o violão no samba e no choro

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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES – INSTITUTO VILLA-LOBOS CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM EDUCAÇÃO ARTÍSTICA COM HABILITAÇÃO EM MÚSICA O VIOLÃO DE SEIS CORDAS E SUA FUNÇÃO NOS CONJUNTOS REGIONAIS DE CHORO E SAMBA – ESTREITANDO LAÇOS DANIEL GUIMARÃES MONTES RIO DE JANEIRO, 2013

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dissertação

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES INSTITUTO VILLA-LOBOS

    CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM EDUCAO ARTSTICA COM HABILITAO EM MSICA

    O VIOLO DE SEIS CORDAS E SUA FUNO NOS CONJUNTOS REGIONAIS DE CHORO E SAMBA ESTREITANDO LAOS

    DANIEL GUIMARES MONTES

    RIO DE JANEIRO, 2013

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    O VIOLO DE SEIS CORDAS E SUA FUNO NOS CONJUNTOS REGIONAIS DE CHORO E SAMBA ESTREITANDO LAOS

    por

    DANIEL GUIMARES MONTES

    Monografia apresentada para concluso do Curso de Licenciatura Plena em Educao Artstica /Msica da UNIRIO, sob orientao do professor Dr. Jos Nunes Fernandes.

    RIO DE JANEIRO, 2013

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    MONTES, Daniel Guimares. O violo de seis cordas e sua funo nos conjuntos regionais de choro e samba estreitando laos. 2013. Monografia (Curso de Licenciatura Plena em Educao Artstica / Msica) Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

    RESUMO

    Este trabalho pretende colaborar para o conhecimento e o entendimento da linguagem do violo de seis cordas nos grupos regionais de choro, bem como na sua funo de instrumento acompanhador no samba, onde carrega caractersticas especficas, como timbres, frmulas rtmico-harmnicas e a baixaria, contraponto executado nas cordas graves. A estrutura do estilo de acompanhamento tradicional desse instrumento consolidou-se atravs de um processo de aprendizagem no formal. Esta monografia apresenta dados que auxiliam na cincia desses conjuntos e do emprego do violo de seis cordas nos mesmos, por meio de anlise dos elementos estruturais do instrumento, biografia dos cruciais instrumentistas e investigao historiogrfica dos gneros e dos grupos regionais. Foram utilizados livros, monografias, partituras, gravaes e experincia pessoal em meio s rodas e eventos que contemplam esses gneros, o choro e o samba, de onde pude criar e transcrever de maneira tradicional alguns desses mtodos. Como consequncia, este trabalho proporciona atividades para o enraizamento desses princpios.

    Palavras-Chave: violo, choro, samba, regionais, linguagem.

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    SUMRIO

    INTRODUO 6

    CAPTULO 1 O VIOLO NO BRASIL: CHEGADA, TRANFORMAO, REJEIO E ACEITAO 10

    1.1- Chegada e transformao 1.2- Rejeio 1.3- Aceitao

    CAPTULO 2 O SAMBA NO RIO DE JANEIRO: CHEGADA, 18 FORMAO E CONSOLIDAO

    2.1- Chegada 2.2- Formao

    2.2.1- A formao da Pequena frica Carioca 2.2.2- A Pequena frica

    2.3- Consolidao

    CAPTULO 3 O CHORO 33 3.1- Formao

    3.2 - A alcunha 3.3- Regionais 3.4- Ascendncia 3.5- Aspectos musicais 3.6- Biografia dos principais violonistas

    CAPTULO 4 PROPOSTAS DIDTICAS 58 4.1- Elementos fundamentais 4.1.1- Breve contextualizao da diviso de funes dos violes em um conjunto regional

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    4.1.2- Breve explanao sobre a baixaria 4.1.3- Breve abordagem acerca o ritmo do acompanhamento 4.1.4- Breve abordagem acerca da harmonizao 4.1.5- Inverses, encadeamento por graus conjuntos e cromatismo 4.2- Proposio efetiva dos exerccios

    CONSIDERAES FINAIS 78

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 80

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    INTRODUO

    O choro e o samba so as fundamentais manifestaes representativas da identificao musical brasileira. So a matriz do desenvolvimento da msica popular no Brasil. Nesses gneros, a linguagem do violo ampla e se aprimora gradativamente, apontando cronologicamente novas perspectivas de entendimento e execuo, conservando viva e atual a cultura desses gneros.

    Meu interesse nesse tipo de msica se deu a partir da segunda metade da dcada de noventa, quando, na adolescncia, onde at ento havia experimentado apenas a relao direta com o rock, reggae e pop - onde me aventurava na guitarra e no baixo - me deparei com um livro do violonista e arranjador Luis Cludio Ramos chamado Chico Buarque Letra e Msica 2, onde ele destrinchava as msicas do compositor. A complexidade apresentada naquelas pginas me fascinara ao ponto de eu lutar contra minha ignorncia musical, num fanatismo autodidata, para aprender a tocar todas aquelas msicas.

    A partir disso, fui me interessando cada vez mais pelo samba e todas as suas vertentes, o que naturalmente me levou at o choro, gnero pelo qual me apaixonei. Fui ento ter aulas com o violonista mais renomado desse gnero, aquele que criou a maioria das frases clssicas que hoje so obrigatrias no repertrio dos chores, o Dino Sete Cordas, com quem tive aulas at o seu derradeiro dia de professor, me tornando ento seu ltimo aluno. a que entra a interseo com este trabalho de monografia. O Dino, apesar de eu ter aprendido muito com ele, no possua ou utilizava um mtodo didtico formal. Utilizava sim o mtodo tradicional para a sua gerao e para aqueles que estudavam e ensinavam esses gneros musicais, o mtodo de observao e repetio. Basicamente, ele tocava e eu repetia. Ele no possua nem as partituras dos seus arranjos para violo, era tudo base da memria tica e auditiva, o que me fez poca comear a transcrever os seus arranjos para as partituras, experincia que logo em seguida abandonei, tal era a minha dificuldade na transcrio.

    Ento, a parte dedutiva, ao se aplicar os mtodos em msicas no estudadas, e por sua vez no copiadas, devia-se apenas memria e

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    inteligncia musical do aluno. Hoje temos acesso a publicaes que buscam sistematizar os mtodos do violo dentro desses gneros, tais como songbooks, dicionrios de acordes cifrados, cadernos de arranjos, mtodos e trabalhos sobre harmonia funcional. Porm, note-se, poucos deles procuram se aprofundar ao esmiuar o acompanhamento tpico do violo. Na sua maioria contendo apenas melodia, cifras e letra, como no caso dos songbooks editados pela editora Lumiar. No h nestes explicaes sobre como seria executada a parte rtmica cabvel mo direita do instrumentista, ou de que forma seriam utilizadas as baixarias (contrapontos nas cordas graves) e os encadeamentos harmnicos, aspectos inerentes ao violo caracterstico desses gneros. Por esse motivo, este presente trabalho tem como objetivo a elaborao de material didtico para a fixao dos elementos estruturais do violo na sua funo no choro e no samba.

    Os conjuntos regionais so de grande importncia para o entendimento da evoluo do instrumento nesses gneros, e da influncia que os mesmos exerceram sobre os diversos outros gneros da msica brasileira. O trio de violonistas formado por Dino, Meira e Canhoto, que pertenciam ao regional do Benedito Lacerda, por exemplo, acompanhou artistas de diferentes vertentes, tais como Elizeth Cardoso, Chico Buarque e Luiz Gonzaga. Porm no se tem muita informao registrada acerca desses e de outros violonistas importantes para o entendimento e contextualizao da histria do violo no choro e no samba. Bem como no se nota abundncia de informaes escritas sobre a funo que o instrumento que eles tocavam exercia dentro dos conjuntos regionais aos quais eles pertenciam.

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    Objetivos

    Este trabalho pontua como objetivo a preparao de instrumento didtico para o enraizamento dos elementos estruturais fundamentais do violo de seis cordas dentro dos gneros choro e samba, ou seja, produzindo como resultado material prtico para o ensino e aprendizado atravs de exerccios onde o interessado possa se desenvolver sem a presena de um professor. Alm disso, o trabalho tambm rene informaes biogrficas e funcionais sobre esses instrumentistas, seus conjuntos e seus instrumentos.

    Metodologia

    Nesta pesquisa a metodologia constitui-se do recolhimento de investigao fonogrfica e historiogrfica relativa aos gneros estudados e sua respectiva anlise, de referncias bibliogrficas, e, por conseguinte, de preparao de material didtico.

    O processo se deu em trs fases:

    1) Investigao bibliogrfica sobre o tema, onde foram pesquisados e analisados monografias, livros, teses, partituras e materiais didticos.

    2) Investigao fonogrfica constituda de audio, transcrio de partituras do violo e anlise das mesmas voltada para a elucidao de elementos estruturais do instrumento na sua funo dentro dos gneros choro e samba.

    3) Investigao em campo constituda de anlise, audio e participao in loco como violonista em rodas informais de choro e samba, bem como em shows profissionais ao lado de expoentes do instrumento e shows com o meu grupo Casuarina. Alm das latentes lembranas das minhas aulas com o Dino Sete Cordas.

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    Justificativa

    Com a percepo evidente de um crescente interesse acerca do violo e de sua funo nos gneros choro e samba, visto como exemplo as oficinas de choro, cada vez mais cheias de pessoas motivadas, esbarra-se com a falta de material didtico elucidativo para iniciantes em busca da compreenso e aprendizado do instrumento na funo de acompanhador nesses gneros. A partir da criao de material didtico resultante deste presente trabalho, somado reunio de dados historiogrficos, os leitores interessados podero contar com mais um apoio para compreenderem a linguagem e a funo do violo dentro dos gneros choro e samba.

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    CAPTULO 1 O VIOLO NO BRASIL: CHEGADA, TRANFORMAO, REJEIO E ACEITAO

    1.1 Chegada e transformao

    Traarei aqui um breve histrico desde a entrada do violo e seus ancestrais no Brasil at a sua aceitao pela sociedade.

    Considera-se que foram os padres jesutas que introduziram no Brasil os primeiros instrumentos anlogos ao violo, tais como alades, vihuelas e violas. Instrumentos estes que foram a princpio utilizados pelos padres, a exemplo da catequizao no sculo XVI, com propsitos litrgicos. Como aponta Fabio Zanon em seu artigo publicado no frum de violo erudito em maio de 2006, estes instrumentos aos poucos se difundiram no pas e consequentemente sofreram transformaes at alcanarem o formato atual do violo:

    O violo em seu formato atual , na verdade, um desenvolvimento organolgico do sc. XIX. Os instrumentos trazidos pelos jesutas provavelmente foram as vihuelas, alades e violas as quais, simplificadas, tornaram-se guitarras barrocas que, levadas ao interior do pas pelos bandeirantes, foram adotadas como o instrumento folclrico nacional por excelncia: a viola caipira. Isto, conjugado marcada diferena cultural entre as classes sociais no perodo imperial, estigmatizou o violo como acontecia na Espanha como o instrumento do populacho, dos capadcios e da marginalidade, em oposio ao piano, que realizava um ideal de bom tom das famlias urbanas mais abastadas. (ZANON, 2006, p. 79).

    Ainda Zanon sobre a evoluo do instrumento:

    At a metade do sc. XIX h uma certa confuso, como atestam as Memrias de um Sargento de Milcias, entre a viola e o violo, mas depois de 1850 j fica clara a diferena entre a viola, um instrumento tipicamente

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    sertanejo, e o violo, ou a guitarra francesa (como era chamada nos mtodos venda no Rio de Janeiro), instrumento favorecido no acompanhamento do cancioneiro popular de tradio urbana. (ZANON, 2006, p. 79).

