O uso da folkcomunicação como ferramenta pedagógica e institucional no ... · No Carnaval deste...

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Fortaleza - CE – 29/06 a 01/07/2017 1 O uso da folkcomunicação como ferramenta pedagógica e institucional no combate à violência contra a mulher no Carnaval de Recife em 2017 1 Allan Nunes de Brito OLIVEIRA 2 Maria Clara Rezende COSTA 3 Andréa Karinne Albuquerque MAIA 4 Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB RESUMO No Carnaval deste ano a Prefeitura de Recife lançou, em sua página do Facebook, o “Pequeno manual prático de como não ser um babaca no Carnaval Edição 2 - para os que ainda não entenderam”. O objetivo deste artigo é estudar o uso da folkcomunicação e do folkmarketing como ferramenta pedagógica e de comunicação institucional no combate à violência contra a mulher nos dias dessa festa, por meio da análise de quatro das peças divulgadas. PALAVRAS-CHAVE: carnaval de Recife; folkcomunicação; folkmarketing; mulher. INTRODUÇÃO O Carnaval brasileiro, mais precisamente o de Recife, é representado por uma vasta combinação de traços culturais, dos mais variados interesses, e, em razão disso, atrai milhares de pessoas durante os dias de folia. Conhecido na linguagem popular por ser o carnaval mais democrático do país, todos os foliões buscam possuir uma maior liberdade em suas comemorações, mas existem casos em que determinados grupos não conseguem usufruir plenamente disso durante a festa, como é o caso das mulheres. Visando combater e colocar em discussão essa grande problemática no Carnaval, a Prefeitura do Recife criou um manual, no ano de 2016, e atualizado no ano de 2017, “ensinando” como os homens devem respeitar o espaço das mulheres e não ser invasivos, inconvenientes ou, até mesmo, violentos. Com uma linguagem bem local - com uso de gírias e letras de músicas de bandas recifenses - além do uso de tons vibrantes, essas peças publicitárias chamaram a atenção do público e tornaram-se um sucesso no Facebook, rede social em que foram publicadas, obtendo mais de mil curtidas em cada uma das ilustrações. O maior destaque dessa campanha é tentar modificar uma conduta machista que permanece na sociedade até hoje: a de que uma mulher desacompanhada ou sem a presença 1 Trabalho apresentado no IJ 8 Estudos Interdisciplinares do XIX Congresso de Ciências da Comunicação da Região Nordeste, realizado de 29 de junho a 1 de julho de 2017. 2 Estudante de Graduação 3º. semestre do curso de Jornalismo da UFPB, email: [email protected]. 3 Estudante de Graduação 3º. Semestre do curso de Jornalismo da UFPB, email: [email protected]. 4 Orientadora do trabalho. Professora do curso de Relações Públicas da UFPB, email: [email protected].

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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIX Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Fortaleza - CE – 29/06 a 01/07/2017

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O uso da folkcomunicação como ferramenta pedagógica e institucional no combate à

violência contra a mulher no Carnaval de Recife em 20171

Allan Nunes de Brito OLIVEIRA2

Maria Clara Rezende COSTA3

Andréa Karinne Albuquerque MAIA4

Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB

RESUMO

No Carnaval deste ano a Prefeitura de Recife lançou, em sua página do Facebook, o “Pequeno

manual prático de como não ser um babaca no Carnaval – Edição 2 - para os que ainda não

entenderam”. O objetivo deste artigo é estudar o uso da folkcomunicação e do folkmarketing

como ferramenta pedagógica e de comunicação institucional no combate à violência contra a

mulher nos dias dessa festa, por meio da análise de quatro das peças divulgadas.

PALAVRAS-CHAVE: carnaval de Recife; folkcomunicação; folkmarketing; mulher.

INTRODUÇÃO

O Carnaval brasileiro, mais precisamente o de Recife, é representado por uma vasta

combinação de traços culturais, dos mais variados interesses, e, em razão disso, atrai milhares

de pessoas durante os dias de folia. Conhecido na linguagem popular por ser o carnaval mais

democrático do país, todos os foliões buscam possuir uma maior liberdade em suas

comemorações, mas existem casos em que determinados grupos não conseguem usufruir

plenamente disso durante a festa, como é o caso das mulheres.

