Objeções à Hipótese da Linguagem do Pensamento : O Experimento de Chalmers

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Objeções à Hipótese da Linguagem do Pensamento : O Experimento de Chalmers Vinícius Moraes de Mattos Graduando em Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ viní[email protected] RESUMO A linguagem do pensamento proposta por Jerry Fodor é uma hipótese que postula a existência de uma linguagem inata baseada em um sistema de representações simbólicas que realiza os  processos cognitivos. Segundo Fodor, o pensamento consiste em uma relação entre atitudes  proposicionais e representações dotadas de estruturas sintático-semânticas causalmente sensíveis às propriedades formais do sistema. Esta tese está intimamente relacionada à tradicional Teoria Representacional da Mente e consiste em uma abordagem naturalista compatível com os últimos resultados das ciências cognitivas. Comparativamente às diversas objeções de caráter local, o Conexionismo se destaca como a crítica mais poderosa à Hipótese da Linguagem do Pensamento. Os modelos conexionistas propõem um novo paradigma para a compreensão de como a informação é representada no cérebro, na medida em que rejeitam a concepção clássica e sugerem um processamento através de redes neurais. Como resposta à ofensiva, Fodor & Pylyshyn apresentaram um argumento que pôs os advers ários diante de um dilema: ou a proposta conexionista fracassa em tentar explicar a produtividade, sistematicidade e coerência do pensamento ao recusar a linguagem do pensamento, ou se reduz à uma mera implementação dela. Chalmers nega a premissa de Fodor de que modelos conexionistas não  podem ter uma estrutura composicional alternativa à clássica e realiza um experimento com representações distribuídas recursivas, utilizando o modelo RAAM desenvolvido por Pollack. PALAVRAS CHAVE: Filosofia da Mente, Conexionismo, Redes Neurais Artificiais

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Chalmers nega a premissa de Fodor de que modelos conexionistas nãopodem ter uma estrutura composicional alternativa à clássica e realiza um experimento comrepresentações distribuídas recursivas, utilizando o modelo RAAM desenvolvido por Pollack.

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Objeções à Hipótese da Linguagem doPensamento : O Experimento de Chalmers

Vinícius Moraes de Mattos

Graduando em Filosofia do

Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ

viní[email protected]

RESUMO

A linguagem do pensamento proposta por Jerry Fodor é uma hipótese que postula a existência

de uma linguagem inata baseada em um sistema de representações simbólicas que realiza os

processos cognitivos. Segundo Fodor, o pensamento consiste em uma relação entre atitudes

proposicionais e representações dotadas de estruturas sintático-semânticas causalmente

sensíveis às propriedades formais do sistema. Esta tese está intimamente relacionada à

tradicional Teoria Representacional da Mente e consiste em uma abordagem naturalista

compatível com os últimos resultados das ciências cognitivas. Comparativamente às diversas

objeções de caráter local, o Conexionismo se destaca como a crítica mais poderosa à Hipótese

da Linguagem do Pensamento. Os modelos conexionistas propõem um novo paradigma para a

compreensão de como a informação é representada no cérebro, na medida em que rejeitam a

concepção clássica e sugerem um processamento através de redes neurais. Como resposta à

ofensiva, Fodor & Pylyshyn apresentaram um argumento que pôs os adversários diante de um

dilema: ou a proposta conexionista fracassa em tentar explicar a produtividade, sistematicidade

e coerência do pensamento ao recusar a linguagem do pensamento, ou se reduz à uma mera

implementação dela. Chalmers nega a premissa de Fodor de que modelos conexionistas não

podem ter uma estrutura composicional alternativa à clássica e realiza um experimento comrepresentações distribuídas recursivas, utilizando o modelo RAAM desenvolvido por Pollack.

PALAVRAS CHAVE: Filosofia da Mente, Conexionismo, Redes Neurais Artificiais

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A Teoria Representacional da Mente (RTM)1 tem longa tradição na história da

filosofia. Seus fundamentos podem ser encontrados em uma forma embrionária na

investigação de Aristóteles acerca da natureza do pensamento.2 Em Aristóteles o

intelecto é abordado através de uma análise hilemórfica que se dá em termos da

recepção das formas dos objetos. Esta concepção da relação entre o intelecto e ointeligível implica em uma apreensão das propriedades estruturais do objeto por parte

do sujeito. Portanto, se o intelecto apreende um objeto ao receber e espelhar sua forma

inteligível, o pensamento possui um conteúdo representacional.

