O uso da iconografia e da iconologia para a análise de ... USO DA ICONOG… · Este livro,...
Transcript of O uso da iconografia e da iconologia para a análise de ... USO DA ICONOG… · Este livro,...
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI 24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
O uso da iconografia e da iconologia para a análise de fotografias e recuperação da
história de Londrina1
The Iconography and iconology uses to analise photos for Londrina’s historical
recovery
Rosana Aparecida Reineri Unfried2
Resumo: Os termos iconografia e iconologia foram descritos como proposta
metodológica por Erwin Panofsky para serem utilizados em análises de obras de arte.
Mais tarde, os termos foram adaptados por Boris Kossoy, que manteve as definições
iniciais de Panofsky e introduziu elementos específicos do universo fotográfico,
tornando-os utilizáveis para a análise de fotografias. Com base nos escritos de Kossoy,
este trabalho demonstra a aplicabilidade desta metodologia para a análise de fotografias
e para a recuperação de informações históricas. Para tanto, serão utilizadas imagens
tomadas pelo fotógrafo Oswaldo Leite, responsável pelo registro de importantes
transformações pelas quais Londrina passou entre as décadas de 1950 e 1980. As
imagens aqui analisadas correspondem a seus registros da década de 1960, período
marcado pelo aumento da população urbana e pela verticalização da cidade.
Palavras-chave: História de Londrina (PR); Iconografia e iconologia; Fotografia e
memória; Oswaldo Leite.
Abstract: The terms Iconography and iconology, were described by Erwin Panofsky as
a methodology proposal to analyze works of art. Later, those terms were adapted by
Boris Kossoy, who keeped the original concepts and introduced specifical elements of
the photography universe, to become them useful to analise photographies. According
to Kossoy´s publications, this paper shows the aplicability of his methodology to analise
photographies and to recover historical informations. In order to that, photos which
were taken by Oswaldo Leite during the 1960’s, will be used in this paper, considering
that this is period Londrina growed up very quickly. Oswaldo Leite registered important
changes that happened in Londrina during the 1950’s, 60’s, 70’s and 80’s.
Key-words: History of Londrina (PR); Iconography and iconology; photography and
memory; Oswaldo Leite.
Introdução
Os termos iconografia e iconologia foram relançados no universo da
história da arte durante as décadas de 1920 e 1930. Relançados porque, ainda em 1593,
1 Trabalho apresentado no GT 7- Fotografia, do Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e
Imagem - ENCOI. 2 Graduada em Comunicação Social – Habilitação Jornalismo e mestranda em Comunicação pela
Universidade Estadual de Londrina (UEL). Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Comunicação e História
do CNPq. Coautora do livro Memórias fotográficas: a fotografia e fragmentos da história de Londrina.
E-mail: [email protected]
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI 24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
foi publicado pelo escritor italiano Cesare Ripa um livro renascentista de imagens sob o
título Iconologia. Este livro, composto como uma espécie de enciclopédia ilustrada, foi
elaborado com o objetivo de servir aos artistas da época e orientá-los na representação
de subjetividades, tais como virtudes, vícios, sentimentos e paixões humanas. Para isso,
apresentava, em ordem alfabética, alegorias correspondentes a esses temas, seguidas por
descrições detalhadas das particularidades de cada imagem e por definições baseada em
textos clássicos e contemporâneos. Essa obra foi considerada um tratado de arte e uma
referência para o estudo da iconografia, cujo termo, só começaria a ser utilizado no
início do século XIX. (UNIVERSITÀ DI BERGAMO, 2008).
A volta desses dois termos, ao cenário artístico, se deu como forma de
reação à análise formal de pinturas, que preponderava à época e privilegiava a
composição ou a cor das telas, em detrimento do tema retratado. Burke (2004, p.44)
explica que os iconografistas - como eram chamados os historiadores da arte que se
opunham à superficialidade na interpretação das imagens, feitas pela análise formal -
pregavam a ideia de que “as pinturas não são concebidas simplesmente para serem
observadas, mas também para serem lidas”. Portanto, esses historiadores buscavam
enfatizar o conteúdo intelectual das obras de arte, bem como sua filosofia ou teologia
implícita.
