O TRÁFICO DE ESCRAVOS, A PRESSÃO INGLESA E A o-Daniel- · PDF fileRevista...
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O TRFICO DE ESCRAVOS, A PRESSO INGLESA E A LEI DE 1831
Joo Daniel Antunes Cardoso do Lago Carvalho1
RESUMO A Lei de 7 de novembro de 1831, tambm conhecida como Lei Feij-Barbacena, foi criada com o intuito de extinguir a entrada de novos escravos em territrio brasileiro, se constituindo na primeira norma nacional neste sentido. Ela tambm pode ser entendida a partir das relaes diplomticas entre a Gr-Bretanha e o Imprio do Brasil, visto que suas origens se encontram j na Conveno Anglo-brasileira de 23 de novembro de 1826, em que o governo brasileiro se comprometeu em tornar o comrcio de cativos uma atividade de pirataria em at trs anos, o que ocorreu em 13 de maro de 1827. Este artigo um exame dos fatos que levaram a promulgao da norma antitrfico brasileira, enfatizando que ela pode ser considerada, no momento de sua criao, uma vitria diplomtica do governo britnico com relao ao Brasil.
Palavras-chave: Brasil; Inglaterra; Lei de 1831; Conveno de 1826; trfico de escravos. ABSTRACT The Law of November 7, 1831, also known as "Lei Feij-Barbacena," was created in order to extinguish the entry of new slaves in Brazil, constituting the first national standard in this regard. It can also be understood from the diplomatic relations between Britain and the Empire of Brazil, since its origins lie already in the Anglo-Brazilian Convention of 23 November 1826, when the Brazilian government has pledged to make the slave trade a pirate activity by up to three years, which occurred on March 13, 1827. This article is an examination of the facts that led to the promulgation of the standard Brazilian anti-trafficking, emphasizing that it can be considered, in the moment of its creation, a diplomatic victory of the British government in relation to Brazil.
Keywords: Brazil; England; Law of 1831; Convention of 1826; slave trade
1 Mestrando do programa de ps graduao em histria da UNIVERSO/RJ.
Revista de Histria Econmica & Economia Regional Aplicada Vol. 7 N 13 Jul-dez 2012
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Introduo
A Lei de 7 de novembro de 1831 foi a primeira norma brasileira a proibir a
entrada de escravos africanos nos portos do Brasil. Conhecida tambm como Lei Feij-
Barbacena, sua construo est inserida no contexto maior das relaes diplomticas
entre o Imprio brasileiro e a Gr-Bretanha nas dcadas iniciais do sculo XIX. A vinda
da famlia real para o Rio de Janeiro, em 1808; a independncia do Brasil perante
Portugal, em 1822; e a promulgao da lei; tudo isso est, de alguma forma, conectado
aos anseios britnicos de erradicao do trfico atlntico (BETHELL, 2002). O que se
tentar a seguir demonstrar, atravs de alguns documentos alocados no Arquivo
Histrico do Itamaraty, no Rio de Janeiro, e de uma bibliografia pertinente, que as
presses externas vindas do governo britnico foram muito importantes para que a
norma antitrfico fosse criada.
A questo do trfico entre Inglaterra e Portugal
No incio do sculo XIX, grande parte dos territrios da Europa j estava sob
comando do general francs Napoleo Bonaparte. Mas havia dois pases que ainda no
tinham se curvado. Um era a Inglaterra, grande potncia martima e comercial da poca
e rival histrica dos franceses; o outro, um pequeno reino incrustado no litoral atlntico
da Pennsula Ibrica. Era Portugal.
Importante na era dos descobrimentos, o pas agora passava por uma situao um
tanto constrangedora. Seu domnio na Amrica era o local economicamente mais
vibrante de todo o imprio portugus no final do sculo XVIII (ARRUDA, 2008). Toda
a riqueza ali produzida era baseada no sistema de plantations: grandes unidades que se
especializavam em apenas um item cujo destino era o mercado exterior, notadamente o
europeu. O trabalho era realizado por escravos importados da frica. Quando chegavam
ao territrio luso-americano, eram empregados nos mais diversos ofcios dentro da
cadeia produtiva desses bens de exportao. E a forma mais usual de se repor essa mo
de obra era atravs do trfico atlntico (BRUM, 1996; FURTADO, 2007; PEREIRA,
1986).
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O comrcio de cativos africanos foi uma das atividades mais rentveis entre os
sculos XVI e XIX. Isso pode ser compreendido pelo grande nmero africanos
encarcerados que fizeram a travessia do Oceano Atlntico, apesar das dificuldades em
se chegar a um montante preciso. Um exemplo est no livro Em Costas Negras, de
Manolo Florentino. Nessa obra, o autor faz um grande debate historiogrfico para se
tentar alcanar um nmero mais claro possvel de africanos que desembarcaram no
porto do Rio de Janeiro entre o final do sculo XVIII e comeo do seguinte.
