O Valor da Biodiversidade Evolução e...

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04/05/2011 1 Evolução e biodiversidade Professor Fabrício R Santos [email protected] Departamento de Biologia Geral, UFMG 2011 O Valor da Biodiversidade Biológico Valor intrínseco que é dado aos organismos vivos, espécies e comunidades bióticas separadas dos interesses humanos. Não é mutuamente exclusivo em relação ao valor antropocêntrico. Antropocêntrico Valor para a espécie humana baseada na sua provisão de bens (alimentos, O 2 , fármacos etc), serviços ao ecossistema e informação (científica, cultural). Unidades da Biodiversidade Ecossistemas (funcional e ecológica) Espécies Variabilidade genética Evolução e biodiversidade Não há como pensar em conhecer, conservar, manejar e fazer o uso sustentável da biodiversidade sem a Biologia Evolutiva Evolução e biodiversidade 1. Nomenclatura: Como usar a biologia evolutiva para evitar problemas do uso indevido ou inapropriado do conceito de espécies? 2. Conservação: Como pensar em estratégias de conservação em médio e longo prazos? 3. Unidades de conservação: É possível utilizar a diversidade filogenética como medida de riqueza de biodiversidade em uma região? 4. Biogeografia histórica: Como explicar evolutivamente a presença e ausência de correlação biogeográfica observada entre a distribuição de fósseis e de grupos atuais/descendentes? 5. Evolução de Ecossistemas: Como se dá a diversificação de nichos? Por quê há mais espécies nas regiões tropicais? 6. Extinção: Como discriminar processos naturais e antrópicos relacionados à extinção de espécies?

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Evolução e biodiversidade

Professor Fabrício R Santos [email protected]

Departamento de Biologia Geral, UFMG 2011

O Valor da Biodiversidade

Biológico – Valor intrínseco que é dado aos organismos vivos,

espécies e comunidades bióticas separadas dos interesses humanos.

– Não é mutuamente exclusivo em relação ao valor antropocêntrico.

Antropocêntrico – Valor para a espécie humana baseada na sua provisão

de bens (alimentos, O2, fármacos etc), serviços ao ecossistema e informação (científica, cultural).

Unidades da Biodiversidade

•Ecossistemas (funcional e ecológica)

•Espécies

•Variabilidade genética

Evolução e biodiversidade

Não há como pensar em conhecer, conservar,

manejar e fazer o uso sustentável da

biodiversidade sem a Biologia Evolutiva

Evolução e biodiversidade 1. Nomenclatura: Como usar a biologia evolutiva para evitar problemas do

uso indevido ou inapropriado do conceito de espécies?

2. Conservação: Como pensar em estratégias de conservação em médio e longo prazos?

3. Unidades de conservação: É possível utilizar a diversidade filogenética como medida de riqueza de biodiversidade em uma região?

4. Biogeografia histórica: Como explicar evolutivamente a presença e ausência de correlação biogeográfica observada entre a distribuição de fósseis e de grupos atuais/descendentes?

5. Evolução de Ecossistemas: Como se dá a diversificação de nichos? Por quê há mais espécies nas regiões tropicais?

6. Extinção: Como discriminar processos naturais e antrópicos relacionados à extinção de espécies?

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i. Vago ii. Não abrangente iii. Diferentes grupos de organismos possuem

diferentes: a. Tempos de geração b. Mecanismos de reprodução c. Diferentes ploidias

iv. A especiação é um processo dinâmico e não existe um limite exato de diferenciação que possa ser apontado como o marco zero do início de uma espécie.

Problemas com o Conceito de espécie Únicos membros de Rhynchocephalia • Sphenodon guentheri é muito similar morfologicamente à

Tuatara comum, Sphenodon punctatus, e era considerada anteriormente como uma subespécie de S. punctatus.

• S. guentheri é uma espécie única, mas não era protegida.

Tuataras

S. guentheri

S. punctatus

Alternativa ao conceito de espécie para Conservação

• salvar as espécies não é o bastante

• é preciso preservar o máximo (muitas populações variáveis) para que a espécie possa continuar a evoluir em um ambiente em constante mudança.

Espécies como unidades evolutivas

• Para se estudar a biodiversidade e propor

métodos de manejo e preservação é

necessário garantir que esta continue a evoluir

rumo à especiação ou à extinção, com o

mínimo de impacto antrópico.