Visando combater e colocar em discussão essa grande problemática no Carnaval, a

Prefeitura do Recife criou um manual, no ano de 2016, e atualizado no ano de 2017,

“ensinando” como os homens devem respeitar o espaço das mulheres e não ser

invasivos, inconvenientes ou, até mesmo, violentos.

Com uma linguagem bem local - com uso de gírias e letras de músicas de bandas

recifenses - além do uso de tons vibrantes, essas peças publicitárias chamaram a atenção do

público e tornaram-se um sucesso no Facebook, rede social em que foram publicadas, obtendo

mais de mil curtidas em cada uma das ilustrações.

O maior destaque dessa campanha é tentar modificar uma conduta machista que

permanece na sociedade até hoje: a de que uma mulher desacompanhada ou sem a presença

1 Trabalho apresentado no IJ – 8 Estudos Interdisciplinares do XIX Congresso de Ciências da Comunicação da Região

Nordeste, realizado de 29 de junho a 1 de julho de 2017.

2 Estudante de Graduação 3º. semestre do curso de Jornalismo da UFPB, email: [email protected].

3 Estudante de Graduação 3º. Semestre do curso de Jornalismo da UFPB, email: [email protected].

4 Orientadora do trabalho. Professora do curso de Relações Públicas da UFPB, email: [email protected].

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de alguém do gênero masculino ao seu lado, permite que um homem possa invadir o seu

espaço com carícias inconvenientes, olhares indiscretos, palavras indecentes e perseguições,

principalmente em grandes festejos, como é o caso do Carnaval.

Apoiado nas caracterizações de folkcomunicação e folkmarketing, a análise das quatro

peças é levada em consideração por terem uma maior afinidade com o local, fazendo entender

qual a motivação na escolha das cores, imagens, palavras e o poder de persuasão, levando o

público-alvo à conscientização da gravidade da violência contra a mulher, representada de

várias formas, a exemplo do assédio moral e sexual.

Grandes teóricos contribuem para fundamentação desse artigo, como Maria (1998) e

Lucena Filho (1998), com a descrição do carnaval de Recife e a comunicação institucional,

Burke (1998) e sua análise acerca da liberdade que acontece durante o carnaval, Simson

(1992) descrevendo o papel da mulher nessa festividade, Beltrão (1980) e sua classificação do

que é folkcomunicação, Kunsch (1997), Oliveira e Carine (2004) evidenciando a contribuição

do folkmarketing na construção da comunicação institucional, Silveira (2007) e a sua

definição do termo hibridismo cultural.

A estrutura do artigo está organizada da seguinte maneira: uma apresentação histórica

com os principais pontos de construção do carnaval de Recife; as relações existentes da

mulher com o carnaval e o seu papel durante a festa; definições de folkcomunicação,

folkmarketing e comunicação institucional com caráter pedagógico, detalhando um modelo de

interpretação da campanha publicitária; os procedimentos metodológicos levados em

consideração para a análise das quatros peças escolhidas e o estudo interpretativo dessas, por

meio dos termos apresentados, além da conclusão do trabalho.

O CARNAVAL DE RECIFE Até meados de 1850 o Carnaval de Recife era comemorado por meio de entrudos5,

trazidos por colonizadores portugueses. Sua comemoração era dividida em dois modos

distintos: o das elites, realizado em espaços privados, e o do povo, nos espaços públicos.

Durante esse festejo as pessoas simulavam um combate e utilizavam farinha e água como

alguns dos principais elementos de confronto.

Após esse período, surgem os bailes de máscaras, com o objetivo de civilizar a festa, o

que não ocorre plenamente. Com a abolição da escravatura, em 1888, aumenta o número de

clubes e, consequentemente, a realização desses festejos.

5 Os três dias que antecedem a entrada da quaresma.

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O espírito do folião recifense, traço forte de sua cultura, sempre dominou

todas as camadas sociais. Cada bairro tinha seus bailes também animados,

realizados na sede dos clubes mais modestos. Até mesmo na residência dos

foliões mais entusiastas dançava-se até o dia amanhecer. (MARIA, 1998, p.

