O USUÁRIO E O TRAFICANTE À LUZ DA NOVA LEI DE DROGAS
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Transcript of O USUÁRIO E O TRAFICANTE À LUZ DA NOVA LEI DE DROGAS
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA CENTRO DE APOIO OPERACIONAL CRIMINAL
___________________________________________________________________
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2009 BELÉM
PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ
GERALDO DE MENDONÇA ROCHA Procurador Geral de Justiça
CORREGEDORIA GERAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ UBIRAGILDA SILVA PIMENTEL
Corregedora Geral do Ministério Público
MANUAL DE PLANTÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARÁ
CENTRO DE APOIO OPERACIONAL CRIMINAL
COORDENADOR
ALDIR JORGE VIANA DA SILVA
Promotor de Justiça
SERVIDORA
JAEL LOPES DE SOUZA OLIVEIRA
ASSESSORA TÉCNICA ESPECIALIZADA
JANE FERRAZ DE SOUZA MONTEIRO
ESTAGIÁRIAS DE DIREITO
FLÁVIA DANIELLE CORRÊA SALDANHA
ALEXANDRA BERNARDES GALDEZ
REVISOR ORTOGRÁFICO
THALES BRANCHE PAES DE MENDONÇA
CAPA
CENTRO DE APOIO OPERACIONAL CRIMINAL Fone: (91) 4006-3505
Sítio: http://www.mp.pa.gov.br/caocriminal
3
A DIFERENÇA ENTRE USUÁRIO E TRAFICANTE DE DROGAS
1. Considerações Gerais:
Com o advento da Lei nº 11.343/06 houve a unificação das matérias tratadas
nas Leis nº 6.368, de 21 de outubro de 1976, e nº 10.409, de 11 de janeiro de 2002,
que foram expressamente revogadas, adotou-se, também, no ordenamento
jurídico brasileiro a política criminal da justiça terapêutica em relação ao
tratamento conferido ao usuário e dependente de drogas, constituindo-se em
uma das principais inovações da novel legislação. No tocante ao traficante de
drogas o tratamento penal mostrou-se mais gravoso.
Como visto no intróito, o usuário recebeu tratamento diferenciado, pois,
ocorreu uma novatio legis in melius, tendo em vista que a nova lei revelou-se muito
mais benéfica que a anterior e, portanto, tem caráter retroativo pleno, abrangendo
desde o condenado até aquele que está sendo investigado em inquérito policial.
Quanto ao tráfico de drogas, ocorreu uma novatio legis in pejus.
A referida lei acabou com a pena de prisão para o usuário de drogas, ou seja,
quando concretizada a captura do agente (e feita a apreensão da droga ou da planta
tóxica) cabe ao condutor (pessoa que efetuou a prisão em flagrante) levar o autor do
fato, imediatamente, ao juízo competente.
Ressalte-se que, priorizou a lei o “juízo competente”, em detrimento da
autoridade policial. Destarte, a lógica da nova lei de drogas pressupõe juizados (ou
juízes) de plantão, vinte e quatro horas. Todavia, na falta ou ausência do juiz, o fato
será levado ao conhecimento da autoridade policial, (que lavrará TCO - Termo
Circunstanciado de Ocorrência, requisitará exames e perícias, determinará o laudo
de constatação, etc...).
Atualmente, o usuário pode ser submetido às seguintes medidas:
advertência verbal, prestação de serviço à comunidade, medida educativa de
comparecimento a programa ou curso educativo e, em último caso, multa. Em
virtude das sanções previstas, gerou-se a seguinte polêmica: teria a Lei nº
11.343/2006 descriminalizado a posse de droga para consumo pessoal?
4
Luiz Flávio Gomes1 defende o ponto de vista de que se trata de infração sui
generis inserida no âmbito do Direito Judicial Sancionador. Não seria norma
administrativa, nem penal. Isso porque de acordo com a Lei de Introdução ao Código
Penal, art. 1º, só é crime, se for prevista a pena privativa de liberdade, alternativa ou
cumulativamente, o que não ocorreria na hipótese do art. 28 da Lei n. 11.343/2006.
