O Último Voo Da Águia (2)

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O ltimo Voo da guiaO crepsculo da guia Rainha

A. S. Xavier M. L. Arajo

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Sumrio

Prlogo

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Voto de sangue Sacia-me! Repdio Ingenuidade Sentena de morte Surpresas desagradveis Reviravolta O grande dia O renascer

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Eplogo: A nova ordem

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A esperana no murcha, ela no cansa, tambm como ela no sucumbe crena. Vo-se os sonhos nas asas da descrena, voltam sonhos nas asas da esperana. (Augusto dos Anjos)

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PrlogoCornetas, cavalos, mesas com comida. Tudo uma baguna. Pessoas falando, danando. Tudo para de repente. Uma sombra vermelho-amarelada aparece ao centro da praa. Fala algo que ela no entende. As pessoas entram em xtase e aplaudem. E ento ela fala: -E a vencedora ... Fnix Negra salta da cama como um elstico que volta o normal aps ser esticado. Ela acabara de ter um sonho terrvel e nostlgico. Algum havia ganhado um prmio. Que prmio seria? Quem teria ganhado?

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Voto de sangueRaposa Felpuda corre energeticamente ltima senzala do vilarejo para fazer um anncio: -Vermes! Vs tendes 3 minutos para fazerem a formao, pois... Ireis receber visita! Todos comeam a se aprochegar em seus lugares e a ruminar uns com os outros sobre tal ilustre visita. E ento, eis que do nada, o Escravo de J, apressadamente, joga o tapete vermelho feito com pelos de unicrnio e comea a tocar uma flauta dourada. Cabocla do Cerrado juntamente com Mamilos de Mel, entram jogando penas de fnix pelo cho e, quando chegam porta da senzala, ajoelham-se para a entrada triunfal da guia Rainha de sua amada Filha. Todos na senzala abaixam suas cabeas at que ela proclama: -Acometemo-nos hoje neste recinto para que vs escolhais o melhor capito do mato e o escravo que mais bem vos serviu. Vossas escolhas devem ser escritas no pergaminho sagrado e deveis espetar vossos dedos para selar a escolha com sangue! Enquanto a guia Rainha fazia o anncio, Fnix Negra, j irritada por suas penas terem sido arrancadas na noite anterior para jogar no tapete real, ia passando pela senzala, em direo Casa Grande e percebe um tumulto. Resolve se esconder na sala da inquisio, prxima ltima senzala para ouvir tal anncio. -Aps a seleo, deveis entregar o pergaminho Raposa Felpuda! Sejam sbios em vossas escolhas, pois o capito do mato vencedor ganhar um escravo, e o servo vencedor ter direito carta de alforria por um semestre! Os aldeos comeam ento a espetar seus dedos com a faca cega que lhes dada e selam o voto com sangue. Aps a votao alguns comeam a exclamar: -No h dvidas, Eunuco Lumbricides o vencedor! -No, Raposa Felpuda que merece nosso reconhecimento! Ento a baderna comea, os aldeos se jogam uns contra os outros, cada um defendendo seu servo preferido. Jaguatirica Lanza, com suas pintas coloridas, se joga contra Lince Obscuro, que revida usando seu corpo voluptuoso.

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Jabuti Esquizofrnico defende Jakcat Selvagem de um berimbau que foi arremessado por Besouro de Piche, enquanto tentava se esquivar das garras ferozes e sedutoras de Olho de Tandera que danava seu bacanal. Banana Split solta um grito estridente que faz Vareta de Engenho desmaiar. ndia Garnis avista Mamilos de Mel dando encima de Eunuco Lumbricides e corre pra o ataque. Tetas de Marquise esquenta o ferro de marcar o gado na fogueira pra alisar os cabelos, mas surpreendida por Garota Abacaxi que comea a brigar com ela pelo ferro e o caos continua enquanto que a Fnix Negra sai da sala da inquisio rapidamente, sem ser vista e volta ao seu posto.

