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OÁSIS #155 EDIÇÃO MARIUS, VÍTIMA DA NOSSA ARROGÂNCIA A jovem girafa foi sacrificada no zoo de Copenhague DINHEIRO, UM DIABO NECESSÁRIO Ruim com ele, pior sem ele MEU PAI, O FALSÁRIO JUDEU Nas suas mãos, nenhum documento estava a salvo COMO SE PROTEGER NA SELVA VIRTUAL O LADO ESCURO DA INTERNET

Transcript of Oásis - Brasil 24/7 · da web é tão difícil quanto fazer com que as pessoas parem de comentar o...

Oásis#155

Edição

MARIUS, VÍTIMA DA NOSSA

ARROGÂNCIAA jovem girafa foi

sacrificada no zoo de Copenhague

DINHEIRO, UM DIABO

NECESSÁRIORuim com ele,

pior sem ele

MEU PAI, O FALSÁRIO JUDEUNas suas mãos, nenhum

documento estava a salvo

Como sE pRotEgER NA sElvA viRtuAl

O LADO ESCURO DA INTERNET

2/25OÁSIS . Editorial

por

Editor

PEllEgriniLuis

O fenômeno da internet é um dos mais importantes dos tempos modernos. Ele nos abre as portas da informação global, de uma forma que não sonharíamos há alguns anos atrás. Poder ler a

maioria dos jornais do mundo tocando apenas algumas teclas; ter acesso a um sem número de enciclopédias; ou simplesmente ver que filmes estão no cinema, são apenas uma parte ínfima da vastidão de temas e materiais que se podem conseguir na internet.

no entanto, quando uma porta como essa se abre, é natural que algumas coisas negativas por ela entrem. E se algumas delas não têm grande im-portância, outras requerem importantes cuidados por parte dos usuários, sobretudo pais e educadores. nossa matéria de capa trata exatamente disso: o lado obscuro da internet, e as armadilhas e perigos que nele se escondem. Confira.

Já não podemos viver sem a internet. ela se transformou, com rapidez alucinante, numa

ferramenta absolutamente necessária e imprescindível para a vida moderna. mas, como todas as coisas, a internet também tem seu lado obscuro e

perigoso. saiba como se defender dele

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TEC

NOO LADO ESCURO

DA INTERNETComo se proteger na selva virtual

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m dos homens mais vigia-dos do mundo é, nada mais nada menos do que um hacker. O australiano Ju-lian Assange, dono e fun-dador do site WikiLeaks, provou como o vazamento e a disseminação de dados podem transtornar o cená-rio político mundial. A or-

ganização sem fins lucrativos, que conta com inúmeros colaboradores, foi responsável por um dos maiores escândalos já relacionados à internet. Mais de 250 mil documentos secre-tos do governo norte-americano, envolvendo

Uas informações sempre foram valiosas e a internet tornou muito mais fácil trocá-las e transmiti-las. mas o mundo virtual pode ser insidioso. vírus, códigos maliciosos, hackers estão à espreita, esperando pelos incautos. é preciso se proteger

Por: EquiPE oásis

temas como conflitos no Oriente Médio e ar-mamento nuclear, foram a público, colocan-do em polvorosa governantes e diplomatas ao redor do planeta.

O problema dos Estados Unidos não acabou após a prisão de Assange em Londres (In-glaterra) ou com a suspensão temporária do site na internet. Apesar de estar fora do ar, é possível acessar a página do WikiLeaks atra-vés de 355 sites-espelhos – cópias do conte-údo do site original. Eliminar um conteúdo da web é tão difícil quanto fazer com que as pessoas parem de comentar o escândalo. Mas como foi possível que um único órgão reunisse tantas informações comprometedo-ras?

Um colaborador, uma pessoa que, de alguma forma, possui um dado secreto o envia para o WikiLeaks. Exemplo disso é o ex-soldado transsexual norte-americano Bradley Man-ning, que recentemente mudou de sexo e agora se chama Chelsea Elizabeth Manning. Chelsea foi presa e processada por acesso e divulgação de informações sigilosas. Ela en-viou ao WikiLeaks um vídeo mostrando mi-litares norte-americanos no Iraque matando dois jornalistas da agência Reuters. A orga-nização de Assange possui uma equipe de jornalistas e de técnicos de informática que faz uma análise minuciosa dos documentos mandados por seus colaboradores. Após a

confirmação, as informações vão a público.

