Obras do autor - visionvox.com.br · Meu anel de sete pedras Mil histórias sem fim (2 volumes)...

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Obrasdoautor

AventurasdoreiBaribêAcaixadofuturo

CéudeAláOHomemqueCalculavaLendasdocéuedaterra

LendasdodesertoLendasdooásis

LendasdobomrabiOlivrodeAladim

Maktub!Matemáticadivertidaecuriosa

OsmelhorescontosMeuaneldesetepedras

Milhistóriassemfim(2volumes)Minhavidaquerida

NovaslendasorientaisSalim,omágico

MalbaTahan

Lendasdobomrabi

IlustraçõesdeLuMartins

2011

T136L

13-07798

CIP-BRASIL.CATALOGAÇÃONAFONTESINDICATONACIONALDOSEDITORESDELIVROS,RJ

Tahan,Malba,1895-1974Lendasdobomrabi[recursoeletrônico]/MalbaTahan.-1.ed.-RiodeJaneiro:Record,2013.recursodigital

Formato:ePubRequisitosdosistema:AdobeDigitalEditionsMododeacesso:WorldWideWebISBN978-85-01-10186-0(recursoeletrônico)

1.Contobrasileiro.2.Lendasjudaicas.3.Livroseletrônicos.I.Título.

CDD:869.93CDU:821.134.3(81)-3

Copyright©HerdeirosdeMalbaTahan

ProjetosdemiolodaversãoimpressaecapaelaboradosapartirdeprojetooriginaldeAnaSofiaMariz

TextorevisadosegundoonovoAcordoOrtográficodaLínguaPortuguesa

DireitosexclusivosdestaediçãoreservadospelaEDITORARECORDLTDA.RuaArgentina171–20921-380–RiodeJaneiro,RJ–Tel.:2585-2000

ProduzidonoBrasil

ISBN978-85-01-10186-0

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Sumário

AvisoaosleitoresOuve,óIsraelDezanosdekestAlendadaembriaguezResignaçãoAraposaeavinhaElogioaosilêncioEsposamodeloAcordadeareiaOricoeopobreParaodotedeumanoivaOstítulosdocandidatoNadatensapedirAmortedoinocenteEsposaobedienteOleãoirritadoJogandoxadrezAletrabethApaciênciadomestreRespeitofilialOmendigonacercaDuasrajadasdevento“Eneno-iudéa”AcabrafatigadaAterraquepurificaApratadorabiOexagerodaprece

OcavalovelozOjudeueavacaHospitalidadeparaoscavalosXiboletOnossoinimigoAsombradocavaloTerramilagrosaOhóspededohomemUmdiaantesAmorfilialAluzdoguetoDoprazodeDeusOcavalobravioTrêscoisasOherdeirolegítimoDeuseosídolosAvidadeumacriancinhaAcontadeEvaHanináealeideDeusOcantardogaloEvitaomaldizenteOrabimilagrosoAsprovaçõesdojustoAalmaeocorpoUmpratodelentilhasOadvogadodacriadaOpoetamaislidoOsorrisodeAquibaLadrãoqueroubaladrãoAmáesposaeocegoOpédamesaOfumoDosdezparaos12OsdoisanjosTrezefilhosOrabieocarpinteiroOdobrodaesmolaOdemônioeaintrigaObomsamaritanoHumildade

Nahum,o“Ginzo”DeuséladrãoOserrosdosjustosAlínguaOdiamantedomendigoRespeitopelotrajoDeuséinfinitoAlascadelenhaTudoparaobemEparaosmeuspobres?AmercadoriapreciosaMeiafatiadepãoAbbaJudah,opiedosoOjuramentodotratanteAsjoiasdoreiOanelvaliosoAletra“A”OcálicedouradoApedrapreciosaPrincípiofundamentalOsdezmandamentosHonrasealegriasParáboladotesouroAsfolhasdoquicaionOpecadodooutroOavarentoeoespelhoAbolsaperdidaOsegredoAmoràTerraSantaAescolhadanoivaDeusnomeiodaschamasOpregadoreasquinquilhariasOfilhopródigoSetevezesmaisOladrãodescobertoOsacrifíciodeHillelOcocheiroAToráeostesouros“Prezaioestrangeiro”Ohassidesquecido

HumildadedoreiAsculpasdavidaSalomãoAsentençadeSalomãoCânticodosCânticosOcãomortoObraseirodorioCedron

GLOSSÁRIO

Avisoaosleitores

Afimdenãosobrecarregaraspáginasdestaantologiacomnotaselucidativas,incluímosna parte final deste livro um pequeno glossário onde o leitor encontrará os termos,conceitos,ideiasesímbolosqueexigemexplicaçãoespecial.

Nesse glossário figuram, portanto, os termos hebraicos ou árabes, as palavrasorigináriasdo ídiche,as tradições israelitas,osnomespróprios, asalegorias talmúdicasetc.

No final de cada trecho oferecemos ao leitor breves indicações sobre as fontestalmúdicas,literáriasoufolclóricasaqueestávinculadooaludidotrecho.

As notas com um ou dois asteriscos correspondem a esclarecimentos rápidos esucintossobredúvidasquedevemserelucidadasimediatamentenodecorrerdaleitura.

Ouve,óIsrael

Ouve,óIsrael,oSenhornossoDeuséoúnicoSenhor.AmarásaoSenhorteuDeusdetodooteucoração,edetodaatuaalma,edetodas

atuasforças.Estaspalavras,queeuhojeteintimo,estarãogravadasemteucoração.Etuasreferirásateusfilhos,easmeditarásassentadoemtuacasa,eandandopelo

caminho,aodeitar-teparadormireaolevantar-te.Easataráscomosinalnatuamão;eelasestarãoesemoverãodiantedosteusolhos.Easescreverásnosumbraisdetuacasaenastuasportas.

***

Aqui oferecemos aos leitores a primeira parte da prece famosa do ritual israelita. Essa prece éintitulada Schema (ouve). Schema é a primeira palavra do versículo 4, capítulo VI, doDeuteronômio.

TodasaspalavrasefrasesquefiguramnaSchemasãointegralmenteextraídasdaBíblia(cf.DeuteronômioVI,4,5,6,7,8e9).Constituiessapreceaparte centraldoofíciodatardeetambémdoofíciodamanhã.ASchemaproclamaoprincípiodaUnidadedeDeus,eimpõeaofielodeverdeacolheroEternoemseucoração,eimplantaraverdadedeDeusnocoraçãodeseusfilhos.

Dezanosdekest

Interessante seria, meu bom amigo, iniciar este conto, à maneira dos escritoresclássicosisraelitas,citandocincoouseispensamentos,admiráveis,colhidosnaspáginasfamosasdoTalmude.Comomerecordar,porém,dostrechosmaisbelosdaSabedoriadeIsrael,quandoétãofraca,incertaeclaudicanteaminhamemória?Vem-meapenasà lembrança, nestemomento, um velho provérbiomuito citado pelos judeus russos:“Quandoohomeméfeliz,umdiavaleumano.”

Averdadecontidanesseaforismoéindiscutível.Eahistóriaqueaseguirvounarrarpoderáservirparailustraraminhaasserção.

ViviaemViena,hámaisdemeioséculo,umjovemchamadoDaviKirsch,filhodeummalamed, homem prudente e sensato. Davi Kirsch adornava o seu espírito comuma qualidade bastante apreciável; não ousava tomar resolução alguma de certa

relevância sem se sentir esclarecido e orientado pelos conselhos dos mais velhos.Quandopensouemcasar-se,ouviudeseujudiciosopaiaseguinterecomendação:

—Cabe-medizer-te,meufilho,quedeverásevitarqualquercasamentoquandonoconsórcioresultaraproximação,porparentesco,comumroiter-id.*

Eacrescentou,emtomgrave,comaprudênciaquealongaexperiênciadavidasóiensinaraoshomens:

— Se algum dia, porém, por triste fatalidade, caíres nas garras de um roiter-idprocurasemdemoraoauxíliodeoutroroiter-id.

QuisojovemDavi,comgrandeempenho,conhecer,maisporcuriosidadequeporoutro motivo, a razão de ser daquele estranho conselho, mas o velho malamed serecusouterminantementeadar,sobreocaso,qualquerexplicação,alegandoquetinha,paraassimproceder,motivosquedeconsciêncianãopoderiarevelar.

Algumassemanasdepois,ojovemDaviKirschfoiprocuradoporumschatchhen,istoé,porumagenciadordecasamentos.

Trocadas as saudações habituais — Scholem Aleichem! Aleichem Scholem —, oschatchhenassimfalou,assumindocomosempreumardemáximareservaediscrição:

—Como seiquepretendemos resolverdomelhormodopossíveloproblemadoteu futuro, com a escolha de uma companheira digna, quero informar-te de queobtiveparaoteucasoumasoluçãoadmirável.Anoivaquetenhoemvistaéformosa,defamíliahonestíssimae,alémdomais,muitocultaeprendada.

—Eodote?— indagouDavi grandemente interessado,procurando tocar comamáximafinuranaqueleassuntotãodelicado.

—Quanto ao dote— aclarou logo o schatchhen, com um sorriso que traduzia oorgulhodebomprofissional—estácombinadoqueserádemilcoroaseterás,ainda,dezanosdekest!

—Dezanosdekest!—repetiuDavi,numasinceridadedeveementesurpresa.—Masistoéespantoso,inacreditável!

Souforçadoainterromperapresentenarrativaparadaraoleitornãojudeu,istoé,aomeubomamigogói**umesclarecimentoquemepareceindispensável.

Okestécostumetradicionalentreosjudeus.Opaidanoiva,alémdodote(queédeuso tambémentreoscristãos)concedeaogenro, a títulodeauxíliopara iniciar avida, a permissão de viver durante algum tempo em sua casa, sem fazer a menordespesa,quercomaalimentação,quermesmocomovestuário.Esseperíodo,duranteoqualopaidajovemtomaaseucargoasubsistênciacompletadosrecém-casados,é

denominadokest, e em geral varia de um a três anos. Para um jovem egoísta, semânimo para a vida, pouco inclinado ao trabalho, a oferta de um kest prolongadoconstituiumaiscairresistível.EraesseprecisamenteocasodeDaviKirsch,indolentecomoumfalsomendigo,amigodaboavidaedoferiadopermanente.

Dezanosdekest?Um judeu sensato não poderia hesitar. A cerimônia do noivado, com a clássica

apresentaçãodasfamílias,foimarcadaparaalgunsdiasdepois.Quando Davi Kirsch foi levado à presença da sua noiva, ficou maravilhado; o

schatchhennãoohavia iludidopintandocomascoresvivasdoexageroosencantosdanoivaprometida.Ameninaeraumajudiarealmentegraciosa,esbelta,cheiadevida,eos dez anos de kest emprestavam-lhe ao olhar, ao sorriso e aos lábios todos os ímãsinconcebíveisdabeleza.Rébla, a filhado reideGorner,nãopareceramais sedutoraaosolhosdograndeSalomão!Deladiriacertamenteopoeta:“De longepareceumaestrela;deperto,umaflor.”

Dolorosa foi, porém, a surpresa do noivo judeu ao defrontar, pela primeira vez,como futuro sogro.Pela cor fulva dos cabelos, pelas sardas que repintavamo carãoavermelhado,eraovelhoumtipoperfeitoeinconfundívelderoiter-id!

Naquele momento, invadido por negrejante inquietação, recordou-se Davi doconselho que a prudência paterna lhe ditara: “Evitar qualquer aproximação, pelocasamento,comumroiter-id”!Masquefazernaqueladependura?Asuapalavraestavadada;ademais,acimadequalquercompromisso,esmagandodúvidase receios,osdezanos de kest constituíam um argumento irrespondível diante do qual desapareciamtodososmotivosquemilitavamcontraoconsórcioqueselheafiguravatãopromissor.

Pouco tempodepois realizou-se o enlace nupcial e o jovempassou a viver, comsuaadoradaesposa,oseubeloperíododekest,emcasadoricoroiter-id.

“Esse judeu vermelho”, pensou Davi, desconfiadíssimo do caso, “alguma peçadesagradável prepara contra mim. Custa-me acreditar que ele mantenha essaliberalíssimapromessadosdezanosdekest.Naturalmenteaqui,emsuacasa,tereiumtratamentotãovilehumilhante,quenemmesmoumcãoseriacapazdeaturar,eaofimdedoisoutrêsmeses,écerto,sereiforçado,pelasituação,aprocuraroutropousoetrabalho.Algumaperfídiaomeusogrojáplanejoucontramim!”

Comgrandeespanto,entretanto,ojovemDaviverificouqueopaidaesposaeradeum feitio que desmentia por completo seus temores e desconfianças. O roiter-idmostrava-se delicado e afetuoso, e dispensava ao novo genro um tratamento

principesco.Faziamultiplicarospratossaborososnasrefeições,proporcionavapasseiosagradabilíssimos,dava-lheroupasfinaseenchia-odepresentesvaliosos.

“Meupai não tinha razão”,meditava o jovem, refletindo sobre a vida regalada einvejávelquedesfrutava emcasado sogro.“Queoutromaridopoderá sermais felizdo que eu? Rivekelê,*** a minha esposa, é encantadora; por longo prazo, sem omenor trabalho, preocupação ou contrariedade, terei, nesta bela casa, mesa semprelauta,agasalho,carinhoeconsideração!”

Ao cabo de alguns dias, o velho roiter-id chamou o indolente marido da filha einterpelou-omuitosério:

—Dize-me,óDavi!És,naverdade,feliznatuanovasituaçãodehomemcasadoechefedefamília?

—Muitofeliz,meusogro—confirmouojovem,numretraimentodeespanto.—Sinto-me,aqui,incomparavelmentefeliz!

—Seassimé—tornougravementeojudeuvermelho,medindo-odealtoabaixo—,seéassimoteukestestáterminado!

—Terminadoomeukest?—protestou atônito omarido parasita.—Mas se euestoucasadohápoucomaisdeumasemana!Comopodeserisso?

—Comopodeser?—repetiuosogronumtommuitosério,tomandoumaatitudeque irradiava antipatia.—Nadamais simples. Vou provar claramente. Estás casadocom minha filha há dez dias. Bem sabes que no livro dos Provérbios encontramosexaradaesta sentença:“Quandoumhomemé feliz,umdiavaleumano.”Logo,deacordo com esse tradicional provérbio, estás casado há dez anos! Amanhã, portanto,levarás de minha casa tua esposa e irás para a tua residência. Creio que deverás,também,procurarumemprego,ummeioqualquerdevida,poisdemimjárecebesteonecessárioauxílio,odoteeokestprometidos.

E o nosso herói, diante da imposição do sogro, sentiu-se preso de grande furor.Quis apresentar argumentos quemilitavam em seu favor,mas o astucioso roiter-id semanteveintransigente,enãohouvecomolevá-loareconsiderararesoluçãoquehaviatomado,insistindoemafirmarquenadamaisfaziasenãoatenderàverdadecontidanoprovérbio:“Quandoohomeméfeliz,umdiavaleumano.”

NãoseconformavaDaviKirschcomaideiadeserobrigadoatrabalharparaviver;e a situação a que fora, de repente, atirado envenenou-lhe o espírito com todas astoxinas do rancor. Tinha sido, a seu ver, indigno o proceder do pai de Rivekelê.Prometera-lhe,sobpalavra,dezanosdekestedepois,porevidentemá-fé,baseando-se

numidiotabrocardojudeu,reduziraoprazoadezdias!Quetratante!Eraumgrandevelhacoo roiter-id!Quandoo interesse estava em jogo, sabia transformarum simplesprovérbioemleisocial!

“Meu pai tinha razão”,murmurouDavi, recalcando os seus rancorosos impulsos.“Toda razão tinha, meu pai! Pratiquei uma imprudência muito séria, fazendo-mesurdoaosconselhosdaquelequemelhordoqueeudeveconheceravidaeosfilhosdeIsrael!”

E, resolvido a não incidir mais uma vez no erro, o jovem, recordando-se dasegundapartedoconselhopaterno, foinessemesmodiaprocurarumconhecidoseu,chamado Elias Bloch, também judeu vermelho, e pediu-lhe que indicasse ummeioqueopermitissesairdasituaçãocríticaemqueseencontrava.

O inteligente Elias Bloch atendeu com amabilidade o jovem Davi, e depois deouvir ominucioso relato da burla do kest, expediu uma risadinha seca emaldosa, erespondeucomumrelâmpagodeinspiraçãonoolhar:

—Nãovejodificuldadealgumaemresolveroteucaso.Irásamanhãàcasadeteusogro,eseseguiresasminhasinstruçõessairásvencedornesselitígio.

No dia seguinteDaviKirsch, tendo nasmãos um exemplar daTorá—que é olivrodaleientreoshebreus—,foiteràricavivendadoseuastuciososogro.

Depois de saudar o velho roiter-id com certa reserva e cerimônia, como se asrelações entre ambos estivessem profundamente abaladas, assim falou com teatralentonação:

—Pormotivosmuitogravessouforçadoaviragoraàsuapresença.Voudivorciar-me!

Divórcio! Essa palavra para a família judaica representa uma calamidade sócomparávelàsmaiorescalamidades.

—Estás louco, rapaz!—protestouovelhoempalidecendo ligeiramente.—BemsabesqueodivórciosópodeserobtidosegundoaleideMoisés.Quemotivopoderáser aduzido para justificativa dessa nódoa infamante com que pretendes golpear aminhafamília?

—Tenho a lei ameu favor— acudiu com altivez omoço.—Comoo senhormesmodeclaroueprovou,viviemsuacompanhiaosdezanosdekest.Osdoutoreserabis não ignoram que o Livro da Lei de Moisés — a Torá — diz com a maiorclareza:“Quandoamulhernãoconcebeaofimdedezanos,omaridopoderequerer

odivórcio.”Ora,euestoucasadohádezanosenãotenhofilhos;cabe-me,portanto,segundoaLei,odireitoderepudiarminhaesposa!

—Que brincadeira é essa,meu filho!— retorquiu o roiter-id, emergindo da suaestupefaçãoe abraçando amavelmenteogenro.—Afastemosdenós as ideias tristes,poisjánãofoipequenoosustocomqueabalastemeucoraçãodepai.Fizestemalemtomarasérioomeugracejosobreotalprovérbio,dosdiasfelizes,e,seassimé,ficaoditopelonãodito.Seeuprometidezanosdekestécertoquepoderásvivertodoessetempoemminhacasa.

Econcluiu,comumgestoconvencidoesuperior,passandolentamenteamãopeloscabelosavermelhados:

—Jamaisdeixei,menino,comoumbomjudeu,decumprirapalavradada.

Contotradicionalisraelita.Sobreafiguracuriosadoschalchhen(oagenciadordenoivados),indicamosaosnossosleitoresaspáginasencantadorasdeScholemAleichem—ContesdeTewjéleLaitier.Convémlernoglossárioqueacompanhaestelivroasindicaçõessobreodivórcionalegislaçãojudaica.

Notas

*Aspalavrasorigináriasdohebraico,doárabeoudoídichefiguramnoglossárioqueincluímosnapartefinaldestelivro.Roiter-id,porexemplo,querdizer:judeuvermelho.Vejaoglossário.

** Recorra o leitor ao glossário que foi interpolado no final deste livro. Poderá, nesse glossário,obterexplicaçõessobretodosostermos,símboloseexpressõesjudaicasqueaparecemnestelivro.Veja,porexemplo,noglossário:gói.

***DiminutivocarinhosodeRaquel.

Alendadaembriaguez

Preparava-seNoé para plantar a primeira vinha e eis que surge diante dele a figuranegraehediondadoDemônio.

—Quepretendesplantaraí?—perguntouoDemônio.— Uma vinha! — informou Noé, encarando com olhar sereno o seu insolente

interrogante.—E como sãoos frutos que esperas colher,meu velho?— inquiriu friamente o

Demo.—Ora— explicou o Patriarca de bom humor—, são frutos deliciosos, sempre

doces.Oshomenspoderão saboreá-losmaduros e frescosou secos e açucarados.Docaldo desse fruto poderá ser fabricada uma bebida — o vinho — de incomparávelsabor.Essabebidalevaráalegriaeinspiraçãoaoscoraçõesdosmortais!

—Queroassociar-mecontigonoplantiodessavinha!—propôsoDemôniocomcertoacintenavoz.

— Muito bem — concordou Noé. — Trabalhemos juntos. Ficarás, desde já,encarregadoderegaraterra.

E o Demônio, no desejo de agir pela maldade, regou a terra com o sangue dequatroanimaistiradosdaArca:ocordeiro,oleão,oporcoeomacaco.

EmconsequênciadessecaprichoextravagantedoMaligno,aquelequeseentregaaovíciodegradantedaembriaguez recorda, forçosamente,umdosquatro animais.Beminfelizes os que se deixam dominar pelo álcool! Tornam-se alguns sonolentos einermes como um cordeiro; mostram-se outros exaltados e brutais como o leão;muitos,sobaaçãoperturbadoradabebidaqueosenvenena,ficamestúpidoscomoumporco. E há, finalmente, aqueles que, depois dos primeiros goles, fazem trejeitos,dizemtolicesesaracoteiamcomomacacos.

EssalendaéencontradaemR.Tanhuma,13.Cf.A.Cohen,LeTalmud,trad.deJacquesMarti;Payot,Paris,1933.Cf.LéonBerman,ContesduTalmud,Ed.Rierda,1937,p.138.Cf.A.Weil—Contesetlégendesd’Israel,1928,p.13.Encontramos noGênesis este versículo: “E começouNoé a ser lavrador e plantouuma vinha.”As lendasrelativasàvinhaforamcoligidasporMeiraPena,Botânicapitoresca,p.415.

Resignação

Tristezasdoinfernomecingiram,laçosdemortemesurpreenderam.NaangústiainvoqueiaoSenhoreclameiaomeuDeus;desdeoseutemploouviua

minhavoz,aosseusouvidoschegouomeuclamorperantesuasfaces.

Davi

Era por umdia de sábado, ao anoitecer.Havia já algumas horas que oDr.Meir seentretinha na escola pública explicando a Santa Lei a seus numerosos discípulos.Deleitavam-no aqueles estudos e a religiosa atenção com que suas palavras eramouvidas.

Sua casa, entretanto, durante aquelas fugidias horas, hospedara o luto e adesesperação.Doisdeseusfilhoshaviammorridoquasederepentee,desuafamília,sóa desolada mãe permanecia para chorar aos pés dos dois cadáveres. Infeliz mulher!

Petrificadapelador,contemplava imóvelaquelesdoiscorposamadosbuscandoneles,emvão,algunsindíciosdevida;evinha-lheàmenteopobremaridoquedentroempoucoiriadefrontarotremendoespetáculo.Orespeitoàvontadedivinaeacaridadede esposa deram àmísera uma grande força de alma.Asmaternasmãos estenderamumlençolsobreaqueleleitodemorteondeosfilhosamadosrepousavam.Cumpridoopiedosomister,atristemãepassou-seaoquartovizinhoàesperadomarido.

Anoitedesceralentamente.Jáestrelas,semconta,luziluziampelasalturassemfim.Volveuacasaodoutore,apenastranspostaasoleira,indagoudasuaesposaumtantoperturbado:

—Eosfilhos?—Terãoidoàescola—respondeuamulhercomvoztrêmulaesumida,fitandoo

céu,evitandooolhardomarido.—Parece-mequenãoosvientreosalunos.Amulher,semlheresponder,apresentava-lheovinhoeocírioparaoAvdalácom

queimplorarasbênçãosdocéuparaanovasemana.Cumpriuodoutororeligiosoatoecomcrescenteânsiabradou:—Maseosfilhos,mulher!—Saíramtalvezparaalgumaincumbênciafamiliar.Isto dizendo punha diante domarido, há longo tempo em jejum, umas fatias de

pão.Provou o doutor um pedacinho e, tendo dado graças a Deus, a quem devemos

todososbensterrenos,exclamou:— Como tardam hoje os nossos filhos! Sempre, é certo que não sabes nada, ó

esposaminha?Porquemeparecestãotriste?—Eu,meuesposo,precisomuitodeumconselhoteu.—Queé?—Ontemumamigonossomeprocurouedeixousobminhaguardaalgumasjoias.

Vem ele agora reclamá-las. Ai de mim! Não contava que viesse tão cedo. Devorestituí-las?

—Óminhaesposa!Essadúvidaépecaminosa!—Masjámeafizeratantoàquelasjoias!—Nãotepertenciam.—Maseulhesqueriatantobem.Talveztutambém...

—Ómulher!—exclamouatônitoomaridoquecomeçavaapensar,comtemor,nalguma coisa, estranha e terrível.—Que dúvidas! Que pensamentos! Sonegar umdepósito,coisasagrada!

—Éissomesmo—balbuciavachorosaamulher.—Muitoprecisodeteuauxílioparafazeressadolorosarestituição.Vemverasjoiasdepositadas.

E as suasmãos geladas tomaram dasmãos do atônitomarido e conduziram-no àcâmaranupcialeergueramasfranjasdolençolfúnebre.

—Aquiestãoasjoias.Reclamou-asDeus!Diantedaquelavisão,opobrepaiprorrompeuemgrandíssimopranto,eexclamou

golpeadopelador:—Ófilhosmeus,filhosdeminhaalma,doçuradaminhavida,luzdosmeusolhos,

ómeusfilhos!—Esposomeu.Nãodissestehápoucoqueéforçosorestituirodepósitoquandoo

reclamaoseudonolegítimo?Comosolhosmarejadosdelágrimasosábiofitouaesposacheiodeadmiraçãoede

inefávelternura.—ÓmeuDeus— suspirou.—Posso eu balbuciar alguma queixa contra aTua

vontade?Deste-me,paraescudoeconsolodeminhavida,umaesposareligiosaesanta!Eosdois infelizesseprostraramaumsótempo,eporentrelágrimasrepetiramas

santaspalavrasdeJó:—“Deusdeu,Deustirou.Benditosejaoseusantonome!”

Estebelíssimoconto figura emYalkut, p. 145.Cf.LéonBerman,op. cit., p. 70.Vamos encontrar essamesmanarrativaemMardehistóriasdeAurélioBuarquedeHollandaePauloRónai,numaexcelentetraduçãodoeruditorabino Dr. H. Lemle. Procure no glossário as palavras: “Meir” e “Avdalá”. Ao relatar o caso, um talmudistaacrescenta:“Haviaepidemianacidadee,aosairdecasa,pelamanhã,notouorabiqueseusfilhosestavamtristeseabatidos.” Bem diversa é a forma adotada no livroOTalmude, deMoisés Beilinson e Dante Lattes, trad. deVicenteRagognetti,p.55.

Araposaeavinha

Recompensou-meoSenhorsegundoaminhajustiça,retribuiu-mesegundoapurezademinhasmãos.

PorqueguardeioscaminhosdoSenhor;nempecandomeafasteidomeuDeus.

Davi

Uma raposa se pusera a namorar avidamente uma vinha tão bem cercada que nãohavia brecha por onde entrasse. Deu voltas e mais voltas, até que topou com umresquício da cerca entre osmoirões. Lança-se por ele, impetuosamente,mas era tãoestreitoquemalpôdeinsinuaracabeça.Esforça-sedaqui,tentadali,mastudoemvão.Veio-lhe, então, à ideia um plano singular: “Se eu pudesse”, monologava ela,“emagrecerbastantepassariaporestabrecha.”Resolvidaavenceraprova,submeteu-seaumestranhoteordevida:ficoutrêsdiassemprovaralimento,epôs-setãofinaemagrinha que mais parecia um palito. Toda ancha com o sucesso, esgueira-se pelodelgado vão e entra radiante na vinha. Ali pôde pagar-se de tudo quanto sofrera epassoualgunsdiasnamaisregaladaabundância.

Chegadoo tempode sair, receosa dos donosdovinhedoquenãopodiam tardar,corre àbrechaporondeentrara e tentameter-sepor ela.Aconteceu,porém,que ainfortunada,naquelespoucosdiasderegabofe,engordaratantoquenãomaiscabiaali.

Mais tristedoqueummocho,desistedo intentoeresolverepetiraprovaçãoporque passara, pondo-se de novo em rigoroso jejum até que, novamentemagra comoum esqueleto, lhe foi possível safar-se pelo agulheiro. Estava, porém, tão fraca edebilitadaquepareciaumcadáver.

Livredaquelecativeiro,olhoumelancolicamenteparaavinhaedisse-lhe:“Adeus,nãomeapanharásmais.Éssedutoraedeliciosa.Tens,emabundância,frutossaborosos,masqueimporta?Detisaio,comoentrei.”

Assimohomememrelaçãoaosprazeresefêmerosdavidaterrena.EnsinavaosábioRabiMeir:Ohomemquandonascetemosbraçosestendidospara

afrente,comosedissesse:“Émeuomundo.Todomundoémeu!”Quandomorre,ostrazaolongodocorpo,comoaprevenirosqueseaferramaosbensmateriais:“Nadalevodestemundo.Deixodavidaoqueavidamedeu!”

Esta interessantíssimafábuladaraposaénarradaemMidrasch,p.98,2.SobotítuloLaVie podemos admirá-lanumaversãoumpoucodiferenteemContesduTalmud,deLéonBerman,p.90.ÉatribuídaaoRabiGniva,doséculoIII,conformeKohelethRabba,parteI.

Elogioaosilêncio

Osilêncioépreferívelàloquacidade;morredomaldosilêncio,masevitaoperigodaloquacidade.Sabercalarévirtudecemvezesmaisraradoquesaberfalar.

RabiAzai,o sábio,viajavapelo Irãemcompanhiadeváriosdiscípulos.Emcertomomento, um mercador persa, que vinha na caravana, tomado de cólera, por ummotivofútil,entrouavociferarcontraosisraelitas.Umdosdiscípulosdisseaomestre:

—Vamosórabi,respondecomenergiaaessehomem.Insulta-opornós.Elefalaemvalaatetuconhecesmuitobemessedialeto!

RetorquiuodoutoAzai:—Sim,meufilho,aprendiafalaroderi,ogalanieovalaat,masaprenditambéma

ficarcaladoemvalaat,emderieemgalani.Éoquevoufazer.Guardarsilêncionessestrês dialetos persas. — E acrescentou imperturbável, anediando as longas barbas

brancas que lhe caíam sobre o peito: — Seria insensatez trocar injúrias com umexaltado,quedeblateracomoumloucoequenemsabeoqueestádizendo.

Pelo silêncio, podes ter umdesgosto,mas a loquacidade semeará a estradade tuavidademil eumarrependimentos.Umapalavra irrefletidaé, amiúde,maisperigosadoqueumpassoemfalso.

Guarda a tua língua, como guarda o avarento a sua riqueza.A natureza, que nosdeu um só órgão para falar, nos forneceu dois para ouvir. A inferência é óbvia.Forçosoéconcluirquehavemosdeouvirduasvezesefalarumasó.

Conta-sequeumárabeingressounumacomitivaemquetodoserambarulhentosediscutidoreseguardoulongosilêncio.Umdoscompanheiroslhesegredou:

—Consideram-tecomoumdosmaisnobresdatuatribo.Seiagoraomotivo.Éssilenciosoediscreto.

Replicouoislamita:— Meu irmão, o nosso quinhão de ouvidos nos pertence; as palavras afoitas e

levianasqueproferimospertencemaosoutros.—Apalavraqueficoupendente,pelosilêncio, em nossos lábios, é vassalo pronto a nos servir; a que proferimos leviana einoportunamenteéalgozatentoemnosescravizar.

OsábioejudiciosoSimeão,filhodoRabiGamaliel,doutrinava:—Passeiavidaentresábiosenadaacheimelhordoqueosilêncio.Oessencialnão

é estudar, é fazer. E quem fala demais abre, em sua vida, portas e janelas para opecado.(Aboth,1,17).

AindanoTalmudepodemos sublinhar esta sentença:“Quando falares, falapouco,poisquantomenorforonúmerodepalavrastantomenoserrarás.”

E no Livro de Israel destaca-se, também, este aviso ditado pela Prudência:“Quandofalaresdenoiteabaixaavoz;e,quandofalaresdedia,olhaprimeiroàrodadeti.”

Seapalavravaleumasela,osilênciovaleráduas.As moedas mais ambicionadas são, precisamente, as que encerram, em pequeno

volume e diminuto peso, grande valor. Assim, a força e a beleza de um discursoconsiste no exprimirmos, em poucas palavras, verdade profunda e conceitosmagistrados.

O Tzartkover (morto em 1903) deixou de pregar na sinagoga durante longoperíodo. Interrogado sobre essa atitude respondeu: “Há setenta maneiras de rezar aTorá:umadelaséosilêncio!”

Aquireunimosas sentençaseconceitosmais interessantes sobreo silêncioditadospelos rabisepelosdoutoresisraelitas. Alguns desses ensinamentos são do Talmude. Assim o provérbio— “Se a palavra vale uma sela, osilênciovaleduas”—apareceemMagilla,19ª.SelaéonomedeantigamoedadaPalestina.

Esposamodelo

...eaondequerquetuforesireieu;ondequerquepousaresànoite,alipousareieu;oteupovoéomeupovo,eoteuDeuséomeuDeus.

OLivrodeRute1,16

Havia emSidon, em época esquecida nas brumas do passado, umamulher chamadaRaquel. Era boa, paciente e simples. Casou-se muito jovem e viveu dez anos emperfeitaharmoniacomomarido.Dezanosestevecasadasemterolaralegradocomapresençadeumfilho.

Ora,oLivrodeMoisés,emrelaçãoaoscasamentosestéreis,nãodeixamargemparaamenordúvida:“Quandoamulhernãoconcebeaofimdedezanos,podeomarido

requererodivórcio.”Eodivórcioé,portanto,impostoemfacedaLei.O grande ideal deRaquel era ter vários filhos, ou aomenos um filho.Mas esse

filhotãodesejadonãoveio.Decorridos os dez anos emais dez dias, omarido, bastante constrangido, disse à

meigaRaquel:—Hádezanos,querida,estamoscasadosenãorecebemos,atéagoraemnossolar,

a bênção de um filho. Triste, bem triste será paramimmorrer sem deixar sobre aterraumherdeirodemeunome!Quefazer,querida?

Raquel não respondeu. Seus olhos encheram-se de lágrimas. Amava o marido esabiaqueeraamada,muitoamadaporele.Comoespíritodilaceradodeaflição,disse-lhecomsuavozaveludadaebranda:

—Ocasoésimples.VamosprocuraroRabiSimeão.Eledecretaráhojemesmoonossodivórcio.

Encaminhou-seocasalparaaresidênciadofamosoRabiSimeãobenYohai,queopovoapelidara“omuitosábio”.

A alegação do marido era irretorquível diante da Lei. A boa Raquel sabia e jáestavaconformadacomasuatristesorte.

RabiSimeão,serenoemelancólico,depoisdeouviroscônjuges,condicionou:—Avossaunião(lembro-mebem!)foicelebradacomumbanquete;exijoqueda

mesmaformasejacelebradaavossaseparação.E,voltando-separaomarido,acrescentounumtomrepousadoefirme:— Imponho, entretanto, uma condição. Terminado o banquete, terá Raquel a

liberdadedeescolher,emtuacasa,e levarparaacasadeseupaiaquiloqueformaispreciosoparaela.Concordas?

—Sim,concordo—aquiesceuomarido.Realizou-se o imponente “banquete da separação”. Muitos eram os convidados;

deliciosososvinhoseapetitosososmanjares.Jábemtardeomaridodisseàesposa:—Vamos,querida.Escolhe logoa joiaquemaisambicionase levaparaacasade

teupai.Nãoteesqueçasdoqueprometesteaorabi.—Aindaécedo—desculpava-seRaquel,afogadanumatristezapassiva.—Deixa-

me gozar, durantemais alguns instantes, da tua companhia e da companhia de teusamigos.

Decorridoalgumtempo,omaridojáestonteadodesonoinsistia:

—Jáescolheste,querida?Levaaquiloquemaisteagradar:joias,móveis,alfaias—nãoimporta.Leva(jádisse)aquiloquemaisteagradar.

—Aindanãoescolhi,meuamor.Eemseusolhos,sempretãomeigoseserenos,sepercebiaummistodeansiedadee

dedor.Ao romper da manhã, e ao findar da festa, o marido, vencido pela fadiga,

adormeceupesadamente.QuefezadiligenteRaquel?Chamouosservosedisse-lhescomfugitivoruborno

rosto:—Levemmeumarido,assimcomoestá,semdespertá-lo,paraacasademeupai.Quandoomaridoacordou,inteiramentealheioaoquehaviaocorrido,perguntouà

esposa:—Ondeestoueu?AdedicadaRaquelesclareceucomomesmosorrisoresignadoetriste:—Estásemcasademeupai.—Eporquevimparaaqui?—estranhouele,esmagadopelaviolênciadasurpresa.Feita uma pausa indicativa de embaraço, esclareceu a bondosa Raquel com a

requintadameiguicequeresplandeciaemseusolhosformosamenteazuis:—Aceitaste a condição do rabi e determinaste que eu escolhesse o que demais

preciosoparamimhaviaemtuacasaetrouxessecomigoparaolardemeupai.Ora,paramim,nadahánomundodemaispreciosodoqueomeumarido.Foi,pois,ati,unicamenteati,queeuescolhi!

Sentiuojovemtocadonomaisíntimodaalmapeladedicaçãoepeladoçuradesuaesposa. Nesse mesmo dia o casal voltou à presença do rabi. E o marido declarouenternecido,masnumafirmezainabalável:

—Éestaaminhaesposa,ó rabi!Éestaacompanheira idealdeminhavida!Nãodeixei,umsómomentodequerê-la,deamá-lamuito!Comfilhos,ou semfilhos—nãoimporta—sóamortenospoderáseparar!

Estedelicadíssimoconto,joiaromânticadaliteraturajudaica,apareceemYalkut,p.4.Cf.R.Cansino-AssensLasbellezasdelTalmud, p. 143.É interessante confrontar a versãoqueoferecemos comShirha-ShurinRabath, I, 4apudLewisBrowne,AsabedoriadeIsrael,trad.deMarinaGuaspari,Ed.Pongetti,1947,p.245.Sobreaquestãododivórcio (findos os dez anos do casamento estéril), convém ler na Torah-Jabanoth, 6, 6. Veja-se a curiosa edelicadíssimaversãodadaaessamesmapáginapelofamosoescritorLafcadioHearnemseulivroFeuilleséparsesdelitteraturesétranges,trad.deMarcLogé,1932,p.365.Ocontoé,paraalgunstalmudistas,atribuídoaumcertoRabiIdi.

Acordadeareia

Lembro-memuito bem. Foi ao cair da tarde.O céu estava brusco e o ar pesado eimóvel. O sábio e judicioso Rabi Haggai chegou, sentou-se no terceiro banco, àesquerda,passoulentamenteolençopelatestae,voltando-separaosjovensdiscípulosqueoaguardavamansiosos,narrouoseguinte:

—Conta-sequeexistiu,outrora,umpaísricoepróspero,chamadoKid-Elin.(Leiaassim:Qui-de-lin—Enãoesqueçaessenometãosonoroesimples.)Ascaravanasquepercorriam as estradas de Kid-Elin encontravam largas faixas de terras férteis ecultivadas.

AmocidadedeKid-Elin,inspiradapeloDemônio,tornou-se,entretanto,agressiva,pretensiosaemá.CorrompidaeenvilecidapeloMal,encheu-sederancoredespeitocontraosvelhos.

—Avelhiceentravaoprogresso!—proclamavamosmaisexaltados.—Estebelopaísentregueaosmoçosserámilvezesmaisforte,milvezesmaisfelizeglorioso!

Oespíritosurdoderevoltafoiseapoderandodosjovens.Quelástima(diziam)essegovernodecrépitodeanciãos!Quelástima!

Não se sabe como, mas a inominável desgraça ocorreu. Precipitaram-se osacontecimentos.Portodososrecantossurgiamfanáticoseconspiradores.

—Eliminemososvelhos!Acabemoscomessasenilidadeinútil!É triste relatar. Que nódoa para o mundo, que ignomínia para a História! A

mocidadedeKid-Elin,presade terrível ehedionda alucinação, exterminou todososvelhos.

Todos,não.Houveumquesesalvoudahecatombe.ViviaemKid-ElinumrapazchamadoZarmanquetinhaporseupai(homembastanteidoso)umagrande,nobreesincera afeição. E, no dia da execrável revolta, escondeu o velho no fundo de umsubterrâneo livrando-o, assim, de cair em poder dos revoltosos homicidas. ParaZarman,avidadeseupaieraumsegredoqueelenãoousavarevelaraninguém.

Voltemos, porém, à nossa narrativa. Exterminados os velhos, o país de Kid-Elinpassouasergovernadounicamentepelosmoçosalegreseinexperientes.Paraocargode presidente da República elegeram um jovem de 22 anos; o ministro maisamadurecido pela idade não completara 18 anos; vários generais não passavam deadolescentes; o Supremo Tribunal foi entregue a um mancebo de 20 anosincompletos; da direção do banco nacional encarregou-se um novato que,precisamentenodiadaposse,festejavasua15ªprimavera!

OsjuvenisgovernantesdeKid-Elinproclamaramcomalvoroçoavitória:— Eis o único país do mundo que não tem velhos! Aqui é a mocidade que

governa,resolveedesresolve!Certasnotíciascorrempela terracomarapidezdorelâmpagopeloar.Nofimde

poucassemanasrecebiaomundoainformaçãodomovimentodeKid-Elin.—Kid-Elinéopaísdosjovens!VamostodosparaKid-Elin.E as estradas se encheram de turistas e curiosos que iam em busca da nova

República.ParaempanaraesfuziantealegriadosjovenssenhoresdeKid-Elin,verificou-seum

fatoprofundamenteinquietanteedesagradável.DeBeluan(reinovizinho)foienviadaaparatosa embaixada constituída de técnicos, jurisconsultos e economistas. Essaembaixada, ao chegar, procurouo jovempresidente daRepública e o fez ciente desua espinhosa e delicadamissão.Tratava-se, apenas, do seguinte: o reino deBeluan,por seus legítimos representantes, exigiadosmoços adevolução imediatade todas asterrasqueseestendiamparaalémdorioHelvo.

E o chefe da embaixada se exprimiu em termos bem claros, sem poesia e semretórica:

— O governo beluanita, firmado em seus direitos, exige a entrega imediata doterritório em litígio.Temos um tratado, nesse sentido, comKid-Elin.Aqui estão osdocumentos.

O presidente, os ministros e magistrados de Kid-Elin examinaram os títulos e asescrituras. Tudo parecia claro, líquido, insofismável. A república de Kid-Elin eraobrigada a entregar ao seu poderoso vizinho (em virtude de um acordo feito vinteanosantes)léguaseléguasdeumaterradadivosaerica!

Quefazer?Seriaaruínaparaopaís!Seriaadesgraçaparaosjuvenis!Foi então que o jovem Zarman (que era o ministro do Exterior) teve uma

inspiração.Lembrou-sedeseuvelhopai.—Vou consultá-lo sobre esse caso— pensou.Meu pai, com a experiência que

temdavida,saberádescobrirumasoluçãoparaessaquestãodasterrasdorioHelvo.EodedicadoZarman tomoudapalavraedisse aopresidente, aosministrose aos

embaixadores:—Voumeditarsobreainopinadaegravereclamaçãodenossosvizinhos.Estudarei

osdocumentosapresentadoseamanhãdareiomeuparecersobreessagravedemanda.CorreuZarman ao subterrâneo secreto em que vivia seu pai e o fez sabedor de

tudooqueocorria.—É singular—ponderou o velho.—Nunca se viu,meu filho, sob o céu que

cobre o mundo, tamanho atrevimento e tamanha desfaçatez! Como ousam essesincríveisbeluanistas exigir a entregadas terrasbanhadaspeloHelvo?Éocúmulodocinismoedasem-vergonhice!Julgam,certamente,quesóhámoçosnestepaís!

—Quedevemosfazer,meupai?Adocumentaçãoporelesexibidaparececlaraeirrespondível!

Retorquiuoanciãoimperturbávelnummetaldevozemquelatejavamalcontidaira:

—Parece,masnãoé.Repontam,nessecaso,aparências, forjadaspelamá-fé,paraocultaraverdade.