Empiristas britânicos como Locke e Hume chamavam esse conteúdo

representacional de ideias, imagens mentais que se relacionam através de alguns

princípios de associação. Na visão desses filósofos essas ideias são matéria de

operações mentais como combinação e abstração, que dão origem a outras ideias,

formando uma estrutura cognitiva na qual ideias complexas são formadas a partir de

ideias mais simples.

Apesar da inegável influência da doutrina empirista britânica, as versões

modernas da Teoria Representacional da Mente não assumem que os componentes do

pensamento sejam imagens mentais. Em vez disso, o tratamento clássico

contemporâneo considera que o sistema interno de representações possui uma sintaxe

semelhante a uma linguagem discursiva e uma semântica composicional. Nesta

perspectiva, a maioria das representações mentais são signos dotados de significado.

3

Atitudes proposicionais como crenças e desejos são símbolos presentes nos processos

cognitivos e desempenham um papel central nas operações entre representações. Por

exemplo, se Juliana acredita que Marcos é filho de Paulo e também acredita que Paulo é

filho de João, juntas, essas atitudes proposicionais podem fazer com que Juliana

acredite que Marcos é neto de João. Essas atitudes são constituídas por representações

sobre Juliana, Marcos, Paulo, João e representações a respeito das relações diádicas

1 A Teoria Representacional da Mente, conhecida como Representational Theory of Mind na literaturaanglo-americana, é comumente abreviada por RTM. Doravante utilizarei essa sigla nos casos em que forconveniente. O mesmo se aplicará a outros termos significativos que virão adiante.2 Aristóteles – De Anima3 Isto não significa que não há mais lugar para a noção de imagens mentais nas teorias cognitivasmodernas. Uma série de experimentos psicológicos da década de 70 mostrou que o tempo de resposta dossujeitos em tarefas de manipulação mental de imagens variava proporcionalmente às dimensões espaciaisdas figuras apresentadas, sugerindo que há algum tipo relevante de representação figurativa que conservaas propriedades espaciais do objeto percebido. ver Kosslyn (1980)

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“x é filho de y” e “x é neto de y”, de modo que o conteúdo desta estrutura de

representações é determinado pelos conteúdos das representações constituintes. Como

tais representações são sobre algo, dizemos que elas possuem intencionalidade.

A estrutura das crenças de Juliana apresentadas acima pode ser vista como um

processo mental no qual as atitudes proposicionais sobre Marcos, Paulo e João

caracterizam uma inferência ou um raciocínio. Sob a ótica da RTM, processos

cognitivos como o raciocínio e a dedução são sequências de estados mentais

intensionais, ou seja, deduzir uma proposição q das proposições  p e ‘se p então q’

significa conceber uma sequência de representações da forma < p, se p então q, q>.

Uma concepção comum na filosofia da mente contemporânea é a de que a mente

pode ser naturalizada – i.é, todos os fatos mentais podem ser explicados sob a luz das

ciências naturais. De certo modo existe um comprometimento geral com a ideia de que

estados e processos cognitivos devem ser explicados em termos de representações

mentais e esta perspectiva, de um modo geral, é a adotada pela comunidade científica e

está de acordo com as descobertas recentes das ciências cognitivas. Os adeptos

argumentam que representações mentais estruturadas cumprem um papel essencial na

explicação de fenômenos como a sistematicidade e produtividade do pensamento.

Quando a Teoria Representacional da Mente é combinada com a visão de que a

mente funciona de modo análogo à um computador e que processos cognitivos são

relações computacionais entre representações mentais, temos a Teoria Computacionalda Mente (CTM)4. Mas a analogia da mente com um computador não deve ser

entendida como a metáfora ingênua de que a mente é o mesmo que um computador. O

que ela significa realmente é que os mesmos princípios encontrados na computação

digital são aqueles encontrados na realização física dos processos cognitivos no cérebro.

Ademais, o termo “computador” não se refere ao computador que estamos acostumados

a utilizar diariamente, mas sim a um manipulador de símbolos que segue instruções

sequencialmente para realizar funções que computam dados de entrada (input) e

imprimem dados de saída (output). Esta noção de computador é a mesma descrita por

Alan Turing quando concebeu as Turing Machines, dispositivos teóricos que

manipulam símbolos em uma fita unidimensional de acordo com regras específicas.