Uma nova geração do jornalismo

Para muitos, o WikiLeaks representa a nova geração do jornalismo investigativo e colaborativo, uma vez que toda e qualquer pessoa com uma informação valiosa pode participar do site. O trabalho que deixou governantes de cabelo em pé parece ser bem aceito por boa parte da po-pulação – tanto que o WikiLeaks, que continua aberto e ativo, se sustenta à base de doações. A ideia mostra sinais de repercussão internacional. Um grupo chileno, lidera-

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do pelo psicólogo Cristián Araos, comprou o domínio “wikileakschi-le.org” e planejava desempenhar o mesmo papel. Mas esse site parece estar paralisado no momento. O hacker italiano Fabio Ghioni criou um site homônimo a seu livro Ha-cker Republic, que no futuro tam-bém pode vir a exercer a mesma função do WikiLeaks.

Mais recentemente, em junho de 2013, o profissional de informática da CIA, Edward Snowden, decla-rou em entrevista ao jornal South China Morning Post, que os EUA mantinha programa de vigilância digital para espionar a China e Hong Kong. Snowden era técnico da CIA e consultor da NSA , Agên-cia de Segurança Nacional. Porém,

as denúncias de espionagem norte-americana começa-ram a vazar em outros países.

Os programas de espionagem dos EUA permitiam con-sultar registros de usuários de mídias sociais, recolher in-formações on-line e até telefônicas. Aos 29 anos de idade, o profissional de informática passou a viver quase refu-giado entre Hong Kong e o aeroporto de Moscou após ser considerado um “foragido” da justiça dos EUA. Snowden pediu asilo político a diferentes países, sendo convidado a se exilar na Venezuela pelo governo de Caracas.

Julian assangE

Snowden comprovou suas acusações em documentos que comprovam atos de invasão por parte da NSA em computadores de Hong Kong, abrangendo mais de 60.000 operações de cibera-taques.

No dia 11 de julho de 2013, a FIDH (Federação Interna-cional dos Direitos Huma-nos) e a LDH (Liga de Direi-tos Humanos) anunciaram denúncias sobre invasão dos EUA nos sistemas da Fran-ça, a Promotoria de Paris ficou encarregada de inves-tigar os cinco possíveis de-litos cometidos pelos EUA, incluindo atentado voluntá-rio à intimidade da vida privada e pela captação de dados pessoais de forma fraudulenta, desleal e ilícita.

As invasões visavam servir a NSA e o FBI, incluindo os sistemas das principais empresas digitais dos EUA: Mi-crosoft, Yahoo!, Google, Facebook, YouTube, AOL, Apple e Skype. Na América do Sul, o Brasil foi o primeiro a se declarar publicamente sobre possíveis invasões e reco-lhimento de informações sigilosas de internautas brasi-leiros, incluindo o grampo telefônico de representações do Brasil em Washington ,levando a questão para a ONU (Organização das Nações Unidas).

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Segundo matérias publicadas em vários jornais, a NSA também implementou atividades de espionagem digital na Colômbia, México, Argentina, Equador, Panamá, Cos-ta Rica, Nicarágua, Honduras, Paraguai, Chile, Peru e El Salvador, além do Brasil. Todos os países exigiram ex-plicações dos EUA. Para cada país ou grupo de países, o objetivo de espionagem seriam para interesses militares e para fortalecimento da política antiterror norte-ameri-cana.

A atuação de organizações como o Wikileaks e a ação de

Edward snowdEn

delatores com drama de consciência, como Edward Sno-wden, estão centralizadas sobre mega operações de es-pionagem e vigilância normalmente feitas entre agências federais como a NSA e governos estrangeiros. Na vida miúda do dia-a-dia dos pequenos usuários os perigos são outros, e quase todos dizem respeito à invasão da memó-ria dos computadores privados com consequente roubo de dados sigilosos do usuário. Senhas, em primeiro lugar.

Atenção aos seus dados

A obtenção de dados pode ser feita das mais variadas ma-

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neiras. Não por acaso, o principal foco da maioria das empresas e de alguns usuários domésticos de internet é a questão da seguran-ça de dados. Segundo Vladimir Amarante, engenheiro de siste-mas da Symantec, empresa de sistemas de segurança para inter-net, as companhias se preocupam tanto com a entrada de arquivos maliciosos contendo spams e phishing quanto com a saída de dados confidenciais. “A tendên-cia agora é de usar a ferramenta Data Loss Prevention, o DLP, a maior demanda que recebemos”, observa. “Esse produto específico é uma linha corporativa que fica conectada a vários pontos da rede da empresa, inspecionando e--mails, chats, sites e usuários gra-

vando informações em CDs, pendrives, etc. Monitorando tudo isso é possível registrar e até bloquear a cópia da informação para fora do computador da empresa”, expli-ca Amarante.

