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    OBJETOS CONECTADOS, HUMANOS DESEMPREGADOS

    Da utopia digital ao choque ocial

    A corrida tecnolgica, 45 anos aps os primeiros passos do homem na Lua, adota uma viasingular: em janeiro, um refrigerador conectado internet enviava rajadas de spams... Para alm

    de seu folclore, a digitalia!"o da vida cotidiana d# origem a um modelo econ$mico %ue contrasta

    com as promessas do &ale de 'il(cio

    por Evgeny Morozov

    )o *+anheiro conectado, a escova de dentes interativa lan!ada pela -ral/ ocupa lugar

    de desta%ue: ela interage 0 sem fio 0 com nosso celular en%uanto, na tela, uma

    aplica!"o acompanha segundo a segundo a realia!"o da escova!"o e indica os

    recantos de nossa cavidade +ucal %ue mereceriam mais aten!"o. Alm disso, como

    e1i+e orgulhosamente seu site,!essa escova conectada *converteu as atividades de

    escova!"o em um conjunto de dados %ue voc2 pode e1i+ir so+ a forma de gr#ficos ou

    partilhar com profissionais do setor. - %ue vir# como conse%u2ncia desses dados ainda

    gera de+ate: vamos conservar seu uso e1clusivo3 les ser"o captados por dentistas ou

    vendidos a companhias de seguro3 'er# %ue v"o se juntar ao flu1o das informa!es j#

    armaenadas pelo 6ace+oo7 e pelo 8oogle3

    A s9+ita tomada de consci2ncia de %ue os dados pessoais gravados pelo mais +anal dos

    aparelhos domsticos 0 da escova de dentes s privadas *inteligentes, passando pelo

    refrigerador 0 podiam se transformar em ouro despertou certa reprova!"o em rela!"o

    lgica promovida pelos mastodontes do &ale do 'il(cio.

    ssas empresas coletam em grande escala os tra!os dei1ados pelos internautas nos

    sites %ue fre%uentam, utiliamnos por sua prpria conta e revendem aos anunciantes de

    outras empresas. las armaenam assim +ilhes de dlares, en%uanto os usu#rios

    acessam alguns servi!os gratuitos. essa constata!"o, emerge uma resposta +iarra:

    contestemos esse monoplio e vamos su+stitu(lo por uma multid"o de pe%uenos

    empreendedores. ;ada um de ns poderia constituir seu prprio portflio de dados e+eneficiarse de seu comrcio, vendendo, por e1emplo, seus dados de escova!"o para

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    um fa+ricante de pasta de dentes, seu genoma para um la+oratrio farmac2utico ou

    revelando sua geolocalia!"o em troca de um desconto no restaurante da es%uina.

    &oes influentes, como as do ensa(sta e empres#rio as

    seria antes de tudo muito 9til perguntarse por %ue se aceita como uma evid2ncia a

    mercantilia!"o da informa!"o. A resposta tem a ver com o papel %ue a fase histrica

    atual atri+ui tecnologia: o do deus ex machinacriador de empregos. la precisaestimular a economia e resolver os dficits or!ament#rios engendrados pela evas"o

    fiscal dos ricos e das transnacionais. )esse conte1to, n"o considerar a informa!"o uma

    mercadoria significaria para os l(deres pol(ticos furar sua prpria +oia salvavidas.

    De $olta ao %culo &'&

    >esmo os o+servadores mais perspicaes da crise financeira su+estimam o peso dessa

    f na onipot2ncia da tecnologia. - socilogo alem"o Bolfgang 'treec7(e1plica %ue, no

    in(cio dos anos DEFG, %uando surgiram os primeiros sinais da ru(na do modelo socialnascido dos compromissos do psguerra, os dirigentes ocidentais ela+oraram tr2s

    estratgias para ganhar tempo e manter o statu quo: a infla!"o, o endividamento dos

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    stados e, finalmente, o est(mulo t#cito ao endividamento dos particulares. )o entanto,

    entre os dispositivos %ue visam retardar o inevit#vel, 'treec7 n"o menciona as

    tecnologias da informa!"o.

    stas criam, ao mesmo tempo, a ri%uea e os empregos 0 desde %ue cada um setransforme em empres#rio e aprenda a programar aplicativos... - governo +ritnico foi

    um dos primeiros a concretiar esse potencial em escala nacional, tentando vender os

    dados dos doentes s companhias de seguros ?mas uma onda de protesto popular p$s

    fim iniciativa@ ou os dos estudantes s operadoras de telefonia mvel e aos

    vendedores de +e+idas energticas. Helatrio recente afirma %ue seria poss(vel gerar

    DI,5 +ilhes de li+ras ajudando os consumidores a administrar 0 isto , vender 0 seus

    dados pessoais.)