    A Viola (citada acima por Zanon como Viola Caipira, nome pelo qual ficou popular no Brasil) um instrumento de 10 cordas dispostas em 5 pares. Os dois pares mais agudos tm entre si a mesma afinao e mesma altura, enquanto os demais pares tm entre si a mesma afinao, porm com uma oitava de diferena. Os pares de cordas so tocados juntos, como se fossem uma apenas. So utilizados hoje diversos tipos de afinao para as violas, sendo as principais: Cebolo em Mi maior e em R Maior, Rio Abaixo, Boiadeira e Natural. Segue abaixo esquema grfico para compreenso dos principais tipos de afinao:

    Tabela 1. Principais tipos de afinao utilizados na viola caipira. Cebolo D Cebolo E Boiadeira Rio Abaixo Natural 5 par A B G G A 4 par D E D D D 3 par F# G# F# G G 2 par A B A B B 1 par D E D D E

    Segundo a tese de Camila Costa (O violo de seis cordas na sua funo de instrumento acompanhador do Samba urbano do Rio de Janeiro, 2006), as referncias viola j aparecem no sculo XVII em So Paulo, como por exemplo a extrada por Mrio de Andrade: "Em 1688 surge uma certa viola avaliada em dois mil ris, preo enorme para o tempo. E, caso curioso, esta guitarra pertenceu a um dos mais notveis bandeirantes do sculo XVII: Sebastio Paes de Barros." (COSTA, 2006, p.11-12).

    A viola caipira, como a conhecemos, hoje associada ao interior do nosso pas, enquanto o violo, com sua configurao atual consolidada ao fim

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    do sculo XIX, associado aos centros urbanos. Consolidou-se tambm o violo como instrumento acompanhador de voz, vide a circunstncia nas modinhas. Bem como na msica instrumental, firmou-se como instrumento acompanhador e parte essencial da base dos conjuntos regionais de choro. Sobre a relao do violo com a modinha, O bigrafo de Catulo da Paixo Cearense, Carlos Maul, confirma a interdependncia de ambos quando diz que violo e modinha andaram sempre juntos (MAUL, 1971, p.65); afirmao referendada por Hermano Vianna citando Jos Ramos Tinhoro em seu livro O Mistrio do Samba:

    As modinhas brasileiras privilegiavam temas amorosos (sendo mais explcitas em sua libidinagem) e eram acompanhadas principalmente por instrumento de cordas, como o violo ou o bandolim (ver Tinhoro 1986) (VIANNA, 1995, p. 38).

    Joaquim Santos (1873-1935), tambm conhecido como Quincas Laranjeiras, tido como um dos pioneiros do violo moderno no Brasil inaugurou a importante revista O Violo em 1928. considerado um msico formidvel, que com sobriedade e clareza cultivou seguidores, como atesta o texto de sua revista:

    Pode-se, por isso, dizer com justia que Quincas Laranjeiras o av do violo moderno. A ele se devem, mais do que a qualquer outro, os primeiros passos no estudo do violo (Violo O, n1, 1928, [s.p]).

    1.2 Rejeio

    Ao mesmo tempo em que o violo era desde o primeiro imprio at a Repblica tido como instrumento tipicamente nacional, se difundindo entre os brasileiros de forma que nenhum outro instrumento de cordas o fez, era por outro lado rechaado e marginalizado pela aristocracia. Uma vez que era utilizado pelo povo, em sua msica popular, como registrado na revista O Violo, era o companheiro inseparvel do seresteiro, sinnimo ameno

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    encontrado para vagabundo e desordeiro, e quem o cultivasse nele teria a pior das recomendaes (Violo O, n 1, 1928, [s.p.]) . Ainda segundo a revista:

    Prova isso a informao dada pelo clebre Arago a um juiz sobre determinado preso. Diz ele no documento: ... e sirva-se V. Ex. de mandar examinar os dedos da sua (dele) mo esquerda que verificar a verdade afirmada por essa polcia, isto , trata-se de um serenatista inveterado a que se chama tambm seresteiro. (Violo O, n 1, 1928, [s.p]).

    Orestes Barbosa expressou tambm sua posio acerca do assunto:

    A mentalidade retrgrada que dominou o Brasil at o segundo Imprio considerava o violo um instrumento degradante. Houve mesmo contra ele uma legislao especial. O chefe de polcia Vidigal, ao remeter certa vez a um juiz ouvidor desta cidade, um rapaz acusado de serenata, assim descreveu do respectivo ofcio: se V Ex. tiver sombras de dvidas quanto conduta do ru, queira examinar-lhe a ponta dos dedos e verificar que ele toca violo. (Barbosa, 1930, p 29).

    1.3 - Aceitao

    Clementino Lisboa, engenheiro, descrito pela revista O Violo de dezembro de 1928 como um dos pioneiros cultores do violo no pas. Em meio a seus seguidores figuravam personagens tais como Gonzaga Filho, que escrevera um artigo sobre o engenheiro, alm de Alberto Nepomuceno e Arthur Napoleo. Nos registros da revista consta que Clementino se mostrava um instrumentista notvel e habilidoso, executando transcries de Gottschalk, impressionando o prprio compositor. Diz a revista:

    Em primeiro lugar, foi ouvido pelos nossos maiores artistas da poca e segundo nos revela, em seu artigo, o ilustre Dr. Gonzaga Filho, encantou ao prprio Gottschalk, que foi ouvi-lo duas vezes em sua residncia. Depois se apresentou em pblico no Club Mozart, ento centro da elite musical do Rio de Janeiro qui do Brasil (Violo O, n1, 1928, [s.p]).

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    Em seu artigo Zanon tambm cita Clementino, com uma abordagem um pouco mais crtica em relao recepo do pblico a um concerto de violo:

    Os primeiros defensores srios do violo como instrumento de concerto, como o engenheiro Clementino Lisboa, o desembargador Itabaiana e o professor Alfredo Imenes, heroicamente se sujeitaram ao ridculo pblico ao se apresentarem, por exemplo, no Clube Mozart, centro musical da elite carioca. (ZANON 2006, p. 79).

    Segundo a revista O Violo, Clementino, ao morrer jovem e pobre, apesar de seu relativo sucesso, deixou seu instrumento para o Dr. Gonzaga Filho. A partir de seu xito como estudioso do violo, o engenheiro deixou como legado, aps o seu falecimento, o impulso e incentivo necessrios para que outros instrumentistas continuassem a desenvolver o estudo do instrumento:

    Figurou entre estes o falecido desembargador Itabahiana, magistrado austero, mas apaixonado violonista. Foi isso a pouco mais de 20 anos. Encorajados por eles e mais pelo saudoso poeta Mello de Morais, e no menos apaixonado pelo violo, os professores Ernani Figueiredo e Alfredo Imenes, se dedicaram ao estudo e difundiram muito seus ensinamentos na cidade. (Violo O, n1, 1928, [s.p]).

    O violo ento, por conta desse aprimoramento musical, e tambm cultural, passa aos poucos a ser aceito e fazer parte da rotina familiar das classes mais altas. Fato que ilustra bem o de a senhora Hermes da Fonseca ter cantado, acompanhada do violo, o Corta-Jaca, composio de Chiquinha Gonzaga, em pleno Palcio do Catete em 1913. certo que essa atitude proporcionou oposio, poca, a oportunidade de manifestar rigorosas crticas. Mesmo que essa mesma poca figuras tambm polticas, tais como os senadores Abdias Neves e Epitcio Pessoa j se confessassem publicamente admiradores do instrumento. O artigo O Violo Entre Ns, veiculado na edio inaugural da revista O Violo, em 1928, comenta:

    Foi em 1913, se no nos falha a memria, que a senhora Hermes da Fonseca, anteriormente a exmia caricaturista

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    Rian e Mlle. Nair Teff, ornamento brilhante da nossa mais fina sociedade, cantou no Palcio das guias o hoje archaico Corta-Jaca, msica em voga naquelle tempo. Valheu-lhe isso ser censurada mas sem razo por todos os jornais oposicionistas daquella poca. (Violo O, n1, 1928, [s.p]).

    Segundo Carlos Maul, bigrafo de Catulo da Paixo Cearense, deve-se tambm ao prprio Catulo o fato de a senhora Hermes da Fonseca ter se aventurado a tomar a supracitada atitude. Segundo Maul, nas palavras dela:

    No Brasil daquela poca (...), s se cantava em lnguas estrangeiras, principalmente em francs, italiano e alemo. Eu mesmo s cantava nesses idiomas. Devo a Catullo a sugesto de cantar de preferncia em nossa lngua. Depois de ouvir Catullo fiquei to impressionada com seu prodigioso poder de interpretao que resolvi estudar as letras brasileiras e acompanhar-me ao violo para cant-las. (...) ainda residindo no Catete resolvi dar uma audio exclusivamente minha com canes de poetas e compositores nossos. De entre esses destaquei Chiquinha Gonzaga... (MAUL, 1971, p. 69).

    Ainda segundo Maul, Catulo teve substantiva importncia na contribuio para a aceitao da entrada do violo na sociedade.

    Mas o grande poeta no se contenta com as glrias iniciais e abre luta contra o preconceito que expulsara o violo das salas para o cenrio das noites estreladas... E ele se perguntava: se eu estudei os segredos dessa caixa de armonias, se aprendi a arrancar dessas cordas os sons que embalam os meus versos, por que no ho de fazer o mesmo em escolas, onde a flauta, a sua companheira de noitadas, j tem curso? Ele mesmo dava a resposta: o violo no instrumento que deva ser condenado triste condio de ser tocado de ouvido. A mesma pauta onde aprendemos o piano, a harpa, o violino, o violoncelo, tem de ser aquela que servir para o ensino do violo... Ele tem que entrar nos programas do instituto... (MAUL, 1971, p. 67).

    Voltando um pouco na histria, vale dizer que Catulo fez, no dia 5 de julho de 1908, um bem sucedido concerto no salo de concertos do Instituto

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    Nacional de Msica, tendo o violo como acompanhamento. Segundo Maul era uma plateia numerosa e seleta, atrada pelo renome do violonista mgico que superava os seus mulos estrangeiros que aqui chegavam... (MAUL, 1971, p 67). Consta ainda que Catulo contara certa feita, a bordo da lancha presidencial, em uma seresta noturna, com a presena do presidente empoado Nilo Peanha. Ao fim da noite, aportada a lancha, ele e os demais convidados entraram pelos fundos do Palcio. Aps Catulo ir embora, no sem antes cantar mais uma modinha, o seu pensamento era, segundo Maul, que faltava agora entrar no palcio pela frente e subir, de violo debaixo do brao, as escadas de mrmore para pisar os tapetes ricos de salo de honra... (MAUL, 1971, p. 68). Ento, ainda segundo Maul, as portas principais do Palcio por fim se abriram para Catulo, porm por outro presidente:

    ... em maio de 1914 as portas do palcio do Catete se abriram para receber Catullo, a convite do chefe da nao Marechal Hermes da Fonseca, e de sua ilustre esposa, dona Nair Teff Hermes da Fonseca, para um recital de modinhas. (MAUL, 1971, p. 68).

    Note-se, no entanto, que o nome de Catulo no citado no j referido artigo O Violo Entre Ns, veiculado na edio inaugural da revista O Violo em 1928:

    ...devido a Ernani Figueiredo e Quincas o nosso mavioso instrumento comeou a ser apreciado em camadas sociais mais elevadas e no tempo do governo Hermes fez pela primeira vez a sua triunphal entrada no Palcio do Catete. (Violo O, n1, 1928, [s.p]).