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Sacia-me!Enquanto Fnix Negra desce a escadaria, arruma seus cabelos e comea a imagina-se ganhadora do prmio. noite resolve visitar os aposentos reais como sempre fez para saciar seus desejos mais srdidos e obscuros: -Quem ? Pergunta ele -Sou eu, vossa serva, meu senhor. -J no era sem tempo. Estava comeando a achar que tinhas me abandonado. -Perdoe-me amo dizia a Fnix Negra enquanto se despia -Foi uma pergunta retrica, meretriz! -Perdoe-me novamente, meu senhor, compensar-lhe-ei com o mais intenso dos prazeres. *-*-*-* -Raposa Felpuda! Prepare a tina para meu banho e ponha os sais de ervas indianas que lhe pedi! -Sim, minha senhora. Enquanto se preparava para seu banho, a guia Rainha pensava nos preparativos para a 666 cerimnia da guia Dourada. A lista de convidados estava posta sobre a escrivaninha e ela resolveu dar comida sua guia, revelando assim, um dos seus momentos de maior fragilidade: -Tstststs, cad o bebezinho da mame, cad, cad? Ohh, estais com fominha, sim? Estou mame, estou. Nesse exato momento, sua filha chega e ela rapidamente se recompe em um salto. -Me? pergunta a Filha com cara de espanto -Sim, vamos, dizei-me o que queres! *-*-*-* Aps jogar-se loucamente encima do corpo voraz de seu amo, a Fnix Negra utiliza dos seus mais diferentes artifcios para lhe saciar. Ao seu lado havia um ba com os mais diversos objetos. Ela pega o Chicote da Perdio e bate em seu prprio corpo enquanto seu amo usa o Berimbau do Zumbi dos Palmares e comea a tocar para ela. Ela se chicoteia e comea a baixar o orix do prazer em seu corpo. Quando est quase no pice, o amo da Fnix Negra comea a revirar os10

olhos e a corda do Berimbau do Zumbi dos Palmares rompida, pela voracidade da Fnix Negra. Ela se assusta e d um pulo da cama: -Vai! Some daqui antes que sua senhora, a guia Rainha chegue! grita o amo com raiva. -Mas, meu senhor... -V! Suma daqui agora! Sentindo-se humilhada e ainda nua, a Fnix Negra sai dos aposentos reais e, irritada, comea a imaginar seu plano diablico para estragar a cerimnia da guia Dourada. Mas enquanto estava andando pelo corredor, Fnix Negra ouve cochichos e para abruptamente. Encostando-se porta e se vestindo, ela ouve a conversa: -Desculpe me, s queria anunciar-lhe que os votos j foram contados. -Sim, sim, quem foi o vencedor? - O melhor capito do mato foi o Sbio Eremita e o melhor servo foi... A Fnix Negra. Fnix Negra, nesse momento, d um gemido de alegria e se esquece de completamente do plano para destruir a cerimnia da guia Dourada. -Fnix Negra? No, esses votos esto errados. -A Senhora no deseja sua vitria? -Fnix Negra tem sido de muita boa serventia a mim, mas no, esse ano, o prmio deve ser dado Raposa Felpuda. Volte senzala esta madrugada e obrigue os aldeos a votarem novamente em Raposa Felpuda, caso no aceitem, utilize a Sala da Tortura. -Mas, minha me... -V logo ser becio! Antes que eu mande chicote-la tambm! -Sim senhora. Fnix Negra sai do corredor apressadamente. Como isso pode acontecer? Fui enganada! Trada! Mas, no... ela vai ter o que merece! Cheia de raiva, Fnix Negra resolve colocar seu plano em ao na manh seguinte.

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RepdioAo acordar, Fnix Negra lembra-se das palavras da guia Rainha: o prmio deve ser dado Raposa Felpuda e estremece de raiva. Ao ir janela v a guia Rainha passando pelo vilarejo, com Raposa Felpuda ao seu lado e Mamilos de Mel carregando uma sobrinha para proteg-la do sol. Ainda com o desejo de vingana ardendo nas veias, Fnix Negra vai se encontrar com Eunuco Lumbricides na sala da inquisio para propor-lhe um acordo. -Tomar o poder da guia Rainha? Como pensas em fazer isso? -Simples. Tudo ir acontecer no dia da Cerimnia da guia Dourada. -E o que ganharei em troca? -Glria, esplendor, prazer... PODER! Com os olhos brilhantes e tomado pelo poder de persuaso da Fnix Negra, Eunuco Lumbricides aceita o acordo. -Tenho certeza de que no irs se arrepender... sussurra a Fnix Negra no ouvido do seu novo capacho, com um tom dissimulado. Enquanto ele sai para colocar o plano em prtica, Fnix Negra vai Casa Grande para receber os avisos da cerimnia da guia Dourada. Quando sobe as escadas, encontra-se com Pintassilgo Flamejante, filho da guia Rainha, que a encara sordidamente. -Vamos! Saia do meu caminho! -Sim, meu senhor. Desejas algo mais? -Na verdade, sim. Meu pai mandou avisar-lhe que fosses aos seus aposentos esta noite. Algo srio a tratar contigo. Fnix Negra no responde e fica pensativa. Pintassilgo Flamejante diz ironicamente: -Pensas que no sei do que se trata? -Do que falas, senhor? -Do que falo... responde ele com risadas Dos teus encontros noite com meu pai. -Encontros? -Ah, vamos, deixeis de inocncia. Tu s uma mulher que no merece o cho ftido em que pisas. Assim como o meu pai no vale meia parte dos prprios dejetos. -Mas...