O grupo mais famoso de iconografistas, de que se tem registro, seria
encontrado na Escola de Warburg, em Hamburgo, anos antes da ascensão de Hitler ao
poder na Alemanha. Esta escola, fundada por Aby Warburg, em torno da biblioteca
criada por ele, foi posteriormente transferida para Londres em decorrência da ascensão
nazista (CATALÀ DOMÈNECH, 2011, p.79).
Além de Warburg, faziam parte desse grupo
[...] Fritz Saxl (1890-1948), Erwin Panofsky (1892-1968) e Edgar Wind
(1900-1971), estudiosos com boa educação clássica e grande interesse por
literatura, história e filosofia. O filósofo Ernst Cassier (1874-1945) era outro
membro desse círculo de Hamburgo e compartilhou o interesse por formas
simbólicas. (BURKE, 2004, p.45).
A principal ideia defendida por esses estudiosos é que as obras de arte,
mais do que a imagem representada na tela (explícito ou visível - iconografia), pode
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI 24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
esconder uma série de mensagens de cunho religioso ou moral por meio de simbolismos
disfarçados nas cenas do cotidiano (implícito ou invisível - iconologia).
Erwin Panofsky: a descrição dos termos
Dos iconografistas empenhados em desvendar o conteúdo implícito das
obras de arte, destacaremos Erwin Panofsky, que sintetizou as ideias discutidas na
Escola de Warburg em um famoso artigo, intitulado Iconografia e Iconologia: uma
introdução ao estudo da arte da renascença.
Neste artigo, Panofsky (2011, p.50), classifica três níveis de interpretação
que correspondem a três níveis de significado. O primeiro, voltado ao significado
primário ou natural, é o da descrição pré-iconográfica. Esta descrição consiste na
identificação de formas puras, bem como de objetos e eventos presentes na imagem. O
segundo nível, voltado ao significado secundário ou convencional, é o da descrição
iconográfica. Diferente do nível anterior, este consiste não somente na descrição pura e
simples dos objetos retratados, mas na ligação das composições da imagem com
assuntos e conceitos. O terceiro e último nível, voltado ao significado intrínseco ou
conteúdo, é denominado descrição iconológica. Esta descrição é definida pela
descoberta e interpretação dos valores simbólicos presentes na imagem.
Sobre as diferenças desses dois últimos níveis, Panofsky (2011,
p.53) explica que o sufixo “grafia” deriva do verbo grego graphein, que significa
escrever. Relata o que está “escrito” na imagem. Trata-se, portanto, de um método
puramente descritivo, ou seja, “coleta e classifica a evidência, mas não se considera
obrigada ou capacitada a investigar a gênese”. Já o sufixo “logia” deriva de logos, que
significa pensamento (razão). Iconologia, portanto, é um método
[...] de interpretação que advém da síntese mais do que da análise. Assim
como a exata identificação dos motivos é o requisito básico de uma correta
análise iconográfica, também a exata análise das imagens, estórias e alegorias
é o requisito essencial para uma correta interpretação iconológica.
(PANOFSKY, 2011, p.54).
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI 24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
Panofsky acreditava, portanto, que a partir da análise das formas
identificáveis presentes na imagem - tais como objetos, situações e gestos - seria
possível resolver o problema do desvelamento do conteúdo que esta imagem carrega
consigo, ou seja, por meio dos elementos oferecidos pela imagem, seria possível buscar
a realidade a qual ela faz menção. (CATALÀ DOMÈNECH, 2011, p.243).
Boris Kossoy: adaptação à fotografia
Baseado na termologia e na aplicabilidade descrita por Panofsky, o
pesquisador brasileiro Boris Kossoy adaptou a iconografia e a iconologia para as
especialidades do universo fotográfico. Ele manteve, basicamente, as mesmas
definições empregadas na análise das obras de arte e introduziu elementos e conceitos
próprios, e específicos, para a análise de fotografias.
Partindo da premissa de que toda imagem carrega dentro de si um
enigma, independentemente do tipo que for e para que ela será utilizada e, que este
mistério se esconde por trás da aparência pura e simples, pois está alocada em uma
dimensão além da visibilidade registrada, Kossoy (1999, p.58) sugere a iconografia e a
iconologia como duas linhas de análise capazes de decifrar as informações explícitas e
implícitas no documento fotográfico. A iconografia seria a responsável pela
reconstituição dos elementos visíveis que compõem a fotografia, enquanto ficaria a
cargo da iconologia uma minuciosa recuperação das informações codificadas
(invisíveis) dentro desta imagem.