A despeito disso, parte da doutrina defende o ponto de vista de que não
houve a descriminalização da conduta, pois, o fato continua a ter a natureza de
crime, na medida em que a própria Lei o inseriu no capítulo relativo aos crimes e as
penas (Capítulo III); além do que, as sanções só podem ser aplicadas por juiz
criminal e não por autoridade administrativa, observando-se o devido processo legal
(no caso, o procedimento criminal do Juizado Especial Criminal, conforme expressa
determinação legal do art. 48, § 1º, da nova Lei). A Lei de Introdução ao Código
Penal está ultrapassada nesse aspecto e não pode ditar os parâmetros para a nova
tipificação legal do século XXI.
2. A Doutrina e o Usuário de Drogas:
Nucci2 critica o novo tratamento conferido ao usuário, pela “brandura da
punição com resultado imponderável”. Para o autor, o usuário de drogas
assemelha-se ao “doente mental”. Nessa linha de raciocínio, assevera: “parece que,
temendo a reação social à eventual descriminalização da conduta do consumidor de
drogas, o legislador preferiu eliminar a pena privativa de liberdade, optando por
outras formas de sanção extremamente brandas”. E conclui:
[...]
A falta de efetiva punição ao usuário de drogas (não estamos
falando do dependente, que é viciado, logo, doente mental)
pode levar, se houver rejeição à idéia lançada pelo legislador,
os operadores do Direito, com o beneplácito da sociedade, ao
maior enquadramento dos usuários como traficantes. Essa
medida pode desvirtuar as finalidades do novo art. 28 desta
1 GOMES, Luiz Flávio; BIANCHINI, Alice; CUNHA, Rogério Sanches da; OLIVEIRA, William Terra de,
Nova Lei de Drogas Comentada, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2006, p.108/113. 2 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2006, p.756.
5
Lei, prejudicando, enormemente, o âmbito da punição justa em
matéria de crime envolvendo o uso de drogas ilícitas.
Na visão de Carlos Bacila e Paulo Rangel3 “assim como ninguém conceberia
punir criminalmente um dependente de álcool, parece errôneo tipificar a conduta do
dependente de drogas ou daqueles que as usam eventualmente. Contudo, não se
pode também deixar de compreender que o usuário de droga sustenta o tráfico, gera
problemas para a família, para a sociedade e, de certo modo, por uma questão
humanitária, não se pode esquecer que a autolesão que pratica afeta a todos de um
jeito ou de outro”.
Nesse sentido, os autores acima referidos defendem que a melhor maneira de
lidar com a questão é tratar o usuário com responsabilidade, vendo-o como um
dependente químico e não como um criminoso, que precisa ser punido custe o que
custar.
Nesse diapasão Luiz Flávio Gomes4 preleciona:
[...]
Se as penas cominadas para a posse de droga para consumo
pessoal são exclusivamente alternativas, não há que se falar
em “crime” ou em “contravenção penal”, consequentemente, o
art. 28 contempla uma infração sui generis (uma terceira
categoria, que não se confunde nem com o crime nem com a
contravenção penal).
Não obstante a acalorada discussão doutrinária sobre a nova situação jurídica
do usuário, convém salientar que o fato não perdeu o caráter de ilícito, pois, a posse
de droga não foi legalizada. Constitui um fato ilícito, porém, de natureza sui
generis,como visto linhas atrás.
3 BACILA, Carlos Roberto; RANGEL, Paulo, Comentários Penais e Processuais Penais à Lei de Drogas, Rio
de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, p.43.
4 GOMES, Luiz Flávio. Nova Lei ...Op. cit., p.118 e 119.
6
3. Princípio da Insignificância:
Outra questão que emerge da nova situação jurídica do usuário de drogas é a
possibilidade de aplicação ou não, do princípio da insignificância. Nesse contexto
alguns doutrinadores defendem ser viável a aplicação do princípio da insignificância
(causa de exclusão da tipicidade material do fato) quando, entretanto, a posse de
drogas para consumo pessoal for ínfima.
Comungando dessa opinião Luiz Flávio Gomes5 ensina:
[...]
A posse de droga para consumo pessoal configura uma das
modalidades do chamado delito de posse (“delitos de
posesión”), que retrata uma categoria penal muito singular no
Direito Penal. Mister se faz, para a consumação da infração,
constatar a idoneidade ofensiva (periculosidade) do próprio
objeto material da conduta.
Destarte, depreende-se que se a droga apreendida não reúne nenhuma
potencialidade ofensiva, em razão da sua quantidade ínfima, não há que se falar em
infração, seja penal ou não. Sendo assim, não existe na situação em comento,
conduta a ser punida.