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-Mas o que?! exclama ele Vai negar tudo o que vocs fazem todas as noites? At os aldeos da outra vila poderiam ouvir. -No sei do que ests a falar. -Podre! Suja! Ptrida! isso o que s e muito mais. No tens o mnimo de vergonha nessa face desnorteante. Seu ser me bestifica! Fnix Negra ouve tudo em silncio e fica em choque com o que est acontecendo. Como ele podia saber de tudo? Ser que tambm sabia do plano que estava armando? -Dissimulada! Deves estar planejando algo no ? -No, senhor... -Cale-se! Agora me deixe ir, pois de tu, no quero nem esse olhar de cadela no cio. Fnix Negra fica horrorizada com tudo que acaba de ouvir. Mesmo assim, no consegue guardar rancor dele. No consegue. No poderia. Nem se quisesse...

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IngenuidadeAinda desconcertada, Fnix Negra segue para a Casa Grande. Ao chegar, ouve algum lhe chamar: -Fnix Negra! Reconhecendo a voz perfeitamente, ela se apressa e abre as portas do escritrio real: -Sim, minha senhora diz Fnix Negra calmamente. -J no era sem tempo ela diz com desdm Est pronta para anunciar os preparativos da cerimnia da guia Dourada? -Sim, est tudo como convm. Olhando-a dos ps cabea, a guia Rainha solta um suspiro. -Ao menos isso. Ests se tornado um ser to... Desprezvel. Fnix negra d um ar de riso, mas tenta se controlar. -No sei o que pior: exalar o mesmo ar que respiras, ou o ar ftido que inunda as fossas desta casa. A raiva comea a borbulhar no sangue da Fnix e ela comea a pensar cada vez mais no seu plano de vingana. -Se eu fosse teu marido no sei o que faria: jogava a mim ou a ti de um precipcio para servir de alimento aos lobos que l habitam. Fnix Negra a olha de relance. O que no daria para jog-la dentro da lareira cujo fogo crepitava ardentemente atrs dela? Mas no podia se dar ao luxo de acabar tudo assim. Ela teria que ser derrotada do modo certo para que a Fnix Negra tomasse o poder aps sua queda. guia Rainha continua: -Isso ... se tivesses um marido. Qual o homem que desejaria deitar-se com uma mulher ao teu nvel? O seu homem, cadela! Pensa Fnix Negra. -Realmente no sei como tu suportas a ti mesma. V! Faa seu trabalho. Nem minha saliva merece ser gasta por ti. AGORA!

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Fnix Negra deixa a sala com cada vez mais raiva da guia Rainha. No se preocupe vaca! Seus dias esto contados. E se dirige a ultima senzala para os avisos da cerimnia. Ela v Eunuco Lumbricides no meio da praa e resolve falar com ele: -Est tudo correndo bem? Como te mandei? -Sim, j estou conseguindo o que me pedistes. A um custo caro, mas estou conseguindo. -Muito bem. Ento v, no temos tempo a perder. Chegando ltima senzala, ela comea a falar: -Pois bem, a cerimnia da guia Dourada realizar-se- no ltimo dia do ciclo da colheita da fruta celeste e... Fnix Negra percebe que seu amo acaba de chegar e fica parado, na porta, esperando ela terminar os avisos. -E... O qu? pergunta um dos aldeos -E... Todos que foram convidados devem vestir-se com a roupa que vos foi designada. Est a venda nos melhores estabelecimentos da aldeia completa ela com um sorriso e vai direto em direo a seu amo: -Bela propaganda que fizestes. Ela d um sorriso. -Desculpe-me pela noite anterior. Eu estava fora de mim. Gostaria de convid-la para um jantar esta noite. Aceitarias? -Claro. Tudo o que meu amo quiser -Ento est certo. Esperar-te-ei esta noite. guia Rainha viajar para tratar de negcios.