58)

No início do século XX, o carnaval começou a passar por um processo de

regulamentação e organização. A criação do Primeiro Congresso Carnavalesco em

Pernambuco, no ano de 1910, Maria (1998), foi fruto de uma aliança entre polícia,

representantes da imprensa, governantes e dos clubes carnavalescos, um instrumento para

legitimação popular desses setores.

[…] o carnaval tornou-se de fato uma festa eminentemente popular. As elites

e os setores da classe média urbana praticamente haviam se retirado das ruas

e se recolhido aos salões e aos seus automóveis. O povo conquistou o espaço

público e, da cidade ao ar livre, passou a ocupar o centro da festa e vivenciá-

la em toda sua plenitude. (MARIA, 1998, p. 61)

Hoje, o Carnaval de Recife é reconhecido internacionalmente por ser uma festa

multicultural que, anualmente, atrai milhares de foliões. Na edição deste ano (2017) - de

acordo com a página do Carnaval de Recife6 - 1,3 milhão de pessoas passaram por essa

Região Metropolitana e acompanharam diversas apresentações e blocos carnavalescos em

diferentes polos descentralizados.

A MULHER E O CARNAVAL O papel da mulher na sociedade é constantemente colocado em segundo plano, quando

relacionado ao do homem. Por vários séculos, esse gênero foi isolado no interior das casas e

no ambiente familiar, sempre dependente de alguma força masculina. No entanto, atualmente,

as mulheres têm alcançado maior espaço nos âmbitos externos ao lar, contudo, a sua

objetificação e sexualização continuam presentes.

Desde a antiguidade o carnaval é visto como um momento que possibilita a subversão

de papeis e a permissividade. Sendo assim, muitas vezes, as pessoas utilizam esse período

para extravasar e podem, por ventura, cometer delitos e abusos. Segundo Burke (1998, p.

225). “O uso de máscaras ajudava as pessoas a se libertarem dos seus eus cotidianos,

6 Disponível em: <http://site.carnavalrecife.com/2017/03/01/balanco-carnaval-atraiu-13-milhao-de-pessoas-que-conferiram-

mais-de-duas-mil-apresentacoes/>. Acesso em: 23 abr. 2017.

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conferindo a todos um senso de impunidade como o manto da invisibilidade dos contos

folclóricos”.

Todavia, embora as mulheres tivessem participação ativa em alguns momentos da

folia, por muitas vezes, apenas exerciam a função de espectadoras, enquanto os homens

podiam aproveitar os quatro dias de Momo.

Tanto nos desfiles processionais [...] como nos animados bailes de máscaras

as mulheres de família não podiam tomar parte ativa, ficando restritas à

situação de espectadoras da folia de Momo. Postadas nas janelas dos grandes

sobrados ou nos camarotes dos teatros para "assistir ao carnaval" recebiam

flores, doces, confeitos, homenagens e bilhetinhos, mas não podiam

participar ativamente da folia; foram convertidas em elementos de

embelezamento do cenário, foco de endeusamento por parte dos membros

masculinos das associações, mas não tinham chance de se tornar "partners"

ativas nas mascaradas. (SIMSON, 1992, p. 12).

Todo esse contexto histórico, associado aos artifícios utilizados pela mídia para vender

a ideia do carnaval, contribuem para a construção de uma figura feminina objetificada, que

pode ser vendida e, aqueles que comprarem a ideia da festa devem ter, supostamente, livre

acesso a esse “produto”.

Um exame mais cuidadoso das publicações atuais da grande imprensa

brasileira que cobrem os festejos carnavalescos põe imediatamente em

relêvo uma visão da mulher como objeto sexual [...]. Esse fato vem reforçar

a visão do carnaval brasileiro como uma festa em que reinaria um clima de

grande permissividade sexual, aspecto esse muito enfatizado lambem pelas

coberturas televisivas veiculadas internacionalmente, as quais tem como

principal objetivo atrair turistas para virem participar do carnaval em nosso

país. (SIMSON, 1992, p. 7).

