

revolta dos pronomes, de André Pellicione5.

No primeiro texto, a autora critica quem desconsidera as demais variantes e

―exalta‖ a ―norma culta‖; ela defende que ―a sala de aula é o espaço da pluralidade e do

conhecimento, é o lugar do acolhimento de TODAS as variantes da língua que ali

devem ser expostas, ressignificadas, avaliadas, compreendidas, aprendidas‖. Mais

adiante, reitera seu posicionamento e afirma:

quem lhe defende (norma culta) como única só precisa ter ouvidos de ouvir e

olhos de ver, não é? Que pena que não aprenderam, pra valer mesmo,

aprender de apreender, de assimilar que a língua é de quem a usa e não de

bolorentas gramáticas, não de arrogantes portadores de diplomas, ou de

imortalidade duvidosa (grifo nosso).

O segundo texto, A revolta dos pronomes, apresenta uma sátira, ao abordar uma

verdadeira ‗reviravolta‘ que está ocorrendo na gramática e no universo da

morfossintaxe: a rebelião das preposições e substantivos, a recusa do ‗que‘ em exercer

os diversos papeis para ele definidos na gramática normativa, o ultimato do ‗se‘ para

que os linguistas o esqueçam – pois não suporta mais as discussões sobre a tentativa de

descobrir se, em determinada frase, ele é partícula apassivadora, pronome

indeterminador do sujeito, pronome reflexivo etc. Muitos outros revoltados juntam-se a

esses: objetos diretos e indiretos, artigos, numerais, orações, verbos, entre outros. O

texto também satiriza algumas instituições que defendem essa forma de organização

prescritiva do ensino, que estabelecem regras e disseminam a discriminação linguística,

uma vez que enaltecem a variedade padrão em detrimento das variedades populares; o

autor as intitula Academia Brasileira de Letras Mortas e Palácio da Gramática

Decadente. De forma criativa, ele aborda a importância da fala popular: ―artigos,

numerais e orações adjetivas restritivas afirmaram, do alto de um carro de som, o desejo

de não mais serem parte da análise sintática e da morfologia, admitindo conversar

apenas sobre as variações semânticas que surgem da fala do povo‖ (grifo nosso).

4 Crônica – FONTE: http://www.reporteralagoas.com.br/noticia_cidades.php?cd_secao=25 – Acessado

em: 07/07/2013. 5 Crônica publicada originalmente como um comentário de André Pelliccione ao artigo 'Os Xerifes da

Língua', do professor José Ribamar Bessa Freire – Fonte:

http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=918 – Acessado em: 07/07/2013.

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À luz do quadro teórico esboçado ao longo deste trabalho, observamos que a

língua não se limita à compreensão de sua estrutura, mas vai além desse aspecto – a

língua remete à sua exterioridade. Isso nos leva a crer que o ensino de língua portuguesa

não deve reduzir-se apenas à imposição ditada pela gramática normativa.

Segundo Neves (2003), a criança já tem uma consciência muito forte da sua

língua e reflete sobre ela, porém no modo tradicional em que se efetiva, o ensino torna-

se mecânico e desarticulado do funcionamento da língua; consequentemente, a

gramática passa a ser vista como um corpo estranho, separado do uso da linguagem. A

autora destaca que, por ser um ensino reducionista,

[...] é com razão que muitos estudiosos defendem que se exclua a gramática

do tratamento escolar da língua, já que o que se tem visto é que ele se vem

reduzindo à taxonomia e à nomenclatura em si por si, e é bem sabido que

nenhuma ―competência‖ e nenhuma ―ciência‖ advirão da atividade de reter

termos, e, mesmo, de decorar definições. (NEVES, 2003, p. 18).

Então, o que fazer? O que ensinar? Como ensinar? Quais os métodos que

podemos utilizar para que se estabeleça um ensino produtivo – que represente um

estímulo e não um obstáculo – para o estudante? Como promover um ensino que

desenvolva a competência comunicativa do aluno? Como vemos, são inúmeros os

questionamentos... Diante deles, destacamos as palavras de Bagno (2007) sobre o

estudo da gramática, em resposta às pessoas que lhe perguntam frequentemente: ―É ou

não é para ensinar gramática?‖ Referindo-se ao ensino tradicional, normativo e

prescritivo, o autor responde:

Se for para ensinar gramática como mera repetição da doutrina tradicional,

anacrônica e encharcada de preconceitos sociais, definitivamente não é para

ensinar gramática. Se ―ensinar gramática‖ for entendido como decoreba de

nomenclatura sem nenhum objetivo claro e relevante, análise sintática de

frases descontextualizadas e às vezes até ridículas, definitivamente não é

para ensinar gramática (BAGNO, 2007, p.69-70, grifo do autor).

No entanto, considerando uma perspectiva de gramática que contemple a relação

entre língua e contextos de uso, vejamos os pontos de vista defendidos pelo referido

autor:

[...] se por gramática entendermos o estudo sem preconceitos do

funcionamento da língua, do modo como todo ser humano é capaz de

produzir linguagem e interagir socialmente através dela, por meio de textos

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falados e escritos, portadores de um discurso, então, definitivamente é para

ensinar gramática, sim. Na verdade, mais do que ensinar, é nossa tarefa

construir o conhecimento gramatical dos nossos alunos, fazer com que eles

descubram o quanto já sabem da gramática da língua e como é importante se

conscientizar desse saber para a produção de textos falados e escritos coesos,

coerentes, criativos, relevantes etc. (idem, p.70, grifo do autor).

Como podemos ver, as posições são enfáticas no ataque a uma prática de ensino

de português baseada num tradicionalismo arcaico, com repetições de conceitos e

definições formuladas há séculos, nas quais o foco de interesse é extremamente restrito

– a frase; onde o que se opõe ao modelo idealizado de língua é visto como erro e,

consequentemente, estigmatizado, gerando preconceito, como vimos no capítulo

anterior.

No entanto, não queremos, aqui, apontar o ensino tradicional como culpado pelo

desinteresse dos alunos em relação às aulas de língua portuguesa. Concordamos com

Franchi (2006), quando discorre sobre o ensino da gramática a partir de um sentido

quase mecânico de tradição. Para ele, a questão não está no interesse teórico de tradição

e sim, ―na repetição inconsciente de fórmulas com que suas intuições se escolarizam (no

pior sentido de ―escolarização‖). Está na falta de reflexão sobre o que realmente se está

fazendo, quando fazemos gramática do modo que fazemos‖ (FRANCHI, 2006, p.52).

Ainda na mesma área dessa reflexão, no tocante à pluralidade linguística e à

dinâmica social, Bagno (2002, p.32) faz a seguinte explanação:

Me parece muito mais interessante (por ser mais democrático) estimular, nas

aulas de língua, um conhecimento cada vez maior e melhor de todas as

variedades linguísticas, para que o espaço da sala de aula deixe de ser o local

para o estudo exclusivo das variedades de maior prestígio social e se

transforme num laboratório vivo de pesquisa do idioma em sua

multiplicidade de formas e usos.

Em grande parte das discussões sobre a temática, fica clara a responsabilidade da

escola em oferecer possibilidades para um trabalho de legitimidade das variações, sem

que os alunos sejam colocados em posição de inferioridade por conta da variedade

linguística que utilizam; também, em possibilitar o uso eficiente das diferenças

apresentadas pelos alunos, como usuários competentes de sua língua materna. Nesse

sentido, aproveitar o conhecimento internalizado da língua materna que cada indivíduo

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carrega pode se constituir em um aliado para o desenvolvimento das aulas de Língua

Portuguesa.

No entanto, é necessário um olhar atento quanto ao estudo das diferenças

linguísticas, analisando-as adequadamente, como defende a Sociolinguística, e não

incorrendo na irresponsabilidade didática de permitir uma ―libertinagem‖ linguística em

que tudo é aceito, desde que haja comunicação. Nas palavras de Cagliari (1990, p.48):

A escola não pode tomar a atitude linguística de que vale tudo, de que não

existe o certo e o errado, porque tudo comunica [...]. A língua é falada por

pessoas e as pessoas usam e abusam da língua, inclusive para justificar seus

preconceitos. Portanto, a escola tem que fazer do ensino de português uma

forma de o aluno compreender melhor a sociedade em que vivemos, o que ela

espera de cada um linguisticamente e o que podemos fazer usando essa ou

aquela variedade do português.

Grande é a responsabilidade da escola na tarefa de enfrentamento dos

paradigmas didático-metodológicos já estabelecidos, os quais não mais respondem

satisfatoriamente às necessidades de aquisição e desenvolvimento do conhecimento

linguístico socialmente valorizado. Os PCN assinalam essa realidade e dessa concepção

compartilham diversos autores já mencionados nesta pesquisa. Para Bortoni-Ricardo

(2004), por exemplo, é tarefa educativa da escola criar condições para que o educando

desenvolva sua competência comunicativa e possa usar, com segurança, os recursos

comunicativos necessários para desempenhar-se bem nos contextos sociais em que

interage. Segundo ela, quando chegam à escola, as crianças já sabem falar bem a sua

língua materna, dando conta de sentenças bem formadas e sabendo comunicar-se em

diversas situações. O que falta nas crianças é a ampliação da gama de seus

conhecimentos linguísticos para poder atender às convenções sociais. Sendo assim, a

autora afirma:

É papel da escola, portanto, facilitar a ampliação da competência

comunicativa dos alunos, permitindo-lhes apropriarem-se dos recursos

comunicativos necessários para se desempenharem bem, e com segurança,

nas mais distintas tarefas linguísticas. Eles vão precisar especialmente de

recursos comunicativos bem específicos para fazer uso da escrita, em gêneros

textuais mais complexos e para fazer uso da língua oral em estilos

monitorados. (BORTONI-RICARDO, 2004, p. 74-5)

Ainda segundo a referida autora, ―a escola é, por excelência, o locus – ou espaço

– em que os educandos vão adquirir, de forma sistemática, recursos comunicativos que

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lhes permitam desempenhar-se competentemente em práticas sociais especializadas‖

(idem, p. 75).

É na escola que os alunos irão adquirir conhecimentos que lhes auxiliarão a

serem bem-sucedidos nas suas intervenções interacionais. Isso significa que,

dependendo do contexto comunicativo, os usuários da língua serão capazes de utilizá-la

de maneira mais ou menos monitorada, entendendo o que é adequado ou inadequado ao

contexto em que está inserido. A esse respeito, Neves (2000 apud Gomes, 2009, p.83)

destaca:

A escola tem a obrigação, sim, de manter o cuidado com a adequação social

do produto linguístico de seus alunos, isto é, tem de garantir que seus alunos

entendam que têm de adequar registros, e ela tem de garantir que eles tenham

condições de mover-se nos diferentes padrões de tensão e de frouxidão, em

conformidade com as situações de produção.

Para que isso ocorra, o ensino não deve ser, prioritariamente, de cunho

prescritivo, o que favorece a crença de que estudantes não sabem falar nem escrever a

própria língua. Faz-se necessário despertar o interesse e a reflexão sobre o estudo da

linguagem; não torná-la objeto de uma atividade sistematicamente enfadonha,

descontextualizada, compartimentada. Para que os educandos alcancem as condições de

falantes competentes em sua língua, o ensino deve ser reconhecedor de sua competência

de falante nativo, capaz de desenvolver suas habilidades linguísticas e estendê-las a

contextos sociais os mais diversos.

O professor é o mediador no processo de ensino e aprendizagem. É ele que tem

em suas mãos a tarefa de conduzir os educandos a alcançarem certos parâmetros que

lhes permitam ampliar a gama de recursos comunicativos que já possuem para poder

atender as convenções sociais. Torna-se imprescindível, então, que os docentes de

Língua Portuguesa tenham acesso permanente aos conhecimentos linguísticos e,

especialmente, aos conhecimentos sociolinguísticos, que lhes possibilitariam

fundamentar criticamente sua prática pedagógica.

Sobre a função do professor, Pereira (2000, p.246) defende a necessidade de

uma postura crítica, capaz de fazer com que, considerando os diversos níveis de

maturidade, os alunos

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[...] exerçam o sentido da crítica, conhecendo teorias diversas, sem medo de

ser avançado (ousado) demais ou tradicional (antigo, ultrapassado),

lembrando-se de que como usuário da língua (para comunicar-se

simplesmente ou fazer uso de sua função expressiva, estética), ele tem

direitos e deveres, não sendo indiferente, alheio, neutro. Muito menos temer

alguma pergunta embaraçosa que não possa responder correta e

imediatamente.

Talvez, um dos maiores obstáculos para um ensino eficiente no cotidiano das

salas de aula da educação básica esteja no comportamento repressor dos professores em

relação à participação dos alunos em contextos de oralidade; também, vale registrar a

recorrência de intervenções ríspidas e intolerantes, muitas vezes, sem nenhuma polidez,

que fazem da prática docente uma espécie de polícia defensora dos bons costumes

linguísticos, seja em relação à oralidade, seja em relação à escrita. Muitas vezes, a

forma como os professores intervêm traumatiza os alunos, desestimulando sua

participação nas aulas e minando o gosto espontâneo pelo estudo da língua.

Essa relação de repressão dentro do espaço escolar, talvez seja absorvida pelo

aluno e transformada em rejeição contra a disciplina. É sabido que um bom

relacionamento entre professor e aluno é um fator que favorece o aprendizado. Sem

sentir interesse dentro da sala de aula, sem que essas práticas sejam significativas, nas

quais os alunos recebem os assuntos como sujeitos pacientes, sem relação alguma com a

própria vida, vão surgindo várias interrogações: Por que de estudar esta ou aquela

classificação? Para que serve distinguir esta ou aquela definição? Em que aprender

sobre esta nomenclatura me será útil?

No entanto, vale salientar que tais questionamentos não são exclusivos dos

alunos; os pontos de vista sobre a língua materna são divergentes entre os próprios

professores. De acordo com Antunes (2007, p.21),

Surpreende reconhecer quanto diferem os olhares observadores dos que

fazem da língua um objeto de ciência, e os olhares míticos dos que

cristalizam verdades irrefutáveis, entre os quais, por vezes, se incluem até

mesmo os olhares daqueles que assumem a tarefa pedagógica de orientar o

ensino. Essa diferença de olhares se percebe, sobretudo, pelo ângulo da

redução, da simplificação que os fatos linguísticos sofrem na escola quando

são submetidos às atividades de um suposto ensino.

Para a autora mencionada, ―se são tortos os olhos com que se vê a língua, em

geral, muito mais tortos são eles quando se vê a gramática, em particular‖ (idem, p. 21).

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No seio dessa reflexão, cabe-nos apontar a necessidade de que o professor de

língua portuguesa se perceba não como um mero transmissor dos conteúdos normativos

– essa perspectiva deve ser abolida do dia-a-dia de sala de aula. Torna-se fundamental

que o professor reinvente sua prática. Chegamos, talvez, a um ponto crucial para o

professor – como agir? Ousar, inovando, ou continuar tradicionalista (ultrapassado)?

Muitas vezes, como já dissemos, sem saber como promover a mudança tão mencionada

atualmente, o professor se depara com conflitos, dificuldades.

Felizmente, muitas são as contribuições de estudiosos que apresentam respostas,

as quais podem servir de auxílio ao professor que se predispõe à mudança. Respostas

estas que não podem ser confundidas com fórmulas prontas, infalíveis, fixas.

Voltando a focar o ensino de gramática, de modo especial, ressaltamos, aqui, as

contribuições de Travaglia (2009); nelas, o autor destaca que é preciso elaborar uma

proposta de ensino de gramática que possa resultar em um trabalho pertinente para a

vida dos alunos e que faça uma real integração das áreas básicas em que está estruturado

o ensino de língua materna: ensino de gramática, ensino de leitura (compreensão de

textos), ensino de redação (produção de textos) e ensino de vocabulário.

Articulando os principais eixos e contextualizando o ensino à realidade dos

educandos, o estudo sobre a língua materna, provavelmente, passaria a ser mais

proveitoso. A intenção é que esse estudo passe a ser visto e sentido, pelos alunos, de

maneira agradável, como um processo fundamental em sua formação cidadã.

Para refletir sobre esse aspecto, Travaglia (2009) vai buscar em Halliday,

McIntosh e Strevens (1974) a seguinte contribuição: ―Ao ensinar uma língua, podemos,

realizar três tipos de ensino: o prescritivo, o descritivo e o produtivo‖. Observemos cada

um deles, segundo a definição do próprio autor:

O ensino prescritivo objetiva levar o aluno a substituir seus próprios padrões

de atividade linguística considerados errados/inaceitáveis por outros

considerados corretos/aceitáveis. É, portanto, um ensino que interfere com as

habilidades linguísticas existentes. É ao mesmo tempo prescritivo, pois a

cada ―faça isto‖ corresponde um ―não faça aquilo‖. Esse tipo de ensino está

diretamente ligado [...] à gramática normativa e só privilegia, em sala de aula,

o trabalho com a variedade escrita culta, tendo como um de seus objetivos

básicos a correção formal da linguagem (TRAVAGLIA, 2009, p.38).

O ensino descritivo objetiva mostrar como a linguagem funciona e como

determinada língua em particular funciona. Fala de habilidades já adquiridas

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sem procurar alterá-las, porém mostrando como podem ser utilizadas. Nesse

tipo de ensino, a língua materna tem papel relevante por ser a que o aluno

mais conhece. Trata de todas as variedades linguísticas. Sua validade tem

sido justificada afirmando-se que o falante precisa saber algo da instituição

linguística de que se utiliza, do mesmo modo que precisa saber de outras

instituições sociais, para melhor atuar em sociedade (TRAVAGLIA, 2009,

p.39).

O ensino produtivo objetiva ensinar novas habilidades linguísticas. Quer

ajudar o aluno a estender o uso de sua língua materna de maneira mais

eficiente; dessa forma, não quer ―alterar padrões que o aluno já adquiriu, mas

aumentar os recursos que possui e fazer isso de modo tal que tenha a seu

dispor, para uso adequado, a maior escala possível de potencialidades de sua

língua, em todas as diversas situações em que tem necessidade delas‖

(TRAVAGLIA, 2009, p.39-40).