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Sentena de morteA noite cai suavemente. Fnix Negra est em seu casebre. Coloca o dedo na boca, aponta ao cu e sente a direo do vento. Est na hora de ir ao encontro do seu amo. Ela passou o dia todo pensando em tambm juntar-se a ele para derrubar a guia Rainha, mas preferiu no arriscar pelo perigo ser trada por ele e degolada por crime contra a coroa. Chegando Casa Grande, ela entra pelos fundos, passa pela cozinha, sobe a escadaria silenciosamente, sorrateira como uma serpente. Chegando ao topo da escada ela comea a ouvir barulhos estranhos. Anda mais um pouco e chega ao corredor do quarto de seu amo. O barulho vem de l. Ela encosta o ouvido na porta, se afasta e comea a imaginar o que pode estar acontecendo l dentro. Resolve ento abrir a porta rapidamente: -Ahhh algum grita de dentro do quarto, uma voz feminina. Fnix Negra adentra mais ainda no quarto, pois no consegue ver o rosto da pessoa. Das pessoas. Ouve sussurros e gemidos ofegantes, que parecem querer se afastar dela. Quando chega bem perto, consegue identifica-los. Ela v o seu amo, despido e deitado na cama com outra mulher. Mamilos de Mel. -Mas o que est havendo... Ah, Fnix, voc? diz o amo com tom de insatisfao. -Sim, sou eu ela no acredita no que v. -Bem, espere um pouco l fora, j chamarei voc. Fnix Negra obedece e espera fora do quarto. Velho safado! Pensa ela. Ters o mesmo destino que sua esposa! Mas no hoje, ainda estou com vontade de brincar. Ela d um sorriso malfico e v Mamilos de Mel saindo de l apressadamente. Tu tambm no passars em branco, ordinria. Ouve ento seu amo chamando-a de dentro do quarto. -Sim, meu senhor? -No pensei que viestes to cedo. No te mandei vir mais tarde? -Sim, senhor, mas estava com uma vontade enorme de v-lo. -Hahaha. Sabia que estavas. No consegues ficar longe, no mesmo? Mesmo quando encontra outra junto a mim. -No meu senhor. No consigo diz ela, imaginando o que iria fazer com ele no dia seguinte. -Tu s serves mesmo para ser objeto de desejo. Nada mais. No tens outra serventia. -No meu amo. S sirvo a ti. ela diz despindo-se *-*-*-*16

Mamilos de Mel desse as escadas apressadamente, correndo para a cozinha. Veste-se, pega algo para comer e se senta mesa real, na cadeira da guia Rainha, sentindo-se a prpria. Quando acaba de comer, encosta-se mesa e dorme. Ela acorda de um salto, por um pesadelo que acabara de ter. Ento sente algo passando por trs de si. Cai da cadeira e sente a saliva prender em sua garganta. Levanta-se devagar e olha para trs ansiosamente. No v nada. Quando vira para sentar-se novamente, Fnix Negra est l, ainda nua, sentada na cadeira em que ali estava h poucos minutos. Tudo acontece muito rpido, Fnix salta sobre ela com as pernas prendendo seu pescoo, e joga um p que causa dormncia em seu rosto. Ela no v mais nada, apenas a escurido que se abate sobre seus olhos cujos se fecham vagarosamente, perdendo a noo da realidade.