    Segundo Zanon, o ano de 1916 foi primordial para que o violo fosse finalmente compreendido, assimilado e aceito por todos os segmentos da sociedade. Certo devido a uma apresentao do compositor paraguaio Augustin Barrios, que conseguiu conquistar um crtico do jornal O Estado de So Paulo, e tambm em virtude da apresentao muito bem sucedida, no

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    Conservatrio Dramtico e Musical, do violonista Americo Jacomino, o Canhoto:

    O ano da virada da casaca 1916, quando o crtico do jornal O Estado de So Paulo ouviu e se rendeu arte do virtuose e compositor paraguaio Agustn Barrios (1885-1944), que residiu no Brasil em decorrncia de seu sucesso. No mesmo ano, Canhoto apresentou-se no Conservatrio Dramtico e Musical com extraordinrio xito. atravs deste concerto que Amrico Jacomino [Canhoto] conquista a elite paulistana e assim, possibilita o incio da dissoluo do preconceito que freava o desenvolvimento da msica para violo. (ZANON 2006, p. 79).

    A trajetria do violo no Brasil, desde sua chegada at a sua aceitao, perpassa por situaes que contemplam desde a adversidade do preconceito que o marginaliza at a glria dos sales aristocratas e a nobreza do palcio republicano.

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    CAPTULO 2 O SAMBA NO RIO DE JANEIRO: CHEGADA, FORMAO E CONSOLIDAO

    2.1 Chegada

    Neste captulo pretendo traar um breve histrico de como se deu a chegada ao Brasil dos elementos que formaram o gnero samba, como o gnero se formou, at a sua consolidao e reconhecimento como smbolo nacional.

    sabido que o mercado negreiro trazia para o Brasil escravos de diversas regies da frica, fato que fazia com que houvesse grave desestrutura nas suas famlias e maneiras, culturas e tradies. Essa separao forada naturalmente culmina numa reestruturao, j no Brasil, desses costumes indiscriminadamente e arbitrariamente outrora fulminados. Haroldo Costa, no seu livro Na cadncia do samba, nos d uma ideia do retrato do Rio de Janeiro, capital do Brasil poca:

    No sculo XVIII, o Rio mais parecia um porto africano. O Valongo, mercado de escravos, funcionava como entreposto e leilo. Ali, as famlias eram separadas sem d nem piedade e os sobreviventes da travessia cruel se maldiziam por estarem vivos. (COSTA, 2000, p.18).

    Nessa reestruturao, que resulta na formao de novas instituies, foi personagem fundamental a msica. Os escravos tinham nos batuques seus pontos de congregao, expresso e celebrao das prprias tradies, salvaguardando seus costumes e - em um novo cenrio onde se agregavam culturas heterogneas - os metamorfoseando.

    O Rio de Janeiro, ento capital do pas, era pouso certeiro de grandes magotes de imigrantes, escravos e livres, brasileiros e estrangeiros, fato que contribuiu para a afirmao da vocao da cidade de agregar diferentes culturas. Sergio Cabral, em seu livro As escolas de samba do Rio de Janeiro, diz:

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    Capital do pas desde 1763, o Rio de Janeiro era o destino de levas de brasileiros livres e escravos, alm de africanos vindos diretamente de seus pases de origem, transformando a cidade numa espcie de sntese da cultura popular do pas. Somando-se a tudo isso o fato de chegarem ao Rio, em primeira mo e em maior volume, as novidades europias (CABRAL, 1996, p. 19)

    Ainda Cabral, sobre a vocao agregadora do Rio de Janeiro:

    Com uma populao formada em grande parte por imigrantes, o Rio foi considerado, ao longo da histria, a sntese do Brasil, seja do ponto de vista racial, seja pelos aspectos culturais e seja at por falar, que, segundo o fillogo Antenor Nascente sntese de todos os sotaques regionais de todo o Brasil. (CABRAL, 1996, p.30)

    Pode-se imaginar que a manuteno e prtica das prprias culturas, tais como danas e batuques, era uma maneira possvel de se atenuar a realidade, que consistia em prticas extremamente bestiais e inumanas contra os escravos. E apesar de toda objeo e rechao sobre qualquer expresso que dos negros eclodisse, uma dessas danas acabou por converter-se no gnero musical de grande relevncia no pas: o lundu. Segundo Haroldo Costa (2000), o lundu o mais remoto ancestral do Samba. Inicialmente o seu andamento era lnguido e obsessivo; sua coreografia lasciva e lbrica. De fato eram caractersticas marcantes do gnero a comicidade, a referncia lascvia, a satirase e lubricidade, a liberdade com que os temas eram abordados. Particularidades estas que fizeram, por serem estranhas aos gneros importados da Europa poca, com que o lundu, mesmo que ainda visto atravs dos olhos do preconceito, embrenhasse-se na sociedade brasileira:

    O lundu a primeira forma musical afro-negra que se dissemina por todas as classes brasileiras e se torna msica nacional. a porta aberta da sincopao caracterstica... a porta enfrestada do texto cantado sexualmente, os amores desonestos [entre senhores e escravos], as msalliances, e se especializa na louvao,

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    sobretudo da mulata (ANDRADE, 1944 apud; SANDRONI, 2001, pg.31).

    certo que o samba recebeu como legado direto do lundu esta maneira natural e descontrada de se compor, com graa e humor. Alm da sensualidade na dana e o fato de a produo ser direcionada para o povo. Sobre suas caractersticas musicais, o lundu era composto em compasso binrio, constante e predominantemente em modo maior. Entre seus compositores fundamentais esto Domingos Caldas Barbosa, Xisto Bahia, Cndido Incio da Silva e Padre Teles. O gnero musical brasileiro genuno fruto da mistura entre elementos da cultura negra africana aportada aqui e elementos importados da Europa, sobretudo de Portugal. Ambos so imprescindveis para a formao da nossa msica. Numa breve explanao sobre a importncia de Portugal neste processo, diz Ary Vasconcelos em seu livro Razes da msica popular brasileira:

    De Portugal, recebemos todo sistema harmnico tonal que o prprio fundamento de toda msica do Ocidente. Vieram, com os portugueses, todos os instrumentos musicais bsicos como a flauta, o cavaquinho e o violo, que iro desempenhar, quase meio sculo mais tarde, um papel preponderante na formao do choro e em toda msica instrumental executada por pequenos grupos (VASCONCELOS, 1991, p. 20).

    2.2 Formao

    A modinha , em geral, definida pelos pesquisadores como o primeiro gnero musical genuinamente brasileiro. Contudo, o gnero considerado predecessor direto do samba o maxixe, que por sua vez o resultado da sntese de outros gneros: polca, habanera (cubana), Schottisch, Mazurca lundu e modinha. Tinhoro, em seu livro Pequena histria da msica popular: da modinha lambada, diz que:

    O aparecimento do Maxixe, inicialmente como dana, por volta de 1870, marca o advento da primeira grande

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    contribuio das camadas populares do Rio de Janeiro msica do Brasil. Nascido da maneira livre de danar os gneros de msica em voga na poca principalmente a Polca, a Schottisch e a Mazurca -, o Maxixe resultou do esforo dos msicos de choro em adaptar o ritmo tendncia aos volteios e requebros de corpo com que mestios, negros e brancos do povo teimavam em complicar os passos das danas de salo. (TINHORO, 1991, p. 58)

    Segundo Nelson de Nbrega Fernandes, em seu livro Escolas de samba: Sujeitos celebrantes e objetos celebrados:

    O lundu tinha semelhanas rtmicas com a polca, na qual a dana obrigava os casais a danarem de forma enlaada. Este modo de danar ser fundido umbigada do lundu, forjando uma nova sntese, o maxixe. (FERNANDES, 2001, p.43)

    Em seu primeiro livro, Msica Popular: um tema em debate, Tinhoro discorre brevemente sobre a origem da instrumentao do maxixe:

    Desde o sculo XVIII existia, certo, a msica de barbeiros, cultivada por negros escravos e forros, e cuja maneira chorada de tocar os gneros em voga passaria na segunda metade do sculo XIX aos conjuntos de flauta, violo e cavaquinho. Esse seria, porm, um simples estilo de tocar, cuja maior contribuio especfica se revela no maxixe, ritmo para dana de par que logo entraria em decadncia pela dificuldade dos seus passos, quedas e parafusos. (TINHORO, 1966, p.17).

    Do livro Feitio Decente, de Carlos Sandroni, reproduzi abaixo um texto de Jota Efeg, onde sugerido que o maxixe vem a ser uma dana originria da Cidade Nova, bairro do Rio de Janeiro. Ao fim do sculo XIX, esse bairro era tido como o mais populoso da cidade, e tambm conhecido como bairro de divertimentos de m fama.

    Bailes caractersticos da Cidade Nova, os assustados ou os sambas [grifos do original], eram, ento, propriedade de um grupo sacudido, desempenado, que guardou no modesto anonimato a glria desta inveno. Era por

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    esses grupos rebarbativos que o maxixe aparecia a princpio, figura obrigada nos folguedos de antanho... E vs todos, homens sisudos de agora, que transitastes pela via juvenil dos folguedos cariocas, ao ouvirdes hoje um desses musicares trepidantes, sentireis nas pernas o formigueiro saudoso dos bons tempos em que, pela calada da noite, eis folgar disfaradamente nos sambas da Cidade nova (EFEG, 1974 apud; SANDRONI, 2001, p. 62).

    Fica sugerido no texto acima, em tom irnico, que o maxixe era ento alvo de preconceito da classe mais alta da sociedade. Porm, ao longo do tempo, segundo Haroldo Costa, o gnero foi arrebatando divulgadores e seguidores:

    O maxixe, resultante da fuso da polca com a habanera, sofreu uma grande campanha. A burguesia e a Igreja no o toleravam de maneira nenhuma. Por isso o historiador Joo Ferreira Gomes (Jota Efeg) deu ao seu livro o ttulo de Maxixe a dana excomungada. O carnaval e o teatro de revista eram os grandes divulgadores e propulsores do maxixe. As sociedades carnavalescas (Estudantes de Heildelberg, Feniano, Democrticos) depois chamadas Grandes Sociedades e que foram durante dcadas o ponto maior do carnaval carioca, no dispensavam o maxixe em suas festas. (COSTA, 2001, p. 23).

    O Maxixe, no sculo XIX, era de fato tido por fatia considervel da sociedade brasileira como uma dana de categoria inferior, baixa. Um fato curioso que contribuiu para a aceitao do gnero por essa parte da sociedade foi o de, em 1914, a esposa do ento presidente Hermes da Fonseca, dona Nair de Tef, ter tocado em uma audio em pleno Palcio do Catete um maxixe composto por Chiquinha Gonzaga, o Corta-Jaca. Fato este citado por mim no primeiro captulo deste presente trabalho. Voltando ao final do sculo XIX, quando a msica nacional passava por intensas metamorfoses, Sergio Cabral em seu livro As escolas de samba do Rio de Janeiro discorre brevemente sobre o surgimento de outro gnero imensamente importante, e tambm alvo desta presente pesquisa, o choro:

    No sc XIX, o lundu foi perdendo o seu aspecto rural, a modinha portuguesa abrasileirou-se, surgiu o maxixe o

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    primeiro gnero musical de caractersticas urbanas genuinamente brasileiras - e nasceu o choro, linguagem musical que filha legitima do casamento do jeito afro-brasileiro de executar um instrumento musical com a msica europia (polcas, xotes e valsas) (CABRAL, 1996, p.20).

    Afonso Machado e Jorge Roberto Martins, em seu livro Na cadncia do choro, tambm buscam situar a origem e estruturao do gnero que tinha como cruciais ferramentas o violo, o cavaquinho e a flauta:

    A esse grande caldeiro em que se encontravam a modinha, o lundu e a polca, comearam a chegar e a se misturar outras danas de vrias partes do mundo: a valsa austraca, a schottisch escocesa, o tango espanhol, a mazurca polonesa, a habanera cubana. A fuso desses gneros - principalmente a polca, com grandes pitadas do ritmo do lundu e algumas do lirismo da modinha - veio a formar dois dos mais importantes gneros nascidos no Brasil: o maxixe, que originou o samba, e o choro (MACHADO, MARTINS, 2006, p.17).