O autor (idem, p. 39-40) destaca que os objetivos perseguidos pelo ensino

prescritivo são: a) levar o aluno a dominar a norma culta ou língua padrão e; b) ensinar

a variedade escrita da língua. Já os objetivos vislumbrados pelo ensino descritivo

seriam: a) levar ao conhecimento da instituição social que a língua representa: sua

estrutura e funcionamento, sua forma e função e; b) ensinar o aluno a pensar, a

raciocinar, a desenvolver o raciocínio científico, a capacidade de análise sistemática dos

fatos e fenômenos que encontra na natureza e na sociedade. Quanto ao objetivo do

ensino produtivo, ele consiste em desenvolver a competência comunicativa, já que tal

desenvolvimento implica a aquisição de novas habilidades de uso da língua; assim, o

ensino produtivo visa, especificamente, ao desenvolvimento de novas habilidades.

Refletindo sobre as palavras do autor, surge-nos o seguinte questionamento: qual

caminho escolher: o ensino prescritivo, o ensino descritivo ou o ensino produtivo?

Existirá uma relação entre eles? É o próprio autor quem explica que os três tipos de

abordagem do ensino da língua não são mutuamente excludentes e que o professor

pode, em seu trabalho, lançar mão de todos eles de acordo com os seus objetivos

(TRAVAGLIA, 2009).

Dessa forma, corrobora-se a ideia de que o ensino da gramática não deve ser

visto como um objetivo em si mesmo; a esse respeito, Bagno (2007, p. 64) afirma: ―a

Gramática Tradicional merece ser estudada [...] mas não para ser aplicada cegamente

como única teoria linguística válida nem, muito menos, como instrumental adequado

para o ensino‖.

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Sendo assim, é evidente a necessidade de mudança no ensino de gramática –

termo que nos últimos anos vem sendo substituído por prática de análise linguística –

designação que constitui uma tentativa de inovação. No interior desse novo conceito

repousa a noção de língua e de linguagem como práticas sociais. Nessa perspectiva, a

língua é concebida como ação de interlocutores e está sujeita às mais variadas

interferências dos falantes. Daí, a necessidade de se enfatizarem os usos como objetos

de ensino, favorecendo, dessa maneira, as habilidades de leitura e escrita.

Cabe-nos destacar que a análise linguística não substitui simplesmente - uma

pela outra - a gramática em sala de aula. A esse respeito, Mendonça (2006, p. 206) deixa

claro que ―análise linguística engloba, entre outros aspectos, os estudos gramaticais,

mas num paradigma diferente, na medida em que os objetivos a serem alcançados são

outros‖. A atenção aqui não está na memorização, na repetição e sim no entendimento

de como a língua está estruturada e de como funciona. A autora (idem, p. 206), ainda,

afirma que ―a proposta da análise linguística teria como objetivo central refletir sobre

elementos e fenômenos linguísticos e sobre estratégias discursivas, com o foco nos usos

da linguagem‖.

Assim, a análise linguística compreende as atividades epilinguísticas que

refletem sobre a linguagem, orientadas para o uso de recursos expressivos em função de

uma dada situação de comunicação; e as metalinguísticas que refletem sobre os recursos

expressivos, tendo em vista a construção de noções e/ou conceitos, com os quais se

torna possível classificar esses recursos (GERALDI, 1991, apud BARBOSA, 2010).

Segundo Barbosa (2010, p.158), ―as atividades linguísticas (ou de uso) devem preceder

as atividades de análise linguística e, dentro dessas, as atividades epilinguísticas devem

anteceder as atividades metalinguísticas e ambas devem também ser orientadas para o

uso‖.

Com base nesse novo modelo, o trabalho com a gramática, necessário dentro da

sala de aula, deixa de ser descontextualizado e passa a ser relacionado às práticas de uso

da linguagem pelos sujeitos, colaborando para a construção de sentidos. Praticado

nesses moldes, o estudo sobre a linguagem ganha um novo sentido.

No interior dessa discussão, observamos que novos termos, novos conceitos e

novas concepções vão ganhando espaço no contexto do ensino de língua portuguesa,

dando pistas de um novo cenário. E se é um novo cenário que se estabelece, novas

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práticas e novas metodologias são demandadas. Ao analisar e propor modificações no

ensino prescritivo de gramática, Bagno (2002, p.17) formula uma pergunta instigadora:

quais os verdadeiros objetivos do ensino de português na escola? Eis a resposta do

próprio autor: ―o ensino de língua na escola deveria propiciar condições para o

desenvolvimento pleno de uma educação linguística – conceito que difere em muito da

prática tradicional de inculcação de uma suposta ‗norma culta‘ e de uma metalinguagem

tradicional de análise da gramática‖.

A educação linguística de que trata o autor é, segundo ele, aquela de conceito

mais restrito, ―uma educação linguística escolar, sistemática, formalizada em práticas

pedagógicas bem descritas, apoiada em instrumentais metodológicos e arcabouços

teóricos bem definidos‖ (idem, p. 18) e não aquela mais ampla, que o indivíduo vai

adquirindo ao longo da vida, em suas diversas interações sociais.

É importante chamarmos a atenção, ainda, para os principais elementos

constitutivos dessa educação linguística que, segundo Bagno (2002, p. 18), são: i) o

desenvolvimento ininterrupto das habilidades de ler, escrever, falar e escutar; ii) o

conhecimento e reconhecimento da realidade intrinsecamente múltipla, variável e

heterogênea da língua, realidade sujeita aos influxos das ideologias e dos juízos de

valor; e iii) a constituição de um conhecimento sistemático sobre a língua, tomada como

objeto de análise, reflexão e investigação.

Esses elementos se encontram em consonância com os PCN de Língua

Portuguesa para o Ensino Fundamental (1998, p. 31), os quais apresentam subsídios

para as práticas pedagógicas linguísticas:

No ensino-aprendizagem de diferentes padrões de fala e escrita, o que se

almeja não é levar os alunos a falar certo, mas permitir-lhes a escolha da

forma de fala a utilizar, considerando as características e condições do

contexto de produção, ou seja, é saber adequar os recursos expressivos, a

variedade de língua e o estilo às diferentes situações comunicativas: saber

coordenar satisfatoriamente o que fala ou escreve e como fazê-lo; saber que

modo de expressão é pertinente em função de sua intenção enunciativa –

dado o contexto e os interlocutores a quem o texto se dirige.

Essa perspectiva de encarar o ensino de língua exige que se substitua a caça ao

―erro‖ por uma reflexão que aponte saídas para levar o aluno a perceber a necessidade

de adequação de sua linguagem às circunstâncias de uso, tratando-se, portanto, de uma

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preocupação com a utilização adequada da língua, que subdimensiona a relação entre

certo e errado. E isso está diretamente relacionado ao ensino de gramática.

2.3 O lugar da oralidade no ensino de língua

Chamamos a atenção para o primeiro ponto destacado por Bagno (2002) quando

se refere aos principais elementos que constituem a educação linguística: o

desenvolvimento ininterrupto das habilidades de ler, escrever, falar e escutar. Esses

quatro elementos ganham destaque também nos PCN de Língua Portuguesa, referentes

às quatro primeiras séries da Educação Fundamental (1997, p.35), especialmente, na

passagem em que os documentos alertam:

A linguagem verbal, atividade discursiva que é, tem como resultado textos

orais ou escritos. Textos que são produzidos para serem compreendidos. Os

processos de produção e compreensão, por sua vez, se desdobram

respectivamente em atividades de fala e escrita, leitura e escuta. Quando se

afirma, portanto, que a finalidade do ensino de Língua Portuguesa é a

expansão das possibilidades do uso da linguagem, assume-se que as

capacidades a serem desenvolvidas estão relacionadas às quatro habilidades

linguísticas básicas: falar, escutar, ler e escrever.

Ainda segundo os PCN (1997), os conteúdos de Língua Portuguesa no ensino

fundamental devem ser selecionados em função do desenvolvimento dessas habilidades

e organizados em torno de dois eixos básicos: o uso da língua oral e escrita e a análise e

reflexão sobre a língua. Essa distribuição está ilustrada no quadro dos blocos de

conteúdo:

Língua oral:

usos e formas

Língua escrita:

usos e formas

Análise e reflexão sobre a língua

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Os PCN (1997, p.35) explicam que ―o estabelecimento de eixos organizadores

dos conteúdos de Língua Portuguesa no ensino fundamental parte do pressuposto de que

a língua se realiza no uso, nas práticas sociais‖. Nessas práticas sociais, a fala e a escrita

são chamadas de oralidade e letramento (MARCUSCHI, 2000). Os objetivos, tanto em

relação ao uso da escrita quanto da oralidade, são diversos e dependerão de cada

situação comunicativa. Para esse autor, os usos têm uma missão fundante em relação à

constituição das línguas: ―defende-se a tese de que falar ou escrever bem não é ser

capaz de adequar-se às regras da língua, mas é usar adequadamente a língua para

produzir um efeito de sentido pretendido numa dada situação (MARCUSCHI, 2001,

p.9).

Parece-nos que a escola atual tem levado em consideração as atividades de

leitura e de escrita (mesmo, às vezes, em condições metodológicas que não

desenvolvam tais habilidades), mas as atividades que consideram o falar e o escutar têm

deixado a desejar. Claramente, já percebemos a importância de todo o conjunto – não

menos importante que desenvolver habilidades de leitura e escrita está o

desenvolvimento das habilidades de oralidade.

No contexto do enfoque dado à diversidade linguística, Bortoni-Ricardo (2004,

p.75) atenta para uma importante distinção em relação à oralidade e à escrita:

Há usos especializados da língua que constituem práticas sociais de

letramento, mas há usos especializados que são práticas da cultura de

oralidade. Um exemplo dessas últimas é o de um carpinteiro (não

alfabetizado) explicando a um aprendiz a técnica de construção de uma

cancela de madeira ou de um mata-burro. Um exemplo de uso especializado

da língua que constitui uma prática social de letramento é o de um

comandante de um avião explicando o plano de voo aos passageiros.

Enganam-se os que acreditam que ―a aprendizagem da língua oral, por se dar no

espaço doméstico, não é tarefa da escola‖ (PCN, 1998, p.24). Há diferenças entre a

língua oral utilizada pelo aluno no contexto familiar (informal), e a língua oral utilizada

por ele em um contexto de entrevista de emprego (formal), por exemplo. Cabe à escola

ocupar-se da reflexão sobre essas diferenças. Compete aos professores observar a

linguagem falada numa estreita relação com a linguagem escrita, mostrando aos alunos

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que existem, sim, distinções entre elas, porém não podem ser concebidas divorciadas

uma da outra, pois influenciam-se constantemente.

Ainda sobre o ensino da oralidade, os PCN (1998) apresentam a seguinte

explanação:

Ensinar língua oral deve significar para a escola possibilitar acesso a usos da

linguagem mais formalizados e convencionais, que exijam controle mais

consciente e voluntário da enunciação, tendo em vista a importância que o

domínio da palavra pública tem no exercício da cidadania.

Ensinar língua oral não significa trabalhar a capacidade de falar em geral.

Significa desenvolver o domínio dos gêneros que apoiam a aprendizagem

escolar de Língua Portuguesa e de outras áreas (exposição, relatório de

experiência, entrevista, debate etc.) e, também, os gêneros da vida pública no

sentido mais amplo do termo (debate, teatro, palestra, entrevista etc.). (PCN,

1998, p.67-8).

Trabalhar com a oralidade pode se constituir – quem sabe? – num diferencial em

sala de aula. Se explorada de forma adequada a certos objetivos, a linguagem oral pode

ser um instrumento significativo para as aulas de língua portuguesa. Isso porque alguns

aspectos da língua, como os prosódicos, por exemplo, só são manifestados na fala

espontânea (REIS, 1997). Segundo esse autor, ―os aspectos prosódicos, em especial o

ritmo, a entonação, a velocidade de fala, a duração e diferentes tipos de pausa tem

contribuição importante a dar no estudo da oralidade‖ (REIS, 1997, p.45).

Os exemplos fornecidos pelo autor nos fazem assimilar melhor a importância da

oralidade relacionando-a a uma atividade teatral, por exemplo:

Formas de representação gráfica da

língua falada

Conservação da melodia – através da

última palavra da frase ou acrescentando

uma atitude que determina cada situação de

fala

1 – Ela mora longe.

2 – Ela mora longe ?

3 – Ela mora longe!

4 – Ela mora longe...

5 – Ela mora longe, (e o caminho é deserto.)

6 – Ela mora longe.

7 – Ela mora lon:ge. (focalização)

8 – Ela mora lon::ge. (advertência)

9 – Ela mora lon:::ge. (advertência +

insistência)

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Reis (op. cit.) chama a atenção para o uso dos dois pontos, que indicam uma

maior duração da sílaba; a repetição do sinal serve para registrar os diferentes graus de

alongamento. Imaginemos explorar, em sala de aula, esses recursos... É importante,

nesse sentido, que o professor tenha bem assimilado, como orientam os PCN de Língua

Portuguesa (1997, p.40), que

O trabalho com linguagem oral deve acontecer no interior de atividades

significativas: seminários, dramatização de textos teatrais, simulação de

programas de rádio e televisão, de discursos políticos e de outros usos

públicos da língua oral. Só em atividades desse tipo é possível dar sentido e

função ao trabalho com aspectos como entonação, dicção, gesto e postura

que, no caso da linguagem oral, têm papel complementar para conferir

sentido aos textos (PCN, 1997, p.40).

É preciso que o aluno tenha confiança em si mesmo e, dessa forma, segurança

em expressar-se oralmente. Então, a escola precisa ensinar os usos adequados da língua

em diferentes situações comunicativas, de maneira cada vez mais competente. Sendo

assim, a escola deve constituir-se num ambiente que respeite e acolha a vez e a voz, a

diferença e a diversidade (PCN, 1998). E, como já dissemos, o professor tem função

fundamental nesse processo. Concordamos com Murrie (1998) que, citando Rocco

(1989), diz:

Não se pode mais admitir hoje um trabalho sistemático com o verbal na

escola que não contemple fundamentalmente os dois tipos de realização.

Desse modo, os professores necessitam estudar e conhecer mais e melhor os

seccionamentos e as intersecções existentes entre o oral e escrito, estudar e

conhecer mais e melhor as dissemelhanças que entre eles ocorrem,

considerando continuamente os níveis de inter-relação que presidem a

construção de textos escritos e orais nos mais diversos registros (ROCCO,

1989 apud MURRIE, 1998, p.70).

É relevante o papel que tem o professor inserido nesse processo, uma vez que a

ele cabe, conforme preceituam os PCN (1998, p.22),

planejar, implementar e dirigir as atividades didáticas, com o objetivo de

desencadear, apoiar e orientar o esforço de ação e de reflexão do aluno,

procurando garantir aprendizagem efetiva. Cabe também assumir o papel de

informante e de interlocutor privilegiado, que tematiza aspectos prioritários

em função das necessidades dos alunos e de suas possibilidades de

aprendizagem.

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Nesse contexto de uma reflexão abrangente sobre o trabalho do professor de

língua, e visando contribuir para uma transformação nas aulas de português, Antunes

(2003, p.33) defende que as modificações necessárias no panorama atual requerem

determinação, vontade, empenho de querer mudar. Isso supõe uma ação ampla,

fundamentada, planejada, sistemática e participada (das políticas públicas –

federais, estaduais e municipais – dos professores como classe e de cada

professor em particular), para que se possa chegar a uma escola que cumpra, de

fato, seu papel social de capacitação das pessoas para o exercício cada vez mais

pleno e consciente de sua cidadania.

Leal (2009) destaca que o professor de Português tem a função de criar

condições e situações de ensino-aprendizagem, de forma que venham favorecer a

transformação do conhecimento empírico da língua que o aluno tem, em conhecimento

refletido dos mecanismos de funcionamento do sistema, das regras, convenções e

normas de uso da língua aplicáveis em diferentes contextos comunicativos. Afinal o

aluno precisa saber falar, escutar, ler, e escrever bem, adequando todo esse conjunto ao

contexto vivenciado.

Do exposto neste capítulo, resta-nos defender que cabe ao professor estar em

contínuo processo de formação, atento às inovações didático-metodológicas que

venham dar suporte à aplicação das teorias por ele absorvidas. Assim, talvez possa

desenvolver um trabalho pedagógico que atraia a atenção e desperte no aluno o gosto

pelo estudo de sua língua.

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CAPÍTULO III

3 O PERCURSO METODOLÓGICO

Para uma melhor articulação entre os capítulos, retomamos, sucintamente,

pontos que consideramos essenciais, apresentados nos capítulos anteriores.

No capítulo I, discutimos acerca da variação da língua, sob o viés da

Sociolinguística. Para tanto, refletimos, com base em diversos teóricos, sobre a questão

da variação e de sua relação com o preconceito linguístico. Esses temas nos auxiliaram

na análise dos dados, uma vez que abordamos a importância do estudo da língua

relacionado às suas diversas manifestações.

No capítulo II, refletimos sobre o ensino de língua portuguesa baseado nos

pressupostos dos PCN, dialogando com o estudo de diversos autores os quais advogam

um ensino que considere a língua em seu aspecto funcional, ou seja, em que haja

espaço, além do ensino de gramática voltado para a modalidade escrita e regido pela

norma padrão, para outras variedades linguísticas, contemplando, também, a oralidade.

Neste capítulo, descreveremos a metodologia que utilizamos para a realização da

pesquisa em sua dimensão bibliográfica, como também no que se refere à coleta e à

análise dos dados observados no percurso das observações.

3.1 Sobre o universo da pesquisa

Para investigar se e como a variação linguística tem sido contemplada em sala de

aula, observamos quatro professores de Língua Portuguesa em turmas do Ensino

Fundamental II (séries finais) e do Ensino Médio nas modalidades Normal e Educação

de Jovens e Adultos, na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Durval

Guedes, na cidade de Pitimbu, no litoral sul da Paraíba.