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Surpresas desagradveis-Aqui! Ajude-me, vamos! Fnix Negra carrega o corpo de Mamilos de Mel juntamente com Eunuco Lumbricides. Eles levam-na para o casebre da Fnix Negra e, nua, amarramna no tronco que havia atrs do casebre. -Pronto. Ela ir dormir por um bom tempo. O suficiente para fazer o que pretendo com essa vadia! -E o que pretendes? Mat-la? -No, no. Seria fcil demais ela responde sorrindo Haver morte, mas no a dela. Seu destino ser pior. -No contes comigo para esta armao, j estou te ajudando por demais a estragar a cerimonia da guia Dourada e tu no me d nada em troca! -J te disse que o que recebers no final ser maior do que qualquer recompensa que possas receber agora. -Espero que sim. -Agora v! Tenho que descansar para por em prtica os planos de amanh. E no se esquea de trazer a garrafa de mel que te pedi. -Sim, mas ainda no entendi pra que queres este mel. -Hahahaha. Em breve sabers. Fnix Negra leva Eunuco Lumbricides at a porta e vai se deitar. Ela comea a pensar na prxima noite com seu amo e ri desesperadamente. Enquanto se delicia com seus pensamentos, cai num sono profundo. *-*-*-* Fnix Negra aguarda ansiosamente a chegada de Eunuco Lumbricides com a garrafa que lhe pediu. Enquanto isso ela vai checar Mamilos de Mel, que j est acordada e comea a gritar por socorro. -Ajudem-me! H uma louca me prendendo no tronco! Algum, por favor! -CALADA! exclama a Fnix dando-lhe uma bofetada na face melhor que se cale logo, ou eu... De repente ela ouve passos se aproximando. Eunuco Lumbricides que acaba de chegar com um envelope na mo. -Pronto, aqui est o que me pediste. -timo. Agora fique de olho nela enquanto eu vou l dentro e j volto. -Tudo bem responde ele.

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Aps uns 5 minutos, ela volta com parte da garrafa ainda cheia e joga o resto no matagal por trs do casebre. -O que est fazendo? pergunta Eunuco Lumbricides Foi um sacrifcio pra conseguir este mel que me pediste e ests jogando-o fora? -No se preocupe, j tenho a quantidade de que precisava. -Onde guardaste ento? No estou vendo nenhum pote ou algo parecido. -Logo, logo descobrirs. Agora vamos, no quero que ningum nos veja na Casa Grande. Jogue mais p do sono no rosto desta vadia pra que ela no estrague tudo. J era noite quando eles seguiram pelos fundos da Casa Grande. Eunuco Lumbricides esperava num quarto pequeno junto aos aposentos reais, enquanto Fnix Negra seguia para l. Ao chegar porta do quarto ela bate e espera resposta, torcendo para que a guia Rainha no esteja. -Podeis entrar. -Boa noite, meu senhor, vim lhe fazer uma visita fala a Fnix sorridente. -Hum, esperava que viesse essa noite diz ele j se animando. -Mas no sei se deveria. Depois que o senhor esteve com Mamilos de Mel, no imagino se ainda me quer. -Mas que pergunta idiota. Voc no to doce quanto ela, mas est aqui para ser minha serva e atender os meus desejos! Nada mais! Entendeu? -Sim senhor disse, no mesmo instante em que desnudava os braos e a parte superior do corpo Foi por isso que resolvi fazer-lhe uma surpresa. Enquanto isso, o amo da Fnix percebeu que havia algo de estranho nela. Algo lquido escorria pela sua blusa. Algo meio viscoso. Um pouco amarelo dourado. Parecido com... MEL! -Ento esta era a surpresa? perguntou o amo da Fnix Negra rindo loucamente. -Sim meu senhor. Achei que se eu me igualasse a Mamilos de Mel, o senhor a esqueceria e daria todas as atenes a mim responde ela ironicamente. -Sim, sim. Foi uma bela surpresa. Mas acho que te esquecestes de que s ests aqui para me servir, nada mais. No por causa disso deixarei de me encontrar com Mamilos de Mel.