ESU

Evolutionary Significant Units

Unidades Evolutivas Significativas

Podem ser definidas como unidades evolutivamente “independentes” de uma espécie com importância na conservação

Ex: em diferentes organismos, ESUs podem corresponder

a uma subespécie, um grupo de populações ou populações específicas ou à espécie como um todo, etc...

• OCUs: OPERATIONAL CONSERVATION UNITS. Estimativa do número de populações distintas, dentro das ESU definidas, que se pode manejar com os recursos disponíveis.

• Desenvolver um plano de conservação com objetivos concretos segundo o estado de conservação das unidades definidas:

CONSERVAÇÃO DA ESTRUTURA POPULACIONAL

CONSERVAÇÃO DOS HÁBITATS

MANUTENÇÃO DAS FUNÇÕES

DO SISTEMA

MANUTENÇÃO DA CAPACIDADE DE ADAPTAÇÃO

VARIABILIDADE GENÉTICA

ESPÉCIES

ECOSSISTEMAS

ESU e a prática conservacionista

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Leontopithecus rosalia - Mico-leão-dourado Restrito ao Sul do Rio de Janeiro, matas de Silva Jardim e Casimiro de Abreu, Reserva Biológica de Poço-das-Antas e montanhas de Cácia do Rio São João.

Leontopithecus chrysomelas - Mico-leão-de-cara-dourada

Distribuído do sul da Bahia, entre Rios Belmonte e Pardo no sul, e Rio Contas no norte.

Leontopithecus chrysopygus - Mico-leão-preto Era encontrado ao norte do Rio Paranapanema, leste do Rio Paraná, Sul do Rio Tietê e Serra de Paranapiacaba. Hoje está restrito à Reserva Estadual de Morro Grande em Teodoro Sampaio, Reserva Biológica de Caeteteus em Galiato, estado de São Paulo..

Leontopithecus caissara - Mico-leão-de-cara-preta Existe apenas na Ilha de Superagui, costa norte do Paraná.

hoje

antes

De acordo com o C.B.E. e dados genéticos, estas poderiam formar uma única espécie

Mata Atlântica

L. rosalia

L. chrysopygus

L. chrysomelas

Estes três táxons são classificados ambiguamente como espécies diferentes, mas funcionam muito bem como três E.S.U.s , isoladas umas das outras e com independência evolutiva - medida importante para a sua conservação.

ESUs na preguiça-de-coleira Bradypus torquatus – ameaçada Lara-Ruiz et al. Biol. Cons. 2008

Esquerda: Limites da distribuição da espécie (em cinza) e localidades de ocorrência (em vermelho). Direita:

fragmentos remanescentes na região de ocorrência da espécie (Modificado de SOS Mata Atlântica & INPE, 1998).

Populações remanescentes de B. torquatus

Fonte da variação % da variação total

Entre estados 96,4 Entre populações do ES 0,16 Entre indivíduos dentro das 4 populações

3,44

AMOVA

ФST = 0,966

Índice de diferenciação entre populações

3 ESUs distintas: BA + ES + RJ

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Lobo cinza Lobo vermelho

funciona como uma ESU?

O lobo vermelho é um híbrido entre o lobo e o coiote

lobo

coiote

Depressão Exogâmica

Depressão Endogâmica

Fragmentação de ambientes - subdivisão

de populações

Riscos de Extinção

População mínima viável

Conservação e Evolução

Redução no sucesso reprodutivo ou viabilidade dos indivíduos observados na prole da F1 ou gerações subsequentes, entre indivíduos da mesma espécie, de distintas populações.

Depressão exogâmica

Ex: Reintrodução do Íbex nas montanhas Tatra (Rep. Tcheca) Após extinção local, indivíduos da mesma

subespécie vindos dos Alpes austríacos foram

translocados. Posteriormente, foram adicionados

animais da Turquia e do Sinai, adaptados ao

deserto, o que levou esta população à extinção.

Causa: depressão exogâmica por rompimento do

ciclo reprodutivo, já que os híbridos mal

adaptados tinham filhotes em fevereiro, o mês

mais frio, o que aumentou muito a mortalidade.