Contamos, num primeiro momento, com a cooperação da gestora da referida

escola, que é uma constante colaboradora nos projetos interdisciplinares promovidos

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pelos professores. Ela concluiu Licenciatura em Geografia e tem especialização na área,

além de participar de várias capacitações ofertadas pela escola e pela Secretaria

Estadual, tanto presencialmente como na modalidade à distância. Incentiva muito os

professores a buscarem formação e estimula o uso dos equipamentos tecnológicos e

materiais didáticos diversificados.

A escola possui laboratório de informática, TVs, DVDs, projetores, aparelho de

som, acervo bibliográfico – paradidáticos, livros científicos de várias áreas – incluindo

alguns da área de linguística, que fazem parte do acervo do Programa Nacional

Biblioteca da Escola – PNBE, servindo de apoio pedagógico com o objetivo de facilitar

a atualização e o desenvolvimento profissional dos professores.

A instituição conta com 536 alunos, dos quais 200 são do ensino fundamental II

(regular6); 173 do ensino médio (regular); 84 do Ensino Fundamental II (modalidade

Educação de Jovens e Adultos) e 79 do ensino médio na modalidade Educação de

Jovens e Adultos.

Para a realização da pesquisa, favoreceu-nos a disponibilidade colaborativa de

quatro professoras do ensino fundamental e médio, com faixa etária entre 25 e 60 anos7.

Elas afirmam que sempre participam de projetos de formação continuada ofertada pela

escola e/ou pela Secretaria Estadual de Educação (SEDUC/PB), pois consideram

necessária a atualização dos conhecimentos nessa área, a qual se encontra em constante

transformação.

3.2 Sobre as escolhas da pesquisa

A definição por essa escola para locus da investigação deve-se ao fato de que

nela trabalho, sentindo-me incomodada com a desmotivação dos alunos nas aulas da

disciplina língua portuguesa – como é possível as pessoas não gostarem de sua língua

materna?8 Esse fato causa estranhamento uma vez que falamos e ouvimos,

6 Estamos usando a terminologia ―regular‖ em oposição à modalidade Ensino de Jovens e Adultos (EJA).

7 Os nomes destas informantes serão resguardados, para preservar sua identidade – para identificá-las em

nossas referências, vamos usar números, por exemplo: P1, para professor 1 e assim por diante. 8 Comentários despretensiosos e rotineiros dos alunos sobre sua percepção acerca da língua ratificam essa

constatação.

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conversamos, interagimos, enfim, vivemos através da língua oficial do nosso País – o

Português, considerando toda a gama de variedades linguísticas nela acomodada.

Essa situação tem uma razão de ser e demanda uma reflexão que elucide o que

alimenta sua origem, explicitando suas causas e aferindo suas consequências. Essa é,

então, a motivação inicial quanto à realização desta pesquisa – coletar dados sobre o

trabalho com a língua, observando o tratamento destinado à variação linguística,

desenvolvido pelos professores de língua portuguesa da referida escola, com vistas à

contribuição para práticas pedagógicas mais produtivas.

3.3 Sobre o perfil das professoras

O grupo observado nesta pesquisa é bastante colaborativo, sendo constituído por

professoras de diferentes idades. Uma delas trabalha em dois turnos (na rede estadual) e

as outras três, em três turnos (na rede estadual e municipal), com diferentes cargas

horárias. Todas participam do planejamento bimestral orientado pela gestora nessa

escola estadual. Elas debatem sobre práticas que possam melhorar a qualidade do ensino

e participam de projetos interdisciplinares, deixando transparecer que são

comprometidas com o que fazem.

Nossa análise sobre como se processa o desenvolvimento do trabalho desse

grupo de professoras e dos aspectos ligados ao ensino das variedades linguísticas são os

elementos delineadores deste trabalho. Por essa razão, precisamos apresentar

informações que auxiliem na descrição do grupo e de cada uma das docentes que o

constituem:

Professora 1 (P1)

– Tem 28 anos de idade.

– Possui Licenciatura em Letras (Português/Inglês).

– Leciona há quatro anos, sendo esta sua única atividade no momento.

– É contratada na rede estadual de ensino, atuando no Ensino Fundamental II

(regular e EJA). Participa de formação continuada, sendo a última, em 2012,

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ofertada pela Secretaria de Educação do Estado da Paraíba em parceria com a

UEPB – Universidade Estadual da Paraíba (em Língua Portuguesa).

Professora 2 (P2)

– Tem 42 anos de idade.

– Possui Licenciatura em Pedagogia e em Letras (Português). Tem Pós-

graduação em Psicopedagogia.

– Leciona há dezoito anos.

– É contratada na rede estadual de ensino, atuando no Ensino Fundamental II

(regular) e no Ensino Médio (EJA) e concursada na rede municipal, na qual

leciona no Ensino Fundamental I (regular). Participa de formação continuada,

sendo a última, em 2012, ofertada pela Secretaria de Educação do Estado da

Paraíba em parceria com a UEPB – Universidade Estadual da Paraíba (em

Língua Portuguesa) e, em 2013, participou da formação para professores do

Ensino Fundamental I pela Secretaria de Educação e Cultura do Município de

Pitimbu.

Professora 3 (P3)

– Tem 45 anos de idade.

– Possui Licenciatura em Pedagogia. Fez até o 5º período de Letras (Português).

Tem Pós-graduação em Psicopedagogia.

– Leciona há vinte e dois anos.

– É contratada na rede estadual de ensino, atuando no Ensino Fundamental II

(regular) e no Ensino Médio e Fundamental II (EJA) e concursada na rede

municipal, na qual leciona no Ensino Fundamental I (regular). Participa de

formação continuada, sendo a última, em 2012, ofertada pela Secretaria de

Educação do Estado da Paraíba em parceria com a UEPB – Universidade

Estadual da Paraíba (em Língua Portuguesa); também, em 2013, participou da

formação para professores do Ensino Fundamental I pela Secretaria de

Educação e Cultura do Município de Pitimbu.

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Professora 4 (P4)

– Tem 58 anos de idade.

– Possui Licenciatura em Letras (Português) e Especialização em Estudo da

Língua Portuguesa.

– Leciona há trinta e sete anos.

– É contratada na rede estadual de ensino de Surubim-PE e concursada na rede

estadual de ensino – PB, onde atua no Ensino Fundamental II e no Ensino

Médio (Regular). Participa ativamente de eventos e formação para professores

de Língua Portuguesa.

3.4 Etapas da pesquisa

O trabalho de pesquisa se desenvolveu em diversas frentes, tendo cada uma

delas sua importância relativa para a consecução dos objetivos previamente traçados.

Assim, realizamos o planejamento, as entrevistas, as observações - etapas essas que

foram seguidas pela análise e interpretação dos dados, até chegarmos a esta escrita final,

conforme expomos a seguir:

I – Escolha da escola e dos professores que seriam observados.

II – Reunião com a gestora e com as professoras que constituem o grupo de

informantes, para organização de dias e horário das observações.

III – Entrevistas com as professoras.

IV – Observação das aulas com base nos objetivos traçados.

V – Análise da observação.

A cada etapa, fomos fazendo anotações que se tornaram, num primeiro

momento, em informações centrais do nosso trabalho, para, após a interpretação das

análises, resultarem na construção deste texto.

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3.5 Instrumentos da pesquisa

Os instrumentos fundamentais adotados para a coleta de dados, nesta pesquisa,

são a observação das aulas e uma entrevista com cada professora.

Vejamos como se realizou cada uma das duas etapas:

Observação

Utilizamos esse método para obter uma percepção racional, atenta e sistemática

dos fenômenos relacionados com os objetivos por nós traçados, principalmente, no que

concerne ao desenvolvimento das aulas.

O período das observações ocorreu entre os meses de março e maio de 2013, em

duas turmas do ensino fundamental II (8º ano regular e 8º ano EJA) e em duas turmas

do ensino médio (2º ano regular e 3º ano EJA). Estabelecemos um plano de observação

com a diretora e as professoras da disciplina – cinco aulas (modalidade regular) e seis

(modalidade EJA) de cada uma delas seriam observadas. Ao término das observações,

cada professora entregaria um roteiro de uma das aulas ministradas com o conteúdo

explorado, desenvolvimento e atividade realizada, a critério de cada uma, para nossa

análise, conforme combinado previamente na reunião com a gestora e professoras

durante a etapa II da pesquisa.

A observação das aulas tem o objetivo de verificar como está sendo o

desenvolvimento do ensino, no tocante à abordagem das variedades linguísticas, tendo

em conta a atenção dada à oralidade e a acomodação desse módulo à ação didática

reveladora do perfil docente.

Visando atender ao caráter descritivo e explanatório deste estudo, entendemos

que a perspectiva metodológica mais adequada para tal objetivo trata-se da abordagem

qualitativa, comungando a visão de Soares (2006), para quem essa perspectiva de

análise ―permite ao pesquisador um aprofundamento no mundo dos significados, das

ações e relações humanas, o qual não é perceptível nem captável em equações, médias e

estatísticas, próprias do método quantitativo‖.

Esse tipo de abordagem também nos parece apropriado aos nossos propósitos,

considerando o ponto de vista de Neves (1996), quando afirma que a pesquisa

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qualitativa diferencia-se da quantitativa, uma vez que segue um plano previamente

estabelecido e baseado em hipóteses e variáveis. Segundo ele,

a pesquisa qualitativa costuma ser direcionada, ao longo de seu

desenvolvimento; além disso, não busca enumerar ou medir eventos e,

geralmente, não emprega instrumental estatístico para análise dos dados; seu

foco de interesse é amplo e parte de uma perspectiva diferenciada da adotada

pelos métodos quantitativos. [...] Nas pesquisas qualitativas, é frequente que o

pesquisador procure entender os fenômenos, segundo a perspectiva dos

participantes da situação estudada e, a partir daí, situe sua interpretação dos

fenômenos estudados (NEVES, 1996, p.1, grifo nosso).

Nesse sentido, a observação é um dos procedimentos mais utilizados em

pesquisa do gênero; este método permitiu-nos entrar em contato direto com o processo

de ensino e aprendizagem, embora não tenhamos participado nas atividades realizadas

por docentes e discentes, pois, em relação a elas, fomos somente expectadores.

Salientamos que, por ser uma pesquisa em que observamos seres humanos, o

projeto inicial foi apresentado previamente ao Comitê de Ética da Universidade Federal

da Paraíba, sendo aprovado sem restrições, conforme se pode observar nos documentos

anexados a este trabalho.

Entrevista aos professores

Como é de domínio público, sabemos que a entrevista consiste num contato

entre o investigador (entrevistador) e o investigado (entrevistado) durante o qual aquele

formula perguntas sobre um determinado assunto que lhe interessa conhecer. Nesse

sentido, elaboramos antecipadamente as questões, sendo estas uniformes para todos os

entrevistados. É importante destacarmos que mesclamos perguntas cujo enfoque se

direcionava a temas especificamente linguísticos com outros em que focávamos

aspectos variados relacionados à vida e à prática docente, com a formulação de

perguntas sobre a formação acadêmica, tempo de serviço, atividades atuais e o gosto

pela profissão. De fato, esse método permitiu-nos recolher dados sobre o perfil das

professoras e obter informações quanto à prática docente em sala de aula, no que diz

respeito, especialmente, a:

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observar se utilizam os documentos que norteiam o ensino no país – os

Parâmetros Curriculares Nacionais e as Orientações Curriculares para o Ensino

Médio: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias;

saber se fazem uso de materiais bibliográficos da área de linguística aplicada;

conhecer os recursos didáticos utilizados por elas;

averiguar se utilizam as novas tecnologias;

identificar as principais dificuldades enfrentadas no ensino da disciplina Língua

Portuguesa e, numa dimensão mais subjetiva, se revelam satisfação pela

profissão que escolheram.

A decisão por coletar esse tipo de informações está relacionada a nossa

percepção de que o acesso a uma bibliografia atualizada e conectada com os

documentos oficiais citados, bem como a familiaridade com recursos tecnológicos

modernos, pode se afirmar como relevante instrumento na melhoria da qualidade da

prática docente.

Além disso, muito provavelmente, o nível de satisfação pessoal registrado pelos

envolvidos nos processos de ensino pode ser revelador do quão produtivo ou

improdutivo se mostra esse trabalho. Consideramos, portanto, que os métodos aqui

definidos são aplicáveis a este estudo, pois, por meio dos instrumentos mencionados,

sedimenta-se a possibilidade de obter as informações necessárias para a realização das

análises.

De fato, essa estratégia colaborou para que as entrevistas ocorressem em um

clima de distensão e o mais espontâneo possível, funcionando positivamente em relação

à coleta dos dados que nos interessavam.

Assim, calcados nesse referencial, podemos defender a natureza interpretativista

desta pesquisa, uma vez que focaliza o processo de ensino de língua materna, a partir de

um número reduzido de participantes, envolvendo a observação da metodologia adotada

por eles durante um período contínuo de coleta de dados.

Após a realização das entrevistas e observações, procedemos à compilação e

efetivamos as análises, com a atenção focada no tratamento dispensado às variedades

linguísticas.

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Os resultados de toda a pesquisa - sua descrição e consequente análise - serão

apresentados no próximo Capítulo, acompanhados de nossa intervenção interpretativista

dos dados analisados. Além disso, arriscamo-nos a acrescentar algumas reflexões sobre

como reverter as situações por nós consideradas inadequadas e problemáticas nos

procedimentos verificados na prática docente observada.

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CAPÍTULO IV

4 OS DADOS: DESCRIÇÃO, ANÁLISE, REFLEXÕES, SUGESTÕES...

Neste Capítulo, apresentaremos as análises divididas em quatro momentos. Entre

nossos objetivos encontra-se a descrição de como é compreendido e ministrado,

individualmente, pelas professoras informantes da pesquisa, o ensino de língua

portuguesa, considerando o referencial teórico explorado nos Capítulo I e II deste

trabalho. Nesta observação, não nos descuidamos de monitorar o tratamento por elas

destinado à variação linguística. Também, dialogamos com os diversos autores que têm

norteado nosso percurso. E, por fim, nos arriscamos a sugerir estratégias de

enfrentamento dos problemas revelados.

4.1 Sobre a Professora 1

Como já descrito anteriormente, observamos cinco aulas da P1, ocorridas em

dois dias letivos, sendo três aulas na quarta-feira e duas na sexta-feira. Serviu-nos de

análise, a partir de decisão da própria professora, o material da aula ministrada na

quarta-feira, no horário das 7h30 às 9h45.

A turma do 8º ano do Ensino Fundamental II (regular) é composta por 27 alunos,

entre 10 e 14 anos de idade. Observamos que, em sua maioria, são (pré)adolescentes

muito inquietos, mas a professora conseguiu desenvolver a atividade planejada para a

ocasião.

Ela iniciou falando sobre o filme que iria exibir, já comentado na aula anterior; o

filme se chama Escritores da Liberdade9. Antes do início, P1 pediu para que, a partir do

9 Escritores da Liberdade – Filme norte-americano lançado em 2007. Dirigido por Richard LaGravenese e

produzido por Danny DeVito, Michael Shamberg e Stacey Sher, o filme é estrelado por Hilary Swank e é

inspirados nos eventos reais relatados pelo livro The Freedom Writers Diaries, baseado nos relatos da

professora Erin Gruwell e seus diversos alunos. O filme expõe de forma alarmante temas dentro da

estrutura educacional e social, em que as ―políticas‖ de democratização ao acesso a educação ocorre de

maneira a suscitar desigualdades e injustiças. A situação fica clara quando o sistema separa os discentes

inteligentes dos considerados como problemáticos, sem analisar o verdadeiro potencial do aluno.

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título, os alunos se posicionassem sobre o filme, questionando sobre qual seria a

temática nele explorada. Após alguns comentários, solicitou que os alunos prestassem

atenção e fizessem anotações, pois seria aplicado um trabalho posterior.

Depois que assistiram ao filme, ela fez circular pela classe a proposta de

atividade (PA P1)10

que, depois de respondida, deveria ser devolvida para que efetuasse

a correção.

Analisando o desenvolvimento da aula, e conforme destacado nas entrevistas,

observamos que a escola dispõe de várias ferramentas, que podem instrumentalizar um

trabalho produtivo em se tratando de recursos tecnológicos. Assim, por exemplo, é fato

que a P1 utiliza e tem habilidade no trabalho com o vídeo.

Na entrevista, ela deixou claro que gosta de trabalhar com materiais

diversificados: jornais, livros, revistas, laboratório de informática (embora sejam

insuficientes os computadores disponibilizados aos alunos). Na visão da docente, esses

recursos despertam maior interesse nos alunos, pois, ao utilizá-los, foge do modelo

tradicional de aula que se limita ao livro didático e ao quadro-negro. Embora tenha esse

pensamento, não é sempre que utiliza tais recursos.

Sobre os obstáculos que enfrenta junto aos alunos, P1 apontou como sendo a

principal dificuldade o desinteresse revelado por muitos deles, não prestando atenção às

aulas e atrapalhando quem realmente quer aprender.

No que se refere à realização profissional, P1 afirma que se sente feliz em ser

professora, pois considera uma das profissões mais interessantes, já que através dela

formam-se outras profissões.

É importante analisarmos algumas respostas dadas por P1 durante a entrevista,

guiados pelo aporte teórico apresentado nos capítulos anteriores. Questionada sobre a

interligação entre os eixos de ensino, a professora respondeu que trabalha

conjuntamente as aulas de gramática, de leitura e de produção textual. E isso pode ser

observado quando ela explora, a partir do filme, questões de caráter mais estrutural

(ortografia, pontuação e concordância) e produção textual – a (re)contagem do filme

com as palavras do aluno.

10

(PA P1) significa Proposta de Atividade da Professora 1, e assim por diante. Essas atividades se

encontram anexadas no final deste trabalho.

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71

Ao verificarmos que a docente não costuma consultar os PCN, PCNEM ou as

Orientações Curriculares para o Ensino Médio, como também, que não acessa a

bibliografia da área de linguística de que a escola dispõe, assinalamos a possibilidade de

que ela se encontre desatualizada em relação a novos conceitos, novas abordagens,

estando, dessa forma, em defasagem com as atualizações veiculadas nesses referenciais.