FOLKMARKETING: O USO DA FOLKCOMUNICAÇÃO, SEU CARÁTER

PEDAGÓGICO E A COMUNICAÇÃO INSTITUCIONAL A folkcomunicação estuda os processos comunicacionais que ocorrem através da

cultura popular de um determinado povo. Essa comunidade apresenta agentes sociais, os

folkcomunicadores, que são responsáveis por decodificar e recodificar as informações

passadas pelos meios massivos de comunicação e pela própria sociedade.

Em outras palavras, a folkcomunicação é, por natureza e estrutura, um

processo artesanal e horizontal, semelhante em essência aos tipos de

comunicação interpessoal já que suas mensagens são elaboradas,

codificadas e transmitidas em linguagem e canais familiares à audiência,

por sua vez conhecida psicológica e vivencialmente pelo comunicador,

ainda que dispersa. (BELTRÃO, 1980, p. 28).

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A mídia e as instituições, públicas e privadas, podem se apropriar de expressões da

folkcomunicação para aproximar-se mais do público e facilitar a compreensão da mensagem

e, consequentemente, por meio do folkmarketing, vender seu serviço, ideia ou produto, mas

também construir a sua identidade junto ao público.

[…] a comunicação integrada passa a ser uma arma estratégica para a

sobrevivência e o desempenho de uma organização em uma realidade

complexa e que se altera de forma muito rápida. Hoje em dia, não é possível

mais pensar, por exemplo, em realizar uma brilhante assessoria de imprensa,

criar campanhas retumbantes ou produzir peças publicitárias impactantes de

forma isolada, sem o envolvimento de todas as subáreas da comunicação

organizacional. (KUNSCH, 1997. p. 149).

Além disso, o folkmarketing também é uma ferramenta utilizada pelas organizações

para - de acordo com suas necessidades e interesses - construir, atualizar e modificar sentidos

e concepções já estabelecidos em uma realidade.

Podemos entender também que, nesse processo comunicativo, há abertura

para ressignificações de novos sentidos que se atualizam – ou não – a partir

das relações entre interlocutores que, localizados em determinados contextos

e dotados de certas intencionalidades negociam e dialogam no

encaminhamento de suas questões. (OLIVEIRA; CARINE, 2008, p. 92 - 93).

E atualmente essas mesmas instituições tanto do campo governamental, como do

privado, inserem as ideias, por novas plataformas comunicacionais, se beneficiando através da

velocidade em que as notícias se expandem na internet, assim atendendo suas exigências e

propensões organizacionais.

PROCEDIMENTOS METODOLOGICOS O material empírico é parte do “Pequeno manual prático de como não ser um babaca

no Carnaval – Edição 2 - para os que ainda não entenderam”, divulgado na página do

Facebook da Prefeitura de Recife. As peças fazem parte de uma campanha de conscientização

contra abusos, assédios e agressões sofridas por mulheres, durante essa época do ano.

A presença do Hibridismo Cultural nas 4 peças selecionadas é explicita, pois existe a

flexibilização dos mais variados estilos numa mesma ilustração, demonstrando a mistura do

carnaval multicultural. Silveira (2007, p. 146 - 147) caracteriza “ [...] a expressão “hibridismo

cultural” (assim como seus congêneres) tenta referir à impossibilidade de pensarmos os

produtos da cultura contemporânea com categorias muito rígidas e acabadas”.

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Na análise foram levados em conta os seguintes aspectos: a linguagem utilizada – com

expressões locais e regionais, a escolha de cores, as formas, as relações entre palavra e

imagem, o poder apelativo, a unidade entre as diferentes peças, as formas de distribuição dos

elementos e o público-alvo.

A pesquisa é focada em quatro peças: “A boyzinha não gostou da tua pala? Fala que

nem o príncipe do brega: ‘perdoa-me! ’”; “Tua boyzinha usa a fantasia que ela quiser. Ruim é

a tua, de donzelo. ”; “Não arrete, não! Deixe a boyzinha na dela. ”; “Passo a passo da paquera:

- me olhou – te olhei -paquerou – paquerei – daí então bateu a química. Se não for assim, é

assédio. ”

Na rede social, as imagens estavam acompanhadas por um texto formulado pela

Prefeitura, com orientações complementares ao manual.