Eajuntou,depoisdealgunssegundosderecalcadosilêncio,comoseumainspiraçãooiluminasse:

— Amanhã, meu filho, receberás com acintosa serenidade os arrogantesembaixadores de Beluan e a eles dirás, com absoluta firmeza, o seguinte: “A nossa

república de jovens está resolvida a devolver o território por vós reclamado. Exige,porém,queoreinodeBeluancumpra,naíntegra,comseuscompromissosedevolvaintataacordadeareia.”

—Cordadeareia?—estranhouomoço,roídodecuriosidade.—Quequerdizerissomeupai?Emqueconsisteessacordadeareia?

—Maistarde,meufilho—afiançouovelho,encolhendoosombros—,maistardeentrarás também de posse desse grave e precioso segredo. Por ora é cedo. Segue omeuconselho,etudoestaráresolvidoparaobemdenossospatrícios!

Cega era a confiança que o diligenteZarman depositava no pai.No dia seguinterecebeu a embaixada reclamante, e na presença do presidente, dos ministros, dosmagistrados, dos generais e dos altos funcionários (eram todosmuito jovens), repetiufielmenteaspalavrasqueouviradoancião:

— A república de Kid-Elin está resolvida a devolver o território por vósreivindicado. Exige, porém, que o reino de Beluan cumpra na íntegra com seuscompromissosedevolvaintataacordadeareia!

Aoouviremtalsentença,osembaixadoresbeluanistasmostraram-sealarmadíssimos.Aquelaexigência final,expressapeladevoluçãoda“cordadeareia”,caiucomoumabomba no meio deles. O chefe da embaixada ficou pálido e trêmulo. E depois detrocaralgumaspalavras,emvozbaixa,comseusconselheiroseajudantes,assimfalouderompantecomnervosadecisão:

— Desistimos de nosso pedido. Podeis conservar, para sempre, o território doHelvo,comtodososseuscamposesearas.

Nesse ponto, fez o estrangeiro uma pausa, concentrou-se um momento, e logoajuntou com voz estorcegada, cortante de ironia e rancor, sacudindo o busto comdureza:

— Cabe-me, entretanto, desmentir as notícias propaladas pelos vossos agentes eemissários. Posso jurar que a república dos jovens não existe. Tudo mentira! Hávelhos,ainda,nestepaís!

Mas,afinal,oquesignificaisso:cordadeareia?Eis o segredo que o tempo — e só o tempo — se encarregará de revelar aos

jovens.Avelhiceéumtesouro.Tesourodesabedoria,clarividênciaediscrição.Semo amparo seguro da velhice, a parcela jovem da humanidade estaria perdida eextraviada pelos descaminhos da vida. É a velhice que sabe onde encontrar essa

maravilhosacordadeareiaque ligaopassadoaopresenteeenlaçaopresentecomofuturo.

EobondosoepacienteRabiHaggai repetiaquarentavezes falandoaosdiscípulosatentos:

—Lembrai-vos,meujovensamigos,lembrai-vossempredacordadeareia.

Trata-se de adaptação de belíssima lenda do folclore romeno registrada por Petru Ispirescu. ApresentamossegundoanarrativaquenosfoifeitapelojornalistaeescritorisraelitaNélsonVainer.

Oricoeopobre

Doisjudeus,umpobreeumrico,aguardavamahoradeconsultarumfamosozaddik.Oricofoiadmitidoprimeiroesuaaudiênciaduroubemmaisdeumahora.Eopobre,recebidoafinaldepoisdaquelalongaespera,teveapenasalgunsminutosdeatenção.

—Rebe, isso não é justo!— bradou ele, numa tentativa de protesto, com umaflamanoolhar.

—Idiota!—repreendeuozaddik, todoufanocomum leve requebrodacabeça.—Quandoentraste,percebi,àprimeiravista,oquantoéspobre,resignadoesofredor;mas tive de escutar o outro uma hora inteira para descobrir que ele é muito maispobreebemmaisinfelizdoquetu.

EsteepisódioanedóticopodeserlidoemLewisBrowne,op.cit.,p.497.“Várioszaddikins”,observaBrowns,“serevelaramhomensdealtovalor:sérios,bondosose,nasuaingenuidadeassombrosa,dotadosdeumasabedoriaprofunda.”Aanedota“Oricoeopobre”põeemjustorelevoapresençadeespíritodeumengenhosozaddik.

Paraodotedeumanoiva

QuandooRabiSimchahBunameramoço,umde seusamigos retiroucertaquantiadodepósitoinstituídocomofimderepararosestragossofridospeloslivrosdasinagogaeadeuaumhomemmuitopobrequeangariavasubsídiosparacasareampararnoivassem dote.O fato se divulgou e os depositários intimaram o doador a comparecer aumaaudiência.OacusadoconfiousuadefesaaoRabiBunam.

Arvoraram-seemjuízesdoacusadováriosfigurõesdacidade,quenãogozavamdeboa fama. A integridade moral desses figurões era posta em dúvida por muitosmotivos.OjovemBunam,aodefrontar-secomosjulgadores,sendoconvidadoafalarnarrouaseguintefábula:

—Houve, certa vez, terrível epidemia entre os animais da floresta.Muitas vidasforamceifadas.Oleão,otigre,oloboearaposasereuniramemconferência;araposa,fazendo-se passar por inspirada do céu, formulou a opinião de que a peste era

consequênciadehediondopecadocometidoporumdoshabitantesdamata.Alvitrou,pois, que se reunissem todos e cada qual confessasse as suas faltas e iniquidades. Osanimais ferozes relataram friamente todas as maldades, perversidades e torpezaspraticadas,eassuasmentirosasdesculpasforamaceitassemprotestos.Apareceu,afinal,um tímido carneiro. Convidado a depor perante o tribunal, revelou aos juízes queroera umas palhas secas do colchão de seu dono. “Ahn!”, rosnou o leão. “És umgrande pecador, carneiro miserável! Abusaste da confiança do teu amo. Aquele dequem recebeste o pão e o teto foi por ti arruinado! E com esse teu negro pecadofizesterecairsobrenósocastigodocéu.”Eoinfelizcarneirofoicondenadoàmorte.

“Vós, reb Leo”, continuouRabi Bunam, no mesmo tom, dirigindo-se a um dosjuízes—soisculpadodeimpiedade;rebBaer,quevejoali,éacusadodetraição;rebWolf, que ostensivamente se prepara para ditar sentenças, deixou, por egoísmo eavareza, um filho morrer na miséria. Graves crimes pesam sobre vós e ousais, noentanto, constituir-vos em tribunal contra um homem de bem, que pediu dinheiroemprestadoparaumaobrameritória?

Todosospresentessesentiramenvergonhadosedeixaramotribunal,logoaseguir,sempronunciarsentençacontraoacusado.

Oepisódiointitulado“Paraodotedeumanoiva”encontra-seemLewisBrowne,op.cit.,p.500.IncluiuBrowneessapequenaeexpressiva ilustraçãoentreasmáximasdoParsicharer,designaçãodadaaoRabiSimchahBunam,zaddikdeprestigiosafama,falecidoem1827.

Ostítulosdocandidato

Certo rapaz, sem grandes predicados, apresentou-se ao Riziner (morto em 1850) emanifestouodesejodeserordenadorabi.ORizinerinterrogousobreasuamaneiradeproceder,sobresuaspredileções,eocandidato,compuerilvolubilidade,alegouaseufavorosseguintestítulos:

—Visto-me sempredebranco; sóbeboágua;pregocravosnomeucalçadoparamemortificar. E façomais ainda: deito-me despido na neve emando o zelador dasinagogamedar,todososdias,quarentachicotadasnascostas.

Nissoumcavalobrancoentrounopátio,bebeuáguaeseestirounochãocobertodeneve.

— Repara — aconselhou o Riziner, batendo no ombro do jovem. — Repara!Aqueleanimalquealiestáébranco,bebesóágua,temcravosnasferraduras,deita-se

naneve e apanhamais de quarenta chicotadas por dia.Entretanto, não passa de umsimplescavalo.

EstanarrativaapareceemLewisBrowne,op.cit.,p.502.Paramuitoseducadores,aadvertênciarudeeindelicadadoRizinernãopodeservirdemodelo.Reveste-sedecertagrosseria,e longedeeducar,aviltaodiscípuloeoaniquilamortalmente.Édeverdomestrerespeitaroalunoapesardetodososerrosepuerilidadesditadospelaignorânciaoupelainexperiênciadavida.

Nadatensapedir

Ojustoflorescerácomoapalmeira;comoocedrodoLíbanocrescerá.

Davi

Vindo em sentido contrário ao nosso, aproximou-se um ancião que se arrastavapenosamente,apoiadoemumgrosseirobastão.Menospelosandrajosquelhecobriamocorpodoquepelafisionomiatriste,abatida,podiaoobservadorvulgarperceberqueo pobre velho trazia sobre os ombros o peso de uma vida cheia de sofrimentos edesenganos.

Sensívelàangústiaalheia,levei,quasemaquinalmente,amãoàalgibeira,onde,pelagraça de Deus, sempre encontrei uma moeda com que socorrer o infortúnio que

esmolanasviaspúblicas.OjovemDaviCohn,quevinhaameulado,aodartentonomeugestometocoudelevenobraçoedisse-meemvozbaixa:

— Não, meu caro góim! Não penses em dar teu generoso óbolo a esse mal-aventuradoancião!

Asurpresaquemecausouaquelaestranhaadvertêncianãopassoudespercebidaaomeu companheiro. Que motivo teria ele, afinal, para evitar que eu socorresse otrôpego e senil mendigo? Estaríamos acaso diante de um desses charlatães que sedisfarçamcomsórdidosandrajosparaexploraracaridadepública?

E,nomomentoemqueeupretendia interrogá-lo sobreocaso,DaviCohn tirourespeitosamente o chapéu e dirigiu-se, em ídiche, ao esfarrapadodesconhecido, umasaudação solene como se tivesse diante de si o grão-rabino ou um dos doutores dasinagoga.

Pelasbarbasdetodososprofetas!Aquelepobre-diaboqueacreditavaserummíseropedinteera,porcerto,umdosjudeusmaisilustresdacidade...

E,entretantoqueovelhoseafastavanoseuandarpesadoeclaudicante,punha-meeu a meditar naquele mistério que lhe circundava a fantástica existência. Vivia napenúriaenãopodiavaler-sedacaridadealheia!

— Adivinho e justifico a tua curiosidade — disse-me, por fim, o meucompanheiro.—Querescomcerteza,saberqueméessepobrevelhoqueeuacabodesaudar com tanto acatamento. Vou contar-te o que ouvi há três anos, de um sábiotalmudista:

***

Doismeninos, Samuel eNathan, quando ainda frequentavamos bancos escolares,ligadospeloslaçosdamaisternaamizade,fizeramumpactosolene:aquelequealgumdiaseachasseemsituaçãoprósperaseriaobrigadoaauxiliarooutro.

Unidos,assim,poressemútuojuramento,atiraram-senalutaincertapelavida.Amontoaram-seosdias;sucederam-seosmeses;correramosanos.Nathan,beneficiadoporumaherança,estabeleceu-senocomércioe,bafejadopor

bons ventos, enriqueceu. Samuel, entretanto, não foi feliz. Tentou vários meios devida,massemresultado.Oscontratemposdamásortepareciamnãoquererseafastardasoleiradasuacasa.

Ocorreu a Samuel a aliança feita sob a égide do teto colegial, vindo-lhe alembrança pedir o auxílio do antigo condiscípulo, que era então umdosmais fortescomerciantesdacidade.

ComdecepcionanteespantoouviudeNathanamaisformaleimpiedosarecusa.—Nãomelembrodeterfeitopactoalgumcontigo,eteriasidoleviandade,senão

estultícia,assumirtãoestúpidocompromisso,queomaisrudimentarbomsensorepeleeanula.Certoestoudequeessa invencionicenãopassadeumplanomalalinhavadocom que pretendias extorquir de mim algum dinheiro. Nesse ponto, porém, estáscompletamenteiludido,enãolevasnemmeiocopeque.

Oprocedimento desleal e egoísta deNathan abalou profundamente o espírito deSamuel.Jamaispoderiaeleimaginarqueseuamigosehouvessedaquelemodoindignoe revoltante, negando com tamanho cinismo um ajuste feito sob a invocação doEternoetransformandotãoingênuomovimentodeseucoraçãonumpropósitoquesóditamcaracteresdenegridospelabaixezaepeladesonra.

***

Odestinoencerra,porém,assábiasliçõesqueDeusprocuratransmitiraoshomens.Comoandardosmesesmodificou-seporcompletoasituaçãoeconômicadosdois

amigos.Auxiliadoporumsócio inteligenteededicado,Samuelconseguiu realizargrandes

negócioseganharmuitodinheiro.Nathan,emconsequênciadeumnaufrágio,ficoudeum momento para o outro atirado à mais completa miséria e crivado de dívidas.Lembrou-se,nessaconjuntura,dopactofirmadoentreeleeSamueleresolveuapelarparaoamigo.

ObomSamuelorecebeucomsimpatiaedisselogo:—Nãopoderiajamaisesquecer,amigoNathan,opactoquefizemos,sobtãofeliz

inspiração.Asseguro-te que empregarei osmaiores esforços e nãomedirei sacrifíciosparaauxiliar-te.

EogenerosoSamuelconvidouNathanavircomafamíliahospedar-seemsuacasaduranteaqueleperíododecrise.

Certodia,comacesointeresse,NathanprocurouSamuel:—Apresentaram-me esplêndida oportunidade e quero valer-me dela. Preciso de

oitentarublosparaumatransaçãourgente.Podesemprestar-meessaquantia?

—Comomaiorprazer—aquiesceuSamuel,comafávelserenidade.ENathanprontamenteobtevedoprestimosoamigoodinheirodequeprecisava.

***

Dezanosdepois,oquadrodavidadeambossofrianovaeradicaltransformação.Impelido por uma aragem de sorte, tornara-se Nathan um dos mais ricos

banqueiros da Polônia, e Samuel, tendo fracassado em várias empresas, se achavanovamenteabraçoscomamaisnegramiséria.

EopobreSamuelpensou:“DessavezNathannãodeixarádeauxiliar-me,pois játeveocasiãodevaler-sedo

pactoqueexisteentrenós.”Depois de várias tentativas malogradas, conseguiu, afinal, chegar à presença do

prósperobanqueiro.Ao ouvir falar no pacto, Nathan, amordaçando pela segunda vez a consciência,

atirouàcaradoamigoestrepitosaehumilhantegargalhada:—Jánãoénovaessaléria,meuvelho.Voltasaesseplanoidiotadeobterdinheiro.

Pacto! Pacto! Forte asneira!Como poderia eu comprometer omeu futuro comumpactodessanatureza?Julgas-me,então,algumimbecildispostoaemprestardinheiroanegociantesfalidosearruinados?

Samuel, ao perceber que Nathan se fazia de esquecido, cortou-lhe o aranzeldizendo-lhe,numdesabafo:

— Jáque a tuamemória é fraca emais fraca a tuadignidadepara conservaresoscompromissoseasdívidasdehonra,vê se te lembras,aomenos,dequemedevesaquantia de oitenta rublos que de minhas mãos recebestes, a título de empréstimo,quandovivias,aminhacusta,comtuafamília,emminhacasa.

—Estásdelirando,Samuel—atalhouNathancomumsorrisoamarelonos lábios,sacudindoosombros, enfadado.—Quempoderá crerqueumbanqueiromilionáriohaja recebido dinheiro emprestado de um pobre-diabo como tu! É de assombrar apieguiceda ideia!Peço-tequenãomeapareçasmais,poisnãodisponhode tempoaperdercomconversafiada.

***

Tão abalado ficou Samuel com a infame conduta de Nathan que adoeceugravemente e, ao cabo de poucos dias, aMorte vinha buscá-lo como se o quisesselivrardosgrandesdesgostoseamargurasquelheacabrunhavamaexistência.

A alma de Samuel— reza a lenda—, levada para oCéu, foi ter à presença doprofetaElias.

—Samuel—proferiuoprofeta—;fostesemprenavidaumhomemjustoebom.Cabe-te,pois,pelavontadedoEterno,umarecompensanoCéu.Podes formular, sequiseres, o pedido de algum bem a ser realizado nomundo, entre os teus amigos eparentes.Fala,Samuel,eoEternoouviráatuavoz.

Surpreendidoporaquelaspalavras,respondeuSamuelnumainflexãoaltaeresoluta:— Senhor, eu nada fiz para merecer tão grande recompensa da misericórdia do

Santo.Julgo,entretanto,quemeocorreodeverdeaproveitaraoportunidadequemeofereceisparasalvarumamigoquedeixeinaTerra.EsseamigosechamaNathan.Foimau e ingrato para comigo e estará, com certeza, condenado ao eterno castigo nosabismosdoInferno.Desejo,pois,voltaraomundo,sobaformadeummendigo,parareaverdeNathanumaquantiaquemeédevida.Queroreceberadívidacopequeporcopeque.CertoestoudequeNathan,selheofereceremensejo,sedesobrigarádeumcompromissosagrado,penitenciando-separaassimpoderalcançaraeternasalvação!

RetorquiuoprofetaEliascomprecipitadavivacidade:—Seéparacobrarumadívidadehonra,éinútilatuavoltaaomundo.Fareicom

que teu filho mais velho, que vive modestamente, fique reduzido à miséria e váesmolar,todososdias,àportadacasadeNathan.

—Senhor!—discordouSamuel.—Estouapercebidodevalorparasofrertodasasangústias,masnãotenhocoragemsuficienteparaveraflitoumfilhoamado!Deixa-me,senhor,voltaraomundoparasalvaroamigo!

ESamuel,atendidoemseudesejo,tornouàparagemdosmortaisnocorpodeummendigo.

***

Umdia seachavaNathanabsorvidoemseusmúltiplosnegóciosbancáriosquandoouviuintensabulhanocorredorqueconduziaàescadaprincipal.

Chamouumdosempregadoseointerrogousobreoquesepassava.

— É um pobre que veio pedir uma esmola — explicou o interpelado. —Quisemosdar-lhedoiscopequesmaseleosnãoaceitou.DizquenãoseretiradaportadobancoenquantonãoreceberumaesmoladasmãosdoprópriochefeNathan.

—Peloquevejo—considerouobanqueiro—,temoshoje,comonovidade,ummendigoimpertinente,ousadoecaprichoso.Cadadoidocomsuamania!SeSamueljánãotivessemorridohátantotempo,eujurariaqueeraelequevinhaimportunar-meoutravezcomotalpacto.

E,depoisdemeditaruminstante,ordenouaumdeseusauxiliares:—Mandavirimediatamenteotalmendigoatéaqui.—Momentosdepoisomísero

pedintefoilevadoàpresençadomilionário.— Que desejas de mim, meu velho? — perguntou Nathan emprestando à voz

metálicaumtommaldosodeironiaesarcasmo.—Queroapenas,senhor,receberdevossasmãosaesmoladeumcopequeevirei

aqui,sepermitirdes,todososdias!—Estaédeselhetirarochapéu!Nãofaltavamaisnada!Julgas,então,miserável,

que eu disponho de tempo suficiente para atender a tipos da tua espécie? Pensas,porventura,queeuvouinterrompermeusnegócioselucubraçõesparadaresmolasaossujosqueaquivêmmendigar?

Eajuntouirado,aflautandoavoz:—Queriasreceberumaesmolademinhasmãos?Poisbem.Vaisrecebê-la,nãode

minhasmãos,masdemeuspés!E,puxandoovelhopelagoladoesfarrapadogibão,arrastou-oatéoaltodaescadae

atirou-obrutalmentepelosdegrausabaixo,imprimindo-lheviolentopontapé.O mendigo, gravemente ferido em consequência da queda, poucos dias depois

falecia.

***

AlgumtempohaviadecorridoquandochegouaoconhecimentodeNathanqueseachavanacidadeofamosoRabiBaalSchem,querealizavasurpreendentesmilagreseliaodestinodoshomens.

Nathan,interessadoemconhecerosábiorabi,foiprocurá-lo.No momento em que o banqueiro chegou, proferia o santo a prece que se

denominashimeshi.Essaprece,comoénotório,nãopodeserinterrompida,razãopor

que o poderosoNathan foi obrigado a esperar que Baal Schem chegasse ao fim docapítulo.

—Que desejas de mim,meu filho?— inquiriu bondoso o rabi.—Que tens apedir?

Nathan,orgulhosoedescrente,emendoucomarrogância:— Senhor, eu nada tenho a pedir. Sou rico, poderoso e sinto-me bem na vida.

Todos os meus desejos estão satisfeitos. Aqui vim unicamente para conhecer-vos etrazeralgunsrublosparaosvossospobres.

— Se assim é, meu filho— condescendeu o rabi, em tom displicente, sem lhelargarosolhos—,escutacompaciênciaoquevoutedizer.

Baal Schem, inspirado por Deus, contou ao milionário a história do pacto comtodos os pormenores, até a morte de Samuel, sob o disfarce de um mendigo, nohospital.

Àproporçãoquesedesenrolavaanarrativa,umterrorindefinívelseapoderavadeNathan. Tremia-lhe o corpo como se o tivesse invadido repentinamente as maisperniciosas sezões, enquanto o rosto despavorido se tornava lívido como o de umcadáver.Passavaerepassavaamãopelacabeleiragrisalhaempastadadesuor.Percebeuqueorabi,senhordetodosossegredos,desfiavaasbaixezas,pecadoseingratidõesdesuavida.

E o rabi, ao concluir a narrativa, percebendo o efeito de suas palavras, voltou aperguntar-lhecomironiapatentenaexpressão:

—Então,meufilho?Continuasnailusãodequenadatensapedir?

***

Ao deixar a presença do milagroso Baal Schem, Nathan estava completamentemudado. Vendeu tudo o que possuía, distribuiu todos os seus bens pelos pobres epartiupelomundoasocorrerosinfelizeseapraticarobem.Tornou-seumbom,umjusto.OsacrifíciodeSamuelnãoforainútil.Nathanencontraranoarrependimentoocaminhodaeternasalvação.

***

—Posso concluir, ó meu caro góim? Posso concluir? Esse velho andrajoso, cujoaspecto infundia lástima e que há pouco cruzou o nosso caminho, era exatamenteNathan, aquele que fora outrora o mais temido dos banqueiros judeus. Bem diziaHilel,osanto:“Pormaisrico,pormaispoderoso,pormaisforteemaisfelizquesejaohomem,terásemprecemmilcoisasapediraDeus.”

ScholemAleicheim!

Eis uma dasmuitas lendas israelitas inspiradas na vida exemplar emisteriosa domilagroso Baal Schem. (Vejaglossário.)Apresentamo-lasegundoanarrativaquenosfoifeitapelajovemprofessoraI.V.,figuradeprestígionomagistério e reconhecida autoridade em assuntos relacionados com as tradições judaicas. Parece-nos oportunochamaraatençãodoleitorgóimparaarespostadadaporSamuelaoprofetaElias:“Senhor!Estouapercebidodevalorparasofrertodasasangústias,masnãotenhocoragemsuficienteparaveraflitoumfilhoamado.”

Amortedoinocente

Ordenouumtiranoaexecuçãodecertosábio,contraoqualumcaluniadorlevantarafalsaacusação.Conduzidoao lugardo suplício,ocondenadoviuaesposa, lavadaemprantos,elheperguntou:

—Porquechoras,querida?—Como não hei de chorar— lamuriou ela—, vendo-te condenado à morte,

emboranãotenhaspraticadomalalgum?—Preferirias— tranquilizouomarido—quemeexecutassempor terpraticado

umcrimenefandoouumaaçãoindigna?

OepisódioéapontadoporLewisBromne,op.cit.,p.297,efiguranocapítulo“AsabedoriadeIbnGabirol”.Ficariarealmentefalhaelacunosaaantologiajudaicaquenãooferecessefábulas,pensamentoseversosdofamosoIbnGabirol,filósofo,poeta,moralistaegramáticoquefloresceunoperíodomedieval.SobreafiguraímpardeIbnGabirolseráinteressanteler:SimonDubnov,Históriajudaica,traduçãodeRuteeHenriqueIusim,1948,p.315.

Esposaobediente

Regressava,certamanhã,dasinagoga,oBerditschever,esefaziaacompanhardedoisou três discípulos comosquais palestrava alegre edescuidado.Aocruzarumapraçasaiuaoseuencontroumamulherquedespejou, inopinadamente,nacabeçadosábio,umbaldedeáguasuja.

Reconheceu o Berditschever, na sua gratuita agressora, a esposa de um de seusinimigosmaisrancorosos.

Os discípulos revoltados com aquela agressão sugeriram a ideia de castigar aatrevida,efalaramaorabi.Este,porém,discordoueaconselhoudebomânimo:

—Não castigueis essamulher.Com certeza ela assim procedeu contramim porordemdomarido;logo,recomenda-secomoesposaobediente.Devemosadmirá-la.

EisumadasmuitasanedotasatribuídasaozaddikBerditschever(mortoem1809).Cf.LewisBrowne,op.cit.,p.497.OsensinamentosdeBerditscheversão,porvezes,graciosos,masnelesrepontasempregrandeeprofundoalcancemoral.

Oleãoirritado

Conta-nos a lendaqueoReiLeão, depois deumanoite agitada pormaus sonhos eabaladaporangustiosospesadelos,acordou,certamanhã,muitoirritado.

Osanimaisda floresta, tomadosdepânico, sereuniramnaclareiraque ficavaparaalémdorio.

Que fazer?ORei Leão está demau humor, enfurecido! Como levar a calma eserenidadeaoconturbadoespíritodopoderosoeinvencívelsoberano?

—Tenho uma ideia— e começou o prudente Camelo, dirigindo-se aos outrosanimais. — O Rei Leão gosta de ouvir contar lendas. Encanta-se com as históriasmaravilhosasdegênioseaventuras.Éindispensávelqueumdenósváagoramesmoaopalácio contar uma história ao Rei Leão. Estou certo de que ele, sob a ação danarrativa,ficaráalegreeatranquilidadelhehádevoltaraocoração.

— Quem, entretanto, terá a audácia de aproximar-se do Rei Leão? — acudiutristonhooElefante.—Qual de vocês conhece algumahistória digna de ser ouvidaporSuaMajestade?

—Nadamais fácil— retorquiu a alvoroçadaRaposa com trejeitos deorgulhosa.—Coragemnãomefalta,nemhádefaltarnunca!EseacuradoReidependeapenasdo relato de uma história, é facílimo para mim aplicar-lhe o remédio. Conheçoquatrocentas histórias, lendas e fábulas interessantíssimas que aprendi no decurso delongas viagens empreendidas pelo mundo. Uma dessas histórias há de, por força,agradar ao nosso impávido soberano e dissipar a agitação que maus sonhos lhetrouxeram.

— Muito bem! Muito bem! — conclamaram alegres os outros animais. — Estáresolvidoocaso!VamosaopaláciodoReiLeão!

Puseram-se todos a caminho, pavoneando-se, à frente de numerosa comitiva, aespertaRaposa,quesabiaquatrocentashistórias!

Emmeiodajornada,porém,aRaposaparourepentinamenteeassustada,atremer,exclamou,dirigindo-seaoscompanheiros:

—Meusqueridosamigos,grandeinfortúnioacabadeferir-me!—Quefoi?Queaconteceu?—indagaramoscircunstantesaflitos.—Das quatrocentas histórias que eu tão bem sabia, esqueceu-me agora o fio de

duzentas!—Nãoteaflijasporisso—consolaramosoutrosanimais.—Duzentashistóriassão

suficientes. Uma delas há de, por força, agradar aoRei e dissipar de seu espírito aagitaçãoquemaussonhoslhetrouxeram.

E o cortejo novamente se pôs em marcha pela larga e verdejante estrada queconduziaaopaláciodosoberanodafloresta.

Momentosdepois,quandojáseouviamnitidamenteosurrosatordoadoresdoLeão,a Raposa parou novamente, e, ainda mais assustada, voltou-se para os que aacompanhavam,dizendo-lhescomvoztranstornada,enrouquecida:

—Amigos!Novaeterríveldesgraçamevemsurpreender!—Quefoiqueteaconteceu,amigaRaposa?—acudirampressurososeemcoroos

companheiros.—Dasduzentashistóriasqueeusabianapontadalíngua—balbuciouchorosa—,

cemnãomelembrammais!—Nãovainissograndemal,boaamiga!—redarguiramosanimais,jáduvidososda

segurançadatãoapregoadamemória.—Cemhistóriasdãodesobra!Ametadedessenúmero contentaria, por certo, ao próprio sultão! Em cem famosas histórias uma

haverá, pelomenos, cheiadeperipécias atraentes.Essaháde agradar aoReiLeão edissipardeseuespíritoaagitaçãoquemaussonhoslhetrouxeram.

E, isso dizendo, puseram-se novamente a caminho, levando por diante aRaposa,quepareciatristeeabatidacomoseuapoquentadoresquecimento.

Quando o cortejo— que engrossara consideravelmente com a adesão demuitosoutrosanimais—chegavadiantedopaláciodoReiLeão,aRaposateveumdesmaioeroloudesamparadapelochão.

Reanimada,porém,pelosdesvelosdoscompanheiros,reabriuosolhos,ecomvozsucumbidaconfessoutremente,amastigaraspalavras:

—Quedesgraça,amigosmeus!Nãoseicomoocultar-lhesquejánãomelembramascemúltimashistóriasdequeaindahápoucomerecordavatãobem!

A infanda revelação da Raposa causou verdadeira desolação entre os animaispresentes.Quefariameles?Comoremediarasituação?Jásabiamtodos—pelosurrosmais fortes e mais frequentes do Rei Leão — que Sua Majestade, exaltado eimpaciente, já se achavana salado tronoàesperadoanunciadoemissárioquevinhatrazer-lhecalmaaoespíritoagitado.Quemseriacapaz,naquelagraveemergência,desubstituiraRaposa,atacadadetãoforteacessodeamnésia?

O Chacal, prudente e sensato, sabedor do que acontecera à Raposa, reuniu oschefesdobandoedisse-lhesemtomcordato:

— Meus camaradas! Sou, como bem sabeis, um animal rude e inculto! Tenhovivido sempre em soturnas grutas isolado do mundo, afastado dos sábios e dospoderosos. Aprendi, porém, com um velho mestre que tive nos primeiros anos deminhavida,umahistóriamuitooriginal,quejamaismeesquecerá.Estoucertodeque,ao ouvir essa única história, o nosso gloriosoRei Leão verá restituídas a calma e atranquilidadeaoseuespíritoconturbado.

—Vai,Chacal!—exclamaramosanimais.—Quemsabesenãoconseguirás,comtuabelanarrativa,nossalvardafúriavingativadoReiLeão?

O Chacal, em três ou quatro saltos, galgou resoluto as longas escadarias do ricopalácioqueabrigavaoexaltadosoberano.

A grande praça estava repleta. A população inteira da floresta aguardavaansiosamenteodesfechodaarriscadatentativa.

Esperavam todos, a cada instante, ouvir os uivos de dor que o pobre ChacalexpediriaquandoestivessesendoestraçalhadopelasgarrasimpiedosasdoLeão.

Decorridos, porém, alguns momentos de angustiosa expectativa, viram todos,perplexos, se abrir as portas do régio palácio e surgir na larga varanda oRei Leão,calmoe satisfeito, em solenepostura, a saudar risonho, comamáveismeneiosde sualustrosajuba,ossúditosreunidosaseuspés.

E paramaior pasmo, ao lado do temidoLeão, perfilava-se o abnegadoChacal, opeito escuro coberto de ricasmedalhas e distintivos nobiliárquicos, a cintura envoltapelafaixadouradadeministroeconselheirodoreino.

Os animais não se mexiam, de tão assombrados. Ninguém sabia explicar aqueleespantosomistério.Que teria contado oChacal de tão extraordinário aoRei Leão?Quehistóriamaravilhosateriasidoaquealteraratãoradicalmenteogêniodomonarcaefizeracomqueseunarradorsetornassedignodetãoaltahonraria?

Acuriosidade,mesmoentreosanimaisdafloresta,éumfatordamaiorimportânciaemtodososacontecimentosdavida.

OCamelo,queforaatéentãoumdosmaisíntimosdoChacal,nãopodendorefrearaânsiaqueoespicaçava,aproximou-se,discreto,donovovizirdoreieperguntou-lherespeitosamente:

— Ilustre ministro, dizei-me, peço-vos por favor, que história contaste ao nossogloriososoberano?

— Amigo Camelo — respondeu com simplicidade o Chacal, — o conto quenarrei ao Leão nada tem, realmente, de extraordinário. Aproximei-me do trono enarrei-lhe, semnadaocultar, a peçaquenospregara a vaidosa epusilânimeRaposa!SuaMajestadeachou-lhemuitagraçaedisse-me:“Ésempreassim,meucaroChacal!É sempreassim!Longedeumreiviolentoe irritado todos se inspirameapresentamideiasgeniais!Overdadeirotalentoeaverdadeiracoragemsóserevelam,porém,naocasiãoexataeprecisa,aodefrontaremcomoriscoeameaça.”

Adaptação,emformadeconto,de famosa lenda israelitaatribuídaaoRabiLevi,doséculoIII.Cf.“BereschithRabba”,cap.78.Veja:MalbaTahan,Lendasdodeserto.“BereschithRabba”éumgrandecomentáriofolclóricodoGênesis.ÉomaisantigoeomaiordosRabbothedevedatardoséculoIV.

Jogandoxadrez

SimchahBunam,zaddikdeParsischa (mortoem1827) tentou induzirumpecador aemendar-se. Convidou-o para uma partida de xadrez e, durante o jogo, fez ummovimentoerrado.Ohomemiaaproveitar-sedoenganomasozaddiklhepediuqueodesculpasse.Nãotardou,porém,aenganar-sedenovo,edessavezoadversário senegouarelevarafalta.

Disse-lheentãoorabi,comamaisafetuosasimplicidade,premindo-lheobraço:— Ficas impaciente com o teu parceiro que comete dois erros numa partida de

xadrez,eesperasqueoSenhorteperdoeosinúmeroserrosepecadosdetuavida?Cheioderemorso,opecadorprometeucorrigir-se.

O Rabi Simchah Bunam é, pela forma original com que reveste seus ensinamentos, uma das figuras maisexpressivasdohassidismo.Sãocuriosososartifíciosdequelançamãoessezaddikparaconvencerseusdiscípulos.EsseepisódiodojogodexadrezéapresentadoemLewisBrowne,op.cit.,p.499.

Aletrabeth

EncontramosnoTalmudeestainteressanteobservação:“AhistóriadaCriaçãocomeçapelaletrabethenãopelaletraalef,queéaprimeiradoalfabeto.”

Impõe-seumapergunta:porquefoidadatãodecisivapreferênciaàletrabeth?Eisasingularexplicaçãooferecidapelossábiostalmudistas:“Porquebethéinicialda

palavrabarakha(bênção)aopassoquealeféainicialdearira (maldição).Docontráriooshomensdiriam,ecomtodarazão:‘Comopodeomundosubsistirsefoicriadocomumaletrademaupresságio?’”

São palavras do Senhor, Deus de Israel: “A mim clamaste na angústia, e eu telibertei; da nuvem que trovejava fiz ouvir a minha voz; provei-te nas águas deMeribah.Ouve-me,povomeu,queroadvertir-te.Oxalámeescutes,Israel!”

Cf.Aspectsdugénied’Israel,Paris,1950,nocap.“LeTalmud,sentencesetrécitsexemplaires”,p.64.SobrealetrabetheaCriação,indicamostambém:Khagiga,apudA.Cohen,op.cit.,pág.83.AspalavrasfinaisdotrechosãoosSalmos80-8,deDavi.

Apaciênciadomestre

Vindeouvir,todosvósquetemeisaDeus,eeuvosnarrareiquantodebomoSenhorfezàminhaalma.

Davi

Omestre—prescreve oTalmude— temobrigação de repetir tantas vezes a liçãoquantassejamnecessáriasparaqueodiscípulopossacompreendê-lobem.

ORabiBerida tinha um discípulo dotado de limitadíssima inteligência. Para essejovem, era o bom rabi obrigado a repetir quatrocentas vezes* a lição, pois só assimconseguiaqueelecompreendessealgumacoisa.

Estava, certa vez, o paciente rabi às voltas com o tal discípulo, esforçando-se naexplicação de certo trecho da Escritura, quando recebeu urgente chamado de umamigo.Asuapresençaeraexigidanumareuniãoemquedeviamserdebatidosassuntosquelhediziamrespeito.

Antesdesair,segundoseucostume,explicouquatrocentasvezesaliçãoaojovem;maseste,nofimdetudo,interrogado,confessouquenadahaviacompreendido.

—Meufilho—disse-lheomestre,encarando-ocontristado—,serápossívelque,dessavez,asminhasmultiplicadasrepetiçõesnãotenhamlogradoêxito?

—Senhor!—explicouodiscípulocomvoz trêmula.—Quandopercebiqueosamigosexigiamatuapresençaemoutrolugar,preocupei-mecomocasoenelefixeimeus pensamentos. A cada palavra tua, parecia-me que, por minha causa, estavassacrificandoosteusinteresses.E,marteladoporessapreocupação,nadapudeperceberdeteusensinamentos.

—Pois bem!—decidiuo sábio, abeirando-semais do jovem.—Aculpanão étua;éminha.Recomeçaremosdenovo.

E, antes de sair para a reunião, reiniciou a mesma lição e repetiu-a outrasquatrocentasvezes.

Esteepisódio,dealtasignificaçãodidática,figuranoTalmude.Cf.R.Cansino-Assens,op.cit.,p.197.Observa-seuma decidida simpatia dos talmudistas pelo número quatrocentos. O número quarenta e seu múltiplo —quatrocentos—sãoosmaiscitadosnaliteraturatalmúdica.

Nota

*Trata-se,naturalmente,deumnúmerodeterminadoparaindicarumindeterminado.

Respeitofilial

EisoquenoscontaoTalmudeentreosseusadmiráveisensinamentos:“Ao ouvir os passos de sua mãe que chegava, o sábio e judicioso Rab Joseph

ergueu-se lentamente diante de seus discípulos e declarou com ênfase: ‘Levanto-meporqueacabadeentraroShekinak.’”

Shekinak, em hebraico, é o Espírito Santo, é o Amor. Prestava, desse modo, odoutoisraelitapartedotributodereconhecimentoquedeviaàsuamãe.Adívidadegratidão de um filho para com aMãe é conta sempre em aberto; jamais poderá serresgatada.

InspiradonumapassagemdeMichna-Kiddouchin,31,b.Cf.A.Cohen,op.cit.,p.236.OTalmudealonga-se,porváriaspáginas,emseuscomentáriosealegoriassobreabelezaesublimidadedoamorfilial.

Omendigonacerca

Achava-se certo ricaço à janela quando viu, do outro lado da rua, um mendigo aesfregar as costas num cercado. Informado de que o pobre homemnão tinha, haviameses,comquepagarumbanho,deu-lhealgumdinheiroeumamudaderoupa.

Anotíciadaqueleacontecimentoseespalhoupelacidade,enãotardouqueoutrosdoispobresqueviviamnosarredoresfossemteràmesmacerca,eparaatrairaatençãododadivosojudeusepuseramaesfregarenergicamentenumadasestacas.Mas,emvezdelhesdaresmola,oricaço,aoavistá-los,correu-osabengaladas.

—Foradaqui,embusteiros!—bradavaelenumtomprecipitadoecavernoso.—Amiméquenãoiludem!Foradaqui,mandriões!

—Masporqueacreditastenooutro?—protestou,atarantado,umdosmendigos,fitandooricocomafaceemparvecida.

— Porque ele estava sozinho, e, naturalmente, sentindo aflição nas costas, sóencontrouummeio:esfregar-senacerca.Masvocêssãodois,esenãofossemcínicos

eimpostores,cadaumcoçariaascostasdooutro.E,exaltado,comfulminantegestodecólera:—Foradaqui!

Nofolcloreisraelita,ocapítuloquecompreendeoanedotáriopopularé interessantíssimo.Porsuaantiguidade,pelaextensãodeseuengenho,porsua influênciareligiosa,opovojudeuépostoemsituaçãoderealdestaqueentreoscultoresdofolclore.RaimundoGeiger,noprefáciodeseulivroCuentosjudíos(trad.deI.G.Gorkin),põe em relevo a feição humorística dos ídiches. A omissão, nesta antologia, da parte folclórica anedotáriarepresentaria,certamente,umafalhaimperdoável.Éclaroquesónosparecemválidasasanedotasconstrutivas,istoé, as que encerram um ensinamento, uma advertência ou o agudo sentido do humorismo que caracteriza osjudeus.O anedotário israelita temummérito que devemos encarecer.Os casos anedóticos confirmamo vastoespírito liberalde Israel,o respeitodos judeuspela liberdadedeopiniãoe a forma resignadacomoessepovorecebe os reveses da vida, sem se deixar subjugar, mantendo-se, através dos séculos, ágil, são e cheio deesperanças.Cf.LázaroLiacho,Anecdotariojudío,2ªedição,BuenosAires,1945.LewisBrowne,op.cit.,pág.542.

Duasrajadasdevento

Aoregressarvitoriosodesuasguerrasdeconquistapelomundo,oimperadorAdrianoconvocouoscortesãosedeclarounumtomdeexcepcionalgravidade:

— Dado o poder de que disponho, e em virtude da força incalculável querepresento,exijo,deagoraemdiante,quemeconsideremcomoumdeus!Elevou-meodestinoaoplanosublimedadivindade!

Malouvirataldeclaração,adiantou-seumdosnobresedissejubilosoaorei:—Umavezque soisumdeus, implorodesde jáovossopreciosoauxílio.Podeis,

senhor,ajudar-menestahoradegraveinquietaçãoemquemeencontro?—Queaconteceucontigo?—perguntouoimperadorcomvaidosaentonação.—

Emquepodereiauxiliar-te?—Preocupa-measituaçãoemqueseencontraumdemeusbonsnavios.Acha-se

essagaleraparadaa trêsmilhasdacosta.Reina,háváriosdias,absolutacalmaria,eonavio,comgraveprejuízoparamim,nãopôdealcançaroporto!

—Issoésimples—declaroulogoAdrianocomostensivaindiferença.—Mandareiumafrota,tripuladaporbonsremadores,queofaránavegar.

—Paraque tãogrande incômodo—acudiupressurosooáulico,comumsorrisoimpertinente—,comduasoutrêsrajadasdeventoagaleraestarásalva!

—Masaondeireieubuscarovento?—esquivou-seoimperador.Retorquiu,muitosério,ocortesão,comacertadocritério:—Senão sabeis comoobterduas lufadasdevento,muito fracoéovossopoder.

Comopretendeiarrogar-vosdosatributosdeDeus,quecriouoventoefazbramirosvendavais,senãoconseguisperturbarcomduasrajadasacalmariadomar?

Tão justa e sábia advertência fez calar opoderosomonarca e deixou-o confuso econstrangidodiantedesuacorte.

Tanhuma,ParaschaBereschith,7:10.Esseepisódioécitadoemquasetodasasantologiastalmúdicas.Adotamosaformaquenospareceumaisinteressanteparaoleitor.Cf.OTalmudedeMoisésBeilinsoneDanteLattes,traduçãodeVicenteRagognetti,comdedicatóriadeRafaelMayer,p.53.

“Eneno-iudéa”

Vósnoslivrastes,Senhor,dosquenosafligiameconfundistesosquenosodiavam.EmDeusnosgloriaremostodoodia,elouvaremoseternamenteovossonome.

Davi

Era em Ioldivka, pequena aldeia deUcrânia, quando o famoso país eslavo ainda seachavasoboguanteimplacáveldotsarismo.

Naquela noite, o velho e sombrio palácio do puritz se enchera de alegresconvidados.SuaAlteza,opríncipeAleixoBuroff,governadordeIoldivka,ofereciaaosfidalgos e burgueses mais ricos da aldeia o grande banquete com que anualmentefestejavaoaniversáriodeseupoderosoamigoeprotetor,otsardetodasasRússias.