Causas da depressão exogâmica 1 Adaptação local - interação genótipo x ambiente: conjunto de adaptações restritas de determinadas populações em seus ambientes. Híbridos podem ter combinações alélicas que não sejam adaptadas ao ambiente onde estes se encontram. Ex: Ibex da Rep. Tcheca

2 Coadaptação gênica- interações epistáticas: combinações gênicas (alelos de vários genes que interagem) e de estruturas cromossômicas em uma população que produzem efeitos favoráveis (coadaptados). Híbridos podem ter combinações cromossômicas e alélicas deletérias. Ex: Peromyscus polionotes (roedor dos E.U.A.)

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A B

A B

a b

a b

Localidade 1 Localidade 2

F1 A B

a b

A B

a b

Hibridização

a B

A b

2. Perda de complexos gênicos coadaptados Loci com combinações alélicas de diferentes populações resultam em menor valor adaptativo populacional.

1. Perda de adaptação local Híbridos expressam fenótipos não adaptados aos ambientes das populações parentais.

F2

Depressão exogâmica

Redução no sucesso reprodutivo ou viabilidade populacional

devido à endogamia ou acasalamentos consanguíneos

(relacionados por ancestralidade recente).

Geralmente os caracteres deletérios aparecem devido ao

maior aparecimento de genótipos homozigotos/indivíduo.

Esta é uma consequência inevitável do pequeno tamanho

populacional.

Depressão endogâmica

Endogamia no cavalo de Przewalski

Extinto na natureza, foi reintroduzido na

Mongólia através de espécimes de cativeiro.

Todos cavalos de Przewalski atuais na

Mongólia derivam de apenas 13 indivíduos

fundadores (um destes era uma fêmea de

uma raça doméstica).

Havia uma alta mortalidade associada com a

depressão endogâmica: expressão de

características deletérias recessivas.

Intercruzamento ótimo

0

10

20

30

40

50

60

Sucesso reprodutivo

Diferenciação genética

Depressão endogâmica

Depressão exogâmica

Fragmentação de ambientes e de populações

Espécies possuem distribuição geralmente subdividida em

populações, e conjunto de todas se chama Metapopulações.

Diferentes espécies apresentam uma distribuição espacial das

populações no ambiente que pode refletir:

•mobilidade e dispersão dos indivíduos da espécie

•dispersão associada a outra espécie (insetos-plantas)

•generalidade e flexibilidade adaptativa da espécie

•especialidade a um determinado microambiente ou nicho

•etc

A fragmentação dos ambientes leva ao rompimento do padrão de

dispersão e fluxo gênico entre as populações.

Fissão de populações mutações , deriva, seleção, isolamento reprodutivo

pop1

pop2

tempo

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Distribuição espacial de Elaphe obsoleta Variação acumulada por processos de deriva ou seleção natural

Fragmentação de ecossistemas

Fragmentação de ecossistemas

Extinção local

Gargalos populacionais e efeito fundador

Fragmentação de ecossistemas

população original

evento de gargalo de garrafa

população sobrevivente

“Gargalo de garrafa” genético

CONSEQUÊNCIAS NEGATIVAS DAS DISTRIBUIÇÕES DESCONTÍNUAS:

Aumento da probabilidade de extinção e de efeitos demográficos e genéticos

deletérios, sobretudo em circunstâncias de fragmentação artificial.

Extinções locais podem levar ao desaparecimento de populações intermediárias:

no caso de espécies em anel, se apenas as populações extremas persistirem, estas

poderão ser reconhecidas como duas espécies de acordo com o C.B.E. Neste caso,

há o reconhecimento de mais uma espécie devido à perda de diversidade

(populações intermediárias).

POP1 POP2

POP3

POP4

POP5

METAPOPULAÇÃO

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Biogeografia, biodiversidade e evolução Evolução e biogeografia das Antas

A atual distribuição das antas (ou tapires) pode sugerir que este grupo teria uma origem americana, dado a maior diversidade de espécies neste continente. Entretanto, dados paleontológicos, morfológicos e genéticos indicam uma origem euroasiática para o gênero Tapirus.