Vamo desenhar de novo o manual?! Pra quem ainda não entendeu, hein?

Brinque o Carnaval com respeito. A Central da Mulher estará na Rua do

Observatório, oferecendo orientação e atendimentos a mulheres que estão

em situação de violência, com uma equipe formada por psicólogas,

advogadas e assistentes sociais. Em caso de dúvidas, é só ligar para o Liga,

Mulher, o disque orientação do Clarice Lispector: 0800 281 0107.

(FACEBOOK, 2017)7.

ANÁLISE DAS PEÇAS Todas as peças analisadas apresentam o logotipo do Carnaval de Recife, centralizado

na parte superior das imagens, e são compostas por algumas cores da bandeira de

Pernambuco.

7 Disponível em:

<https://www.facebook.com/carnavaldorecifeoficial/photos/a.1113242782119076.1073741871.315883798521649/11132430

72119047/?type=3&theater>. Acesso em: 23 abr. 2017.

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Figura 1 – A Boyzinha

Fonte: Facebook, 20178

A palavra “boyzinha” é um estrangeirismo e neologismo, fruto da junção da palavra

“boy”, que significa menino, em inglês, e o sufixo “zinha” para aludir à palavra “menininha”.

Essa gíria é bastante utilizada na cidade do Recife, principalmente pela camada mais jovem da

sociedade. Já a expressão “pala” remete a uma conversa - nesse contexto com o intuito de

conquistar, flertar, realizar o famoso “jogo da conquista”.

O termo príncipe do brega refere-se a Kelvis Duran, conhecido na Região

Metropolitana de Recife por suas músicas inspiradas no tecnobrega9, que atraem públicos de

diversas classes sociais. O trecho “perdoa-me”, utilizado em seguida para composição da

peça, é o nome de uma de suas músicas mais conhecidas, que narra a tentativa do homem para

retomar seu relacionamento com a amada após ter cometido um erro, no entanto, ela rejeita

seu pedido de imediato.

As principais cores utilizadas são amarelo, branco, vermelho, preto e azul, todas fortes,

remetendo ao carnaval. Além disso, na parte inferior da arte, duas ilustrações representam as

figuras folclóricas nordestinas do “bumba-meu-boi”, presentes nas manifestações culturais da

região nesse período e um sol desenhado lembra do fervor desse festejo, juntamente com as

serpentinas representadas no canto superior da imagem.

8 Disponível em: <https://www.facebook.com/carnavaldorecifeoficial/photos/a.1113242782119076.1073741871.315883798521649/11132430

25452385/?type=3&theater>. Acesso em: 23 de abr. 2017. 9 Estilo musical característico do Recife.

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O poder apelativo da figura consiste no uso de uma música e de expressões locais para

criticar a insistência masculina ao paquerar as folionas e como isso pode se tornar

inconveniente, caso ela não tenha interesse nele.

Figura 2 – O Donzelo

Fonte: Facebook, 201710

A expressão boyzinha se repete na Figura 2. Já a palavra “donzelo” se refere a um

homem casto, que não teve relações sexuais, mas também aquele que é controlador e

“abestalhado”, que permanece sempre ao lado da namorada ou “ficante”, com o objetivo de

interferir nas suas ações.

As cores predominantes são vermelho, branco, verde, azul, amarelo e preto. A figura

ao centro, no inferior da imagem, ilustra um homem com a boca cheia de argumentos vazios e

olhos aparentemente irritados, ou seja, o acompanhante ciumento. Já os dois cachorros nos

cantos inferiores, aludem ao cão de guarda, que fica à espreita esperando algum indivíduo

estranho se aproximar, no caso, o homem que vigia sua companheira.

A peça tem o intuito de conscientizar os homens de que suas namoradas não são suas

propriedades, sendo assim, elas devem poder vestir as fantasias que quiserem, independente

da vontade ou autorização de seus companheiros.