Por enquanto, ainda não há uma linha de produtos como o DLP específica para usuários domésticos. Assim, é ne-cessário reforçar os cuidados pessoais, uma vez que o número de cibercrimes aumentou. “Através da internet, grupos de cibercriminosos possuem diversas formas de invadir os computadores. Mas hoje eles não visam preju-dicar o funcionamento das máquinas e, sim, roubar

dados para fraudes financeiras”, afirma Graziani Pengue, gerente de sistemas da Websense, outra companhia nor-te-americana especializada em segurança na web.

Proteger o computador das ameaças virtuais não é fácil. Entre 2009 e 2010, o número de sites maliciosos aumen-tou em 111,4%, de acordo com um relatório da Websense divulgado em dezembro. E a tendência é de que a quan-tidade de ciberataques aumente em ritmo exponencial. “Hoje em dia, o antivírus já não é mais suficiente”, decla-ra Amarante.

O engenheiro explica que os programas antivírus estão associados a arquivos baixados de sites. Hoje, muitos códigos maliciosos entram no sistema apenas pela nave-

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gação em uma página na web. Para isso são necessárias as funções firewall e Intrusion Detection System (IDS), presentes em determinados programas de segurança. O firewall é responsável por verificar se a comunicação en-tre a internet e o computador (e vice-versa) é autorizada e segura. Já o IDS analisa o tráfego de internet para de-tectar se uma sequência de comandos que representam um ataque ou uma situação de vulnerabilidade.

Smartphones também precisam de antivírus

Todo cuidado é pouco, já que a disseminação de infor

MatthEw Manning, coMo soldado nortE-aMEricano

MatthEw Já transforMado EM hElsEa Manning

mação e de malwares está cada vez mais rápida em razão das plataformas de rede social digital, messengers e e--mails. Uma proteção efetiva, segundo Fernando Santos, diretor geral da Check Point Brasil (ver explicação abai-xo), é a combinação de sistemas de segurança e sistemas operacionais atualizados e com um comportamento pru-dente do usuário na internet.

Amarante ainda chama atenção para mais uma tendên-cia: a dos smartphones, tablets e demais componentes que estão ou estarão conectados à rede. “O que acontece é que a empresa está perdendo o controle. Com a prolife-

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ração dos dispositivos pessoais há um risco maior de alguém trazer um aparelho que ameace a rede”, observa. É uma questão de tempo até que comecem a se disseminar códigos maliciosos para celulares – mais uma porta que se abre para o rou-bo de dados. Já há quem desblo-queie o celular para poder instalar softwares piratas. O problema é que pode haver códigos maliciosos que são inse-ridos no aparelho. A partir disso, deixa de ser seguro navegar pelo smartphone.

Hoje em dia, cada vez mais inseri-mos dados na internet. Dispomos de acesso online a bancos, inser-ção de informações pessoais em

contas de e-mail gratuitas, plataformas de redes sociais digitais, messengers e outros recursos. Tudo muito fasci-nante. Mas, ao mesmo tempo que a tecnologia evolui, os usuários precisam estar preparados para sobreviver na selva virtual.

Cultura de segurança

Fernando Santos, gerente-geral da Check Point Brasil, empresa de sistemas de segurança para a internet, apon-ta que o maior problema no cenário das novas tecnolo-gias é o comportamento do usuário. O executivo enfatiza

a necessidade de desenvol-ver uma “cultura de segu-rança”. Aqui vão algumas de suas dicas:

• Manter-se atualizado com relação a temas de seguran-ça;

• Programar a atualização diária dos sistemas de segu-rança;

• Evitar a navegação por si-tes suspeitos;

• Evitar os arquivos execu-táveis, como os de extensão “.exe” ou “.com”;

• Evitar abrir e-mails de re-metentes desconhecidos;

• Evitar clicar em banners com mensagens suspeitas, como aqueles em que se sugerem premiações generosas em dinheiro ou acesso a imagens intrigantes.

Como opera uma empresa de segurança

Normalmente, as empresas de segurança têm acesso a uma rede mundial de pesquisa chamada Global Intelli-

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gence Network (Gin). Essa rede é composta de sites e escritórios ao redor do mundo que buscam amostras de arquivos maliciosos. Empresas de segurança também têm parceria com provedores e bancos para detectar novas ameaças. No caso da Symantec, há uma rede de computadores vulneráveis que servem como iscas para os códigos maliciosos (malware). Depois de detectado o código perigoso, especialistas estudam meios de “con-sertá-lo”. Vladimir Amarante, engenheiro de sistemas da Symantec, garante que, após a detecção, apenas alguns minutos ou poucas horas são necessários para encontrar uma solução.