    2.2.1 A Formao da Pequena frica Carioca

    A cidade do Rio de Janeiro sofreu, nos primrdios do sculo XX, a pretexto de modernizao, profundas transformaes urbansticas, convertendo em capital da repblica a antiga capital do Imprio. Considerada arcaica poca, foi remodelada baseada em projetos de cidades da Europa, primordialmente Paris. As reformas que trouxeram para a cidade melhorias em relao ao saneamento, habitao e transporte dilapidaram metade do oramento da Unio. Porm grande parte dos habitantes no foi agraciada com as melhorias que as reformas trouxeram, obviamente, a apenas uma fatia da populao. Em seu livro Tia Ciata e a pequena frica no Rio de Janeiro, Roberto Moura afirma:

    Para a direo das obras de remodelao, embelezamento e saneamento da capital indicado Prefeito o engenheiro Pereira Passos. (...) Muitos seriam completamente desprivilegiados em seus interesses e

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    mantidos margem dos benefcios trazidos pela modernidade. (MOURA, 1995, p.47)

    Aglomerados em cortios espalhados pelo centro da cidade, entre esses desprivilegiados acima referidos por Moura, sobressaem-se os negros baianos. Ocupam ento, os soteropolitanos, as imediaes prximas ao Cais do Porto. O trecho abaixo foi retirado de um depoimento (arquivo Corisco Filmes) de Carmem Teixeira da Conceio, moradora do bairro da Sade, mencionada por Moura:

    Tinha na Pedra do Sal, l na Sade, ali que era uma casa de baianos africanos quando chegavam da frica ou da Bahia. Da casa deles se via o navio, a j tinha o sinal de que vinha chegando gente de l (...). Era uma bandeira branca, sinal de Oxal, avisando que vinha chegando gente (...). Vamos embora para o Rio, porque l no Rio a gente vai ganhar dinheiro, l vai ser um lugar muito bom. (COSTA, 2006, p.15)

    Alm de Pereira Passos ter sido nomeado para prefeito, Oswaldo Cruz foi designado para o cargo de diretor da sade pblica, fatos que traduziram-se na realizao do plano de reforma urbana e sanitria no Rio de Janeiro. Iniciou-se ento o bota-abaixo, que foi o processo de demolio das favelas e cortios, com o intuito de dar fim aos focos de doenas malficas e promover a supracitada remodelao da cidade. Com isso efetivou-se a marginalizao e favelizao, com a chancela da prefeitura, da populao desfavorecida. Essas pessoas ento passaram a se concentrar s margens do centro da cidade, encaminhando-se aos subrbios da Zona Norte e Cidade Nova. Esse trnsito de negros, mormente oriundos da Bahia, para a Cidade Nova e adjacncias, fez com que a regio fosse apelidada de Pequena frica. ali ento que desabrocha o samba do Rio de Janeiro.

    2.2.2 A Pequena frica

    Para denominar a regio da cidade do Rio de Janeiro que ia da zona porturia at o bairro da Cidade Nova, onde era predominante a convergncia

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    da populao de negros baianos, Heitor dos Prazeres criou a expresso Pequena frica. Hilria Batista de Almeida, baiana, nome fundamental na histria do samba carioca. Afamada como Tia Ciata, em sua residncia, nos limites finais do sculo XIX, sucederam-se as cardinais agregaes de poetas, sambistas e chores. Os pagodes, como eram conhecidas essas reunies, aconteciam tambm em outras casas da regio, pertencentes a outras tias baianas. Porm, diz a histria, em funo de o marido da Tia Ciata, Joo Batista da Silva, ser poca funcionrio da alfndega e ter outrora labutado no gabinete do chefe de polcia, as festas que l aconteciam amargavam menos represses policiais. O que naturalmente fazia com que a regularidade das mesmas fosse maior. Em relao a estes pagodes, Joo da Baiana, mencionado por Roberto Moura, relata:

    As nossas festas duravam dias, com comida e bebida, samba e batucada. A festa era feita em dias especiais, para comemorar algum acontecimento, mas tambm para reunir os moos e o povo de origem. Tia Ciata, por exemplo, fazia festas para os sobrinhos dela se divertirem. A festa era assim: baile na sala de visitas, samba de partido alto nos fundos da casa e batucada no terreiro. A festa era de preto, mas branco tambm ia l se divertir. No samba s entravam os bons no sapateado, s a elite. Quem ia pro samba, j sabia que era da nata. Eu sempre fui responsvel pelo ritmo, fui pandeirista. Participei de vrios conjuntos, mas era apenas para me divertir, naquele tempo no se ganhava dinheiro com o samba. Ele era muito mal visto. Assim mesmo ns ramos convidados para tocar na casa de algum figuro. Eu me lembro que em certa ocasio, o conjunto de que eu participava foi convidado para tocar no palacete do senador Pinheiro Machado, l no morro da Graa. Quando o conjunto chegou, o senador foi logo perguntando aos meus colegas: cad o menino? O menino era eu. A, meus companheiros contaram ao senador que a polcia tinha tomado e quebrado o meu pandeiro, l na Penha. O senador mandou que eu passasse no Senado no outro dia. Passei e ganhei um pandeiro novo, com dedicatria, pea que eu tenho at hoje. (MOURA, 1995, p. 83)

    Haroldo Costa tambm discorre sobre o tema:

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    Seus almoos no duravam menos de trs dias, regados com muita cerveja e caninha. E por falar nisso, um compositor que tinha o apelido de Caninha (Jos Luiz de Moraes) era um freqentador assduo dos pagodes da Tia Ciata e, com ele, Hilrio Jovino Ferreira, o introdutor do rancho no carnaval carioca, Joo da Baiana, Heitor dos Prazeres, Donga, Pixinguinha, Sinh, Didi da Gracinha, Joo da Mata e muitos outros que participaram da histria nascente do Samba. (COSTA, 2000, p. 25).

    Entre os citados acima, reproduzo a ttulo de curiosidade alguns nomes completos e datas de nascimento e morte: Ernesto dos Santos, o Donga (1889/1974), Joo Machado Guedes, o Joo da Baiana (1887/1974), Jos Barbosa da Silva, o Sinh (1889/1930) e Alfredo da Rocha Vianna, o Pixinguinha (1897/ 1973). As reunies dessas figuras nesses pagodes foram primordiais para a fundao e o desenvolvimento do samba carioca. Srgio Cabral, em seu livro As escolas de samba do Rio de Janeiro diz:

    O radialista e pesquisador Almirante (Henrique Foreis Domingues) apontou a casa de tia Ciata, na Rua Visconde de Itana, perto da Praa Onze, como local de nascimento do samba do Rio de Janeiro, porque l se reunia uma das duas elites da comunidade negra, formada por criadores que quase sempre tocavam algum instrumento musical -uns por sinal, com grande maestria (a outra elite era integrada pelos trabalhadores do porto, onde a remunerao assim como a sua organizao sindical-era bem superior dos proletariados de um modo geral). Outro fator que levou Almirante a destacar a casa de tia Ciata, um centro de msica (onde se tocava choro e se cantavam vrios tipos de samba, especialmente o partido alto) e de candombl, foi o fato de ter nascido l o Pelo telefone, considerado o primeiro samba gravado. (CABRAL, 1996. Pg. 32).

    Foi no final de 1916 que Donga registrou a msica Pelo Telefone. Posteriormente os msicos que figuravam nos pagodes da Tia Ciata, e a prpria Tia Ciata, acusaram publicamente o mesmo Donga, que tinha registrado o samba na Biblioteca Nacional, de ter se apropriado da msica. Diziam eles que foi uma criao coletiva realizada em uma das noites de festa que l aconteciam.

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    O prprio Donga reconheceu, muito mais tarde, que no era propriamente o autor da cano, numa entrevista ao jornal O Globo: Recolhi um tema meldico que no pertencia a ningum e o desenvolvi... O autor oficial da letra que consta na gravao original, Mauro de Almeida, tambm relativizou sua autoria em duas cartas imprensa, publicadas em janeiro e fevereiro de1917, afirmando que os versos do samba carnavalesco Pelo telefone...no so meus. Tirei-os de trovas populares e fiz como vrios teatrlogos [grifado no original] que por a proliferam: arreglei-os, ajeitando-os msica, nada mais. (...) Ao povo a sua Rolinha, que mais dele do que minha (1975 apud SILVA; SANDRONI, 2001, p.119).

    Ainda segundo Sandroni:

    (...) no final da dcada seguinte isto , em pouco mais de 20 anos o samba ser conhecido em todo pais, e mesmo no exterior, como smbolo musical do Brasil. No inicio de tudo isso est o sucesso de Pelo Telefone. (SANDRONI, 2001, p.118)

    Cabral discorre sobre a importncia de Pelo Telefone:

    Aquilo que passou a ser identificado como tpica msica carnavalesca comeou a aparecer em novembro de 1916, quando o cantor Baiano lanou Pelo telefone (Donga e Mauro de Almeida), considerado o primeiro samba gravado em disco. Pelo telefone foi imediatamente absorvido pelo pblico e, no carnaval de 1917, foi uma das msicas que as orquestras mais tocaram nos bailes de carnaval (CABRAL, 1996, Pg. 47).

    Constata-se que Pelo Telefone foi de fato de enorme relevncia e influncia acerca do carnaval, convertendo o samba e a marcha nos gneros mais executados da grande festa popular do pas nos anos subsequentes. Alm disso, seguindo o rastro do bem sucedido Pelo Telefone, uma gerao inteira de compositores formou a primeira de sambistas profissionais. Nelson da Nbrega Fernandes diz que:

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    Viveram o tempo em que se abriam perspectivas para que os artistas populares se profissionalizassem, num momento em que o florescente mercado fonogrfico apenas anunciava as dimenses que nacionais que as transaes de bens culturais vo atingir com a chegada da era do rdio, nos anos 30. (FERNANDES, 2001, p.46).

    O samba ainda no era um gnero musical definido em 1919. Para ilustrar a afirmao de que o samba teve papel centralizador no Rio, temos o fato de que Sinh, que tinha enraizada sua vida no subrbio da cidade, se agregava aos jovens da classe mdia, tais como Mrio Reis, a quem ensinou violo, e que futuramente viria a gravar algumas de suas composies. Dessa forma conclui-se que o samba no era reconhecido como propriedade de um grupo tnico ou classe social, era mais como uma interseo entre diversos grupos, fato que favoreceu a sua elevao at ser considerado msica nacional. O descontentamento popular e da burguesia industrial emergente com o domnio oligrquico das eleies no perodo da Repblica Velha (1889-1930) marca da conjuntura poltico-ideolgica da poca. Alm da procura de uma identidade brasileira, onde a expresso mais festejada ocorre na Semana de 22 e no movimento antropofgico na msica, na literatura e nas artes plsticas. Junto ao surgimento das gravaes fonogrficas e do rdio como veculo de comunicao de massas, mergulhado nessa revoluo poltico-cultural, o samba sem dificuldade ocupa o espao dessa urgncia nacionalista.

    2.3 Consolidao

    poca da virada da dcada de 20 para a dcada de 30, o samba, com sucesso vinha se firmando como basilar gnero de carnaval, e, consequentemente, se tornando um dos principais gneros musicais do pas. Sinh, Joo da Baiana, Donga, e outros pertencentes primeira gerao de compositores de samba, continuavam a compor. Segundo Haroldo Costa:

    Nesta poca, o disco ainda incipiente, ia criando seus astros e estrelas perante o pblico. Mas havia dois

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    veculos a mais na divulgao e na consagrao: o teatro-revista e as salas de espera dos cinemas. (COSTA, 2000, p.43).