Ele explica que, no caso da representação da imagem fotográfica, “ver,
descrever e constatar não é o suficiente”. Neste momento, no qual a iconografia se torna
insatisfatória à apreensão da mensagem, se faz necessário o mergulho na cena
representada, para a compreensão do fragmento retratado em sua interioridade. Para
tanto, é necessária
[...] uma reflexão centrada no conteúdo, porém, num plano além daquele que
é dado ver apenas pelo verismo iconográfico. É este o estágio mais profundo
da investigação, cujos limites não são cristalinamente definidos. Não raro, o
pesquisador se surpreende refletindo neste plano pós-iconográfico, buscando
os elos para a compreensão da vida que foi. (KOSSOY, 2001, p. 95-96).
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI 24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
De acordo com o pesquisador (2001, p.96) a análise iconográfica
corresponde à investigação da “realidade exterior”, ou seja, da segunda realidade - do
documento - criada a partir do instante do clique. Por meio deste mecanismo torna-se
possível a recuperação de informações preciosas para a reconstituição histórica. Já a
análise iconológica corresponde à investigação da “realidade interior”, ou primeira
realidade, anterior à tomada. Trata-se de desvendar a trama histórica e social da
imagem, bem como avaliar sua dimensão cultural e ideológica.
Portanto, se a análise iconográfica
[...] situa-se no nível da imagem, a interpretação iconológica tem aí seu ponto
de partida e estende-se além do documento visível, além da chamada
evidência documental. Trata-se da recuperação de diferentes camadas de
significação. A interpretação iconológica se desenvolve na esfera das idéias,
das mentalidades. (KOSSOY, 2007, p.55-56).
Seguindo este raciocínio, no qual explicita o caráter interpretativo
da análise iconológica, Kossoy - que dedica suas pesquisas à fotografia e memória e se
tornou referência para estudos de fotografias documentais - deixa clara a necessidade de
contextualização das imagens selecionadas pelo pesquisador, pois, segundo ele, a
fotografia não consegue, sozinha, oferecer as informações sobre o passado. Neste caso,
o sucesso nas investigações desses documentos depende diretamente das informações
iconográficas e de informações escritas de diferentes naturezas.
No entanto, para a recuperação desses dados acerca do momento
histórico retratado, a fim de compreender melhor o contexto ao qual a fotografia se
insere, Kossoy (2001, p.87) aponta para a importância do bom relacionamento do
pesquisador com a comunidade. Pessoas idosas ou contemporâneas aos assuntos
retratados possivelmente terão a capacidade de identificar lugares, pessoas e discorrer
sobre o contexto que envolvem as imagens tomadas. No entanto, no caso de pessoas
idosas, tais depoimentos devem ser colhidos com urgência, caso contrário, serão
“incontáveis os cenários e personagens que permanecerão desconhecidos e anônimos
nas fotografias do passado”.
Tomando como base os conceitos de iconografia e iconologia adaptados
à fotografia, bem como os conselhos de Kossoy acerca da recuperação histórica de um
determinado lugar e em uma determinada época - com o auxílio de pessoas idosas ou
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI 24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
contemporâneas às imagens tomadas aliado à pesquisa de registros escritos acerca da
época retratada - o presente trabalho irá apresentar a aplicação desses conceitos às
fotografias, do fotógrafo Oswaldo Leite, tomadas em Londrina na década de 1960.
Londrina na década de 1960
A década de 1960 foi marcada por muitas transformações no cenário
urbano de Londrina. Em seu início, a cidade já contava com um número expressivo de
prédios altos, decorrentes das grandes safras de café, que trouxeram alegrias e fortuna
aos agricultores. O investimento em construções suntuosas era resultado desta
agricultura próspera que se materializava em forma de edificações.
No entanto, a partir de 1965, o café, base da economia londrinense, até
então, estava entrando em decadência por conta de constantes secas, geadas frequentes e
baixa nos preços alcançados pelos produtores no ato da venda dos grãos. Neste
momento, em decorrência do declínio da cafeicultura e da necessidade da economia
externa por diferentes produtos, teve início a diversificação de culturas, impulsionando
a introdução do cultivo da soja e da criação de gado em território paranaense. (ARIAS
NETO, 2008, p.149).