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ReviravoltaEunuco Lumbricides esperava a Fnix Negra no outro quarto. Ento ele ouviu vozes e passos entrando na Casa Grande. Resolve ento descer ao Grande Salo para ver quem havia chegado. Ele deixa Mamilos de Mel deitada ao canto do quarto e sai sucintamente de l. Ao chegar ao topo da escada, ele ouve a baderna: -Vamos guardas, prendam-no! -NO! No deixarei que levem meu filho, seus inteis. Era a voz da guia Rainha que teria acabado de chegar. Eunuco resolve olhar melhor e ento percebe algo. Os Inquisidores esto na porta da Casa Grande querendo levar Pintassilgo Flamejante. -Vamos velha senil. Saia da minha frente agora antes que eu use da fora. -NO! Protegerei meu filho como uma guia protege sua prole diz ela abrindo os braos abruptamente. Ento ela d um assovio que ressoa por toda a casa, e eis que sua guia de estimao entra piando e voando pelo salo. A guia d uma volta ao redor dos guardas e desce em ataque a um deles, enfiando as garras em seu crnio. Ele desmaia e rios de sangue escorrem pelo tapete, como um carneiro que acaba de ir ao abate. Ela voa para cima de outro guarda arrancando-lhe um dos olhos, enquanto os outros guardas saem correndo. guia rainha vai em direo ao guarda que acabara de perder o olho e o v agonizando no cho. -Bastardo! Eu disse que no deverias mexer comigo! Agora tens o que merece. Vamos meu amor, acabe logo com isso exclama ela para sua guia. Ento ela arranca o outro olho do guarda e comea a dar bicadas em seu corpo como se estivesse arrancando minhocas do cho enquanto guia Rainha d risadas histricas e chama Raposa Felpuda para limpar a baguna. Eunuco Lumbricides v tudo e fica horrorizado. Ele corre de volta ao quarto e quando est chegando, Fnix Negra sai de l sorrindo: -Pronto. Est tudo acabado. O velho morreu! -Morto? Como o mataste? -Como assim como eu o matei, idiota?! Com o mel, claro. Antes vir para c, coloquei um veneno que tinha guardado em casa na garrafa de mel, e lambuzei-me com ele. -Hahaha, tu realmente no vales nada! Mas melhor se apressar, pois guia Rainha j est na Casa Grande. -Sim, vamos. Ajude-me a colocar Mamilos de Mel na cama junto com aquele velhote. Ela que ir pagar pela sua morte!20

Ento eles colocam o corpo desmaiado dela na cama, junto ao seu amo. Antes que pudessem sair, ouvem passos subindo as escadas. guia Rainha estava chegando. Eles se escondem no quarto onde Eunuco Lumbricides estava h pouco e esperam pela reao da guia Rainha. Ela abre a porta, entra no quarto e v o corpo do seu marido gelado na cama junto com uma de suas servas. guia Rainha fica perplexa. Como foi que tudo havia acontecido? Ento Mamilos de Mel comea a acordar. Quando ela olha ao lado, v o corpo de seu amo. D um grito e pula da cama rapidamente. guia Rainha ainda parada, observa tudo calmamente: -Diga-me, foi voc que fez isso? ela pergunta friamente. -Eu... Eu... Mamilos de Mel, ainda chocada, no sabe o que dizer. -Vamos retardada! Responda-me logo! -Minha senhora, eu... ela pensa bem antes de responder Sim, eu que fiz tudo. guia Rainha a olha com espanto e interesse ao mesmo tempo. -Ento vamos, ajude-me. Carreguemos o corpo deste infeliz pra bem longe daqui. No quero que esse tipo de coisa vire o mais novo assunto do reino e estrague minha linda cerimnia da guia Dourada que est para vir diz ela olhando para o alto com um brilho intenso nos olhos. Mamilos de Mel, ainda sem reao, levanta-se e ajuda guia Rainha a carregar o corpo. Elas o jogam pela janela abaixo. -No se preocupe. Mandarei um dos meus servos darem um sumio no corpo. Agora saia daqui, vamos! Voc no sabe de nada que aconteceu aqui. Nunca nem esteve nesse quarto. Entendeu? -Sim senhora. Entendi responde Mamilos de Mel, trmula. -Muito bem, v ento. Ela sai apressada do quarto. Fnix Negra para, olha para o cho e tenta controlar sua raiva, mas no consegue, ela ento d um chute entre as pernas de Eunuco Lumbricides que tapa a boca e solta um grunhido. No possvel. Ela ajudou a se livrar do corpo! pensa Fnix Negra. No tem problema, assim como seu marido, ela no sabe o que lhe aguarda!

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O grande diaFnix Negra chega pela manh na Casa Grande. Entra pelos fundos da casa e no encontra Mamilos de Mel. Ela v Eunuco Lumbricides e resolve lhe perguntar sobre o paradeiro dela. -Voc sabe por onde aquela vadia est? -Ela est trabalhando apenas no escritrio. guia Rainha resolveu protege-la. -Hahaha... Ela devia se preocupar em se proteger! Mas e ento, est tudo certo para a cerimnia? -Sim, est tudo guardado, s falta te equipares. -timo. De hoje aquele verme secular no passa. *-*-*-* -Est perfeita senhora! Raposa Felpuda est no quarto com guia Rainha lhe ajudando com as vestes para a cerimnia. Ela se olha no espelho e no enxerga apenas a si. Enxerga mais alm. O poder, a glria, o deslumbramento de uma pura soberana. -Pois muito bem! Diga a Escravo de J que estou descendo e que prepare minha entrada para o discurso inicial. -Sim senhora. *-*-*-* Fnix Negra vai rapidamente a seu casebre, se preparar para a vingana triunfal. Quando chega l encontra tudo que precisava para sua doce vingana. hoje! pensa ela. Seria o seu dia. Tomaria todo o poder da guia Rainha e teria todo o imprio aos seus ps. Ela acaba de se arrumar e sai de casa. Quando est passando pela praa principal, v vrios guardas armados em vrios cantos da rua. Ser um pouco difcil, mas conseguirei. Ela encontra-se com Eunuco Lumbricides: -No esquea, assim que tudo acontecer, voc deve ser rpido o suficiente pra pegar o corpo dela. -Sim, j estou preparado. -Ento vamos, ela j deve estar vindo. *-*-*-*