Em outras palavras, a conduta de portar pequena quantidade de substância
entorpecente, embora formalmente se amolde ao tipo penal, não apresenta
nenhuma relevância material. Assim, afasta-se liminarmente a tipicidade penal
porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado. Enfim, a insignificância
da ofensa ao bem jurídico afasta a tipicidade. O direito penal não se ocupa de
bagatelas. De minimus non curat pretor.
Na esteira da mesma linha de raciocínio Zaffaroni6 explica:
[...]
A tipicidade penal é formada pela tipicidade legal (descrição do
tipo prevista na lei) acrescentada da tipicidade conglobante
(que analisa em conjunto com a ordem normativa, alcançando
5 GOMES, Luiz Flávio. Nova Lei ...Op. cit., p.127.
6 ZAFFARONI, Eugenio Raul. Manual de Derecho Penal. Buenos Aires: Ediar, 1999, pp. 463-476.
7
as condutas determinadas pelo Direito - estrito cumprimento
de dever legal – ou as condutas estimuladas pelo Direito –
lesões no exercício da medicina ou do esporte – e as condutas
insignificantes). Logo, condutas insignificantes que não afetem
de forma sequer grave o bem jurídico seriam casos de
atipicidade conglobante e, consequentemente, atipicidade
penal.
Nesse passo nossos Tribunais tem pontificado:
Ementa
PENAL. ENTORPECENTES. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. - Sendo ínfima a pequena quantidade de
droga encontrada em poder do réu, o fato não tem
repercussão na seara penal, à míngua de efetiva lesão do bem
jurídico tutelado, enquadrando-se a hipótese no princípio da
insignificância. - Habeas Corpus concedido. (STJ - HABEAS
CORPUS: HC 17956 SP 2001/0096779-7).
Até mesmo o Pretório Excelso já reconheceu o princípio da insignificância
com base na ínfima quantidade de droga apreendida.
Ementa
HABEAS CORPUS. POSSE DE SUBSTÂNCIA
ENTORPECENTE. PEQUENA QUANTIDADE. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. ORDEM CONCEDIDA. Não
constitui crime militar trazer consigo quantidade ínfima de
substância entorpecente (4,7 gramas de maconha), em
atenção ao princípio da insignificância. Ordem concedida para
absolver o paciente. (STF - HABEAS CORPUS: HC 91074
SP).
Ementa
8
HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR. USO DE SUBSTÂNCIA
ENTORPECENTE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.
APLICAÇÃO NO ÂMBITO DA JUSTIÇA MILITAR. ART. 1º, III
DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE
DA PESSOA HUMANA. 1. Paciente, militar, condenado pela
prática do delito tipificado no art. 290 do Código Penal Militar
(portava, no interior da unidade militar, pequena quantidade de
maconha). 2. Condenação por posse e uso de entorpecentes.
Não-aplicação do princípio da insignificância, em prol da
saúde, disciplina e hierarquia militares. 3. A mínima
ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social
da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do
comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica
constituem os requisitos de ordem objetiva autorizadores da
aplicação do princípio da insignificância. 4. A Lei n.
11.343/2006 --- nova Lei de Drogas --- veda a prisão do
usuário. Prevê, contra ele, apenas a lavratura de termo
circunstanciado. Preocupação, do Estado, em alterar a visão
que se tem em relação aos usuários de drogas. 5. Punição
severa e exemplar deve ser reservada aos traficantes, não
alcançando os usuários. A estes devem ser oferecidas
políticas sociais eficientes para recuperá-los do vício. 6. O
Superior Tribunal Militar não cogitou da aplicação da Lei n.
11.343/2006. Não obstante, cabe a esta Corte fazê-lo,
incumbindo-lhe confrontar o princípio da especialidade da lei
penal militar, óbice à aplicação da nova Lei de Drogas, com o
princípio da dignidade humana, arrolado na Constituição do
Brasil de modo destacado, incisivo, vigoroso, como princípio
fundamental (art. 1º, III). 7. Paciente jovem, sem antecedentes
criminais, com futuro comprometido por condenação penal
militar quando há lei que, em lugar de apenar --- Lei n. 11.