 4

Computational Theory of Mind.

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As ciências cognitivas estão comprometidas com a ideia de que processos

mentais são computações, que computações são sequências de objetos semânticos

baseadas em regras e que tais regras se aplicam aos símbolos em virtude de seus

conteúdos. Mas isso é justamente a definição do que é a Teoria Computacional da

Mente. Portanto, ao afirmar que a RTM é a teoria mais aceita nas ciências cognitivas, oque se quer dizer realmente é que a CTM é a teoria mais aceita, pois CTM é nada mais

que uma versão, um desenvolvimento moderno da Teoria Representacional da Mente.

É neste contexto que foi introduzida a Hipótese da Linguagem do Pensamento

(LOTH)5, por Jerry Fodor no livro The Language of Thought  (Fodor, 1975). Como

vimos acima, em RTM a realidade mental é concebida como um sistema interno de

representações que possui uma sintaxe semelhante a uma linguagem e uma semântica

composicional. De acordo com essa visão, a maior parte do pensamento é fundado em

representações semelhantes a palavras, pois são símbolos dotados de significado. Logo,

a hipótese da existência de uma Linguagem do Pensamento (LOT)6 é implicada pela

simples admissão das teses da CTM7. Entretanto, tal implicação ocorre somente se a

noção de computação envolvida for entendida no modo clássico.

Os classicistas (p.ex., Turing 1950, Fodor 1975, Newell & Simon 1976)

defendem que representações mentais são estruturas simbólicas formadas por

constituintes avaliáveis semanticamente, que processos mentais são manipulações

simbólicas baseadas em regras e que tais processos são sensíveis às formas estruturaisdos símbolos que fazem parte da estrutura. Em parte, eles são motivados pelas

propriedades que o pensamento parece compartilhar com as línguas naturais. A hipótese

da linguagem do pensamento fornece uma versão sofisticada das concepções da

psicologia do senso comum a respeito do modo como pensamos. De acordo com a

LOTH, a potencial infinidade de estados mentais representacionais complexos é gerada

a partir de um estoque finito de estados representacionais, de acordo com regras de

formação recursivas. Como observou Pinker, “o truque que multiplica os pensamentos

humanos até números verdadeiramente astronômicos não é a distinção de conceitos em

três ou quatro funções, mas um tipo de fecundidade mental chamada recursão”.8

 5 Language of Thought Hypothesis ; abreviação comumente utilizada na literatura sobre o assunto.

6 Language of Thought .

7 Acredito que a admissão apenas das teses da RTM não produziria este resultado, pois a noção decomputação desempenha um papel essencial, de modo que dificilmente se poderia descrever ofuncionamento de tal linguagem sem os recursos teóricos fornecidos pela CTM.8 Pinker (1997) p.124

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A estrutura combinatória envolvida nas teses de LOTH explica as propriedades

de produtividade e sistematicidade do sistema de representações mentais. Como no caso

de linguagens simbólicas, incluindo línguas naturais, essas propriedades do pensamento

são explicadas pelo apelo ao conteúdo das unidades representacionais e sua

combinabilidade em complexos. Isto é, a semântica da linguagem e do pensamento écomposicional: o conteúdo de uma representação complexa é determinado pelos

conteúdos das partes constituintes e suas configurações estruturais.

As relações causais entre representações são outro aspecto essencial da LOTH,

que significam a existência de uma sensitividade estrutural no sistema de

representações, de modo que as operações feitas sobre as representações simbólicas são

causalmente sensíveis à estrutura sintática/formal das representações definidas pela

sintaxe combinatória.

Estas propriedades são essenciais na medida em que definem o que é um modelo

cognitivo clássico. Pelo menos na visão de Fodor e Pylyshyn (1988). Como será

mostrado adiante, uma noção alternativa de computação possibilita o surgimento do

conexionismo e as condições de satisfação dessas propriedades serão matéria de

acirrada disputa entre adeptos de modelos não-clássicos e proponentes classicistas da

LOTH. Na verdade, o erro de Fodor e Pylyshyn (e de outros defensores da LOTH) foi

insistirem na suposição de que modelos clássicos são a única opção possível. O mérito

de Smolensky (1988), Pollack (1990) e Chalmers (1990, 1993) foi terem mostrado quenão era impossível encontrar um modelo não-clássico que possuísse todas as

propriedades necessárias para satisfazer as condições mínimas de um modelo adequado

da mente.