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O cu est lmpido. Todos os aldeos esto vestindo roupas cor de ouro. A vila est enfeitada com flores douradas e pequenas estatuetas de guias brancas esto espalhadas por toda parte. H msica tocando nas ruas, em todos os lugares. As pessoas danam alegremente e conversam umas com as outras. H mesas cheias de comidas e bebidas. A cerimnia da guia dourada ocorrendo como o desejado. Ento as cornetas comeam a tocar. H msicos enfileirados em toda a extenso do tapete. Harpas, flautas, violinos, todos comeam a tocar uma bela melodia. Os aldeos seguem para frente da Casa Grande. Mamilos de Mel e Cabocla do Cerrado saem de l dando delicados pulinhos e jogando penas de fnix pelo tapete, dessa vez dourado, que se estende at o trio da praa principal. Ento todos viram a cabea de uma s vez. E l vem a carruagem. Puxada por dois cavalos brancos, e com dois vages. No primeiro vem a Filha e Pintassilgo Flamejante. No segundo, guia Rainha acena pela janela de vidro aos seus sditos. A carruagem toma o caminho do tapete e o atravessa, parando no meio da praa principal, onde est tudo preparado para o seu discurso. Os cavalos param. Os dois filhos da guia Rainha descem primeiro e vo ocupar seus lugares na praa. E ento, todos olham para a porta do segundo vago. O cocheiro abre a porta e estende a mo. Uma luva escarlate e dourado segura em sua mo e ela desce. Deslumbrante em todos os sentidos, guia Rainha sai da carruagem com sua guia pousada em seu ombro. Um vestido longo, em trs cores: vermelho escarlate, dourado e branco, veste delicadamente seu corpo. H pequenos, quase minsculos, diamantes e rubis decorando-o. Os msicos param de tocar. Ela segue em direo ao centro da praa, com seus dois filhos ao seu lado e comea: -Meu povo! Esse ano eu decidi fazer algo diferente. Meu discurso no deve ser proclamado em vo, para que cidados como vocs o escutem. Resolvi citar ento uma breve passagem de um livro ela comea: Encarar a vida pela frente... Sempre... Encarar a vida pela frente, e v-la como ela ... Por fim, entend-la e am-la pelo que ela .... Enquanto guia Rainha discursa, Fnix Negra olha tudo minunciosamente, escondida em um estbulo, um pouco distante do centro da praa. ... e depois deix-la seguir... Sempre os anos entre ns, sempre os anos... Sempre o amor... Sempre a razo... Sempre o tempo... Sempre... As horas.23

Todos comeam a aplaudir e curvam-se diante da soberana. guia Rainha olha todos a ovacionando. Tudo est como ela previa. Ela sente o poder correndo em suas veias, a glria, o esplendor! Estende os braos para acolher os aplausos, enquanto sua guia reluz com o peito imponente observando tudo o que ocorria. E, antes de anunciar os vencedores da votao, ela sussurra: -V meu amor. Voe, voe cada vez mais alto! Sua guia abre as asas, solta um pio estridente, e levanta voo. E eis que logo aps sua decolagem, ouve-se um barulho. Todos ficam espantados, era um barulho de arma de fogo. guia Rainha ento ouve outro pio mais alto e, relutante, a guia cai ao cho, morta.