Avodca corria em abundância.Os orgulhosos senhores, exaltados pelas contínuaslibações alcoólicas, cantavam, com voz rouca, as velhas melodias dos camponesesrussos,enquantoasraparigaseservosdançavamokamareinskaiaeokazatchockaosomdasbalalaicas,vibradaspelasmãoságeisdeartistasexímios.

Emdadomomento,quandoasuntuosafestapareciaatingiroaugedoentusiasmo,opopeseaproximoudopríncipeAleixoedisse-lhecomafetadanegligência:

— Poderia, Vossa Alteza, conceder-me agora a permissão, já pormim solicitadavárias vezes, para expulsar os judeus de nossa aldeia? Os israelitas, a meu ver,constituem uma população que, se não é prejudicial, é pelo menos completamenteinútil.

O puritz, com o espírito perturbado pelos efeitos dos vinhos, não hesitou ematenderaocriminosodesejodopope,enomesmoinstanteoautorizouaexpulsarosisraelitas de Ioldivka. Era necessário um pretexto. Ao pope caberia a fácil tarefa dejustificaratorpemedidadeperseguiçãoaoshebreus.

No dia seguinte, a população israelita de Ioldivka foi surpreendida pelo seguinteaviso,mandadoafixarnapraçapública:

JudeusdeIoldivka

“Várias e graves denúncias contra os judeus chegaram ultimamente aos ouvidos de SuaAlteza,opríncipeAleixoBuroff.Encarregou-meSuaAltezadaingratatarefadeapuraroquehádeverdadeacercadetaisdenúncias.

Segundoseafirma,etenhodissoprovasbemseguras,os filhosdeIsrael,queaquihabitam,nãosódescuramocultivodasterras,entregando-seexclusivamenteamisteresdequeauferemdetodomundolucrosexorbitantes,comotambémlançamaoabandonoosestudosepráticadanobrereligiãomosaica,afundando-senoateísmoealardeandoheresias.

SabeDeusqueeumesintoanimadodomaispuroafetopelosmeusirmãosemIsrael,masseessesfatosforemconfirmados,ver-me-eiforçado,comgrandemágoa,aexpulsá-losdeIoldivka.

Paraelucidaraquestão,exijoqueescolheisdentrevós,ójudeus,omaishábileinstruídoparaser por mim publicamente interrogado sobre o Talmude. Se ele responder satisfatoriamente atodas as perguntas que eu lhe fizer, ficareis empaz.Se, porém, o vosso emissário demonstrarignorânciaemassuntostalmúdicos,sereisfulminadospelodesprezodetodososhomensdebem,poisumpovoquenemaomenosconheçaasualeifundamentalnãotemodireitodeviverentregentehonestaetrabalhadora.”

PopeLADISLAU

Essa inesperada intimação do pope causou verdadeiro pânico entre os judeus deIoldivka.

Era voz corrente e por todos reconhecida, que o pope possuía invejável culturafilosófica,tinhaprofundosconhecimentosteológicosesenotabilizara,alémdisso,pelosgrandesestudosquefizerasobreoTalmude.

O rabino Uziel, homem inteligente e culto, que pontificava no het-adnessed deIoldivka, não se sentia com coragem para discutir com o pope, sabendo que umarespostaemfalsoacarretariaexpulsãoinexoráveldetodososseusirmãos.

Eseorabinãoseapresentava,quemteriacoragemdeenfrentarosábioortodoxo?Os israelitas, em facede tal calamidade, em sinal dedesesperação, fizeramokria,

cobriramacabeçadecinza,aopassoqueorabinodecretavao tunnesseconvocavaoschoichecht, o malamed, o hazan, o bakoira e todos os vultos de mais prestígio dacomunidadeisraelitaparadiscutireresolverasituação.

Como não houvesse, porém, quem se julgasse capaz de assumir a graveresponsabilidadedediscutircomopope,dirigiram-setodososhet-adnessed,acenderamas velas e abrindo o aronkodsh começaram a rezar, implorando o auxílio divino elamentando-sediantedaTorá.

Quandojápoucofaltavaparaexpiraroprazo, subiuorabiparaobellemene falouaosinfelizesjudeus:

—Aindanão terminaram,ó filhosde Israel, osnossos sofrimentos!OSantoquerexperimentarmaisumavezanossaresignaçãoefezcairsobrenósmaisessaprova.Idepara as vossas casas e preparai-vos para o novo exílio, pois a nossa situação éinsustentável. Sinto-me perturbado e incapaz de discutir o Talmude com o popeLadislau. E dentre vós, quem teria coragem para enfrentar o sábio e rancorosoinimigo?

Nograndesilêncio,quesóerainterrompidopelosdébeissoluçosdasmulheres,fez-seouvirumavozenrouquecidaecava:

—Euirei.Houvena sinagogaumgrande e incontidomovimentode agitação e surpresa, de

esperança e indignação.Quem seofereceraparadiscutir comopope, emnomedosjudeus,eraElik,ohomemqueandavadesdemanhãatéanoite,acarregaráguadorio

para as casas. Elik não passava de um tipo grosseiro, pouco inteligente, ignorante equaseanalfabeto.

Osqueseachavampertodoaguadeirojulgavam,aprincípio,quesetratavamenosdemistificaçãoquedeumapilhéria,etiveramímpetosdeopôrparaforadorecintosagradonomesmoinstante.

O rabino, batendo com energia na mesa do bellemen, fez serenar o tumulto einterpelouElik:

—Sabesbemoqueestásdizendo,ó,aguadeiro?—Sei,sim.Ireiláeheideconfundiropope!—MasquesabestudoTalmude?—Deixa-meempaz!Seicáalgumacoisaqueopopenãopoderáresponder!Achouorabiqueseriaprudentenãopedirsobreocasomaioresesclarecimentosao

aguadeiro, e crendo que o pobre Elik era um enviado divino para a salvação dosjudeusdeIoldivka,assimfalou:

— Ó, meus irmãos de Israel! Já vejo no Oriente luzir a esperança da salvação!TenhamosféqueoSantonãonosdesamparará!

E,chamandoomalamed,murmurousombriamente:—Vaianunciaraopopeque jáescolhemosonosso representanteequeelepode

preparar-separanosreceber!Scholemaleichem!

***

Napraçaprincipaldaaldeia,sobreumgrandeestradoerguidoespecialmenteparaooriginal prélio, o pope, acompanhado do puritz e das mais altas autoridades deIoldivka,aguardavacomamaiorsolenidadeachegadadosisraelitas.

Estesnão se fizeramesperar.Àhoramarcada se aproximaramdapraça coaguladadecuriosos.Àfrentemarchavamorabinoeoaguadeiro.

—Eisaquionossoilustrecorreligionário,queveiodiscutircomVossaEminência!—anunciouorabino,apresentandoElikaopope.

Tomadodevivaindignação,opopeLadislaunãoseconteveegritoucolérico:—Cãesmiseráveis!Sóporesseinsultocomquepretendeisenlamearomeunome

e o meu prestígio mereceis imediata expulsão da aldeia! Como ousais trazer, paradiscutircomigo,umhomemqueéaomesmotempoidiota,estúpidoeignorante?

E logo, atabalhoadamente,voltando-separaopríncipeAleixo,osolhos a coriscardecólera:

—Veja,VossaAlteza,aquepontochegaaaudáciaeoatrevimentoincríveldessesaventureiros!Queremque eu desça daminha posição para discutir oTalmude comumhomemquemalsabeler.

Opríncipesemexeuimpaciente:—Não poderás, meu amigo, recusar o representante judeu por tratar-se de um

homem rude e inculto. Mais fácil será a tua tarefa. Esmaga esse ignorante e eudecretarei,aseguir,aexpulsãodetodososjudeus!

—Queassimseja—tornouopope.—Umavezquemeobrigamadiscutircomesteimbecil,exijoumacondição:aquelequedeixarderesponderàprimeiraperguntaserádegoladoimediatamente!

Opuritz,fitandoorabinoUziel,perguntou-lhe:—Aceitasacondição?Elik,semhesitar,cominalteradosemblante,decidiupelorabi:—Aceitamos,ó,Príncipe!Ordenouopuritzqueumgordovai,verdadeirocarrascorusso,sepostasse,deespada

desembainhada,portrásdoaguadeiro.— Peço a Vossa Alteza que mande colocar outro guarda, na mesma atitude de

espadaempunho,juntoaopopeLadislau.—Cão, atrevido!— protestou enfurecido o pope.— Julgas, então, que eu vou

deixar sem resposta algumas das tuas perguntas?Não passas de umpobre imbecil! Eparaprovarqueeunadareceiodeti,cedo-teodireitodefazeraprimeirapergunta.

Fez-se um grande silêncio.Os judeus acompanharam com indescritível ansiedadetodasasperipéciasdaqueledesigualcertamedequedependiaasortedetodos.

Elik,oaguadeiro,perguntoualtivamenteaopope:— Pope! Tu que afirmas saber tudo, conhecer tudo e responder tudo, dize-me:

Quequerdizereneno-iudéa?Essaperguntafoiseguidadeumaestrepitosagargalhadaporpartedopope:—Envergonha-te,histriãoignóbil!Issonãoéperguntaquesefaça,ó,cretino!Não

sei!Seumachuvadeourocaíssenomeiodamultidão (semembargode seremtodos

judeus),nãoteriacausadomaiortumulto.Osisraelitasexultavamdejúbilo.OpríncipeAleixointerpelouopopecomseveridade:

— Com que então, ó pope, não sabes responder à pergunta de um simplesaguadeirojudeu?Enãoteenvergonhasdeconfessar,empúblico,atuaignorância?

O “pope”, lívido, trêmulo, procurava defender-se naquela situação de vexame edeslustre:

—Mas...não...Alteza.Aperguntafeitapeloaguadeiroétola!Repito:nãosei!Cortandoosilêncioquesealargavaopuritzgritouparaogordovai,apontandoparao

popecomumdedoalongadoelívido:—Nãosehumilha,impunemente,umprínciperusso!Essepopeéumimpostor,é

umcretino!Degola-o!Nãofoinecessáriorepetiraordem.Comumgolpecerteiro,ogigantescogordovai

fez a cabeçadopope rolarpelo estradoe cairna areiadapraça.Ocorpodo infelizbaqueou,emseguida,paratombarsurdamente,espadanandosangueportodososlados.

Osjudeusficaramestarrecidosdiantedaquelacenabrutaleinesperada.EopríncipeAleixo,dirigindo-seaosisraelitas,disse-lhes:

—Declaro, sobminha palavra denobre, que dehoje emdiante, enquantoDeusmederalentoeforça,osjudeuspoderãovivertranquilamentenestaaldeia!

***

Havia, porém, uma circunstância que só os judeus conheciam e que, portanto, opuritz,eosgóimignoravam.

Eneno-iudea,éumaexpressãohebraicaesignifica“nãosei”.Odesfechodocaso, comamortedopopee a sentençadopuritz, trouxegrande

alegria aos israelitas, que logo se dirigiram ao het-adnessed a fim de render graças aoCriador.

Em certomomento, não podendo sofrear a curiosidade queo abrasava, o rabi sedirigiuaoaguadeiroeperguntou-lhecomvozvelada,cingindo-onumefusivoabraço:

—Dize-me,meu filho,comoteveioà lembrança fazeraopopeaquela luminosapergunta?

Comamaiornaturalidade,nasuarudezadeiletrado,respondeuoaguadeiro:— Tive há tempos, nestas mãos, um exemplar do Talmude, traduzido por um

sábiorabi.Paratodasaspalavrasdavaosábioumasignificação.Noteiqueapenasparaeneno-iudéaeledeclaravacomamaiorfranqueza“nãosei”.Ora,seumgranderabinonãosabiaoquequeriadizereneno-iudéa,eracertoqueopopetambémnãosaberia!

Só então os judeus cultos compreenderam que a absoluta ignorância de Elik lhesgarantiraosbenseatranquilidade,poisnemelepróprio—queformularaapergunta—sabiaqueeneno-iudéasignificava“nãosei”!

—Umsábioorgulhoso,quandotransviadodocaminhodobem,podeservencidopelomaisrudeignorante.

BaruchAdonai!BenditosejaDeus!

Conto popular israelita aqui apresentado segundoumanarrativa que nos foi feita porEliasDavidovich.Nesteconto a comunidade israelita de pequena aldeia russa consegue evitar uma deportação iníqua. Em seu LivroJudeologia escreveMoisésKahan:“Sobreviveramos judeus, a toda sortedeperseguiçõeseextermínio.Durantemuitasgeraçõesnãohaviaisraelitaqueestivessesegurodeseusbensedesuavida.SempreaameaçadadesgraçadadesventuraesemprerecomeçandocomoPrometeuacorrentado.”Cf.MoisésKahanJudeologia,SãoPaulo,1943,p.82.

Acabrafatigada

José Krantz, o grande maguid (evangelista) de Dubno, morto em 1804, granjeararenomecomsuasparábolas.Chegandocertavezaocairdatarde,àcidadedeJericó,apeou-seàportadeabastadomercador.

Recebeu-ooricaçocomsimpatiaedisse-lhesemmaispreâmbulos:—Apazsejaconvosco,ósábiomaguid!Sentai-vosecontai-meumalindaparábola

ouumalendadeIsrael.—Comomaiorprazer—aquiesceuopregador.Encostou-setranquilonasoleiradaporta,meditoudurantealguns instantes,passou

lentamenteamãopelatesta,enarrouoseguinte:—Ummercador galileu levou certa vez para casa uma cabra que comprara na

feira,eamulhercomeçouaordenhá-la.Nãoobteve,naturalmente,nemumagotadeleite.“Ora!”,protestouamulher,“foste iludidononegócio,meumarido.Estacabranão presta.Não dá leite!” “Enganas-te, querida”, retorquiu o galileu, “émuito boacabra,deboa raçaedámuito leite.Masvemde longe,estácansada, famintaecom

sede.Satisfaz-lheasnecessidades,dá-lheumanoitededescansoe,amanhã,teráleiteàfarta.”

AdaptadodeumtrechocitadoporLewisBrowneemseulivroSabedoriadeIsrael,p.509.

Aterraquepurifica

Sêminhaajuda:Nãomedeixes,nemmedesprezes,óDeusmeuSalvador.

Davi

Dois doutores passeavam, certa vez, pelos confins da Palestina quando viramaproximar-sedelesumféretro.Compreenderamquesetratavadealgumisraelitaque,tendomorridolongedapátria,eralevadoparaenterrar-senaTerraSanta.

Umdosdoutorescomentouirônico:—Quetolos!Dequeserveisso?Essesimbecisincidemprecisamentenacensurado

Profeta: “Enquanto a vida vos anima, a Terra de Israel é para vós um opróbrio; e

depois, quando de vossos olhos a luz se apaga, vindesmacular o nosso chão comosdespojosdevossoscadáveres!”

— Não me parece razoável a tua crítica — discordou, em tom sereno, ocompanheiro.— Afirmo-te que um simples torrão da terra sagrada caindo sobre oféretro redime, por completo, o morto do pecado de ter vivido em país estranho.Proclamaoprofetaqueestaterrapurificaseupovo.

Econcluiuinspiradonumavozquentedepersuasão:—PossuirasepulturaemTerraSantaequivaleapossuí-lasoboaltar.

Figura este trecho emTalmudede Jerusalém, cap. 2.O israelita quevive longedaPalestinadevepossuir umpoucodaTerraSanta.Emcasodemorte,éessaterracolocadapelosamigospiedososnoesquifedaquelequeavida forçou a viver empaís estranho.Obom judeu leva, assim, consigo,umpunhadoda terra sagradaparaotúmulo.

Apratadorabi

Certa vez o Besht jornadeava com o seu filhinho Hirsch para Medziboz, a fim devisitaro rabidacidade,entãoenfermo.Orabierahomemde recursos, eexibiaemsua casa um armário atulhado de linda e rica prataria que o jovemHirsch admirouimensamente.

Emdadomomento,quando se achava a sós como jovem,oBesht,quebrandoosilêncio,assimfalou:

— Julgas, naturalmente,meu filho, que essas pratas não estão em lugar devido eque ficariam melhor em casa de teu pai. Acertas num ponto e erras em outro. Apratarianãoseachabemaqui;masemnossacasanãodeveriatambémficar.Ocertoeo legítimo seria que fossem todas essas peças distribuídas comoesmolas, ou aplicadasem obras de educação, pois é ridículo que permaneçam aqui a rebrilhar, como

ornamentos fúteis, quando o dono desta casa, pelo cargo que exerce, deve darexemplodemodéstiaedesprendimento.

EsteepisódioécitadoentreasmáximasdeBaalSchem—Tov.Cf.LewisBrowne,op.cit.,p.475.Parece-nosjustaaobservaçãodorabi.Nãosecompreende,realmente,quepossaumverdadeirosacerdote,cônsciodesuasfunções,colecionarmoedasrarasoupeçasdeouroeprata.

Oexagerodaprece

Antonino,quesucedeuaAdrianonogovernodeRoma,erasóbrio,clementeejusto.Durante seu reinado, foramospovosbeneficiadospor largoperíododepaz. Sempredisposto a proteger os desgraçados e a amparar os fracos, foi esse bom monarca,verdadeiramente, o pai de seu povo. Ouvia com respeito os sábios e atendia aosjudiciososconselhosdosmaisvelhos.

FrequentavaacortedeAntoninoumdoutorabichamadoJudahha-Nasi.Umdiao imperadorpediuqueo rabioesclarecesse sobreumpontodadoutrina

quelhepareciaobscuro:—Deveumhomem,dentrodosprincípiosdesuafé,rezaratodoinstanteeerguer

suasprecesacadamomento?—Esse exageroque levao crente aumaprecedesarrazoadanão épermitido—

esclareceuorabi—,etalproibiçãotemporfimimpedirqueohomemsehabitueainvocar,emvão,onomedoAltíssimo.

Não compreendeu o romano o sentido dessa explicação e retorquiu com certabrusquidão:

— A razão que alegas, ó rabi, não tem, a meu ver, cabimento. Seria umcontrassensoaceitá-la.

Ovelhoha-Nasi,nãoinsistiusobreocaso,masnodiaseguinteseapresentoumuitocedo na sala do trono e ao entrar cumprimentou respeitoso o imperador, erguendobemaltoasaudação:

—SalveTitoAurélioFúlvioAntonino, senhordeRoma,dominadordomundo!Ave,CésarAugusto!

Sentiu-seAntoninolisonjeadocomaquelahonrosacortesia.Masorabi,meiahoradepois, ergueu-se solene e proferiu pela segunda vez, em voz clara e vibrante,curvandoobustoemligeirorecuo:

—SalveTitoAurélioFúlvioAntonino, senhordeRoma,dominadordomundo!Ave,CésarAugusto!

E passou a repetir, de meia em meia hora, essa mesma cortesia. Na quarta ouquintavez,irritou-seoimperadoreadvertiuindignado:

—Como te atreves, ó rabi, a zombar assimda realeza?Que pretendes comessasaudaçãoinsistenteedespropositada?

OsábioejudiciosoJudahha-Nasi,acentuandotragicamenteaspalavraselançandoumgrandegestoemredor,assimfalou:

— Meditai, ó César, sobre o que acaba de suceder. Sois, na verdade, um reimortal,enoentantonãopodeis suportarquevos saúdemdemeiaemmeiahora.E,antesdefindarodia,fizestescalaroimportuno.MaiscensurávelseráaimpertinênciadaquelequesedispuserasaudaratodooinstanteoReidosReis!

VamosencontraresseepisódioemTanhumaBuber,MiketzCf.LewisBrowne,op.cit.,p.217.Sobreoexagerodaprecesemprerecaiuacensuradostalmudistas.MidraschTehillin,29:1.Convémlerocapítulo“LaFoiet lapriére”dolivrodeA.CohenLeTalmud,p.125.

Ocavaloveloz

Encontrava-se, certa vez, o Besht em palestra com alguns discípulos. Um dessesaventouumadúvida sobreamaioroumenordificuldadequeoshomens inteligentesencontramemretomar,depoisdeumerro,ocaminhodareabilitação.

OBeshtsedirigiuaumdospresentese,comamaiornaturalidade,perguntou-lhesorrindoemeneandoacabeça:

—Porqueocavaloligeirovaledezvezesmaisdoqueocavalovagaroso?Embora surpreendido com a inesperada arguição, o interpelado apressou-se em

responder:—Porqueédezvezesmaisveloz.— Sim — confirmou o Besht sem se desconcertar —, entretanto, se ele se

extraviar,perde-sedezvezesmaisdepressa.

— Tem, então, um grave defeito! — recalcitrou logo um dos ouvintes com arvitorioso.

RetorquiuoBeshtcomaimperturbávelserenidadedossábios:—Mas tambémnão te esqueças de que o cavalo veloz, encontrando o caminho

certo,recuperarádezvezesmaisdepressaotempoperdido.Econcluiu,semfugiraotomdemansidãoebondade:— Quando o homem inteligente se arrepende, torna ao primitivo estado de

integridademuitomais depressa do que o néscio. O inteligente se reabilita de seuserrosmaisdepressadoqueaquelequeéacanhadodeespíritoecurtodeimaginação.

OepisódioécitadoporLouisNewman,Thehasidicanthology.Talesandteachingsofthehasidism,NovaYork,1934,p.106.Aindasobreohassidismopoderíamosindicar:G.G.Scholem,LesGrandscourantdelamystiquejuivre,Payot,Paris,p.343;SimonDubnov,HistóriaJudaica,versãoportuguesadeRuteeHenriqueIusim(LivrariaS.Cohen),p.438.

Ojudeueavaca

Nacasadojustoháumgrandetesouro,napalavradoímpiosóexisteperturbação.

Salomão

Todososdias,damanhãatéocairdanoite,JacóSimonnãofaziaoutracoisasenãomaldizer a sorte ingrata. Blasfemava contra o destino que o forçava a viver naquelainsuportável e torturante penúria. A casa em quemorava era pequena, incômoda edesconfortante; não dispunha senão de dois quartos para os pequenos e de uma salaminúscula,comduasjanelas,ondemalpodiareceber,nosdiasdefesta,meiadúziadeamigosevizinhos.

A paciente Sorelé não concordava com as queixas e revoltas domarido. A vidapara elesnãoerapor certo invejável.Lá issonãoera!Podia,porém, serpior,muitopior...

—Piordoqueisso,mulher,nunca!—clamavaJacó,arrepelando-se,irritado.Nãoépossível!Reparanaaperturaenodesconfortoemquevivemos!Nãocabemosnestacasaenãovejocomonemquandoserápossívelarranjaroutramelhor.

Umdia,afinal,acidadefoivisitadaporumsábiofamosoqueopovoapelidaraBaalSchem.

Informada da presença do taumaturgo, Sorelé sugeriu, cheia de confiança, aoesposo:

— Por que não vais ouvir o velho Baal Schem? Dizem que ele já tem feitoespantososmilagres.Possivelmentepoderánosauxiliar.

Tal lembrança parecia traduzir uma providência fácil, acertada e feliz. Nessemesmo dia, Jacó Simon foi ter à presença do santo rabi e desfiou o interminávelrosáriode suasqueixas emisérias.Quevivianumcasebre triste emiserável equeomaiorsonhodesuavidaerapossuirumacasaamplaeespaçosa.

— Meu filho — ponderou o sábio, cheio de paciência e bondade —, posso,realmente,comavaliosaproteçãodosguias invisíveis,realizarprodigiosomilagreemteubenefício.Sereicapazdetransformaratuacasa,pobreeacanhada,numavivendaampla, clara e confortável. Para tanto torna-se indispensável que pronuncies, agoramesmo,umjuramento.

—Que juramentoéesse, senhor?— indagouaflitoo judeu, arregalandoosolhosnumasinceraemoçãodeinteresse.

RespondeuBaalSchememtomlevementeenfático:—Vais jurar,pelonomesagradodeMoisés,epelamemóriadetodososprofetas,

queseguirásfielmentetodasasminhasdeterminações.—Juro!—declarouJacócomvozfirmeeinabalávelsinceridade.—Muitobem— repisouo sábio.—O teu juramentopermitirá a realizaçãodo

milagre.Eagoraumapergunta:tensumavaca,nãoéverdade?—Sim,comefeito.Tenhoumavaca.—Leva,então,hojemesmo,avacaparadentrodetuacasa!—A vaca para dentro de casa!— bradou omísero Jacó como ferido em pleno

peito.—Senhor!Nacasaemquemoromalcabemosmeusfilhos.Ondecolocareiavaca?

—Lembra-te,amigo,deteujuramento!Põeavacadentrodecasa.Nãohouveremédio.Eraprecisoobedecercegamenteaomilagrosoconselheiro.AvidadeJacó,daquelediaemdiante,tornou-senumverdadeirosuplício.Aquela

vaca,sobotetodeseular,representavaumatorturaconstante.Omonstruosoanimalquebrava,destruíaesujavatudo.Paraqueosvizinhosnãoenvolvessemocasocomosimpiedososcomentáriosditadospeloridículo,adelicadaSoreléconservaraasjanelaseportascuidadosamentefechadasduranteodia.

Decorridostrêsdias,voltouJacó,aalmavencidapelodesespero,àpresençadoBaalSchem.

Eraprecisopôrtermo,omaisdepressapossível,àquelasituaçãotorturante!—Tensumacabra?—indagouosacerdote,àmeia-voz.—Sim,éverdade—confessouJacó,comvozinsegura,surpreendidocomaquela

inesperadapergunta—,tenhoumacabra.— Leva também a cabra para dentro de tua casa! — ordenou sem hesitar o

prudenterabi.A nova determinação do milagroso guia deixou o mísero Jacó sucumbido pelo

desalento.Avaca, por si só, tornara a vidadentroda casa insuportável.A cabra e avaca seriamumacalamidade!Quehorror!Viverentreasquatroparedesdeumasalacomumavacaeumacabra.

Antesde terminar aprimeira semana, Jacó, receandoqueodesesperoo levasse àloucura, voltou a implorar o auxílio do santo e virtuoso conselheiro. Sentia-seesgotado;nasuacasanãohaviamaissossego;ascriançassofriam.Elepreferiamorreracontinuaraviverdaquelamaneiramiseráveleanti-humana.

Disseentãoosantomilagroso:—Retirahojeacabra.Amanhã,logoqueosolnascer,farásamesmacoisacoma

vaca.Procederás,aseguir,aumacuidadosalimpezaemtuacasa,arrumandoosmóveiscomoseachavam.Aocairdatardeireivisitar-teparaverrealizadoomilagre!

Nodiaseguinte,quandoosábiopassoupelamodestacasaemqueviviaJacóSimon,encontrouojudeurisonhoesatisfeito.Sentia-seperfeitamentefelizemcompanhiadameigaSoreléedeseusquatrofilhinhos.

—Quetalachas,agora,atuacasa?—indagouovenerandoBaalSchem.RespondeuJacóintimamentesatisfeito,etodasuafacereluziadeprazer:—Eisaverdade,órabi!Livredavacaelivretambémdacabra,anossacasaéuma

delícia!Sinto-mebemdentrodela.Jápodemosrespirareviver!Háatélugardesobra

paraascrianças!Estavafeitooprodigiosomilagre.Baal Schem transformara numa vivenda ampla e confortável omísero casebre do

judeu!Quantas vezes, meu amigo, não tenho tido ensejo de exclamar, ao julgar certas

ocorrênciasdeminhavida,comparandoopresentecomopassado:—Estoucommuitasorte!Retireiavacadasaladejantar!

Contoisraelitadeorigemfolclórica,apresentadosobdiversas formas,emváriasantologias judaicas.OsartifíciosempregadospeloBaalSchemparaasseguraratranquilidadedosisraelitas,reafirmaroseuprestígioeconsolidarosentimentoreligiosodopovodãoassuntoparaumaabundanteevariadíssimaliteratura.

Hospitalidadeparaoscavalos

Dois jovens,dotadosdegrandesaber,peregrinavamdeterraemterra,maltrajadoseobscuros.ChegaramumanoiteàcidadedeLodmir,eninguémquisdar-lhespousada,excetoumpobrehassidchamadoRebAarão.Anosdepois,quandoosdoissetornaramzaddikinsderenome,chegaramdenovoaLodmir,dessaveznumabelacarruagem.Ohomemmaisricodacidadeofereceu-lheshospitalidade,masosdoissábiossedirigiramparaacasadeRebAarão.Oricaçoprotestou;elesporém,replicaram:

—Somosasmesmaspessoasaquemnãodestesamenoratençãoquandoparamosaqui, há poucos anos.Daí, é de crer que o vosso acolhimento, nestemomento, nãoseja propriamente para nós, mas sim para a nossa carruagem e para os nossos beloscavalos.Paraoscavalos,estamosprontosaaceitaravossahospitalidade.

Oepisódiointitulado“Hospitalidadeparaoscavalos”seenquadranoimensoanedotáriohassídico,queconstitui,sem dúvida, interessante capítulo da literatura israelita.Hassid é termo hebraico equivalente a beato e designaaquele que se fez adepto domovimentomístico-religioso que se verificou entre os judeus polacos no séculoXVIII.O rabinohassid era chamadozaddik, o justo.Cf. L.Newman e Samuel Spitz,Antologia hassídica, apudLewisBrowne,op.cit.

Xibolet

No país de Galaad viveu, outrora, um valente príncipe chamado Jefté, que muitasvitóriasalcançoucontraosinimigosdeseupovo.Jeftéerajudeuegovernavaumpovojudeu.

Aconteceu que outra tribo, também de judeus — a de Efraim —, movida pornegra inveja e ambição, resolveu apoderar-se dos rebanhos e das terras de Galaad.Informado de que os efraimitas haviam atravessado o Jordão e invadido os seusdomínios,iniciando,dessemodo,umaagressãocovardeeiníqua,organizouJeftéumaaguerrida tropa de Galaad e marchou contra os invasores. Foram estes vencidos etiveramquefugir.

Para impedir a fugados inimigos,ordenou Jeftéqueumade suascolunas,postadanamargemopostadoJordão,seapoderassedetodosospontosemqueesseriopudesseoferecerfácilpassagem.EassimossoldadosdeJefté,porordemdopríncipe,vigiavamdiaenoitetodososvausdosinuosorio.

Quandoumjudeudesconhecidodesciadas terrasdeGalaadembuscadamargemoposta,osesculcasdeJeftéoprendiam.SeriaaquelehomemumagressorinimigoqueabandonavaGalaadouumaliadofieiqueretornavaàsuaaldeia?

Ossoldadosointerrogavamcomprecaução:—Acasoésefraimita?Osuspeitoreplicavalogocomazedume:—Deixem-mepassar.SoudatribodeJefté,soudeGalaad!A desconfiança esparzia sobre a identidade do prisioneiro as cinzas da incerteza.

Estariaohomemmentindo?Comoapuraraverdade?OpróprioJefté,consultadopelosseusoficiais,nãosabiacomodecidir.Umdiaseachavaochefevencedoremsuatendadeguerraquandoumanciãode

Galaadfoiprocurá-lo.Eraumsábio.Estudaraosdialetosdasdiversastriboseconheciaosmilsegredosdolinguajardospovos.

—Príncipe!—declarouosábio.—Existeemnossoidioma—ohebraico—umapalavra dotada de um dom extraordinário. Essa palavra pode revelar se uma pessoaqualquerpertenceànossatriboouseperfilaentreosinimigosquedesejamaruínaeadestruiçãodeGalaad.

Jefté,sensatoeinteligente,veneravaossábios.Perguntou-lhe,pois:—Quepalavraéessa?—Éapalavraxibolet—esclareceuofilólogo.—UmhomemdeEfraimpronuncia

esse vocábulo de um modo especial: “cibolete” (a primeira sílaba denuncia logo adiferença!)aopassoqueosnossosamigosarticulamclaramente:“xi-bo-lé-te”!

NessemesmodiadeterminouJeftéquetodosossuspeitosfosseminterrogadospelosvigilantesqueguarneciamaspassagenslivresdorio.

—Acasoésefraimita?Respondia,emgeral,ointerpeladocomsobranceriaimpertinente:—Ora,deixem-mepassar!SoudeGalaad!Poisnãoveem?Talexplicaçãonãobastava.OssoldadosdeJeftéinsistiam:—Dize,então:Xibolet!Etudoali,nomesmoinstante,sedecidia.Seointerrogadofalseavanapronúnciade

xibolet(impossibilidadedearticularbemaprimeirasílaba),eralogodegolado.E foram, assim — afirmam os historiadores —, por causa dessa palavra sinistra,

sacrificados42milprisioneiros!

AnarrativadesseepisódioseencontraemMalbaTahan,AventurasdoreiBaribê.Veja,noglossárioqueacompanhaestelivro,apalavraxibolet.OepisódioalusivoaestecontoécitadonaBíblia,emJuízes,XII,6.

Onossoinimigo

Avelharata,quevivianobosque,mandouofilhoembuscadecomida;recomendou-lhe, porém, que se guardasse do inimigo.O ratinho, na primeira curva do caminhoesbarrou,derepente,comumgalo;voltoucorrendoaopédamãe,transidodesusto,edescreveuoinimigocomoumbichosoberbo,decristaarroganteevermelha.

—Nãoéesseonossoinimigo—sentenciouarata.Eordenou ao filhoque saísseoutra vez.O segundo encontrodo ratinho foi com

umperu,queodeixoumeiomortodepavor.— Minha mãe — lamuriou ele, arquejando —, vi um demônio enorme e

emproado,deolharterrível,prontoparamatar.—Tambémnãoéesseonosso inimigo—tranquilizou-oamãe, comdocilidade

comovida.—Nosso inimigocaminhasilencioso,decabeçabaixacomoumacriatura

muito humilde, émacio, discreto, de aparência amável, e deixa a impressão de serinofensivoemuitobondoso.Setoparescomele,tomacuidado!

Fujamos,pois,desseperigoso inimigode aparência amável,que se finge solícitoeprestativo,equenoentantosódesejanossaruínaenossaperdição.

Esta curiosa fábula é atribuída aumhassid apelidadoKobriner. Foi incluída no capítulo “Doutrinas e históriashassídicas”dolivroSabedoriadeIsrael,deLewisBrowne,trad.deMarinaGuaspari.

Asombradocavalo

Certo comerciante se queixou ao Primislaner de que outro indivíduo abrira umarmazémrivalnamesmaruaemqueele tinhaacasacomercialeque,comisso, iriaroubar-lhetodaafreguesiaearruinar-lhe,assim,omeiodevida.Orabiolhoumuitosérioparaodescontenteeinterrogou-o:

—Jávisteocavalo,levadoaorioparabeber,batercomaspatasnaáguaeescavaraterra?

—Sim—replicouomerceeiro,compenetrado.—Éporqueestácommuitasede.—Não,meuamigo—elucidouorabi.—Arazãoéoutra.Nadatemavercoma

sede.Aoabaixaracabeçaparabeber,ocavalovêaprópriasombra,eassustado,toma-aporoutrocavalo,que tambémestejabebendo;e,commedodequenãohajaáguasuficiente para ambos, tenta escorraçar o intruso. Bate com as patas, agita a lama etornasujaeimpuraaáguaqueeraclaraelímpida.Narealidade,todaainquietaçãodoanimalnãotemrazãodeser;orioofereceáguadesobrae,mesmoquefossemmuitos

os animais, poderiam todos beber fartamente. Tu também receias um concorrenteimaginário.Lembra-te,porém,dequeafarturadeDeuscorreperenecomoumrioedáabundantementeparatodos.

Nessetrecho—“Asombradocavalo”—écitadoumhassidfamoso,AarãoLeibPrimislaner(falecidoem1852).Dolivro“AntologiaHassídica”,deLouisNewmaneSamuelSpitz,apudLewisBrowne,op.cit.,p.505.

Terramilagrosa

Asoberbaprecedearuína,eaaltivezdoespíritodenunciaaqueda.

Salomão

Umvelhomalamed,queeuconhecientreosjudeusmaispobresdeMalta,mecontoucertanoiteafamosalendaqueosrabisrepetemhámaisdemileoitocentosanos:

ViviaoutroraaJudeiaescravizadaaojugodeRoma,eodestinodosfilhosdeIsraeleracomoumpassatempocapazderecrearashorasdelazerdeTibérioCésar.Tibério!Nomemenosodiadodoquetemidoemaistemidodoquerespeitado.

Os homensmais ricos de Jerusalém compreenderamque seria prudente captar asboas graças do tirano.E para isso enviaram aRomaummensageiro com riquíssimopresentequedeviaserentregueaopróprioimperador.

Consistia a dádiva dos israelitas numa pequena caixa cheia de pedras preciosas:brilhantes, rubis, pérolas e esmeraldas. A coleção, por sua beleza, deslumbraria oartista,epelasuariquezaarrebatariaoambicioso.Aoreceberopreciosoescrínio,erapossível queCésar olhasse commais simpatia para a triste sorte dos seus numerosossúditosquearrastavamumavidadeprivaçõesnalongínquaprovínciadaÁsia.

Isaac, o enviado dos judeus, era umhomemhonesto, de sentimentos puros, e dealmasimples.

AochegaraRoma,acolheu-seaumahospedariaquelhepareceusegura.Enganou-senaescolha.Odonodessahospedarianãopassavaderefinadíssimoladrão,esemqueIsaacpercebesse,retiroudacaixaaspedraspreciosaseencheu-adeterra.

Nodiaseguinteojudeu,levandosobobraçoopresente,foirecebidoemaudiênciasolenepeloimperadorromano.

Aberta a caixa, Tibério ficou surpreendido ao vê-la cheia de terra. A decepçãoexasperou-oe,tomadodegranderancor,esbravejou:

—Ócãomiserável!Por Júpiter!Nãoseofende impunementeaCésar, senhordeRoma!

E,voltando-separaLucius,seuauxiliardeconfiança,ordenouemnovoassomodeira:

—Quesejadegoladoomensageirodosjudeus.Lucius, o nobre romano que devia fazer comque a sentença fosse cumprida, era

umhomemsensatoepiedoso;e,compadecidopeladesditadojudeu,deliberousalvá-lo.Disseentãoaosoberano,numtomdevoztimidamenteinsinuante:

—César!AvossaordempodetraduzirumainjustiçacapazdeabalarascolunasdoTemplo!Opresentequeojudeuvostrouxe,aoparecerdesvalioso,talvezrepresenteumariquezaincalculávelparaopovoromano!

—Comoassim?—estranhouTibério.—Nãoperceboosentidodetuaspalavras,meucaroLucius.Quevalorpoderáexistiremumpunhadodeterra?

— Existe na Judeia— acudiu Lucius com amável interesse— um jardim ondeDiana repousou três vezes, e as terras que formam esse recanto os deuses tornarammilagrosa.QuemsabeseessaterraquechegahojedaPalestinanãoéumpunhadoda“terramilagrosa”dojardimencantado?Valeapenaexperimentar.

—Teuconselhoérazoável—concordouoimperador,fortementeestimuladonasuacuriosidade.—Experimentemososefeitosmilagrososdaterra,edepoisresolvereisobreodestinoadaraessemíseroisraelita.

Nessemesmodiaumgeneralromanoiapartirparaaguerra.Luciusaconselhouaoimperadorquefizessecairumpoucodaterramilagrosasobreosombrosdogeneral.Oefeito foi maravilhoso. As forças romanas desbarataram o inimigo e obtiveramesmagadoravitória.

AdúvidadesapareceudoespíritodeCésar.Opunhadodeterracomqueosjudeusohaviampresenteadoeraumtalismã,capazdetrazerparaRoma,ainvencível,todasasglóriasetodasasriquezas.

A primitiva sentença do imperador foi revogada.Ordenou que dessem ao judeuumabolsacheiadeouro,ofezpassearemtriunfopelasruasdeRomae,emsinalderegozijo,ordenouqueserealizassenocircoumgrandeespetáculo.

Isaac,antesdeiniciarsuaviagemderegresso, teveocasiãodepernoitarnamesmahospedariaemquehaviasidoroubado.OindignoestalajadeiroficouadmiradíssimoaoouvirorelatodosepisódiosocorridosnopaláciodeCésarequasemorreudeinvejaaoconhecer as honrarias com que o israelita fora distinguido. E tudo isso por causa daterraqueeleprópriopuseradentrodacaixaparailaquearaboa-fédojudeu!

E,doisdiasdepois,odonodahospedariafoiteràpresençadeTibério.Estavacertode conquistar a amizade do imperador pois levava — para oferecer de presente aCésar—umacaixacheiadeterra,eessaterraeraprecisamenteigualàquelaquefizeraafortunadoemissáriojudeu.

— Terra! — exclamou Tibério ao abrir a caixa que lhe trouxera o pérfidoinvejoso. — Será também milagrosa como aquela que recebi há tempos, de umisraelita?

— De certo que sim, ó César divino — confirmou o intrujão num tom meiopedantesco, limpando a testa.—Tirei-a domesmo lugar!Apanhei-a junto aoportãodojardimdeminhacasa!

Tibério,aoouviressa resposta,expandiu-secomumagargalhada tãovibrantequechegouadespertardoispoetasfavoritosquedormiamnofundodosalão.

—Insensato!—cascalhouotirano,bufando,apoplético.—Julgas,porventura,queas terras do teu jardim foram também beneficiadas pela graça dos deuses! És umdemente!Terra!Paraquedesejoeu terra se tenhoàminhadisposição todasas terrasdomundo?

E,tendoproferidotaispalavras,ordenouTibérío,naveemênciadesuafúria,queoestalajadeirofossearrastadocomsuacaixadeterraparao fundodeumaprisão,ondepereceuamarguradopeloódioepelodesesperoquelheenchiamotorpecoração.

***

E o velho malamed, que eu conheci entre os judeus mais pobres de Malta, aoterminarsuanarrativamedisse:

—Repara,meuamigo.Aterratorna-semilagrosaparasalvarojustoeabre-seemchamasviolentasparacastigaroperverso.

Os ímpios, apesar de suas juras e trejuras, serão arrancados de cima da terra e osqueobraminiquidadesserãodelaextirpados.

Háumcaminhoquepareceaohomemqueédireito,econtudooseuroteiroguiaparaamorte.Nãoarmestraiçõesaojustoenãoperturbesoseurepouso.

“Terramilagrosa”— várias são as versões dadas a esta lenda. EmTahanith, 21 a, vamos encontrá-la entre asfaçanhasatribuídasaNahum,oGinzo.Cf.A.Weil,“Contesetlégendesd’Israel,1928,p.95.(TahanithéumadassubdivisõesdaMichná.)

Ohóspededohomem

—Aondevais?—perguntaramaoDr.Hillelosdiscípulosquandooviram,certavez,sairdecasa.

—Vouembuscaderepousoparaomeuhóspede!—Tensalgumhóspedeemtuacasa?Respondeuosábiocomumresignadodardeombros:—Ohóspedeaquemerefiroéapobrealmaquevive,comoumforasteiro,em

meucorpo.Hojeaqui,amanhãondeestará?

Cf.R.Cansino-Assens,LasbellezasdelTalmud,p.45.Rabot,p.168,1.Sobreaexistênciaeimortalidadedaalma,convémlerRabiIsaíasRaffalovich—Rudimentosdejudaísmo,RiodeJaneiro,1925,p.17.Hilleléapontadocomoomaisfamosofariseudetodosostempos.

Umdiaantes

—Arrepende-teumdia antes de tuamorte—aconselhava amiudadas vezes, a seusdiscípulos,osábioEliézer.

Intrigadocomaquelesingularconselho,umjoveminterpelouomestre:—Porventura,órabi,podeohomemconheceroderradeirodiadesuavida?Seo

últimoéumaincógnita,openúltimotambémoserá!Tornouprontamenteorabi,comsantapaciência:—Quesearrependahoje,porquepodemorreramanhã.TambémSalomãorecomendavacomasuasabedoriadivinamenteinspirada:—“Sejamsemprecândidosteusvestidos.”—EisumaparábolaqueesclareceassábiaspalavrasdoProfeta:Certa vez um rei organizou esplêndido festim. Para a alegre e feliz reunião

convidou muitos de seus súditos, mas não assinalou a hora em que deviamcomparecer.Osmaisperspicazes eprevidentesvestiram,desde logo, seus trajesmaisfinos,adornaram-secomsuasjoiasdemaiorrealceeaguardarampacientesomomento

emquedeviamserrecebidosnopaláciodopríncipe.Ostontospensavam:“Aindahámuitotempo”,eseentregavamdescuidadosaseusinsensatoscaprichos.Deimprovisosoouahoradofestimeunseoutroscorreramparaarégiamorada.Opríncipeavistouos precavidos, que estavam decentemente vestidos e preparados, e os recebeu comalegria.Atentou, irritado,nos tontos, indecorososedesasseados,eosexpulsoude suapresença.