Desta forma, ao longo desta década a cafeicultura foi sendo substituída
por novas culturas, ao mesmo tempo em que indústrias começaram a se instalar na
cidade. Segundo Arias Neto (2008, p.182), em 1970, já havia 442 indústrias em
Londrina, “a maioria absoluta de pequeno porte, voltada para a produção de bens de
consumo não-duráveis”.
Em decorrência do êxodo rural que começava a atingir a região, neste
período, por conta da mecanização da terra para o cultivo da soja e para a criação de
gado, e da necessidade de mão-de-obra para fomentar o emergente – e crescente – setor
industrial, a cidade também cresceu. Passou de 77.382 pessoas residindo na área urbana
em 1960 para 163.528 em 1970, ao mesmo tempo em que a porcentagem de habitantes
da área rural diminuiu de 43% para 28%. (JANUZZI, 2005, p.87).
O acelerado crescimento da cidade propiciou o surgimento de novos
edifícios na cidade, fazendo de 1960 uma década marcada pela verticalização. Entre
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI 24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
1960 e 1969 surgiram 12 novos edifícios em Londrina, (SUZUKI, 2011, p.52), além de
novas vilas, bairros e até favelas. Tudo retratado pelas lentes de Oswaldo Leite.
Oswaldo Leite: o fotógrafo das construções
Oswaldo Leite acompanhou e registrou o crescimento de Londrina nas
décadas de 1950, 1960 e 1970. Como chefe da Secretaria de Obras da Prefeitura do
Município de Londrina, em suas andanças, para fiscalizar as obras em andamento,
fotografava-as em seu início, meio e fim, para que servissem como registro dos
trabalhos realizados pela Prefeitura.
Este trabalho se iniciou de forma despretensiosa, mas a riqueza
documental de suas fotografias o levou, após a aposentadoria por tempo de serviço (25
anos de trabalho), a ser convidado pelo então prefeito Dalton Paranaguá (1969-1973)3
para ocupar o cargo de fotógrafo oficial da Prefeitura até que aposentasse novamente,
desta vez por idade, e se afastasse de suas funções.
Ele foi o responsável pela tomada de mais de 20 mil imagens, em preto e
branco, de cenas que marcaram o desenvolvimento da cidade. Cuidadoso, Oswaldo
Leite anotava atrás de suas fotografias informações referentes à data e ao local retratado,
o que conferiu ainda mais importância histórica a suas imagens e permitiu que elas
servissem como norteadoras para pesquisas futuras.
Parte deste acervo permaneceu armazenado em baús, sem as mínimas
condições de preservação, em um depósito da Prefeitura, aguardando ser incinerado.
Sensibilizado com o prejuízo à história da cidade que esta incineração poderia causar, o
fotógrafo Hélio Silva - que havia substituído Oswaldo Leite após sua aposentadoria -
entrou em contato com o Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss para
intermediar a doação deste acervo. Desta forma, foi assinado em 7 de junho de 1990,
um convênio de cooperação cultural entre a Universidade Estadual de Londrina, por
meio do Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss e a Prefeitura do Município
de Londrina, para a transferência do acervo de Oswaldo Leite para as dependências e
cuidados do museu.
3 Período de mandato como prefeito de Londrina.
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI 24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
A outra parte das imagens, guardadas com cuidado na casa do fotógrafo
até sua morte em 28 de agosto de 1995, foi entregue em doação ao museu pelas mãos de
seu filho mais novo, Otacílio Leite, no dia 26 de março de 2006, depois de serem
recuperadas quando a irmã mais velha, dona Maria de Lourdes Leite Lima, pretendia
jogá-las fora. (LEITE, 2013).
Todo o acervo doado encontra-se guardado e preservado no Museu
Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss, que, de posse desse material, deu início, em
maio de 2003, ao processo de higienização, catalogação, digitalização e
disponibilização para pesquisa. As imagens referentes às décadas de 1950 e 1960 já
estão disponíveis para pesquisa, no entanto, as da década de 1970 ainda estão em
processo de catalogação. Esse processo continua sendo desenvolvido pelos funcionários
do Setor de Audiovisual do Museu Histórico sob a supervisão da servidora Célia
Rodrigues de Oliveira, técnica em assuntos culturais. (OLIVEIRA, 2013).