A arquitetura conexionista busca fornecer um novo paradigma para a

compreensão de como a informação poderia ser representada no cérebro. Como a ideia

de informação está essencialmente envolvida na proposta, o conexionismo é um

movimento dentro da Teoria Computacional da Mente, mas oposto à arquitetura

clássica. Os conexionistas afirmam que as representações mentais são realizadas através

de padrões de ativação em uma rede de processadores simples, e que os processos

mentais consistem na ativação disseminada por tais padrões. Assim, a informação é

armazenada não-simbolicamente nos pesos, ou forças de conexão, entre as unidades de

uma rede neural. Nos modelos clássicos, a situação é diferente: a informação é

armazenada simbolicamente em átomos do sistema de representações, como unidades

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semânticas (palavras) de uma linguagem. Apesar de haver conexionistas que propõem

uma representação local das informações (p.ex., Ballard 1986, Ballard & Hayes 1984),

esta concepção viola algumas ideias fundamentais do conexionismo, não sendo

considerada representativa pela maioria dos adeptos. Portanto, o modo de representação

característico do conexionismo não é local, mas distribuído. As representaçõesdistribuídas são sub-simbólicas, no sentido de que uma análise dos padrões de ativação

revela que componentes atômicos do nível simbólico não estão presentes. Se modelar-

mos a atividade de cada neurônio com um número, então a atividade de todo o cérebro

pode ser dada como um vetor gigante de números, um para cada neurônio. Então o

cérebro se assemelha a um processador de vetores e o problema da psicologia é

transformado em questões sobre quais operações vetoriais são apropriadas para cada

aspecto da cognição humana.

A primeira reação de Fodor foi afirmar que o conexionismo deveria ser rejeitado

pois não passava de um retorno ao Associativismo de empiritas britânicos como Locke,

e Hume. Ironicamente, a resposta de Fodor se trata da falácia conhecida como Culpa por

Associação, um tipo de  Ad Hominem. É verdade que o associativismo era uma teoria

insatisfatória para uma explicação adequada dos fenômenos mentais – era muito vaga –

mas os modelos de redes neurais possibilitaram o aperfeiçoamento e o teste empírico da

teoria através da simulação em computadores digitais, com excelentes resultados

práticos.

A controvérsia entre classicistas e conexionistas versa sobre inúmeros tópicos

sobre a cognição humana, como por exemplo, questões relacionadas a adequação dos

modelos à realidade neurobiológica, individuação de representações mentais,

degradação de funções, avaliação de contextos, flexibilidade e eficiência cognitiva,

percepção, representação de imagens, generalização espontânea, aprendizado, repre-

sentação holística de dados, etc. O tópico que nos interessa analisar neste artigo, diz

respeito à questão da sistematicidade e coerência inferencial do pensamento.

Fodor e Pylyshyn9 (1988) identificaram uma característica essencial do

pensamento que supostamente não poderia ser realizada por modelos conexionistas: a

sistematicidade. Essa propriedade se refere ao fato de que a habilidade de produzir,

entender, pensar em algumas sentenças está intrinsecamente conectada com a habilidade

de produzir, entender, pensar em outras sentenças de estrutura semelhante. Por exemplo,

9Doravante, F&P.

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qualquer falante competente do português que compreende a sentença “João ama

Maria” é também capaz de compreender a sentença “Maria ama João”, devido à

capacidade sistemática de permutação e substituição dos argumentos de uma relação.

Do ponto de vista clássico, essa habilidade é explicada pela assunção de que um falante

competente da linguagem representa mentalmente os constituintes “João”, “ama”,“Maria” da sentença “João ama Maria” e computa seu significado a partir dos

significados das partes constituintes. Assim, a compreensão de uma sentença que possui

a mesma forma, como “Maria ama João, se deve ao fato de que a interpretação desta

sentença é uma instância do mesmo processamento simbólico. A outra propriedade

relevante é a coerência inferencial, que se refere à habilidade de concluir  p de ( p q) e

também concluir q de p (q r ), onde p, q, r são proposições de uma linguagem.

O que F&P argumentam é que essas propriedades são intrínsecas aos modelos

clássicos, sendo impossível os modelos conexionistas satisfazem essas propriedades de

modo independente, e se porventura conseguirem satisfazê-las, então os modelos

conexionistas se reduzem uma implementação da arquitetura clássica. Este é o dilema

posto por Fodor e Pylyshyn.