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MARIUS, VÍTIMA DA NOSSA ARROGÂNCIAA jovem girafa foi sacrificada no zoo de Copenhague

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arius era uma jovem girafa macho de ape-nas 18 meses, total-mente sadia, muito mansa e inteligente. Sua história começou no zoológico de Co-penhague, Dinamar-ca, onde ele nasceu, e agora está correndo o mundo. O seu sacrifí-

cio, ocorrido há poucos dias, testemunha até onde pode chegar a arrogância dos homens, que se sentem donos do direito de aprisionar animais provenientes de muito longe, para

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marius era perfeitamente sadio, e mesmo assim foi abatido com um tiro na cabeça. foi a seguir desmembrado publicamente e dado como comida aos leões. motivo: o seu dna. ele era consanguíneo das girafas fêmeas que habitam o maior zoo da dinamarca

Por: luis PEllEgrini

depois, com total brutalidade e descaso, livrar-se deles quando as jaulas já não são suficientes.Não surpreende, no entanto, que essa his-tória macabra tenha acontecido justamente na Dinamarca. As leis do país permitem que todos os anos, no arquipélago dinamarquês das Ilhas Faroe, centenas de baleias-pilotos sejam conduzidas às praias para serem mas-sacradas a golpes de facão pelos moradores dessas ilhas. Um show de horror que foi ma-téria de capa em Oásis 152.

Execução macabra

Apesar dos protestos de vários ambienta-listas e de inúmeras petições internacionais para lhe salvar a vida, Marius foi abatido com um tiro de pistola na cabeça. Os dire-

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tores do zoológico dinamarquês não lhe concederam se-quer a “graça” de uma injeção letal, pois “ela iria envene-nar sua carne”.

A carcaça do animal foi logo em seguida seccionada du-rante uma autopsia pública feita diante de dezenas de visitantes do zoo – muitos deles crianças pequenas – e a maior parte de sua carne foi dada aos leões. “Seria uma tolice jogar no lixo algumas centenas de quilos de boa carne”, disse Bengt Holst, diretor científico do zoo de Copenhague, que também se declarou “muito surpreso diante do clamor que a morte de Marius suscitou”.

Alguns genes indesejáveis

A decisão de se desfazer da girafa foi tomada, dizem os responsáveis pelo zoológico, “em consonância com algu-

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mas normas europeias destinadas a evitar a consanguini-dade no grupo de girafas”. Haveriam no zoo de Copenha-gue demasiadas girafas com a mesma herança genética. “Essa espécie se reproduz muito bem e existe um excesso de animais que não podem ser incluídos na cadeia gené-tica sem causar problemas de consanguinidade”, explica Holst. O diretor diz ainda que o patrimônio genético de Marius já é “bem representado” no interior do zoo.

Marius, portanto, ao chegar à idade adulta, não deveria cruzar com alguma fêmea desse zoo, pois ela teria o seu mesmo patrimônio genético. Mas seria esse motivo sufi-ciente para matá-lo? Marius poderia ser solto na África,

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recuperando a liberdade; poderia ser transferido para um outro zoológico – di-versos outros parques eu-ropeus, entre eles um zoo na vizinha Holanda e o Yorkshire Wildlife Park na Inglaterra, se ofereceram para hospedá-lo; poderia também ser esterilizado. Mas nenhuma dessas hipó-teses foi levada em consi-deração: simplesmente não quiseram que Marius che-gasse à idade adulta. Pre-valeceram apenas as razões econômicas e burocráticas: matar a girafa era a opção mais barata.

Lembrete: na Alemanha nazista o raciocínio que levou à execução fria e calculada de milhões de pessoas nas câmeras de gás não era muito diferente dessa “lógica” que levou à morte a jovem girafa Marius.

Vídeo: O sacrifício de Marius

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DINHEIRO, UM DIABO NECESSÁRIORuim com ele, pior sem ele

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oedas e notas estão desaparecendo de nossos bolsos, subs-tituídos pelos cartões

de crédito e sistemas automáticos de paga-mento. Apesar disso, o dinheiro, de forma abstrata, continuará existindo, com todos os seus méritos e falhas. Afinal, nada podemos fazer sem ele. De fato, se ele desaparecesse do mapa, tudo seria muito pior.

Para começar, todo o comércio também de-sapareceria. Sem moedas nem notas, só nos restaria o escambo. As lojas não teriam mais razão de existir e seria muito mais complica-

MQuem disse que a moeda é a causa de todo mal da humanidade? sem ela, a situação financeira mundial seria muito pior

Por: EquiPE oásis

do trocar os bens de primeira necessidade, como bebidas, alimentos, roupas e remédios, assim como os produtos tidos como supér-fluos, como as máquinas industriais e as pe-ças de carro. Na realidade, a troca é baseada no escambo de produtos com uma coinci-dência de interesses. E, mesmo que ocorra essa coincidência de interesses, fazer as tro-cas não é tão simples assim.