    At ento o samba produzido ainda sofria imensa influncia do maxixe, situao que comea a mudar nos anos seguintes, fazendo com que a vida desses primordiais compositores tambm sofresse significativas alteraes:

    Tudo correria bem para a primeira gerao do samba, se o gnero musical no tivesse recebendo um novo tratamento por parte de um grupo de jovens compositores de um bairro localizado dentro da regio onde predominava a comunidade negra do Rio de Janeiro, o Estcio de S. O samba dos pioneiros, incluindo-se o Pelo telefone e os clssicos de Sinh (Jura e Gosto que me enrosco, entre eles), pouco diferenciava do maxixe, sendo assim, adequado para a dana de salo, mas pouco indicado para quem quisesse desfilar no carnaval. No oferecia, o que poderamos chamar de sncopa carnavalesca aos folies que desejassem andar enquanto brincavam o carnaval (CABRAL,1996, p.34).

    neste momento que entram em cena os compositores do Estcio de S, que viriam a ser posteriormente conhecidos como a segunda gerao de compositores de samba, ou sambistas. Os principais integrantes deste grupo eram Ismael Silva (1905-1978), os irmos Rubem Barcelos (?-1927) e Alcebades Barcelos, vulgo Bide (1902-1975), Slvio Fernandes, vulgo Brancura (1908-1935), Osvaldo Caetano Vasques, vulgo Baiaco (1913-1935), Nilton Bastos (1899-1931), Edgar Marcelino dos Passos (1900-1931), Eurpedes Capellani (?-?) e Aurlio Gomes (?-?). Ento, como dito por Cabral no trecho acima, era inevitvel que houvesse uma adaptao do gnero para satisfazer as prerrogativas dos folies que desfilavam no carnaval. Ento, o velho samba amaxixado sofre modificaes, e nasce o samba de morro, tambm chamado poca de samba moderno. Em entrevista concedida a Sergio Cabral, Ismael Silva comenta, acerca dessas modificaes:

    Quando comecei o samba no dava para agrupamentos carnavalescos andarem nas ruas, conforme a gente v hoje em dia. O estilo no dava para andar. Comecei a

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    notar que havia essa coisa. O samba era assim: tan tantan tan tantan. No dava. Como que um bloco ia sambar na rua assim? A, a gente comeou a fazer um samba assim: bum bum paticumbumprugurumdum... (CABRAL, 1996, p. 242)

    Na entrevista concedida por Ismael Silva a Srgio Cabral, o mesmo afirma que foi em 12 de agosto de 1928 que foi fundado o Deixa Falar, bloco de carnaval criado originalmente com a inteno de ser um bloco de corda. Sobre este tipo de bloco, diz Fernandes:

    Um bloco de corda era aquele que tinha o seu espao delimitado e vigiado, dentro do qual s participavam pessoas conhecidas e devidamente autorizadas, o que era muito diferente dos chamados blocos de sujo, que se formavam espontaneamente nas ruas que seguiam uns poucos batedores de bombo ou latas (FERNANDES, 2001, p.49).

    Porm, se a Deixa Falar inicialmente era bloco, logo se tornou a primeira escola de samba. Essa alcunha foi sugerida pelo Ismael Silva, fazendo analogia a uma escola normal que funcionava no bairro. Dizia ele que a Deixa Falar era um celeiro de professores do samba. A escola desfilou apenas por trs anos, de 1929 a 1931. No chegou a participar do desfile organizado pelo jornal Mundo Esportivo, em 1932, considerado o primeiro desfile oficial. Todavia foi referncia primordial para a criao de outras agremiaes na cidade. Uma curiosidade: Rubem Barcelos, irmo de Bide e tambm compositor do Estcio, morreu no dia 17 de junho de 1927, com tuberculose, portanto no pde ver a escola que ajudou a fundar, a Deixa Falar, fazer o seu primeiro desfile. J poca do primeiro desfile da Deixa Falar, em 1929, o novo tipo de samba concebido no Estcio j havia se disseminado e contagiado outras regies, como os subrbios de Oswaldo Cruz e do Engenho de Dentro, bem como a favela da Mangueira. Nesta ltima, nomes como Carlos Moreira de Castro, o Carlos Cachaa (1902-1999) e Angenor de Oliveira, o Cartola (1908-1980), que posteriormente viriam a se tornar cones da msica popular brasileira, faziam questo de dar o crdito merecido pelo mrito que os compositores do Estcio tiveram ao influenciar a fundao da escola de samba

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    Estao Primeira de Mangueira. De fato a Deixa Falar deu o impulso inicial para a criao das escolas de samba do Rio de Janeiro.

    As inovaes essenciais que deram um novo perfil aos antigos blocos, transformando-os em escolas de samba, apareceram entre 1928 e 1932. So elas: o gnero musical samba moderno juntamente com a sua dana correspondente; um cortejo capaz de desfilar executando a dana do samba; a adoo de um conjunto instrumental de percusso inclusive com instrumentos novos ou desconhecidos (o surdo e a cuca), e a obrigatoriedade da ala das baianas. Estes elementos superpostos a outros herdados dos ranchos o enredo, o mestre-sala e a porta-bandeira, as alegorias e a comisso de frente normalizaram as escolas de samba. (FERNANDES, 2001, p.53)

    Atravs das bem sucedidas inovaes, do surgimento da Deixa Falar e primordialmente da aproximao direta dos compositores do Estcio com o pblico atravs das rdios, a diviso antes existente, no carnaval, entre as classes altas e as menos favorecidas vai se dissipando gradualmente.

    A situao melhorou bastante na virada da dcada quando o samba feito por aqueles jovens do Estcio (e de outras regies do Rio) penetrou avassaladoramente no mundo do disco e do rdio, fazendo deles personagens de destaque da rea artstica. Com o surgimento das escolas de samba, os sambistas deixaram de ser perseguidos (CABRAL, 1996, p.41).

    A partir do meio da dcada de 30, pouco a pouco o samba vai sendo reconhecido e condecorado institucionalmente, reconhecimento este atingido com a soberania das escolas de samba no Carnaval. Hermano Vianna referenda:

    Foi s nos anos 30 que o samba carioca comeou a colonizar o carnaval brasileiro, transformando-se em smbolo de nacionalidade. Outros gneros produzidos no Brasil passaram a ser considerados regionais (VIANNA, 1995, p.111).

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    Neste captulo acompanhamos o percurso do samba, desde os batuques proibidos dos escravos, passando pelos mal vistos lundus e os inicialmente marginais maxixes, percorrendo caminhos que o levaram aceitao e o grande reconhecimento pela populao brasileira, at se consolidar como smbolo nacional.

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    CAPTULO 3 O CHORO

    Dia 23 de abril, dia do nascimento de Alfredo da Rocha Vianna, conhecido como Pixinguinha, foi a data escolhida para ser celebrado no Brasil o Dia Nacional do Choro. A primeira celebrao aconteceu no ano de 2001. Contudo, o que atualmente conhecemos por choro j teve outras relevncias, nem sempre tendo somente elementos musicais como fatores determinantes.

    3.1 Formao

    Foi por volta de 1870 que se deu a primeira formao de um grupo de choro no Brasil. Chamado de Choro Carioca, ou Choro do Callado, foi organizado pelo flautista e compositor Joaquim Antnio da Silva Callado (1848 1880), mais conhecido como Callado. O grupo era composto por dois violes, um cavaquinho e uma flauta, tocada por ele. Segundo o pesquisador Mauricio Alves Loureiro:

    O grupo de Callado era composto por flauta solo (tocada por Callado), dois violes e um cavaquinho. Os violes esto responsveis pelo acompanhamento das improvisaes de Callado em sua flauta enquanto que o cavaquinho preenchia com a parte intermediria com inflexes meldicas espordicas. (LOUREIRO, 1991, p. 32).

    Mesmo tendo vivido apenas por 32 anos, Callado foi dos cruciais pioneiros do choro. Era professor de flauta na Academia Imperial de Belas Artes e dispunha de vasto conhecimento musical. A formao instrumental de seu grupo foi a base do que viria a ser a formao dos conjuntos regionais, responsvel portanto pelo que por muito tempo foi considerada a tpica orquestrao da msica popular brasileira. O Choro do Callado, que tinha entre seus msicos Saturnino, Viriato Figueira da Silva, Patola, Luizinho e Silveira, tinha como pretenso tocar msica instrumental de dana de salo

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    europeia. Seu repertrio variava entre polcas, valsas, tangos e xotes (schottisch). Sem contar com a participao de cantores ou instrumentos de percusso, o grupo se apresentava basicamente em festas e bailes familiares. Callado por muitos considerado o pai do choro, sendo sua a composio que figurou a primeira edio do gnero, em 1873, a polca Flor Amorosa. Em seu livro Trs Vultos Histricos da Msica Brasileira, Joo Baptista Siqueira atesta que na sua opinio a formao dos grupos de choro s se completa com a incluso da flauta por Callado:

    Ficou ento constitudo o mais original agrupamento reduzido do nosso pas o Chro do Calado. Constava ele, desde sua origem, de um instrumento solista, dois violes e um cavaquinho, onde somente um dos componentes sabia ler msica escrita: todos os demais deviam ser improvisadores do acompanhamento harmnico. (SIQUEIRA, 1970, p. 97).

    Assim como a ltima afirmao de Siqueira acima, h vasto material de pesquisa indicando que a prtica do acompanhamento, poca, era conduzida por amadores que em sua maioria no tinha capacidade de leitura musical. Durante minha investigao me deparei com uma unanimidade entre os pesquisadores, a de que a fonte bibliogrfica principal sobre as origens do choro, disponvel na literatura at 1936, de autoria de Alexandre Gonalves Pinto, que alm de ser carteiro era tambm choro, e carregava neste meio a alcunha de Animal. Seu livro chama-se O choro - Reminiscncias dos Chores Antigos. Pois Pinto (1936), em seu livro, coloca em cheque a afirmao de Siqueira - de que os msicos acompanhantes eram incapazes de lidar com a partitura - ao mencionar a preservao, por alguns chores, de cadernos de msicas com choros inditos que apenas estes que o possuam tocavam. Segundo ele, muitos eram compositores, alm de violonistas, cavaquinistas e solistas. Cadernos de choros so comumente utilizados at o presente, entretanto largamente cumprindo o papel de fonte de consulta, pois, fato curioso, a prtica de tocar de cor e a improvisao foram e continuam sendo uma marcante caracterstica dos chores. Diversos msicos que tocavam choro tinham que saber ler partituras em funo do seu ofcio, uma vez que,

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    poca, muitos eram integrantes de bandas militares, como por exemplo a banda do Corpo de Bombeiros. Dessa maneira o choro foi levado s bandas de msica, militares e civis, que se formaram nas cidades, moldando ento os msicos populares da poca. Estas bandas tiveram origem nas bandas de msica da Guarda Nacional, criadas em 1831. Aps a criao destas, sem demora apareceram tambm bandas civis seguindo sua formao, executando msicas para bailes e se apresentando nos coretos das praas. No Rio de Janeiro, em 1896, Anacleto de Medeiros (1866 1907) fundou a Banda do Corpo de Bombeiros, da qual foi maestro. Alm de em solenidades e festas pblicas, Anacleto a regeu tambm frente s primeiras ferramentas de gravao da Casa Edison, registrando assim sua msica nos primeiros discos brasileiros. A Banda do Corpo de Bombeiros teve fundamental participao na divulgao da msica popular e do choro. Segundo Pedro Arago em seu livro Memrias Musicais:

    (...) numa poca em que as bandas militares tinham por caracterstica a dura sonoridade marcial, ela surpreendia por exibir uma maciez de interpretao que a deixava apta a transformar os gneros estrangeiros como a polca, o schottisch, a mazurca e a habanera num gnero brasileiro o choro. (ARAGO, 2002, p.4).