343/2006 --- possibilita a recuperação do civil que praticou a
mesma conduta. 8. No caso se impõe a aplicação do princípio
da insignificância, seja porque presentes seus requisitos, de
9
natureza objetiva, seja por imposição da dignidade da pessoa
humana. Ordem concedida. (STF - HABEAS CORPUS: HC
90125 RS).
Contrário ao entendimento adotado pelo STF e STJ Guilherme de Souza
Nucci7 adverte:
[...]
O delito de porte de drogas para consumo próprio adquiriu
caráter de infração de ínfimo potencial ofensivo, tanto que as
penas são brandas, comportando, inclusive, mera advertência.
Por isso, o ideal é haver, pelo menos, a aplicação de sanção
amena, por menor que seja a quantidade de tóxico. Evita-se,
com isso, o crescimento da atividade do agente, podendo
tornar-se traficante ou viciado.
Nesse diapasão é válido salientar as seguintes decisões jurisprudenciais:
Ementa
Pequena quantidade de substância tóxica, mesmo quando
classificada como „leve‟ (maconha), não implica
necessariamente que o juízo deva acatar o chamado „princípio
da insignificância‟ em favor do acusado, porque todo delito
associado a entorpecentes, independentes de sua gravidade,
constitui um risco potencial para a sociedade (Turma
Recursal JECRIM-DF: Ap. 20050110008830, 1.ªT., rel. José
Guilherme de Souza, 27.09.2005, v.u., DJU 12.05.2006,
p.143).
Ementa
Tráfico de entorpecentes. Pequena quantidade apreendida.
Fato que não impede a caracterização do delito. Prisão em
7 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais ... Op. cit., p.757.
10
flagrante no ato da venda. Prova muito mais satisfatória do
que a simples quantidade. Condenação mantida. Recurso não
provido (TJSP - Apelação Criminal com Revisão: ACR
990080605291 SP).
Ressalte-se que o assunto abordado é bastante polêmico, tendo o STF e o
STJ decidido em ambos os sentidos:
Ementa
HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL E
PROCESSUAL PENAL MILITAR. PACIENTE DENUNCIADO
PELA INFRAÇÃO DO ART. 290 DO CÓDIGO PENAL
MILITAR. ALEGAÇÃO DE INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. PRECEDENTES DO SUPREMO
TRIBUNAL FAVORÁVEIS À TESE DA IMPETRAÇÃO: NÃO
APLICAÇÃO À ESPÉCIE VERTENTE. PRINCÍPIO DA
ESPECIALIDADE. HABEAS CORPUS INDEFERIDO. 1. A
existência de decisão neste Supremo Tribunal no sentido
pretendido pela Impetrante, inclusive admitindo a incidência do
princípio da insignificância à justiça castrense, „a despeito do
princípio da especialidade e em consideração ao princípio
maior da dignidade humana‟ (Habeas Corpus n. 92.961, Rel.
Ministro Eros Grau, DJ 21.2.2008), não é bastante a
demonstrar como legítima sua pretensão. 2. Nas
circunstâncias do caso, o fato não é penalmente irrelevante,
pois a droga apreendida, além de ter sido encomendada por
outra pessoa, seria suficiente para o consumo de duas
pessoas, o que configuraria, minimamente, a periculosidade
social da ação do Paciente. 3. A jurisprudência predominante
do Supremo Tribunal Federal é no sentido de reverenciar a
especialidade da legislação penal militar e da justiça
castrense, sem a submissão à legislação penal comum do
crime militar devidamente caracterizado. 4. Habeas corpus
indeferido (STF - HABEAS CORPUS: HC 91759, Rel.
Ministro Menezes Direito).
11
Ementa
HABEAS CORPUS. 2. Posse de substância entorpecente em
local sob a Administração Militar. Art. 290, do CPM. 3.
Invocação dos princípios da insignificância e da
proporcionalidade. A pequena quantidade de entorpecente
apreendida não descaracteriza o crime de posse de
substância entorpecente. 4. Não há como trancar a ação penal
por falta de justa causa. 5. Habeas corpus indeferido (STJ -
HABEAS CORPUS: HC 81735, Rel. Ministro Néri da
Silveira).
4. Consumo pessoal ou tráfico?
A lei nº 11.343/2006 estabeleceu uma série de critérios para definir se a droga
destina-se ou não ao consumo pessoal. São eles: natureza e quantidade da
substância apreendida (objeto material do delito), local e condições em que se
desenvolveu a ação (o desvalor da ação), circunstâncias sociais e pessoais,
bem como a conduta e os antecedentes do agente (agente do fato).