Talmude,Chabbath,p.153,A.Cohen,LeTalmud,p.159.Observe-seaanalogiadotrechocomaparábolacristãdasvirgensloucas.AlgunsautoresatribuemaparáboladobanqueteaocélebrerabitanaítaJochananBenZaccai.Cf.MoisésBeilinsoneDanteLattes,OTalmude,trad.deVicenteRagognetti,p.117.Shabbath(sábado)éumadassubdivisõesdaMichná.

Amorfilial

HonrateupaietuamãecomohonrasaoSenhor,porqueostrêstomaramparteemtuacriação.

MáximadeZohar

Ao receber da mulher a preciosa esmola, o velho solitário assim exprimiu a suagratidão:

— Bem vejo que és boa, caridosa e simples. Queira Deus que teu filho sejadedicado,afetuosoesincero!

Amulhersorriuorgulhosa.—O teu voto—disse ela, num tomnão isento de respeito— felizmente nada

significaparamim.Estoucertadequenãoháfilhomaiscarinhosoemaisabnegado.É

inexcedível a dedicação que meu filho tem por mim! — E, vendo que o anciãocontinuavaafitá-laserenoeimperturbável,elaajuntoucomvozbemtimbrada:

—Para justificar o orgulho que tenho pormeu filho vou contar-te umpequenoepisódio. Um dia saímos, eu e meu filho, juntos, a passeio. Em meio do caminhoencontramosnaestradaumtrechoquaseintransitável,porcausadeumlençoldelamaqueasúltimaschuvashaviam feitoali aparecer.Meu filho tinhaobraçogravementeferido enãopodia, por isso,me carregar.Que fez ele então?Nãoquerendoque eumaculasse as sandáliasna lamadaestrada,deitou-senochãoeeu atravesseio trecholamacentopisandosobreoseucorpo!Queoutramãe,nestemundo,teriarecebidodeumfilhoqueridomaiorprovadecarinhoerespeito?

Osábiorespondeucombrandura,numdemoradoolhar:—Minha filha, o teu coração está cheio de orgulho, mas esse orgulho não tem

razãodeser!Escuta,ómulher!Seteufilhotivessefeitoportimilvezesmaisdoquefez, não teria feito nem ametade do que prescreve o Livro Sagrado em relação aoamorfilial.

EstecasoéporalgunsautoresatribuídoaoRabiTarfon.VejaA.Cohen,LeTalmud,p.236.Sobreoamorfilial,muitasseriamascitaçõestalmúdicas:Pea,15c;Kidouchim,31aetc.PeaeKidouchimsãosubdivisõesdaMichná.

Aluzdogueto

Levantai-vos,Senhor,atendeiaomeudireito,meuDeusemeuSenhor,edefendeiaminhacausa.Arrancadevossaespadaevedaiapassagemaosquemeperseguem.

Davi

Umanoite, como aliás costumava fazer frequentemente, o imperador Francisco Josésaiu sozinhode seupalácioe foipassear incógnitopelas ruasdesertasdeViena,a fimdeobservarpessoalmenteos costumesde seupovo.Ao regressar aopalácionotouomonarcaumaluzinhaacintilarnomeiodaimensaescuridãodocasario.

“Quem estará de vigília por esta hora tão avançada da noite?”, pensou o rei.“Algum enfermo ou um criminoso insone tentando afugentar as sombras negras doremorso?Ou—quem sabe?—um sábio, estudiosodos grandes problemas da vida,para os quais os dias são demasiado curtos, que prossegue pela noite adentro suasintermináveispesquisas?”

E, interessado naquele mistério, o imperador resolveu desvendá-lo. Procurandoalcançar o ponto luminoso que o atraía, foi ter, depois de percorrer várias ruastortuosas, às portas do gueto de Viena. Encostados a ummarco de pedra, juntos àscorrentes, os guardas que zelavam pela segurança do bairro israelita dormiamdescuidosos. O quarteirão judaico estava imerso em profundo silêncio, como setemesse despertar a cristandade adormecida na capital austríaca; o bel-hamedrach, oKheder se fecharam, e só no Schill ardiam as velas sagradas da comemoração dosmortos.Dequela emquela, depois depercorrero labirintodogueto, chegouo rei àcasahumildeondebrilhavaaluzqueatraíaaatenção.Pelaportaentreabertavinhadointerior da estranhamoradaum ruídodescompassado e persistente que impressionouprofundamenteomonarca.

“Aquihámistério”,refletiuorei,afagandoabarba.“Vivenestacasaalgumrabino,teimoso,quecultiva,emsegredo,aterrívelCabala!Vejamosoquevai,afinal,poresteantrodamagianegra!”

Resoluto,oreiaportaempurroueparouestupefatoanteoespetáculoquesurgiudiantedeseusolhos.Encostadoaumabancarústicadetrabalho,umcarpinteirojovialcantarolavaumaalegrecançãoenquantoaplainavaumpedaçodemadeira.Quandoovisitanteentrou,eleexclamou,interrompendootrabalho:

— Louvado seja Deus que vos trouxe à minha casa! Que a paz do Senhor sejaconvosco!

E, sem reconhecer no inesperado hóspede o poderoso soberano austríaco, ocarpinteirolheperguntou:

—Queboaestrelavostrouxeatéaqui?Respondeu-lheFranciscoJosé:—Enganei-menasruas,eandandoaesmo,noescuro,vimteraogueto.Vendoa

tuacasailuminada,eabertaaporta,tomeialiberdadedeentrar!—Bemvejoque sois estrangeiro—replicouo judeu.—Ofereço-me,portanto,

paraconduzir-vosdevolta,poismegabodeconhecer,comoapalmadestamão,todasasruasdogueto,eporelaspossoserguiaseguroaqualquerhora.

Pediu-lheporémoreiquenãointerrompesseoquefazia,porentender,comboasrazões, que estaria premido por graves circunstâncias quem assim invertia a ordemnaturaldascoisas,entregando-se,emhorasmortas,atãoexaustivomister.

—Se trabalhoànoite—respondeuocarpinteiro—éporquenãomebastamashorasdodia!

Eajuntoucomumvagardistraído:—Sãomuitasasobrigaçõesquetenho,eheidesatisfazê-lastodas...—E quanto ganhas por todo esse trabalho?—perguntou o imperador.— Julgo

queteráumbelosalário!—Ganhoduascoroaspordia!—informouoisraelita.—Bemseiqueémagraa

quantia,maschegaperfeitamenteparaproveratodososmeuscompromissos.—Duascoroas!—estranhouorei, remoendodecuriosidade—Épositivamente

ridículo! E como consegues viver com tão insignificante ganho? Quais são oscompromissosquetens?

—Essasduascoroas—confirmaocarpinteiro—sãosuficientesparaosgastosdopresente,pagamentodeminhasdívidasatrasadasegarantiadomeufuturo!

Pasmouosoberanoaoouvirtalresposta.Era incrível! Como podia um homem com tão pouco dinheiro atender a tantas

despesas?—Permita-mequenão creianesseprodígio econômico—disse-lhe a gracejaro

rei.—Não há nisso prodígio algum, ó amigo!— explicou o judeu.—Mantenho a

mim e à família, logo tenho dinheiro para os gastos do presente; saldo as minhasdívidas atrasadas, porque tenho ameu cargo a subsistência dosmeus velhos pais quemecriaram; e garantoo futuro,porque educoomeu filho,que seráomeu amparoquando eu nãomais puder empunhar esta plaina e a velhice vier botar-me para aíimprestável.

Sorriuoreiaoouviraengenhosaexplicação,edepoisdemeditaruminstanteassimfalou:

— Escuta, meu amigo. Devo dizer-te, antes de tudo, que sou o imperadorFrancisco José. Estou sinceramente encantado com a sábia resposta que acabas deproferir,ereconheçoaltoméritonamaneirasimpleseorganizadacomquevivesumavida que me parecera tão difícil. E como quero recompensar-te por teu amor ao

trabalho e honradez, vou dar-te, como prêmio, cinquenta ducados de ouro. Essasmoedascontêmtodasaminhaefígie!

E,entregandoopreciosopecúlioaojudeu,omonarcacontinuoucomvozroladaeforte:

—Exijo,porém,quenãoensinesamaisninguémacuriosasoluçãodoproblemadatuavida.Semedesobedeceres,vireibuscar-tepelopescoço.Eaminhajustiçaparaosdesobedienteséinflexível,nãoperdoa!

Caiu o judeu de joelhos, em submissa admiração, agradecendo a valiosa dádiva esuplicandoparaograndesoberanotodasasbênçãosdocéu.Emseguidaoacompanhouatéàsportasdogueto.

—ScholemAleichem!

***

Por esse tempo tinha o imperador Francisco José umministromuito presunçoso,que se dizia capaz de solucionar qualquer questão que lhe fosse proposta.Resolveu,pois,castigarovaidoso,dando-oàirrisãodopovocujaadmiraçãogranjearadizendo-seomaiorsábiodomundo.

Nodiaseguinteomonarcamandouchamá-lo,enapresençadoscortesãoseoficiaisdacortedisse-lhecomumrisinhodeleitado:

— Se és, na verdade, como constantemente apregoas, um grande sábio, vaisresponder-me à seguinte pergunta: como é possível um homem, chefe de pequenafamília, com duas coroas por dia, sustentar o presente, pagar as dívidas atrasadas eeconomizarparaofuturo?

— Majestade — respondeu o ministro sorrindo orgulhoso —, isso é impossível!Com tal quantia como pode um homem, pormais econômico emodesto que seja,sustentarmulherefilhos,pagardívidaseaindaeconomizarparaofuturo?

— Garanto-te que estás enganado — contrariou o soberano. — O caso éperfeitamentepossívelevouconceder-teoprazodetrêsdiasparalhedarexplicação.Seaofimdesseprazonãomeapresentaresumasoluçãosatisfatória,ficarápublicamenteprovadaatuaignorânciaeatuadesmedidapresunção.

Retirou-se oministro acabrunhado, e pormais quemeditasse sobre o problema,consultasse os alfarrábios e ouvisse os mais acatados economistas de Viena, nadaconseguiuadiantar.

A seu ver, com tão pouco dinheiro, não poderia ummíseromortal fazer face atanta despesa: sustentar o presente, pagar as dívidas atrasadas e economizar para ofuturo!

A última noite do prazo estava a findar-se e o orgulhoso ministro ainda vagavadesesperado pelas ruas da capital austríaca, sem atinar com a solução do intrincadoproblema,quandoavistoumuitoao longe,nogueto, amesma luzinhaquedias antesatraíraaatençãodorei.

“Uma luz?”, considerou o ministro, “só um sábio ou um rabino estudioso seriacapazdeficaracordadoatétãotarde.Quemsabeseelepoderáajudar-menestagravedependura?Alémdomaisosjudeussãomestresabalizadosemquestõesfinanceiras!”

Grande foi,porém,adesilusãodonobrecristãoquandoverificouqueamisteriosaluz iluminavaapenasabancahumildedeumcarpinteiro.Contudo,emdesesperodecausa,apresentou-lheoproblemaqueoatormentava.

Respondeuojudeucomcertasecura:—Asoluçãoqueprocuraseidá-laeu,masnãopossofazê-losemarriscaravida!— Dize-me — insistiu o fidalgo com curiosidade refervendo. — Faço o maior

empenho.Receberásdemimdezducados!—Nãoposso!—Cemducados!—Éimpossível!—Milducados!Dou-temilducadosemtrocadessafamosasolução.Nãoconseguiuopobre judeuresistirà tentaçãodoouroe,noimpulsivocalordo

diálogo,aceitouaofertadoministro.

***

Nodiaseguinte,àhoradaaudiência,ovaidosofidalgocompareceudiantedorei,e,semamenorhesitação,apresentou-lheaformaadmiráveldesolucionaroproblema.

O soberano percebeu imediatamente que havia sido traído. Ordenou, pois,trouxessemocarpinteiroàsuapresença.

— Súdito infiel! — clamou o rei numa irritação crescente. — Ousastedesobedecer-meevaispagarcomavidaoteuloucoatrevimento!

—Senhor—balbuciouojudeu,brancocomoacal,ajoelhando-sehumildediantedomonarca—,confesso-meculpadoemerecedordocastigodemorte.Devodizer-

vos,porém,quesóarrisqueiavidaparaterasatisfaçãoinfinitadeadmirarmilvezesavossaadoradaefígie!

Riuovelhosoberanoaoouvirainteligenterespostadojudeuedeliberouperdoá-lo,dando-lheaindacomorecompensaoutrosmilducadosdeouro.

Dofolclorejudaico,segundoumanarrativadeEliasDavidovich.

DoprazodeDeus

Deuséminhaluzeminhasalvação;Aquemtemerei?

Deuséobaluartedeminhavida;Dequemtereimedo?

Davi

Sucedeuque,indoaRoma,RabiSamuelachoucasualmentericapulseirapertencenteàrainha.Dirigiu-seorabi,semdemora,paraopalácioondepretendiarestituirajoia.Emmeiodocaminho,porém,encontrouumarautoquepercorriaacidade,deruaemrua,proclamando:

— Quem restituir a pulseira, dentro de trinta dias, receberá como recompensaquinhentasmoedas de ouro.Aquele que conservar a joia, em seu poder além desseprazo,sefordescoberto,serádecapitado.

Ao ouvir aquela ameaça Rabi Samuel desistiu de levar a termo seu louvávelintento;conservouajoiaesóadevolveunofimde31dias,istoé,depoisdeterminaroprazodaproclamação.

Informadadocaso,arainhamandouchamá-loeinterpelou-onumaafávelameaça:—Nãoestavas,ójudeu,informadodaminhadecisão?—Estavacientedetudo—respondeuorabi.— Por que, então, não cumpriste a ordem? Que motivo te levou a aguardar o

términodoprazopormimfixado?Odoutoisraelitaexplicousemafetaçãoseucálculo:—Cumpria-medevolverajoiaportemordeDeus.Masseeufizesseadevolução

dentrodos trintaprimeirosdiasouviriade todos: “Ele assimprocedeupor temordarainha e não por temor de Deus.” Sobre meus amigos e discípulos causaria,certamente, aminha atitude deplorável impressão.Émeu dever educar aqueles quevivem sob minha orientação. Várias vezes eles têm ouvido de mim: “O temor deDeuséoprincípiodetodaasabedoria.”Ora,otemordeDeuséincompatívelcomasameaças humanas. Aguardei portanto que o vosso prazo terminasse, e reiniciado oprazodeDeusdelibereirestituirimediatamenteajoia.

Eorabiconcluiuelevandointencionalmenteavoz,comfulguranteconvicçãonosolhos:

—AdevoluçãosódeviaserfeitadentrodoprazodeDeus!Sorriu a rainha ao ouvir aquela resposta, e resolvida a confundir o filósofo,

interpelou-onovamentenumdesvanecimentoingênuo:—Eseomeuprazo,emvezdeselimitaratrintadias,fossededez,vinteoutrinta

anos?—Dequalquermodo—persistiuoRabiSamuel,comgravidadeesegurança—,

o vosso prazo seria finito, ao passo que o prazo de Deus só prescreve com aEternidade!

A rainha, surpreendida por tão sábias palavras, vencida pela sublimidade doconceito,exclamoucomovida,noseudeslumbramento:

—LouvadosejaoDeusdosjudeus!

Oepisódio é encontrado emT. J.NanaMezia, 2:5.Cf. LewisBrowne, op. cit.,Sabedoria daGemara, p. 156.Observação: as abreviaturas T. J. e T. B. indicam, respectivamente, “Talmude de Jerusalém” e “Talmude daBabilônia”.

Ocavalobravio

Umaldeão,homemrudemassincero,sequeixouaokobrinerdequeomauimpulsoodominavaconstantementeeoarrastavaaopecado.

—Sabesmontaracavalo?—perguntouorabi.—Sei—respondeuprontamenteoaldeão—,emontocommuitaperícia.Seiaté

lidarcomcavalosbravios.—Quefazes,setesucedecair?—Montooutravez—retorquiuohomem,emtomfolgado,comcertaempáfia.—Poisbem:fazedecontaqueomauimpulsosejaocavalo—sentenciouorabi,

numrirdeinteligência—,secaíres,tornaamontar.Nofimdomarásocavalobravioeandaráspelavidasemreceio.

Cf. Louis Newman, op. cit. apud Lewis Browne— Sabedoria de Israel, trad. de Marina Guaspari, p. 506, nocapítulo“Doutrinaehistóriashassídicas”.

Trêscoisas

Um estudante medíocre, de apoucada vivacidade, queixava-se, meio enleado, aoriziner,delhefaltarembelasroupas,umavivendaconfortáveleumalindaesposa—astrês coisas que, segundo o Talmude (Berackhoth, 57) servem para dilatar ainteligência.

—Repara,meufilho—segredou-lheomestre—,queessastrêscoisasservemsóparadesenvolver a inteligênciadohomemenãoparacriá-la.Deque te adiantariamelas?

Doutrinaehistóriashassídicas.Apud.LewisBrowne,op.cit.,p.503.Convémobservaraformairônicaeindelicadacom que o riziner atende ao aluno. As advertências desse rabi seriam sempre chocantes para um verdadeiroeducador.

Oherdeirolegítimo

Umisraelitarico,queviviaemsuabelapropriedademuitolongedeJerusalém,tinhaumfilhoúnico,quemandouparaaCidadeSantapara seeducar.Duranteaausênciado jovem, o pai adoeceu repentinamente. Vendo a morte aproximar-se, fez seutestamentopeloqualinstituiuuniversalherdeiroumescravo,comacláusulaqueaseufilho seria permitido escolher da rica propriedade uma coisa que ele quisesse.Assimqueopatrãomorreu,oescravo,exaltandodealegria,correuaJerusalémparainformaro filho do que se tinha passado, emostrar-lhe o testamento.O jovem israelita ficoupossuídodomaiordesgosto.Aoouviressanotíciainesperadarasgouofato,pôscinzasna cabeça, e chorou amorte do pai, que amava ternamente, e cujamemória aindarespeitava.Quandoosprimeirosarrebatamentosdesuadortinhampassadoeosdiasdelutoacabaram,ojovemencarouseriamenteasituaçãoemqueseencontrava.Nascidonaopulência,ecriadonaexpectativadereceber,pelamortedopai,aspropriedadesaque tinha tanto direito, viu ou imaginou ver as suas esperanças perdidas, e as suasperspectivasmundanasmalogradas.Nesseestadodeespírito,foitercomseuprofessor,umhomemafamadopelasuapiedadeesabedoria,deu-lheaconheceracausadasuaaflição,eofezlerotestamento;enaamarguradoseudesgosto,atreveu-seadesabafar

os seus pensamentos — que o pai, fazendo tal testamento, e dispondo tãosingularmente dos seus bens, não tinhamostrado bom senso, nem amizade pelo seufilhoúnico.

— Não digas nada contra teu pai, meu jovem amigo — declarou o piedosoinstrutor.—Teupaieraaomesmotempoumhomemdotadodegrandesabedoriaeati, especialmente, de uma dedicação sem limites. A prova mais evidente é esseadmiráveltestamento.

— Esse testamento! — exclamou o jovem torcendo os lábios em expressão deamargura—, esse deplorável testamento! Convencido estou, ó rabi—, de que nãoaprecias o caso com discernimento de homem esclarecido. Praticou meu pai umaindignidade.Nãovejosabedoriaemconferirosseusbensaumescravo,nemamizadeemdespojarofilhoúnicodosseusdireitoslegítimos.

—Teupai nadadisso fez— rebateu com segurançaomestre—,mas comopaijustoeafetuosogarantiu-te,nostermosdessetestamento,apropriedadeplenadetudo,setiveresobomsensodeinterpretarcomacertoascláusulastestamentais.

—Como?Como?—exclamouo jovemcomomaiorespanto.—Comoé isso?Cabe-meapropriedadeintegral?Naverdadenãocompreendo.

— Escuta, então — acudiu o rabi. — Escuta, meu filho, e terás motivo paraadmiraraprudênciadoteupai.Quandoviuteubondosopaiamorteaproximar-se,ecerto de que teria de seguir o caminhoque todos seguemmais cedooumais tarde,pensoude siparaconsigo:Heidemorrer;omeu filhoestá longedemaispara tomarposse imediatademinhapropriedade;osmeusescravos,assimquesecertificaremdeminha morte, saquearão a minha casa, e para evitar serem descobertos, hão deesconderaminhamorteameuqueridofilho,eassimprivá-loatédotristeconsolodechorarpormim.Paraevitaressaprimeiracoisa,deixouapropriedadeaumescravo,que decerto teria o maior interesse em tomar conta dela. Para evitar a segunda,estabeleceu a condição que poderias escolher qualquer coisa dessa propriedade. Oescravo,pensouele,paraasseguraroseuaparentementelegítimodireito,nãodeixariadeteinformar,comodefatofez,doqueacontecera.

—Masentão—teimouojovemumpoucoimpaciente—,queproveitotirareidetudo isso? Qual é a vantagem que poderá resultar para mim? O escravo não merestituirá,comcerteza,apropriedadedequeinjustamentefuidespojado!

—Ah!—respondeuobomvelho—,vejoque a sabedoriapertence aosvelhos.Sabes que tudoquantoumescravopossui pertence ao seudono legítimo?E teupai

nãotedeuafaculdadedeescolherdosseusbensqualquercoisaquequisesses?Oquete impede de escolher aquele próprio escravo como a parte que te pertence? Epossuindo-o, terásdireito àpropriedade toda.Semdúvidaeraessa a intençãode teupai.

O jovem israelita, admirando a prudência e a sabedoria do pai, tanto como aargúcia e a ciência de seu mestre, aprovou a ideia. Nos termos do testamento,escolheu o escravo como a sua parte, e tomou posse imediata de toda a herança.Depois disso, concedeu liberdade ao tal escravo, que foi, além disso, agraciado comricopresente.

Contotalmúdico.EmrelaçãoàsituaçãodosescravosemIsrael,indicamosolivrodeAlfredoBertholet,“Histoiredelacivilisationd’Israel”,Col.Payot,Paris,1929,p.185.

Deuseosídolos

Escutai,ócéus,oquevoufalar;ouçaaterraaspalavrasdeminhaboca.

Davi

Certa vez, emRoma, alguns idólatras astuciosos interpelaramo velhoRabi Simeão,apelidado“OMuitoSábio”.

— Se não agrada ao vosso Deus a adoração dos ídolos, porque ele, o Todo-Poderoso,nãoosarrasa?

Esclareceu,comsolicitude,ojudiciosotanaíta:

—Seoshomenssóadorassemascoisasinúteisdequeomundonãoprecisa,Deusdecertoasarrasaria.Elesadoram,porém,osol,aluz,osastroseosplanetas.DeveriaoSenhordestruiroseumundoporcausadosestultos?

Umdosromanosinsistiucompérfidavivacidade:—Nessecaso,poderiapelomenosarrasarascoisasdequeomundonãoprecisa,e

deixarasoutras!—Seriaentão fortalecerosadoradoresdosastros,do soleda lua,na sua idolatria

— objetou o sábio —, os idólatras diriam, certamente: “Vede: eis os verdadeirosdeuses,porquenãoforamdestruídos.”

AbodahZarah,546.Cf.LewisBrowne,op.cit.SabedoriadeGemara,p.155.AbodahZarahéumadassubdivisõesdoTalmude.

Avidadeumacriancinha

Odescansoaossábadoséumdosmuitospreceitossagradosimpostosaosisraelitas.“Égravepecado”,proclamaoTalmude“profanarosábadocomtrabalhos.”

PerguntaramaRabiSimeãobenIochai,discípulodograndeAquiba:—Podeumhomemprofanarumsábadoparasalvarumrecém-nascido?Odoutoisraelitafulminouadúvidanosseguintestermos:—Para salvar a vida de uma criancinha, pode o homemprofanar o sábado com

trabalhos. De um sábado profanado para tão nobre fim, resultará uma vida preciosaquepoderá,depois,respeitarmuitossábados.

Cf.R.Cansino-Assens,“LasbelezasdelTalmud”,p.37.Vejanoglossárioapalavrasábado.Seráinteressantelertambém“Sabatologia”nolivrodeNicolauA.RodriguesLendasecostumeshebraicos.

AcontadeEva

Aos sábados realizavam os zaddikins interessantes reuniões que eram dedicadas aoscomentáriosdostextossagradoseaoestudodasalegoriasetradiçõesisraelitas.

Umdia, quando a sala se achava repleta de discípulos e curiosos, o velhozaddikIsaac Lip, homem de grande cultura e invulgar vivacidade de espírito, tomou dapalavraenarrouoseguinte:

—NaquelediaAdãochegouaoParaísodepoisdahorahabitualejáaodeclinardatarde.Percebia-seemseurostosinaisdefadiga;emseusolhospesavamainquietaçãoeo temor. Intrigada com a estranha demora do esposo, Eva o interrogou um tantomaliciosaeumtantoabespinhada:“Ondeestiveste,querido,todoessetempo?Porquedemorastetantoparachegar?”Compalavrasreticentes,meiogaguejantes,desculpou-se Adão e desfiou três ou quatro desculpas que, para um habitante do Éden, nãopareciam das mais aceitáveis. Eva não insistiu. Aceitou as evasivas fraquíssimas doesposo e, para evitar discórdias inúteis, deixou-o em paz. Adão, semmais palavras,

deitou-se de bruços sobre o tapetemacio da relva e dormiu.Dormiu pesadamente.Eva,sentadaaseuladoenadaconformadacomaindiferençadocompanheiro,pôs-sea contar emvoz alta,numaobstinaçãomaníaca: “Um,dois, três,quatro, cinco, seis,sete,oito,nove...”

Nessepontooeloquentezaddik fez ligeirapausae interrogou,em tommalicioso,osouvintes:

— Surge agora, meus prezados amigos, grave problema. Que estava a Mãe Evacontando, naquela tarde, enquanto Pai Adão dormia pesadamente sobre o chãoaveludadodoParaíso?

Permaneceramtodosemsilêncio.Oenigmapareciadesafiaraimaginaçãodosmaiscultosedosmaisbrilhantestalmudistas.Ooradorinsistiu,comarfinório,semmudardetom:

—Vamos,respondam.QueestavaaMãeEvacontando?Ecomooszaddikinscontinuassemcalados,omestredohassidismo,comumsorriso

meiovelhaco,explicou:—AnossaboaMãeEva,comocuidadoquesóociúmesabeinspirar,contavaas

costelasdoPaiAdãoafimdeapurarsefaltavamaisalguma.

Anedotacalcadanumapassagem“hassídica”.Cf.LewisBrowne,op.cit.,p.492,nocapítulo:“DoutrinaeHistóriasHassídicas”.

HanináealeideDeus

Mostrai-me,Senhor,ocaminhodevossosdecretos.

Eoseguireicomfidelidade.Ensinaiaobservaravossalei.

Eaguardareicomtodomeucoração.

Davi

HaviaogovernodeRomaproibido severamente, sobpenademorte, aoshebreusoestudo da Sagrada Lei. Mas o intrépido Kismá, sem atentar no perigo a que seexpunha,predicavapublicamenteassábiaspalavrasdaLei.

Um dia, um amigo do sábio, de nome Haniná, foi fazer-lhe uma visita, e commodosafáveisepiedososlhefalouassim:

—Amigomeu!Nãocompreendesque,pelavontadedeDeusestanaçãoalcançouriquezaepoder?NãofoitambémDeusquemarruinouacapitaldeIsraelreduzindoa

cinzas suas casas e templos, exterminando os fiéis enquanto os romanos vivem,prosperam e triunfam?Que vale, pois, lutar contra os desígnios doOnipotente? Porquepersistesemteusestudosreligiosos,emteusensinamentospúblicos,e levasaindanoseiooLivrodaLei?

Respondeooutrocomíntimaconvicção:—Nãodeixo,ummomento,deterconfiançanajustiçadivina!—Bela resposta emverdade!Apresento fatos, apontoverdadese tumecontestas

comajustiçadivina!ReceiomuitoqueacabesnofogocomteuLivrodaLei.Depois de haver formulado esse triste augúrio, Haniná quedou-se um tanto

pensativo;logo,movidoporcaprichosacuriosidade,interpelouKismá:—Mestre!Qualseránatuadoutaopinião,aminhasortenasegundavida?— Filho meu — redarguiu o sábio —, para julgar-te é necessário conhecer ao

menosalgumasdetuasobras.—Minhasobras?Elasnadavalem,mestre!Lembro-me,porexemplo,deumcaso

ocorrido há pouco meses. Foi-me confiada uma bolsa com pequena soma para serdistribuída em esmolas. Por distração, tomei também do dinheiro que possuía ecoloquei-o na bolsa destinada aos pobres. No mesmo instante percebi meu erro; omeudinheiro fora juntar-se aoque estavadestinado a benefícios enãoquis retirá-lomaisdelá,eentreosnecessitadosdistribuíototaldabolsa.

—Oh,filhomeu!—exclamouRabiKismá,semocultarasuaadmiração—,seastuas obras são dessa grandeza, que minha sorte seja, na segunda vida, precisamenteigualàtua!

Estas santas palavras pronunciadas com tanta bondade e simpatia penetraramprofundamente no ânimo deHaniná, e fizeram com que o jovem, daquele dia emdiante,fossetomadodevivapaixãopelaLeideDeus.

Kismáterminouseusdiasamadoehonrado.Aosseusfuneraiscompareceramnãosóoshebreus,comonumerososromanosdealtoprestígionacortedeCésar.

Quando os romanos se retiravam, depois das exéquias do santo homem,encontraramnumerosaassistênciaqueestavaatentíssimaàpalavradeumorador.EsteeraHaniná,oqual,comoLivrodaLeisobreopeito,ensinavapublicamenteasagradadoutrinadafé.

Enfurecidos coma audácia dohebreu,os romanoso condenaram ao fogo, e paramaiortormentoedesdémcolocaramsobreopeitodocondenadooLivrodaLei.

Torturado por inenarráveis dores, o pobre mártir sofria sem queixas o suplíciotremendo.

Suafilha,tomadadedesespero,bradava:—Estaéarecompensaàtuavirtude?Estertoravaomártirsemolharparaajovem,orostovoltadoparaocéu:—Que importa omeu sofrimento?Não vês este Livro Sagrado que comigo vai

transformar-seemcinzas?Ovingadordesteserámeuvingador.Seusdiscípulos,profundamenteadmirados,ocontemplavamestáticos,eobservando

aimperturbávelserenidadedeseusemblante,diziamcondoídos:—Mestre!Quemisteriosavisãoreanimaoteuespírito?—Filhosmeus!Vejoopergaminhodeste livroconverter-seemcinzas,porémas

palavraseternasvoamparaocéu!EassimmorreuoabnegadoHaniná,mártirdesuainabalávelféemDeus.

TalmudHavodáZara,p.18.ApudR.Cansino-Assens,op.cit.,p.87.Cf.LéonBerman,op.cit.,p.60.

Ocantardogalo

Um consultor hassídico decidiu estabelecer-se numa cidadezinha e, encontrando-secom o rabi da comunidade, explicou-lhe seu propósito. Surpreso, o rabi deplorouaquelaideia:

—Esta aldeia é paupérrima,meu amigo.Amim, que sou o rabi, a comunidadepagaumabagatela!Julgobemdifícilquepossaisvivertambémaqui!

Sorriu o evangelizador diante do pessimismo do rabi, e narrou-lhe a seguinte eexpressivaparábola:

—Umganso,pertencenteaumdonoestouvado,sofriafome,porqueseesqueciamde lhe dar de comer. Um dia, o dono comprou um galo e o fechou na mesmacapoeira. Impressionou-se muito o ganso ao ver o novo companheiro e lamentousucumbido:“Éagoraquevoumorrerde fome!Somosdoisarepartiraminhapobreração. “Não te aflijas”, tranquilizou o galo, “quando tenho fome, sei cantar paralembraraoamoahoradaração.Assimcomeremosambos.”

A narrativa feita com tanta graça e oportunidade livrou o espírito do rabi dasinquietaçõesqueotorturavam.Nadamaishaviaatemerdofuturo.

Cf.LázaroLiacho,“Anecdotario Judío”,M.Gleizer-Editor,1945,p.101,LewisBrowne,op. cit.,p.493.Paramelhor compreensão do anedotário judaico, indicamos a leitura do interessante artigo “De l’humour juif”, deElian-J.Finbert,nolivroAspectsdugénied’Israel,Paris,1950,p.390.

Evitaomaldizente

UmvelhomercadordeDamasco, ao encontrar certa vezumde seus amigos, disse-lhe:

—Vejo-me forçado a evitar a tua companhia, porque ouvi hoje, ao sair para otrabalho,alguéminsinuartorpezasateurespeito.

Replicouoamigo,encarando-omuitosério:—Jámeouvistemaldizerdealguém?—Não—confessouodamascenosurpreendido.—Sendoassim—retorquiu-lheoamigocomamaisnaturalsegurança—,evitaa

companhia dos caluniadores que falam contra mim. Amanhã assacarão tambémcalúniasetorpezasmaisterríveis,talvez,contrati.

Podemoscompararocaluniadoràserpentevenenosaetraiçoeira.

Contaumalendaqueosanimaisumdiainterpelaramaserpente:— O leão — alegaram eles —, atira-se contra a presa, mata-a e devora-a.

Estraçalhadapelo lobo,aovelha servedealimento.Otigre,quando faminto,atacaocarneiro e arrasta-o para o seu covil. E tu, hedionda serpente, que fazes?Mordes einoculasveneno.Ora,queproveitotirasdatuaperversidadepeçonhenta?

Respondeuaserpente,retorcendo-seesverdeada:— Nada espero dos golpes venenosos que desfiro. Do mal que faço não tiro o

menor proveito. E procedendo assim, traindo, envenenando, semeando a dor e amorte,nãosoupiordoqueocaluniador.

AlendafinalseencontraemTahanit,8a.AparteinicialdotrechoédeIbnGabirol,océlebremoralista,poetaefilósofomedieval.Valiosas indicações sobreIbnGabirolo leitorpoderáencontrarno livroAntologia judaica, deCarlosOrtizeJacóGuinsburg,SãoPaulo,1948,p.51es.s.

Orabimilagroso

OhomemdevecreremDeusmaisporvirtudedafédoqueporobrademilagres.

Bratzlavo

Escuta,meuamigo!Aquelevelhocompêndiodecapaamarelaqueviontememtuasmãosfaladavidaedificantedeváriosrabis—queé,comosabes,otítulohonrosocomqueosjudeusdistinguemoschefesilustresdascomunidadesisraelitas.

Discorreoteu livro,estoucerto,sobreosmilepisódios famososqueconstituemahistóriade Israel—opovodeDeus—,masnão faz,emsuaspáginas, tãocheiasdeelevadosensinamentos, amenor referência aos rabismilagrososquedeslumbraramoshomens.

Ehouvenomundo,asseguro-tepelasbarbasdeJacó,muitosrabisquerealizaramosmaisespantososmilagres.

Narremosumfato,poissóosfatospodemnosconduzir,comsegurança,àVerdade.

***

Existiaoutrorano interiordaRússia,quandoessepaís ainda se achava sobo jugodo tsar, umapequenina aldeia chamadaLavzte—cujo nome, comovês, é rico emconsonânciasepobreemvozes,comopretendemosgramáticos.

Essaaldeiaeragovernadaporumpríncipe—opuritzIvanRodvitch—impiedosocomosmíserosjudeus.

Acomunidade judaicadeLavzte (outravezonomearrevesado!)erachefiadaporumrabi,sábioeprudente,chamadoIsmael.Esserabieraalvodeprestigiosafamaqueassentava seus alicerces originais nos múltiplos e prodigiosos milagres por elepraticados.

Umdiafoiteràcasadorabiumpobreisraelita.EraIsaacSchebana,homemrudeesimplório.

Perguntou-lheorabi,recebendo-ocomsimpatia:—Quedesejasdemim,meubomIsaac?—Senhor—acudiuovisitantemeiotrêmulo,hesitante—,seiquesoismilagroso

evenhopedir-vosquerealizeisummilagreparaasalvaçãodosnossosirmãosjudeus.—Quemilagrepretendes?—indagoucuriosoorabi,comastutaintenção.—Onossopovo—explicouIsaac—nãopodemais suportarasperseguiçõesdo

puritz Ivan. Ele tem sido de uma crueldade espantosa; inventa todos os dias novosimpostoscomquenosarrancaasmigalhasdenossaseconomias.Arrastamos israelitasuma existência de tristezas e privações, que só teriam termono dia emque a nossaaldeia ficasse livredessepríncipeodiento.Desejamtodos,órabi (eeu faloemnomedosjudeus)queelimineis,comovossopodermilagroso,opríncipeIvan!

Percebeuorabiquerecusaraestranha solicitação feitapelo judeu seriaabalar seuprestígio,eos israelitasdaaldeia se tornariamdescrentesde seupodermilagroso,easuapalavraeosseusensinamentosperderiamaquelaauréoladeprestígiodequetantonecessitavam.Depoisdemeditaralgunsminutosrespondeu:

—Évaliosoparamimoteupedido,meufilho,etudofareiparaseragradávelaosisraelitas,nossos irmãos.Esperaráspormimnesta sala.Vou fechar-menestequartoe

fazer minhas preces. É possível que o Altíssimo atenda ao meu pedido, e se issoacontecer,anossaaldeiaficaráimediatamentelivredatiraniadopuritz.

Eeisoquesepassou:orabifechou-senoquartodeorações,enquantoojudeu,nasala,aguardavaansiosoarealizaçãodomilagre.

Passado algum tempo, o rabi apareceu. Tinha a fisionomia radiante e os olhosiluminadosporestranhaluz.

—Conseguiu?—arriscouIsaac,sempoderdominaraansiedadequeferviaemseuespírito.

—Consegui, sim,meu amigo— confirmouo rabi—, realizou-se omilagre.Asminhasprecesnãoforamfeitasemvão.SejalouvadooSanto!Opuritzmorreu!

—Como?—Repito— teimou, com firmeza, o rabi—,opuritz acaba de falecer.Anossa

comunidadeestálivredessepríncipeperverso!IsaacSchebana,aoouviressaespantosarevelação,esbugalhouosolhos:oseucorpo

tremia de emoção.O rabi Ismael era, realmente,milagroso! Com uma prece, faziadesaparecerumpotentadorusso!Enãopodendoconterasuaadmiração,ajoelhou-seebeijourespeitosamenteamãodolibertadordesuagente.

—Domina a tua alegria,meu filho— atalhou o rabi.—É bem verdade que opríncipeIvanmorreu,masantestalnãotivesseacontecido.

—Porquê?— Pedi ao Eterno que elucidasse o meu espírito sobre o futuro dos judeus que

vivem aqui. Ouvi, pois, do Altíssimo a seguinte revelação: por morte do puritz ogovernodesta aldeia será entregue aum tiranocemvezesmaisperverso.Os judeus,sob a chibata do novo chefe, jamais terão tranquilidade.Os bens dos israelitas serãoconfiscados,eaquelesqueprotestarem,condenadosàmorteelevadosàforca.Sehojeosisraelitasvivemnapobreza,viverãoamanhãemdeplorávelmiséria.Seriamilvezespreferíveloatualpuritzaoseuexecrandosucessor.

ObomIsaac,sucumbido,começouachorar.—Órabi—lamuriounervosoeatarantado—, jámearrependode terpedidoa

mortedopuritz!Quedesgraçaparaosnossosirmãos!— E gostarias, então — alvitrou o rabi a sorrir —, que o falecido puritz fosse

restituídoàvidaevoltasseagovernaranossaaldeia?—Éesseomeudesejo—gaguejouIsaac,comapiedadorespeito—,masachoque

issoseriaagoraimpossível.Nãoousopedir-vossemelhantemilagre,poisseiquematar

éfácilmasressuscitaréobrasódoSanto!—Tentemos—condescendeuorabi,comomesmosorrisodesuavegracejo—,

nada é impossível a um coração amparado pela graça divina. Espera pormim: voufechar-me,outra veznaquelequarto e repetir, com fervor, asminhaspreces.Quemsabe se baixará, novamente, sobre aminha insignificante pessoa o auxílio infinito deDeus!

E isso dizendo, o devoto rabi se fechou pela segunda vez no tal quarto. Passadosalgunsminutos,reapareceucontentíssimo.

Perguntou-lheIsaacsehaviaobtidoanovagraçadoAltíssimo.— Fiz com amaior devoção asminhas preces e obtive a graça pedida: o puritz

ressuscitou!Aquelas palavras deixaramo judeu imobilizado por incalculável espanto.Comos

olhos cheios de lágrimas agradeceu o segundo prodígio que o piedoso rabi haviaoperado para reintegrar o puritz ao governo da aldeia e retirou-se mais uma vezconvencidodequenãohavianomundorabimaismilagroso.

***

O caso é que Isaac — ao deixar a casa do rabi — teve a curiosidade de ir,cauteloso,observaroquesepassaranopaláciodopuritz.

Ficou, de certo modo, surpreendido ao verificar que reinava completa calma enormalidadeentreosmoradoresdaaldeia.Noportãodopaláciodopríncipedoisoutrês guardas fumavam tranquilamente e conversavam alegremente. Uma servatransportava,empesadacesta,queequilibravanacabeça,frutasevinho.

Ojudeuacercou-sedaraparigaeinterrogou-acomarmisterioso:—Então?Opuritzmorreuderepente?—Estás louco, judeu— revidou amulher num gesto desdenhoso.—Quem te

dissequeopuritzestámorto?— Bem sei, bem sei — tornou Isaac numa íntima vibração exultante, mas

dominando-se.—Opuritzmorreuderepentee,logodepois,ressuscitou.E,issodizendo,nãopôdeabster-sederirsignificativamente.—Cão israelita!—bradoua russaexaltada.—Falas comoumdemente.As tuas

palavras não têm sentido. O puritz está muito alegre, no meio de seus amigos,combinandoospreparativosdasfestasparaoNatal.

E,semdarmaisatençãoaojudeu,encaminhou-seemlargaspassadas,paraopaláciododetestávelpríncipe.

Isaac,erguendoentãoosbraçosparaocéu,exclamouemocionadonumímpetodesuaalmaingênua:

—O nosso rabi é incomparável!Não existe nomundo outro que o exceda emmilagres!Matouopuritz,ressuscitou-ologoaseguir...eninguémpercebeu!

Contopopularisraelita,segundoanarrativaqueouvimosdoSr.MoisésAmitay,arquiteto,residentenoRiodeJaneiro.

Asprovaçõesdojusto

Seojustoépunidonaterra,quantomaisoseráoímpioeopecador?

Salomão

Naquela tardeocupavam-seosdiscípulosdeRabi Jonathan comosSalmosdeDavi.Umdosjovensleuemvozalta:“OSenhorprovaojusto;porém,aoímpioeaoqueamaaviolência,aborreceasuaalma.”

CompetiaaomestrecomentareesclareceressapassagemdoLivro.EodoutíssimoJonathanassimfalou:

—Ricosenhorfoiteràoficinadeumoleiroondepretendiaadquirirvasodealtopreço.Ooleiromostrouaovisitantebelacoleçãodevasosecomeçouaexperimentá-los, batendode leve.Mas não experimentava todos.Dequando emvez, tomava deumvaso,olhava-oedeixava-odelado.Ocompradorlheperguntou,apontandoparaosvasosquehaviamsidodesprezados:“Porquenãoexperimentas tambémaqueles?”“Nãoadianta”,respondeuooleiro,semtitubear,“sãovasostrincados.Nelesnãoposso

bater.Qualquerdeles,àmenorpancada,ficariaemestilhaço.Sóexperimentoossãos,osperfeitos,sememendas.Estesresistemaoschoquesmaisfortesepodemserúteisepreciosos.”

“E assim”, rematou o Rabi Jonathan, “à semelhança do oleiro, Deus nãoexperimentaoperverso,deixa-o;evaitocarnojustoquepoderesistiresalvar-se.”