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O renascerTodos olham para o fundo da praa, e l est ela. Fnix Negra. Ela est despida, com uma arma de fogo presa em cada um dos seios, e uma bazuca acoplada ao rgo genital. Eunuco Lumbricides est ao seu lado. Ela comea a ir em direo guia Rainha. Os aldeos correm, gritando, para todos os lados. guia Rainha olha para sua guia, imvel, deitada no cho, como se fosse apenas um brinquedo. Sangue vermelho como a ptala de uma rosa carmim escorre por suas penas lavando o so sujo em que se encontra. Ela d o pio final, seu corao para de bater. guia Rainha estremece de raiva e v seu inimigo se aproximando. -GUARDAS! PREDAM ESTA INSOLENTE! Mas h algo errado. Os guardas permanecem imveis, assim como a pulsao da guia Rainha ao ver que seu exrcito no mais leal a ela. Ela comea ento a se afastar. Seus filhos esto paralisados. Fnix Negra continua andando em sua direo. -Voc achou que eu iria deixar tudo passar em branco, vadia? -Do que voc est falando? -Do prmio de melhor servo. Das humilhaes quando eu lhe fui de mais serventia exclama ela com veias aparecendo em sua face. -Voc no quer fazer isso Fnix. -Duvidas? -Voc vive hoje uma vida que gostaria de viver por toda a eternidade? pergunta guia Rainha, com um tom de desprezo e esperana ao mesmo tempo. Fnix Negra para de repente. Olha fundo nos olhos da guia Rainha: -O hoje no me importa mais. O futuro que me aguarda. E ento ela levanta uma das pernas e a abaixa abruptamente. A bazuca dispara bem na direo da guia Rainha. Ela tenta se proteger, mas no era preciso, pois, repentinamente, Raposa Felpuda se joga em sua frente e atingida e jogada para longe. Nesse momento a Filha desmaia e Pintassilgo Flamejante corre para a carruagem com Mamilos de Mel e vo embora. guia Rainha fica perplexa. Seu prprio filho a abandonara e sua mais fiel serva fora assassinada. Ela no encontra mais razo para se proteger.

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Fnix Negra d um grito de raiva e avana para guia Rainha. Mas aquela no parecia mais guia Rainha. Seus olhos estavam diferentes. Sua expresso no era a mesma, parecia at que sua alma havia transcendido esse mundo. Ela est com os braos esticados e o olhar fixo nela. Fnix Negra para a alguns metros sua frente. Ento guia Rainha comea a profetizar em voz alta: -Voc, traidora, acordar com olhos de ressaca! Fnix Negra fica sem reao, apenas ouve tudo. -No tenho medo da morte Fnix, tenho medo da desonra. O prprio viver morrer, porque no temos um dia a mais na nossa vida que no tenhamos, nisso, um dia a menos nela. E, apesar de tudo, a vida bela... E digna de ser vivida! Fnix no acredita no que acabara de ver. Parecia at que guia Rainha havia incorporado algum esprito em si. E ento ela volta ao normal. Com um semblante delicado e com um leve sorriso em seu rosto, ela rasga a parte de cima da prpria veste deixando todo o busto mostra e puxa um punhal de ouro da cintura. O sol j estava quase se escondendo em um crepsculo. Um ltimo filete de luz, desvairando-se por entre as nuvens e o horizonte, corta sua face. A luz... Sua ltima luz. Os olhos da Fnix ardiam como labaredas. O fogo da vingana. guia Rainha percebe que o seu fim. Porm, no seu ltimo suspiro, a ltima luz que viu no foi a do sol, ou a dos olhos vingativos, mas sim a luz do reluzente punhal que toca levemente seu prprio peito. J no h mais motivo... J no h mais... J no h... J no... E em seu derradeiro pensamento, ela balbucia: -guias nunca morrem Fnix... Sonhos nunca morrem! e o punhal se prende em seu peito como as garras de uma guia prendem sua presa. E enfim dor... E enfim morte...

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Eplogo: A nova ordemDo antigo imprio s restam as cinzas. O corpo da guia Rainha... Inerte, j to frio quanto o cho que o abrigava. A vingana havia sido cumprida. Fnix, como dizem as profecias, renascem das cinzas. E das cinzas do antigo imprio, renasceu Fnix Negra. Seu nico pesar foi de no ter matado guia Rainha com as prprias mos. Mas isso no importava, o imprio da guia era agora o imprio da fnix. E depois que Fnix Negra tomou o poder, nunca mais se viu uma guia no cu do reino. Mas, como disse guia Rainha em seu ltimo suspiro: guias nunca morrem, sonhos nunca morrem!.

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