Em outras palavras, mister se faz saber todas as circunstâncias do caso
concreto, pois a quantidade da droga, por si só, não constitui, em regra, critério
determinante, salvo exceções (enormes quantidades de entorpecentes). Daí a
necessidade de se valorar não somente um critério (o quantitativo), senão todos os
fixados na Lei.
Discorrendo de maneira clara e objetiva sobre os sistemas legais Luiz Flávio
Gomes8 ensina:
[...]
Há dois sistemas legais para se decidir sobre se o agente (que
está envolvido com a posse ou porte de droga) é usuário ou
8 GOMES, Luiz Flávio. Nova Lei ...Op. cit., p.131.
12
traficante: (a) sistema da quantificação legal (fixa-se, nesse
caso, um quantum diário para o consumo pessoal; até esse
limite legal não há que se falar em tráfico); (b) sistema do
reconhecimento judicial ou policial (cabe ao juiz ou à
autoridade policial analisar cada caso concreto e decidir
sobre o correto enquadramento típico). A última palavra é a
judicial, de qualquer modo, é certo que a autoridade policial
(quando o fato chega ao seu conhecimento) deve fazer a
distinção entre o usuário e o traficante.
O ordenamento jurídico pátrio adotou o segundo critério (sistema do
reconhecimento judicial ou policial). Destarte, compete ao juiz ou a autoridade
policial reconhecer, com fundamento nos critérios legais objetivos, se a droga
encontrada destina-se ao consumo pessoal ou ao tráfico. Todavia, o
julgamento do magistrado não pode constituir-se em apreciação meramente
subjetiva, pois terá como parâmetro os critérios legais para valorar se o fato
configura tráfico ou consumo pessoal de drogas. Logo, note-se que o critério de
avaliação é objetivo e não subjetivo.
5. O traficante de drogas à luz da lei nº 11.343/2006:
O crime de tráfico ilícito de drogas não deixa de ser, na essência, um delito
hediondo, pois o legislador constituinte, ao redigir o art. 5º, XLIII, da Carta Magna,
atribuiu tratamento mais rigoroso a determinadas infrações penais, consideradas
muito graves, dentre estas, o tráfico de drogas.
No tocante ao tráfico de drogas (artigo 33), a nova lei conferiu tratamento
mais rigoroso ao traficante, ocorrendo uma novatio legis in pejus, de maneira que a
lei incide apenas nas situações novas. Destaque-se, as seguintes figuras:
a) a do traficante – para ele, a pena é de reclusão de 5 a 15 anos, e a multa
varia de 500 a 1.500 dias-multa. Todo aquele que trabalha fabricando ou
transportando maquinários e aparatos para o tráfico, tem a pena de reclusão um
pouco inferior, de 3 a 10 anos, mas a multa é mais gravosa, pois varia de 1.200 a
2.000 dias-multa.
13
Visa o legislador desestimular o aparelhamento do traficante sob o ponto de
vista econômico. A terceira situação tipificada como tráfico, no sentido geral, é a
daquele que colabora com o traficante, cuja pena é um pouco inferior. Será de
reclusão (de 2 a 6 anos) e, a multa um pouco mitigada (de 300 a 700 dias-multa).
b) a do incentivador – aquele que simplesmente oferece drogas, sem o intuito
de lucro, para consumir com terceiro e que, na verdade, não é um traficante. A pena
é de 6 meses a 1 ano e pagamento de 700 a 1.500 dias-multa, tendo todos os
benefícios da lei, já que não há qualquer conduta que configure tráfico na hipótese
em questão.
De maneira semelhante, o médico ou operador do Sistema de Saúde que erra
na dosagem de drogas também tem uma pena de 6 meses a 2 anos de detenção e
pagamento de 50 a 200 dias-multa (art. 38) porque também não é traficante.
c) a do financiador – a mais preocupante figura do tráfico de drogas em geral
é aquela que tem extraordinário poder econômico e custeia a logística do tráfico,
chamado de grande traficante ou chefe do narcotráfico. Aqui a pena mínima é de 8
anos de reclusão, podendo chegar a 20 anos, e a multa varia de 1.500 a 4.000 dias-
multa (art. 36). O número de dias-multa poderá ser multiplicado por cinco, iniciando
em um trinta avos do maior salário mínimo (art. 43, caput).