Estas imagens estão sendo pesquisadas pela autora, que se debruçou
sobre as correspondentes à década de 1950 para o desenvolvimento de seu Trabalho de
Conclusão de Curso para graduação em Comunicação Social – Habilitação Jornalismo.
Para o TCC, foram pesquisadas, analisadas e contextualizadas, 21 imagens, seguindo o
critério de importância do fragmento retratado para o desenvolvimento de Londrina,
bem como seu impacto no cenário urbano da cidade. Essas fotografias juntamente com
outras 29 – que estão sendo pesquisadas – farão parte de um livro a ser publicado em
2015. Por sua vez, as imagens do acervo de Oswaldo Leite relativas à década de 1960,
serão estudadas como objeto de estudo da dissertação de mestrado que, pretende-se,
também seja transformado em livro, com publicação estimada para 2016.
Componentes do objeto de estudo e do recorte temporal propostos para a
dissertação de mestrado, serão analisadas, neste trabalho, iconográfica e
iconologicamente três imagens da década de 1960, que retratam o crescimento
econômico e o desenvolvimento social pelos quais Londrina estava passando à época. A
figura 1 retrata a verticalização da região central, evidenciada na década escolhida, a
figura 2 traz a pavimentação da Avenida Bandeirantes e a construção do Hospital
Evangélico, enquanto a figura 3 retrata um dos problemas sociais causados pelo êxodo
rural, a primeira favela instalada em Londrina.
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI 24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
Análise do objeto: iconografia e iconologia aplicada
Figura 1: Vista de edifícios da área central, vendo-se em primeiro plano a Avenida Paraná - 10/11/1964.
Fotografia: Oswaldo Leite. Fonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss
Uma vez que a análise iconográfica, proposta por Kossoy, está situada no
campo da descrição, ao descrever a imagem da figura 1, iconograficamente, podemos
afirmar que trata-se de uma rua movimentada - já que existem carros estacionados em
fila dupla (canto inferior direito) - de uma cidade em crescimento e relativamente
vertical, pela presença de diversos prédios em construção. Podemos notar, ainda, que a
imagem foi tomada de um ângulo mais alto em relação à rua, provavelmente do alto de
algum prédio situado nas proximidades.
No entanto, ao abordarmos a mesma imagem, buscando a identificação
dos elementos expostos na descrição iconográfica, a fim de contextualizá-los, entramos
no campo da interpretação iconológica. No caso da imagem acima, trata-se do centro de
Londrina, uma cidade que se constituiu em 1934, no norte do estado do Paraná.
Pelo ângulo, provavelmente, tenha sido feita de algum apartamento do
edifício Panorama - Avenida Paraná esquina com a Rua Prefeito Hugo Cabral - que fica
próximo ao primeiro edifício que aparece à esquerda da fotografia. A rua retratada pode
ser identificada como sendo a Avenida Paraná (atual calçadão). Nesta análise, pode-se
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI 24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
inferir a década da tomada como sendo a de 1960, uma vez que a fotografia mostra os
edifícios Gonçalves (número 2), Comendador Caminhoto (número 5) e Willie Davids
(número 6) em fase de construção (iconografia) o que evidencia o processo de
verticalização do centro da cidade (iconologia), própria da década de 1960.
No período desta tomada (Figura 1) - feita pelo fotógrafo da Prefeitura do
Município de Londrina, Oswaldo Leite, com o objetivo de registrar o crescimento da
cidade para divulgação posterior - Londrina passava por um período de grandes
transformações urbanas, decorrentes da transferência de pessoas da área rural para a
cidade, como consequência da mecanização do solo e da instalação de novas indústrias.
A década de 1960 foi, portanto, marcada pelo crescimento urbano e pela verticalização,
com o surgimento de 12 novos edifícios entre 1960 e 1969.
Isto não significa que Londrina não possuía edifícios antes de 1960.
Alguns dos principais prédios, existentes na região central já estavam construídos nesta
época. O edifício Santo Antônio (número 1), foi construído na Avenida Paraná, no final
da década de 1940; o edifício Bosque (número 9), na Rua Piauí, no início da década de
1950; o Hotel São Jorge, atual edifício Sahão (número 4), na Avenida Paraná em 1952 e
o edifício América (número 3), na esquina das avenidas Paraná e Rio de Janeiro, em
1957. (SUZUKI, 2011).