Supondo-se que um agricultor do Nordes-te que produza cachaça desejasse comprar sua garrafa de vinho preferida. Na ausência de lojas, ele terá de ir até o Rio Grande do Sul para localizar o fabricante. Lá chegando, poderá descobrir que não vai conseguir com-prar o seu vinho predileto, pois o produtor não está interessado em trocá-lo por cacha-ça.

Mão-de-obra especializada extinta

A inexistência de dinheiro não causaria ape-nas o colapso do comércio, mas também não se teria mais como remunerar os trabalhado-res. As indústrias fechariam e sairia comple-tamente de circulação a produção de todos os objetos mais complexos, a começar pelo computador, celular e pela tevê. Em razão disso, não haveria mais empregos para os profissionais especializados, porque em tal mundo seria inútil a existência de engenhei-ros eletrônicos e técnicos de som.

Não haveria mais necessidade de existirem bancos. Com isso, as poupanças e aplicações seriam dissipadas. A economia mundial entraria em colapso e, de repente, o mundo descobriria ser demasiadamente pobre para sus-tentar a população mundial, hoje estimada em mais de 6 bilhões de pessoas. Consequentemente, a tensão social aumentaria e seriam inevitáveis as guerras para obter re-cursos para sobreviver. Finalmente, a população mundial seria muito reduzida.

Partindo para o mundo da barganha

Sal e cigarros: Se esse mundo realmente existisse, seria natural para os homens adotar qualquer objeto que fun-cionasse como uma moeda de troca para usá-lo no “co-mércio”, como sal, ouro e até mesmo cigarros, como sem-

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pre ocorreu em tempos de guerra. Em resumo, a moeda – ainda que de outra forma – acabaria sendo reinventa-da. Até porque é impossível se fazer algo sem ela.

Pequenos grupos: A organização social mudaria: a famí-lia teria de se organizar para produzir os insumos essen-ciais à sobrevivência e, eventualmente, agregar-se em pequenas comunidades.

Quantas galinhas por um vestido? Inexistindo as moe-das, somente seria possível fazer o escambo, trocando

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sobretudo os produtos de primeira necessidade, como os alimentos e as roupas. Não haveria necessidade de existir lojas especializadas, que desapareceriam.

Nada de especialização: Muitas profissões e especializa-ções não teriam mais razão de ser. Também desaparece-riam as universidades e a grande maioria das escolas.

Força bruta: A força bruta passaria a ser importante não só para cultivar a terra, mas também para lutar e se de-fender. Presumivelmente, as mulheres teriam um papel de menor importância e de menos autonomia, pois de-penderiam muito mais dos homens.

Todos ao trabalho: As pessoas teriam de trabalhar muito mais para sobreviver. O trabalho infantil seria uma nor-ma, não uma exceção. Teríamos uma qualidade de vida bem pior, assim como a nossa média de vida diminuiria.

Guerra e carestia: Sem o comércio, a economia entraria em colapso e, consequentemente, a produtividade. A po-pulação mundial diminuiria muito e as guerras explodi-riam por todas as partes.

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MEU PAI, O FALSÁRIO JUDEUNas suas mãos, nenhum documento estava a salvo

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triz e escritora, Sarah Ka-minsky nasceu na Argélia em

1979, de pai judeu argentino e mãe tuaregue argelina. Sarah foi para a França aos 3 anos de idade. Apaixonada pela arte desde a in-fância, começou a estudar violoncelo aos 4 anos. Na adolescência descobriu duas outras paixões que ainda vibram em sua vida: o te-atro e a escritura. Ela hoje divide seu tempo entre o trabalho como atriz e como escritora

Asarah Kaminsky conta a extraordinária história de seu pai, adolfo, e suas façanhas durante a segunda guerra mundial; usando sua engenhosidade e talento para falsificar documentos e salvar vidas

VídEo: tEd – idEas worth sPrEadingtradução: rafaEl Eufrasio. rEVisão: ViVianE fErraz Matos

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de contos e romances.