O art. 12 da Lei nº 6.368/76 previa penas de reclusão de 3 a 15 anos e de
multa de 50 a 360 dias-multa, enquanto que o art. 33 da Lei nº 11.343/06 estabelece
penas de 5 a 15 anos de reclusão e de multa de 500 a 1500 dias-multa. Como se
observa, as alterações, em relação à lei nova, ocorreram na pena mínima que era de
3 e agora foi para 5 anos e na pena de multa que inicia no patamar de 500 e vai até
1500 dias-multa, podendo ser aumentada em caso de concurso de crimes até o
décuplo, o que significa um aumento substancial.
A nova lei foi bastante severa em relação ao agente que financiar ou custear
a prática do crime de tráfico, eis que fica sujeito a uma pena de reclusão, de 8 a 20
anos e pagamento de multa de 1.500 a 4.000 dias-multa, que também pode ser
majorada até o décuplo.
A lei também foi mais rígida quando o tráfico envolver dois ou mais países;
entre Estados da Federação ou entre estes e o Distrito Federal; quando envolver ou
visar a atingir criança ou adolescente; quando o traficante prevalecer-se para tal, da
14
função pública; quando no desempenho de missão de educação, poder familiar,
guarda ou vigilância; quando a infração for praticada nas dependências ou
imediações de estabelecimentos prisionais, de ensino ou hospitalares, de sede de
entidades estudantis, sociais, culturais, recreativas, esportivas, beneficentes, de
locais de trabalho coletivo e outros. Nessas hipóteses, a pena será aumentada de
um sexto a dois terços.
Quanto à discussão em relação à possibilidade ou não da substituição da
pena de prisão aplicada em caso de condenação por crime de tráfico por pena
restritiva de direito por fato praticado na vigência do novo instrumento legal está
prejudicada, eis que, não bastasse a impossibilidade em face da quantidade de pena
prevista (5 a 15 anos), a nova lei literalmente proíbe a substituição.
6. Posição do CAO Criminal
Após essas considerações de índole doutrinária e jurisprudencial, pode-se
afirmar que o legislador ao elaborar a nova Lei de Drogas quis dar o primeiro passo
em direção à moderna política criminal, focando sua preocupação na dignidade da
pessoa humana. Nesse sentido apresentou equilíbrio ao tratar, de maneira
diferenciada, o usuário e o traficante, visando punir gravosamente condutas típicas
relevantes e reinserir socialmente o usuário.
De maneira acertada, a nova lei não pune o usuário ou dependente com pena
privativa de liberdade, até porque a pena de prisão, nesses casos, jamais atingiria o
seu objetivo, que é o da reinserção social e não da terapia clínica.
Ademais, convém lembrar que houve o reconhecimento expresso na lei de
que o usuário ou dependente necessita de tratamento, conforme inovação do § 7º do
artigo 28 da lei nº 11.343/2006, que confere ao Juiz de Direito a faculdade de
determinar ao poder público disponibilização de local adequado para o tratamento
especializado e gratuito ao usuário para sua desintoxicação.
No contexto do tráfico ilícito de drogas não nos parece aceitável a aplicação
do princípio da insignificância, posto que o bem jurídico tutelado é a saúde pública e
o traficante não se contentará em materializar o crime uma única vez. Logo, se não
houver a devida punição, a reincidência será inexorável.
15
Outrossim, a severidade da lei destina-se aos verdadeiros traficantes, eis que
o traficante eventual, primário, de bons antecedentes e que não for integrante de
organização criminosa poderá se beneficiar com a pena reduzida de um sexto a dois
terços, porém, mesmo assim, não será beneficiado pela substituição da sua
reprimenda.
Por derradeiro, este CAO defende que o Ministério Público do Estado do Pará
fomente a criação, implantação e funcionamento dos COMAD‟S (Conselho Municipal
Anti-Drogas) como importante instrumento de prevenção ao uso indevido de drogas,
bem como a criação dos estabelecimentos de saúde para tratamento ambulatorial
especializado, em todo Estado do Pará.
ALDIR JORGE VIANA DA SILVA Promotor de Justiça
Coordenador do Centro de Apoio Operacional Criminal