O Cinzia (número 7), construído na Alameda Miguel Blasi e o Centro
Comercial (número 8), na Rua Piauí, foram construídos no início da década de 1960. Já
o edifício Comendador Caminhoto (número 5), na Praça Gabriel Martins, o edifício
Gonçalves (número 2) e o Willie Davids (número 6), estavam em processo de
construção no dia 10 de novembro de 1964, data em que foi registrada a imagem.
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI 24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
Figura 2: Avenida Bandeirantes – Hospital Evangélico – 1960.
Fotografia: Oswaldo Leite. Fonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss
Partindo da análise iconográfica pode-se observar nesta imagem (Figura
2) a abertura de uma avenida ainda em fase inicial, sem meio-fio, sem pavimentação,
sem calçadas e sem a presença de um canteiro central bem delimitado. Pode-se afirmar
que provavelmente trata-se de uma região que se encontra em início de expansão, uma
vez que existem prédios novos sendo construídos, os postes de transmissão de energia
elétrica ainda são feitos de madeira e não há iluminação pública.
Pode-se notar que a via da direita, de quem observa a fotografia,
encontra-se em fase de abertura mais avançada que a da esquerda, provavelmente por
conta das diversas edificações que estão sendo erguidas daquele lado da via e por conta
da construção de um imponente prédio que, provavelmente, precisava de uma estrada
por onde pudessem passar os caminhões carregados com materiais de construção para a
realização da obra.
Aprofundando-se na história, por meio da interpretação iconológica, é
possível tomar conhecimento que a imagem (Figura 2), tomada na década de 1960 pelo
fotógrafo Oswaldo Leite, retrata a abertura da Avenida Bandeirantes, na Vila Ipiranga,
com a construção do Hospital Evangélico ao fundo.
As atividades do Hospital Evangélico tiveram início na década de 1950,
primeiramente com o nome de Ambulatório São Lucas. Posteriormente, com o aumento
da população a ser atendida, as instalações do ambulatório se tornaram insuficientes.
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI 24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
Desta forma, foi inaugurado em 1956 um prédio maior, para abrigar o hospital, na
esquina das ruas Pernambuco e Alagoas (onde hoje funciona a Companhia de Habitação
de Londrina - Cohab). (ALEGRO, 2012, p.29). Em 1960 foram iniciadas as construções
do novo prédio do Hospital Evangélico, maior e mais moderno, na Avenida
Bandeirantes - com auxílio de uma instituição evangélica da Alemanha. Neste novo
endereço o atendimento aos pacientes teve início em 1971. O prédio sofreu algumas
melhorias e ampliações desde a abertura, no entanto, continua funcionando até hoje.
Nesta imagem (Figura 2) a abertura da Avenida Bandeirantes
(iconografia) indicia o crescimento da cidade e a abertura de novos bairros para atender
a população que se transferia do campo para a cidade (iconologia), enquanto pode-se
inferir que a construção de um prédio maior e mais moderno para abrigar o Hospital
Evangélico (iconografia) tenha sido pensada provavelmente para atender à crescente
demanda por atendimentos médicos decorrentes do aumento da população urbana de
Londrina, já que a cidade crescia em um contexto de desvalorização da cafeicultura -
principal atividade da região - mecanização do solo para diversificação de culturas e
pecuária, e do apelo por mão-de-obra por conta da instalação de novas indústrias
(iconologia).
Figura 3: Favela Pito Aceso” - 18/03/1965.
Fotografia: Oswaldo Leite. Fonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI 24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
Ao analisarmos a imagem (Figura 3) iconograficamente, podemos
observar uma série de barracos construídos com restos de madeira, plástico e telhas, em
um terreno acidentado, cheio de mato e com a presença de um córrego na parte mais
baixa. Como pode-se ver na fotografia, não existem ruas. Assim, para se deslocar em
meio aos barracos, os moradores tinham de subir pequenas escadas que eram escavadas
no barranco e que aparecem na imagem.
Sem localização espacial torna-se difícil de ser identificada, no entanto,
quando se buscam mais informações - próprias da interpretação iconológica - a fim de
identificar os elementos visíveis e de contextualizar a imagem, é possível observar que
esta favela tem suas peculiaridades. Por meio de uma pesquisa histórica da urbanização
de Londrina pode-se afirmar que a fotografia retrata a favela do “Pito Aceso”, a
primeira a surgir na cidade no início da década de 1950.