    Referenda Henrique Cazes, em seu livro Choro: do quintal ao municipal:

    (...) as bandas eram responsveis pelo processo de educao musical de seus componentes. Tendo elas chores como mestres, foi natural que houvesse um efeito multiplicador da cultura chorstica, fazendo surgir mais e mais msicos que dominavam a linguagem. (CAZES, 1998, p.25)

    Segundo Jos Ramos Tinhoro, em seu livro Msica popular: do gramofone ao rdio e TV, o fato de um msico participar de uma banda militar no se resumia ao deleite de poder tocar. A necessidade tambm era fator preponderante nesses casos, numa poca em que os msicos populares em sua maioria no dispunham de oportunidades profissionais em abundncia:

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    At o aparecimento da Casa Edison, as nicas possibilidades de ganhar algum dinheiro com msica, no Brasil, eram a edio de composies em partes para piano, o emprego em casas de msica, o trabalho eventual em orquestras estrangeiras de teatro de passagem pelo Brasil, a conquista de um lugar nas orquestras do prprio teatro musicado brasileiro, o fornecimento de msica para danar (grupos de choro, ou apenas um piano) e, finalmente, o engajamento, como instrumentista, nas bandas militares. (TINHORO, 1981, p.23)

    Joo Baptista Siqueira descreve situao semelhante acerca dos primeiros conjuntos do gnero:

    O conjunto regional, () vivia precariamente das atividades amadoras. Principalmente os executores de instrumentos de cordas dedilhadas, como os violes e os cavaquinhos. O grupo () teve sua formao assegurada por influncia dos tocadores de cavaquinho. sses artistas aprendiam uma polca, de ouvido, e a executavam para que os violonistas se adestrassem nas passagens modulatrias, transformando exerccios em agradveis passatempos. (SIQUEIRA,1970, p.97).

    Curioso que Siqueira deduz que ao longo do tempo esses passatempos acabaram definindo alguns esquemas modulatrios que vieram a ser originrios daquilo que hoje chamado de baixaria, os contrapontos executados nas partes graves do violo. Em sua grande maioria, os chores - integrantes dos conjuntos de choro carioca procediam da baixa classe mdia. Eram funcionrios pblicos federais dos Correios, da Alfndega, Tesouro, Central do Brasil, Telgrafos e Casa da Moeda. Ou servidores municipais, como funcionrios da Light ou da guarda municipal. Em trecho retirado do texto As abordagens estilsticas no choro brasileiro (1902-1950) de Marcia E. Taborda, publicado em 2010 na Revista Eletrnica Historia Actual Online,, June E. Hahner diz que na virada do sculo XIX para o sculo XX::

    (...) a msica e a dana permaneceram como fonte geral de prazer para o trabalhador pobre, no apenas no

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    perodo do carnaval. Nas estalagens do Rio de Janeiro, os inquilinos tocavam violes e acordees, cantavam e danavam animados fandangos. (Hahner, 1993 apud; TABORDA, 2010, p.141).

    Alexandre Gonalves Pinto, o Animal, traz em seu livro relatos das festas, msicas e dos chores, que evidenciam mormente a natureza amadora desses msicos, que por um bom jantar e bastante bebida se prontificavam a tocar no estabelecimento do anfitrio que a eles ao menos isso oferecesse. Diz ainda que a opo pelos instrumentos caractersticos se dava tambm bastante em funo de, como dito acima, os msicos serem em sua maioria funcionrios pblicos de classe mdia baixa, fato que no permitia que os mesmos comprassem instrumentos mais caros, optando assim pela flauta, violo e cavaquinho. O choro na definio de Pinto:

    Quem no conhece este nome? S mesmo quem nunca deu naqueles tempos uma festa em casa. Hoje este nome ainda no perdeu de todo o seu prestgio, apesar dos choros de hoje no serem como os de antigamente, pois os verdadeiros choros eram constitudos de flauta, violes e cavaquinhos, contando muitas vezes com o sempre lembrado oficleide e o trombone, que constitua o verdadeiro choro dos antigos chores. (PINTO,1936, p.11)

    3.2 A Alcunha

    Primordiais pesquisadores da msica brasileira sugerem diferentes origens acerca da palavra choro, que denomina o gnero musical. No Dicionrio do Folclore Brasileiro, Cmara Cascudo, defendendo que a palavra seria derivada de xolo, um baile ou arrasta-p feito pelos escravos nas fazendas, menciona o livro publicado em 1936 chamado Negro Brasileiro, de Jaques Raimundo:

    Choro a denominao de certos bailaricos populares, tambm conhecidos como assustados ou arrastaps. Essa parece ter sido a origem da palavra como explica

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    Jacques Raimundo, que diz ser originria da contracosta, havendo entre os cafres uma festana, espcie de concerto vocal com danas, chamado xolo. Os nossos negros faziam em certos dias, como em So Joo, ou por ocasio de festas nas fazendas, os seus bailes, que chamavam de xolo, expresso que, por confuso com a parnima portuguesa, passou a dizer-se de xoro, e, chegando cidade foi grafada choro. (CASCUDO, 1962, apud; TABORDA, 2010, p.137).

    Ainda segundo Taborda:

    Mrio de Andrade, por sua vez, no verbete choro do Dicionrio Musical Brasileiro informa que da expresso chorar empregada metaforicamente em msica, de extenso de sentido, a palavra afinal se desenvolveu aplicada ao sentido dum gnero musical, msica noturna de carter popular coreogrfico, pra pequena orquestra. (TABORDA, 2010, p.137).

    Para Ary Vasconcelos o termo deriva de choromeleiros, corporao de msicos de atuao importante no perodo colonial brasileiro. (TABORDA, 2010, p.137).

    Como os choromeleiros executavam no exclusivamente a charamela mas outros tantos instrumentos, a expresso passou a ser empregada em sentido geral dando por abreviao o nome de choro ao grupo instrumental. (TABORDA, 2010, p.137).

    Jos Ramos Tinhoro refere-se a esquemas modulatrios que partindo do bordo para descarem quase sempre rolando pelos sons graves, em tom plangente, os responsveis pela impresso de melancolia que acabaria conferindo o nome de choro a tal maneira de tocar. (TABORDA, 2010, p.137).

    No conjunto das possibilidades acima descritas cada uma de sua maneira relaciona a palavra s acepes musicais nas quais o termo viria a ser empregado: a palavra serve pra nomear o conjunto e tambm uma forma de tocar que exprimiria um estilo interpretativo tipicamente brasileiro. (TABORDA, 2010, p.137).

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    Em entrevista revista Veja Rio de 1999, Srgio Cabral, defendendo que o epteto choro se propagou como um modo abrasileirado de se tocar tambm expe a sua verso sobre o tema:

    Antes de tudo, bom que se esclarea que o choro no exatamente um gnero musical como o Samba, o Baio, a Valsa, etc. uma maneira de tocar, uma linguagem criada pelo msico carioca. A prpria palavra choro surgiu dessa maneira de tocar, e possvel que ela tenha comeado a nascer numa noite de novembro de 1857, quando o violoncelista Casemiro de Souza Pitanga tirava incrveis vibratos do seu instrumento, numa apresentao no salo do Congresso Fluminense, e um espectador gritou: chora Pitanga! Esse grito, que resultou em 1868 na polca Choro Pitanga, de Manuel Joaquim Maria, identificava tambm um modo de tocar dos msicos da poca. Nessa passagem, voc chora dizia um instrumentista para o outro. Ou agora, voc faz o choro. (CABRAL, Veja Rio 1999, p 5).

    A expresso choro ainda viria a obter significados variados at os primrdios do sculo XX. A princpio denominava o conjunto musical, como atesta Pinto em seu livro:

    O seu pai era um distinto advogado que dava em sua casa choros agradabilssimos, indo daqui da capital o competente choro, que eram: Henriquinho, de flautim; Lica de bombardo; Galdino de cavaquinho; Felisberto de flauta; Espndola, e muitos outros . (PINTO, 1936, p.46)

    O termo poderia ainda contemplar os diferentes gneros tocados por estes conjuntos:

    (...) tocava os choros fceis como fosse: polca, valsa, quadrilha, chotes, mazurka, etc. Pode-se ainda observar que o repertrio dos choros na verdade podia incluir toda e qualquer msica instrumental: toca muitos choros americanos e tambm nossos com grande facilidade. (PINTO, 1936, p.94).

    3.3 Regionais

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    No dia 7 de setembro de 1922 foi realizada a primeira transmisso de rdio no Brasil. Ouviu-se o pronunciamento do ento presidente Epitcio Pessoa e a pera O Guarani, de Carlos Gomes, transmitida a partir do Teatro Municipal. O evento deu-se durante a Exposio do Centenrio da Independncia na Esplanada do Castelo. No entanto foi em 1923 que a Rdio Sociedade, a primeira emissora de rdio foi inaugurada por Roquette Pinto. Seria ento o marco de uma abertura de mercado at ento indita para os msicos que tocavam choro. A oportunidade de profissionalizao daqueles que viviam sua msica de forma praticamente amadora. Porm, nesta etapa inicial do rdio, a programao era restrita, direcionada para um pblico essencialmente elitista e, portanto, dispunha de um repertrio basicamente composto por msica erudita. De acordo com a crescente propagao do nmero de ouvintes, adaptaes tiveram que ser feitas para contemplar os diversificados e heterogneos tipos de pblico que cada vez mais aderiam ao advento radiofnico em seu cotidiano. Portanto, ao se converterem em um veculo de transmisso em massa, naturalmente as emissoras de rdio se viram obrigadas a adequar seu repertrio ao gosto do pblico, disponibilizando para o mesmo, alm da msica erudita, msicas populares de pases diversos, tais como Portugal, Frana, Itlia, pases latino-americanos, sem deixar de fora obviamente a msica popular brasileira. Portanto, a real oportunidade de trabalho para os msicos s viria a acontecer de fato por volta de 1930, quando a demanda por conjuntos que tocassem ao vivo nas rdios, para que esse novo repertrio pudesse ser executado, cresceu. Foram ento criados os setores artsticos das rdios, que geralmente presumiam uma pequena orquestra de salo, um pianista e um conjunto instrumental que fosse ntimo msica popular brasileira. Este ltimo grupo o que ento viria a ser conhecido como regional. Como comprovam algumas manchetes da poca, o termo regional, com o propsito de diferenciar a msica popular brasileira das restantes, em 1931 passa a ser utilizado para denominar esses conjuntos supracitados. Recolhidas do trabalho de monografia de Luiz Felipe Lima Rodrigues, de 2008, as manchetes abaixo explicitam:

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    (...) msica regional no estdio da Rdio Sociedade com o concurso da senhorita Jessy Barbosa, senhor Francisco Alves, Patrcio Teixeira e Glauco Viana, registrado no sbado, 3 de janeiro de 1931, na programao da Rdio Sociedade. (RODRIGUES, 2008, p.7)

    Em 7 de janeiro de 1931, o Correio da Manh anunciava: Voz do violo no Cassino. Estreou ontem, no Cassino, a Companhia Regional Brasileira, composta de elementos do Centro Artstico Regional, com a pea de costumes regionaisVoz do violo . (RODRIGUES, 2008, p.7)

    Contudo, segundo consta no informe retirado da monografia de Rodrigues, o termo conjunto regional, remetendo diretamente aos grupos anteriormente citados, comea a ser largamente proferido em 1932:

    No dia 3 de janeiro de 1932, o Correio da Manh informava a programao da Rdio Clube: Das 19 s 20 Programa regional pelo Conjunto Regional da Rdio Clube, composta de Pixinguinha (flauta), Tute (violo) e Luperce Miranda (cavaquinho). (RODRIGUES, 2008, p.7)

    Henrique Cazes comenta:

    Para uma estao de rdio da poca era indispensvel o trabalho de um conjunto do tipo regional, pois, sendo uma formao que no necessitava de arranjos escritos, tinha a agilidade e o poder de improvisao para tapar buracos e resolver qualquer parada no que se referisse ao acompanhamento de cantores. O nome regional se originou de grupos como Turunas Pernambucanos, Voz do Serto e mesmo Os Oito Batutas, que, na dcada de 20, associavam a Instrumentao de violes, cavaquinho, percusso e algum solista a um carter de msica regional. (CAZES, 1998, P. 85).