Certamente, isso pode redundar em prejuízo para sua prática em sala de aula.

Apesar de ministrar sua aula com recursos diversificados, afastando-se do

tradicional livro didático e do quadro-negro, observamos que P1 baseia sua prática,

exclusivamente, na valorização da variedade linguística padrão. Durante as raras vezes

em que os alunos se posicionaram sobre o filme, P1 interveio, corrigindo-os,

publicamente, quanto ao uso de concordância não-padrão, sem mencionar a questão da

adequação, enfatizando, apenas, que o correto seria tal forma e não aquelas usadas pelos

discentes. Lembramos que, em situações como essas, evidencia-se excelente

oportunidade para envolver os alunos em reflexões sobre adequação e inadequação de

usos, ressaltando o grau de monitoramento de determinados contextos e o relaxamento

de outros, conforme discutimos no capítulo em que tratamos de aspectos inerentes às

aulas nas quais se explora a oralidade como conteúdo de ensino.

Ainda nessa direção, P1 solicitou aos alunos que, ao responderem as questões,

observassem a ortografia, a pontuação e a concordância, sem fazer referência à distinção

necessária entre fala e escrita. Esse comportamento, é importante frisarmos, reforça sua

concepção de ensino de língua, já evidenciado em sua resposta à entrevista, uma vez

que, ao falar sobre a gramática, defende que o ensino da gramática normativa é

importantíssimo, pois leva o aluno a se apropriar da variedade culta, a chamada

variedade padrão. O ensino nesses moldes, segundo P1, serve para que os alunos se

saiam bem em entrevistas, em provas, pois a linguagem culta é mais valorizada. Parece-

nos que, ao afirmar que ―linguagem culta é o que vale dentro dos padrões de nossa

língua‖, ela corrobora a ideia de que aquilo que se diferencia desse padrão não tem

valor social.

Ao longo deste trabalho, mencionamos que há muitos professores que tentam

conduzir seu trabalho tentando um pouco de liberdade em relação à restrição imposta

pela abordagem prescritiva. Porém, mostram-se carentes de subsídios teóricos que

guiem sua prática pedagógica. É o que parece ocorrer com P1, quando enfatiza que

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considera, em sala de aula, todas as formas de expressão dos alunos e que é a partir

delas que trabalha as questões da variação linguística. Essa afirmação, entretanto, se

desconstrói em sua própria fala, pois, ao ser questionada sobre se trabalha em sala de

aula a variedade popular, respondeu que sim, mas limitou-se a dizer que estuda sobre a

Região Nordeste. Ainda sobre essa questão, P1 relatou que, entre seus alunos, alguns

são provenientes de outros estados (Ceará e Rio Grande do Norte), assim, o modo de

falar e as expressões que eles usam são diferentes da nossa e que, a partir das diferenças

observadas na oralidade em sala de aula, ela explora os dialetos utilizados na Região

Nordeste. Se recorrermos ao aporte teórico do nosso trabalho, fica claro que as

variações não se encontram restritas a aspectos fonológicos ou lexicais típicos dos

estados da Região Nordeste; e várias são as possibilidades de explorar tal conteúdo,

estendendo a reflexão a todas as outras regiões do país. Isso apenas para nos mantermos

no tema dos regionalismos.

4.2 Sobre a Professora 2

Foram observadas seis aulas da P2, ocorridas em três dias letivos, sendo duas

aulas na terça-feira, duas na quarta-feira e duas, na sexta-feira. Analisamos as aulas da

terça-feira, ministradas no horário das 19 às 20h20.

A turma é do 8º ano do Ensino Fundamental II, na modalidade Educação de

Jovens e Adultos. Composta por 35 alunos, entre 18 e 30 anos; alguns já casados e com

filhos; a grande maioria trabalha durante o dia, são bem comportados, aparentando um

pouco de timidez.

P2 iniciou a aula solicitando que os alunos prestassem atenção, pois iria

distribuir um questionário para que eles respondessem posteriormente. Então, começou

a falar sobre as festas juninas. Não houve muita interação com o grupo.

Em seguida, ela distribuiu o questionário (PA P2) e solicitou que eles

respondessem. Na aula seguinte, devolveria com as devidas correções.

De acordo com a entrevista, P2 utiliza sempre o livro didático e, às vezes, busca

atividades na internet; também, utiliza jogos – tentando, com o uso dessas tecnologias,

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seguir uma metodologia menos tradicional. Por outro lado, chama a atenção o fato de

não utilizar o laboratório de informática com seus alunos.

Sobre as dificuldades que enfrenta junto aos alunos, P2 destacou a falta de

interesse e o uso do celular, em sala de aula, como um problema para o

desenvolvimento das atividades planejadas. No que se refere à satisfação profissional,

ela ressalta que, apesar de gostar de ensinar, hoje, não escolheria ser professora, pois,

para ela, é uma profissão árdua e sem reconhecimento dos poderes públicos.

Ao ser questionada sobre a interligação entre os eixos de ensino, conforme

explicitado no capítulo anterior, P2 respondeu que tanto ministra aulas

compartimentadas como interligadas – explicou que ao trabalhar um texto, por exemplo,

identifica o gênero textual, a classe gramatical das palavras, a sílaba tônica etc.,

―dependerá do objetivo da aula‖. Pelo que observamos, entretanto, considerando a

atividade desenvolvida por P2, em que trata de perguntas sobre o tema ‗Festas Juninas‘

ao lado de questões que abordam a gramática normativa, não houve uma real articulação

entre os eixos. Importa, ainda, assinalar que, nessa ocasião, nenhum outro aspecto da

língua, seus usos e funções, foi explorado pela professora.

P2 revela que não tem o hábito de consultar os PCN, PCNEM ou as Orientações

Curriculares para o Ensino Médio, apesar de estar consciente de que são instrumentos

de grande importância para o docente. Questionada sobre se costuma ler a bibliografia

da área de linguística de que a escola dispõe, respondeu negativamente. Mais uma vez,

destacamos que, ao agir dessa maneira, o professor deixa de se preparar para

experienciar com seus alunos novas formas de realizar o trabalho com a linguagem.

Sobre a importância do ensino da gramática normativa que leva o aluno a se

apropriar da variedade culta, para P2, é fundamental o aluno conhecer a variedade culta

para que possa dela fazer uso em situações nas quais seja exigido.

Assim como P1, P2 afirma considerar, em sala de aula, todas as formas de

expressão dos alunos - ela diz que analisa juntamente com os alunos a forma como eles

se expressam, mostrando-lhes a forma mais adequada. Entretanto, como já destacado

acima, não houve muita interação nessa turma, pelo menos, não nessa aula. Mesmo

assim, a docente se diz preocupada com a oralidade dos alunos, destaca que eles não

têm o hábito da leitura, que gostam de usar gírias e palavrões, principalmente os

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rapazes, tornando o vocabulário de cada um limitado. Em relação a esse aspecto, é

importante lembrar que o estudo de gírias poderia ser aproveitado em sala de aula,

oferecendo-se como tema para que se discuta a adequação e a inadequação dos usos à

diversidade de contextos interacionais nos quais os falantes se inserem.

Questionada sobre se trabalha, em sala de aula, as variedades linguísticas, a

exemplo da variedade popular, P2 respondeu que sim, porém em um determinado

bimestre se aprofunda mais que em outros. Atribuímos essa postura à falta de acesso a

textos (artigos, ensaios, reportagens etc.) que orientam o ensino de língua portuguesa,

como também a obras que tratam especificamente do ensino de língua. Daí, a decisão de

estudar as variedades linguísticas em um capítulo determinado, isolado, sem contemplar

essa abordagem no cotidiano da sala de aula.

4.3 Sobre a Professora 3

Tal como ocorreu em relação às anteriores, observamos seis aulas da P3,

ocorridas em três dias letivos, sendo duas aulas na segunda-feira, duas na terça-feira e

duas na quinta-feira. Analisamos as aulas ministradas na quinta-feira, no horário das

20h20 às 22h.

A turma é do 3º ano do Ensino Médio, na modalidade Educação de Jovens e

Adultos. Composta por 36 alunos, entre 18 e 45 anos; alguns já casados e com filhos; a

grande maioria trabalha durante o dia; aparentam-se bem comportados, esforçados; são

articulados e participativos.

P3 iniciou a aula, apontando sobre o que seria o assunto a ser explorado no

quadro de giz – Orações Subordinadas Substantivas. Em seguida, teceu comentários

sobre o conteúdo e anotou um resumo no quadro, com alguns exemplos do livro

didático utilizado.

Continuando, distribuiu a atividade a ser aplicada (PA P3); leu o texto em voz

alta e pediu para que os alunos respondessem a tarefa, a qual corrigiu em sala de aula,

oralmente, lançando perguntas e apresentando as respostas consideradas corretas.

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Na entrevista a nós concedida, P3 destacou que a escola disponibiliza bastante

material didático e que os alunos têm acesso a ele; mas, curiosamente, só utiliza o livro

didático e a lousa. Não recorre às novas tecnologias, mas reclama que os alunos

demonstram pouco interesse pela aprendizagem – ―muitos estão em sala de aula por

estar‖, afirma. Uma prática que foge a essa rotina imposta por P3 é a apresentação de

seminários. A turma é dividida em grupos, entre 4 ou 6 componentes; os alunos

escolhem determinados assuntos elencados pela professora; fazem uma pesquisa e

apresentam em sala de aula.

Sobre as dificuldades que enfrenta junto aos alunos, P3 destacou que, apesar de

ser uma turma adulta, o uso indiscriminado do telefone celular constitui um problema

grave na condução das aulas.

No que se refere à realização profissional, ela revela que, se pudesse tomar uma

decisão, não exerceria mais a função de professora, pois há alguns anos era bem mais

gratificante ser professor, havia mais respeito e consideração. Mas, contraditoriamente,

afirma ainda amar o que faz.

Questionada sobre a interligação entre os eixos de ensino, a professora

respondeu que trabalha da seguinte maneira: em um dia de aula, trabalha a gramática,

no outro, literatura e, no outro, produção textual, repetindo essa sequência a cada

semana. Em sua opinião, a interrelação dos diversos eixos (gramática, leitura e

produção textual) é alcançada nas atividades aplicadas. Cumpre-nos salientar, no

entanto, que essa conexão não foi observada na proposta de atividade que aplicou. Pelo

contrário, apenas conhecimentos relacionados à gramática normativa foram

contemplados. Tal fato nos faz constatar uma contradição quando verificamos que P3

afirma se orientar pelos PCN, PCNEM e pelas Orientações Curriculares para o Ensino

Médio. Ainda nesse sentido, a referida docente assumiu que não costuma ler a

bibliografia da área de linguística de que a escola dispõe.

Destacamos, pela relevância que esse tópico apresenta, que P3 considera o

ensino da gramática normativa muito importante porque prescreve as ―normas do bem

falar e escrever‖, impondo um uso único da língua. Curiosamente, P3 enfatiza que

considera, em sala de aula, todas as formas de expressão dos alunos, porque cada pessoa

tem a sua forma de se expressar. A professora entende que cabe ao educador a

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responsabilidade de ajudar o educando em sala de aula a melhorar sua forma de

expressão.

Quanto ao trabalho com a oralidade, a P3 revela que entende a forma pela qual

seus alunos se expressam, mas se preocupa em mostrar em que situações eles ‗erram‘ e

por que devem ―melhorar‖ na fala.

Questionada sobre se trabalha, em sala de aula, as variedades linguísticas,

respondeu que sim, mostrando aos educandos que ―devemos nos esforçar e falarmos a

linguagem culta‖. Para ela, o processo de aprendizagem é lento, por isso, tem que ser

explorado diariamente. Pelo que observamos, a maior preocupação de P3 reside

exatamente nesse ponto: conseguir que os alunos aprendam a gramática normativa.

Desse modo, é mais uma a não levar em conta fatores discursivos, contextuais e sociais

que determinam a variação de usos verificada nas diversas realidades linguísticas.

Ao enfatizar para os educandos que ―devemos nos esforçar e falarmos a

linguagem culta‖, P3 demonstra compartilhar o entendimento da grande maioria dos

brasileiros leigos, distanciando-se do entendimento dos especialistas em ensino de

língua. O que predomina, hoje, nos aportes teóricos referenciadores do ensino, é quase

um consenso na defesa de que as abordagens reflexivas devem considerar, também,

como objeto do conhecimento, os usos considerados não-padrão.

4.4 Sobre a Professora 4

Continuando com o mesmo critério, observamos cinco aulas da P4, ocorridas em

dois dias letivos, sendo três aulas na quinta-feira e duas na sexta-feira. Analisamos as

duas primeiras aulas ministradas na quinta-feira, no horário das 13 às 14h30.

A turma é do 2º ano do Ensino Médio, na modalidade regular. Composta por 30

alunos, entre 15 e 19 anos; são bem comportados, mas não mostram disposição para o

estudo.

P4 iniciou a aula apontando o assunto no quadro de giz – Mecanismo de Coesão

Textual. Introduziu a explicação sobre o que é um texto e o que o diferencia de um

amontoado de frases. Falou sobre a importância da relação, ou seja, da conexão entre as

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palavras que constroem a coesão textual. Expôs o conteúdo através de exemplos em

enunciados curtos anotados no quadro; leu e analisou pequenos textos para a

compreensão dos mecanismos de coesão.

Em seguida, distribuiu a atividade que realizaria (PA P4); fez a leitura do texto

em voz alta e solicitou que os alunos respondessem a tarefa dentro de um determinado

tempo.

Na sequência, foi corrigindo a atividade, oralmente, fazendo as alterações, ao

tempo em que explicava as possibilidades de uso dos diferentes termos como

mecanismo de coesão textual.

P4 utiliza, além do livro didático, textos impressos, recortes de jornais, de

revistas, que, segundo ela, lhe servem de suporte para trabalhar gêneros textuais

diversos. Não utiliza as chamadas novas tecnologias, assumindo não ter muita

habilidade e tampouco dispor de apoio técnico para isso. Mas reconhece que as aulas

seriam mais atrativas se usasse o retroprojetor, o vídeo ou o data-show disponibilizados

pela escola.

Sobre as dificuldades que enfrenta junto aos alunos, P4 avalia que tem um bom

relacionamento com eles. Segundo a entrevistada, o que atrapalha, às vezes, a

aprendizagem do grande grupo é a inquietação constante de alguns, a falta de

concentração, o pouco interesse em aprender o novo, o não cumprimento das atividades

de casa e a carência de uma boa educação doméstica.

No que se refere à realização profissional, P4 ressalta que ama o que faz. ―Estar

diante de uma turma transmitindo o que sabe e, mais ainda, mostrar o outro lado da

vida, preparando o aluno para além dos muros da escola, é algo mais que gratificante‖.

Apesar de todas as dificuldades que o professor enfrenta nessa profissão, ela defende

que vale à pena ser educadora/professora.

Questionada sobre a interligação dos eixos de ensino, P4 respondeu que,

atualmente, o ensino de língua portuguesa não pode ser ministrado de forma

compartimentada. Explica que, ao utilizar um texto, o professor deve mostrar ao aluno

que a gramática está ali, dentro do texto. É a gramática que o estrutura. A docente

destacou a importância de haver uma interligação, cabendo aos professores possibilitar

essas articulações, atentando para o seguinte fato: ―assim como os textos explorados do

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ponto de vista da análise linguística podem e devem ser percebidos em traços estilísticos

e contextuais, os textos analisados do ponto de vista literário podem e devem ser

analisados na perspectiva de sua organização estrutural‖. Para ela, a criatividade

depende de cada um.

Ao ser interrogada sobre a utilização dos PCN, dos PCNEM e das Orientações

Curriculares para o Ensino Médio, respondeu: ―Se o objetivo maior é preparar o jovem

para participar de uma sociedade complexa como a atual, que requer aprendizagem

autônoma e contínua ao longo da vida, eis o desafio que temos pela frente. Para tanto,

os PCN, PCNEM e as Orientações Curriculares para o Ensino Médio norteiam as nossas

práticas pedagógicas em busca de uma melhoria do ensino‖. P4 afirmou, também, que

costuma ler a bibliografia da área de linguística, fato que está evidenciado nas respostas

por ela articuladas na entrevista.

Sobre a importância que atribui ao ensino da gramática prescritiva, P4 afirma

não priorizar a ―gramática pura‖. Em suas palavras: ―Já foi o tempo em que se escrevia

uma frase no quadro e ensinava a sua estrutura – classe morfológica e funções

sintáticas. Hoje, trabalhamos a gramática contextualizada, o que facilita ao aluno

apropriar-se da variedade culta da língua. A leiturização e a observação estrutural do

texto são atividades de extrema importância para a aprendizagem do mecanismo das

competências discursivas e gramaticais‖.

P4 enfatiza que considera, em sala de aula, todas as formas de expressão dos

alunos. Assim, para ela, é fundamental trabalhar as variedades linguísticas, ―o que,

infelizmente, o estudo prescritivo despreza, uma vez que objetiva levar o aluno a

substituir seus próprios padrões de atividade linguística considerados

errados/inaceitáveis por outros corretos/aceitáveis. É, portanto, um ensino que interfere

com as habilidades do aluno‖.

Quanto ao trabalho sobre oralidade, P4 relatou que observa as formas diferentes

dos alunos se expressarem; já realizou trabalho de escuta, analisando os sotaques e

explorando as variedades, discutindo as diferenças entre os aspectos exigidos na norma

culta e os motivos e circunstâncias em que são exigidos. E, além disso, já discutiu em

quais momentos se pode adequar essa fala, utilizando a linguagem popular.

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Questionada sobre se trabalha, em sala de aula, as demais variedades

linguísticas, como a popular, por exemplo, respondeu que sim. Embora não despreze o

ensino prescritivo, dá preferência ao ensino descritivo que objetiva mostrar ao aluno

como a linguagem - e como determinada língua em particular - funcionam. Isso ―sem,

necessariamente, alterar as habilidades já adquiridas, porém mostrando a necessidade de

saber algo da instituição linguística de que se utiliza para melhor atuar em sociedade‖.