Em 2009, Sarah escreveu um novela ba-seada na história verdadeira de seu pai, Adolfo Kaminsky. Ele foi um falsário ge-nial que empregou seu talento para servir a Resistência Francesa durante a Segunda Guerra mundial. Seu trabalho salvou a vida de milhares de famílias judias, e de muitas outras pessoas em vários países do mundo.

sarah KaMinsKy

Vídeo da palestra de Sarah Kaminsky no TED

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Tradução integral da palestra de Sarah Kaminsky no TED

Eu sou filha de um falsário, não apenas qualquer falsário... Quan-do se ouve a palavra “falsário”, normalmente entende-se “mer-cenário”. Entende-se “notas falsas”, “fotos falsas”. Meu pai não é tal homem. Durante 30 anos, ele falsificou documentos. Nunca para si mesmo, sempre para os outros, e para ajudar os persegui-dos e oprimidos. Permita-me apresentá-lo. Este é meu pai aos 19 anos de idade. Tudo começou durante a Segunda Guerra Mundial quando, aos 17 anos de idade, ele encontrava-se numa fábrica de documentos falsos. Ele rapidamente se tornou o maior expert em documentos falsos da Resistência. E esta não é uma história ba-nal. Depois da liberação, ele continuou a produzir documentos falsos até os anos 70.

Quando eu era criança, não fazia a mínima ideia disso, é claro. Esta sou eu, no meio, fazendo caras. Cresci no subúrbio de Paris e era a mais nova de três filhos. Eu tinha um pai “normal”, como todo mundo, sem falar no fato que ele era 30 anos mais velho que... enfim, ele tinha idade suficiente para ser meu avô. De qual-quer forma, ele era um fotógrafo e um educador, e sempre nos ensinou a obedecer estritamente as leis. E, é claro, ele nunca fala-va sobre sua vida passada, quando ele era um falsário.

Aconteceu, porém, um incidente sobre o qual vou lhes contar ago-ra, que talvez deveria ter-me feito desconfiar de algo. Eu estava no Ensino Médio e tirei uma nota baixa, um evento raro para mim, então eu decidi esconder o fato dos meus pais. Para fazer isso, eu decidi falsificar suas assinaturas. Comecei com a assinatura da minha mãe, porque a do meu pai era absolutamente impossível de falsificar. Então, comecei o trabalho. Peguei algumas folhas de papel e comecei a praticar, praticar, praticar, até conseguir firmar bem a mão, e entrei em ação. Depois, quando estava checando minha mochila, minha mãe pegou meu dever de casa e imedia-tamente viu que a assinatura era falsa. Ela gritou comigo como

nunca havia feito antes. Eu fui me esconder no meu quarto, embaixo das cobertas, e esperei meu pai voltar do trabalho com, pode-se dizer, muita apreensão. Eu o ouvi entrando. Permaneci embaixo das cobertas. Ele entrou no meu quar-to, sentou no canto da cama. Ele estava calado, então eu puxei o cobertor da minha cabeça e quando ele me viu, pôs--se a rir. Ele estava rindo tanto, que não conseguia parar. Ele estava segurando minha tarefa. Então disse, “Mas sério, Sarah, você poderia ter feito um trabalho melhor! Não vê que ela é muito pequena?” De fato, é bem pequena.

Eu nasci na Argélia. Lá eu ouvia as pessoas dizerem que meu pai era um “moudjahid”, que significa “lutador”. Mais tarde, na França, eu adorava escutar as conversas dos adul-tos e ouvia todo tipo de histórias sobre o passado do meu pai, especialmente que ele havia “participado” da Segunda Guerra Mundial, que ele havia “participado” da guerra da

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adolfo KaMinsKy E sua filha sarah

Tradução integral da palestra de Sarah Kaminsky no TED

Argélia. E, na minha cabeça, pensava que “participar” de uma guerra significava ter sido um soldado. Mas, conhecendo meu pai, e como ele falava que era um pacifista e contra violência, eu não conseguia imaginar meu pai de capacete e fuzil. E, de fato, eu es-tava completamente errada.

Um dia meu pai estava preparando a documentação para que obtivéssemos a nacionalidade francesa. Eu vi alguns documentos que chamaram a minha atenção. Estes são os verdadeiros! Estes são meus, eu nasci na Argentina! Mas o documento que vi, e que ajudaria nosso processo com as autoridades, era um documento do exército que agradecia meu pai pelo seu trabalho para o serviço secreto. E, imediatamente, eu me espantei! Meu pai, um agente

secreto?! Era como o James Bond, enfim... Eu queira per-guntar, mas ele nunca dava pistas. E depois eu cheguei a conclusão que um dia teria de questioná-lo. E depois eu tive um filho, e finalmente decidi que era tempo, que ele teria de nos contar. Eu me tornara mãe e ele estava celebrando 77 anos e, de repente, eu estava com muito, muito medo. Eu temia que ele se fosse e levasse consigo o seu silêncio, e levasse consigo seus segredos.Eu consegui convencê-lo que isto era importante para nós, mas possivelmente para ou-tras pessoas também, que ele compartilhasse sua história. Ele decidiu me contar e escrevi um livro, do qual vou ler algumas partes daqui a pouco.