O “Pito Aceso” teve seu início em 1953, quando 15 famílias procedentes
de áreas rurais dos estados do Paraná, de Minas Gerais e, principalmente, do Nordeste,
se instalaram de maneira irregular nas encostas do Córrego Água Fresca (atual
Cemitério João XXIII). (FRESCA; POSTALDI, 2008). O fato de as pessoas se
instalarem nas encostas do córrego se dá por conta da necessidade de água, uma vez que
nesses terrenos irregulares não existe água encanada e os poços, quando perfurados,
muitas vezes não dão conta do abastecimento de todas as famílias ali assentadas.
A imagem (Figura 3) é datada de 18 de março de 1965, período em que
provavelmente este assentamento aumentou por consequência do êxodo rural que
acometia a cidade. Podemos inferir que isso se deu porque a indústria não estava
conseguindo absorver a quantidade de migrantes que Londrina estava recebendo
advindos do campo, ou que a Prefeitura não estava conseguindo se adaptar a contento à
nova realidade que a região estava vivendo. O fato é que a existência de favelas
(iconografia) nos remete ao problema de habitação e absorção de mão-de-obra
(iconologia).
Segundo Victor Hugo Teixeira Martins (2007, p.76), a partir da década
de 1960 ocorreu em Londrina a anexação de áreas de uso rural à cidade, em diversas
direções, até porque a cidade crescia descontroladamente e havia necessidade da
construção de novos bairros. Este processo ganhou impulso com a criação do Banco
Nacional de Habitação – BNH, “que tinha por finalidade acalmar os ânimos da
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI 24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
população urbana, amenizando o problema crônico da habitação nas cidades brasileiras,
criando os caminhos para a construção de moradias”. Em Londrina foi criada em 1965,
a Companhia de Habitação de Londrina (Cohab), que passou a tratar das questões
habitacionais relacionadas à cidade.
De acordo com Asari e Tuma (apud MARTINS, 2007, p.91), na gestão
do prefeito Dalton Paranaguá (1969-1972) houve uma dinamização da Cohab em
Londrina, com a construção de diversos conjuntos habitacionais de aproximadamente
100 casas cada um, construídos nos chamados “vazios urbanos”. Esses conjuntos foram
utilizados, em alguns casos para a realocação de famílias assentadas em favelas. Foi o
caso do Conjunto Habitacional Pindorama I - localizado onde hoje é a Vila da
Fraternidade – que, construído em 1972, acolheu as famílias da favela “Pito Aceso”.
Diante das análises realizadas, como objeto de estudo, por meio da
iconografia foi possível analisar os elementos explícitos da imagem -visíveis - que são
oferecidos à priori, sem a necessidade de esforço para eficiente apreensão.
Posteriormente, tomando esses elementos como ponto de partida, foi possível iniciar
uma interpretação iconológica acerca dos elementos implícitos na imagem - invisíveis -
que se encontram ocultos e que necessitam de reflexão, pesquisa e contextualização
para serem desvendados.
Desta forma, pode-se concluir que a metodologia da iconografia e
iconologia, adaptada à fotografia por Boris Kossoy, pode ser aplicada de maneira
eficiente para a leitura e análise das imagens de Oswaldo Leite - tomadas na década de
1960 - e se apresenta como uma importante ferramenta na recuperação de fragmentos da
história de Londrina.
Considerações finais
A iconografia e a iconologia foram descritas por Erwin Panofsky para
serem utilizadas para analisar obras de arte. Mais tarde, o pesquisador brasileiro Boris
Kossoy adaptou esses termos ao universo fotográfico.
Kossoy propõe a iconografia para a investigação dos elementos
circunscritos à imagem. A iconografia atua no campo descritivo. Refere-se à segunda
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI 24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
realidade, a realidade do documento após a tomada. A iconologia, por sua vez, atua no
campo das interpretações. Remete à realidade anterior ao registro, ou seja, à primeira
realidade.
Nas páginas anteriores, este trabalho apresentou análises de três
fotografias tomadas por Oswaldo Leite - responsável por importantes registros das
transformações urbanas pelas quais Londrina passou ao longo da década de 1960. Tais
análises foram realizadas com base na aplicabilidade, dos termos, proposta por Kossoy.