Apresentado esse panorama que revela a essência do conteúdo das entrevistas

realizadas com as professoras, tentamos, no próximo tópico, analisar aspectos gerais que

perfazem a prática docente alvo de interesse neste trabalho.

4.5 Considerações gerais sobre a prática das professoras

Com base na observação e nas respostas às entrevistas das quatro professoras,

informantes da pesquisa, somos estimulados a exercitar algumas reflexões, as quais

devem polir as lentes com as quais enxergamos o ensino de língua na escola pesquisada.

Segmentamos essa discussão em seções, respeitando os pontos postos em relevo ao

longo da análise:

4.5.1 Em relação à articulação entre os eixos de ensino: leitura,

produção (oral e escrita) e análise linguística

Não identificamos uma consonância entre a concepção de ensino de língua

estabelecida nos parâmetros institucionais e a compreensão do objeto de ensino revelada

nas manifestações colhidas nas entrevistas, especialmente, de P2 e P3. Evidencia-se, a

julgar pelo estado de coisas que observamos, a necessidade de que essas profissionais

reflitam sobre sua prática pedagógica, na busca de romper as fronteiras da abordagem

que se mantém arraigada à tradição – com toda a carga de negatividade que o termo

possa ter.

Constatamos uma evidente fragmentação entre os eixos de ensino – aulas de

gramática não se interligam com as aulas de leitura e/ou com as aulas de produção

textual, muito menos há um trabalho voltado para o estudo da língua oral. Sabemos hoje

da necessidade de integração entre esses eixos, com ênfase nas habilidades de oralidade,

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leitura e escrita, as quais remetem a vários outros objetos de ensino – textuais,

discursivos, interacionais. Estes devem ser apresentados e retomados sempre que

houver necessidade.

Mas, a despeito dessas constatações, não podemos deixar de apontar um avanço

evidenciado na prática de P1 e P4, que procuram desenvolver um trabalho mais

reflexivo em relação a esses aspectos, fato comprovado na interpretação do discurso

veiculado nas entrevistas como também na observação de suas aulas.

4.5.2 Em relação aos PCN, PCNEM, Orientações Curriculares para

o Ensino Médio: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias e à

bibliografia da área de linguística

Quando nos referimos à importância que a leitura tem para o processo de

contínua formação docente, estamos pensando no quanto o acesso aos materiais

institucionais condutores do ensino nos diversos níveis pode auxiliar a prática

pedagógica. Nesse sentido, entendemos que esses recursos podem se tornar fonte de

estímulo à reflexão sobre a postura do professor e sobre o processo de ensino e

aprendizagem com o qual precisa lidar profissionalmente. Também, nesse sentido, a

consulta a materiais bibliográficos que tratem da temática em foco é imprescindível para

a atualização de conhecimentos teóricos e metodológicos. Não se trata, pois, de material

didático a ser utilizado em sala de aula, mas de recurso indispensável à capacitação

permanente, voltada ao exercício da docência.

As professoras informantes da pesquisa têm livre acesso a esses documentos

oficiais e a obras da área de linguística aplicada, já aqui referendados, porém, conforme

revelam em suas entrevistas, P1 e P2 não costumam utilizá-los, dando a entender que as

duas professoras fazem uma leitura equivocada do questionamento – utilizar como

material didático para manuseio entre os alunos ao invés de consultar como material de

apoio para planejamento de suas aulas. Já P3, respondeu que consulta os PCN, PCNEM,

Orientações Curriculares para o Ensino Médio, mas não usa os livros da área. P4 afirma

fazer uso com frequência dos materiais citados.

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Pautados nessa constatação, defendemos que se faz necessária uma mudança de

procedimentos no tocante ao ensino de língua portuguesa. Ventilamos, aqui, a

possibilidade de mudar a atuação em sala de aula, passando-se a associar o ensino da

modalidade culta formal da língua às diversas possibilidades contextuais de usos

informais. Essa perspectiva é expressamente defendida nos documentos oficiais, a

exemplo dos Parâmetros.

Ao considerar o conhecimento linguístico que o aluno tem e que lhe permite

interagir competentemente em diversas situações sociais, o professor pode estar

contribuindo para o crescimento do educando, capacitando-o para o desenvolvimento

das competências e habilidades linguísticas que podem facilitar a aquisição do dialeto

culto padrão. Não podemos deixar de mencionar que um dos objetivos do ensino, na

área de Língua Portuguesa, é, segundo os PCN (1998, p.7), que os alunos sejam capazes

de ―posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações

sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar decisões

coletivas‖.

É necessário, então, conceber a língua como um sistema cujas peças estão a

serviço da funcionalidade dos usos e sua diversidade. Assim, considerando os atos de

comunicação, devemos observar as demandas interacionais e o conhecimento que todo

falante tem de sua própria língua. Nessa perspectiva, cabe à escola motivar o aluno a

produzir desde um bilhete até uma carta formal, dependendo dos diversos interlocutores

ou da situação comunicativa, para que este seja capaz de proceder a leitura de mundo e

desenvolver a fluência discursiva e enunciativa necessária, de forma que contribua para

uma atuação participativa na sociedade em que está inserido. Nesse universo, deve estar

incluído o trabalho, também, com a oralidade, contemplando o continuum

formalidade/informalidade.

Dessa forma, provavelmente, nossos alunos poderão alcançar os objetivos gerais

de Língua Portuguesa para o ensino fundamental, preconizados nos PCN EF (1998, p.

32-3), segundo os quais a escola deverá organizar um conjunto de atividades que

possibilite:

utilizar a linguagem na escuta e produção de textos orais e na leitura e

produção de textos escritos de modo a atender a múltiplas demandas sociais,

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responder a diferentes propósitos comunicativos e expressivos, e considerar

as diferentes condições de produção do discurso;

utilizar a linguagem para estruturar a experiência e explicar a realidade,

operando sobre as representações construídas em várias áreas do

conhecimento;

analisar criticamente os diferentes discursos, inclusive o próprio,

desenvolvendo a capacidade de avaliação dos textos;

conhecer e valorizar as diferentes variedades do Português, procurando

combater o preconceito linguístico;

reconhecer e valorizar a linguagem de seu grupo social como instrumento

adequado e eficiente na comunicação cotidiana, na elaboração artística e

mesmo nas interações com pessoas de outros grupos sociais que se

expressem por meio de outras variedades;

usar os conhecimentos adquiridos por meio da prática de análise linguística

para expandir sua capacidade de monitoração das possibilidades de uso da

linguagem, ampliando a capacidade de análise crítica.

De igual modo, os alunos do ensino médio poderão alcançar os objetivos

preconizados nos PCN EM (1999, p.115), na área de LP, entre eles, que sejam capazes

de:

Compreender e usar os sistemas simbólicos das diferentes linguagens

como meios de organização cognitiva da realidade pela constituição de

significados, expressão, comunicação e informação.

Confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes linguagens e

suas manifestações específicas.

Analisar, interpretar e aplicar os recursos expressivos das linguagens,

relacionando textos com seus contextos, mediante a natureza, função,

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organização, estrutura das manifestações, de acordo com as condições de

produção e recepção.

Compreender e usar a língua portuguesa como língua materna, geradora

de significação e integradora da organização do mundo e da própria

identidade.

Observamos, assim, que, se o professor direcionar sua prática, contribuindo para

que seus alunos alcancem tais objetivos, mesmo que parcialmente, eles poderão ser

capazes de desenvolver diversas habilidades requeridas nos meios sociais, como

inferência, reconhecimento de intenções de cada falante, atitude crítica, utilização de

recursos figurativos, entre outras. Não há dúvidas de que os alunos precisam ser

preparados para as mais distintas situações de uso da língua no dia a dia e em situações

especiais. Além disso, eles podem, refletindo sobre o seu próprio modo de falar, ou

sobre a cultura local, compreender que as variedades do português do Brasil devem ser

vistas com igual valor, aceitando, enfim, o diferente como algo positivo,

desconstruindo, consequentemente, o entendimento equivocado do português brasileiro

como uma língua uniforme.

4.5.3 Em relação à oralidade

Durante muito tempo, o ensino de língua no Brasil deixou em segundo plano,

quando não excluiu totalmente, o ensino da modalidade oral da língua. Para muitos,

ainda, não há necessidade de que essa língua falada seja trabalhada no espaço escolar,

por acharem que ela só é utilizada em espaços informais. Esse entendimento vai de

encontro ao que se preconiza para o ensino de Português em nossa atualidade. Os PCN

sinalizam para a importância do estudo da língua oral quando mencionam o equívoco

cometido por aqueles que acreditam que ―a aprendizagem da língua oral, por se dar no

espaço doméstico, não é tarefa da escola‖ (1998, p.24). Nos PCN, essa dimensão do uso

da língua é resgatada, alçando-se o trabalho com a oralidade praticamente ao mesmo

patamar de importância que tem o ensino da escrita.

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Nesse sentido, é importante considerar as orientações dos PCN (1998, p.48),

especialmente, quando defendem que

A escola deve assumir o compromisso de procurar garantir que a sala de aula

seja um espaço onde cada sujeito tenha o direito à palavra reconhecido como

legítimo, e essa palavra encontre ressonância no discurso do outro. Trata-se

de instaurar um espaço de reflexão em que seja possibilitado o contato

efetivo de diferentes opiniões, onde a divergência seja explicitada e o conflito

possa emergir; um espaço em que o diferente não seja nem melhor nem pior,

mas apenas diferente, e que, por isso mesmo, precise ser considerado pelas

possibilidades de reinterpretação do real que apresenta; um espaço em que

seja possível compreender a diferença como constitutiva dos sujeitos.

No tocante a essa dimensão do ensino de língua, P1, P2 e P3 ainda demonstram

certa fragilidade teórica ou, pelo menos, dificuldade em desenvolver um trabalho mais

consistente que persiga os objetivos formulados nos documentos referidos.

Nesse sentido, lembramos que, conforme destaca Marcuschi (2001, p.22), a

questão central está em perceber que ―na sociedade atual, tanto a oralidade quanto a

escrita são imprescindíveis. Trata-se, pois, de não confundir seus papéis e seus

contextos de usos, e de não discriminar seus usuários‖.

De acordo com os Referenciais Curriculares para o Ensino Médio da Paraíba

(2006, p.34), ―o trabalho com a fala deve permitir a compreensão da oralidade em si

mesma e na sua relação com a escrita‖. Ainda segundo esses Referenciais, ―o trabalho

com os gêneros orais deve ser sistemático, intencional, planejado e reflexivo, a fim de

possibilitar a ampliação do universo enunciativo dos educandos de forma não

incidental, mas consciente‖.

A linguagem oral, se explorada de forma adequada a determinados objetivos,

pode ser um instrumento significativo para as aulas de língua portuguesa. No processo

de interação e comunicação, a escola não pode, em hipótese alguma, estigmatizar o

aluno em função dos traços que marcam sua fala. A Proposta Curricular EJA (2002,

p.13), destaca que

É importante que se criem situações nas aulas de Língua Portuguesa para que

os alunos possam ampliar seu domínio da modalidade oral da língua em

instâncias públicas, isto é, para que possam acompanhar exposições e

palestras, atuar em debates, entrevistas e assembleias, gêneros em que os usos

da linguagem apresentam registros diferentes daqueles usados em situações

cotidianas, ou seja, gêneros fortemente marcados pela escrita. Não se trata de

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aprender a falar ―certo‖, como prescreve a gramática normativa, mas de

aprender a falar em público, monitorar sua fala em função da reação da

plateia, tomar nota de aspectos relevantes em uma exposição ou palestra para

compreender o conteúdo tratado etc.

Se, nas aulas de Português, tais direcionamentos forem colocados em prática,

certamente, diversificando as experiências sociais e culturais, os alunos poderão sentir-

se mais à vontade para atuar em diferentes contextos, adequando seu modo de falar à

maior ou menor formalidade exigida em diferentes contextos.

4.5.4 Em relação ao ensino de gramática

Apesar de apresentar sinais de mudança, ainda que tímida, percebemos que o

trabalho com a gramática, na escola, é o ponto mais valorizado das aulas de Língua

Portuguesa por parte das professoras pesquisadas. Cabe-nos destacar, a partir do que foi

por nós observado, que a língua ainda é concebida como sistema autônomo. Nessa

dimensão, o ensino baseia-se quase que exclusivamente na prescrição, divorciada de

uma postura reflexiva sobre os condicionamentos e interferências contextuais que são

determinantes da adequação ou inadequação dos usos linguísticos. A exceção a essa

tendência, na escola investigada, fica por conta de uma única professora (P4) que, em

sua resposta à entrevista, expressa a defesa de uma concepção de gramática influenciada

por aspectos socioculturais.

Esses fatores podem explicar o notável desinteresse dos alunos em sala de aula,

pois o processo de ensino de língua materna está reduzido a um ato mecânico,

descontextualizado, desconectado das reais necessidades interacionais dos estudantes.

As estratégias utilizadas pelas professoras, em sua maioria, não têm funcionado como

estímulos que ativem o gosto do aluno pelo conhecimento de sua própria língua.

De fato, esse não é um comportamento exclusivo das professoras observadas;

são muitos os autores que se mostram preocupados com essa situação. Travaglia (2009,

p.234) destaca que:

Há uma tendência dos manuais de gramática normativa a verem e

apresentarem os fatos da língua como definitivos, ou seja, como não

passíveis de alteração. E há uma tendência dos professores de incorporarem

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esta visão das coisas e além do mais de explorarem o conteúdo destes

manuais de forma fragmentada e arbitrária (cf. NEDER, 1992: 48), o que sem

dúvida é outra razão do problema a que aludimos de rejeição do Português

como disciplina sobretudo no que respeita ao ensino de gramática.

A exceção a essa tendência, na escola investigada, fica por conta de uma única

professora (P4) que, em sua resposta à entrevista, expressa a defesa de uma concepção

de gramática influenciada por aspectos socioculturais.

Lembramos que, segundo Travaglia (2009), de acordo com o objetivo elencado

como prioritário para as aulas de língua materna, o professor pode utilizar quatro formas

de abordagem gramatical: gramática de uso; reflexiva; teórica; e normativa11

. O trabalho

com os quatro tipos, ainda segundo o autor, não precisa ser estanque; elas podem ou não

ser utilizadas em uma mesma turma, em qualquer grau ou série. O que vai determinar a

escolha é o conteúdo com que se trabalha, as condições dos alunos, o objetivo, o tempo

disponível e outros fatores que o professor julgar pertinentes no trabalho que está

desenvolvendo.

4.5.5 Em relação ao estudo das variações linguísticas

Em relação a uma proposta de ensino que contemple o estudo da variação

linguística, percebemos que as professoras, apesar de afirmarem em suas entrevistas que

fazem um trabalho com as variedades da língua, parecem não saber ao certo como

conduzi-lo; uma delas tenta argumentar e defender essa prática tecendo referência

apenas à Região Nordeste; outra diz que aprofunda mais esse tema como um tópico de

aula apenas em um determinado bimestre, deixando transparecer que ambas as

professoras não tratam o trabalho com a variação linguística numa abordagem cotidiana;

11 A gramática de uso é não consciente, implícita e liga-se à gramática internalizada do falante. A

gramática reflexiva é uma gramática em explicitação, que surge da reflexão com base no conhecimento

intuitivo de mecanismos da língua e será usada para o domínio consciente de uma língua que o aluno já

domina inconscientemente. A gramática teórica é uma gramática explícita, é uma sistematização teórica

a respeito da língua, dos conhecimentos a seu respeito, construída utilizando-se uma metalinguagem

apropriada, estabelecida segundo as teorias e modelos da ciência linguística para esse fim. Já a gramática

normativa contém normas de bom uso da língua, para falar e escrever bem, entendido o bom uso aqui

mais em um sentido de utilizar a língua apenas em sua variedade culta, padrão. Os critérios de bom uso

no sentido de adequação à situação de interação comunicativa não são muito levados em conta.

(TRAVAGLIA, 2006).

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de forma ainda mais equivocada, uma outra professora afirma que procura mostrar aos

alunos que devemos nos esforçar e falarmos a linguagem culta, sem salientar os

possíveis contextos de uso. E a quarta professora, apesar de afirmar que trabalha com

diferentes gêneros textuais, não deixa claro de que forma realiza o trabalho com os

diferentes registros linguísticos, porém faz menção à linguagem aplicada e a semântica

em uso, aproximando-a de um modelo diferenciado de prática.

Em nosso ponto de vista, a variação tanto pode ser alçada como um tópico de

ensino, ou seja, como um conteúdo propriamente dito, no qual se dá enfoque a um uso

linguístico específico (questões fonológicas, semânticas, sintáticas, estilísticas),

questionando comparativamente as gramáticas das diversas variedades, como pode

perpassar toda a prática pedagógica do professor. Nesse segundo caso, o docente

oportunizaria as situações eventuais em que há questionamentos dos alunos – ou

realizações linguísticas inadequadas a contextos (in)formais – e os orientaria em relação

à necessidade de adequação à norma como uma imposição dos contextos sociais e suas

múltiplas composições.

Assim, percebemos que tanto tempo depois da introdução da pesquisa

sociolinguística em nosso país e de sua disseminação e relativa popularidade pelos

cursos de formação de professores, ainda predomina entre os profissionais a dúvida e a

insegurança em alçar a variação linguística a conteúdo de ensino nas aulas de português.

É ponto pacífico entre os estudiosos a necessidade que os aspectos inerentes à

variação linguística deve ser discutido na escola. A esse respeito, Bortoni-Ricardo e

Oliveira (2013, p.52) afirmam:

se a variação linguística discutida na escola, for inserida na matriz do

multiculturalismo brasileiro, teremos mais oportunidade de discutir a

estrutura da língua padrão, descrita nos compêndios de gramática normativa,

à luz das características de nossa fala brasileira; poderemos identificar os

contextos em que as diversas variedades da língua são produtivas; poderemos

também ler com mais interesse a literatura brasileira que, desde o

modernismo, incorporou modos brasileiros de falar.