Então, a história dele. Meu pai nasceu na Argentina. Seus pais eram de origem russa. A família inteira veio para a França na década de 30. Seus pais eram judeus, russos e, acima de tudo, muito pobres. De forma que com 14 anos meu pai teve de trabalhar. E com o único diploma que ti-nha, seu certificado de ensino fundamental, ele conseguiu emprego como tintureiro. Foi lá que ele descobriu algo to-talmente mágico, e quando ele fala sobre isso, é fascinante. É a mágica da química da tintura. Enquanto a guerra acon-tecia sua mãe foi morta quando ele tinha 15 anos. Isto coin-cidiu com o tempo em que ele embarcou de corpo e alma na química, pois este era o único consolo para a sua tristeza. Ele perguntava o tempo todo pro seu chefe muitas coisas, para aprender, para acumular mais e mais conhecimento, e, de noite, quando ninguém estava olhando, ele botava em prática sua experiência. Ele se interessava mais por descolo-ração de tintas.

Tudo isso para contar-lhes que meu pai se tornou um falsá-rio, na verdade, quase que por acidente. Sua família era

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Tradução integral da palestra de Sarah Kaminsky no TED

judia, então eles foram perseguidos. Finalmente eles todos foram presos e levados pro campo de Drancy e conseguiram sair no úl-timo minuto por causa dos documentos argentinos. Bem, foram soltos, mas sempre estavam em perigo. Sempre havia o enorme carimbo de “judeu” em seus documentos. Foi meu avô que de-cidiu que eles precisavam de documentos falsos. Meu pai tinha tanto respeito pela lei que muito embora ele estivesse sendo per-seguido, ele nunca pensou em falsificar documentos. Mas foi ele quem se encontrou com um homem da Resistência.

Naquela época, documentos tinham capas duras, eles eram pre-enchidos a mão e constava sua profissão. Para sobreviver, ele precisava trabalhar. Ele pediu ao homem para escrever “tinturei-ro”. De repente, o homem ficou muito, muito interessado. Como assim “tintureiro”, você sabe como apagar tintas? Claro que ele sabia. E logo o homem explicou que de fato a Resistência inteira tinha um problema enorme: mesmo os melhores experts não ti-nham conseguido apagar uma tinta chamada “permanente” a tin-ta da “Mancha d’água” azul. E imediatamente meu pai respondeu que sabia exatamente como apagá-la. Agora, é claro, o homem estava impressionado com aquele jovem de 17 anos que poderia imediatamente dar a fórmula, então o recrutou. E, de fato, sem saber, meu pai inventou algo que podemos encontrar em todo estojo de criança: o “corretivo”. (Aplausos)

Mas isto era apenas o começo. Este é o meu pai. Logo que chegou ao laboratório, embora ele fosse o mais novo, ele imediatamente viu que existia um problema em falsificar documentos. Tudo se limitava a falsificar. Mas a demanda só crescia e era difícil alterar os documentos existentes. Ele então decidiu que era necessário confeccioná-los. Começou a imprimir. Começou a trabalhar com fotografia. Começou a fazer selos. Inventou todo tipo de coisa, com alguns materiais, ele inventou uma centrífuga usando uma

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roda de bicicleta. De qualquer forma, ele teve de fazer isso tudo porque ele era completamente obcecado com o resul-tado. Ele fez um cálculo simples: Ele falsificava 30 docu-mentos em uma hora. Se ele dormisse uma hora, 30 pesso-as morriam.

Este senso de responsabilidade pela vida de outras pessoas, quando ele ainda tinha 17 anos, e também sua culpa por ser um sobrevivente, já que havia escapado do campo quando seus amigos não haviam, ficou consigo sua vida inteira. E talvez isso explique porque, por 30 anos, ele continuou a falsificar documentos a preço de todo tipo de sacrifício. Eu gostaria de falar sobre estes sacrifícios, pois foram muitos. Claro que houve sacrifícios financeiros, pois ele sempre se recusou a ser pago. Para ele, ser pago significava ser um mercenário. Se aceitasse pagamento, ele não seria capaz de dizer “sim” ou “não” dependendo no que ele julgasse ser um caso justo ou não. Ele foi um fotógrafo durante o dia, e um falsário durante a noite, por 30 anos. Ele estava na pior o tempo todo.