    As start-upsdo &ale do 'il(cio tam+m propem solu!es para ganhar tempo.

    epositam uma f in%ue+rant#vel na capacidade de servi!os como J+er ?particulares

    convertem seu carro em t#1i@ e Air+n+ ?... e seu apartamento em hotel@ transformarem

    +ens analgicos fora de uso em fonte de lucros digitais e plugados. -+jetivo: garantir umdinheirinho e1tra ao propriet#rio. ;omo e1plica /rian ;hes7=, diretorpresidente da

    Air+n+, *o desemprego e as desigualdades aumentaram muito, mas estamos sentados

    so+re uma mina de ouro K.... Aprendemos a criar nossos prprios conte9dosM poderemos

    doravante criar nosso prprio emprego e, por %ue n"o, nosso prprio ramo de

    atividade.*

    6iel a seu costume, o &ale do 'il(cio desenvolve a%ui a retrica comunit#ria da

    contracultura para apresentar a J+er e a Air+n+ como os pilares da nova *economia da

    partilha, horionte utpico, sonhado tanto pelos anar%uistas como pelos li+ert#rios, em

    %ue as pessoas tratariam diretamente umas com as outras, eliminando os

    intermedi#rios. +ito de maneira mais prosaica, seria o caso de trocar os intermedi#rios

    analgicos, como as empresas de t#1i, por digitais, como a J+er, sociedade financiada

    pelos anar%uistas notrios do c(rculo da 8oldman 'achs...

    ;omo os setores de hotelaria e t#1is s"o universalmente detestados, o de+ate p9+lico

    logo se resumiu imagem de audaciosos precursores partindo para o ata%ue contra

    asm#ticos %ue vivem de rendimentos e n"o t2m imagina!"o. sse %uadro tendencioso

    mascara um fato importante: os corajosos defensores da *economia de partilha evoluem

    num universo mental caracter(stico do sculo NON. m seu sistema, o tra+alhador,

    radicalmente individualiado, s se +eneficia de uma assist2ncia social sim+lica: arca

    com os riscos assumidos outrora pelos empregadores, e suas possi+ilidades de

    negocia!"o coletiva reduemse a nada.

    -s paladinos do novo modelo justificam essa precariedade com argumentos dignos do

    terico li+eral 6riedrich a=e7. -s mecanismos autorreguladores ?o mercado %ue

    avalia a %ualidade do ta1ista ou do hoteleiro@ s"o mais eficaes %ue as leis: portanto,

    fora com as leis. *Quando tivermos constru(do sistemas verdadeiramente

    autocorretivos, assegura o cle+re investidor de risco 6red Bilson, *n"o precisaremos

    mais de regulamenta!es./asta saturar a sociedade de feedback, ou seja, de

    avalia!es %ualitativas fornecidas constantemente pelos atores do mercado: as cr(ticas e

    opinies dos usu#rios.

    A digitalia!"o da vida cotidiana, de par com a avide desencadeada pela

    monetaria!"o, pressagia a transforma!"o de tudo 0 de nosso genoma ao nosso %uarto

    0 em +em produtivo. Pioneira da *gen$mica personaliada, sther =son, acionista

    majorit#ria da RSandme, compara sua empresa a *um distri+uidor autom#tico %ue

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    permite acesso s ri%ueas escondidas nos genes.-

    ;edo ou tarde, veremos os inimigos da salva!"o pela *economia da partilha como

    sa+otadores da economia e a reten!"o de dados como um desperd(cio imperdo#vel de

    recursos capaes de contri+uir para o crescimento. )"o *partilhar ser# t"o vergonhoso%uanto n"o tra+alhar, n"o economiar e n"o pagar d(vidas, com a moral reco+rindo de

    uma camada de verni de legitima!"o mais uma forma de e1plora!"o.