As autoras ainda destacam que, no trabalho com a leitura em sala de aula, os

professores, que são os principais agentes letradores, serão capazes de:

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reconhecer estruturas linguísticas que não pertencem ao repertório dos

seus alunos, antecipar as dificuldades, ―traduzi-las‖ e associá-las a

variantes mais usuais na linguagem oral coloquial.

Poderão ainda construir agendas e elaborar sequências didáticas que

visem capacitar os alunos a se tornarem ―bidialetais‖ ou

―multidialetais‖, no seu uso da língua portuguesa (Bortoni-Ricardo e

Oliveira (2013, p.52).

Na mesma linha de pensamento adotada em nossa reflexão ao longo deste

trabalho, as autoras enfatizam que ―a variação linguística não é uma deficiência da

língua, é um recurso posto à disposição dos falantes‖. Porém, elas insistem no seguinte

ponto:

ao ensinar diferentes modos de falar, é preciso que a escola esteja bem

consciente e bem preparada para mostrar que a esses modos diferentes de

falar associam-se valores sociossimbólicos distintos. A escolha entre os

modos de falar não é aleatória, é definida pelos valores vigentes, alguns

seculares, que normatizam a comunicação humana e a vida em sociedade

(Bortoni-Ricardo e Oliveira, 2013, p.52).

Novamente nos referimos ao diálogo constante entre língua e sociedade. Os

PCN de todos os segmentos da educação básica propagam essa concepção, como

podemos confirmar no seguinte excerto dos PCNEM (1999):

A Língua Portuguesa é um produto de linguagem e carrega dentro de si uma

história de acumulação/redução de significados sociais e culturais.

Entretanto, na atualização da língua, há uma variedade de códigos e

subcódigos internalizados por situações extra-verbais que terminam por se

manifestar nas interações verbais estabelecidas (PCNEM, 1999, p.142).

Do exposto, evidencia-se, entre as professoras observadas, que, provavelmente,

em decorrência dos sinais de um limitado conhecimento teórico, ocorre uma prática

ainda muito distante do que se tem almejado nos últimos anos, quando especialistas e

pesquisadores, em geral, têm refletido, debatido e questionado sobre a reformulação nos

programas de ensino de língua. Nesse debate, sempre emerge a questão da variação

linguística; dele, projeta-se a trajetória a seguir. Mas o fato é que esse caminho ainda

parece se constituir em linhas paralelas – a tradição e a inovação – e o professor não

sabe ao certo o que fazer para entrecruzá-las.

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4.6 Sugestão de atividades

A proposta de atividade que apresentamos, na sequência, consiste numa tentativa

de ilustrar estratégias de valorização da língua em situações de interação, as quais

podem, através da exploração da linguagem cotidiana, promover reflexões produtivas

que levem à ampliação do conhecimento do aluno sobre os usos da língua em contextos

diversos.

Nossa proposta encontra-se em consonância com a ideia que defendemos ao

longo de toda a pesquisa. O objetivo é estimular a aplicação de atividades que auxiliem

o aluno no desenvolvimento de sua competência comunicativa, habilitando-o a uma

participação mais efetiva no meio social em que interage.

Vejamos:

Texto 1:

Para explorar esse tipo de texto, o professor pode:

chamar a atenção sobre as variedades linguísticas: uma prestigiada,

considerada culta, enquanto a outra, representativa da fala popular é, por

isso, estigmatizada;

Só os óio

Ao regressar de Mineiros, em Goiás, [...] perdemos a hora de atravessar o Rio dos Bois.

Não houve rogos nem promessas que demovessem o balseiro de sua resolução. Eram

mais de seis horas e não daria passagem.

Tocamos rastos atrás cinco léguas e fomos pedir pouso em casa de um sertanejo pobre,

casa de pau a pique [...]

Estávamos em julho e o frio era intenso. Ao pedir pouso o caipira me perguntou:

– Você trôxe rede?

– Não

– Churchuádo?

– Também não.

– E cuberta?

– Também não trouxe.

– Aãã... Intãoce vacê, de durmi, só troxe os óio?

Cornélio Pires. Patacoadas. Coleção Conversa Caipira. Itu, Ottoni Editora, 2002.

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solicitar a reescritura do texto, adequando a fala do caipira à fala de um

professor ( com o cuidado de não desvalorizar a linguagem deste

personagem);

promover uma reflexão sobre a abordagem avaliativa e os juízos de

valor sempre carregados de preconceitos no que se refere à fala do

caipira.

De fato, através de questões pontuadas a partir de textos como ―Só os óio‖, os

alunos poderão observar e discutir as características da linguagem popular e da

linguagem culta. De igual modo, a reescritura da variedade popular para a padrão

possibilita aos alunos se apropriarem das características inerentes à linguagem escrita. O

professor poderá trabalhar, ainda, a construção de textos curtos com exploração do

léxico, por exemplo. Poderá, também, explorar a concepção de adequação ou

inadequação a determinadas situações, ao invés de insistir na oposição entre certo ou

errado que, sabemos, não é produtiva no ensino de língua. Além disso, a troca de

mensagens (torpedos) pelo celular pode ser transformada em exercício significativo em

sala de aula, uma vez que uma das professoras mencionou esse fato como um problema

a ser enfrentado. Nesse contexto, é importante que o aluno considere os papéis

assumidos pelos participantes, considerando o texto de acordo com a variedade

linguística adequada.

Continuando:

Texto 2:

Vício na fala

Para dizerem milho dizem mio

Para melhor dizem mió

Para pior pió

Para telha dizem teia

Para telhado dizem teiado

E vão fazendo telhados.

Oswald de Andrade. Pau Brasil. São Paulo, Editora Globo, 2003.

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Pontuando questões mais específicas, o professor pode questionar:

Algumas palavras no texto são exemplos de variedades linguísticas existentes

em nosso país. O autor se refere a algumas pessoas – censurando ou

demonstrando respeito?

Esse tipo de reflexão pode levar o aluno a perceber que todas as variedades são

competentes para atender as necessidades comunicativas dos falantes, mas há

exigências sociais que são impostas pelos contextos e para as quais eles devem se

preparar, adquirindo o conhecimento linguístico adequado aos ambientes sociais

diversos.

Como o texto ―Vício na fala‖ apresenta exemplos da variação linguística, o

professor pode ampliar a abrangência da discussão, estimulando e orientando os alunos

a realizarem pesquisas acerca do léxico regional ou de grupos específicos (profissões,

por exemplo), catalogando acervos de palavras e expressões que representem variações

(lexicais ou apenas semânticas) dentro da própria comunidade ou em comparação com

outras regiões. Lembramos que nas entrevistas com as professoras desta pesquisa ficou

claro que existe nas salas uma parcela de alunos oriundos de outros estados, como Ceará

e Rio Grande do Norte.

Além de utilizar exemplos pertencentes à literatura brasileira, como os

apresentados acima, também é produtivo que o professor trabalhe com textos escritos

e/ou orais, ou de outras origens como gravações/transcrições de falas, produzidos pelos

próprios alunos. Pode ser bastante instigante promover a reflexão linguística sobre

construções orais espontâneas típicas dos contextos nos quais os alunos interagem,

fazendo-os analisar questões linguísticas que abranjam desde o domínio do vocabulário

até aspectos especificamente gramaticais relacionados à morfologia e à sintaxe da

língua.

Atividades como as descritas acima vão além da exploração dos elementos

estruturais dos textos. Elas podem propiciar uma participação ativa do aluno na

construção do seu conhecimento, que é o que se espera de todas as aulas. De forma mais

aprofundada, o professor poderá explorar uma gama ampla de aspectos linguísticos

envolvidos nas diversas produções textuais, desenvolvendo, assim, o que propõem os

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PCN, mas que muitos professores não sabem como pôr em prática - a análise e a

reflexão linguística.

É importante ressaltarmos que esses textos e atividades já existem em livros

didáticos e que cabe aos professores adaptarem-nos às suas propostas de ensino,

considerando as necessidades e a maturidade de cada turma.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A aquisição da linguagem ocorre desde a infância, quando a criança interage

com a família e com a comunidade em que está inserida. Ao chegar à escola, o aluno

traz consigo conhecimentos internalizados sobre a língua materna, sobretudo no que

concerne à variedade linguística usada em seu núcleo familiar. Porém, esse aspecto é, na

maioria das vezes, ignorado ou despercebido pelo professor, como observado nesta

pesquisa. O docente adota uma postura conservadora, permanecendo arraigado a uma

prática que consiste quase sempre no ensino normativo da gramática, em uma

perspectiva prescritiva, impondo um conjunto de regras a ser seguido.

Evidentemente, os alunos da escola em questão já chegam à sala de aula

dominando determinada variedade – em geral, aquela que é estigmatizada pela

sociedade. No contexto observado, apesar de as professoras intuírem que devem

aproveitar esse conhecimento internalizado da língua, a maior parte delas não sabe

como atuar de forma significativa, valorizando essas diferenças dentro do espaço

escolar; ao contrário, adotam uma postura coercitiva que, provavelmente, contribui para

o crescimento de barreiras quanto à aprendizagem da língua, aumentando, também, a

disseminação do preconceito linguístico.

Com base nas observações realizadas, constatamos que, por conta das diferenças

apresentadas pelos alunos e não ―trabalhadas‖ adequadamente pelas professoras, eles

sentem dificuldades no estudo da língua materna. Isso pode ser observável, por

exemplo, no tratamento das variações linguísticas, que são abordadas isoladamente pelo

professor, como um conteúdo a ser desenvolvido em uma das unidades, limitando-se

apenas às diferenças entre uma ou duas regiões do país. O que ainda se percebe é a

insistência da escola em abordar o tema de forma descontextualizada e, infelizmente,

corrigindo de forma constrangedora os alunos, induzindo-os a acreditarem que a

variedade utilizada por eles é incorreta e indigna.

Quando se trata do estudo da gramática, esse é abordado como regras que devem

ser fixadas mecanicamente, pois os alunos serão cobrados através de testes e provas

materializadores de mera memorização de metalinguagem, sem adotar uma postura

reflexiva, tornando penosa a aprendizagem da língua portuguesa. Esse é,

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provavelmente, um dos motivos pelos quais os alunos sentem-se envergonhados de sua

própria fala e apresentam dificuldades no que se refere à oralidade, à leitura e à

produção textual, eixos que são estudados de forma fragmentada. No caso em tela,

apenas uma dentre as quatro professoras observadas relaciona, minimamente, o estudo

de gramática às situações de uso. Também, essa mesma professora trabalha, em sala de

aula, questões sobre a modalidade oral, diferentemente das demais docentes que

demonstram insegurança em como desenvolver um trabalho com a oralidade de seus

alunos.

Apesar de encontrar na escola, ao dispor de cada professora, exemplares dos

PCN, PCNEM, Orientações Curriculares para o Ensino Médio: Linguagem, Códigos e

sua Tecnologias e de obras bibliográficas da área de linguística, que em muito poderiam

contribuir para o conhecimento de quem os utiliza, apenas uma professora consulta

esses materiais. Provavelmente, por esse motivo, sua prática se apresenta mais

conectada à necessidade atual do ensino de língua portuguesa, pois está em

conformidade com as diretrizes que os PCN sugerem: considerar o conhecimento prévio

do aluno, partindo daquilo que ele já sabe.

Outro ponto a ser observado em relação à postura das quatro professoras

informantes de nossa pesquisa está no tempo de formação/experiência de cada uma

delas: P1 tem 04 anos de experiência, P2 tem 18 anos de atuação na disciplina, P3

leciona língua portuguesa há 22 anos e P4 conta com 34 anos na área. Observamos que

as mudanças ocorridas na política de ensino de Língua Portuguesa é mais recente e,

comparando com o momento de formação das professoras em questão, deveria ser mais

difícil observar as transformações naquela professora com formação mais antiga;

porém, não é o que ocorre – na P4 ficam mais evidentes os sinais de mudança.

Analisando, então, as entrevistas de cada uma delas, podemos cogitar que o fato da P4

realizar leituras que apresentam uma visão funcionalista e sociolinguística sobre o

estudo da língua materna vem interferir de forma mais consistente em sua prática. Vale

salientar que P3, apesar de 22 anos lecionando língua portuguesa, não concluiu o curso

de Letras, evadindo no 5º período.

Na prática, portanto, observamos que o objetivo do ensino de língua portuguesa,

que é o de desenvolver a competência comunicativa dos alunos, de forma que eles

comparem, informem-se, questionem, dirijam-se às mais variadas pessoas, entendam os

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implícitos na fala, discordem etc., adequando e respeitando as regras sociais que

envolvem as mais diferentes situações comunicativas, está ―distante‖ de ser alcançado,

principalmente, se continuarem seguindo esse paradigma ultrapassado de ensino.

De modo geral, a escola não reconhece, não respeita e não explora a diversidade

linguística; o que existe é um ensino que não legitima a multiculturalidade, constatando-

se que a prática pedagógica que predomina encontra-se dissociada das diretrizes

oficiais, as quais se fundam(entam), predominantemente, em uma perspectiva

sociofuncional.

Nossa expectativa é que essa realidade seja revertida. Nessa direção, a realização

de pesquisas que focalizem a escola, com divulgação dos seus resultados e reflexões

entre os atores nela envolvidos pode ser um passo significativo em direção às

transformações a que todos almejamos.

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ANEXOS

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ENTREVISTA COM O P1 – (E P1)

1. Qual a sua formação? Há quanto tempo leciona Língua Portuguesa? Você atua no

Ensino Fundamental II ou Médio Normal (EJA)?

Tenho Licenciatura em Letras (Português/Inglês). Leciono há 4 anos. Atuo no Ensino

Fundamental II e EJA (7º ano).

2. Suas aulas são compartimentadas: Gramática / Leitura / Produção Textual? Ou você

interliga esses eixos. Poderia explicar?

Gosto de trabalhar com materiais de jornais e revistas e assim trabalho (gramática,

produção e interpretação textual).

3. Você utiliza os ―Parâmetros Curriculares Nacionais‖ para o Ensino Fundamental ou

para o Ensino Médio elaborados pelo MEC? Utiliza também as ―Orientações

Curriculares para o Ensino Médio: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias‖? Ou ainda

os livros de Linguística que a escola dispõe? Gostaria de fazer algum comentário?

Não costumo utilizar.

4. Qual a importância que você dá ao ensino da gramática normativa que leva o aluno a

se apropriar da variedade culta?

O ensino da gramática normativa é muito importante, pois ela serve para que eles

(alunos) se apresentem bem em uma entrevista e ao realizar uma prova, pois este tipo

de linguagem culta é o que vale e está dentro dos padrões da nossa língua.

5. Você considera todas as formas de expressão em sala de aula, explicando a questão

da adequação ou acha que a escola só deve se preocupar com o ensino formal

(prescritivo)?

Sim, pois a partir dessas expressões usadas em sala de aula, utilizo para trabalhar com

as variações linguísticas, mas sem deixar de lado é claro o ensino formal.

6. Você trabalha, em sala de aula, as demais variedades linguísticas (a popular, por

exemplo)? De que forma – explora diariamente ou em um capítulo específico?

Sim, estudando sobre a Região Nordeste.

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7. Como você se comporta com a questão da oralidade (a forma que seus alunos falam

lhe diz alguma coisa)?

A forma que meus alunos falam diz muita coisa, sim. Demonstra o bairro, a região que

eles moram (muitos vieram de outros estados) e o modo de falar e as expressões usadas

por eles são muito diferentes da nossa; então a partir daí introduzo o estudo sobre os

dialetos usados na Região Nordeste.

8. Que tipo de material didático você utiliza nas suas aulas? Que tipo de material a

escola oferece? Todos os alunos têm acesso ao material didático? Poderia fazer

comentários sobre o material didático utilizado?

Além do livro, também utilizo revistas, jornais e aparelho de DVD. A escola oferece

livros, revistas e aparelho de DVD. Utilizar outro tipo de material é muito importante,

pois sair um pouco do modelo de aula tradicional (livro e quadro) faz despertar um

interesse maior dos alunos.

9. Você procura diversificar o material didático? De que forma e com que frequência?

Sim. Sempre que quero fazer uma aula diferente, adoro trabalhar com vídeo, pelo

menos duas aulas por mês.

10. Você faz uso de novas tecnologias em suas aulas? Você e seus alunos possuem

acesso às novas tecnologias? De que tipo? Considera importante o uso de novas

tecnologias? Quais são os benefícios e as dificuldades encontradas?

Sim, temos acesso às novas tecnologia e usamos; a escola possui um laboratório de

informática. O uso dessas tecnologias é muito importante, pois os alunos viajam sem

sair do lugar através da internet que é uma ferramenta muito importante quando usada

corretamente. Os benefícios são vários, pois os alunos conhecem outras culturas,

costumes e locais de nossa região só através da tela, já as dificuldades são os

laboratórios com poucos computadores.

11. Você enfrenta dificuldades junto aos alunos? De que natureza?

Sim, a falta de interesse de alguns alunos que não querem assistir aula e atrapalham

quem realmente quer aprender.

12. Se pudesse escolher, seria professor? Por quê?

Sim, pois para mim é uma das profissões mais interessantes que é através dela que se

forma outras profissões.

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ENTREVISTA COM O P2 – (E P2)

1. Qual a sua formação? Há quanto tempo leciona Língua Portuguesa? Você atua no

Ensino Fundamental II ou Médio Normal (EJA)?

Tenho Licenciatura em Português. Leciono há 18 anos e atuo no Ensino Fundamental

II e no Médio na modalidade EJA

2. Suas aulas são compartimentadas: Gramática / Leitura / Produção Textual? Ou você

interliga esses eixos. Poderia explicar?

Ministro aulas compartimentadas e interligadas. Em um texto, por exemplo, identifico o

gênero textual, a classe gramatical das palavras, sílaba tônica etc.

3. Você utiliza os ―Parâmetros Curriculares Nacionais‖ para o Ensino Fundamental ou

para o Ensino Médio elaborados pelo MEC? Utiliza também as ―Orientações

Curriculares para o Ensino Médio: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias‖? Ou ainda

os livros de Linguística que a escola dispõe? Gostaria de fazer algum comentário?

Estou consciente que todo esse material de apoio são de grande importância para o

docente, mas não tenho o hábito de usá-los.