Concluindo, ele chega ao nmero de 697.945 indivduos entre os anos de 1790 e 1830
(FLORENTINO, 1997: 50). Para um perodo de quarenta anos apenas, j muito. Logo,
podemos imaginar quantos milhes deles aportaram nesta terra, a grande maioria nunca
mais podendo voltar para a frica.
Mas, muitos podem se perguntar: o que tinha o trfico a ver com o avano
napolenico na Europa e a sobrevivncia de Portugal? Como a Gr-Bretanha entrava
nessa equao? E a Amrica portuguesa, ento colnia; que tinha a ver com isso?
Alan Manchester, em seu livro Preeminncia inglesa no Brasil, expe com
detalhes como foi a ascenso e a queda do domnio britnico sobre o Brasil,
principalmente quanto poltica internacional, e para alicerar seus argumentos, faz um
histrico da influncia do governo ingls sobre a sua ento metrpole, o Reino de
Portugal. Inclusive, s para exemplificar o que aqui foi dito, segue uma citao do texto
de Manchester sobre a deciso de D. Joo em se aliar a Inglaterra e vir para o Brasil.
O prncipe regente fora forado a uma grande deciso: confiara sua pessoa e seus domnios Inglaterra, em circunstncias nas quais o representante da nao britnica julgava poder autorizar a Inglaterra a estabelecer com o Brasil relaes de soberano e sdito. (MANCHESTER, 1973: 72)
Ou seja; os ingleses j estavam preparados para cobrar a conta pela ajuda que seria
dada quando D. Joo, ento regente portugus, decidisse sair de Portugal e levar seu
governo para a Amrica; e sabiam exatamente o que iriam pedir.
Ento, em 1808, ocorreu a transferncia da Corte portuguesa para o Brasil,
escoltada por navios ingleses. Alguns autores mencionam que a mudana do centro do
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imprio portugus para terras americanas j era um plano antigo, notadamente pensado
por alguns governantes e intelectuais lusitanos desde o sculo XVII (LYRA, 1994).
Porm, naquele momento, a invaso francesa trouxe tona esse plano, que sem o apoio
do governo britnico, seria praticamente inexecutvel. E isso, segundo Lus Norton,
apontava para uma nova direo:
Por um lado, tornava inevitvel o aumento da dependncia de Portugal para com a Inglaterra, aprofundando uma relao cujas bases j estavam fixadas desde a assinatura do Tratado de Methuen, em 1703. Mas, por outro lado, abria a perspectiva de a Famlia Real no se submeter a Napoleo, e fazer do imenso territrio da colnia americana (Brasil) a sede de um verdadeiro imprio. (NORTON, 1979: 1)
Como pode se ver D. Joo e seu governo no tinham muitas escolhas. E dentre
tantas incertezas, havia uma verdade indubitvel: a Gr-Bretanha cobraria o seu preo
pelo auxlio a Portugal, e parte dele seria a abolio do trfico de escravos africanos.
Como afirma Beatriz Gallotti Mamigonian em sua tese de doutorado, os britnicos,
principalmente depois de vencerem Napoleo e de acabarem com seu prprio trfico de
escravos em 1807, consideravam seu pas um campeo da liberdade no mundo
civilizado, ideologia que legitimava suas aes em uma campanha extensa e cara
com vistas a impor a abolio do comrcio de cativos a outras naes
(MAMIGONIAN, 2002: 11).
Logo ao chegar ao Brasil, uma das primeiras medidas tomadas pelo regente
lusitano foi a famosa abertura dos portos s naes amigas. bvio que naquele
instante histrico, com a Europa tomada de assalto pelas tropas revolucionrias
francesas, o nico amigo de Portugal era a Inglaterra. Era o fim do pacto colonial
(DIAS, 2005; PRADO JNIOR, 1986). Nessas bases, o Reino portugus e a Gr-
Bretanha firmaram os Tratados de 1810.
No total, foram assinados dois tratados: um de Paz e Amizade, e outro de
Comrcio e Navegao. O que mais interessa a este trabalho o segundo, pois nele
que se inseriu um artigo sobre a questo do trfico de escravos. A querela sobre este
ponto da conveno foi tamanha que D. Domingos de Sousa Coutinho, Conde de
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Funchal e negociador do governo portugus em Londres, chegou a publicar um plano
em 1814, onde estaria previsto que Portugal aboliria imediatamente o trfico de cativos
se o governo ingls aceitasse anular os acordos de 1810, que estavam previstos para
durar quinze anos (ALEXANDRE, 1993: 269-285). Mas sua tentativa foi em vo, j
que a Corte no Rio de Janeiro achou por bem no entrar em conflitos com seus
vassalos americanos, que tinham no comrcio de cativos uma das suas principais
atividades comerciais, das quais o governo lusitano e a realeza tiravam muito proveito
(PARRON, 2011: 48-49).
Na Europa, Napoleo fora definitivamente d