E também havia os sacrifícios emocionais: Como alguém podia viver com uma mulher tendo tantos segredos? Como se pode explicar o que se faz no laboratório, todo santo dia? É claro, existia um outro tipo de sacrifício envolvendo sua família, que eu entendi bem mais tarde. Um dia meu pai me apresentou à minha irmã. Ele também explicou que eu ti-nha um irmão e a primeira vez que eu os vi, eu devia ter três ou quatro anos de idade, e eles eram 30 anos mais velhos que eu. Ambos estão com sessenta e poucos anos agora.Para escrever o livro, eu interroguei a minha irmã. Eu que-ria saber quem meu pai era, quem era o pai que ela conhe-cia. Ela me explicou que o pai que ela tinha tido lhes dizia

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Tradução integral da palestra de Sarah Kaminsky no TED

que viria pegá-los no domingo para um passeio. Eles se vestiam e esperavam por ele, mas ele quase nunca vinha. Ele dizia, “Liga-rei.” Nunca ligava. E depois ele não vinha. Então um dia ele desa-pareceu completamente. O tempo passou e eles achavam que ele os havia esquecido, inicialmente. Depois o tempo passou e ao fim de dois anos, eles imaginaram,”Bem, talvez nosso pai falecera.” E depois eu entendi que fazer tantas perguntas ao meu pai estava mexendo num passado sobre o qual ele não queria falar, pois era doloroso. E enquanto meu meio-irmão e minha meio-irmã acha-vam que tinham sido abandonados, ficado órfãos, meu pai estava fazendo documentos falsos. E se ele não lhes contou, claro que foi para protegê-los.

Depois da liberação ele falsificou documentos para permitir aos sobreviventes dos campos de concentração emigrar para a Palesti-na antes da criação de Israel. E como era um anticolonialista con-victo, ele falsificou documentos para argelinos durante a Guerra Argelina. Depois da Guerra Argelina, no coração dos movimentos internacionais de resistência, o nome dele circulou e o mundo inteiro veio bater na porta dele. Na África, havia países lutando por independência: Guiné, Guiné-Bissau, Angola. E então meu pai ligou-se ao partido de Nelson Mandela contra o apartheid. Ele falsificou documentos para negros sul-africanos perseguidos.Também havia a América Latina. Meu pai ajudou aqueles que resistiam a ditaduras na República Dominicana, Haiti, e depois foi a vez do Brasil, Argentina, Venezuela, El Salvador, Nicarágua, Colômbia, Peru, Uruguai, Chile e México. Depois veio a Guerra do Vietnã. Meu pai falsificou documentos para os desertores ameri-canos que não queriam lutar contra os vietnamitas. A Europa não ficou de fora, não. Meu pai falsificou documentos para os dissi-dentes contra Franco na Espanha, Salazar em Portugal, contra a ditadura dos coronéis na Grécia e mesmo na França. Lá, aconte-ceu, apenas uma vez, em maio de 1968. Meu pai assistiu, benevo-

lentemente, é claro, às demonstrações do mês de maio,mas seu coração estava em outro lugar, tal como o seu tempo, pois ele tinha mais de 15 países para servir.

Uma vez, porém, ele concordou em falsificar para alguém que vocês reconheceriam. (Risos) Ele era muito mais jo-vem naquela época e meu pai concordou em falsificar para permiti-lo voltar e discursar em um encontro. Ele me con-tou que aqueles documentos eram os mais relevantes para a mídia e o menos útil que ele fez a vida inteira. Mas ele o aceitou fazer, embora a vida de Daniel Cohn-Bendit não es-tivesse em perigo, só porque era uma boa oportunidade de tirar sarro das autoridades e que não há nada mais poroso que fronteiras e que ideias não têm fronteiras.

Toda a minha infância, enquanto os pais dos meus amigos lhes contavam contos de fadas,meu pai contava histórias de heróis discretos com utopias inabaláveis, que fizeram mi-lagres. E aqueles heróis não precisaram de um exército por trás deles. De qualquer forma, ninguém os teriam seguido, exceto um punhado de homens e mulheres de convicção e coragem. Mais tarde eu entendi que na verdade era a sua própria história que meu pai me contava para que eu dor-misse. Eu o perguntei se, considerando os sacrifícios que ele teve de fazer, ele tinha algum arrependimento. Ele disse “Não!” Ele me contou que seria incapaz de testemunhar ou submeter-se à injustiça sem fazer nada. Ele foi persuadido, ele ainda está convencido que um outro mundo é possível. Um mundo em que ninguém jamais necessitará de um fal-sário. Ele ainda sonha com isso. Meu pai está aqui na sala hoje. Seu nome é Adolfo Kaminsky e eu quero pedir que ele se levante. (Aplausos) Obrigada.

25/25OÁSIS . vídEo