10 Disponível em:

<https://www.facebook.com/carnavaldorecifeoficial/photos/a.1113242782119076.1073741871.315883798521649/11132428

78785733/?type=3&theater>. Acesso em: 23 de abr. 2017.

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Figura 3 – Não Arrete

Fonte: Facebook, 201711

A expressão "arrete" é conhecida e falada em grande parte da região nordeste e

significa irritar, "mexer com". No caso da figura 3, ela também pode adquirir o significado de

assédio.

As cores que mais se repetem aqui são as mesmas das outras peças. As ilustrações

principais representam uma passista de frevo, com uma sombrinha na mão, apontando para a

frase. Além disso, nos cantos superiores há dois corações enfeitados e com olhos.

Visando conscientizar os homens a respeito do incômodo causado por uma

aproximação, um assédio constante às mulheres que vão para as festas de carnaval, a peça

utiliza esses diversos recursos gráficos para enfatizar a mensagem a ser passada.

11 Disponível em:

<https://www.facebook.com/carnavaldorecifeoficial/photos/a.1113242782119076.1073741871.315883798521649/11132429

25452395/?type=3&theater>. Acesso em: 23 de abr. 2017.

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Figura 4 – A Paquera

Fonte: Facebook, 201712

Essa arte traz um trecho da música "Bateu a química", da banda recifense, Sedutora,

conhecida também por seus sucessos no campo do tecnobrega e suas letras românticas. O

trecho apresentado traz o que seria o "passo a passo da paquera".

A imagem traz uma mulher aparentemente empoderada e independente, que tem um

homem na palma de sua mão e manda um beijo para ele. O rapaz, em um tamanho bem menor

que a moça, segura seu próprio coração em suas mãos e o oferece para ela. A cor

predominante é o vermelho, que remete à paixão.

O propósito da Figura 4 é falar que, caso o "jogo da conquista" não dê certo, ele não

deve forçar a mulher a ficar com ele, pois, caso algo aconteça, o consentimento deve ser

mútuo. No entanto, se não for assim, é caracterizado como assédio.

CONSIDERAÇÕES FINAIS No transcorrer das elucidações e investigações executadas neste artigo, observamos

que a partir da análise da cada uma das peças publicitárias, com todo o aporte teórico da

folkcomunicação, folkmarketing e comunicação institucional, podemos observar os

propósitos que as imagens desejavam transmitir.

O primeiro tema de observação, é a tentativa de ruptura com todos os padrões

determinados por uma sociedade abundantemente machista e segregacionista, em que o

homem centralizado, com status de poder e liderança, enquanto a mulher permanece em

12 Disponível em:

<https://www.facebook.com/carnavaldorecifeoficial/photos/a.1113242782119076.1073741871.315883798521649/11132430

25452385/?type=3&theater>. Acesso em: 23 de abr. 2017.

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segundo plano, marginalizada. Assim, as peças ofertam uma nova visão à população, do

empoderamento feminino, sem necessariamente depender do masculino para apreciar o

carnaval.

O segundo ponto presente nas ilustrações, é associado ao campo institucional, pois a

Prefeitura da Cidade do Recife exibe sua marca, num processo de afirmação com as pessoas

presentes nos 4 dias de festa, por meio de se fazer presente, comprovar sua preocupação e

transmitir a mensagem de empenho na redução dos crimes contra as mulheres, durante as

comemorações carnavalescas.

E, para facilitar a transmissão das mensagens observamos que, ao aplicar as gírias

locais, letras de brega, cores extravagantes e animações, as unidades publicitárias se

aproximam da população, por ter uma linguagem verbal e visual de fácil assimilação,

valorizando aspectos específicos da região.

Para concluir, consideramos ter cooperado para o folkmarketing, tendo em vista que

indagamos e promovemos um estudo sobre a relação do folclore local com aspectos

organizacionais e a utilização deles em conjunto, com o mesmo objetivo, acreditando sempre

na valorização do particular, tendo em vista a sua consolidação na cultura.

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