Registro fóssil e dados genéticos indicam que os ancestrais das antas atuais (Tapirus spp.) eram asiáticos: vieram para as Américas pela Beríngia (ponte de terra entre Ásia e América que aparece nas glaciações) durante o Pleistoceno (< 2,5 milhões de anos atrás)

Filogenia de duas ordens de aves, mostrando a associação dos seus fósseis com as massas continentais no início do Cretáceo

Filogenia de duas subordens de passeriformes, mostrando a associação dos seus fósseis com as massas continentais no início do Cretáceo Evolução e nichos

Espécies especialistas como o Panda ocupam nichos estreitos (esquerda) e generalistas como o Guaximim ocupam nichos amplos (direita).

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Evolução de grupos de espécies

Várias espécies de aves especializadas em diferentes nichos ocupam a mesma área costeira. A especialização reduz a competição e permite o compartilhamento de

recursos limitados (seleção natural divergente entre espécies?)

Extinção e Evolução

Bacalhau do Atlântico

Diversificação e extinção de metazoários

Diversidade de famílias de metazoários

Extinção devido ao acaso (natural)

Estocasticidade Demográfica (extinção devida à variação ao

acaso nas taxas de morte e nascimento)

Estocasticidade Genética (extinção devido à perda de

variabilidade genética por deriva, endogamia etc)

Estocasticidade Ambiental (variação em condições abióticas

e climáticas globais que direcionam populações à extinção em

larga escala)

Catástrofes Naturais (eventos tais como inundações, fogo,

erupções vulcânicas locais que eliminam populações em

áreas restritas)

Extinção é também um processo natural, mas …

A humanidade tem aumentado as taxas de extinção

A sexta Megaextinção

Causa mais provável: antropismo

Declínios registrados desde 1970 nas populações e espécies de vertebrados terrestres, marinhos e de água-doce (UNEP – CDB). Este declínio estimado é significativamente maior do que nas outras megaextinções, como a do Cretáceo, associada à extinção dos dinossauros.

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Por quê é necessário quantificar o Risco de Extinção?

• De acordo com o MMA uma espécie pode estar:

Em perigo - Ameaçada - Altamente ameaçada - Extinta (na natureza ou totalmente)

• O que significa: Perigo de extinção

• perda de ambientes?

• poucos indivíduos?

• este perigo compreende catástrofes ou modificações ambientais que podem acontecer no futuro?

• A quantificação do grau de extinção é necessária

– Usada para determinar o quão cedo e com que probabilidade a extinção de uma espécie pode ocorrer.

• Como ser preciso nestas estimativas?

Conhecendo a história evolutiva de cada espécie é possível prognosticar a mais provável resposta das populações ameaçadas pelo impacto antrópico.

Richard Owen

Algumas espécies são mais vulneráveis à extinção

Moa

Determinação do tamanho mínimo viável das populações de cada

espécie, abaixo do qual esta não pode persistir.

Tamanho mínimo viável: população com tamanho suficiente para

resistir a calamidades e outras perturbações – mais do que apenas

sobreviver às condições normais

Shafer 1981 – a menor população isolada com 99% de chance de

permanecer sobrevivendo por 1000 anos a despeito de qualquer

efeito previsível de cunho demográfico, ambiental, estocasticidade

genética e catástrofes naturais

Análise da Viabilidade Populacional Extinção: processo natural ou antrópico? Os sapos dourados de grandes altitudes da Costa Rica (Reserva de Monteverde) foram

recentemente extintos. Causa primária: fungo e perda de umidade na floresta

Reintrodução e Evolução Por quê reintroduzir?

Meta: restabelecer uma população viável e

autossustentável por longo tempo de uma

espécie silvestre.

• manejar pequenas populações (i.e., aumentar a

variação genética)

• promover a consciência conservacionista

• aumentar a proteção de hábitats

• restabelecer algumas espécies “chave”

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Mico-Leão-Dourado

População caiu para ~200 (1970)

Causas: Perda de hábitat

Suplementação: começou em 1983, a partir de animais de 140 zôos em vários países.

Situação: adição de animais de cativeiro diminuiu a endogamia, de F=20% estimado nos anos 1970 para índices atuais em torno de F=1,9%.

Reintrodução monitorada Reintrodução inadequada

Oryx arábico Extinto em 1972 (Arábia Saudita, Oman, Jordânia)

Causas: caça

Reintrodução: a partir de 1980 com animais de cativeiro dos EUA e Oriente-Médio.

Situação: população reintroduzida apresentou depressão endo- e exogâmica