Esse efeito foi obtido devido à estratégia de estabelecer uma relação de

equivalência entre uma das teses da definição de LOTH e o próprio conceito de

arquitetura clássica.

A Hipótese da Linguagem do Pensamento se estabelece a partir da conjunção detrês elementos: (A) Teoria Representacional da Mente, (B) uma descrição específica

relativa a um sistema representacional, (C) um materialismo funcionalista. A descrição

referida no elemento (B) é qualquer descrição que satisfaça as seguintes propriedades:

P. As representações mentais pertencem a um sistema simbólico tal que possui:

1. Estrutura composicional

As representações do sistema possuem sintaxe e semântica combinatória,de modo que representações estruturalmente complexas são construídas apartir de constituintes estruturalmente mais simples e o conteúdosemântico de uma estrutura complexa é uma função dos conteúdossemânticos dos componentes mais simples.

2. Sensibilidade estrutural

As operações sobre representações são causalmente sensíveis à estruturasintática das representações definidas pela sintaxe combinatória.

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A descrição P é tomada como a própria definição de uma estrutura clássica,

assim, na visão de F&P, essa descrição define o sentido no qual sistemas cognitivos

clássicos sistemas de manipulação simbólica, então qualquer modelo que satisfaça essas

condições é um modelo clássico. De fato, LOTH é uma hipótese empírica de que há um

sistema de representações mentais realizado fisicamente no cérebro e que P é verdadeira

nesse sistema. O argumento de F&P é como se segue.

A cognição essencialmente envolve estados representacionais e qualquer

doutrina científica adequada deve reconhecer a existência de tais representações.

Concebida desta forma, a cognição superior, isto é, o pensamento e raciocínio por meio

de atitudes proposicionais, apresenta propriedades nomologicamente necessárias como a

sistematicidade, produtividade e coerência inferencial. Sendo assim, qualquer modelo

cognitivo proposto é cientificamente adequado somente se garante essas capacidades

cognitivas e exige-se desses modelos uma explicação de como essas propriedades são

obtidas pelas leis físicas. A única forma de uma arquitetura cognitiva garantir essas

propriedades é a satisfação da descrição P (as arquiteturas clássicas necessariamente

satisfazem P). Ora, mas ou a arquitetura conexionista satisfaz P, ou não satisfaz P.

Se satisfaz, então os modelos conexionistas são meras implementações da

arquitetura LOT clássica, de modo que falham em se apresentar como uma verdadeira

alternativa aos modelos clássicos como inicialmente propunham e não oferecem nadaradicalmente novo.

Se não satifaz, então o conexionismo não é capaz de garantir a sistematicidade,

produtivide e coerência do pensamento, de modo que deve-se concluir que o

conexionismo é empiricamente falso enquanto teoria de uma arquitetura cognitiva.

Logo, ou o conexionismo é empiricamente falso, ou se reduz a uma mera

implementação da LOTH.

A reação ao argumento de F&P foi variada. Alguns conexionistas desprezaram oargumento, negando a premissa de que representações mentais são essenciais à

cognição10, outros aceitaram a conclusão do argumento, os chamados

implementacionistas.

10Eliminativistas como Churchland(1986).

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Conexionistas como Smolensky (1990), Chalmers (1990, 1993), Pollack (1990)

e outros, negaram o monopólio da arquitetura clássica sobre a descrição P e buscaram

modelos não-clássicos que satisfizessem as condições necessárias para garantir a

sistematicidade, produtividade e coerência do pensamento. O desenvolvimento de uma

arquitetura não-clássica que satisfaz P é possível se for planejado um sistemarepresentacional que depende de uma relização não-concatenativa da complexidade

estrutural das representações. Deste modo pode-se satisfazer P, isto é, construir uma

estrutura composicional causalmente sensível aos processos sobre as propriedades

formais dos elementos constituintes, sem se reduzir à arquitetura LOT.

A necessidade da concatenação na realização das estruturas para corresponder à

arquitetura clássica foi confirmada por Fodor e McLaughlin (1990) e definiram a noção

de concatenação como a situação em que “dados um par de tipos de expressões E1, E2,

o primeiro é um constituinte clássico do segundo somente se o primeiro é instanciado

sempre que o segundo é instanciado”. Assim, uma estrutura concatenativa está

comprometida com uma representação explícita dos componentes sempre que a estru-

tura complexa for representada.