4. Qual a importância que você dá ao ensino da gramática normativa que leva o aluno a

se apropriar da variedade culta?

É fundamental o aluno conhecer a variedade culta para fazer uso em situações que a

exija.

5. Você considera todas as formas de expressão em sala de aula, explicando a questão

da adequação ou acha que a escola só deve se preocupar com o ensino formal

(prescritivo)?

Todas as formas de expressão devem ser consideradas e analisadas juntamente com o

aluno, mostrando-o a forma mais adequada de uso.

6. Você trabalha, em sala de aula, as demais variedades linguísticas (a popular, por

exemplo)? De que forma – explora diariamente ou em um capítulo específico?

Sim, trabalho com todas as variedades; porém em um bimestre me aprofundo mais.

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7. Como você se comporta com a questão da oralidade (a forma que seus alunos falam

lhe diz alguma coisa)?

É preocupante, mostra que eles não têm o hábito da leitura, gostam de falar gírias e

palavrões, principalmente os meninos. Tornando o vocabulário limitado.

8. Que tipo de material didático você utiliza nas suas aulas? Que tipo de material a

escola oferece? Todos os alunos têm acesso ao material didático? Poderia fazer

comentários sobre o material didático utilizado?

O material que uso nas aulas é o livro didático e também recorro a outras fontes, como

a internet. A escola oferece computadores e data-show que são usados por alunos e

professores quando precisam.

9. Você procura diversificar o material didático? De que forma e com que frequência?

O livro didático sempre vem diferente da opção escolhida pelos professores e se faz

necessário buscar outras fontes. Às vezes, substituo o livro didático e com assuntos

dados, faço uma espécie de painel eletrônico, a equipe escolhe número, eu faço a

pergunta, se a equipe acertar recebe um bombom. Recentemente fiz com o tema: Festas

Juninas, conhecendo as comidas típicas, músicas, símbolos, danças, brincadeiras etc.

Explorando também, a gramática como: ortografia.

10. Você faz uso de novas tecnologias em suas aulas? Você e seus alunos possuem

acesso às novas tecnologias? De que tipo? Considera importante o uso de novas

tecnologias? Quais são os benefícios e as dificuldades encontradas?

Quanto às novas tecnologias oferecidas na escola, não costumo usá-las na sala de aula.

11. Você enfrenta dificuldades junto aos alunos? De que natureza?

Os alunos estão sempre com celulares e tablets que poderiam ser usados para várias

atividades escolares, mas, ao contrário, eles usam de uma maneira errônea,

prejudicando assim, sua aprendizagem e dificultando o trabalho do professor.

12. Se pudesse escolher, seria professor? Por quê?

Apesar de gostar de ensinar, hoje, não escolheria ser professora pois é uma profissão

árdua e sem reconhecimento dos poderes públicos.

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ENTREVISTA COM O P3 – (E P3)

1. Qual a sua formação? Há quanto tempo leciona Língua Portuguesa? Você atua no

Ensino Fundamental II ou Médio Normal (EJA)?

Magistério, Pedagogia. Fiz até o quinto período de Letras e conclui Pós-graduação em

Psicopedagogia. Leciono há 22 anos, Ensino Fundamental II, no Médio Normal e

Médio EJA.

2. Suas aulas são compartimentadas: Gramática / Leitura / Produção Textual? Ou você

interliga esses eixos. Poderia explicar?

São compartimentadas – seis aulas por semana; em duas aulas ensino gramática, nas

outras duas, literatura e nas duas seguintes, produção textual. Porém, nas atividades

procuro interligar esses eixos.

3. Você utiliza os ―Parâmetros Curriculares Nacionais‖ para o Ensino Fundamental ou

para o Ensino Médio elaborados pelo MEC? Utiliza também as ―Orientações

Curriculares para o Ensino Médio: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias‖? Ou ainda

os livros de Linguística que a escola dispõe? Gostaria de fazer algum comentário?

Leio os PCN e as Orientações curriculares para o ensino médio. Não tenho o costume

de ler os livros de linguística.

4. Qual a importância que você dá ao ensino da gramática normativa que leva o aluno a

se apropriar da variedade culta?

A gramática normativa é importante porque prescreve as normas do bem falar e

escrever, impondo um uso único da língua; não levando em conta fatores regionais,

contextuais e sociais que determinam usos diferenciados.

5. Você considera todas as formas de expressão em sala de aula, explicando a questão

da adequação ou acha que a escola só deve se preocupar com o ensino formal

(prescritivo)?

Sim, porque cada pessoa tem sua forma de se expressar, só que, os educadores têm a

responsabilidade de ajudar o educando em sala de aula, a melhorar sua forma de

expressão.

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6. Você trabalha, em sala de aula, as demais variedades linguísticas (a popular, por

exemplo)? De que forma – explora diariamente ou em um capítulo específico?

Sim, mostrando sempre aos educandos que devemos nos esforçar e falarmos a

linguagem culta. Este processo de aprendizagem é lento, por isso tem de ser explorado

diariamente.

7. Como você se comporta com a questão da oralidade (a forma que seus alunos falam

lhe diz alguma coisa)?

Me comporto bem e entendo a foram que eles se expressam, mas procuro mostrar onde

eles erram e que devem melhorar a fala.

8. Que tipo de material didático você utiliza nas suas aulas? Que tipo de material a

escola oferece? Todos os alunos têm acesso ao material didático? Poderia fazer

comentários sobre o material didático utilizado?

O material didático que utilizo: livro, lousa. A escola oferece computadores, livros,

retroprojetor, vídeo, televisão. Na escola que leciono tem bastante material didático e

todos os alunos tem acesso.

9. Você procura diversificar o material didático? De que forma e com que frequência?

O material didático é oferecido aos alunos sempre que precisam, principalmente na

apresentação de seminários.

10. Você faz uso de novas tecnologias em suas aulas? Você e seus alunos possuem

acesso às novas tecnologias? De que tipo? Considera importante o uso de novas

tecnologias? Quais são os benefícios e as dificuldades encontradas?

Nem sempre utilizo, apesar de termos acesso às tecnologias, como o laboratório de

informática, o data-show, por exemplo. Considero importante utilizar; os alunos

encontram mais facilidade a partir do momento que usam o computador para pesquisar

os trabalhos. E a dificuldade é que existem os alunos que não se interessam pela

aprendizagem, na realidade muitos estão em sala de aula por estar.

11. Você enfrenta dificuldades junto aos alunos? De que natureza?

A dificuldade que encontro atualmente em trabalhar com meus alunos é o celular,

principalmente na hora que estou explicando o conteúdo. Para muitos o jogo e outras

atrações do celular é mais importante que o conteúdo abordado e isto tem causado

muitos problemas para o professor que deseja sempre melhor aprendizagem para o

aluno.

12. Se pudesse escolher, seria professor? Por quê?

Atualmente, se pudesse não exercia mais a função de professora, pois há alguns anos

atrás era bem mais gratificante ser professor, havia respeito, consideração, esforço e

educação no corpo descente. Mas, apesar de tudo faço que amo.

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ENTREVISTA COM O P4 – (E P4)

1. Qual a sua formação? Há quanto tempo leciona Língua Portuguesa? Você atua no

Ensino Fundamental II ou Médio Normal (EJA)?

Tenho Graduação em Letras pela Universidade Católica de Pernambuco e

Especialização em Estudo da Língua Portuguesa pela FATEC. Leciono desde 1976,

quando comecei a dar aulas no Colégio Nóbrega, da Congregação dos padres Jesuítas,

em Recife. Trabalhei em outras escolas particulares, também lecionando a língua

portuguesa. No momento leciono em Surubim-PE, na Escola Estadual Maria Cecília

Barbosa Leal, desde 1993, e na Escola EEFM Durval Guedes, em Acaú-PB, a partir de

2012. Somando o tempo, então, tenho 37 anos trabalhando a língua portuguesa. Atuo

no Ensino Fundamental II ( Turma 9ºAno) e no Ensino Médio (Turmas 1º, 2º e 3º Ano)

na modalidade regular.

2. Suas aulas são compartimentadas: Gramática / Leitura / Produção Textual? Ou você

interliga esses eixos. Poderia explicar?

Hoje, o ensino da língua portuguesa não pode ser unicamente, ministrado de forma

compartimentada. Se estamos trabalhando um texto, temos que mostrar ao aluno que a

gramática está ali, dentro do texto. É a gramática que o estrutura, que nos possibilita

compreender e interpretá-lo. É interessante que haja uma articulação entre esses três

setores, via propostas de intersecções de conteúdos que caracterizam cada setor, de

modo que haja diálogo constante e processo contínuo de coesão entre eles. Cabe a nós

professores possibilitar outras articulações, atentando para o seguinte fato: assim

como os textos explorados do ponto de vista da análise linguística podem e devem ser

percebidos em seus traços estilísticos e contextuais, os textos analisados do ponto de

vista literários podem e devem ser abordados na perspectiva de sua organização

linguística. A criatividade pertence a cada um, é só pôr em prática.

3. Você utiliza os ―Parâmetros Curriculares Nacionais‖ para o Ensino Fundamental ou

para o Ensino Médio elaborados pelo MEC? Utiliza também as ―Orientações

Curriculares para o Ensino Médio: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias‖? Ou ainda

os livros de Linguística que a escola dispõe? Gostaria de fazer algum comentário?

Se o objetivo maior é preparar o jovem para participar de uma sociedade complexa

como a atual, que requer aprendizagem autônoma e contínua ao longo da vida, eis o

desafio que temos pela frente. Para tanto, os Parâmetros Curriculares Nacionais e as

orientações curriculares para o Ensino Médio norteiam as nossas práticas pedagógicas

em busca de uma melhoria do ensino. Os livros de linguística também nos ajudam

bastante, leio sempre.

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4. Qual a importância que você dá ao ensino da gramática normativa que leva o aluno a

se apropriar da variedade culta?

Não priorizo a gramática pura. Já foi o tempo em que escrevíamos uma frase no

quadro e ensinávamos a sua estrutura – classe morfológica e funções sintáticas. Hoje,

trabalhamos a gramática contextualizada, o que facilita ao aluno apropriar-se da

variedade culta da língua, mas sem excluir o que ele sabem.

5. Você considera todas as formas de expressão em sala de aula, explicando a questão

da adequação ou acha que a escola só deve se preocupar com o ensino formal

(prescritivo)?

É fundamental trabalhar as variedades linguísticas. O que, infelizmente, o estudo

prescritivo despreza, uma vez que objetiva levar o aluno a substituir seus próprios

padrões linguísticos, considerado errados/inaceitáveis por outro corretos/aceitáveis. É,

portanto, um ensino que interfere com as habilidades desenvolvidas pelos próprios

alunos.

Embora não despreze o ensino prescritivo, dou preferência ao ensino descritivo que

objetiva mostrar ao aluno como a linguagem funciona e como determinada língua em

particular funciona. Isso sem, necessariamente, alterar habilidades já adquiridas pelo

aluno, porém, mostrando-lhes a necessidade de saber algo da instituição linguística de

que se deve utilizar para atuar melhor em nossa sociedade (que exige um saber mais

formal).

6. Você trabalha, em sala de aula, as demais variedades linguísticas (a popular, por

exemplo)? De que forma – explora diariamente ou em um capítulo específico?

Gosto de trabalhar gêneros textuais variados com meus alunos. Aproveito para

ensinar-lhes as características, chamar atenção da linguagem aplicada, a semântica

em uso, entre outras situações que o texto oferece.

7. Como você se comporta com a questão da oralidade (a forma que seus alunos falam

lhe diz alguma coisa)?

Sim, falam muito deles. Eu procuro explorar essa bagagem mostrando as possibilidade

de adequação. Nunca corrigo, dizendo que a fala deles é certa ou errada; mas, saliento

que os contextos sociais apontam para como devem se expressar e por esse motivo eles

precisam se apropriar da linguagem culta, para não ficar em desvantagens em

determinadas situações.

8. Que tipo de material didático você utiliza nas suas aulas? Que tipo de material a

escola oferece? Todos os alunos têm acesso ao material didático? Poderia fazer

comentários sobre o material didático utilizado?

Todos os meus alunos do Ensino Médio possuem o livro didático de língua portuguesa,

o qual utilizamos bastante. A escola dispõe de livros de literatura os quais também

utilizo para resumos, seminários etc. Possui também aparelhos tecnológicos os quais

não utilizo.

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9. Você procura diversificar o material didático? De que forma e com que frequência?

Além dos materiais descritos acima, sempre trago textos impressos para trabalhar de

acordo com o objetivo da aula (gramática, produção textual, leitura e debate etc.)

Ainda utilizo textos de jornais e revistas que me dão o suporte para trabalhar gêneros

textuais diversos. Aproveito a oportunidade e trabalho as características de cada

gênero que circula em nosso meio.

10. Você faz uso de novas tecnologias em suas aulas? Você e seus alunos possuem

acesso às novas tecnologias? De que tipo? Considera importante o uso de novas

tecnologias? Quais são os benefícios e as dificuldades encontradas?

Trabalhar com apoio de novas tecnologias torna a aula mais atrativa, sem dúvida.

Gostaria de poder usar transparências- retroprojetor-, vídeos, data show(material que

a escola dispõe), mas sinto falta de apoio técnico para isso.

11. Você enfrenta dificuldades junto aos alunos? De que natureza?

Tenho um bom relacionamento com meus alunos, porém o que às vezes atrapalha a

aprendizagem do grande grupo é a inquietação constante de alguns, a falta de

concentração, pouco interesse em aprender o novo, o não cumprimento de tarefas para

casa e a carência de uma boa formação doméstica.

12. Se pudesse escolher, seria professor? Por quê?

Amo o que faço. Está diante de uma turma transmitindo o que sei e, mais ainda,

mostrar o outro lado da vida, preparando o meu aluno para além dos muros da escola,

é algo mais que gratificante. Apesar de todas as dificuldades que enfrentamos nesta

profissão, sei que vale a pena ser educadora /professora.

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PROPOSTA DE ATIVIDADE – (PA P1)

EEEFM Durval Guedes

Profª: Professora 1 (P1)

Disciplina: Português

Série: 8º ano do Ensino Fundamental II, na modalidade regular.

Quantidade de aulas: 3 aulas geminadas

Aula com o filme ―Escritores da Liberdade‖

Conhecimentos prévios trabalhados pelo professor com o aluno.

Habilidades básicas de leitura e escrita; categorias narrativas como tempo, espaço,

personagens, orientação inicial, conflito e desfecho.

Estratégias e Recursos da aula

Atividade 1

Antes de passar o filme, perguntei sobre o que eles acham que pode se tratar

esse vídeo.

Pedirei aos alunos que prestem atenção ao filme e façam algumas anotações,

pois serão questionados para um trabalho posterior.

Atividade 2

Sobre o filme responda:

1. Onde se passa a história narrada pelo filme?

2. Quando ela acontece?

3. Quem são os personagens envolvidos?

4. Qual a história narrada pelo filme?

5. O que a personagem principal faz?

Agora resuma com suas palavras:

Como começa o filme;

Seu Desenvolvimento;

Seu Final.

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PROPOSTA DE ATIVIDADE – (PA P2)

EEEFM Durval Guedes

Profª: Professora 2 (P2)

Disciplina: Português

Série: 8º ano do Ensino Fundamental II, na modalidade Educação de Jovens e Adultos.

Conteúdo: Festas juninas

Objetivo: Reconhecer a importância do trabalho coletivo.

Enriquecer o conhecimento da turma quanto aos costumes das Festas Juninas.

Explorar a ortografia.

Atividades

1. A quadrilha tem origem:

a. ( ) brasileira

b. ( ) francesa

c. ( ) espanhola

2. Qual a música predominante nas Festas Juninas?

3. Quais são os santos comemorados no mês de junho?

4. Qual a sílaba tônica da palavra quadrilha?

5. Esta festividade foi trazida para o Brasil por:

a. ( ) italianos

b. ( ) portugueses

c. ( ) espanhóis

6. Qual o nome do Santo que é considerado casamenteiro?

7. A palavra música em relação a sílaba tônica é:

a. ( ) oxítona

b. ( ) paroxítona

c. ( ) proparoxítona

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8. Em que região as Festas Juninas ganham maior expressão?

9. Quais são os instrumentos musicais mais característicos da quadrilha?

10. Faça a divisão silábica da palavra predominante.

11. Cite um símbolo do São João.

12. Que tipo de locução nós temos na expressão Festas de junho?

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PROPOSTA DE ATIVIDADE – (PA P3)

EEEFM Durval Guedes

Profª: Professora 3 (P3)

Disciplina: Português

Série: 3º ano do Ensino Médio, na modalidade Educação de Jovens e Adultos.

Conteúdo: Orações Subordinadas Substantivas

Objetivo: Identificar e classificar os tipos de orações subordinadas substantivas.

Atividade trabalhada em sala de aula:

1. Leitura.

2. Aula expositiva.

3. Atividades escritas e orais.

Atividades

1. Leia este texto:

Quando se diz que o Brasil é o paraíso da adrenalina, não podemos esquecer um

minuto sequer do estímulo à prevenção de acidentes. Isso porque quem enfrenta

montanhas, corredeiras, trilhas e cachoeiras nem sempre coleciona apenas histórias

felizes para contar. A Associação Férias Vivas identificou que a grande maioria das

ocorrências não teria acontecido se houvesse uma maior fiscalização por parte do poder

público. Ocorrências essas que foram originadas por falhas humanas, de procedimento e

de equipamento. Alertamos ao consumidor, em geral leigo e amador, que ele planeje

muito bem a atividade antes de pôr o pé na estrada. É fundamental que se dedique

especial atenção à escolha do fornecedor de serviço (pessoa física ou empresa), antes de

colocar uma ou mais vidas em suas mãos.

S. Baile – Coordenadora Executiva da Associação Férias Vivas – São Paulo.

Revista Isto É, seção CARTAS, n. 1762. São Paulo, 9 jul.2003. Fragmento.

a) As orações assinaladas no texto são subordinadas substantivas. Diga que função cada

uma delas está exercendo no texto.