    )"o surpreende %ue as categorias sociais esmagadas pelo fardo da austeridade

    comecem a converter sua coinha em restaurante, seu carro em t#1i e seus dados

    pessoais em ativo financeiro. Que mais poderiam faer3 )o &ale do 'il(cio, assistimos

    ao triunfo do esp(rito empreendedor gra!as ao desenvolvimento espontneo de uma

    tecnologia inteiramente alheia ao conte1to histrico e, so+retudo, crise financeira. )a

    realidade, essa nsia de empreender lem+ra a dos desesperados do mundo inteiro %ue,

    para pagar o aluguel, consentem em se prostituir ou vender rg"os. -s stados

    costumam com+ater esses desvios, mas precisam e%uili+rar seu or!amento. Portanto,

    %ue a J+er e o Air+n+ e1plorem a *mina de ouro como %ueiram. ssa atitudeconciliatria apresenta a dupla vantagem de aumentar as entradas fiscais e ajudar os

    cidad"os comuns a pagar suas contas no fim do m2s.

    U.a c/0tica t/a12o/.ada e. la.e1to

    ;ontudo, a economia da partilha n"o suplantar# a da d(vida: seu destino, ao contr#rio,

    coe1istirem. - car#ter infinitamente l(%uido dos dados, unido efic#cia cada ve maior

    dos instrumentos de an#lise, permitir# aos +ancos vender crdito a uma clientela

    considerada at ent"o insolvente. Assim, start-ups como a Test6inance j# ajudam os

    +ancos a filtrar os pedidos de emprstimo aplicando FG mil critrios, entre os %uais a

    maneira de digitar no computador e usar o telefone. )a ;ol$m+ia, a nova empresa decrdito Lenddo condiciona a concess"o de cartas de crdito ao comportamento dos

    candidatos nas redes sociais. vid2ncia %ue n"o escapa a ouglas >errill, cofundador

    da Test6inance, cujo site esclarece: *Codo dado pessoal pertinente em termos de

    crdito. -ra, se assim , ent"o nossa prpria vida, o+servada o tempo todo pelas

    cmeras %ue nos cercam, j# pode come!ar a dan!ar ao ritmo da d(vida.

    -s inocentes 9teis do &ale do 'il(cio retrucar"o %ue est"o prestes a salvar o mundo. 'e

    os po+res %uerem se endividar, por %ue n"o ajud#los3 Que a necessidade de crdito

    possa decorrer do aumento do desemprego, da redu!"o dos investimentos sociais e da

    desvaloria!"o dos sal#rios reais em nada afeta esses esp(ritos vision#rios. 'ua 9nica

    tarefa 0 e fonte de lucros 0 consiste em criar meios de resolver os pro+lemas tais %uais

    se apresentam no dia a dia e n"o em desenvolver uma an#lise pol(tica e econ$micacapa de reformular esses pro+lemas para com+ater suas causas.

    A%ui, o &ale do 'il(cio se parece com todas as outras ind9strias: a menos %ue possam

    lucrar, elas n"o desejam uma mudan!a radical da sociedade. Codavia, 8oogle, J+er e

    Air+n+ dispem de um repertrio retrico claramente mais vasto %ue o da

    organ ou

    da 8oldman 'achs. 'e voc2 sentir vontade de criticar os +ancos, passar# por advers#rio

    do capitalismo e inimigo de Ball 'treet: uma atitude j# t"o +anal %ue s vees provoca

    riso. ;riticar o &ale do 'il(cio, ao contr#rio, e%uivale a se faer de tecnfo+o. o mesmo

    modo, toda cr(tica pol(tica e econ$mica formulada em desa+ono do setor das tecnologias

    da informa!"o e de seus v(nculos com a ideologia neoli+eral instantaneamente

    refundida em cr(tica cultural da modernidade. seu autor, pintado como um inimigo do

    progresso.

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    A esse respeito, os lamentos incessantes so+re o decl(nio da cultura engendrado pelo

    CUitter e os livros eletr$nicos desempenharam um papel calamitoso. Qual%uer %ue seja

    o valor de sua contri+ui!"o, seu mtodo de an#lise aca+a por isolar a tecnologia da

    economia. &emonos ent"o a discutir como uma tela de iPad condiciona os processos

    cognitivos de nosso cre+ro, em ve de investigar at %ue ponto os dados reunidos pornosso iPhone influenciam as medidas de austeridade de nossos governantes.

    Evgeny Morozov

    vgen= >oroov autor de Co save ever=thing, clic7 here. Cechnolog=, solutionism, and

    the urge to fi1 pro+lems that donVt e1ist KPara salvar tudo, cli%ue a%ui. Cecnologia,

    solucionismo e a puls"o de consertar pro+lemas %ue n"o e1istem, Allen Lane, Londres,

    RGDS.

    Olustra!"o: Ad"o Oturrusgarai

    D http:WWconnectedtooth+rush.com.

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