Parece que Fodor e McLaughlin deram um tiro no próprio pé ao aceitarem a

alegação dos conexionistas de que pode ser elaborada uma realização não-concatenativa

que não se reduza à arquitetura clássica, pois essa possibilidade abre caminho para a

elaboração de modelos conexionistas não-implementacionistas, destruindo, então, oargumento mais forte de Fodor e Pylyshyn contra o conexionismo. Mas a tranquilidade

de Fodor se explica pelo fato de que ele aceita a possibilidade, mas nega que possa

existir um modelo não-concatenativo que realmente que satisfaça P. A razão disto é que

a sensibilidade estrutural causal (a condição P.2) apenas pode ser satisfeita através de

uma realização concatenativa, pois se as representações distribuídas não possuem uma

estrutura formal identificável explicitamente, não poderia haver qualquer sensibilidade

estrutural. Ou seja, Fodor afirma que a concatenação é necessária para satisfazer P.2,

logo, modelos não-concatenativos não poderiam satisfazer P.

Nos parágrafos seguintes argumentarei que o experimento de Chalmers com

representações distribuídas recusivas nos modelos RAAM refuta a ideia de que modelos

não-concatenativos não podem possuir sensibilidade estrutural.

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Chalmers conduziu um experimento que mostra de um modo compacto como

modelos conexionistas poderiam ser capazes de lidar com transformações sintáticas ao

operar holisticamente em representações conexionistas complexas. Ele observou que as

únicas operações disponíveis para uma representação composicional clássica são as

operações de extração e composição. Mais especificamente, para fazer qualquer coisacom tal representação - i.é, para explorar a informação contida na representação – é

necessário passar por um processo de extração dos elementos constituintes originais.

Por outro lado, em modelos conexionistas essa restrição não existe, pois a arquitetura

conexionista oferece a oportunidade de operar em representações composicionais

holisticamente, sem precisar passar pelo processo de extração.

A razão pela qual os modelos conexionistas possuem essa habilidade é o fato de

que as representações conexionistas são muito mais ricas do que as representações

simbólicas da arquitetura clássica. Tudo o que há em uma representação simbólica é a

sua estrutura composicional, além disso há somente componentes primitivos, atômicos.

A representação conexionista pode conter uma estrutura composicional, mas ela não

esgota as propriedades da representação. A microestrutura distribuída, complexa, das

representações contém muito mais informações e quando uma representação

conexionista é operada holisticamente, é a sua microestrutura que está sendo explorada.

A existência de tal microestrutura se deve à natureza sub-simbólica das representações

distribuídas. Quando Fodor e Pylyshyn (1988, p. 15-28) tentaram refutar a proposta

conexionista afirmando que seus modelos não seriam capazes nem de construir uma

estrutura composicional, eles na verdade estavam atacando um espantalho11: eles

apresentam uma rede conexionista localista (isto é, uma rede com cada nó

representando um conceito). F&P mostram que essa rede não é capaz de conter uma

estrutura composicional e do argumento concluem que é impossível um modelo

conexionista possuir uma estrutura composicional – e isto se aplica tanto a

representações locais quanto a representações distribuídas. O problema deste argumento

é que representações localistas não são reconhecidas como verdadeiramente

conexionistas – elas são uma forma de representação simbólica, logo, são

implementações da arquitetura clássica. Então F&P atiraram no alvo errado.

 11

A Falácia do Espantalho (do inglês Strawman Fallacy) ocorre quando aquele que argumenta tenta

refutar a posição do oponente, mas em vez disso, ataca uma posição que não era exatamente aquela

defendida pelo seu oponente. Em geral, consiste em atacar uma versão diferente, distorcida ou

enfraquecida da posição original.

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As operações holísticas referidas acima servem para modelar processos

estruturalmente sensíveis. Se o experimento for bem sucedido, terá sido fornecido um

modelo não-clássico que possui estrutura composicional (satisfaz P.1) e, por operar

holisticamente, é causalmente sensível às propriedades estruturais das representações

componentes (satisfaz P.2), sendo, portanto, uma saída para o dilema de Fodor.

As operações se encontram no interior do contexto da Memória Recursiva Auto-

Associativa (RAAM)12 um modelo conexionista de estrutura composicional planejado

por Pollack (1990). Essa arquitetura é apropriada para um conjunto de redes que podem

codificar recursivamente estruturas em árvore com uma valência fixa em uma

profundidade quase arbitrária.