Para tanto, foram escolhidas imagens registradas pelo fotógrafo no
decurso da década de 1960, marcada pelo aumento da população urbana. A figura 1
mostra a verticalização do centro de Londrina; a figura 2, a abertura de novas ruas com
a construção de um novo prédio para abrigar o Hospital Evangélico e dessa forma
melhorar a qualidade dos serviços médicos prestados à população, enquanto, a figura 3
retrata, por fim, os problemas sociais - decorrentes do êxodo rural causado pela
decadência do café, pela mecanização das lavouras que se diversificavam e pela
insuficiente absorção de toda essa mão-de-obra pelas indústrias da cidade.
Por meio desta pesquisa foi possível atestar a aplicabilidade da
metodologia da iconografia e iconologia para o estudo de fotografias, recuperar dados e
informações importantes para da história de Londrina, bem como perceber a carência de
informações escritas acerca das construções e alterações sofridas pela cidade nas
décadas mais recentes. Neste período de busca de material, para a contextualização das
imagens selecionadas para o estudo de caso, foi comum encontrar, nos poucos escritos
disponíveis, a reprodução de uma mesma informação diversas vezes feitas por pessoas
diferentes sem o acréscimo de novos dados e, muitas vezes, sem o compromisso com a
veracidade da informação passada adiante.
Desta forma faz-se necessária a desconfiança do pesquisador diante dos
dados e a checagem das informações levantadas. Neste momento, conforme Kossoy
aconselha, é imprescindível o bom relacionamento do pesquisador com a comunidade
para que se possa recorrer à memória dos contemporâneos a cena retratada.
Encontro Nacional de Pesquisa em Comunicação e Imagem - ENCOI 24 e 25 de novembro de 2014 • Londrina, PR
Referências
ALEGRO, Regina Célia (org.). Londrina documenta: curar, cuidar, lembrar –
memória da saúde em Londrina. Londrina: UEL, 2012. Disponível em <
http://www.uel.br/museu/publicacoes/Documenta_3.pdf > Acesso em: 27 mar. 2014.
ARIAS NETO, José Miguel. O Eldorado: representações da política em Londrina,
1930/1975. 2 ed. rev. Londrina: Eduel, 2008.
BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru: Edusc, 2004.
CATALÀ DOMÈNECH, Josep M. A forma do real: introdução aos estudos visuais.
São Paulo: Summus, 2011.
UNIVERSITÀ DI BERGAMO. Cesare Ripa: Allegorie Dell’ Iconologia di C. Ripa.
Bergamo, 2008. Disponível em < http://dinamico2.unibg.it/ripa-
iconologia/iconologia.html> Acesso em: 15 out. 2014.
FRESCA, Tânia M.; POSTALDI, Valeria B. (org.). Atlas ambiental da cidade de
Londrina. Londrina: 2008. Disponível em <
http://www.uel.br/revistas/atlasambiental/EXPANSAO/OCUPACOES.htm > Acesso
em: 27 mar. 2014.
JANUZZI, Denise de Cássia Rossetto. O desenvolvimento de Londrina e as
transformações nos espaços públicos da região central. Semina: Ciências Sociais e
Humanas. Londrina, v.26, p. 87-94, set. 2005.
KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. São Paulo: Ateliê
Editorial, 1999.
_____________. Fotografia e História. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.
_____________. Os tempos da fotografia: o efêmero e o perpétuo. São Paulo: Ateliê
Editorial, 2007.
LEITE, Otacílio. Entrevista oral. Concedida à autora em: 29 ago. 2013.
MARTINS, Victor Hugo Teixeira. Habitação, infraestrutura e serviços públicos:
conjuntos habitacionais e suas temporalidades em Londrina – PR. 2007. Dissertação
(Mestrado em Geografia, Meio Ambiente e Desenvolvimento) UEL, Londrina.
OLIVEIRA, Célia Rodrigues de. Entrevista concedida. Londrina: 28 ago. 2013.
PANOFSKY, Erwin. Significado nas artes visuais. São Paulo: Perspectiva, 2011.
SUZUKI, Juliana. Idealizações de modernidade: arquitetura dos edifícios verticais em
Londrina 1949-1969. Londrina: Kan, 2011.