Eisoque,atalrespeito,ensinavaobondosoRabiJosébenHanina:—O vendedor de linho, sabendo que o seu linho é bom, pisa-o e repisa-o, na

certezadequeestaoperaçãomelhoraráoproduto.Obomlinho,quantomaisbatido,mais brilho evalor terá.Mas, quando sabemqueo linhoédemáqualidade,não seatreveapisá-lo,poisafibrasepartiria.PelamesmarazãooSenhornãooprimeomauesimojusto.

NãomenosexpressivaseramaspalavrasdoRabiEleazar:—Certo lavrador tinha dois bois; um fraco e o outro forte e robusto. Em qual

delespunhaolavradoracanga?Sobreomaisforte.AssimfazoSenhorcomohomemjusto.

BereshitRabbah,32.Cf.A.CohenLeTalmud,p.169.Reúneestetrechoensinamentosdetrêsrabinosnotáveis.

Aalmaeocorpo

Como vigias de um belíssimo pomar, pôs o príncipe Tavir um cego e um coxo.Cumpria ao cego, dotado de ouvidomuito apurado, gritar aomais leve rumor, e ocoxo devia estar sempre atento e vigilante para surpreender qualquer intruso. Opríncipelhesrecomendousobretudoqueguardassem,comomaiorcuidado,osfrutosdaameixeira,preciososfrutos,emverdade.

Refletiuopríncipe:“Nãosereiroubadoporessesguardas.Umécegoenãovêosfrutosmaduros;ooutroécoxoenãoospoderáalcançar.”

Durante as horas de vigia, o coxo, com palavras exuberantes e comparaçõesfantasiosas,descreveuaocegoosdeliciososfrutosdequeasárvoresestavampesadas.

Insinuouocegoemtommeiocauteloso:

—Quefazemosnósquenãooscolhemos?—Ecomoapanhá-los,meu amigo— lamentouocoxo—, tu és cegoe eumal

possoandar.—Nãopassas deum tolo!—obtemperouo cego.—Arrasta-te, sepuderes, até

aqui,poisjáencontreiomeioderesolvermosocaso.Arrastou-seocoxoatéolugaremqueseachavaocego;estecolocouoaleijadoàs

costas e, guiadopor ele, pôde aproximar-se da ameixeiramais carregada.Aío coxocolheumuitasfrutas,queambossaborearam.

Horas depois, o príncipe foi observar o pomar e certificar-se da eficiência dosnovosvigilantes.Aoprimeirogolpedevistanassuasárvoresprediletas,percebeuquehaviasidoroubado.

Eraprecisodescobrirosculpados.Interrogouosguardas.— Senhor! — declarou o coxo com fingida humildade —, como poderia eu

saquearumaárvore,alcançar-lheosgalhos,semalpossomearrastardeumcantoparaoutro?

Acudiulogoocegocomhipócritacompostura:—Eeu,senhor!Comopoderiaarrancarosfrutosmadurossenãotenhoolhospara

veretudosãotrevasaoredordemim?—Muitobem!—concluiurefletidamenteopríncipe.—Nãoduvidoqueestejam

ambosinocentes.Tendo, porém, meditado sobre o caso, descobriu logo o ardil que os seus

desonestosempregadoshaviampostoemprática.Chamoudoisguardaseordenouquecolocassemocoxoàscostasdocegoeaosdois(assimagrupados)mandou,comferinadecisão,aplicarumasériedebastonadas.

Assim,também,noDiadoJuízo,aalmadirá,parajustificarosseuserros:—Sóocorpoéculpado;sóelecometeuopecado.Quandonasci,voavapuríssima

comoumpássaro.Eocorpo,receosodocastigo,insistirácommomicesnavozenogesto:—Senhor!Sóaalmaéculpada;elaéqueme impeliaà infâmiaeaopecado;eu,

pobredemim,nadafiz!Comopoderiaincidirnoerroseaalmanãomeanimasse?EDeus,oSupremoJuiz,colocarádenovoaalmadentrodocorpoedirá:—Eisaquicomohaveispecado.E,assim,sóassim,seráfeitaJustiça!

Rabot, p. 169, 2.Cf.R.Cansino-Assens, op. cit., p. 232.Esta belíssima parábola é atribuída ao famosoRabiJochananBenZacai,discípulodoGrandeHillel.Achava-seoRabiJochananemJerusalémquandoessacidadefoi

atacadaedestruídaporTito.Cf.MoisésBeilinson,op.cit.,p.117.

Umpratodelentilhas

Certa vez estava Jacó a guizar um prato de lentilhas quando apareceu Esaú, queregressavadefatigantecaçada.

—Dá-me—implorouEsaú—umpoucodestacomida,queestouacairdefome.—Poisnão—concordou Jacó—,masem troca terásdeceder-meodireitode

primogenitura.Serve-teatroca?“Estouamorrerdefome”,refletiuEsaú,“dequemeserveaprimogenitura?Eesse

guizadopareceexcelenteeapetitoso.”E,semmaishesitar,aceitouapropostadoirmãoerespondeu:—Prometoconcordarcomatroca.—Exijoqueessapromessasejafeitasobjuramento—condicionouJacó.Feito o juramento, Esaú devorou o guizado sem imaginar que havia cedido, por

umainsignificância,umdosseusmaispreciososdireitos.

Muitos homens há, na vida, que à semelhança de Esaú sacrificam o futuro earruínam a vida trocando bens valiosos pelo prazer momentâneo de um prato delentilhas!

OepisódiodacessãodaprimogenituraéencontradonoGênesis,XXV,29ess.

Oadvogadodacriada

AesposadoRabiWoelfeledeZborasch(mortoem1800),semterprovassuficientes,acusou certa vez a criada de lhe haver furtado valioso colar. A rapariga insistia emnegar. Encolerizada, a patroa se preparou para sair, resolvida a recorrer ao tribunalrabínico.Pretendia,peranteessetribunal,denunciareprocessaraempregada.Vendo-apreparar-se,oRabiWoelfeleenvergoutambémasuaroupadosábado.Amulherfezsentir que não ficaria bem, dada a delicadeza do caso, fosse ela acompanhada domarido;elasaberiaavir-secomotribunal.

—Estoucertodisso—concordouomaridonumtommeigoeaberto.—Masessapobreórfã,tuacriada,dequemsouadvogado,nãotemdesembaraço,étímidaesemtraquejo.Equem,senãoeu,cuidarádequeselhefaçajustiça?Comparecerei,pois,aotribunal,apenasparadefendê-ladagratuitaacusaçãoquevaisarguircontraela!

RabiWoelfele de Zborasch, que aparece neste episódio, era apontado como um verdadeiro zaddik entre oszaddikins—declaraA.WeilemseulivroConteset légendesd’Israel,p.212.Ossábios israelitasafirmavamqueo

RabiWoelfelecometiatodososdiasopecadodamentira.IncidiaelenessepecadoaorezaraSchemoneEsse’,poisnessaoraçãohaviaestafrase:“Perdoai,óSenhor!,osnossospecados.”Falandodessaforma,orabimentia.Eaomentircometiapecado.Masnaverdadeorabinãopecavaaoconfessarquepecara.Afrase“Equem,senãoeu,cuidarádequeselhefaçajustiça?”ébíblicaeestánoLivrodeJó,XXX,13.

Opoetamaislido

Poeta!Seosteuslivrosfossemvendidosdiariamenteaosmilhares;seoteunomefosseconsagrado por todas as Academias e a tua fama proclamada por todos os jornais,cinemas,rádioseagentesdepublicidade,nemmesmoassimseriasoprimeiroentreospoetasdomundo!Sabe,meuamigo,qualé,afinal,opoetamaislidoemaiscitadonomundointeiro?Éumpoetajudeu!

—Judeu?— Sim, é um poeta judeu! É Davi! Os seus Salmos, transbordantes de poesia e

inspirados na verdade divina, foram incluídos pela Igreja católica no ritual damissa.Milhões emilhões de cristãos repetem todos os dias, a cadamomento, em todos osrecantosdomundo,osversosadmiráveisdopoetajudeu!

Poderáexistir,poracaso,poetamaislidoemaiscitado?

VejanoglossáriofinalanotasobreosSalmosdeDavi.

OsorrisodeAquiba

Em viagem para Roma caminhava o rabino Aquiba em companhia de três sábiosamigos.Aindabastante longedagrandecapitalpagã, seusouvidos foram feridospelotumulto festivo dos romanos. Os três doutores prorromperam em prantos; Aquiba,pelocontrário,sorria,nãoocultandoavivasatisfaçãodequeseachavapossuído.

Aquelademonstraçãodealegriadomestrepareciachocanteparaoscompanheiros.Eumdelesointerpelou:

—Porquetusorris,Aquiba?— E vós? Por que chorais? — contestou Aquiba com uma pontinha ácida de

censura.— Choramos — explicou logo um dos doutores —, e temos razão de sobra.

Dolorosoéocontrasteque testemunhamos.Acidadepagã,deonde todososdias seblasfema contraDeus e se queima incenso aos ídolos, está sempre em festa, vence e

triunfa.EnossaterraeosagradotemploondeseadoraoDeusverdadeiroardememchamas.Etusorris?

Dofundodesuahumildade,respondeuAquiba:—Éprecisamenteessecontrastenotávelquemefazsorrircheiodeesperançaede

fé. Se para seus inimigos Deus é pródigo em tantos bens, quão grande não será otesourodebenefíciosqueguardaparaosqueoadoramsobretodasascoisas!

TalmudMaccoth,p.24.Cf.R.Cansino-Assens,op. cit., p. 90.OcasamentodeAquibadá assunto aumdoscontosmaisinteressantesdaliteraturarabínica.Veja:A.Weil,Contesetlégendesd’Israel,p.81.SobreosuplícioeamortedeAquibaconvémler:rabinoDr.H.Lemle,Jornadasemfim,1947,p.30.

Ladrãoqueroubaladrão

O Dr. Humá era rico, tinha-se em conta de muito piedoso, porém, em períodorelativamentecurto,sofreuinúmerasperdasegravesdesgostos.

Umdia,conversandocomoscolegas,tomouportemadapalestraassuasprópriasdesgraças. Arrebatados pelo ardor dos comentários, procuraram os circunstantesesclareceradúvidaseguinte:

—Éadmissívelque asdesventuras terrenas sejam sempreconsequênciade algumpecadocometidoporquemsofre?

Opinaram alguns que, comonão existehomem isentode culpa, as dores terrenassãosempreconsequênciasdessaculpa.

ODr.Humá,umpoucoressentidoporestaconclusãoquepareciaumaofensaaoseucaráter,eumtantodespeitado,objetou:

—Acreditais,então,queeusejaréudealgumafaltagrave?Umdoscolegasreplicou:

—EtuousasimaginarqueoSenhorcastigaummortalsemcausa?— Mas — tornou o doutor mordido por uma preocupação —, se me credes

culpadoemqualquercoisa,dizei-osinceramente,eeuprocurareicorrigir-me.—Ajulgarpeloquesabemosdeti—declarouumdospresentes—,és justoem

todos os teus atos.De uma só falta tua, de uma só, temos ouvido falar.Ocorre porocasiãodavindima.Nãodásaoteucriadoapartedavinhaqueacaridadeimpõe.

—Quenãolhesdousuaparte?—protestourisonhoodoutor.—Masnãocredesvósoutrosqueotalcriadomefurtamuitomaisdoquedeveriaeudar-lhe?

—E pela suspeita de que teu criado te furta, furtas ao criado?Diz o provérbio:“Quemroubaaoladrãofaz-setambémladrão.”

EsseepisódioéextraídodoTalmudBerachot,p.5.EstabeleceolivrodaLeiquesedêaoscriadosumapartedosdiversosprodutosdocampo.

Amáesposaeocego

Conta-sequeojudiciosoRabiJosé,oGalileu,tinhaaesposamáeobstinadaquelheamargurava a vida. A terrível mulher o fazia sofrer toda sorte de contrariedades,escândalos e humilhações; interrompia-o em seus estudos, insultava-o diante dospróprios discípulos. Estes não se conformavam com aquelas cenas escandalosas eatribuíama culpa aodoutorque, comomarido,nãodava fim àqueles vexames.Umdia, finalmente, manifestaram todos com franqueza sua indignação, e ardentementeexortaramomestrearepudiaraquelapéssimaeindignacompanheira.

Obommaridoprocuravaatenuaraculpadaesposa,escusá-ladetodasasgrosseriaseocultar-lhesosdefeitos. Infelizmenteamulhercontribuíracomvaliosodoteparaolar,aopassoqueodoutornãopossuíasenãopequenosbensdefortuna.

Os discípulos, não querendo sofrer, por mais tempo, aquela situação deconstrangimento,emovidosdecompaixãopelomestre,reuniramentresiasomaque

correspondiaaodote,einduziramorabiaindenizararancorosamulhererequererodivórcio.

Aperversa,depossedodinheiro,abandonousemomenorpesaropobredoutor;algum tempo depois se enamorou do governador da cidade, com o qual se casou,passandomuitosmesesnumavidadivertidaeruidosa.

Masobemdurapouco;ogovernador,queeraumhomemopulentoeprestigioso,caiu na antipatia do príncipe, foi despojado de todas as riquezas, ficou reduzido àextremamiséria,e,paracúmulodadesgraça,feriu-osúbitaeirremediávelcegueira.

Não tendomeio algumdevida,maridoemulher tiveramde recorrer à caridadepública. Todos os dias a infeliz levava o marido cego pelas ruas, e da piedade dostranseuntesrecolhiaasmíserasmigalhascomquesemantinha.

Ocego,queconheciamuitobemacidade,notouqueamulhernãoolevavanuncaaumacertapraçamuitoconcorrida.Nãoacensurou,maspediu-lhequeoconduzisseaté lá, porque os israelitas que moravam na tal praça seriam certamente muitopródigosnasesmolas.

—Esmolarentreoshebreus?—retorquiuamulhernumgestoderevolta.—Masnãosabesqueeraisraelitaomeuprimeiromarido?Não,eunãomeexporeinuncaaessahumilhação.

Ocegoinsistiuainda,porémamulherdeclarouquenuncaconcordariacomaquilo.Num dos seus costumeiros passeios, o cego percebeu casualmente que se

encontravampróximosdatalpraça.Alterando,então,avozeameaçando,exigiuquea mulher o conduzisse ali. A mulher resiste; o cego pragueja e, iracundo, arroja-sesobreela,segura-apeloscabelosecomeçaaespancá-lacomfúria.

Aosgritosdainfelizacodemváriaspessoas,entreasquaisRabiJosé,oseuprimeiromarido. Este, reconhecendo sua ex-esposa, sente o ânimo agitado por penosarecordação. Procura acalmar o cego, consola a desditosa criatura, dá aos dois umahabitaçãodesuapropriedadee,desdeentão,tomaaseucargoamanutençãodopobrecasal.

Cf.R.Cansino-Assens,op.cit.,p.110.ORabiJosé,oGalileu,viveunoséculoIIetornou-se,entreostanaítasmaissábios,famosoporsuabondade.Cf.EdmundFleg.,op.cit.,vol.I,p.217.

Opédamesa

OSenhoréaminhaforçaeomeuescudo;Neleconfiouomeucoração,efuisocorrido;peloquemeucoraçãocantadeprazerecomessecantoOlouvarei.

Davi

Os mais incréus afirmavam que o virtuoso Rabi Hanina Ben Dossa possuía o domprodigioso de realizarmilagres.O bondosoHanina vivia, porém, com a família, emextrema penúria. Uma medida de ervilhas era com que podia contar para suamanutençãoedosfilhos,duranteossetelongosdiasdasemana.Sentia-seaesposa,noentanto,envergonhadacomtãoaflitivapobreza,eprocuravadisfarçarasituação.

Umavezpelomenos,nodecorrerda semana, apobremulhercolocavano fornoum tição ardente e, sobre ele, maravalhas geradoras de uma coluna de fumo que

fizesse crer aos estranhos estivesse ela preparando a deliciosa fornada de pão para oconsumohabitual.

Uma vizinha abelhuda emaldosa atentou,muitas vezes, nas espirais de fumoquesaíamdacasapaupérrimaeinsinuavaàsamigas,comimpiedosostrejeitos:

—Que ingenuidade! Aqueles miseráveis pretendem preparar pão, e nem sequerdispõem de meia medida de farinha! A mim não me iludem! Vou desmascarar aintrujice!

E, com ânimo pérfido, dirigiu-se à casa do rabi e chamou a vizinha à porta. AesposadeHanina,atinandocomomaldosointentodaamiga,sentiusubir-lheaorostoaschamasdorubor,eafimdefugiraoexame,correuaesconder-seemcasadeumavizinha.

Aperversamulher,semapagardoslábiososorrisodeironiaeimpiedade,entroueencaminhou-seatéoforno.Óassombro!Todoeletransbordavadepão.Surpreendida,comovidaeprofundamenteperturbada,gritou:

—Amigas,depressa!Depressa!Trazeilogoapá,queopãosequeima!EfoiassimqueoSenhormilagrosoimpediuqueasantamulherfossehumilhadaem

suapobreza.Ànoite, logo queomarido regressou à casa, amulher correu ao seu encontro e

contou-lhe a milagrosa história; ainda abalada pelo sobressalto que a vencera,observou:

— Marido meu! É por demais miserável a vida que levamos. Estás resolvido apermitirquecontinuemossempreassim?

— Esposa de minha alma — protestou, bondoso, o marido —, não vejo comopoderiamarcaranossavidaemoutrorumo!Parecetudotãodifícil!

— Nada mais simples — aclarou a mulher, sorrindo com finura. — Tens, pelagraçadeDeus,odomderealizarmilagres!Certaestoudequenooutromundoserásfartaebelamenterecompensado.Poisbem:pedeaDeusquenosconceda,paragozodesta,partedoprêmioqueteesperanavidafutura.

O santohomem, acossado, premidopela insistência importuna da esposa, acedeu,afinal, em atender-lhe ao pedido. Pôs-se a orar, e depois de implorar, em fervorosaprece, o auxílio deDeus, ao erguer os olhos para o céu viu tremeluzir no alto umobjetoquecomeçouadescer rapidamente,atéque lheveiocairaospés.Eraumpédemesadeouromaciço.

Tomadodeindizívelassombro,opobredoutorquasechoroudeemoção.Sentia-se,apesar de tudo, torturado por um grande remorso. Colocou a peça sob o leito eprocurou entregar-se ao esquecimento do sono, mas não conseguiu dormir, tal aagitaçãodeseuespírito.

Afinal, depois de longavigília, proferiu comprofundadevoção as palavras eternasdoAlenou e dormiu.Dormiu sem tranquilidade. Teve o sono entrecortado por umestranhosonho.

Sonhouquehaviasidotransportadoparaocéu.Amansão celeste rebrilhava atapetada de ouro e pedras preciosas.No centro de

maravilhoso jardim estavam os bem-aventurados placidamente sentados e dispostosparaofestimceleste;ecadaumdoseleitosdoSenhortinhadiantedesideslumbrantemesadeouro.Aodoutor foioferecida, também,umalindamesa;aoacercar-sedela,porém,notouquebamboleavaeviu-acaircomfragorporquelhefaltavaumpé!

Despertouopiedosorabicomoespíritoprofundamenteabaladoeimplorounumasinceraexpansão:

—Santomeu!Santomeu!Retomaatuadádiva.*Eisoqueocorreu.Nomesmoinstanteapeçadeourodesapareceudesobseuleito.Os sábios doutores que esclarecem, linha por linha, os segredos e mistérios das

Escrituras, proclamam através dos séculos: “Não desfrutará o justo das mesquinhasriquezasterrenassemdesfalcarosbenspreciososdeseupatrimônioceleste.”

Oepisódio aqui apresentado sob o título “O pé damesa” aparece noTalmude (Tahanit, 25 a). Paramelhorcompreensãodosentidoteológico,convémlerA.Cohen,op.cit.,p.167.

Nota

*VejanoglossárioapalavraSanto.

Ofumo

O kobriner, numa visita inesperada, encontrou o riziner sentado no meio do quarto,numasexta-feira,antesdoocaso,decachimbonaboca,fumandotãofuriosamentequeoambienteestavairrespiráveleenevoadodefumaça.

Percebendologoodesagradoeadesaprovaçãodoamigo,tãoseveroerigorista,ohassidfumantelhenarrouaseguintehistória:

—Certohomemperdeu-sena florestae foidar,casualmente, àchoupanadeumsalteador.Namesa,pertodaporta,estavaapistolacarregada.Ohomemencheu-sedecoragem, deitou a mão à arma, e refletiu de si para consigo: “Se eu matar estebandido,estareilivredele;seerraroalvoconseguireiesgueirar-menafumaça.”

Depois de se deter um momento a olhar para o cachimbo, o riziner concluiuespaçandoaspalavras,emtomrecitativoemeiomalicioso:

—Assimtambémeupurificoocérebroparaosábado,pensandoemcoisassantasefumando, com intensidade, o meu bom cachimbo. Se os meus pensamentos me

atraiçoarem, a fumaça do fumo me estonteando o cérebro, permitirá que eu possafugirdasideiasímpiasedasinclinaçõespecaminosas.

EssapequenaanedotaétranscritaporLewisBrowne,op.cit.,p.503.NasobservaçõesdoRabiriziner(mortoem1850)hásempreumtraçodeironiaesarcasmo.Veja,nestelivro:“Ostítulosdocandidato”e“Trêscoisas”.

Dosdezparaos12

Exaltadosejaohumildequeousacastigarotirano.

(TALMUDE)

O rei Teijuan ou Tajuan, do Iêmen, senhor de 180 mil palmeiras, tinha um vizirchamadoCalin-Begqueeraexcessivamentegordoeexcessivamentemau.

Aespantosagorduradotalministropodiaserpesadafacilmente,emarrobas,numagrandebalançade ferro;não seconseguiria,entretanto,calculara somadasmaldadesexistentesemseucoração.

Um dia, ao terminar a audiência costumeira, o maldoso Calin-Beg dissegravementeaosoberano:

—Osjudeus,senhor,constituemumaraçadetestável.Oouroobtidopelotrabalhopenosodenossasmãosvaicair,fatalmente,empoderdeles.Sãoinfiéisincorrigíveiseatodo instante proferem blasfêmias contra os preceitos puros e elevados da nossareligião.* Penso que devemos expulsá-los o mais depressa possível do nosso país evenhopedir-vos,paraisso,anecessáriaautorização.

O rei Tajuan ou Teijuan, tolerante e bondoso, não ocultava sua simpatia pelosdesprotegidosisraelitasqueviviamemseusdomínios.

Nãovia,aliás,razãoalgumapararepeliremartirizarumpovoquenãoperturbavaapazdesuas180milpalmeirase,queaocontrário,contribuía,dealgummodo,paraoprogressodoreino.Dissepoisaoseuodientovizir:

—Umavezquejulgasmedidaútilaobem-estardemeussúditos,nãohesitareiemdecretar,nestemomento,aexpulsãodetodosos israelitas.Comomedidapreliminar,desejo,entretanto,observarcomoviveme trabalhamos judeus.Vamos,meuamigo,darligeiropasseiopelosarredoresdacidade.

Acudiupressurosooministro:— Julgo interessante a vossa lembrança, ó rei! Tereis ocasião de ver, durante a

nossa excursão, que os judeus vivem como chacais imundos, praguejando, cheios deódio,contraosservosdeAlá(exaltadosejaoAltíssimo!).

Momentos depois, o rei Tajuan, acompanhado de seu maldoso vizir, deixou opalácio real e saiu a passear pelos bairros mais pobres da cidade, observandoatentamenteosmíseroscasebresemqueviviamosisraelitas.

Emdadomomento—caminhandoparaparcomseuministro—,aproximou-seosoberano de umpobre tecelão que trabalhava sentado à soleira da porta e disse-lhe,emtomamistoso:

—PorAlá,meuamigo!Vejo-oa trabalhar incessantemente.Dosdez já tiravocêparaos12?

Respondeuotecelão,esboçandoumsorrisomuitotriste:—Ah!Senhor!Eu,dosdez,nãotironemparaos32!Aoministro, que tudo ouvia com amaior atenção, causou não pequeno espanto

aqueleestranhodiálogo.O rei Tajuan, entretanto, parecendo não se contentar com a resposta do pobre

judeu,interrogou-onovamente:—Equantossão,paravocê,os32decadadia?

—Quatro, com dois incêndios, sendo um deles para muito breve!— tornou ooutro,comdiscretacerimônia.

Sorriuoreiaoouviressaresposta,cujosentidoainteligênciadovizirnãoconseguiapenetrar,einsistiucombondadenumgenerosomoverdosombros:

—Seesperaalgumincêndioparabreve,porquenãodepenalogoopato?Comaspenasdopatopoderáapagarofogo.

Respondeuoisraelita,comvisíveismostrasdesatisfação:—Assimespero,senhor.ComaajudadeDeus,embrevedepenareiopato.Ao regressar ao palácio, o rei, com uma serenidade de mau agouro, observou,

muitosério,aovizir:—Estoucerto,meucaroamigo,dequecompreendesteperfeitamenteaconversa

quetivehápoucocomaqueletecelãoisraelita.— Infelizmente, senhor — confessou constrangido o ministro —, ouvi as vossas

perguntasetodasasrespostasdojudeusemnadaentender!—PelaglóriadoProfeta!—exclamouorei.—Adeclaraçãoqueacabasdefazeré

humilhanteparaumvizir!Nãopossotolerarsemelhantefraqueza!Eacrescentou,mudandodetomefitandoovizircominexoráveldecisão:—Vouconceder-teoprazodetrêsdiasparadescobriresosignificadoperfeitodas

minhasperguntaseexplicar,claramente,todasasrespostasdadaspelojudeu.Senãooconseguires,serásdestituído,porincapacidade,docargodevizir.

***

Oodientoministro,esmagadopelaterrívelameaçadocalifa,procurouportodososmeiosadecifraçãodomistério.

Asperguntasdoreinãotinham,realmente,sentidoalgum.Aprimeiraeramaisobscuradoqueumenigmachinês:—Dosdezjátiravocêparaos12?E a réplica dada pelo judeu?Relacionada com a pergunta, exprimia, na verdade,

umdisparate:—Dos12,senhor,eunãotironemparaos32!Asegundaindagaçãodosoberanoeratãoincongruentequepareciaformuladapara

confundiroespíritomaisarguto:—Equantossão,paravocê,os32decadadia?

Eisoenigmáticoretorquirdoisraelita:—Quatro,comdoisincêndios,sendoumdelesparabreve!Haviaainda,comocomplementodiabólico,aterceiraperguntadosoberano:—Seesperaincêndioparabreve,porquenãodepenalogoopato?Comaspenas

poderáapagarofogo.Convenceu-se o rancoroso vizir de que a sua pobre e acanhada inteligência não

dispunhaderecursosparadeslindarosegredoqueenvolviaoestranhodiálogotravadoentreoreieotecelãoisraelita.

Consultou,àsocultas,osseusamigosmaisatilados,masnenhumdelessoubeacharumaexplicaçãoparaocaso.Recorreuaosulemás(doutores)queviviamentrelivrosemanuscritos,eossábios,depoisdelargasdivagaçõesfilosóficas,sedeclararamincapazesdeesclareceromistério.

Quefazer?Preocupadocomagraveameaçaque lhepesava sobreosombros, resolveuenfim

procurar a única pessoa que poderia auxiliá-lo naquela dependura. Foi, sem maishesitar,àcasadotecelãojudeu.

Interrogadopelovizir,respondeuovelhoisraelita:— Sinto dizer-vos, senhor, que sou pobre e luto para vivermodestamente.Não

possoperder,portanto, asboasoportunidadesqueme sãooferecidasparamelhorar atriste situação de penúria em que me encontro. Exijo, pois, o pagamento de cemdinarespelaexplicaçãodaprimeirapergunta.

O ministro Calin-Beg tirou imediatamente de sua bolsa a quantia pedida eentregou-aaojudeu:

— A primeira pergunta, ó vizir— começou o israelita—, é muito simples. Onossobomsoberanoqueriasaber“sedosdezeutiravaparaos12”,istoé,secomosdez dedos damão eu ganhava o suficiente para viver durante os 12meses do ano.Respondi-lhe,então(essaéaverdade),que“dosdezeunãotiravanemparaos32”,istoé,paraos32dentesdeminhaboca,oumelhor,comosdezdedosdamãoeunãochegavaaobteroindispensávelparaminhaalimentação!

—Realmente!—confessou radiante oministro.—Émuito racional e clara tuaexplicação.Compreenditudoperfeitamente.Easegundaparte,ófilhodeIsrael,quesentidotem?

—Paraaexplicaçãodasegundapartedesteenigma—condicionouotecelão—,queroreceberumprêmiodeduzentosdinares.

Atendidoimediatamentenaquelaexigência,ojudeuassimfalou:—Quandoonossogloriososoberanomeinterpeloudaquelaforma“equantossão,

paravocê,os32decadadia”,compreendiqueelequeriasaberonúmerodepessoasmantidaspormim,istoé,quantossãoos32(dentes)aquedoudecomercadadia.Aminha resposta é clara e evidente: “Quatro com dois incêndios.” As quatro pessoassão:minhamulheretrês filhos.“Comdois incêndios”significa“comduasfilhasparacasar”.Poisocasamentodeumafilhaacarreta,paranós, judeus, tantadespesa, tantostranstornos e aborrecimentos, que pode ser comparado a um verdadeiro incêndio!Dissequeumdosincêndioseraparabreve,poispretendocasarminhafilhamaisvelhadentrodetrêssemanas.Comaminharesposta,claraeprecisa,informeioreisobreonúmero de pessoas de minha família, indicando até o número exato de filhas quepretendocasar.

—Écurioso!—retorquiuovizir,retorcendoabocanumrisinhoforçado.—Sintoagoraqueodiálogopormimouvidonãotem,realmente,nadadeenigmático.Tudoémuitosimpleseracional.Eaúltimapergunta?Comopodereiinterpretá-la?

Para decifrar a terceira e última pergunta, o judeu, alegandomaior dificuldade eembaraço,exigiuopagamentodequinhentosdinares.

Ovizircontouasmoedaseentregou-asaotecelão.Logoqueseviudepossedodinheiro,oastuciosoisraelitaassimfalou:—Aúltimapergunta formuladapeloglorioso soberanoédenotável clareza: “Se

espera incêndio em sua casa, por que não depena o pato?”, isto é, “se precisa derecursos para casar sua filha, por que não toma o dinheiro de um tolo qualquer?”“Pato”, como ninguém ignora, é o indivíduo pouco inteligente, do qual podemostomar, sem dificuldades, por meio lícito, quantia por vezes avultada. Tendocompreendidoo sentidoexatodaspalavrasdo rei, respondique“ainda tinha, comaajuda de Deus, esperança de depenar o pato”, isto é, de arranjar, com um lorpaqualquer,odinheironecessário.Efoiprecisamenteoqueaconteceu,senhorministro.Com o dinheiro que acabo de receber de vossas generosasmãos, poderei custear opróximocasamentodeminhafilhamaisvelha!

Retirou-se envergonhado e furioso o vizir, mais furioso que envergonhado, aoperceberquenofimdecontaselefizeraoridículopapelde“pato”,istoé,deidiota!

Aochegaraopalácio,foiteràpresençadomonarca,edeclarouqueestavaprontoaexplicarosentidodetodasasenigmáticasperguntas.

OreidoIêmen,aoouviraquelaconfissãodeseumaldososecretário,disse-lhecomumsorrisotrocista:

— E ainda pretendes, ó vizir, expulsar de nosso país um povo tão vivo einteligente? Acabaste de receber a prova eloquente de que um simples e incultoremendão israelitaécapazde reduzir aomíseropapelde“pato”ovizirmais atiladodomundo.

Eaquitermina,meucaroleitor,alendaqueserefereaotalreiTajuanouTeijuan,doIêmen,senhordas180milpalmeiras.

Adaptaçãodeumcontopopular israelita.Aformaaquiadotadainspirou-senumanarrativaqueouvimosdoSr.Adolfo Jaimovitch, residente no Rio de Janeiro. Para uma perfeita compreensão das relações entre árabes ejudeus,convémler“OsjudeusnoOrientenaépocadoIslam”,noexcelentelivroOcaminhodeIsraelatravésdostempos,doilustrerabinoFredericoPinkuss,SãoPaulo,1945.

Notas

* A religião do ministro era a muçulmana. Os árabes islamitas são inimigos irreconciliáveis dosjudeus.Vejanoglossáriofinalostermosárabesaquicitados.

Osdoisanjos

Quandoobomisraelita,navésperadosábado,aodeclinardatarde,deixaoTemploeretornaaoseular,doisAnjosoacompanhampassoapasso:umAnjoBomeumAnjoMau.

Entra o israelita em sua casa. Se a mesa está preparada para o sábado e as velasiluminam a sala, o Anjo Mau fica privado da voz. Fala, então, o Anjo Bom, eproclamaemtomdeintensoregozijo:

— Que a Paz e a Prosperidade permaneçam, para o resto da semana, neste larabençoadoefeliz.

O Anjo Mau, embora a contragosto, é obrigado a aderir. Abaixa a cabeça eresmunga:

—Amém!Mas se a habitação estiver escura, suja e em desordem, o Anjo Bom permanece

mudo como uma estátua. Cabe, nesse caso, a palavra ao Anjo Mau, que assim semanifestaemtomroufenhoeaziagocomaspupilasafaiscarlume:

—Tãoescuroetristecomoodiadehojesejam,paraestelarinfeliz,todososdiasdasemana!

OAnjoBom,comimensopesar,éforçadoaaceitaraquelevoto,reafirmandocomprofundamágoa:

—Amém.

Lendapopularisraelita.Cf.ErnaC.Schlesinger,Tradicionesycistumbresjudios,EditoraIsmael,1946,p.38.

Trezefilhos

OsábioejudiciosoRabiIsaacMeyerdeGer(mortoem1866),marteladopornegroinfortúnio,perdeu,umaum, seus13 filhos.Quandomorreuomaismoço,oúltimorestante, amãe, tomada de irremissível desespero, recusava todo conforto.Disse-lheentãoomarido:

—Osnossosfilhosnãomorreramemvão.Sedesgraçaanálogaferiroutrohomem,eleselembrarádequenósperdemos13filhosenãoserevoltarácontraoSenhor.

Esteepisódioécitadonocapítulo“Doutrinaehistóriashassídicas”,dolivrodeLewisBrowneSabedoriadeIsrael.Convémler“Recitshassidiques”,deElien-J.Finbert,nolivroAspectsdugénied’Israel,1950,p.78.

Orabieocarpinteiro

Rabi Joshna ben Ilem, homem sábio, justo e piedoso, sonhou certa vez que foralevado para o céu.Ao entrar no Paraíso, entre anjos de asas luminosas, veio ao seuencontrooprofetaElias:

— Salve, meu bom rabi!— exclamou Elias com acolhedora alegria, abrindo osbraços.—Salve!Atéqueenfimvaisreceberoprêmioquemereces.

E, apontando para larga e deslumbrante poltrona que surgia livre, ajuntou numsorrisoqueoenvolviatodoemclaridadeedoçura:

—Aliestáoteulugar!AquificarásentreoseleitosdoSenhor.Rabi Joshna,muitoconstrangidoeperturbado, impelido,porém,pelo seuespírito

de obediência e docilidade, sentou-se maravilhado na poltrona indicada. Um anjo,

delicadocomoumlíbrio,tendonasmãoslongaespadacintilante,adiantou-seentreosquerubinseproclamounumavozsuavequepareciaumhinodeglóriaedeamor:

—Óbem-aventurado!Eu vos saúdo, ó eleitos do Senhor!Vereis agora, entre asluzesquecortamastrevas,afaceexcelsadoEterno!

Fez-seprofundo silêncio.Osanjospareciam imóveis,ecomoque suspensosentrenuvens coloridas.Naquelemomento crucial,Rabi Joshna olhou para a direita, numinquietoreparodecuriosidade,eviu,comassombro,queaseulado,noParaíso,numapoltronatalvezmaisricaemaisbrilhantedoqueaquelaquelheforadestinada,estavasentado,ebemsentado,SimãoAnas,homemrudee iletrado,queexerciaamodestaprofissãodecarpinteiro.

Pensamentosimportunos,inspiradospordetestávelamor-próprio,seapoderaramdobomrabi.

Coisa singularmente estranha! O seu vizinho no Paraíso era um modestocarpinteiro, tipo semianalfabeto, que não aparecia nas festas da sinagoga, que nãocomentavaaTorá,quecertamentedesconheciaosensinamentosmaiselementaresdosdoutoresdeIsrael.

No dia seguinte ao despertar, intrigado com o sonho que o deslumbrara, o rabirefletiu:

— Os sonhos têm sempre um quê de verdade. É certo, portanto, que o meuvizinhonoParaísoseráSimãoAnas,ocarpinteiro.Mas,afinal,quemsoueu?Umsábio— reconhecem todos —, sim, um homem que consagrou a vida ao estudo e àmeditação. Já tenho educado várias gerações; milhares de pessoas têm ouvido eguardadoosmeusensinamentos.Dezenasdedúvidas,emquesedebatiamosmestres,foram por mim elucidadas. Longa e incansável tem sido a campanha por mimdesenvolvidacontraosidólatrasecontraosateus.Asminhasobraseosmeussermõesfazem renascer a Fé e a Bondade nos corações mais rebeldes. Pratico a caridade;procuroimplantarapazeaconcórdiaentreoshomens;sirvoatodosindistintamente;obedeço aos santos mandamentos; procuro viver no caminho da virtude, commodéstia e simplicidade. E depois de toda essa lida, ao termo de uma vida desacrifíciosedeestudos,souequiparadoaumcarpinteiro,boçalegrosseiro.

Depois de meditar sobre o caso, impelido por uma turbulência de ideiasdesencontradas, resolveu o rabi apurar a verdade. Cumpria-lhe indagar como viviaaquele carpinteiro que se fizera merecedor de tão alta distinção entre os eleitos doSenhor.

Dirigiu-seosábioparaamodestaeatravancadaoficinadeSimãoAnaseencontrouoativocarpinteiro,nafainahabitual,branqueadodepó,acarpintejar.

—Dize-me,meubomamigo—começouorabimeiohesitanteejásentadonumabanqueta rústica —, dize-me, por favor, quais são as obras de caridade por tipraticadas? Em que dia costumas frequentar a sinagoga? Quais são as horas por ticonsagradasaoestudodaToráedosLivrosSagrados?

—Lamentomuitoconfessar—respondeuocarpinteiroemtomrespeitoso—quenão leio coisa alguma; jamais estudei a Torá; desconheço por completo os LivrosSagrados.Gostariamuitodeestudar,deouvirosdoutores,de rezarna sinagoga,masnãotenhotempo.Falta-metempo,rabi!

—Faltadetempo?—estranhouorabi.—Comoassim?Respondeuocarpinteiro:—Tenhomuitotrabalhonestaoficina.Nãodoucontadasencomendasquerecebo

diariamente. Passo muitas horas a carpintejar. Aproveito as minhas folgas, os meusmomentoslivres,paracuidardemeuspais.

—Deteuspais?—Sim—confirmouo carpinteiro—,meupai eminhamãe, já bemvelhinhos,

moramcomigo.Precisamdemeuamparoedeminhaassistência.Dou-lhesdecomer,debeber,ecuidodelessemprequeposso.Aelesconsagrotodososminutoslivresdeminhavida.Levo-os, dequandoemvez, apassearpelo jardim.Aocair da tarde, àsvezes faço um pouco de música para distraí-los. Minha mãe sorri para mim e diz:“Querido!” Meu pai sorri, também, e diz: “Meu filho!” Eles são bem velhinhos eprecisam tanto de mim! Perdão, senhor rabi! Preocupado com meus pais, eu nãodisponhodetemponempararezarnasinagoga!

Rabi Joshna ben Ilem, o sábio, ergueu-semuito sério e, numa voz emocionada,assimfaloudecisivo:

—Queimportaisso,meuamigo,queimporta?Afirmo,ócarpinteiro,afirmopelaglória deMoisés, que se algumdia, amparado pelamisericórdia divina, tiver omeunomeincluídoentreoseleitosdoSenhor,tereimuitahonrademesentaraoteuladonoParaíso!

SimãoAnas,obomcarpinteiro,nãocompreendeuesseestranhodiscursodoilustrevisitante. Não compreendeu nem poderia compreender. Enquanto o douto israelitafalava, estava ele esquecido, alheio de tudo, pensando nos pais.Os velhinhos teriamtantoprazersepudessemconversarumpoucocomaquelebomeeloquenterabi,que

todos admiravam e respeitavam como um santo... Que prazer teriam os bonsvelhinhos!

Transcrito da Midrash. Adaptação do texto clássico. Convém ler em A. Cohen, op. cit., p. 234, o capítulotalmúdicointitulado“Piétefiliale”.EscrevePaulAppell:“Osjudeussãoestimadosporcausadesuafidelidadeàsprescriçõesdeumareligiãoseveraetambémporcausadeseurespeitoaospais.”DolivroJudeus,trad.deJorgedeLima,p.147.

Odobrodaesmola

Foi Mar Ukba, um dos chefes mais prestigiosos de Israel. Ao profundo cabedal desabedoria e ciência reunia esse rabi grandes riquezas, das quais ninguém sabia fazermelhor uso do que ele. A despeito de sua enorme caridade, tinha como regra daranualmente a certo número de pessoas necessitadas determinada quantia, suficienteparaasmantercomrelativoconforto.EntreestashouveumchefedefamíliaaquemcostumavaauxiliarcomquatrocentascoroasnavésperadodiadaReparação.Sucedeuumavezmandaressadádivapelofilho,queaovoltarmanifestouaopaiqueaesmolaeraconferidaaumafamíliaquenacertanãodeviamerecer.

—Porquê?—indagoucomvivacuriosidadeorabi.—Fostemalrecebido?Queaconteceu?

— Na visita de hoje — respondeu o moço —, pude observar cuidadosamenteaquele homem que é por vós considerado tão pobre e tão necessitado de caridade.Verifiquei que ele tem amesamuito bem arrumada, coberta de alva toalha, e bebevinhonasrefeições.Tudonasalaparecialimpoebemarrumado.

—Visteisso?—insistiuobondosorabi.—Poisdatuafelizeacertadaobservaçãosou levado a concluir que o meu protegido é homem fino e bem-educado.Acostumado aviverbem,não sei comopodepassar comapequenapensãoque lhedamos.Aquitens,leva-lheagoramesmo,depresente,estabolsacomdinheiro;eparaofuturodareiaesseinfortunadoamigoodobrodaesmolaquecostumavadar.

Ketubot,67b.Esteepisódioaparececitadoeminúmerasantologiasjudaicas.SãoincontáveisosatosdegenerosacaridadeatribuídaaoRabiMarUkba.Cf.MalbaTahan,Lendasdocéuedaterra.

Odemônioeaintriga

Durante as longas peregrinações que empreendeu pelo mundo o terrível e odientoEnam,odemôniodosolhoschamejantes,foiteraumapequenaaldeia,muitoalémdoEufrates, chamada Nagazor. Recebido com acolhedora simpatia pelos habitantes,começou o infernal Enam a agir de acordo com os seus planos. O seu ideal eratransformarapacíficaNagazornumpequenino infernoondedominasseadiscórdia,acizâniaeadesarmonia.MastodososesforçosdoMalignofracassaramentreascolinasdeNagazor.Asartimanhasemaldadesdotentadorresultaraminúteis.

Pretendeusemearadiscórdiaentreoschefesdefamíliaenãoconseguiu;arquitetoumil e umadesavenças entre as esposas,mas viu cair por terra todosos seus sórdidosartifícios. Insistiam os habitantes de Nagazor em viver em paz, e não havia comomudaraqueleserenoteordevida.

Decepcionadocomomalogrodeseustorpíssimosembustes,retirou-seodemônio:—Eisumrecantoquenãomeinteressa.Nãovaleapenaperdertempocomessa

gentedesfibradaeinerme.Vouembuscadeoutrosclimas.Àpequenadistânciada aldeia topouodemônio comum riodepraias límpidas e

frescas.Sentou-senaareiaclaraepôs-seameditar.Poucosminutosdepoissurgiuumamulherquevinhaaoriolavarassuasroupas.Eraumaraparigaforte,deombroslargos,fisionomia simpática, tostadapelo sol.Sobopanoazuladoque lheenvolvia a cabeçarepontavampequenasmechasdecabelocastanho;seusolhoseramnegrosevivos.