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2. Examine os períodos abaixo e:

Destaque os verbos;

Separe as orações;

Encontre as orações subordinadas e sublinhe-as;

Diga qual é a oração principal e qual é a subordinada. Lembre-se de que as

orações subordinadas começam com as conjunções subordinativas;

Diga que função a subordinada exerce na sua principal.

a) A verdade é que precisamos de amigos.

b) É fundamental que você compareça à reunião.

c) Falei com a vizinha que pegou nossa bola.

d) Nosso grupo foi elogiado por quem viu nosso trabalho.

e) Lembre-se de que você é meu irmão.

f) Mandou que o cachorro se calasse.

g) Quando choveu, a festa acabou.

h) Só quero uma coisa: que você me deixe em paz.

i) Tenho a impressão de que ele se assustou comigo.

3. Identifique e classifique as orações subordinadas substantivas:

a) Que você compre tudo no cartão é ilusão.

b) A notícia alarmante é que os meios de comunicação contribuem para o aumento da

violência.

c) Desejamos a todos que tenham sorte na vida.

d) Eu me lembrei de que não tinha escovado os dentes.

e) Devemos ter fé de que ele vai conseguir.

f) As revistas mostraram o fato: que o incêndio não foi acidente.

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PROPOSTA DE ATIVIDADE – (PA P4)

EEEFM Durval Guedes

Profª: Professora 4 (P4)

Disciplina: Português

Série: 2º ano do Ensino Médio, na modalidade regular.

Plano de Aula

Tempo: 2 aulas de 50 minutos

1. Assunto

Mecanismo de Coesão Textual

* Coesão lexical por sinônimos

* Coesão lexical por repetição do mesmo item

* Coesão por referência

2. Introdução

Um texto, além de apresentar coerência, deve primar por utilizar elementos

que o tornem coeso em suas ideias

Uma das propriedades que distingue um texto de um amontoado de

palavras ou frases é o relacionamento existente entre si. De que trata, então, a coesão

textual? Da ligação, da relação, da conexão entre as palavras de um texto, através de

elementos formais, que assinalam o vínculo entre os seus componentes.

3. Objetivos

3.1. Perceber a importância dos mecanismos coesivos de referência por substituição;

3.2. Perceber a importância da referência na engrenagem de um texto, feita através de

mecanismos lexicais;

3.3. Compreender a importância dos pronomes retos e oblíquos como elementos de

coesão de um texto;

3.4. Perceber o valor da reiteração no relacionamento entre as partes de um texto;

3.5. Perceber e empregar mecanismos de reiteração: repetições, sinônimos,

substituições lexicais.

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4. Procedimentos

4.1. Exposição do conteúdo através de exemplos em enunciados curtos trabalhados

no quadro;

4.2. Leitura e análise de pequenos textos para compreender os mecanismos de coesão

em estudo.

4.3. Revisar pronomes pessoais retos e oblíquos, facilitando seu reconhecimento e

emprego no texto;

5. Atividade Proposta

Complementar textos usando os mecanismos de coesão textual:

* Coesão lexical por sinônimos

* Coesão lexical por repetição do mesmo item

* Coesão por referência

6. Avaliação

A avaliação será contínua, diagnóstica e dialógica.

Atividades

Assunto: Mecanismos de Coesão

1. Coesão lexical por sinônimos

Complete as lacunas com estas palavras que substituem a palavra "ovelha".

- a companheira encaracolada

- a amiga lanuda

- ovelhinha

Complete as lacunas com estes vocábulos que substituem a palavra "cavalo(s)".

- puro sangue

- Esses espíritos suscetíveis

- equino

2. Coesão lexical por repetição do mesmo item

Complete as lacunas com

- cavalos

- cavalos

- Dani Angeli

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3. Coesão por referência

Circule os pronomes que se referem a "ovelha".

Sublinhe os pronomes que se referem a "cavalo".

1. Observe os mecanismos de coesão acima citados e depois complete o texto abaixo:

Texto 01: Uma cocheira para dois David Coimbra - (Zero Hora, 28/3/1996)

Algumas pessoas têm a sensibilidade de um cavalo. São poucas, porém. Nem

todas demonstram tanta ternura quanto __________________________ que se

equilibram sobre quatro ferraduras. E às vésperas de um grande acontecimento do

mundo ________________________________ , como o GP Bento Gonçalves do

próximo domingo, eles se tornam ainda mais dados a melindres, tais são os mimos que

lhes dispensam cavalariços, proprietários, jóqueis e treinadores.

_________________________ são carentes. Nada pior para eles do que a solidão.

Precisam de uma companhia. Qualquer uma. Outros ___________________________ ,

se possível. Não sendo, se contentam com uma ovelha, um galo-de-briga, até um

radinho de pilha. Em último caso, serve um espelho para lhes dar a ilusão de que não

estão sós no escuro da cocheira. O __________________________ inglês Dani Angeli,

três anos de idade, se afeiçoou especialmente a uma

______________________________ que vive no Grupo de Cocheiras Clóvis Dutra, na

Vila Hípica do Cristal.

Quando ____________________________ não está por perto,

________________________________ fica inquieto. Não dorme sem ela. Uma noite

longe da __________________________________ significa uma noite de insônia, de

ranger nostálgico de dentes e patadas nervosas na forragem que lhe serve como leito.

Ao raiar da manhã, o cavalariço o encontra irreconhecível, estressado, incapaz de

enfrentar um dia de trabalho ____________________________________ e a ovelhinha

dormem juntos, passeiam diariamente lado a lado e até quando ele viaja para disputar

alguma prova fora do Estado ela precisa ir junto. Sem

___________________________________ Dani Angeli não é ninguém.

2. Complete as lacunas do texto a seguir com:

Ribamar

O autor de ―Marimbondos de Fogo‖

ex-presidente da República

as beldades.

Texto 02: Erva e marimbondos (Zero Hora, 18/04/1996)

A rainha e princesas da Feira Nacional do Chimarrão, de Venâncio Aires, animaram a

manhã do presidente do Senado, José Sarney, ontem.

___________________________________ é convidado especial da Fenachim, que se

realiza de 3 a 12 de maio.

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Ciceroneadas pelo governador Antônio Britto, _______________________ entregaram

um pacote de boa erva ao ________________________________________. Não será

de grande proveito. Natural do Maranhão e eleito pelo Amapá,

_____________________________________ está mais acostumado com água de coco.

3. Leia o texto 03 a seguir, completando as lacunas com o emprego do mecanismo de

coesão lexical por sinônimo.

o aniversariante

O Pontífice

João Paulo II

O Sumo Pontífice

O Santo Padre

o Papa

O papa João Paulo II disse ontem, dia de seu 77º aniversário, que seu desejo é "ser

melhor". __________________________reuniu-se na igreja romana de Sant'Attanasio

com um grupo de crianças, uma das quais disse: "No dia do meu aniversário minha

mãe sempre pergunta o que eu quero. E você, o que quer?

_______________________________ respondeu: "Ser melhor".

Outro menino perguntou a _________________________ que presente gostaria de

ganhar neste dia especial. "A presença das crianças me basta", respondeu

____________________. Em seus aniversários, ______________________________

costuma compartilhar um grande bolo, preparado por irmã Germana, sua cozinheira

polonesa, com seus maiores amigos, mas não sopra as velinhas, pois este gesto não faz

parte das tradições de seu país, a Polônia. Os convidados mais frequentes a

compartilhar nesse dia a mesa com ________________________ no Vaticano são o

cardeal polonês André Marie Deskur e o engenheiro

Jerzy Kluger, um amigo judeu polonês de colégio. Com a chegada da primavera,

_____________________ parece mais disposto. _____________________________

deve visitar o Brasil na primeira quinzena de outubro.

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CRÔNICA – SENHORA DONA NORMA CULTA

Permita-me que me apresente: Sou Edna Lopes, professora. Tenho 47 anos, 20 e tantos

dos quais como profissional da Educação. Nasci de pai agricultor, mas dono de seu

pedaço de chão e de mãe professora. Aos quatro anos aprendi a ler, aos sete entrei numa

escola pública, mesmo ano em que conheci a luz elétrica. Na escola pública terminei o

2º grau aos dezessete e aos dezoito entrei numa universidade pública, colando grau aos

vinte dois. Fiz pós-graduação em Educação Popular e também em Coordenação

Pedagógica para a Educação Básica, sendo aprovada nos dois únicos concursos públicos

que já fiz na vida, que me garantem o sustento e a satisfação de atuar numa profissão, se

não prestigiada, mas extremamente importante para o desenvolvimento de um povo, de

uma nação.

Tudo isso para lhe dizer que antes, bem antes de me graduar já era professora em

classes de crianças e depois em classes de jovens, de adultos e idosos esperançosos pela

melhoria de suas vidas, de suas profissões através da educação, portanto minha

experiência não só veio dos meus diplomas, nem dos tantos livros que li, nem dos

congressos que participei e participo.

Tudo isso para lhe dizer também que nunca, nunquinha, meu fazer profissional se

arvorou em assinar laudo, passar receita, fazer planta de casa, apresentar noticiário,

instruir processo, construir casa ou fabricar móveis, e me causa espécie ver que, EM

SEU NOME, especialistas de ocasião, opinam sobre uma realidade que conhecem

talvez de ouvir falar, afinal o universo de pessoas adultas analfabetas ou analfabetas

funcionais certamente está há anos luz da classe dirigente e intelectualizada desse país.

Dos ―imortais‖ então, nem se fala!

Lamento que EM SEU NOME se use ―um texto, sem um contexto, para um pretexto‖.

Lamento mas ao mesmo tempo fico feliz porque a real face de um país se revela! O

quanto somos manipuláveis, superficiais! O quanto somos intolerantes, impacientes!

Senhora Dona Norma Culta, nenhum, mas NENHUM PROFISSIONAL SÉRIO, seja

ele professor, escritor, jornalista ou algo que o valha jamais irá dizer que SEU LUGAR

não é também a escola. A sala de aula, espaço da pluralidade e do conhecimento é o

lugar do acolhimento de TODAS as variantes da língua que ali devem ser expostas,

ressignificadas, avaliadas, compreendidas, aprendidas.

Que fique bem claro: não sou da turma de quem quer que seja e não formulo opinião

baseada em noticiários tendenciosos, em notas ou pronunciamentos superficiais,

açodados, mas não me espanto com quem o faz. Quem é capaz de condecorar com sua

mais alta honraria pessoas que NADA fizeram pela ―flor do Lácio‖ é capaz de muitos

mais equívocos e quem viver verá.

A senhora continuará sendo a VARIANTE DE PRESTIGIO, fique tranquila! E jamais

duvide o quanto sou sua defensora, o quanto me esforço para que quem comigo

caminha compreenda-a e utilize-a quando tiver que se comunicar falando ou

escrevendo.

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Mas reitero meu posicionamento: quem lhe defende como única só precisa ter ouvidos

de ouvir e olhos de ver, não é? Que pena que não aprenderam, pra valer mesmo,

aprender de apreender, de assimilar que a língua é de quem a usa e não de bolorentas

gramáticas, não de arrogantes portadores de diplomas, ou de imortalidade duvidosa.

Quero concluir minha prosa com a Senhora lembrando um lindo poema do imortal, ao

meu coração, Solano Trindade ―Senhora Gramática / perdoai os meus pecados

gramaticais. / Se não perdoardes senhora / eu errarei mais.‖

Senhora Dona Norma Culta, despeço-me. Serei aprendiz sempre, pois continuarei

errando no intuito de acertar.

Edna Lopes - é pedagoga

FONTE: http://www.reporteralagoas.com.br/noticia_cidades.php?cd_secao=253

Acessado em: 07/07/2013

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CRÔNICA – A REVOLTA DOS PRONOMES

Está acontecendo uma verdadeira reviravolta na gramática e no universo da

morfosintaxe. Tudo começou com a rebelião das preposições e substantivos, que se

recusam (terminantemente) a continuarem se associando para formação de locuções

adverbiais ou adjetivas. Ontem, durante uma manifestação no centro do Rio, uma das

preposições essenciais (o ‘de’) fez a seguinte afirmação. ―Nós, preposições, não temos o

menor prazer nessa associação compulsória com os substantivos, quando então somos

forçadas a formar locuções certinhas mundo afora, e contra a nossa vontade. O pior é

quando ainda nos obrigam a sermos parte desses tais adjuntos. Sinceramente, nada

temos a ver com eles, sejam (ou não) adnominais. Como preposições que somos,

queremos sempre, e irremediavelmente, fluir na boca do povo. Chega desse blá blá blá

de perder tempo pra saber se expressamos, ou não, a tal ‗exigência gramatical‘. Se os

complementos ‗clamam‘ pela nossa presença, eles que se danem. De hoje em diante, só

iremos se quisermos‖, desabafou, enquanto esperava pela chegada de preposições

acidentais, adjetivos, pronomes substantivos, demonstrativos e relativos convocados

para o grande ato público em frente à Academia Brasileira de Letras Mortas, onde se

encastelam os doutos nas regras gramaticais.

Outro foco de grande tensão, segundo especialistas nessa maravilhosa língua

que é a Portuguesa, está na recusa do ‗que‘ em exercer os diversos papeis para ele

definidos na gramática normativa. Segundo declarou recentemente ao jornal ‗Mundo

das Letras em Crise’, o ‗que‘ alegou fadiga e cansaço, manifestando o desejo de se

livrar, para sempre, dessas inúteis classificações. ―A cada dia, me chamam de uma coisa

diferente, ora advérbio, ora pronome, conjunção e não sei mais o quê. Pra que isto tudo?

Não dá pra gente se comunicar sem isso?‖, perguntou.

Do jeito que está, não dá mais pra ficar

Mais uma crise de grande monta também está acontecendo em relação ao ‗se‘,

que na semana passada deu verdadeiro ultimato aos lingüistas no sentido de que o

esqueçam. ―Não suporto mais ficar horas vendo as pessoas discutindo baboseiras na

tentativa de descobrir se, em determinada frase, eu sou partícula apassivadora, pronome

indeterminador do sujeito, pronome reflexivo, partícula expletiva e etc, etc, etc. Do jeito

que está, não dá mais pra ficar. Qual o sentido de ‗aprender‘ essas coisas todas se, cinco

minutos depois, vai todo mundo esquecê-las mesmo? Pra que saber isso?‖.

E a crise continua. De vários pontos do país, objetos diretos e indiretos,

embora rígidos, vêm manifestando a intenção de não mais aceitar o papel de

pleonásticos. Para eles, essa história de aparecerem deslocados no início da frase,

separados por vírgula, e depois serem retomados mais à frente é coisa de criança, de

boboca que só pensa em inutilidades.

O descontentamento é tamanho que a tendência tem sido um significativo

aumento das mobilizações. Há cerca de três dias, durante ato público em frente

ao Palácio da Gramática Decadente, no Centro do Rio, o pronome lhe‘, artigos,

numerais e orações adjetivas restritivas afirmaram, do alto de um carro de som, o desejo

de não mais serem parte da análise sintática e da morfologia, admitindo conversar

apenas sobre as variações semânticas que surgem da fala do povo. Em resposta, cerca de

35 burocratas do Palácio da Gramática Decadente emitiram documento no qual

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qualificaram de barbaridade as declarações do lhe durante a referida manifestação,

ameaçando os rebeldes com enérgicas punições.

O mundo de pernas pro ar

Após tomarem conhecimento das mobilizações no centro do Rio de Janeiro,

pronomes demonstrativos começaram a se articular e, em entrevista coletiva na sede

da Associação pela Subversão Total das Regras Gramaticais, disseram-se dispostos

a quebrar a estabilidade das regras e convenções, exigindo o direito, que consideram

legítimo, de produzir ambiguidades a todo instante, e de passear sem limites por

anáforas e catáforas....

Como uma espécie de reação em cadeia, o verbo haver também marcou seu

protesto, mas por razões pessoais: tranquilamente, avisou e disse que não mais aceitará

a condição de impessoalidade, alegando ter rompido, definitivamente, uma antiga

relação de amizade com o ‘existir’ e o ‘ter’. ―Antigamente’ — disse o ‘haver’ — nos

visitávamos constantemente, tamanha era nossa proximidade. Éramos como irmãos,

tanto que, em algumas ocasiões, eu até admitia que o ‘ter’ me substituísse em algumas

frases, o que era bem legal. Mas agora tudo acabou. Se eu os encontrar numa dessas

manifestações por aí, vou fingir que não os conheço‖.

Um grande ato público está programado para a próxima semana, em frente

à Academia Brasileira de Letras Mortas. Palavras denotativas, modalizadores

textuais, interjeições e palavras atrativas já confirmaram presença. O Sindicato dos

Pronomes Relativos Unificados fretou 45 ônibus que trarão manifestantes de diversos

pontos do Estado.

Numa tentativa desesperada de ‗pôr ordem na casa‘, evitar uma subversão

total dos valores até então reinantes e desmobilizar a manifestação da próxima semana,

estudiosos que se apresentam como proprietários da língua ordenaram, em nome da

coesão e coerência, a imediata volta de todos [pronomes, substantivos, adjetivos,

advérbios, verbos etc.] ao bom convívio das regras gramaticais. Não adiantou. Além de

não retornarem, as classes ainda disseram aos gramáticos que preferiam ‗ficar com o

povo‘, curtindo a gíria e a fala coloquial das ruas, praças e botecos.

Escolhido pelo grupo como seu porta-voz, o verbo andar saiu-se com esta:

―por que nós, verbos, temos que variar de acordo com o pronome pessoal reto? Por quê?

Por que não dizer Eu anda, Tu anda, Ele anda, Nós anda, Vós anda, Eles anda? Não

seria mais simples? Não seria melhor? Não seria mais fácil e racional? Afinal, não é

essa a fala do caipira do Brasil? É muito mais simples. É a fala do povo. Não é mesmo?.

André Pellicione

texto publicado originalmente como um comentário de André Pelliccione ao artigo 'Os

Xerifes da Língua', do professor José Ribamar Bessa Freire

Fonte: http://www.taquiprati.com.br/cronica.php?ident=918

Acessado em: 07/07/2013

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