Figura 1. A base da arquitetura RAAM

Fonte: Chalmers, 1990. p. 3.

A base da estrutura é mostrada na figura 1. Esta é uma rede  feed-foward , com

3N unidades nas camadas de entrada e saída e N unidades na camada oculta, onde N é

um inteiro positivo. Então Chalmers codificou 125 sentenças em inglês na forma ativa

que são permutações sobre 5 nomes próprios e 5 verbos transitivos, e suas formas

passivas, totalizando 250 sentenças. A seguir, para modelar o processo de transformação

sintática, foi feito o treinamento de uma rede neural transformacional  feed-foward de

12Recursive Auto-Associative Memory, no original.

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três camadas para associar 70 sentenças da forma ativa com suas formas

passivas,operando diretamente sobre as representações comprimidas na primeira fase do

experimento. (ver figura 2).

 

Figura 2. Rede de Transformação

Então, quando ele forneceu as 55 sentenças ativas restantes à rede, uma de cada

vez, a rede produziu suas formas passivas. Desde que elas estavam em uma forma

comprimida como as sentenças ativas usadas como entrada, ele então introduziu as

saídas na rede de decomposição. Todas foram corretamente decompostas de volta em

seus constituintes na ordem correta. O sucesso da generalização da rede foi de 100%.

Ele experimentou também inserir primeiro as sentenças passivas comprimidas na rede

de transformação para receber suas formas ativas. Os resultados foram igualmente

positivos. Chalmers afirma, com razão, que esses resultados refutam empiricamente os

argumentos dados por Fodor, Pylyshyn e Mclaughlin.

Há muitos aspectos do processamento holístico que funcionam muito bem no

experimento de Chalmers. Talvez o mais importante seja a impressionante taxa de

sucesso na generalização da rede neural. Neste ponto, é necessário explicar a situação

que na qual nos encontramos.

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Nós temos um monte de vetores comprimidos que são as representações

distribuídas. Essas representações são não-concatenativamente complexas. Elas

possuem estrutura sintática em um sentido preciso. A rede de transformação é treinada

para processá-las de um modo que é determinado por um sistema formal interpretado.

Quando o treinamento é concluído, a rede adquire a capacidade de transformarrepresentações similarmente estruturadas de modo adequado. O sucesso da

generalização deixa claro que processamento estruturalmente sensível é obtido de

maneira não acidental para todas as estruturas de representações distribuídas complexas.

Podemos ver claramente que a rede aprende a detectar a forma das representações

complexas introduzidas e a processá-las de acordo com a forma que possuem. O que é

isto senão sensibilidade estrutural em estruturas composicionais de representações

distribuídas? Isso significa que representações complexas não-concatenativas podem

satisfazer P.2, logo, é possivel modelar estruturas não-clássicas que garantem asistematicidade, produtividade e coerência do pensamento.

Fodor e McLaughlin argumentaram contra representações composicionais

conexionistas afirmando que para suportar processamento estruturalmente sensível, as

representações dotadas de estrutura composicional devem conter instâncias explícitas

das partes constituintes originais. Quer dizer, se uma representação de “João ama

Maria” não é uma concatenação dos signos “João”, “ama” e “Maria”, eles sustentam,

então o processamento subsequente não pode ser causalmente sensível à estrutura

composicional que é representada. Os resultados do experimento de Chalmers mostram

que essa conclusão é falsa, pois nas representações distribuídas formadas pela RAAM

não há nenhuma instanciação explícita das palavras originais.

Com o experimento de Chalmers foi demonstrada a possibilidade de tais

operações holísticas que apresentam sensibilidade estrutural, mas esse não é ainda todo

o potencial desses modelos. A informação armazenada nos padrões de ativação entre

unidades neurais pode ser usada não apenas para operações de extração e composição,

mas também para outras operações semânticas significativas. Esses resultados sugeremque modelos conexionistas baseados em representações holísticas tem um futuro

promissor no processamento de linguagem natural e provam que, ao contrário do que

Fodor, Pylyshyn e McLaughlin haviam suposto, o conexionismo pode ser independente

das arquiteturas simbólicas tradicionais e é capaz de oferecer novas e importantes ideias

para as ciências cognitivas.

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