Aovê-la chegar,Enam sorriumeiodesconfiado.Amulher parou, deixou cair aochão a pesada trouxa que trazia, e encravando resoluta asmãos na cintura, encaroucomarrogânciaomalignoviajante.

— Que pretendes aqui? — inquiriu com petulante desembaraço. — A tuafisionomianãomepareceestranha.ÉsEnam,omal-intencionadoEnam!

—Sim,minhaboaamiga—volveuoMalignocomvozsucumbida—,souEnam,o terrível, mas o período áureo de minha vida já terminou; encontro-me emdesastrosa e irremediável decadência; as almas fogem demim e escapam deminhasmãos.Vejo-me,agora,despojadodemeutãotemidoesecularpoder.FuiarrasadoporessagentinhaimpertinentedeNagazor.

Eodemôniorelatouàlavadeira,comtodasasminúcias,oseufracassonaaldeiaeainutilidadedeseusembusteseartimanhas.

—Nãopassasdeumsimplório—garganteouamulher,impudente,sorrindocomdesprezo.—Aindanãopercebestequeosteusrecursossatânicosselimitamatruquesobsoletos e ridículos? As tuas armas,meu velho, outrora tão temidas pelos homens,são,noséculoemquevivemos,irrisóriasegrotescas.Tensquerenovarosteusplanosemodificarosteusmétodos.

E, depois de ligeira pausa, encarou o demônio cruzando os braços num desafio,comumrelâmpagodeinspiraçãonoolhar:

— Queres apostar comigo? Sou capaz de transformar a pacatíssima aldeia deNagazor,depontaaponta,numverdadeiroinferno.

—Duvidomuito!—retorquiuodemônio,retorcendoaboca.—Euvejoquenãoconheces aquela gente insípida de Nagazor. Mas escuta: se fizeres o que acabas deprometer,receberásdemimumabolsacommilmoedasdeouro.

—Combinado!—bradoualavadeiraendireitandoobusto.—Combinado!VoujáparaNagazor.Duranteaminhaausênciacuidarásdestasroupas.Verásqualéaminha

maneiradeagir.E,semmaispalavra,amulhertomouocaminhodaaldeia.EaochegaraNagazor,

bateuàportadeumacasa.Residiaaliumadasmelhoresfamílias.Alavadeirafingiu-semuito ingênua e bondosa, pediu para falar à dona da casa, a quem ofereceu os seuspréstimoscomoótimalavadeira,sendologocontratada.Enquantoentrouxavaaroupasuja, ergueu os olhos para o lindo rosto da senhora, e exclamou numa atitude decontemplaçãoenvaidecida:

—Quebandidososhomens!Todosiguais,malditossejam!Nãosepodeconfiarnomelhor deles. Gostam de todas asmulheres, louras oumorenas,menos das própriasesposas!

—Quepretendesinsinuarcomisso?—inquiriuadama,mordidapelovenenodadesconfiança,arregalandoosolhossobressaltados.

—Nãoseimentir—acudiua lavadeira,semhesitaçõesnavoz.Nãoseimentiregosto de revelar sempre a verdade para aqueles que parecem dignos e bondosos.Vindo para cá, quemhavia eu de encontrar, entre as sombras do parque, senão teumarido, namorando escandalosamente outra mulher? E, ainda por cúmulo daingratidão,derretia-seporumapequenafeia,horrorosa,caradebruxa!Comopodeeledesprezarumabelezacomotu,poraqueleestafermo,éoquenãoentendo!Masnãochores, querida patroa, não te aflijas.Não faças caso dessa ingratidão de teumarido.Sou entendida em artes e feitiçarias. Conheço um remédio infalível para fazer teumarido,bilontraeingrato,retornaraobomcaminho.Aplica-lheesseremédioenadamais terás a receardele.Asseguro-tedequeeledepoisdaprimeiradosenuncamaisterá olhos para outramulher. Escuta bem o que deves fazer: quando o teu volúvelesposochegar, fala-lhecombrandura;nãoodeixesdesconfiardecoisaalguma.Logoqueelepegarnosono,apanhaanavalhaecorta-lhe,commuitocuidadinho,trêspelosdabarba,sendodoispretoseumbranco,outrêspretos.Éprecisoagircomcautelaafimdequeelenãopercebanada.Depoismedáessespelos;comelespreparareiumremédiotãoseguroqueteumaridoserá,paraorestodavida,deumafidelidadeatodaprova.Odiará todas as outrasmulheres e será teu, só teu, com um amor profundo,inalteráveleeterno.

Apanhandoatrouxa,alavadeirasaiuàprocuradomaridodadamae,comavozeos modos de uma criatura consternada, disse-lhe que vinha revelar um segredohorrível; não sabia se teria forças para tanto, preferiria até morrer. O marido

naturalmentequissaberdoquesetratava,exigiuqueelafalasseaverdadeefezsentirquenãoadmitiadesculpasouevasivas.

— Pois bem — começou a lavadeira, tomando-o à parte e olhando ao redorcautelosamente.—Acabode sair da tua casa, ondeminha ama, tua esposa,me deuestasroupasparalavar;enquantoeuestavalá,chegouumbelomoço,deolhosclaros,muito bem trajado, e os dois se retirarampara aquele pequeninoquarto que fica aoladodasala.Pus-meaescutareouviomoçodizeràtuasenhora:“Mataoteumarido,querida, e eu casarei contigo.” Ela respondeu que não se animava a fazer coisa tãohorrível.“Ora”,tornouele,“comumpoucodecoragem,émuitofácil.Quandoteumaridoadormecer,corta-lheopescoçocomumanavalhabemafiada.Aceitarãotodosamorte dele, como um acidente ou como um suicídio e nadamais.Quem ousariadesconfiar de ti?” A tua esposa relutou um poucomas acabou por aceitar a ideia eprometeuaojovemdosolhosclarosqueestamesmanoiteexecutariaoplano.

Fervendoderaiva,masperfeitamentecalmonaaparência,omaridovoltouacasa,sendocordialmenterecebidopelazelosacompanheira.Ànoite,jáumpoucotarde,foiparaoleitoefingiuadormecer.Pôs-seentretantoavigiarosmenoresmovimentosdaesposa.

Ao vê-la, afinal, abrir a gaveta e apanhar a navalha, para cortar os três pelosnecessários ao feitiço da lavadeira, levantou-se num salto, arquejante de cólera,avançou como um louco para a mulher, arrancou-lhe a navalha das mãos e, numaalucinaçãodesesperada, golpeou-aváriasvezes,prostrando-a semvidanumapoçadesangue.

Anotíciadocrimeseespalhou:osparentesdamorta,nacertezadesuainocência,uniram-se para vingá-la e mataram o perverso e sanguinário marido. Os irmãos doassassinado resolveram tomar adesforra. Incendiarama casados assassinos ematarammeiadúziadeles.Lavrouoódio emNagazor.E, antesque a luta terminasse,muitasvidasforamsacrificadasemuitoslaresarrasados.

Enam, o demônio dos olhos chamejantes, fiel à palavra dada, pagou a aposta. Edessediaemdiantepassouausardaintrigacomosuaarmapredileta.

Bemdiziaosábio:—OqueoDemônio,commilperversidadeseembustes,nãoconsegueemvinte

dias,aIntrigarealiza,comamaiorsegurança,emmeiahora.

FiguraestecontoemSepherSashuim(Olivrodaalegria),deJosephbenMeiribnZapara.Aformaqueoferecemosaos leitores é uma adaptação folclórica. Apud Lewis Browne, Sabedoria de Israel, p. 346. “Sobre a questão da

demonologia judaica”, vejaA.Cohen,LeTalmud, p. 321. Em relação aos nomes doMaligno, convém ler ointeressantelivrodeRuteGuimarãesOsfilhosdomedo.

Obomsamaritano

UmdoutordaLeiapresentou-secertavezdiantedeJesuseointerrogou:—Mestre,quedevofazerparaalcançaravidaeterna?Jesusergueuorosto,fitou-ocombondadeeperguntou:—QueestáescritonaLei?Queencontrasatalrespeitoentreassuasprescrições?Odoutorisraelitaapressou-seemresponder:—“AmarásoSenhor,teuDeus,detodoteucoração,detodatuaalma,detodoo

teuespíritoedetodasastuasforçaseteupróximocomoatimesmo.”TornouJesus,serenamente:—Respondestemuitobem;fazeassimeviverás.OdoutordaLei,depoisdemeditaruminstante,novamenteinterpelouoMestre:—Dize-me,órabi,aquemdevemosconsiderarcomoopróximo?Paraatenderaessanovapergunta,Jesusnarrouoseguinte:

— Descia um judeu de Jerusalém para Jericó, pelas gargantas tortuosas dasmontanhas.Osladrõesoassaltaram,etendo-oagredidoeroubado,deixaram-noferidona estrada. Passa um sacerdote, um daqueles que têm o primeiro lugar nas festas eassembleiaseseblasonamdesabernapontadosdedostodososditamesdavontadedeDeus; vê o infeliz caído, e não interrompe a sua marcha e, para evitar contatosimundos, segue apertando o passo pela outra margem da estrada. Eis, logo depois,surgeumlevita.Tambémeste,afamadopeloseuzelo,conhecendoemminúciastodasas cerimônias sagradas, se julgava, antes, um dos senhores do Templo que merosacristão.Olha de esguelha o corpo sangrento, ouve os gemidos de dor e prossegueimpassívelemsuajornada.Passa,finalmente,umsamaritano.Nãoperdeuosamaritanotempoemverificar seo infeliz,estendidonospedregulhosdaestrada,eradaSamariaou se nascera na tribo de Judá. Aproxima-se e, vendo-o assim abandonado, quase amorrer,enche-sedecompaixãoporele.Vaibuscarseusfrascosnamontaria;derramasobre a feridado infeliz umpoucodeóleo, algumas gotas de vinho, ata-oomelhorquepode, companoe comesforço e cautela acomodaodesconhecidonodorsodesuamula; leva-o comamenidade e cordurapara ahospedariamais próxima;mete-onumleito,restaura-lheasforçascomalgunsalimentosquentesesóodeixaquandoovê falandoecomendo.Nodia seguinte,pagadoisdinheiros aohospedeiro,dizendo-lhe com o maior interesse: “Cuida dele, meu amigo, vela por ele o melhor quepuderes;oquegastaresamaispagar-te-einavolta.”

NessepontofezJesusumapausae,dirigindo-seaodoutorisraelita,perguntou:—Qualdos três semostrou,a teuver,opróximododesventuradoquecaíranas

mãosdossalteadores?RespondeuodoutordaLeinumímpetoirreprimível:—Oqueseapiedoudele!Osamaritanoqueosocorreu!RematouJesuscomumsorrisodebondade:—Assimodisseste.Vaieimita-o!

PodeparecerestranhoqueestefamosoepisódiodoNovoTestamentoviesseafigurarentreaslendasetradiçõesisraelitas.Convémnãoesquecer,porém,queJesuserajudeuequeocristianismo,conquantoespiritualmente,estávinculadoaIsrael.Nãoseria,portanto,aceitávelumaantologiajudaicaquesilenciassesobreaobradeJesusedeseusdiscípulos,quesãofigurasnotáveisnavidaculturalisraelita.

Humildade

Um fabricante de sandálias, num momento de exaltação, feriu com grave ofensa oRabiJohanan.Umdosdiscípulosprocurouosábionomesmodiae,muitosolícito,lhedisse:

—Mestre,permitiqueeucastigueaquelehomemdeseducadoeestúpidoquevosinjuriou?

—Não édignode respeito—corrigiu com sereno semblanteo sábio—aquelequeconcedeaoutrempermissãoparaprocedermal.

Elogojustificou,dogmáticoeconciliador:—Quem não domina o seu gênio carece de inteligência.Quem é poderoso?O

que responde à insânia com humildade e sabe reprimir os impulsos condenáveis.Quemnãodominaseusfuroresmuitomenossaberácorrigiracóleraalheia.Aorigemdo êxito dohumilde é que seus semelhantes o ajudam, graças à sua submissão.Maisamparoencontraohomemnasuaprópriahumildadedoquenaforçadospoderosos.

Distinguem-seosrabinospeloespíritodehumildadequerevelavam.Operdãodasofensasalheiasfiguraentreospreceitostalmúdicos,Yoma23,a.;Chabbat,151,b.SãoinúmerososexemploscolhidosatalrespeitonaimensaliteraturareligiosadeIsrael.

Nahum,o“Ginzo”

OsábioNahumforacognominado“Ginzo”,poisdiantedequalquer sucessodavidaeleafirmavacominabalávelconfiança:

—Istotambém(“gamzeh”)foiparamelhor!Nos últimos anos de sua vida, Nahum ficou completamente cego; suas mãos se

tornavamparalíticas; emconsequênciada lepra,perdeuospése seucorpo secobriudeferidas.Jaziaestiradonofundodocubículoimundodeumacasaemruínas,comaspernas mergulhadas em bacias d’água para que as formigas não o atacassem. Osdiscípulos iamvisitá-loevoltavam impressionadoscomo sofrimentodo sábio.Certavezumdelesnãoseconteveeinterrogouoenfermo:

—Sesoisumhomemtãojusto,porquevosatormentamtantosmales?—Meufilho—retorquiuopacienterabi—,oúnicoculpadosoueu.E,anteoincalculávelespantodaquelesqueorodeavam,narrouoseguinte:

—Certavez,aochegaràcasademeu sogro,comtrêsburroscarregados,umdeprovisões, outro de vinho e o terceiro de frutos raros, encontrei andrajosomendigoque implorou: “Patrão, dai-me alguma coisa para comer.” Sem apiedar-meda tristesituação em que se achava o infeliz, respondi desabridamente: “Espera que eudescarregueosburros.”Mas,antesqueeufinalizasseaárduatarefa,ohomem,vencidopelafome,morreu.Ocrimepormimpraticadoserevestiradamaiorperversidade,e,olhando para o corpo inanimado do mendicante, proferi num ímpeto de remorso:“Percam a vista os meus olhos que não souberam ver e medir a tua miséria; quefiquemparalíticas estasmãosquenão souberam levar a tempoo auxíliopedido;quesejamcortadosospésquenãomeconduzirampelaestradadacaridade.Edissemaisainda:‘Cubra-mealepraocorpotodo.’”

Umdosdiscípulosdeploroucomsinceropesar:—Ébemtristeparanósvermosagoraonossobommestrenesseestado!Acudiuorabi,assumindoumardesériaprofundidade:—Tristedemim,sevósnãomepudésseisverassim!

Tahanit,21a.Cf.A.Cohen,LeTalmud,p.161es.A.Weil,Contesetlegendesd’Israel,p.95.MoisésBeilinsoneDanteLattes,OTalmude,trad.deVicenteRagognetti,p.103.

Deuséladrão

Conta-sequeAdriano,otemidoimperador,mandoucertavezviesseàsuapresençaosábio Gamaliel e, com o intuito de confundi-lo diante da corte, interpelou-o destaforma:

—Dize-me,ójudeu,aquelequeroubaéounãoéumladrão?—Sim—concordouRabiGamaliel.—Nãohácomonegaraevidência:aquele

queroubaéladrão.Ouvidaessaresposta,volveuoromanocomrispidez:—EntãooteuDeuséumladrão,umtrapaceiro,poissegundoensinaoteuLivro

Santo,DeusfezdormirAdãoe,duranteosono,furtou-lheumacostela.NessemomentoajovemRaquel,filhadorabi,queouviraodiálogoocultaatrásde

um reposteiro, surgiu de improviso na sala, e, acercando-se do trono de César,implorouaflita:

—Senhor!Venhopedirjustiça!Fuiroubada!Miseravelmenteroubada!—Comofoiisso?—indagousurpresoosoberano.—Entrouumladrãoemminhacasa,duranteanoite,efurtou-mepequenocântaro

de barro. E o trapaceiro deixou, no lugar, precioso vaso de ouro, cheio de rubis ediamantes!Peçojustiça!

—Masminhafilha—ponderouoimperador,commaliciososorrir—,quemmederaum ladrãoassim, todasasnoites, assaltandoosmeusaposentose levando tudooqueémeu!Essehomemnãoagiucomoumladrão,massimcomoumbenfeitor!

Aoouvirtaispalavras,prorrompeucomaltivezafilhadeGamaliel:— Como queres, então, ó César, atirar sobre o nosso Deus, sobre o Deus dos

Judeus, o libelo de ladrão? Lembra-te de que ele furtou de Adão uma costela, edeixou,emtroca,umalindaededicadaesposa.

Apud.A.Cohen.LeTalmud,p.212.TalmudSanhedrin,39,a.Cf.R.Cansino-Assens,op.cit.,p.225.

Oserrosdosjustos

MuitoseramosestudiososqueprocuravamoBesht,sequiososporouvirassábiasliçõesdesseiluminadoguiadeIsrael.

Certa vez um jovem, preocupado em cultivar o espírito, interpelou o sábio nosseguintestermos:

—PorqueapontaaBíbliaoserrosdoshomensdebem?Nãoseriamaisprudente,para formação moral da mocidade, ensinar que os homens de bem são sempreirrepreensíveis?

Respondeuofundadordohassidismo,abanandoacabeçanegativamente:—SeaBíbliaomitisseosrarospecadosdosheróis,duvidaríamosdabondadedeles.E para esclarecer aquele ponto, que parecia difícil e obscuro, narrou omestre a

seguinteeinteressantefábula:

—Umleãoensinouaosfilhotesquenãodeveriamtemernenhumservivo,poisosleões, na terra, eram as criaturas mais possantes. Certo dia, saindo a passear, osleõezinhosderamcomasruínasdeantigocasteloabandonadoeviramnumpedaçodeparede,semidestruídapelotempo,umquadronoqualaparecia,emcoresdesbotadas,afigura hercúlea de Sansão rompendo em dois o corpo ensanguentado de um leão.Cheiosdesusto,correramaçodadamenteparaopai,exclamando:“Vimosumsermaisforte doquenós, e temosmedodele.”O leão velhoos interrogou e, informadodapinturaqueosfilhostinhamencontradonasruínas,tranquilizou-os:“Essequadrodeveconvencer-vos de que a nossa raça é a mais forte da criação, pois quando aparece,mesmoentreoshomens,umsermaispossantedoqueumleão,esselutadordestemidoélogoexaltadopelosartistaseapontadocomoumherói.”

“As exceções”, concluiu o Besht, “confirmam a regra: os erros dos justos,apontadospeloLivro,sãoexceções.Aceitemospoisaverdadedoconceito:oshomensjustosnãoerram.”

Cf.Antologiahassídica,deLouisI.NewmaneSamuelSpitz.Apud.LewisBrowne,op.cit.,p.477.

Alíngua

Umsenhormandouoseuservoaoaçougueedisse-lhecomarsuperior:—Queroquemetragasomelhorbocadoqueencontrares.Paraatenderàrecomendaçãodoamo,oservotrouxe-lheumalíngua.Dias depois o senhor chamou novamente o mesmo servo e deu-lhe a seguinte

ordem:—Traze-medoaçougueobocadomaisordinárioqueencontrares.Oservo,comofizeradaprimeiravez,trouxeumalíngua.— Que quer dizer isso? — protestou afoitamente o senhor. — Para qualquer

recomendação,traze-mesempreumalíngua?O servo,queera, aliás,um filósofodotadode alto saber, explicoucomgravidade

mordaz:—A língua é quanto há nomundo demelhor e, também, de pior. Se bondosa,

nadahádemelhor;semaldizenteementirosa,nadahaverádepior.

EstetrechodoTalmudeapresentanotávelsemelhançacomumadasfábulasdeEsopo.Cf.Rabot,p.303,I.R.Cansino-Assens,op.cit.,p.234.

Odiamantedomendigo

Conta-se que um schnorrer chegou, certa vez, à pequena cidade ao anoitecer dumasexta-feira, e inteirou-se de que o único lar onde não se alojara um pobre, para osábado,eraodousuráriodolugar.

Oschnorrerbateu,semcerimônia,einsistiuemfalar,emcarátermuitoconfidencial,comodonodacasa.

—Nãovimpediresmolas—afirmavaladinamente,emvozbaixa.—Éassuntodenegócio.Edegrandenegócio.

Introduzido no escritório do usurário, o esfarrapado mendigo fechoucautelosamenteaportaedisse,simulandograndemistério:

—Quanto daríeis por um diamante límpido e perfeito, em forma de rosa e dotamanhodeumaazeitona?

A cobiça flamejou no coração do avarento. Interessava-o a compra da pedra.Achou, porém, preferível recalcar seu interesse, pois naquele momento qualquer

precipitaçãodesuapartefariasubiropreçodamercadoria.Erapreciso,antesdetudo,agradaraovendedor;cativá-locomfiguraseobséquios.

Eoavarentodisseaomendicante,comarluminosoeafável,avozimpregnadadamaisfamiliarcordialidade:

— Bem vejo que estás cansado. A tua jornada foi longa. O momento não éoportuno para transações. Convido-te para o sábado. Ficarás emminha companhia.Depoisconversaremoscommaisvagar.

Ao escurecer, terminado o sábado, voltou o usurário a falar com o schnorrer emostrou-se, finalmente,empolgadopelodesejodeverapedra.Omendigoencolheuosombrosnumgestodeindolênciaecinismo:

—Acasoeuvosdissequetinhaumdiamante?Pergunteiquantomepagaríeisporum diamante límpido e perfeito, em forma de rosa e do tamanho de uma azeitona.Queroestarinformadocomtodasegurançadopreço,poispodesucederqueencontreuma gema com tais predicados, e seria feliz em vendê-la dentro de uma justaavaliação.

Nessaanedotaapareceafiguradoschnorrer,palavraídichequedesignaomendigoquetemcertaempáfiadesuaprofissão.Oschnorrerépetulante,àsvezesexigente,sabecitarconceitosdoTalmudeeédeumafilanciaincrívelnasua arte de tomar dinheiro dos judeus. Cf. Israel Zangwill,El rey de los schnorrers, trad. deManuel Goldstray(BuenosAires,1945).

Respeitopelotrajo

Conta-sequeRabiHiyyabarAbba,sempreembuscadaverdade,certavezconsultouoRabiAssi:

—PorquesevestemcomtantoapuroossábiosnaBabilônia?Rabi Assi, na precipitação de atender ao companheiro, respondeu levianamente,

semrefletir:— Porque são de culturamedíocre e procuram granjear o respeito com os seus

atavios.Essa explicação foi, casualmente, ouvida peloRabi Johanan, e esse sábio corrigiu

comseveridade:— Penso que estás enganado, meu amigo. Eles se vestem com exagerado apuro

porque são imigrantes e diz o rifão popular: “Naminha cidade, sou respeitado pelorenomequeconsegui;emterraestranha,respeitam-mepelomeutrajo...”

Sabbath,145b.Cf.LewisBrowne,op.cit.,p.198.

Deuséinfinito

OscéusproclamamaglóriadeDeus,eofirmamentoanunciaaobradesuasmãos.

Isaías,45-81.

Podeohomem—comsuainteligêncialimitada—conceberDeusInfinito?Os conhecimentos que temos dos atributos divinos são imperfeitos, analógicos e

feitosmaisdenegaçõesquedeafirmativas.EssaverdadeoTalmudeevidenciaaorecordarumepisódiofamoso:Adriano,imperadorromano,chamouumdiaorabinoJosuébenNanyaedisse-lhe

comprecipitadavivacidade:—QueroveroDeusdequefalas!

—Impossível!—contrariouosábio,revestindoaresdemaiorseriedade.—ParaCésaroimpossívelnãoexiste—atalhouimpacienteosoberano,comarde

enfatuadasegurança.Orabinoconduziuoorgulhosoeobstinado imperadoraté àvarandadopalácioe

pediu-lheque fitasseo sol durante alguns instantes.Pouco faltavaparaomeio-dia; aluzincomparávelsederramava,comoumdilúvioardente,sobreaterra.

—Nãopossoolharparao sol!—confessou,afinal,oromano, levandoamãoaosolhos,ofuscadopelaluz.

Compalavraspausadas,mascheiasdeautoridade,concluiuorabi:—Nãopodeisolharparaosol,quenãopassa,afinal,deumainsignificanteestrela

docéu!ComoquereispôrosvossosolhosemDeus,queémaisfortedoquetodosossóisdoUniversoemaisrefulgentedoquetodososmundosquepovoameiluminamoInfinito!

Koullin, 59b e s.Cf.A.Cohen,LeTalmud, p. 45.Cf.MoisésBeilinsoneDanteLattes,OTalmude, trad. deVicenteRagognetti,p.39.

Alascadelenha

Umdia,quandopasseavaemcompanhiadeRabiHaggai,cruzouoRabiZairacomumlenhadorquelevavapesadofeixedelenha.Dirigiu-seoRabiZairaaolenhadorepediu:

—Dá-me,porfavor,umalascademadeiraparapalitarosdentes.Advertiu-o,porém,opiedosoHaggaiemtomconfidencial:— Não faças isso. Se todos os viandantes, pelo longo caminho até a aldeia, se

julgaremcomdireito a uma lasca, a lenha comque esse pobrehomemganhao seusustentologoacabará.Àquelequetempouco,nemmesmoumpoucodevemospedir.

Cf.LewisBrowne,SabedoriadeIsrael,p.207.

Tudoparaobem

Omalpersegueospecadoreseosbensserãoarecompensadojusto.

Salomão

O rabino Aquiba costumava em sua vida aceitar e sofrer com resignação e firmezaqualquer revés, qualquer desgraça que lhe sobreviesse, e não se perturbava, comotambém,pensandoemDeus,confiavasempreemquetodasascoisashaviam,afinal,desucederparavantagemsuaeparaasalvaçãodesuaalma.“Deusfaztudoparaobem”;estaseramaspalavrasquecostumavarepetiremtodososlancesdesuavida.

Certavez,viajavaesserabinoporlongínquospaísesondenãotinhanemconhecidosnem amigos.Os seus únicos bens eram compostos de um burrinho e um galo. Eraquase noite, e encontrando-se de súbito em meio de trevas, apertou o passo até opovoadozinhomais perto com a esperança de ali encontrar um albergue. Logo quechegou, mirou de um lado e de outro, interrogou os transeuntes, bateu a muitas

portas,porémdelugarnenhumouviupalavraamiga,ninguémorecebeunematendeuàsuasúplica.

Semestranhartantaprovadeegoísmoeimpiedade,orabinopensavaassim:—Paciência!Deusfaztudoparaobem.Jáquenãoencontroaquiasilo,passareia

noitenobosquevizinho.Comesse pensamento se dirigiu para fora do povoado como burrinho e o galo,

levandonamãoumacandeia.Todavia,apenasopobredoutorseadiantoupelomeiodaqueleespessobosque,umarajadadeventolheapagoua luz,deixando-oimersonaescuridão.

—Deusfaztudoparaobem!—exclamoulogo,ecaminhandoàstontasavançoupelomeiodastrevaserefugiou-senumrecanto.Enquantoestavaalitodoencolhidoesilencioso,meditando,ouviuumterrível rugidoeumrosnar assustador.Eraum leãoquedevoravaoseuasno.

—Será para o bem—murmurou o bomAquiba, e se acocorou junto do galo,único companheiro sobrevivente da viagem. De repente sentiu o resfolegar deestranho animal que rapidamente se afastou. Um arrepio o sacudiu, arrancou-o aodevaneio. Estendeu o paciente Aquiba a mão com cautela e não encontroumais ogalo.Não havia dúvida.Um gatomontês ou qualquer outro carnívoro damata lhehaviaarrebatadoogalo.

—Ah,tudoéparaobem!—repetiu,segundoocostume,oconformadorabino.Decorreu finalmente aquela larga noite, surgiu o dia e Aquiba, todo sonolento e

vacilante,deixouobosque.Ao aproximar-se do povoado, encontrou alguns infelizes que pareciam feridos, as

facesemsangue,osvestidosemfrangalhos.— Pobrezinhos! — lamuriou-se o sábio. — Que desgraça terrível lhes teria

sucedido?—Nãosabes—respondeuumdosdesgraçados—,estanoiteumbandodeladrões

atacouopovoadoàmãoarmada,arrasouascasasematouquasetodososmoradores.Porummilagreconseguimosescapar!

—Deus misericordioso!— pensou então o rabino.— Pois se fico a dormir nopovoadoteriasido,comoosdemais,vítimadosassaltantes.Sealuzdacandeianãoseapaga,osladrõesmeteriamvisto!Seaquelesanimaizinhosnãotivessemsidomortos,aminha presença seria revelada aosmalfeitores pelo cantar do galo ou pelo zurrar doburro.Tenhorazãoemproclamar:tudoqueDeusfaz,ofaráparaobem.

ORabiAquibaécitadonoTalmudecomomodeloímpardohomemdefé.“Tudoparaobem”éorelatodeumdosmuitosepisódiosquecoroamavidadessegrandevultodeIsrael.Veja:Berachot,cap.8.

Eparaosmeuspobres?

Emtempodecarestia,umzaddikencarregou-sedecoletarosrecursossuficientesparaalimentar os famintos da comunidade. No percurso, acercou-se de certo ricaçonotoriamente soberbo e violento, que, em vez de lhe dar esmola, lhe assentou umabofetada na face. O santo homem vacilou um instante; depois, enxugando a faceensanguentada,susteve-seummomentopensativo,eretorquiucombrandura:

— Isto, meu filho, foi evidentemente para mim. E agora que dás para os meuspobres? — E ficou muito sério a contemplar o ricaço sem esboçar o mais levemovimento.

Antologia hassídica, de J. Newman e Samuel Spitz. Apud Lewis Browne, op. cit., p. 492. Amesma façanha éatribuídaaumgrandevultodocatolicismo.

Amercadoriapreciosa

OsábioRabi Joshnacruzavaosmares commuitosmercadores.Emdadomomento,duranteaviagem,umdosmercadoresinterrogouorabi:

—Sãomuitasastuasmercadorias?O douto Joshna mergulhou num curto silêncio e depois respondeu com

naturalidade:—Sãomuitasepreciosas.Nada,porém,receiodomar.O indiscretomercador sabia, porém, que no porão do navio não havia, entre os

imensosvolumesqueoabarrotavam,umsófardoquepertencesseaorabi.Contouocasoaoscompanheirosetodosriramdohomem.

—Éumingênuoesserabi—disseram.—Nãotemnadaejulgapossuirmuito!

Onavionaufragou;perdeu-setudooqueelelevavanoseubojo,eosmercadoresacustosalvaramavida.Chegaram,afinal,aumportoestrangeiro.Entrandonasinagogalocal,odoutorabipediulicençaparapronunciarumsermão.Assuaspalavras,cheiasde sabedoria e bondade, encantaram os ouvintes. Reconheceram os chefes dacomunidade que não havia, na cidade, quem pudesse rivalizar com aquele recém-chegado,eacongregaçãoonomeoudiretordaescola,combeloehonroso subsídio.Deixando a sinagoga, o mestre foi acompanhado pelas figuras de mais prestígio dapopulação.

Osmercadoresempobrecidossedirigiramentãoaoilustrecompanheirodeviagempara solicitar auxílio.Socorridos imediatamentecoma importâncianecessáriapara aspassagensdevolta,disseramaosábio:

—Vós tínheis razão.Erammuitas e preciosas as vossasmercadorias.As nossas seperderam;avossa,porém,ficouintata.

EsteepisódioécitadoemTeroumothqueéumadassubdivisõesdoTalmude.Cf.EdmondFleg,Anthologiejuive,Paris,1933,volumeI,p.322.

Meiafatiadepão

Narramosdoutos,noSanhedrim,asingularaventuraocorridacomdoisdiscípulosdoRabiHanina.Esses jovens,à semelhançadomestrequeoseducara,nãoacreditavamnas artimanhas dos feiticeiros. Certa vez, quando se internavam numa floresta embuscadelenha,toparamcomumastrólogo.Aovê-los,oastrólogo,depoisdeobservaraposiçãodosplanetas,osadvertiudoperigoqueosameaçava:nãovoltariamvivosdamata. Isso, porém, não dissuadiu os jovens de continuarem o caminho. Meia léguadepois encontraram um ancião que se aproximou deles e pediu alguma coisa paracomer.OsdiscípulosdoRabiHaninadispunhamapenasdeumnacodepão,masnãohesitaramemreparti-locomopedinte.Colheram,aseguir,alenhadequeprecisavame voltaram para a aldeia.Um camponês, que tinha ouvido a predição, ao avistar osjovensderegressointerpelouoastrólogo,encarando-ocomardemofa:

—Maisumavezerraste.Éfalsaatuaastrologia.Oslenhadoresvoltaram.Aliestãoeles!

Não se conformouo astrólogo comodesfechodo caso e,mordidopela suspeita,convidou os dois discípulos a desatar o feixo de gravetos que traziam; no meio dalenhafoiencontradaumaserpentemortaecortadaaomeio.

—AMorteseaproximoudevós—declaroucomfirmezaoadivinho—,masnãovos feriu. O golpe do destino foi desviado. Que fizestes para merecer que voslivrassemdamortecerta?

—Nada que saibamos— respondeu um deles com desvanecida credulidade.—Durante a jornada encontramos, apenas, um velho faminto, e a esse infeliz demos ametadedonossopão.

Bradouentãooastrólogo, apontandoparaos lenhadorese relanceandooolhardeumparaooutro:

— Eis tudo explicado! Que posso eu fazer, se o Deus dos judeus se deixainfluenciarpormeiafatiadepão?

Talmude,Sanhedrim,39b.Sobrecertasprevisões fracassadas,comsurpresaparaosastrólogos,hánoTalmudeváriosepisódios.Cf.R.Cansino-Assens,op.cit.,p.104.

AbbaJudah,opiedoso

OsrabisEliezer,JashuaeAquibachegaramaosarredoresdeAntioquia.Nessaviagemos sábios angariavam auxílio para discípulos necessitados. Lámorava um certoAbbaJudah,que fora atéentãomuito liberalnas suascontribuições;perdera,porém, todosos seus haveres e achava-se sem recursos. Anunciada a presença dos rabis, Judah serecolheuàsuaresidência,vexadoetriste.Aesposa,apreensivacomoabatimentodomarido,ointerrogou:

—Porqueestásassimtãotristonho?—Osrabisjáseachamnacidade—respondeuele—,vieramembuscadeauxílio

enãoseicomopodereicontribuirparaaobraqueelesrealizam.Amulher,quetambémpossuíaespíritoabnegadoecaridoso,sugeriu:—Resta-nosaquelecampoparaalémdorio.Vendeametadeedáaosbonsrabiso

produtodavenda.

Judah assim fez.Quandoentregouo auxílio aos rabis, ouviu apenas estas palavras:“Quesejamsupridasasvossasnecessidades.”

OssábiospartirameJudahfoi lavrarametadedocampoqueainda lhe ficara.Aoiniciarafaina,avacaquepuxavaoaradotropeçoueferiuapata.Olavradorabaixou-separasocorreroanimal;nessemomento,avistounomeiodaterraumpotecheiodemoedasdeouro.ObondosoJudahrefletiu:

—Foidecertoparameubemqueestavacaferiuapata.Sóassimpudeacharestetesouro.

Algunsmesesdepois,os rabisvoltaramaAntioquiaeperguntarampor Judah.Dasinformações colhidas apuraramqueAbba Judahvoltara a ser umhomem riquíssimo,donodemuitosrebanhosecamelos!

O próprio Abba Judah procurou os rabis e, depois de os saudar, disse-lhesarrebatado,envolvendo-osnomesmosorrisodeadmiração:

—Fuiamparadopelasvossaspreces.Aboasortecaiusobremim.OjudiciosoAquiba,falandoemnomedeseuscompanheiros,disseaobomJudah:—Embora,navezanterior,outrosdessemmaisdoquetu,inscrevemosteunome

nalistaemprimeirolugar.EostrêsilustresrabisconvidaramAbbaJudahparajantar,sentaram-seaoladodele

eprestaram-lhetodasashomenagens.LáestáescritonoLivrodosProvérbios(18-16):“Aesmoladohomemlheabrecaminhoeolevaperanteosgrandesdomundo.”

EsteepisódioéextraídodoTalmudedeJerusalém,Horayot,3:7.

Ojuramentodotratante

Emlivrobemantigoencontramosdescritoocasodeumhomemqueentregouaumcerto Simão Bartolomeu vinte moedas para guardar. Decorridos alguns meses,reclamouaquantia.Oindignodepositárioesquivou-sedeclarando:

— Estás equivocado, meu velho. De mim já recebeste, na íntegra, o dinheiro.Nadamaistenhodeteuemmeupoder.

OdonododinheiroexigiuqueSimãoBartolomeufosseàsinagogaerepetisseessadeclaração,sobjuramento.Otratanteacedeuaopedido.Antes,porém,tomoudeumbastão oco, nele enfiou as vinte moedas, e levando esse bastão como se fosse umabengala,compareceuà sinagoga.Convidadoaproferiro juramento,voltou-separaoqueixosoedissedeafogadilho:

—Seguraestabengalaenquantoeuprofiroojuramentoquedemimexigiste.Deteve-seumpouco,suspenso,easeguir,napresençadorabiedeváriosanciãos,

proclamoucomvozpausada:

— Juro, pelo sagrado nome do Senhor, que nasmãos deste homem entreguei odinheiroquefoiconfiadoaomeucuidado.

Aoouviressaspalavras,ooutrohomem,tomadodevivacólera,largousemquererobastão,quecaiueroloupelosoalho.Comaquedasepartiuocabodafalsabengalaeasmoedas,comescândaloparatodosospresentes,seespalharampelochão.

O velho rabi que presidia o ato, frio e imperturbável, dirigiu-se ao reclamante esentenciou:

—Apanha,meuamigo,essasmoedas.Elaspelavontadesupremavoltaramàs tuasmãos.

Cf. Pesikta Rabbathi, 12 b. Encontramos em Dom Quixote, de Cervantes, um episódio que parece ter sidoinspiradonessapassagemtalmúdica.

Asjoiasdorei

Um jovem príncipe, desejando partir pelomundo, pediu ao pai que lhe fornecessevestesricasejoiasvaliosasdequeelesedistinguissenomeiodamultidão.

—Vestemeumantodepúrpura;colocaomeucolarderubis,adornaatuacabeçacomaminhacoroaetodostereconhecerãocomomeufilho.

AssimdisseDeusaIsrael:—AceitaaLei;guardaosmeusmandamentosesereis reconhecidocomoopovo

deDeus!

PesiktaRabbathi,298,2.Cf.R.Cansino-Assens,LasbellezasdelTalmud,p.36.

Oanelvalioso

Procuradocertavezporummendigo,verificouoRabiSchmelkequenãodispunhadedinheiroalgumparadaresmola.Esquadrinhandoasgavetasdaesposa,encontrounofundodacaixadecosturasumaneleodeuaopobre.Ao regressar àcasa, amulherviu agaveta aberta, a caixa revolvida, edandopela faltado aneldesatouagritar.Omaridoexplicou-lheoqueocorrera,eelaointimouacorrernoencalçodomendigo,e retomar o quanto antes o anel que fora dado. Tratava-se de uma joia que valiacinquenta táleres.Que absurdo! Entregar a ummendicante desconhecido uma peçapreciosa,umajoiadefamília.

Ozaddik,aoouviraquilo,saiudearremesso,correndopelaruaafora,e,alcançandoomendigo,advertiu-oofegante:

— Acabo de saber que o anel que de mim há pouco recebeste vale cinquentatáleres.Nãoconsintas,portanto,quetedeemporelequantiaabaixodeseuverdadeiro

valor.

Este singularepisódioécitadoporElien-J.FinbertnoartigoRecitshassidiques, do livroAspects du génie d’Israel,Paris,1950,p.83.Vejatambém“Doutrinaehistóriashassídicas”,emLewisBrowne,op.cit.,p.494.

Aletra“A”

Um persa se aproximou, certa vez doRabi Yannai e pediu-lhe que o iniciasse noestudodaTorá.

Acedeuorabie,apontandoparaaletraalef,assimcomeçou:—Aquiestá,meuamigo,aletraA!—Como podeis provar que essa letra é umA?— retorquiu o persa com certa

malíciaimpertinente.Orabi,numgestorápidoeinesperado,puxou-lhecomviolênciaaorelha.—Aminhaorelha,aminhaorelha!—protestouohomem.—Comome provarás que é a tua orelha?— ralhou omestre, fitando-omuito

sério.—Ora,ora—gaguejouopersa,jámeiodesconfiado.—Todagentesabe!

—PoistodagentesabequeestaletraéumA—replicouorabi.Afacéciadosábio,aquelerecursoimprevisto,fezriropersa,quesetornou,desse

diaemdiante,umalunoatentoededicado.

Este episódioé citadoemKoheletRabbah,7,queconstituiumacoletâneade comentários folclóricos sobreoEclesiastes.

Ocálicedourado

Certa vez, a esposa do koretzer comprou um cálice dourado para a cerimônia dosábado.Aorepararnaquelapeçacintilante,ozaddikindagoucomcertaestranheza:

—Desdequandotemosemcasautensíliosdeouro?Amulhertentoujustificar-se,dizendo:—Olha:nãoéourolegítimo;éapenasumcálicedourado.— Minha filha — repreendeu o zaddik com reprovadora frieza —, o uso deste

cálicenãoexprimiriaapenasvaidadeearrogância;aousá-loimplantaríamosnestacasatambémoenganoeamistificação.

Erecusouservir-sedocáliceaoproferiroKidush,nacerimôniadoschabat.

LewisBrowne,op. cit., p. 496, fez incluir esse episódiono capítulode seu livro intituladoDoutrina e históriashassídicas.

Apedrapreciosa

Beijadosserãooslábiosquerespondemcompalavrasretas.

SALOMÃO(Provérbios)

O Rabi Safra tinha uma pedra preciosa e queria vendê-la. Dois mercadores lheofereceram cinco moedas pela gema. Ele, porém, teimava em pedir dez. Adivergênciaobstouatransação.

ORabiSafra,pensandoasósnatransação,deliberou,por fim,cederapedrapelopreçoproposto.

Nodiaseguinte,osdoisnegociantesvoltaramnojustomomentoemqueorabiseentregavaàoração.

—Senhor—declarouumdeles—, vimos fechar a transação.Quer ceder-nos apedrapelopreçooferecido?

ORabiSafranãorespondeu.Continuouorando.Insistiuoofertante:—Bem,bem,nãoqueremosaborrecê-lo.Daremosmaisduasmoedas.Ovelhorabipermaneciamudo.—Ora, vamos!Liquidemoso caso.Vá lá, comoédo seudesejo. Interessa-noso

negócio.Aquitemasdezmoedas.Queremosapedra.O Rabi Safra, que nesse momento terminava suas preces, decidiu, erguendo

imperativoavoz:— Senhores. Eu estava em oração e não quis interrompê-la.Quanto à pedra, já

haviaresolvidovendê-lapelopreçoontemproposto.Dar-me-eiscincomoedas.Maisdoqueissonãopossoaceitar.

Cf.LéonBerman,ContosdoTalmude,oTalmudeMacoth,p.24.Veja:Cansino-Assens,LasbellezasdelTalmud,p.133.OMacothéumadasmuitassubdivisõesdoTalmude.

Princípiofundamental

Conta-se que certa vez um modesto carregador se apresentou ao Rabi Aquiba epediu-lhe:

—Mestre,ensina-metodaaTorádeumavez.Surpreendidocomaquelepedido,disseorabicomumtomdemoradodereflexão:— Meu filho, Moisés, nosso mestre, permaneceu no monte quarenta dias e

quarentanoites,parachegaraoconhecimentodaLei;e tuqueresqueeuteensineaTorá inteira deumavez!Em todo caso,meu filho, eis o seuprincípio fundamental:“Não faças a outrem o que não queres que te façam. Se queres que ninguém teprejudiquenoque tepertence,nãocausesprejuízo aosoutros; sedesejasquenão teprivemdoqueéteu,nãotiresoseuaoutrem.”