    A demanda pelos conjuntos regionais para a funo de acompanhadores de cantores, ou em apresentaes de calouros era grande, uma vez que, devido tradio de o msico de choro se adaptar a diversas tonalidades com rapidez, sem o auxlio de partituras, alm de, por conta da tradio em improvisaes, serem extremamente aptos a criarem introdues e arranjos

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    instantaneamente, cumpriam com a expectativa desses programas que, principalmente por serem ao vivo, necessitavam dessa fluidez. Henrique Cazes relata em seu livro um trecho de uma entrevista que Dino Sete Cordas concedeu a Lilian Zaremba:

    Foi acompanhando calouros que eu aprendi a manejar o violo. O calouro quando cantava s vezes atravessa e a gente que est acompanhando tem que atravessar juntos, seno vai atravessando at o final. A gente tem que pular junto, para chegar junto e o ouvinte no perceber. (CAZES, 1998, p.85).

    Dado que estes conjuntos eram deveras solicitados em gravaes e acompanhamentos de cantores de diferentes vertentes da msica, observa-se que os mesmos foram de imensa importncia para que o choro tivesse sua igualmente enorme influncia acerca da msica popular brasileira no perodo. conveniente lembrar que, calcados em dois violes, flauta, cavaquinho e o ento novo elemento pandeiro, os conjuntos regionais eram fundamentados nos primeiros conjuntos de choro. A partir de ento, poca de 1930, presenciou-se entre as rdios e gravadoras uma multiplicao do nmero de regionais, principalmente no Rio de Janeiro, onde surgiram os conjuntos institudos por Pixinguinha, Waldir Azevedo, Benedito Lacerda, Donga, Dilermano Reis, Dante Santoro e Luis Americano; em So Paulo por Armandinho, Garoto, Aimor e Rago; e em Recife por Rossini Ferreira, Luperce Miranda e seu irmo Nelson. Entre os conjuntos que mais se destacaram est o Regional do Benedito Lacerda. Um fato curioso o de que entre o final da dcada de 20 e o ano de 1932, quando enfim passou efetivamente a se chamar Conjunto Regional do Benedito Lacerda, o grupo foi primeiramente chamado de Gente do Morro, assim apelidado por Sinh. Nesta primeira fase era composto por Benedito Lacerda (flauta), Canhoto (Valdiro Frederico Tramontano, cavaquinho), Macrino Bernardo (violo), Doidinho (violo) e Russo (Antnio Cardoso Martins, pandeiro). A trajetria do grupo longa, passando por diversas formaes. Quando em 1932 muda de nome j assume outra formao, com Benedito Lacerda (flauta), Canhoto (cavaquinho), Nei Orestes (violo), Gorgulho (Jos

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    Pereira, violo), e Russo (pandeiro). O grupo gravou pela Odeon entre os anos de 1934 e 1937, com Gorgulho sendo sustitudo por Carlos Lentine. Novas substituies em 1937 viriam a configurar a formao do grupo que se manteria at o fim. Dino Sete Cordas (Horondino Jos da Silva) sucedendo Nei Orestes, Meira (Jaime Florence) substituindo Lentine e Russo cedendo seu lugar a Popeye. Benedito Lacerda se afastou do grupo em 1950, quando Canhoto assumiu o seu comando, passando a dar nome ao regional. Canhoto, Dino e Meira constituram ento a mais celebrada base de acompanhamento de regionais, gravando com variados cantores. Em 1951, na Rdio Mayrink Veiga, o Regional do Canhoto que alm do trio supracitado contava com Orlando Siveira (acordeom), Altamiro Carrilho (flauta) e Gilson de Freitas (pandeiro) fez sua estreia. O conjunto foi posteriormente contratado pela RCA Victor. Nas dcadas de 1940 e 1950, o regional que fez frente ao de Benedito Lacerda, causando concorrncia ao alternar a participao nas rdios e gravaes foi o Regional de Claudionor Cruz. Este, entre anos anos de 1936 e 1969 teve presena constante nas rdios Nacional, Tupi, Mundial e Globo, bem como nas emissoras de televiso TV Educativa, TV-Rio no Rio de Janeiro e TV Cultura e Excelsior em So Paulo. Instrumentistas do porte de Bola Sete, Abel Ferreira, Portinho, Freitas, Arlindo Ferreira, Arajo e Jair do Pandeiro pertenceram ao grupo. Alm dos supracitados, regionais como o de Dilermando Reis, Rogrio Guimares (com duradoura participao na Rdio Tupi) e Dante Santoro (que fazia parte do casting da Rdio Nacional) tiveram xito nas rdios e foram de grande importncia no cenrio cultural da poca.

    3.4 Ascendncia

    A Ary Vasconcelos atribuda a primognita investida em fazer uma diviso cronolgica do percurso pelo qual passou o choro. Ele, que de acordo com sua teoria dividiu a evoluo do gnero em seis geraes, fez uma investigao de aproximadamente trs mil obras musicais. A primeira gerao (1870-1889) que surge com o encerramento da guerra do Paraguai e floresce nos primeiros vinte anos do Imprio marcada pelo aparecimento dos primeiros chores. A gerao composta por Joaquim

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    Antnio da Silva Callado, Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth, Viriato Figueira da Silva, Virglio Pinto da Silveira, etc, compositores a quem so atribudos os primeiros grupos de choro e as primeiras composies. Vasconcelos menciona ainda vrios msicos pertencentes a essa primeira gerao, tais como os violonistas Manduca do Catumbi, Cndido da Costa Ramos, Juca Vale, Capito, Velho Gray e Guilherme Cantalice, segundo ele alguns dos quais tambm eram habilidosos ao cavaquinho; os flautistas Saturnino, Incio Ferreira, Bacuri, Justiniano Soares, Artur Fluminense, Marreco , Jorge (irmo de Marreco), Jernimo Silva e Caixa-de-fsforo; o cavaquinista Zuzu Cavaquinho; os pistonistas Srgio e Soares Barbosa; os oficleidistas Leal Careca e Antnio Madeira e o tocador de bombardino Balduno. Segundo Vasconcelos muitos destes eram compositores. Em 1889, ano da proclamao da Repblica que inaugura uma nova era na histria poltica do Brasil aparece a segunda gerao. Vasconcelos delimita o perodo compreendido por esta gerao entre 1889 e 1919. Destaca como mais importante representante o Anacleto de Medeiros, e destaca tambm o aparecimento de uma nova esfera profissional: as bandas militares e civis que foram largamente abraadas pelos msicos de choro. Funcionrio da Imprensa Nacional, Anacleto de Medeiros (1866-1907) foi fundador, em 15 de novembro de1896, e o primeiro mestre da Banda do Corpo de Bombeiros. Segundo Alexandre Gonalves Pinto:

    Era tambm um orquestrador competente, e tocava qualquer instrumento, preferindo, porm, o saxofone (PINTO, 1936, p.40).

    Vasconcelos pe tambm em evidncia Albertino Pimentel, conhecido como o Carramona (1874-1929), que viria a substituir Anacleto na banda alguns anos mais tarde, e tambm compunha choros. Alm destes j citados, menciona tambm Irineu de Almeida, Mrio lvares da Conceio conhecido como Mrio Cavaquinho, Lulu do Cavaquinho, Artur de Souza Nascimento conhecido como Tute, Juca Kalut, Galdino Barreto, Louro, Henrique Dourado, Lus de Sousa do Trompete, Pedro Galdino e Candinho do Trombone. Para Vasconcelos essa foi a idade de ouro do choro. Diz ele que:

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    (...) as jazz bands ainda no haviam irrompido em nosso cenrio musical, com seus saxofones e suas baterias americanas. (VASCONCELOS, 1984, p.21)

    Ao comentar as mudanas ocorridas no incio do sculo XX, Jos Ramos Tinhoro parece se solidarizar com a opinio de Vasconcelos:

    Quando esta hora soou a maioria dos chores, j velhos, ensacaram seus violes ou meteram suas flautas no ba. Alguns se profissionalizaram aderindo s orquestras de cinema ou de teatro musicado, ou ainda a novidade da jazz band, trocando o oficleide pelo saxofone, num primeiro sintoma de alienao que marcava o advento da influncia esmagadora da msica popular norte americana no Brasil. (TINHORO,1974, p.109)

    A segunda gerao ficou marcada pela vasta contribuio para o engrandecimento do repertrio do gnero. entre os anos de 1919 e 1930 que Vasconcelos situa a terceira gerao de chores. Nesta, ele destaca Alfredo Viana Filho, conhecido como Pixinguinha (1897-1973) como principal personagem. Vasconcelos salienta ainda que Pixinguinha figura como nome mais importante no s desta, mas tambm de todas as geraes subsequentes. Em sua descrio, conta como o msico e sua flauta desempenharam funo primordial como referncia na msica no Brasil e na Europa, com seu grupo Os Oito Batutas. tambm neste perodo que surgem Donga, Luperce Miranda, Bonfiglio de Oliveira, Luis Americano e Romeu Silva. Como prenunciado nos comentrios de Tinhoro e Vasconcelos na pgina anterior, nesta fase que as bandas militares e civis foram substitudas por bandas que carregavam repertrio recheado de foxtrotes, as bandas de jazz, ou jazz bands. Segundo Vasconcelos nesta etapa que o choro deixado de lado pelos grupos, seja em gravaes ou execues, e passa a arcar com as consequncias de ser considerado um gnero maldito:

    (...) o foxtrote se tornara o gnero da moda e uma banda no estilo das citadas no era exatamente a formao

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    adequada para execut-los (...) como se o som da banda tivesse se tornado antiquado, fora da moda, no se queria mais ouvi-lo nem para a execuo de msicas de todos os gneros do repertrio internacional. (VASCONCELOS, 1984, p.25)

    As orquestras de salo, tambm por vezes alcunhadas de jazz bands, comeam a ser criadas em meio a estas mudanas. Entre elas figuravam, por ordem cronolgica, as de Andreozzi (1919), Passos (1920), Augusto Lima (1921), Sanfelippo (1921), Brazil-Amrica (1924), Korasin (1926) e a Orquestra Pan American do Cassino Copacabana (1926). O repertrio destas inclua foxtrotes, tangos, valsas e msicas brasileiras, sempre temperadas com a linguagem das bandas americanas de jazz. Segundo Vasconcelos o band leader e saxofonista-tenor Romeu Silva foi de grande importncia nesta etapa, por ter introduzido o choro nas bandas de jazz, apesar das crticas que recebeu por ter aderido ao estilo americano:

    Comps e gravou, a partir de 1924, com sua Jazz Band Sul-Americana, Romeu Silva maxixes que hoje integram o acervo do choro, tal como o delicioso Fub, (em que parece ter sido utilizado material folclrico), etc. Foi uma fase curta (Romeu viajou para a Europa em 1925 com a sua jazz band, em excurso que duraria at 1935), mas que iria marcar profundamente a msica brasileira orquestral. (VASCONCELOS, 1984, p.26)