O carregador se juntou aos companheiros e todos jornadearam, até chegar a umcampo de melões, onde cada um colheu vários frutos, exceto o nosso homem.Continuandoocaminho,toparamosviajantescomsoberbocampoderepolhos.Cadaqual apanhou dois, salvo o nosso carregador. Perguntaram-lhe os outros os motivosdessavoluntáriaabstenção;eelerespondeucomamaiorsimplicidadeperanteoolharinquiridordoscompanheiros:

— O Rabi Aquiba ensinou-me: “Não faças a outrem o que não queres que tefaçam.Sedesejasquenãoteprivemdoqueéteu,nãotiresoseuaoutrem.”

AbothdeRabiNathan,cap.XXV,p.51.Cf.A.Cohen,op.cit.,p.27d.OAbothdeRabiNathanfiguraentreostratadosapócrifosposterioresàMichná.ErnestoRenanemHistóriadeIsrael,tomoIII,p.408,escreve:“UmlivrosingularchamadoPirkéAbothconserva-nososnomesdosdoutoresmaiscelebresdaépocaherodiana,comsuassentençasmaiscaracterísticas,querespiramamoraoestudo,amoràvidanasolidão,repulsaàvidamundanaeaomundooficial.”

Osdezmandamentos

NoterceiromêsdasaídadoEgito,chegaramosisraelitasàraizdomonteSinai.SubiuMoisés ao pontomais alto dessemonte e ouviu a voz deDeus. Com palavras queecoavamentreasnuvenserolavampelaimensidadedocéu,disseoSenhoraMoisés:

—EisoqueanunciarásaosfilhosdeIsrael.Vistesoquefizaosegípcios,edequeforma os protegi. Portanto, se escutardes a minha voz, e guardardes minha aliança,sereismeupovoescolhido.

DesceuMoisés do Sinai, reuniu os israelitas e referiu o queo Senhor lhe dissera.Exclamaramosisraelitascomdecididaveemência:

—FaremosaquiloqueoSenhordeterminar.ReapareceuDeusaMoisésedisse-lhe:—Mandaaopovoqueseprepareesepurifique,hojeeamanhã,equeaguardeo

terceirodia.

Aoamanhecerdessedia, relâmpagoscortavamocéue surdos trovõesabalavamoar. Espesso nevoeiro envolveu amontanha do Sinai, no alto da qual se erguia umacolunadefogoefumo,eaomesmotempo,domeiodasnuvensescuras,retiniacadavez mais forte um som de trombetas. Sucediam-se aquelas manifestações da DivinaVontadecomtantoestrondoefragorqueopovo,acampadonaplanície,ficoutomadodeindizívelterror.Moisésreuniutodasuagenteaopédamontanha,peranteafacedeDeus,eoSenhorfaloudestemodoaIsrael:

I. EusouoSenhor,teuDeus;nãoterásdeusesestranhosemminhapresença:nãofarásimagensesculpidasparaadorá-las.

II. NãotomarásonomedoSenhorteuDeusemvão.III. Lembra-tedesantificarodiadodescansodoSenhor.IV. HonrarásateuPaieatuaMãe,afimdevivereslongaeditosavidasobrea

terra.V. Nãomatarás.VI. Nãocometerásadultério.VII. Nãofurtarás.VIII. Nãolevantarásfalsotestemunho.IX. Nãodesejarásamulherdeteupróximo.X. Nãocobiçarásacasadeteupróximo,nemseucriado,nemsuacriada;nem

seuboi,nemseujumento,nemcoisaalgumaquelhepertença.

Opovoreunidoaopédamontanhareafirmoucomdevotaesincerahumildade:—FaremostudooqueoSenhordeterminou!LevantouMoisésumaltar,eofereceusacrifícioaoSenhor.Tomoudepoisosangue

davítima,easpergindo-osobreopovodisse:—EisosanguedaAliançaqueconvoscofazoSenhor!

“O cerne de todo saber de Israel está na Torá, ‘a lei’; e o núcleo desse cerne é o Decálogo ou os ‘DezMandamentos’.Documentoalgumexerceuinfluênciamaispersuasivanavidareligiosaemoraldahumanidade.Nada há, realmente, que se possa comparar ao Decálogo em brevidade, clareza, poder de persuasão e —consideradaasuaidade—altafeiçãomoral.ExistemnaBíbliaduasversões:umanoÊxodo(20:2-14)eaoutranoDeuteronômio (5:6-21): ambas são, ao que parece, elaborações de um código original que só constavaprovavelmentedessasdezsentençasenérgicas.Onúmerodosmandamentosfoilimitadoadez,talvezparaajudarosprimitivospastoresaguardá-losnamemória,recordando-ospelosdedos.”Cf.LewisBrowne,op.cit.,p.6.

Honrasealegrias

UmricaçodeHommona,muitovaidoso,obcecadopelamaniadasgrandezas,desejavaardentemente ser eleito chefe da comunidade. Insinuara essa ideia aos amigos maisprestigiosossemousarpedirclaramente.

Certavez,empalestracomoRabiAbbaShapira,queixou-seamargamente:—OTalmude (Erubin, 13, a) diz-nos que, quando fugimosdas honras, estas nos

perseguem.Comigo talcoisanãoocorreu.Esquivei-medashonras.Elas,porém,nãocorreramatrásdemim.

— As palavras do Livro — retorquiu o mestre — são sábias e verdadeiras. Ashonrasfogemdetiemboracaminhesnafrentedelas.Earazãoésimples:équeatodoinstantevolvesacabeçaparaverseelasteseguem!

Cf.LázaroLiacho,AnecdotarioJudío,M.GleizerEditor(BuenosAires,1945),p.123.Omesmoepisódio,segundoLewisBrowne,op. cit., p. 500, ocorreu como famosoRabi SimchahBunam,zaddik de Parsischa (morto em1827).

Paráboladotesouro

Um homem que tornava, certo dia, das terras de Efraim, ao atravessar um campoabandonado,descobriu,casualmente,sobummontedepedras,váriaspeçasdeouroediamantes. Representava tudo aquilo um tesouro prodigioso que ali fora enterrado,muitosséculosantes,poraventureirosdodeserto.

Arrebatadopelodesejodepossuirotesouro,resolveuohomemadquiriroterreno,poissóassimpoderiatomarpossedopreciosoachado.

Retornou, pois, à cidade emque vivia e começou a desfazer-se de todos os seusbens.Vendeuseusbois,suasvinhas,suaspeles;levouaomercadoatéavelhabilhaemqueguardavaaáguafrescanofundodesuatenda.

Osamigosqueoviamassimprocederinterpelavam-noacremente:—Insensato!Porque tedesfazesde todosos teusbens?Quandoquiseres adquirir

outravinhaeoutrosbois,nãoserãosuficientesasmoedasqueamealhaste!

Ohomem,porém,mostrava-se surdoa tais advertências.Sua ideia fixaera reunirquantiabastanteparacompraroterrenoeentrarnapossedotesouro.

E assim fez. Surpreendidos ficaram todos quando o viram reaparecer rico eopulento.Équeotesouroalcançadovaliamilvezesmaisdoquetodososbensdequesedesfizera.

Oreinodocéuésemelhanteaumtesouro.Transformemosemcaridadeosnossosbens da terra, pois só com a moeda da caridade é que se pode adquirir o grandetesourodocéu.

Esta admirável parábola se encontra emMateus,XIII, 44, conforme já assinalamos; qualquer antologia israelitaficaria incompleta se nela não figurasse a valiosa contribuição damoral cristã. Jesus era judeu e está, portanto,vinculadoaIsrael.Convémreleranotaexplicativaqueacompanhaoepisódiodo“Bomsamaritano”.

Asfolhasdoquicaion

DeusfoiclementecomIsraelquandodispersouosfilhosdeIsraelpormuitasnações.

RABIOSHAYA

ProvindosdosrecantosmaisafastadosdaJudeia,numerososperegrinossedirigiam,pelavelhaestradadeJafa,aostemplossagradosdeJerusalém.

Havia entre eles cristãos sírios que cantavam, ao cair da noite, intermináveisladainhas;judeusdeJafaedeGaza,quesedivertiamemouvirseusrabinosdiscutirem,em hebraico, pontos controversos do Talmude; árabes muçulmanos, arrastando osgrandesalbornozes,quecincovezespordiainterrompiamajornadaparaerguerprecesaAlá,Onipotente.Iam,também,entrecrentesdereligiões tãodiversas,aventureiros

semDeus,mercadores sempátriaebeduínossemDeusesempátriaque,escondidosentreaspedrasdocaminho,combinavamataqueàscaravanasmaisfracas.

UmjudeudeLudd,rapazalegreeinteligente,fizeraduranteaviagemboaamizadecom um jovem muçulmano de Damasco. Raro era o dia em que, os dois nãodiscutiamacaloradamente;umprocurandoexaltarasqualidadesdosisraelitas;ooutro,erguendonateiadoexagero,osbelospredicadosdopovoárabe.

Certamanhã, SalomãoGalperin eOmarDhalum— assim se chamavam os doisjovensperegrinos—seachavamjuntoà fontedeAin-Dilb,pertodaaldeiadeBeit-Nokouba,apequenadistânciadeJerusalém.

Em dado momento Salomão, dirigindo-se ao companheiro, falou em tom dedesafio:

—Háumfatoquenãopodesnegar,meuamigo.Écertoqueosjudeussãomuitomaisvalentesqueosmuçulmanos!

—Estásenganado—contrariouOmar,comumgestorápidoeincisivo.—Nãohápovo no mundo que possa exceder os árabes em coragem e temeridade. Para oscovardesnãohátendasemsombranopaísdoIslam!

Riu-seojudeu,esfregandoasmãosnumtriunfo:—Belaspalavras,ó filhode Ismael.Nãonegoqueas tuas frases sãocomoasdos

poetas do deserto, lindas e sonoras!Gostaria, porém, de ter uma prova segura dessedestemorqueatribuis,comtantagenerosidade,atodososárabes.

E,apontandoparaumpédequicaion—aervadeJonas—,plantaextremamentevenenosaqueseencontrafrequentementenaJudeia,ajuntou:

— Julgo que não serias, ó muçulmano, capaz de comer algumas folhas daquelequicaion.

Blasonoulogooárabe,sacudindoosbraços:—MasAlá!Eudevorariaasfolhasmortíferasdoquicaioncomamesmafacilidade

comqueseisaborearastâmarasmaisdocesdeSamarra!NãotemoovenenodaervadeJonas,poissómorrereienvenenadoseAláquiser!

— Pois aposto mil piastras — proclamou o judeu com um sorriso de singulardesdém—comonãotenscoragemdecomerumafolhadoquicaion!

Aquele singular desafio, feito publicamente na presença de várias pessoas, feriufundonavaidadedoárabe.Bemconheciaos efeitosdaperigosaplanta, cujovenenoatiravaporterra,empoucashoras,omaisresistentedoshomens.Tentadoporémpelasedutoraquantiaeinstigadopelosoutrosperegrinos,oárabemurmurouresoluto:

—Ualá!Seestáescritoqueheidemorrerenvenenado,nadamelivrarádessetristedestino!Mactub!

E, dirigindo-se ao quicaion, arrancou algumas folhas e comeu-as— com grandeassombrode todososqueassistiamàquelecurioso litígio.Ojudeu, jáarrependidodaaposta que havia feito, foi obrigado a entregar ao muçulmano a bolsa com as milpiastras.

—Estásvendo,óisraelita,dequeécapazumcrente?— Grande coisa! — resmungou o judeu, abalado pela perda do seu precioso

pecúlio.—Eutambémseriacapazdefazeromesmo!—Mentes,ó filhode Israel!Acoragemnunca soubeprocurar abrigonocoração

deuminfiel!Apostoestasmilpiastrascomonãoofazes!Sem dar tempo a que o árabe se arrependesse do que havia dito, o judeu —

desejosoderecuperarodinheiroperdido—atirou-serápidosobreopédequicaionecomeuumbomnúmerodefolhasdavenenosaplanta.

Osperegrinosjudeusaplaudiramoatotemeráriodojovemisraelitaeoárabeseviuforçadoadevolver-lheapreciosabolsa.

Um sábio rabino, que tudo havia observado desde o princípio, era, entre oscircunstantes, o único que se abstivera de instigar com aplausos e zombarias atemeridadedoslitigantes.

— Insensatos que sois! — sentenciou, com voz grave, aproximando-se dos doisjovens peregrinos.—Queira o Santo que omais negro dos castigos não venha, embreve, cair sobre vós por causa da loucura que acabais ambos de praticar! Umadiscussãotola,nascidadeumarivalidadeinjustificável,voslevouapraticaratosinúteisdeheroísmo!Quelucrouomuçulmanoemcomeraervavenenosa?Nada!Emapostarcomaprópriavida,quelucrouoisraelita?Nada!E,noentanto,estãoambosagoraemperigo de vida!Dentro de poucas horas, aMorte virá buscar-vos e vereis, então, atristeconsequênciadevossatemeridade.

Conto popular israelita. Encontramos no folclore brasileiro um conto semelhante. A forma que adotamos foimoldadapelanarrativaqueouvimosdojovemSaulDachis,alunodaFaculdadeNacionaldeArquitetura.

Opecadodooutro

VáriosdiscípulosseacercaramdoRabiSimeãobenYohai.Umdelesointerrogou:—Éverdadequedopecadodeumhomemnãoresultaapenasomalparasi?Pode

essepecadoferiroutrascriaturas?Orabi,paraexplicaressadúvida,tãoobscura,narrouoseguinte:—Estavamalgunshomens,emaltomar,numaembarcação,eumdeles,presade

momentânealoucura,sepôsaabrirumfurodebaixodoseubanco.Osseuscamaradaso interpelaram: “Que estás fazendo?”Respondeu o insensato em tom rancoroso, osolhos esbugalhados: “É acasoda vossa conta?Não estou abrindoumburacodebaixodomeu banco? Deixai-me agir aqui como bem entender.” “Estamos em viagem”,admoestouomaisvelho,“etudoqueinteressaaonossobarcoédanossaconta.Atuainsânia poderá causar a ruína e amorte de todos nós, pois a água invadirá o bote eiremos todos para o fundo.” E dirigindo-se aos companheiros, ajuntou com energiaapontando para o louco: “Prendam-no! Esse homem, em liberdade, fará a nossadesgraçaeanossaperdição!”

Adaptaçãodeumepisódiotalmúdico.Cf.AyikraRabbah,4:6.

Oavarentoeoespelho

Rico e incorrigível avarento foi, certa vez, consultar umzaddik. Este o levou até àjanelaquedavaparaarua,eapontandoparaforaperguntou:

—Queestásvendoatravésdestevidro?—Muitagente—respondeuoricaço,afetandoindiferença.—Vejocriançasque

brincam,mercadoresquepassam,mendigosandrajososqueestendemamão.Ozaddikoconduziuatédiantedegrandeespelhoedenovoointerrogou:—Eagoraqueestásvendonessevidro?—Agora,vejo-mesóamim—gracejouoavarento,comostentaçãodericaço.Prontificouentãoozaddik,acentuandoaspalavrascomseveridade:— Repara nisto, meu amigo, repara bem. Na janela, há vidros; e o espelho

também é de vidro.Mas o vidro do espelho está coberto de uma tênue camada deprata, e por causa desse revestimento deixas de ver os outros e só enxergas a ti

próprio.Atuaalma,àsemelhançadoespelho,trazumrevestimentodeprata.Eesserevestimentojamaispermitiráqueatuavistaalcanceosteusirmãos,osteusamigoseosteuscompanheiros.

Este episódio é citado por Louis Newman, op. cit., p. 99. Cf. Lewis Browne, op. cit., p. 493, no capítulo“Doutrinaehistóriashassídicas”.

Abolsaperdida

Ricoavarentoperdeu abolsa e anunciouque recompensariagenerosamentequemaencontrasse. Aparecendo-lhe um pobre com a bolsa perdida, o avarento contou erecontouoconteúdo,porfimexclamou:

— Faltam aqui cem rublos! Vai-te embora, homem! Esperas ainda, depois dessafraudeignóbil,queeutedêumagratificação?

Ooutro, feridopor talcalúnia,poisnão tocaranodinheiro,queixou-seaozaddiklocal. O zaddik, que era muito acatado e gozava de alto prestígio, mandou vir àpresençaosovinaeinterrogou-o:

—Quantohavianabolsaqueperdeste?—Quinhentos rublos—afirmouousadamenteo ricaço,mentindo comhipócrita

compostura.Voltando-separaopobre,ozaddikperguntouconciliador:—Equantohánabolsaqueencontraste?

—Quatrocentosrublos—confirmouhumildementeohomem.—Éclaro,então—decidiuozaddik,dirigindo-senovamenteaoavarento—,que

estabolsanãoéaqueperdeste.Devolve-a,portanto,aquemaachou;eleaguardará,atéapareceroverdadeirodono.

Emboracitadoporautoresisraelitas,oepisódiodabolsaperdidaédeorigemfolclórica.

Osegredo

Se tens um segredo e pretendes escondê-lo de teu inimigo, não o contes ao teumelhoramigo.

Certa vez um homem revelou um segredo ao seu amigo e logo depois ointerpelou:

—Entendeste?Oconfidente,queeralealebondoso,respondeubaixandoavoz:—Entendisim,entendiperfeitamente,masjáesquecitudo!AosábioGamalielalguém,certavez,perguntou:—Comoescondesumsegredo?—Façodomeucoraçãooseutúmulo!—foiarespostadogranderabi.O teu segredo é teu escravo; se o revelares, serás tu o escravo e ele o senhor

implacávelecruel.Umcasodecerta relevânciaedelicadezaconhecido sóporduaspessoaséumsegredo;logo,porém,quedeletomamconhecimentotrêspessoas,deixadesersegredo.

TodososensinamentosdestetrechosãoatribuídosaIbnGabirol,ograndefilósofo,moralistaepoeta.Cf.LewisBrowne,op.cit.,p.296ess.

AmoràTerraSanta

Conta-sequeosábioHulá,nascidonaTerraSanta,levadoparamuitolongedosseus,jazia moribundo na Babilônia. Quando sentiu aproximar-se a morte, começou aderramarcopiosopranto.

Disseram-lheosdedicadosdiscípulosqueorodearam:—Porquechoras?NóslevaremosteucorpoparaaTerraSantaeláterásepultura

digna.—Aidemim!—suspirouomestre.—Seráistoobastante?Aidemim!Morrer

longe da pátria é tortura grande. Depositar o derradeiro suspiro no seio materno éconsoloinfinito.

Cf.T.J.Berachotcap.S.R.Cansino-Assens,op.cit.,p.205.

Aescolhadanoiva

Duasvezesporano—conta-nosoTalmude—asjovensfilhasdeJerusalém,vestidasdebranco,comfloresnoscabelos, iamdançarnasvinhas.Eos rapazes ali apareciamparavê-laseescolhercadaumasuanoiva.

Easfuturasesposascantavam:—Observaicomatenção,rapazes,etrataideescolherbem;nãovosprendaiscom

abeleza,mas consultai antes a família, porque agraça é enganadora e a formosura éincertaeperecível.AmulherquetemeaDeuséqueserálouvada.

Algumas,porém, sorriamparaosnamoradosnumaardilosa táticade seduçãoedeenleio.

Cf.emMichná,Tabanith,4,8.A.Cohen,op.cit.,p.218.

Deusnomeiodaschamas

Qualéarazãodeserdoprincípiodaexistência?—Deus!Háumprincípioque tudo explica, umaverdade supremaque tudo ilumina.Essa

verdadeéDeus!Deusé infinito,eterno, imutável, livre,onisciente,onipotente.Eaonipresençade

Deusé“absoluta”—proclamaoTalmude.Conta-sequecertavezumpagãointerrogouumrabino:—Porque,falandoaMoisés,nossoDeussemostranomeiodeumasarçaemfogo?Respondeuosábio:—FoiparamostraraoshomensqueDeusexisteportodaparte,atémesmonoseio

daschamas!

Talmude,Cf.R.Cansino-Assens,op.cit.,p.102.OmesmotrechoéencontradoemA.Cohen,op.cit.,p.51.Convémler,nestaúltimaobracitada,ocapítulo“DoctrinedeDieu”.

Opregadoreasquinquilharias

Dois famosos doutores foram juntos a uma grande cidade onde lhes incumbia, emliçõespúblicas,explicaradoutrinaeospontosobscurosdaSantaLei.

Um dos sábios tomou por tema os sagrados ritos; o outro traçava interessantes eoriginaiscomentárioserecordavaensinamentosmoraispormeiodelindasparábolas.Amultidão,atraídapelasleveseengenhosasexplicações,aglomerou-selogoemvoltadoorador ameno, ao passo que o erudito rabi,mestre profundo dosRitos e Preceitos,viu-senofimdepoucotempointeiramenteabandonado.

Ovelhosábio,quenãocontavacomasimpatiadoauditório,sentiu-sehumilhadoedecepcionadocomafaltadesensodoshabitantes.

Ocompanheiro,paraconsolá-lo,disse-lhecomamistosasolicitude:—Amigomeu!Que tanta gente se reúna para escutarmeus ensinamentos não é

uma ofensa para ti, nem paramim uma honra. Admitamos que doismercadores se

apresentemaopovodeumapraça,equeumleve,empequenocofre,algumaspedraspreciosas, e outro um carro imenso transbordante de bagatelas, bugigangas e demiudezas de ínfimo valor. É coisa certa que a multidão correrá avidamente atraídapelasquinquilhariasdo segundoepoucas,bempoucaspessoas, irãoadmirar asgemaspreciosas do primeiro. Eis aqui uma imagem bem simples das diversas coisas quesimbolizamostemasqueensinamos.Astuaspalavrassãopérolas;osmeusdiscursosnãopassamdequinquilharias!

E essas engenhosas palavras eram inspiradas e ditas por um coração generoso echeiodehumildade.

TalmudeSota,p.41.Cf.R.Cansino-Assens,op.cit.,p.120.

Ofilhopródigo

UmpaisequeixouaoBeshtdequeseufilhoabandonaraareligião,tornara-seímpioeperdulário.

—Queheidefazer,rabi?—Amá-lomaisdoqueantes—ordenou-lheoBesht.

“MáximasdeBaalSchem-Tov”.Cf.LewisBrowne,op.cit.,p.476.

Setevezesmais

Navigíliadeumsábado,odoutoMeirprolongoualémdahorahabitualassuasliçõespúblicas.Entreosnumerososouvintesseencontravaumaboamulher,aqualouviaaspalavras do sábio com tanta alegria que só se lembrou de deixar a sala de estudosquando a lição terminou. Percebendo que havia se distraído, corre à casa e achaapagadaa lâmpadadosábado.Omarido impacienteveioa seuencontroe indagadomotivoqueaprendera forado lar tanto tempoe,ao saberdaverdade,é tomadodeindizívelfuror.

— Sai de minha casa! — bradou o exaltado. — Só admitirei outra vez a tuapresençaemnossolardepoisquetiverescuspidonacaradessedoutorzinho!

A pobrezinha, toda perturbada, sai chorando e se põe a pensar como poderiacumpriraaviltanteimposiçãodoesposo.

Pensanas admiráveis liçõesdodoutoMeir,dirige-separa a escola,masdepoisdecaminharalgunspassosretrocedeeretorna.Sentia-seenvergonhada,semcoragemparafitaraserenapessoadosábio.

Algumasamigasinformaramaodoutorabinodaexigênciainomináveldomarido.—Eissonãotemamenorimportância—retorquiuosábiocomvozaliciadorae

expressãoamistosa.—Tragamaboamulheratéaqui.Querovê-la.Ascompanheiraslevamainfelizesposaatéaescolaeportodososmeiosprocuram

erguerseuânimotãocombalido.VemodoutoMeiraseuencontroe,paraarrancá-ladaterrívelindecisão,diz-lhecommeiguice:

—Boamulher!Saberás fazer-meumsortilégiosobremeuolhoenfermocuspindonele.*

Amulher, incentivadaporaquelapergunta, adianta-se, aproxima-sedo sábio rabi,mas de repente, tomada de espanto e arrependimento, exclama aflita, levada naprópriaexaltação:

—Não,não,nunca!Eunãoseifazersortilégioalgum!O rabino insistiu. A mulher, para não contrariar o sábio, acabou por consentir.

Disse-lhe,então,obondosorabino:—Boamulher,vaiparacasaedizeateumarido:“Erateudesejoqueeucuspisse

norostodorabinoumavez.Poiseufizmuitomaisdoqueisso:cuspinelesetevezes:agorasejamosamigos!”

Os discípulos pareciam escandalizados de tanta humilhação. O sábio lhes disse,então,numaatenciosaconcessão,sorrindosemdissabor:

—Paradirimirasdesavençaseapaziguarosesposos,oSenhorjápermitiuatéqueSeusantonomefossemanchado.**Aprendei,pois,quenãoé indignanenhumaaçãoquetendeapromoverafelicidadeeapazdahumanidade.Sóovícioeadepravaçãonospodemaviltar.

VayiraRabbat, cap. IX.Cf.R.Cansino-Assens, Las bellezas del Talmud, p. 114, sota, 16 d.Convém ler A.Cohen,op.cit.,p.261.

Notas

*Parecequesetratadeumremédiocabalísticoacompanhadodoatodecuspir sobreoolho.Oscomentáriosnãodãomaisexplicações.

** Segundo uma antiga tradição, a mulher que desejava reconquistar a amizade de seu maridoescreviasobreumpergaminhoonomedeDeuselançavanaáguaoescrito.

Oladrãodescoberto

Certa vez, estando Mar Zutra, o Piedoso, alojado em modesta estalagem, foiinformadodequeumdosviajantesroubaraabaciadepratadodonodahospedaria.

Eraprecisodescobriroladrão.OproprietáriodaestalagempediuoauxíliodeMarZutra.Nodiaseguintepelamanhãosábiorabiindicouumdoshóspedes,declarandoemtomcategórico:

—Podemrevistá-lo.Éeleoladrão!Procederamaoexamee,nomeiodabagagemdosuspeito, foiencontradaabacia

roubada.AlguémperguntouaMarZutra:—Quesériomotivoolevouadesconfiardaquelehomem?Odoutoisraelitaexplicoucomamaiornaturalidade:—Observei-odurantealgumtempo.Pudenotarqueele,depoisdelavarasmãos,

ia enxugá-la no roupão de outra pessoa.Ora, aquele que não zela pela propriedade

alheiarevelaquenãoéhomemhonrado.

Baba Metzia, 24 a. Neste episódio aparece, mais uma vez, a figura simpática de Mar Zutra, apontado comomodelodevirtudesemIsrael.

OsacrifíciodeHillel

Deuséminhaluz,minhaSalvação.Aquemtemerei?Deuséobaluartedeminhavida.Dequerecear?

DAVI

OnomedeHillel,oumelhor,dopobreHillel,aparecenatradiçãodopovoisraelitasublinhadopelafamaeexaltadopelosclarinsdaglória.

Quemfoi,afinal,essepobreHillel?Muitomoçoaindadedicou-seHillelcomverdadeiroamoraoestudodasagradalei.

Nãopossuindomeiospecuniários,eesquecidodaproteçãodosricos,nãoviamododesatisfazeraospobresimpulsosdeseucoração.

Veio-lhe, por fim, à mente uma solução a dar aos seus desejos. Entregava-se,duranteodia,a fatigantetrabalhoqueproporcionavaumamesquinhamoeda.Comametade desse ganho atendia às necessidades de sua alimentação, o estritamentenecessárioparanãomorrerdefome.ComorestantedamíserapagacorriajubilosoaoporteirodaAcademiadosDoutoresedizia-lhe:

—Ofereço-teestepequenoauxíliocomacondiçãodemedeixaresentrareouvirasliçõesdossábios.

Opobrezinhosuportoudurantemuitassemanasessepenosoviver.Veio,porém,odiaemquelhefaltouotrabalhoecomeleacostumeiramoedinha.

O infeliz não sente a fome torturante que lhe começa a roer as entranhas; pensa,apenas,nasliçõesqueiráperder.Tristeechorososeapresentaaoporteirodotemploerogaesuplicaqueodeixeentrar.Masogananciosoporteirofoiinexorável.

Desesperado,põe-searodearacasa.Olha,aguçaoouvido.Dapartedeforanadaconsegue ver; nada consegue ouvir. Hillel, entretanto, não se deixa vencer pelodesânimo. Preocupado em ouvir os ensinamentos dos rabis, galga lesto o telhado echega à parte mais alta do edifício e, ó alegria, alcança, no alto, pequena aberturacircular,espéciedeclaraboia,daqualpôdever,discretamente,osdoutoreseouvirassábiaslições.

Eravésperadesábado.Oinvernocaíarigoroso,estendendosobreaterraumtapetebrancodeneve.

Pela manhã novamente vão os doutores à academia, e o presidente, volvendo oolharemderredor,dizaoscolegas:

—Comoestáhojeescuraasala!Quecoisaesquisita!Tudoaquiparecetãotristeesombrio,enoentantoodiaestátãoclaro!

Oscolegassepõemaobservar,erguemosolhos,ecomsurpresaavistam,naparteinternadaclaraboia,qualquercoisaquepareciaovultodeumhomem.

Todosseprecipitamparaforadotemplo,sobemaotelhado,eencontram,novãodajanela,opobreHillel,quaseamorrerdefrio.Paratirá-lodaqueleestranhorefúgio,foinecessárioremoveranevequeocobria.

Cf.R.Cansino-Assens,op.cit.

Ococheiro

CertococheiroconsultouoBerditschever sobre a conveniênciade abandonaroofício,porqueesteoimpediadefrequentarcomregularidadeasinagoga.

—Nãotransportasdegraçaospassageirospobres?—indagouorabi.—Sim—confirmouococheiro.—Nãorecusoserviràquelesquetêmpressa,mas

sãopobres,semrecursos,enãopodempagar.Sirvo-osatécommuitoprazer.Rematouomestreisraelitaemtompausado:—Nesse caso,meu amigo, serves fielmente o Senhor, no teu trabalho, como se

frequentassesasinagoga.

LewisBrowne,op.cit.,p.498.

AToráeostesouros

Aoregressardelongajornada,oRabiJosébenKismaencontrouumhomemquelhepareceusimpáticoeatencioso.Puseram-seaconversar.Debaterammuitosproblemase comentaram os acontecimentos de maior relevo. Em dado momento odesconhecido,encarandoexpressivamenteosábio,perguntou-lhe:

—Rabi,dondevindes?Informouodoutoisraelita:—Venhodeumagrandecidadeondehásábioseescribas.Tornouohomem,pousandocomfirmezaamãosobreoombrodomestre:— Se concordardes em ficar aqui conosco, eu vos darei mil moedas de ouro,

duzentaspérolasecemgemaspreciosas.Retorquiuorabi,epilogandocomtriunfanteveemência:— Se me oferecesses arcas cheias de ouro e prata, todas as pérolas e pedras

preciosasquebrilhamnos tesourosdosreis,eurecusaria ficarnumlugarondenãose

estudasseaTorá.

Michná.Cf.LewisBrowne,op.cit.,AsabedoriadaMichná,p.153.

“Prezaioestrangeiro”

Volta-seamisericórdiadeDeusparaaquelesquedelongevêmembuscadaverdade.Comopoderíamosilustraressatãosábiaasserção?Narremosumcaso.

Rico senhor possuía incontável número de ovelhas e cabras; o belo rebanho saíatodasasmanhãsapastare,aoescurecer, retornavaaoaprisco.Umdia,umveadosejuntou às ovelhas, e desse dia em diante pastava com elas e as acompanhava deregresso ao curral. Achou o pastor que devia levar o caso ao conhecimento de seuamo:

—Háumveadoquesaicomorebanho,pastacomeleecomelevoltaparacasa.Osenhor,aoouvirisso,recomendaaopastor:—Pois prestemuita atenção ao veado, para queninguémomoleste.Não quero

queoafugentem,nemqueoassustem.

Eordenouque ànoite, quandoo rebanhovoltasse,oveado recebesseuma raçãoespecialdeforragenseágua.

Nãoseconformouopastorcomaquelaordemefezsentiraseuamo:—Meu senhor, tendes tantas ovelhas, lindas e deboa raça, enãovos preocupais

especialmente com esta ou com aquela; mas dais-me todos os dias novas ordens arespeitodesseveado.

Replicouomonarcanumtomdecensura,emborabenévolo:—Asovelhascostumampastarnosprados;osveadosvivemnassolidõessilvestrese

não se aventuram em zonas cultivadas. Devemos, portanto, ser gratos ao querenunciouaosseusbosques,ondevivemtantoscervosegazelas,paramorarconosco.

Assimdiztambémosábio:— Devo gratidão ao estrangeiro que deixa a família, a casa de seu pai, para se

estabelecer entre nós. Eis o que prescreve a lei em sua sabedoria: “Prezai oestrangeiro.”

EstacuriosaparábolaécitadanoTalmude.Cf.Talmude.Naso,8-2.

Ohassidesquecido

Umhassid,empalestracomogerer,sedeclarouincapazdereterosensinamentosqueouvia.Aslições,nofimdepoucosdias,eramporeleinteiramenteesquecidas.

—Esqueces,quandosaboreiasatuasopa,delevaracolheràboca?—perguntou-lheosantohomem.

— Não, porque não posso viver sem comer — replicou o jovem com leveimpaciência.

—Tambémnãopodes viver sem instrução.Lembra-te disso enão esquecerás ossalutaresconceitosqueouviresdeteumestre.

“Doutrinaehistóriashassídicas”,apudLewisBrowne,op.cit.,p.508.OepisódioéatribuídoaoRabiIsaacMeyerdeGer,apelidadoogerer,falecidoem1866.Veja“Os13filhos”.

Humildadedorei

Discorrendo sobre a humildade, um sábio ensinou ao rei Tejuan que o homemhumildeestáfadadoalongaeditosavida.

A fim de usufruir desse dom conferido aos humildes, meteu-se o monarca numtrajosurrado,mudou-separaumcasebreeproibiuqueseus súditos lhetributassemamenordeferência.Examinando-se,porém,deboa-fé,averiguouque,na suaaparentehumildade,setornaraaindamaissoberbo.Ofilósofooadvertiu:

— Podeis abandonar esses andrajos e cobrir o vosso corpo com ouro e púrpura,conservando,porém,ahumildadeemvossocoração.

Epara revelar ao reinoqueconsiste a falsahumildade,o sábionarroua seguintehistória:

— Um homem instruído, inteligente e caridoso, tinha infelizmente o defeito dasoberba.Disseram-lheque,seaprendesseaserhumilde,setornariaperfeito.Eleseguiuoalvitre;estudoutodasasregrasdehumildadeatésabê-lasinteiramentedecor.Certavez, umpobre campônio, ao passar por ele, se esqueceu de saudá-lo como devido

respeito.Opretensohumilde, voltando-separao campônio,protestou: “Idiota!Nãosabesentãoque,desdequeaprendiahumildade,souumhomemdecaráterperfeito?”

Eofilósofoconcluiu:—Eraavozrecalcadadoorgulhoqueassimfalava.Naquelehomemhavia,apenas,

aaparênciadehumildade.Aparênciae...nadamais.

Estetrechoéinspiradonas“MáximasdeBaalSchem-Tov”.Oshumildessão,pelossábiosisraelitas,exaltadosemtodososmomentos.Emcertostextosnãosereferemosmestresaos“santos”,massimaos“humildes”.Oespíritodesantidadeestaráforçosamenteligadoaomaisprofundoesincerosentimentodehumildade.(Cf.A.Cohen,op.cit.,p.272).Jáémultissecularestasentençacontraosorgulhosos:“TodohomemquetemocoraçãotomadopeloorgulhoéabominadoporDeus.”Provérbios,XVI,5.

Asculpasdavida

Atormentadopor crudelíssima enfermidade, jazia oRabiEliezer, havia largo tempo,imóvelnoleito.Umdiasereuniramosamigosecolegasparafazer-lheumavisita,eopobre enfermo, prostrado pela exacerbação das dores, expediu, ante os amigos, umprofundoedolorososuspiroelamentou,comsentidamágoa:

—Ah!,queridosamigos!AJustiçadeDeusmevisitou!Aquela expressão piedosa sensibilizou, profundamente, os amigos, que,

compadecidos, o fitaram com os olhos marejados de lágrimas. Só o Rabi Aquibamostrava uma fisionomia serena e entreabria os lábios num sorriso de íntimatranquilidade.

Cheio de estranheza, e torturado pela dúvida, o pobreEliezer interpelouAquibasobreacausadaquelesorriso:

Respondeuosábio:

—Mestre!Quando tudo te sorria na terra, e tuas vinhas floresciam louçãs e tuasmessesnãominguavamnuncaeteuazeitenãosecorrompia,eteumelnãoseazedava,eusentia,naalma,umaapreensãopenosaecruelediziademimparacomigo:“Serápossívelqueaomestrequeridonãoseofereçaoportunidadepararemissãodasculpas?”Masagoraquetevejoatormentadodedores,minhaapreensãosedesfazeaalegriameilumina.Omestre,quetantoestimamoseveneramos,deixaráomundoemcondiçõesdereceberoprêmioeternodesuasobrasedesuasvirtudes.

Oenfermoexclamousucumbido,numaexpressãodeangústia:—Oh!Aquiba!EmquefasedeminhavidafalteiàleideDeus?—Mestre!Tumesmonosensinasteetodosnósouvimosdeteuslábiosquenãohá,

naterra,homemlimpodeculpaeisentodopecado!

Talmude,Sanhedrim,p.101.Cf.R.Cansino-Assens,op.cit.,p.79.Nessetrechoécitadoumepisódioocorridocom o Rabi Eliezer Ben H Yrcan, tanaíta da Palestina, notável talmudista, sábio de renome, fundador daAcademiadeLu.RabiEliezerviveunoséculoIIefoidiscípulodeJochanannenZaccai.Aessefamosotanaítaéatribuídoo“PirkédeRabiEliezer”,coletâneadecomentáriospoéticosedelendassobreoGênesis.

Salomão

Salomão,dotadode simplicidadeemodéstia,não se afastavada trilhadobemqueopai lheindicara.Umdia,quandorepousavaemseupaláciodeGibeon, lheapareceu,emsonho,oSenhor,elhedisse:

—Pede-meoquequiseres,edar-te-ei.—Vós, Senhor— respondeuSalomão, comhumildade—,me fizesteRei, e eu

souaindamuitomoço,fraco,efalta-meaexperiênciadavida.Dai-me,portanto,umcoraçãodócileanecessáriasabedoriaparajulgarcomacertoeretidãoovossopovo.

AgradouaoSenhoraquelemodestodesejodeSalomão.Atendeu-o,pois,dizendo:—Umavezquenãomepedistenemriquezas,nemlargavida,equeambicionas

tão somentea sabedoria,querodar-teuma inteligência tãoesclarecidaeumcoraçãotãobem-dotadocomonenhumhomemosteveigual,nemosterájamais.Alémdisso,

de mim receberás aquilo que não ambicionaste: riquezas, honras e vida longa egloriosa!

EoSenhorproporcionouaSalomãoaverdadeiraciênciadetudoquantoexistia,eassimo jovemmonarcaconheciaosgrandes segredosdavida,aadmirávelordemdomundo, as forças dos elementos, as virtudes das plantas, a posição dos astros, osinstintos dos animais, e lia os pensamentosmais sutis do homem; com sua ilimitadainteligência, abrangia toda a natureza. Por isso sábios e príncipes de todas as naçõesvinhamadmirarasabedoriadeSalomão.

EsteepisódiodosonhodeSalomãoécitadopelaBíblia.Cf.Reis,III,5ess.até15.SalomãofoipreparadoparareinaremIsrael.RecebeuumasólidaepiedosaeducaçãodoprofetaNathan,edurantequarentaanosteveemsuasmãosodestinodoPovodeDeus.

AsentençadeSalomão

Asupremasabedoriaéabondade.

BERACHOT,17a.

Apresentaram-se certa vez, diante de Salomão, duas mulheres lhe pedindo quedecidisseumacontenda.

Aprimeira,sendoconvidadaafalar,disse,apontandoparaacompanheira:—Estamulher e eumoramos sós namesma casa, e cada uma de nós tinha um

filho. Hoje, durante a noite, lhe morreu o filho porque ela sem querer o abafouduranteosono.Pelamanhã,percebendoqueeudormia,veioelaaomeuleito,tiroumeu filho, substituiu-opelo corpodopequenomorto.Quandodesperteimais tarde,dei comomorto junto demim,mas reparando bem vi que não se tratava demeufilho.

Aoutramãeinterrompeueprotestoucomenergia,gesticulandoenfurecida:—Éfalso,órei!Essamulhermente!Ofilhodelaéquemorreu.Omeuestávivo!

Diantedaquelesingularlitígio,Salomãochamouumdosseussoldadosedisse-lhe:—Arrancadetuaespada,eparteaomeioessemeninoqueédisputadopelasduas

mães.Darásumadasmetadesaumadelas;entregarásametaderestanteàoutra.A verdadeiramãe domenino, ao ouvir tão sanguinária e bárbara sentença, ficou

traspassadade susto,echeiadeangústia, arrebatadapeloamormaterno, imploroudejoelhos:

—Rei,porquemsois!Nãosacrifiqueisomenino!Prefiro,milvezes,queelesejaentreguevivoàminhaindignarival!

A outra mulher, sacudindo os ombros, murmurava com rouquejos na garganta,numamímicadedesdém:

—Nãosejanemparamim,nemparati!Parta-seaomeio.Ao reparar nas atitudes dasmães, Salomão pronunciou então a sentença, fazendo

ecoarbemforteasuavoz:—Nãosepartaomenino!Eapontandoparaamulherque imploravaemtomdepiedosa súplica,proclamou

irrevogável:— Que seja entregue vivo a esta, pois esta é a verdadeira mãe! A outra, a

impostora,quementiucomtantadesfaçatez,serápunidacomdezchibatadas.E, diante dessa incomparável sentença, todos os homens proclamaram que a

sabedoriadeSalomãoeraomaiortesourodeIsrael.

EsseepisódioseencontranaBíblia:Reis,III,16ess.até28.Segundoanarrativabíblica,omeninoqueasduasmãesdisputavamteria,nomáximo,trêsdiasdeidade.Referindo-seaoLivrodosProvérbiosdeSalomãoexarouTristão deAthayde a seguinte apreciação: “Não éum livro comooutro qualquer.Não éum livronascidodamentedeumgênioquepossaoudevaestarsujeitoaoarbítrioindividualdetodasasinterpretações.Éumlivrosingular.Éum livro àparte.Éo livro supremoonde se contém simultaneamentehistória, lendae revelação.”TristãodeAthayde,Olivrodosprovérbios,Ed.JoséOlympio,p.9.

CânticodosCânticos

EuestavadormindoMasomeucoraçãovigiava.EisavozdemeuamadoQueestavabatendo:

—Abre-me,amigaminha,esposaminha,Delíciademinhavida!Osmeuscabelosestãocheiosdeorvalho,EofriodanoitePesa-menasfaces.

—Jádespiomeuvestido—respondi—Comootornareiavestir?

JálaveiosmeuspésComoostornareiasujar?

AmãodemeuamadoRoçou,deleve,naportaEomeucoraçãoVibrouintensamente,Arrebatadopeloamor!Eumelevanteiparareceberomeuamado;

RetoqueipressurosaOsanéisdemeuscabelos;Ecomamirramaispura.Perfumeiasminhasmãos.Abriaportaaomeuamado.Maselejánãoseachavamaisali!

Busquei-oansiosaNosilênciodanoite,

Enãooencontrei!Desorientada,corripelaestradaÀsombradoluarsuaveetriste.Acharam-meosguardasQuerondavamacidadeEeulhesperguntei:“Visteaqueleaqueamaaminhaalma?”

Àsmulheres,quepormimpassavam,euimploravaaflita:

“ÓfilhasdeJerusalém!Omeuamadoémeu,Eeusoudele!EleapascentaoseurebanhoEntreoslírios;Seencontrardesomeuamadodizei-lhequeeuoprocurosobocéudenossaterra,sequiosadeamor!”

Eisumpequenotrechodo“Cânticodoscânticos”(emhebraicoc:Schir-haSchirim),poemadeamoredepaixãoatribuídoaoreiSalomãoeincluídonaBíblia.Admitemosdoutoresqueessepoemaéumaexpressãoalegóricadoamor entreDeus e Israel.Cf.EdmundFleg,Anthologie juive, vol. I, p. 292. Sobre o “Cântico dos cânticos” éindicada a leiturado livroHistoire de la litterature hebraique et juivre, deAdolphoLods, col. Payot, 1950, p. 743.EscreveAugustoFredericoSchmidt: “Sómesmoestudandodemoradamente esse “Cânticodos cânticos”— sómesmo procurando surpreender o encanto intraduzível dos seus versos— é que me foi possível perceber aordem,agraçaeaforçadessepoematãosingular,tãodiferente,tãohumano,dessepoemaqueconstituiatéhojeumenigmaparaosqueprocuramdesvendá-loeinterpretá-lo.”AugustoFredericoSchmidt,Cânticodos cânticos,Ed.JoséOlympio,p.7.

Ocãomorto

Uma fábula oriental descreveum ajuntamento deociosos empequenomercadonosarredoresdeJerusalém,emtornodeumcãomortoqueaindamostrava,amarradaaopescoço, a corda com que o haviam arrastado pelo chão. Os que o cercavamolhavam-nocomrepugnância.

—Empestao ar—disseum, apertandoonariz comosdedos e trejeitandoumacaretadenauseado.

— Reparem na sua pele rasgada que nem para correias de sandálias serve —galhofavaumoutro.

Um egípcio corpulento aludiu às orelhas sujas e sangrentas do animal, e rematoucomvozempastada:

—Foi,semdúvida,enforcadoporladrão.

Desse grupo de homens aproximou-se um desconhecido que ouvira os diversoscomentários. Em seu rosto resplandecia estranha luz, e todo o seu porte indicavadignidade fora do comum. Pondo os olhosmeigos no animalmorto e vilipendiado,disseemseubeloelímpidoaramaico:

—Aspérolasdesmerecemdiantedaalvuradosseusdentes.Todososcircunstantessevoltaramparaelecomassombro,e,vendo-otãoserenoe

compadecido, indagavam, entre os dentes, uns aos outros, quem poderia ser aquelehomem. E retiraram-se cabisbaixos, envergonhados, quando alguém alvitrou: “DeveserJesus,orabideNazaré,quesóElesabeencontrarqualquercoisadignadepiedadeeaprovação,atémesmonumcãomorto!”

Cf.MalbaTahan—Lendasdocéuedaterra,9ªed.,p.180.Convémreleranotaqueseencontranap.216,naqualjustificamosainclusão,nestaantologia,dosensinamentosdeJesus.

ObraseirodorioCedron

Umjudeuricoe impiedosoapostou,deumafeita,emcomoninguémseriacapazdepassar,naépocadainvernia,umanoiteinteiradentrodoribeirodeCedron.

OCedron,tantasvezescitadonoLivroSanto,nãopassadeumfiletelíquidoqueseesgueirapelaTerraSanta apoucasmilhasdoTemplo, triplicando,porém,ovolumede suas águas durante as longas e copiosas chuvas hibernais. Nesse período, atemperatura das águas baixa a tal ponto que seria suplício insuportável uma imersãodemoradaemseulençol.

Propaladoosingulardesafio,logoseapresentouumjovem,deorigemhumilde,quesedispunhaarealizaraaudaciosafaçanha,parafazerjusaoprêmioprometido.

Amãe do rapaz, entretanto, se opunha ao arriscado tentame, apontando ao filhotemerárioos inconvenientes doperigosobanhoonde ele poderia encontrar amorte,ou,pelomenos,umagrave enfermidade.Anadaquis atendero tresloucado,que, àsprudentes advertênciasmaternais, contrapôs o argumentode que seria o únicomeio

de saírem da miséria, pois a paga oferecida pelo rico apostador iria constituir umpequenopecúlioàsuaalquebradavelhice.

Aceitas, afinal, as condições da aposta, encaminharam-se o milionário judeu, odestemido rapaz e a desolada mãe, seguidos das testemunhas, para as margens doCedron.

Elogoqueosolentrouadescambarnohorizonte,assinalandooiníciodenovodiajudaico,omoçoentrounorio,suportandoaaçãofrigidíssimadaágua,empresençadamultidão que se aninhava curiosa. Alguns populares, ansiosos para que o orgulhosoricaçoperdesseaaposta,estimulavamomoçoamanteroânimoovante:

—Muitobem!Coragem,rapaz!Ofrionãoatemorizaosvalentes!Outros,porém,lamentavam,deantemão,ofimtrágicodaquelatemeridade:—NãoestarácomvidaaodespontardoSol!Comolentoandardanoite,retirou-seoricaçocomgrandepartedaassistência,a

quem o espetáculo se tornava monótono, permanecendo apenas as testemunhas daaposta,protegidasporbons agasalhos, e amãedo jovemque,damargemdo rio,dequando em vez, quebrava o silêncio com sua voz débil e plangente, a chamar, emaflitivo desespero, pelo filho dedicado que, metido na água até o pescoço, lutavacontraofrioimpiedosoquelhegelavaosmembros.

As horas se alongavam para a infeliz e para o destemido moço numa trágica ecruciantelentidão.Ealtanoiteatemperaturabaixaratantoqueamíseraanciã,semomenor abrigo, não dispondo de xale ou simples manta, se lembrou de que poderiaaquecer-seaumafogueira.Eapanhando,aquieali,algunsgravetosedoispunhadosdefolhas secas, acendeu um pequenino braseiro; só assim pôde, aconchegada ao tímidocalor, resistir ao vento gélido e cortante que varria, desoladoramente, os campos daJudeia.

Arubraluzdosol,erguendo-senohorizonte,pôstermo,enfim,àdolorosaaposta.Foiorapazretiradodedentrodorioporalgunsamigos, jáenregelado,semimorto,edoestranhodesafioproclamadovencedor.

Juntamentecomastestemunhassedirigiramtodosàcasadoricoisraelita,autordaaposta, a quem tudonarraram.Umdos presentes exaltou a extraordinária dedicaçãomaterna:

—Ofrioeratãointenso,senhor,queapobrevelha,paranãoabandonarofilho,seviuforçadaaacenderumbraseiro.

—Como?—estranhouomilionário.—Amãedorapazacendeuumafogueira?

—Fiz,sim,comumaspoucasbrasas—confirmouaboavelhinha.—Nessecaso—retorquiuopérfido ricaço,em tomenfático—,nãopagocoisa

alguma.Foiumardildequeelalançoumãoparaaquecerofilhoeabrigá-lo,também,dofrio.Está,portanto,nulaaaposta.

A escusa cínica do judeu,odesprezívelmotivoque alegava, não tinhamnenhumcabimento.ComopoderiaumpequenobraseiroàmargemdoCedronaquecerquemestavamergulhadonasfriaságuasdorio?

Orapaznãoseconformoucomarecusa,eaconselhodeamigosrecorreuao juizdacidade.

O digno e respeitável magistrado, depois de ciente do caso pelas inúmerastestemunhas; depois de ouvir as razões alegadas pelos litigantes, reconheceu, porsentença,contraaopiniãounânimedopovo,queodireitoestavadoladodoricoeaapostanãodeviaserpaga.

Filho e mãe, desapontados com o julgamento não hesitaram em recorrer aoTribunalSuperiordenominadoCâmaradosTrêsJuízes.Atendendoaosargumentosdoréumilionáriootribunalconfirmouasentença,proclamandoqueobraseiroàmargemdoCedronaqueciaaságuasimpetuosasdorio.Essainiquidadenãodesanimouosdoisinfelizes e aquestão foi levada àCortedeApelação, tribunal de altoprestígio,ondemaisdetrintajuízes,depoisdelargoseeloquentesarrazoados,julgaramboaadecisãoanterior.Restava,agora,comoúltimorecurso,oTribunaldosSetentaAnciãos, aoqualos interessados levaramademanda,quedevia serdiscutidae julgadaempresençadoreiDaviedopríncipeSalomão.

Salomãoeranessetempomuitojovemeiniciavaasuacarreira;dotado,porém,deinteligênciaagudíssima,logocompreendeu,peloscomentáriosqueeramfeitos,queosSetentaAnciãosestavaminclinadosa favordorico,equemaisumaveza iniquidadedasentençainicialseriaconfirmada.Aameaçadaquelaclamorosainjustiçarevoltouojovempríncipe.

Antes,pois,deseriniciadoojulgamentodocélebrepleito,SalomãoconvidouoreiDavi,seupai,eosvenerandosjuízesdoaltotribunalparaumgrandebanquete.

Aqueleconvitedopríncipefoirecebidocomvisíveldemonstraçãodealegria.— Aguardemos o banquete — diziam alegremente os juízes. — São sempre

apetitosososmanjaresdacortedoreiDavi!Aconteceu,porém,queobanqueteoferecidoporSalomãocomeçouademorar.EmdadomomentooreiDavi,jáimpaciente,reclamou:

—Mas,afinal,quandopretendesanunciaressebanquete?— Senhor— desculpou-se Salomão—, a comida ainda não está pronta. É bem

possívelquedentrodealgunsmomentospossamossaborearobanquete.Passaram-seporém,maisduashoras.Osjuízesfamintosmurmuravamirritadoscom

ademora.OreiDaviprotestoucomenergia:—Quefazemosservosquenãopreparamlogoosmanjares?—ReiDavi—explicouSalomãocomvoz sombria e arrastada—, acabode ser

informado,pelosnossosauxiliares,dequenacozinhadevossopalácioestáocorrendoum caso altamentemisterioso que não consigo decifrar.O fogo, pormais forte queseja,nãoésuficienteparaaqueceracomida!

—Comoassim—estranhouoreiDavinumvozeirãosoturno—,quefogoéessequenãoaqueceacomida?

—Convido-vos, ó rei— sugeriu logo Salomão com alvoroço—, convido-vos,juntamentecomosvossosesclarecidosjuízes,aadmiraraestranhaocorrência.

O rei Davi e os setenta juízes, levados por Salomão, foram até as cozinhas dopalácio.Alichegados,viram,comassombro,sobreumalargaprancha,osmanjaresdobanquete, inteiramente crusdentrodaspanelasou enchendoos grandes caldeirões; apequenadistânciaváriosfogõesefogareiros,bemacesos,lançavaminutilmenteassuaslabaredasparaoar.

— Que loucura! — protestou, num tom meio jocoso, o rei Davi. — Comopretendesaqueceracomidaseofogoestáaqui,deumlado,easpanelasestãoatrêspassos,dooutrolado!Issoéumdisparate!

—Emterrasde Israel—ponderougravementeSalomão—,deve ser tidacomomuitoacertadaadisposiçãoqueseobservaaqui.Anossasábia justiçaproclamou,emvárias sentenças, reconhecidas como justas pelos mais íntegros doutores, que uminsignificantebraseiro,nasmargensdoCedron,ésuficienteparaaqueceraumhomemimersonaáguageladadesserio.Ora,éevidentequeaschamasdestesenormesfogõesefogareirosdeverãoforçosamenteaqueceraspanelasqueestãoadoispassosdeles.

O rei Davi e os setenta anciãos reconheceram a fina alegoria do inteligentepríncipe.E,nessemesmodia,reformaramasentençainjustaedecretaramqueoricoapostador era obrigado a pagar ao jovemo prêmio fixado, acrescido de uma pesadamulta.

Cf.NicolauRodrigues.Op.cit.,p.280.L.Randon,“SagessedeSalomon”(Apocryphesdel’AncienTestament”).Sãoigualmentedignosdeatençãoosdoiscontos:“Salomonet legrillon”e“SalomonetAsmodée”,citadosporA.

Weilemseulivro“Contosetlegendesd’Israel”,Lib.Nathan,1928,p.53ess.

Glossário

Aboth — do Rabi Nathan, subdivisão do Talmude apresentada como umsuplemento do Pirké Aboth e atribuída ao sábio Nathan da Babilônia. Aparece noTalmudesobformafragmentária.

Alenou—umadasprecesmaissublimesdaliturgiaisraelita,recitada,emgeral,nofimde cadaofício religioso.OAlenou proclama aUnidade deDeus e amissão quecompete a Israel de tornar a verdade conhecida de todos os povos, demodoqueoSanto seja adorado pela humanidade inteira e os Seus mandamentos fielmenteobedecidos.

Aramen ou aramaico— dialeto popular usado pelos judeus da Palestina depois deregressaremdocativeirodaBabilônia.

Avdalá — cerimônia do ritual israelita. Cumprem-na os religiosos no sábado, ànoite, na hora emque terminam as festas e começao período emqueo trabalho épermitido.ConsistenumapreceemqueocrenteimploraasbênçãosdoSenhorparaasemanaqueseinicia.Nomomentodeproferirapreceritual,ojudeutemdiantedesiumcírioaceso,vinho,aroma; istoé, luz,vinho,perfumes—símbolosdosbenefíciosquedevemosaDeus.Avdalásignifica“separação”.

BabaMazia—portadoMeio.UmadassubdivisõesdoTalmude.BaalSchem—apelidodadoaIsraelBenEliezer(1700-60), taumaturgoemístico,

de grande prestígio, que viveu na Polônia, onde fundou a seita do hassidismo. Emoposiçãoaojudaísmoortodoxo,quelevaaoexageroasminúciasdapráticareligiosa,eao talmudista, cujas discussões se perdiam em sutilezas enervantes, procurava BaalSchemorefúgiodas florestas silenciosasedasmontanhas,acertezadequeDeusestámuito perto do homem e que uma intensa prece pode fazer que a criatura,

desembaraçadadaspreocupaçõesmesquinhaseindignas,possa,faceaface,comunicar-secomoCriador.OsisraelitasviamnoBaalSchemumhomemdotadodepredicadossobrenaturais; previa o futuro, realizava milagres, curava enfermos, e como o BaalSchemagissedesinteressadamente,sópelodesejodeserbomedeajudarosoutros,opovo se acostumou a chamá-lo “Baal Schem Tov” que significa “Bom Senhor deNomedeDeus”.Odogmacentraldohassidismo(pietismo)eraacrençadequetudo— a alma, a matéria, o bem, o mal, as aves, as nuvens, a luz, os rochedos— sãomanifestações de Deus. Decorre desse dogma que Deus pode ser adorado em todaparteenãopormeiodefórmulascertasoupalavrasinvariáveis.Logooindivíduomaisignorantepode,comoomaissábio,aproximar-sedeDeus.E,sendotãofácilchegaraDeus, os homens devem transbordar de alegria, cantar, dançar e até embriagar-semoderadamente.OBeshtnãodeixoulivro,masassuassentençasforamguardadasporváriosdiscípulosefinalmentepublicadasemhebraico,emídicheeemalemão.

Bakoira—aquelequelêaTorá.Bellemen—estradosobreoqualficaorabinasinagoga.Berachotk — uma das subdivisões do Talmude. Contém as diversas preces e

inúmerashistóriaselendas.OvocábuloBerakkolthsignificabênção.Besht—apelidopeloqualeraconhecidooBaalSchem.VejaBaalSchem.Balalaica—instrumentodecorda.Berditschever — um dos muitos religiosos israelitas que adotaram as teorias do

hassidismo.Faleceuem1809.Incontáveissãoosepisódioseanedotasqueenvolvemonomedessesábio.

Bíblia—dogregoBíblia,traduçãodohebraicoSefarim,“oslivros”.Coleçãode24LivrosSantosdosHebreusqueatradiçãojudaicadeclarouinspiradosporDeus.Esses24 Livros são classificados pelos doutores israelitas em três grupos: 1º — Torá deMoisésouPentateuco;2º—OsNebins(osProfetas);3º—OsKetubins(osescritos)quecompreendem as obras líricas, morais e poéticas (Salmos de Davi, “Cântico doscânticos”etc.).

Cabala—dohebraicoKabbala, tradição,nomedado aumconjuntodedoutrinasteosóficas e secretas que (segundo os historiadores) eram transmitidas por meio deverdadeiras iniciações.ACabala foiporAdão transmitida aosProfetas edosProfetaspassouparaos tanaítas (séculoIId.C.).ACabalavai lançar suas raízesnasaudaciosasinterpretaçõesdosprimeiroscapítulosdoGênesis,navisãodeEzequieleno“Cânticodoscânticos”.

Debarim Rabba — coletânea de lendas e comentários sobre o Deuteronômio.Acredita-sequetenhasidoelaboradanoano900(aproximadamente)daeracristã.

Deuteronômio—emhebraicoDebarim(aspalavras),quintolivrodoPentateuco.Divórcio—éinteressanteindagarcomooproblemadodivórciofoiencaradopelos

sábios israelitasquecompuseramoTalmude.Valeapenasublinhar,no famosoLivrodaLei,estepensamentoadmirável:“Quandoumaesposaérepudiadapelomarido,umestremecimentodehorroragitaaterrainteira.”Cf.R.Cansino-AssensLasbellezasdelTalmud,antologiahebraica,EditorialAmérica,1919,p.39.

Elias—umadasfigurasmaisrelevantesdoAntigoTestamento.NasceuemTesbe,cidade da tribo de Neftali. Encarregou-o Deus da missão de afastar os israelitas doculto de Baal e Astarteia. Elias realizou vários milagres, e no monte Carmeloconfundiupublicamenteossacerdotesdosfalsosdeuses.PerseguidopelarainhaJezebel,retirou-separaodeserto,ondeDeuso consolou comuma soberbavisão.Depois deterprevistoaruínadoreiAchabeadestruiçãodopovoedoexércitodessemonarca,entregou ao profeta Eliseu a continuação de sua obra. Elias nãomorreu; segundo asEscrituras foi arrastadoparao céunumcarrode fogo.AvidadeElias é relatadanoLivrodosReis,queéumadaspartesdaBíblia.

Erubin—umadassubdivisõesdoTalmude.Essenianos—seitaquefloresceunaPalestinanaépocacorrespondenteaoSegundo

Templo, mas cuja origem exata não foi, até agora, devidamente esclarecida. Osessenianos pregavam a igualdade civil, viviam castamente, cultivavam as terras ededicavam-seaostrabalhosmanuais.Paraeles,oescopoprimordialdavidaseresumiano amor a Deus e aos homens. Os israelitas atribuem aos essenianos uma doutrinasecretaquefoi,segundopresumemoshistoriadoresjudeus,acélulainicialdaCabala.

Fariseu — de pharash, interpretar — ou, segundo alguns: reparar. Os fariseuslançaramalicercesdatradiçãorabínicamedianteainterpretaçãodaleisagrada.

Galaad—umadasregiõesemquesedividiaaantigaJudeia.Gaon—termohebraicoequivalenteailustre.Chefedaprincipalacademiarabínica

daBabilônianosprimórdiosdaIdadeMédia.Guemara—instrução.AmpliaçãotalmúdicadadecisãolegaldaMischná.Gênesis—emhebraicoBereschit(começo),primeirolivrodoPentateuco.Gueto — palavra de origem desconhecida. Acredita-se que tenha resultado da

abreviatura de borghetto, diminutivo de borgo— quarteirão. O gueto era o bairro ouquarteirãoemqueviviamosjudeus.

Gói— apelido pejorativo com que os judeus, em geral, designam um indivíduoquenãoéjudeu.Ovocábulo“gói”(ougóim)pertenceaoidiomadenominadoídiche.

Hassid—religiosoisraelita,adeptodateoriadohassidismo.VejaBaalSchem.Hassidismo:VejaBaalSchem.Hazan— o cantor da sinagoga. É palavra antiquíssima, e talvez tirada do assírio

haganou—chefe,diretor.Haggada — em hebraico rabínico significa “conto” e, em particular, conto

edificante. A palavra designa a parte da literatura rabínica que consiste em lendas,anedotas,parábolas.PoroposiçãoaHalacha,queéafirmaçãodeumajurisprudência,aHaggada, na literatura talmúdica, é um conjunto de interpretações e tradições nãojurídicasesemforçadelei.

Ahaggada de Salomão intitulada “Os ovos cozidos” (cf. NicolauRodrigues, op.cit., p. 285) encontra-se no folclore brasileiro, conforme assinala Lindolfo Gomes,“Contospopularesbrasileiros”,p.136.

Halacha—opinião.Interpretação, tradiçãooudecisãodeumdoutordopontodevistadajurisprudência.

Hebreu— do radical judaico ivsi que originariamente designava “pessoa da outramargem” (aludia ao rio Jordão).O termodeveria aplicar-se só aos israelitas e judeusantesdocativeiro.Depoisdessadataotermojudeusetornoudeusocomum.

Het-adnessed—casadeorações.Hillel— também chamadoHillel, o Antigo ouHillel, o Grande, um dos maiores

doutores da Torá. Acredita-se que tenha falecido no ano 10 da era cristã. Hillel éautor das famosas SeteRegras de Interpretação que devem orientar a interpretaçãodoscomentáriosdasSantasEscrituras.

Ídiche—Sobessenome,derivadodoalemãoJudisch(judeu),éconhecidooidiomaquefalamos judeusdaRússia(edospaísesqueintegravamaantigaRússia imperial),da Polônia, daRomênia, da Áustria, daHungria e também, aqueles que imigraramparaosEstadosUnidos.Em ídiche sãopublicados centenasde jornais, revistas,obrasliterárias e até livrosde ciência.EmNovaYork,ondevivemmilhõesde judeus,háteatros que representampeças traduzidas para o ídiche ou escritas diretamente nesseidioma. No ídiche o vocabulário alemão entra com 60 por cento dos termos eexpressões. A parte restante é constituída de palavras adaptadas ou tomadas dohebraico,dorusso,dopolonês,doromenoetc.Umdosescritoresmaispopulares,napujante e notável literatura ídiche, é Scholem Aleichem. Scholem Aleichem (A paz

sobrevós)épseudônimodeS.Rabinovitch(1859-1916),humoristarussoderenomeuniversal,apelidadoo“MarkTwainjudeu”.

Islam — palavra árabe, e que literalmente designa “abandono em Deus”, oumelhor, “resignação”. Sistema religioso fundado por Maomé. Em sentido comumdesignaoconjuntodospaísesqueseguemareligiãomaometana.

Israel— significa emhebraico “CampeãodeDeus”.Designavaprimitivamenteoreino setentrionalonde residiamas“Dez tribosde Israel”.Essevocábuloé sinônimodejudaísmoedesignaopaísdosjudeus.

Kaddisch — (santificação), prece em aramaico, redigida na época do SegundoTemplo.

Kamareinskaiaekazatchock—dançaspopularesdoscamponesesrussos.Akazatchockeraexecutadapormeiodesapateados.

Kria—açãoderasgarasvestes.Maccoth—uma das subdivisões doTalmude.Contém as disposições relativas aos

crimes,delitosecontravenções.Maguid—predicador.Noseuempenhoemconquistarprosélitos,omaguidvaide

comunidadeemcomunidade,ensinandoeproferindosermões.Mactub! — estava escrito. Vocábulo árabe. Particípio passado do verbo katba

(escrever). Expressão característica do fatalismo muçulmano. Significa: tinha queacontecer.

Malamed—professor.Meir—Várias vezes citado neste livro, o nome deRabiMeir impõe-se à nossa

admiraçãoe ànossa simpatiapela suabondade,pela elevaçãode suaspalavras epelasua invejável cultura. Foi o maior didata de Torá que se pode assinalar em Israel.ViveuesserabinoséculoIIdepoisdeJesusCristo.TeveporesposaasábiaepiedosaBeruria, filhadoRabiCharinia.Vejanoconto“Resignação”anobreesantaatitudede Beruria, a mãe israelita, exaltada pelos mais sábios rabis como um modelo deperfeição.Cf.Berouris,LéoBernan,op.cit.,pag.68.

Meribah—NomedeumalocalidadesituadanodesertodeondeopovosedentoselevantoucontraMoisésproferindoatéimprecaçõescontraDeus.Moisés,confirmandoo sentido divino de sua missão, fez a água pura surgir milagrosamente brotando darochaviva.

Midrasch—pluralMidraschim—interpretaçãodostextossagrados.

Midrasch Rabba — grande Midrasch — nome dado a uma vasta coletânea deinterpretações haggádicas, relativas aos cinco Livros do Pentateuco, e também ao“Cânticodoscânticos”,Eclesiastes,Provérbios,RuteeEster.

Midrasch Tanchouma — coletânea de comentários sobre temas folclóricos doPentateuco.EssacoletâneaéatribuídaaoRabiTanchouma,queviveunoSéculoIV.

Mischná — (do verbo schana, repetir, ensinar), coletânea de decisões fruídicas,interpretações e comentários sugeridos aos doutores da Lei pelos textos bíblicos. AMischná é dividida em seis ordens: Zeraim, Moed, Najchim, Neizikmin, Tahatroth eKodachnim. Cada uma dessas ordens admite diversas subdivisões. A Mischná “é aprincipal”obradosTanaim,oumelhor,dostanaítas.

Nedarim—umadassubdivisõesdoTalmude.Nome deDeus—O judeu, ao invocar o nome deDeus, diz Santo, ou ainda, o

Santo e não Jeová. O nome de Deus só era pronunciado uma vez a cada ano, noTemplo, pelo Sumo Sacerdote, quando abençoava o povo no dia da expiação. Osisraelitas,comodemonstraçãoderespeitoefé,substituíamosublimeJeováporAdonai(Senhor).Deriva-seovocábuloJeovádaformahajaouhava,queexprimiaexistir,ser.Lê-se noÊxodo (III, 14):E disseDeus aMoisés: “Serei o que serei.”E dissemais:“AssimdirásaosfilhosdeIsrael:‘Sereimeenviouavós.’”

Afirmam os estudiosos da Cabala que era dificílima a pronúncia de Jeová peloshebreus.Aexcelsapalavraerarepresentada,naescrita,porquatroletras,cadaumadasquaispossuíacertopodermágicoeatributoscabalístiscos.OsIniciados(comoSalomãoeossábios),segundoalenda,traziamonomeInefávelgravadonumanel,ecomessesigno operavam prodígios. Tal é a origem do chamado “Signo de Salomão”.OutrovocábuloempregavamoshebreusparaindicaronomedeDeus:Elohah (nosingular),Elohini(noplural);SchaddaíouShammah,onipotente;El,oforte.Paraumestudomaiscompletoconvémler:NicolauH.Rodrigues,“Lendasecostumeshebraicos”.

Parábola—ApresentavaJesusosseusensinamentossobaformadeparábolas.Talé,porexemplo,aparáboladotesouroqueaquioferecemosaosleitores.

Etimologicamente, parábola significa semelhança, aproximação, analogiadesenvolvida.

No Antigo Testamento designa uma forma especial, um gênero de apólogodesenvolvido.Éumanarraçãoquasesemprefictíciaqueexprimesimbolicamenteumaverdade religiosa e emque entramcomoprincipais agentes seres ouhábitos de vidahumana.

Pesikta Rabbathi — coletânea de comentários extraídos da Torá e dos Profetas.Acredita-sequetenhasidoredigidaporvoltadoano845.

PirkéAboth—VejaAboth.Pope—padreortodoxodegrandeprestígionoregimetsarista.Opopenasaldeias

dointerioreraasegundaautoridadedepoisdopuritz.Puritz—príncipe.Nomedadoaoantigogovernadordeumaoumaisaldeiasrussas.

Opuritzera,peranteacomunidadelocal, senhorabsolutoetinhaodireitodevidaedemortesobrequalquerdeseussúditos.

Rabi—títulocomquesãoemgeraldesignadosossábiosreligiosos(talmudistas),oschefesdasescolasoudascomunidades.NotempodeJesusesse títuloeraempregadoemsinalde simplescortesiaouderespeito.Nosúltimos tempos,devidoàdissoluçãodo culto no templo, a autoridade em assuntos religiosos passou para as mãos dosletrados,eotítuloderabiourabinopassouaterumasignificaçãooficial,restringindo-seasuaaplicaçãoàspessoasautorizadasaresolverquestões legaisouderito.Otítulorabino é conferido atualmente, em caráter oficial, aos ministros (israelitas) do cultomosaico.NaBabilônia,otítulocorrespondenteéRab,dizia-setambémRebouRebe.NoEvangelho (São João,XX,16) vemos Jesus recebero títulode raboni, ao qual ocomentaristaacrescentaanota:“Raboniquerdizermestre.”

Rebe—designarabiemdialetoídiche.Shabbat—“Nodiadesábado”—Shabbat,nãodevemosjudeusfazernemmandar

fazerqualquertrabalho,dequalquernatureza,nemmesmoapreparaçãodealimentos.Conhecemos pessoalmente alguns que teriam escrúpulo em abrir uma carta, colheruma flor, emesmo acender luz poruma simples pressãonumbotão elétrico.É-lhesvedadonessediaescrever,andardecarroefazercompras—nãodevendosequerpôramãoemdinheiro.

Havianaantiguidade,emvigorentreosjudeus,umtratadoespecialparaaguardadosábado,quecomeçavapelos“regulamentosnecessáriosparaterminarasexta-feira”,na previsão de prolongar-se até o advento da hora de sábado, qualquer trabalho ouserviço.

Exatamentepoucoantesdahorado“princípiodosábado”,nenhumtrabalhodeviaser encetado nem empreendido. Tampouco trabalho algum devia ser terminado oucontinuado,desdequefosseomomentoexatodosábado.Oalfaiatelargariaasuaagulha,o escriba a sua pena, o mestre-escola devia suspender incontinenti os serviços ouafazeres escolares etc. Nesses regulamentos da guarda do sábado há, entre outras

medidas, todas preventivas, proibições como esta, por exemplo: aquele que estiver“examinando um vestuário” à luz da lâmpada, deve suspender o trabalho “porque,entretidonesseserviço,podiaultrapassarahorasagradaemataralguminseto,algumapulga”—e“aquelequemataumapulgaésemelhanteaoquemataumcamelo!”

Esses regulamentos estabelecem também, uma seleção perfeita para bebidas,comidas, roupas e quase todos os mais objetos de uso doméstico, predestinadossingularmenteparaodiaderepouso.

Paraacomidaquedeviaserusadanessedia,haviaumalistaespecialdealimentos,bemcomoomododeprepará-losouconservá-losparausododia.

A maneira de preparar as refeições sem acender fogo ocupava saliente lugar noRegulamentopreventivo;nãosóalimentos,comooseupreparo,eramescolhidosdosnãousadosnosdiasúteis.

Entre as regras, notemos estas: “O forno devia ser esquentado antes da hora doadvento,compalhamiúda,trapos, fitasdemadeira;asbrasasetiçõesdeviamser logoapagadosoucobertoscomcinza.”

Nãosedeviamesquentarovosemchaleiraoucaldeira,nemdentrodepanoquenteouguardanapo, nem, ainda (se alguém quisesse passar por cima da Lei, com algumsubterfúgio),naareiaquenteouesquentadapelosol.

Como o sábado começava ao escurecer da sexta-feira, a lâmpada era objetoindispensável e tanto ela como a torcida ou mecha, o azeite ou óleo, sofriam umestudo antesde seremempregadosparausodo sábado.A lâmpadanão era amesmadosoutrosdiasúteis.

Seaconteciaapagar-sea lâmpadaduranteanoitedosábado,regrasespeciaiseramdeterminadasparasernovamenteacesa.

Para evitar a profanação da lâmpada, a casuística rabínica enumerava regras,conformefosseapagada:“pormedodeladrão”,porumgentio,porummauespírito,porumgolpedevento,devendopagaraofertadeQorban.

Mui longa é a lista dos casos que constituem a profanação do sábado. Todos ostrabalhos agrícolas, desde o rotear dos campos, semear, colher, apanhar grãos ouespigas, feixes, ou galhos, até trabalhos de indústria ou serviços domésticos; os queestavam em conexão com os de limpeza, transporte, viagem etc., eram tambémprofanaçãoparaosábado.

Nocapítulodalimpezaeasseiodocorpo,entreoutrosdetalhes,estipulava-seque“ocorponãodevia sermiradodentrod’água,nem esfregado com toalha;não sedevia

carregar ou transportar o sabão, nem os chinelos ou tamancos, nem olhar-se emespelho”.

Quantoaotransporte,nãoerapecadolevaralguémvivo,dentrodeumesquifeoucamavazia.

Erapecadocarregarumcadáverouqualquermembrodocorpohumano.Se alguém, por motivo de casamento ou enterramento, se achasse longe de sua

casa,aoadventodosábado,deviaprocedercomtodoocuidadoparanãoquebrarodiaoucontaminar-se.

Assimos preparativos de casamentoou funerais eram sempre apressados e não navésperadosábado(nasexta-feira),paraevitaraprofanaçãodosábado:pelacontaminaçãododefunto,emcasodefuneral,peloque,nuncasedeviatocarmembroalgumdeumcadáver, podendo-se até deixá-lo “comos olhos abertos e os queixos por cerrar ouamarrar”; em caso de núpcias pelos festejos consecutivos às bodas que podiamprolongar-sealémdahoralegal.

Umadistâncialegal foimarcada—achamada jornadadeumsábado, de cercade2milcôvados(1,36metrooucercade1,5quilômetro).

Para evitar a profanação do sábado como aumento da jornada, estabeleceram-se“CasasdeOração”emtodososprincipaiscentrosondenãohaviamsinagogas.Quandonãoexistiamestasouficavamalémdoslimitesdajornadadosábado,casasparticularesde cidadãos conceituados eram erigidas em “Casas de Congregação” (BatteyKenesiyoth).

AMichná inclui a profanação do sábado entre osmais horríveis crimes, digno deapedrejamentoe,portalmotivo,regrasespeciais,guardadascommeticulosocuidado,eramexigidasnãosóquantoaosafazeresdodia,mastambémquantoàsuaguarda,cujaquebra importava em pecado e punição, podendo estes serem remidos pela oferta daqorbanouoferendadopecadosabático.

O capítuloVI doTratado Sabático dá o regulamento para os afazeres e serviçosque devem ser feitos de modo a guardar legalmente o dia (na suposição do seucomeçomatinal).

Assim, no campo, logo de manhã cedo, o primeiro trabalho é o de cuidar dosanimais; estes, para participar doRepouso, deviam ser “deixados livres” sem arreiosou ornamentos, com exceção dos que fossem necessários à segurança dos mesmosanimaisouparadistinçãounsdosoutros,sendotudoomaisconsideradocomocargae,portanto,ilegal.

Paraocampo,comoparaacidade,eramexigidascertasparticularidades,desdeolevantardacamaatéàhoraemqueterminavaodia.

Assimeramproibidos:osvestidoscompridos,decauda,porqueexigiamquefossemcarregadosoutomadoscomasmãos,paranãoarrastarem.

Os ornatos, enfeites, pentes, grampos, travessas, broches, bolsinhas, leques, nãoerampermitidos.Umasenhorapodiaandar,dentrodesuacasa,comcabelosoudentespostiços,masnãopodiausá-losforadecasa.Nãosedeviaolharparaespelho“porquepodia deparar-se com um cabelo branco e desejar arrancá-lo, ou cortá-lo”, o queconstituíaprofanaçãodosábado.

O pai ou mãe podiam tomar os filhos nos braços para acariciá-los, mas se ascriançasestivessemsegurandoqualquerbrinquedo,pedraououtroobjeto,erapecado“semelhanteaocarregar,emdiadesábado,brinquedo,pedraouobjetoparecido”.Cf.NicolauH.Rodrigues,Lendasecostumeshebraicos.

Salmos — livro da Bíblia composto dos cânticos, em quase sua totalidade,atribuídosaoreiDavi(séculoXIa.C.).Paraessascríticasmodernas,osSalmosforamelaboradosemépocaanterioraocativeirodaBabilônia.

AoiniciaroestudodoLivrodosSalmos,escreveuoilustrepadreLeonelFrancaS.J.:

Nenhumaoutrareligiãodaantiguidadenoslegou,comoadeIsrael,umacoleçãodepoemassagradostão rica ede tão rarabeleza.Alémdepreciososdocumentos, estes versos aindahojeviveme atuamnaIgreja. Nem disto se maravilha quem considere não serem eles frutos da inteligência humana masinspiraçõesdoEspíritoSanto.AestaorigemdivinadevemelesprincipalmenteaforçaeosegredodeelevaraalmaaDeus,despertarnelapiedososesantosafetos,ajudá-laadargraçasaDeusnosmomentosfelizeseinfundir-lhesconsolaçãoecoragemnaadversidade.InestimáveldomdeDeussãoestespoemassagradosdoAntigoTestamento,reunidosquasetodosnoLivrodosSalmos.AosministrossagradosqueosrecitamnoOfícioDivino,lembrameles,cadadia,nãosóamajestadeinfinitadeDeus,asuajustiçaincorrutíveleasuaimensa bondade, senão ainda a própria fraqueza e indulgência. São ainda fórmulas de oração, de raraeficácia,paraimpetraroauxíliodivino.

Salomão — Muito antes de subir ao trono de seu pai Davi, já era Salomãoadmiradopelainexcedívelsabedoria.Antesmesmodeatingiraadolescência,revelaraSalomão as qualidades de caráter que adornavam seu espírito privilegiado: altosentimento de justiça, simpatia no trato, delicadeza de atitudes, inabalável fé nospreceitos religiosose incondicional caridadecomoshumildes.A famaqueaureolavaseu nome deu origem a numerosas haggadahs (lendas, tradições), algumas das quais

aparecemnaspáginasdaSche-hal-pê(tradiçãooral);váriasoutrashaggadahssãonarradasna Sche-bich-tab. (tradição escrita). A famosa história intitulada “O braseiro do rioCedron”,incluídanofinaldestelivro,éumadasmuitashaggadahsdeSalomão.

Santo — Os judeus não pronunciam o nome de Deus, e quando se referem aoCriadordizemo“Santo”.

Sanhedrim (dogregoSiprédia, assembleia) tribunal.—Sob o nome de Sanhedrimdevemos distinguir: 1º— o famoso tribunal israelita; 2º— uma das subdivisões doTalmude.

Schema—Vejap.9.Schichecht—Funcionárioreligioso;matadordegalinha;circuncisor.Schnorrer—mendigoprofissional.Indivíduoastuto,cheiodemanhas,queosídiches

consideramimportunoeindesejável.ScholemAleichem—Apazsobrevós.Saudação.Veja:ídiche.Sinagoga — Termo grego correspondente a convocação. Organização religiosa

israelitaouasededessaorganização.Tahanith(jejum)—umadassubdivisõesdoTalmude.Contémumgrandenúmero

delendaseanedotas.Talmude—TalmudeeoPentateucosãodois livrostradicionaisparaosjudeus.O

Talmude é uma coleção de leis, tradições e costumes israelitas divididos em duaspartes: aMischná e aGuemara.AMischná ou “Segunda Lei” é o compêndio das leisorais redigidas pelo Rabi Jerouda-Ha-Nassi, o Santo, por ocasião da fundação daAcademia de Tiberíades (469 da era judaica). Subdivide-se em seis partes:Zerabim,quetratadocultivodesementeseplantasedasregrasparaopagamentodosdízimoseprimícias; Moed, referente às festas e tempos; Naschim, dedicado às mulheres,dissertando sobre esponsais, matrimônios e divórcios; Nezikim, sobre contratosmercantiseoutrosfatos,danoseprejuízos;Kodashim,dascoisas santificadaseserviçosdo Templo; Teharoth, das coisas limpas e imundas. A Guemara ou Suplemento, doRabi Joachanan, é o comentário de todos os assuntos da Mischná. Ao Talmude deJerusalémsepodejuntarodeBabilônia,redigidoem504(era judaica)porAschebeRabinaeconcluídopeloRabiJehosueh.

Tana—mulhertanaíta.Tanaíta — no plural tanaim, vocábulo derivado do aramaico, tani, ensinar. Tal

nomeeradadoaosdoutoresdaToránoperíodoquecompreendeosdoisséculoslogo

depois de Cristo. Os comentários, sentenças e interpretações dos tanaim foramincluídosnaMichnádeJudas,oSanto.

Torá—emsentidoamplodesigna“lei”,“ensinamento”.Emsentidomaisrestritodesignaoconjuntoda lei,escritaeoral, istoé,aBíblia,aMischná eoTalmude.Emlinguagemcorrentepodedesignar apenasoPentateuco,queé aTorádeMoisés.Oscinco livros, chamados legais, do Antigo Testamento, formam o Pentateuco — dogregopente, cinco, e teucos, volume.NoPentateucoMoisés, libertador e legisladordoshebreus,divinamenteinspirado,narraasorigensdomundoeahistóriadopovodeDeusatéomomentoemqueosisraelitasestavamprestesaentrarnaTerraPrometida.

Os livrosqueconstituemoPentateucosão:I—oGênesis—Contaahistóriadacriaçãodomundoatéamortede JoséeonascimentodeMoisés.ApalavraGênesissignificaprincípio.II—oÊxodo—emgregoêxodosignificasaída.ÉosegundoLivrodoPentateuco.Contaocativeirodos israelitasnoEgito,o jugodos faraóseotermodaescravidão,comtodososmilagresqueenvolveram,nesseperíodo,opovodeDeus.É narrada ainda, no Êxodo, a promulgação da lei do Sinai. III—Levítico— assimdenominado por ter sido escrito para a tribo de Levi. Contém as leis referentes aoexercíciodoculto.IV—Números—quartolivrodePentateuco.NarraosprincipaisepisódiosocorridoscomosisraelitasatéàconquistadapartedaPalestinasituadaaestedoJordão.AdenominaçãoNúmerosresultoudofatodeestaremaliindicadosostotaisnuméricos dos guerreiros de Israel. V—Deuteronômio— quinta e última parte doPentateuco. A palavraDeuteronômio significa “segunda lei”. Este livro não encerranarrativasesimosdiscursospronunciadosnasplaníciesdeMoab,emfrentedeJericó.

Torá deMoisés—É possível acompanhar amarcha daTorá através dos séculos?Podemos ler em “Pirké”, de Rabi Eliezeu, I, 1, 2, estas singulares indicações:“Recebeu Moisés a Torá no alto do Sinai. Recebeu-a das mãos do Eterno etransmitiu-a a Josué. De posse da Torá, Josué a transmitiu aos Antigos. Os AntigosfizeramcomqueaToráfosseentregueaoshomensdeGrandeAssembleia.NaGrandeAssembleia figuravaSimeão,o Justo, e coube a esteo encargode entregar aTorá aAntígono de Soho. Recebeu-a, depois, Rabe Jehouda, filho de Tabbai. Desse rabipassou para Shemayah e Abtalião, e assim por diante. Cf. Léon Berman,Contes duTalmud,p.15.

Tunnen—jejum.VayikraRabba—umadassubdivisõesdoTalmude.Vizir—ministrodeumsoberanoárabe;auxiliardogoverno.

Xibolet—Significa“espiga”.PorcausadoepisódiofamosocitadonaBíblia(Juízes,versículos XII, nº 6), o termo “xibolete” passou a designar qualquer expressão quepossaservirparacaracterizaraformadefalardeumacertaregiãoouEstado.Assim,aexpressão“marechalCarlosdoPinhal”éumxiboletparaospaulistas.UmapessoadointeriordeSãoPaulodenunciaasuaorigemaoenunciá-laediz,emgeral:“MarecharCarlos de Pinhar”. O termo barbaridade é um xibolet para o gaúcho. A expressão“Meutioviuorio”éumxiboletparaocarioca.

Yalah!—exclamaçãoárabe:PorDeus!Yalkut—Coletâneadecomentários, lendaseanedotascolhidasnoTalmudeeno

folclore israelita. É de presumir que o Yalkut tenha sido redigido no século XIII,muitoemboranelefiguremfragmentosetrechosdeautoresbemantigos.

Yoma — o dia — uma das subdivisões do Talmude. Contém as determinaçõesrelativasaodiadaexpiação.

Zaddik — tal denominação era dada aos chefes de certas seitas israelitas. Eramchamadoszaddikins ou justos.Ozaddik eraumguia espiritual: dava conselhos, pediaesmolasparaospobreseorientavaoscrentessobrepontosdifíceisdedoutrina.Algunsgozavam de grande fama e foram apontados como milagrosos. Cf. Lewis Browne,SabedoriadeIsrael,p.491.

Zohar — denominação dada ao comentário esotérico do Pentateuco. Parece tersidocompiladoporumjudeuchamadoMoisésdeLeon.Zoharsignifica“fulgor”.Cf.“SabedoriadeIsrael”,p.387.

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