    Novas influncias acrescentariam sonoridades inditas ao choro, muito em funo da migrao nordestina para o Rio de Janeiro, ocorrida na poca. Quando Os Oito Batutas viajaram pelo nordeste, admiraram-se ao conhecer um grupo chamado Turunas Pernambucanos. A mesma admirao acometeria a elite intelectual carioca, quando em 1922 este mesmo grupo nordestino chegaria em terras Fluminenses. Sobre a incorporao destes novos sotaques Henrique Cazes comenta em seu livro:

    A assimilao de novos sotaques e a incorporao de gneros virtuossticos, como o frevo, certamente foram fatores de enriquecimento do Choro na dcada de 20. (...) A expresso jazz band no deve ser confundida com o jazz como linguagem musical. A partir da dcada de 1910,

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    qualquer agrupamento instrumental que quisesse parecer moderno passou a se intitular jazz band. Assim, podia-se encontrar Aldo Krieger dirigindo uma jazz band em Brusque, Santa Catarina, com um repertrio de polcas, valsas e marchas com sotaque alemo. J as jazz bands norte-americanas tocavam adaptaes da polca, como o shimmy e o ragtime. (CAZES, 1998, p. 61)

    O grupo Os Oito Batutas foi o mais bem-sucedido do perodo. Seus integrantes iniciais eram o fundador Alfredo da Rocha Viana Junior (Pixinguinha) na flauta, Ernesto dos Santos (Donga) no violo, Alves de Lima no bandolim, Nelson dos Santos Alves no cavaquinho, Otvio da Rocha Viana (China) no violo e voz, Jos Luiz Pinto da Silva na bandola e reco-reco, e por fim Jac Palmieri no pandeiro. Vale dizer que a incluso de pandeiro e reco-reco eram novidades trazidas pelo grupo. Srgio Cabral em seu livro Pixinguinha, vida e obra traz elucidao sobre o surgimento do grupo:

    A partir de um convite do presidente da sociedade Tenentes do Diabo, Manuel Muratoni Barreto, o Quinzinho, para Donga reunir 19 msicos para tocar durante os trs dias de carnaval no coreto do Largo da Carioca, surgiu o grupo Os Oito Batutas, em 1919. Esta apresentao chamou a ateno do gerente do Cine Palais, Isaac Frankel, que procurava um conjunto para tocar na sala de espera do seu cine, j que o Cine Avenida havia contratado o conjunto de Bonfiglio de Oliveira. Foi a morte do Grupo do Caxang, organizado por Joo Pernambuco, de inspirao nordestina, tanto no repertrio, como na indumentria, no qual cada integrante do conjunto adotava para si um codinome sertanejo. A despedida do grupo ocorreu em 1919, com seus 19 componentes tocando na sede dos Tenentes do Diabo. Os Oito Batutas foram o primeiro grupo a ter projeo nacional e relativa estabilidade dos integrantes. (CABRAL,1997, p. 44-45).

    Pixinguinha formou o conjunto e convidou praticamente todos os integrantes do Grupo do Caxang para integr-lo. Aps o convite feito por Isaac Frankel, citado acima por Cabral, Os Oito Batutas estrearam em abril de 1919 no requintado cinema Palais, que era localizado na Avenida Central atual Avenida Rio Branco, no centro da cidade do Rio de Janeiro. Tiveram

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    bastante sucesso nesta empreitada, as pessoas se amontoavam na rua para escut-los. Tinham como apreciadores figuras ilustres, tais como Rui Barbosa, Ernesto Nazareth e Arnaldo Guinle. O repertrio do grupo nada tinha de corriqueiro, uma vez que, alm do choro, faziam uma apresentao teatral de variedades composta de sambas, desafios, canes e sapateados sertanejos, como era anunciado o espetculo poca. O grupo cativou e angariou a reputao de melhor conjunto tpico da msica brasileira. Realizou posteriormente viagens pelo Brasil, passando pelos estados do Paran, So Paulo, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco. No ano de 1922 fizeram duas viagens internacionais. Para Paris, obtendo grande xito frente ao pblico francs, e para a Argentina, onde realizaram diversas gravaes. Maria Alice Rezende em seu livro O samba, a opinio e outras bossas... na construo republicana do Brasil nos mostra que houve neste perodo intensa aproximao entre a cultura popular e as elites intelectuais:

    As elites cariocas j se haviam habituado a ouvir a boa msica de Donga, Pixinguinha e seu grupo na sala de espera do Cine Palais, vindo Arnaldo Guinle a patrocinar, por sugesto de Coelho Neto, a pesquisa musical que empreenderam pelo Nordeste e, em seguida, a viagem do grupo a Paris, onde vicejava a cultura jazzstica norte-americana e onde os Oito Batutas permaneceriam por cerca de nove meses. O prprio Rui Barbosa, que, anos antes, se pronunciara contra a invaso do Catete pelo gosto popular, tornara-se assduo freqentador do Palais, solicitando aos msicos a execuo de suas canes preferidas (...). evidente, por tanto, que, em pouco menos de uma dcada, a msica que se tocava popularmente no Rio pareceu aproximar-se dos padres que serviam tambm s elites. (CARVALHO, 2004, p.42).

    A associao individual entre membros da classe intelectual com artistas populares foi fundamental para que esta aproximao tivesse xito em nvel mais abrangente. Tal associao permitiu a conciliao entre conjuntos tradicionais e maestros, tendo recproca influncia sobre ambos, tal qual aconteceu com Villa-Lobos, que ao ter contato com Pixinguinha e a Penso Viana intensificou sua investigao sobre o choro.

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    Segundo Vasconcelos, a quarta gerao se estabelece entre 1927 e 1946, e traduz um momento difcil para o choro. A fase relacionada tambm a apario do sistema eltrico de gravao e da vitrola eltrica. Tida como a poca de ouro das canes, revela nomes importantes e leva ao enorme sucesso cantores como Orlando Silva, Carmem Miranda, Francisco Alves, Silvio Caldas e outros mais. Com isso, o choro acaba por ser disseminado apenas para um pblico especfico e limitado. Vasconcelos lista ainda como relevantes artistas que fazem parte do chamado choro paulista, como por exemplo a Orquestra Colbaz, que foi a primeira a gravar a composio Tico-tico no Fub, de Zequinha de Abreu. Cita ainda msicos como Jos Rielli, Ga, Garoto, Armandinho, Alberto Marinho e a Rapaziada do Brs. No Rio de Janeiro evidencia nomes como Radams Gnattali, Benedito Lacerda, Copinha, Gasto Bueno Lobo, Antengenes Silva, Dante Santoro e Carolina Cardoso de Meneses. O perodo compreendido entre os anos de 1945 e 1950 caracterizado por ser mais propcio para o choro. Esta, segundo Vasconcelos, a fase que contempla a quinta gerao do gnero. Surgem grandes nomes como Jacob do Bandolim, que fez sua estreia como solista em 1947, registrando em disco o seu choro chamado Treme-treme. Alm dele aparecem tambm Abel Ferreira, Raul de Barros, Altamiro Carrilho que estreia em disco em 1949, Valdir Azevedo, Sivuca, Chiquinho do Acordeo, Bola Sete, Paulo Moura, Canhoto da Paraba, Do Rian, Rossini Ferreira, Avena de Castro, Pedroca, Isaas e Evandro. Vasconcelos aponta tambm o surgimento da Orquestra Tabajara do maestro Severino Arajo; do grupo Quarteto Brasil, que tinha como integrantes Jos Menezes, Tute, Luperce e Valzinho; do grupo Os Milionrios do Ritmo, que contava tambm com Jos Menezes, Djalma Ferreira, Chuca-Chuca e Oscar Belandi. Ocorre nesta poca tambm o reaparecimento de Pixinguinha, agora tocando sax tenor ao lado de Benedito Lacerda. A sexta gerao, segundo Vasconcelos, est inserida no perodo que vai de 1951 at 1983. poca de surgimento de novos grupos, respaldados por realizaes de eventos voltados para o gnero. Despontam ali o grupo poca de Ouro, Os Carioquinhas, Camerata Carioca, N em Pingo Dgua, Noites Cariocas, Turma do Sereno e outros. Em So Paulo aparecem o

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    Conjunto Atlntico e o Conjunto do Evandro. Surge o Clube do Choro. neste perodo tambm que Jacob do Bandolim dispe de sua casa no bairro de Jacarepagu para a realizao de saraus, onde o mesmo assumia e defendia a ideia de que o choro caseiro era o genuno ambiente para a conservao do gnero. A msica na casa de Jacob era a protagonista das festas, e deveria ser apreciada em silncio, deixando os fatores coadjuvantes, tais como as bebidas alcolicas, para serem apreciadas moderadamente apenas nos intervalos. J no bar Suvaco de Cobra, localizado na Penha, as rodas de choro eram repletas de farra e bebida, nas dcadas de 1960 e 1970. Uma curiosidade: a ligao entre a msica popular e a msica de concerto foi deveras estreitada com a Sute Retratos, composio feita em 1956 por Radams Gnattali, que pretendia condecorar os quatro compositores da msica brasileira que ele julgava serem os seus sustentculos. Eram eles Ernesto Nazareth, Pixinguinha, Chiquinha Gonzaga e Anacleto de Medeiros. A sute foi dedicada a Jacob do Bandolim e foi escrita para bandolim, conjunto regional e orquestra de cordas. interessante observar que muitos msicos que despontaram nesse ltimo perodo acima descrito continuam em atividade hoje, tais como Z da Velha, Maurcio Carrilho, Luciana Rabello e Henrique Cazes. Mrcia Taborda faz uma observao interessante acerca da classificao peridica proposta por Vasconcelos:

    O que inicialmente chama a ateno na periodizao de Vasconcelos a ausncia de um denominador comum para o estabelecimento das geraes: uma gerao pode ser determinada tanto pela produo de compositores tanto quanto pela atividade de msicos, ou mesmo um movimento como o do festival do choro nos anos 70, o que nos faz lembrar o mesmo argumento usado por Curt Sachs ao propor a mudana de princpios norteadores na classificao de instrumentos: a falta de um denominador comum que possa organizar as categorias. Do ponto de vista estilstico tal classificao cairia por terra na medida em que a cronologia no estabelece nem considera as possibilidades de abordagem interpretativa do repertrio. No choro tradio e modernidade convivem continuamente o que faz com que os autores da primeira gerao tenham suas obras executadas como peas

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    fundamentais do repertrio desde fins do sculo XIX at os dias de hoje sendo a obra revivida por diferentes abordagens interpretativas. Por outro lado, Maurcio Carrilho ao divulgar a enorme produo de choros encontrados em pesquisas nos diferentes acervos no Rio de Janeiro, fez suas gravaes reproduzindo no acompanhamento - por exemplo de polcas, o padro rtmico que considera caracterstico do estilo interpretativo e de uma sonoridade que remete aos primeiros fonogramas. (TABORDA, 2010, p.139-140).

    3.5 Aspectos musicais

    O choro carrega consigo uma tradio de informalidade - no no sentido acadmico - no que diz respeito s transferncias de conhecimento. Por este motivo confere liberdade ao msico na sua interpretao. Contudo, a despeito desta liberdade, o gnero constitudo por princpios que o caracterizam e definem. So estes: a melodia, a harmonia e o ritmo. Em geral o choro composto em compasso binrio simples. No que diz respeito aos aspectos rtmicos, frequentemente estes esto relacionados mtrica, onde a presena da sncope constante. A sncope, por sua vez, um recurso rtmico deixado de herana pelo lundu. tambm frequente o emprego de quilteras e o uso de quatro semicolcheias que simbolizam a linearidade do ritmo. A mistura destes principais elementos garante a riqueza rtmica do gnero. Merece ser destacado o fato de que enquanto que as sncopes do-se de maneira natural na msica africana, configuram irregularidade quando acontecem na msica europeia. Entendemos que as particularidades meldicas do choro so derivadas da mod