Observador jorge graca70581

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observador.pt | 1,15 Euros UA 2014/15 | Mestrado em Design Semiologia Tipográfica | Docente: Álvaro Sousa Designer Editorial: Jorge Graça nº70581 ‘Leviatã’: a longa tragédia da sociedade russa //PAG. 30 Negociações técni- cas com a Grécia “não estão a correr bem” //PAG. 6 Grécia, Alemanha e as reparações. Uma guerra complicada. //PAG.22 A luta da Grécia pelas reparações de guerra vai muito além do atual Governo, mas a jurisprudência não parece estar do seu lado. Vai Atenas abrir mesmo uma nova frente de batalha com a Alemanha? Mónaco, de Leonardo Jardim, apura-se para os quartos de final da Liga dos Campeões //PAG. 13 Portugal teria défice excessivo a partir de 2016 sem renovação de medidas temporárias //PAG. 4 Diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira demite-se //PAG.2

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Trabalho desenvolvido por Jorge Graça no âmbito da disciplina de Semiologia Tipográfica do mestrado em design da Universidade de Aveiro –2014/15, de redesenho para suporte papel do jornal Observador.

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observador.pt | 1,15 EurosUA 2014/15 | Mestrado em DesignSemiologia Tipográfica | Docente: Álvaro SousaDesigner Editorial: Jorge Graça nº70581

‘Leviatã’: a longa tragédia dasociedade russa//PAG. 30

Negociações técni-cas com a Grécia “não estão a correr bem” //PAG. 6

Grécia, Alemanha e as reparações.Uma guerra complicada. //PAG.22

A luta da Grécia pelas reparações de guerra vai muito além do atual Governo, mas a jurisprudência não parece estar do seu lado. Vai Atenas abrir mesmo uma nova frente de batalha com a Alemanha?

Mónaco, deLeonardo Jardim, apura-se para os quartos de final da Liga dos Campeões//PAG. 13

Portugal teria défice excessivo a partir de 2016 sem renovação de medidastemporárias //PAG. 4

Diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira demite-se //PAG.2

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Dr. Brigas Afonso não pode ser re-sponsabilizado pelo que se passou com a Lista VIP, mas é responsável máximo da casa”, acrescentou Pau-lo Ralha, elogiando a “franqueza” do agora ex-diretor-geral da AT. Paulo Ralha diz que António Bri-gas Afonso terá sido “apanhado de-sprevenido” pela existência desta lista quando assumiu o cargo.A existência de uma lista de con-tribuintes VIP, personalidades mediáticas de várias áreas, terá sido divulgada numa formação para inspetores tributários es-tagiários realizada a 20 de janeiro. A notícia, avançada pela revista Visão, tem por base o testemun-ho de participantes na sessão que decorreu na Torre do Tombo, que contrariam a versão oficial do gov-erno segundo a qual a tal lista não existe. Também o presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos

Diretor-geral da Autoridade

Tributária eAduaneira

Brigas Afonso apresentou demissão, na sequência da controvérsia com a “Lista VIP” de contribuintes. Pedido

foi aceite pela ministra dasFinanças. Paulo Núncio admite ir ao

Parlamento dar explicações.

Impostos (STI), Paulo Ralha, veio a afirmar que existe uma bolsa de contribuintes VIP no Fisco.Depois de ter repetido que “nun-ca foram dadas instruções à Au-toridade Tributária para elaborar qualquer tipo de listas de contribu-intes”, o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, garantiu que a sua resposta não implica que esteja afastada a re-alização de uma auditoria ao caso da lista VIP de contribuintes, que foi sugerida por um vice-presiden-te do PSD e defendida pelo PCP e Bloco de Esquerda. Paulo Núncio insistiu nunca ter “elaborado ou entregado” qualquer lista de con-tribuintes à Autoridade Tributária (AT), assim como nunca ter dado

“instruções” para a AT o fazer.Na segunda-feira, inspetores da Autoridade Tributária denuncia-ram um “clima de medo, insegu-

EDGAR [email protected]

António Brigas Afonso, diretor-ger-al da Autoridade Tributária e Adua-neira (AT), apresentou a demissão esta quarta-feira, na sequência da controvérsia com a “Lista VIP” de contribuintes, confirmou o Ob-servador. O pedido foi aceite pelo Ministério das Finanças, confirma o Ministério em comunicado, sem adiantar para já qualquer infor-mação adicional. Nada indica, para já, que o lugar de Paulo Núncio es-teja em risco, apesar de a auditoria que foi determinada já ter indícios que a polémica lista, sempre cate-goricamente desmentida pelo Gov-erno, poder existir.No cargo há nove meses, António Brigas Afonso, substituiu em julho o antigo chefe do fisco, José Aze-vedo Pereira. Antes disso, Brigas

Afonso era subdiretor-geral da AT na área dos impostos especiais so-bre o consumo. Em declarações aos jornalistas esta quarta-feira, trans-mitidas pela SIC Notícias, Paulo Núncio diz que “esta não é o mo-mento para clarificar” a situação. O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais garante estar “totalmente disponível” para ir ao Parlamento,

“porque entendo que o Parlamen-to é o local certo para que sejam prestados mais esclarecimentos sobre esta matéria”. Paulo Núncio acrescentou que “o governo rece-beu da AT a confirmação de que não existia essa lista mas, por out-ro lado, existem rumores e notícias em sentido contrário”.Ouvido pela TSF, Paulo Ralha, presidente do Sindicato dos Tra-balhadores dos Impostos, diz que recebeu a notícia “com um misto de surpresa e de fatalidade”. “O

rança e intranquilidade” na se-quência do aviso de que haveria uma lista VIP de contribuintes, que ao ser consultada faria dis-parar um alarme informático.Nesse mesmo dia, o Ministério das Finanças mandou abrir uma auditoria à alegada lista VIP de contribuintes da Autoridade Tributária. “Tendo em conta notí-cias vindas recentemente a pú-blico, o Ministério das Finanças comunica que solicitou hoje à In-speção-Geral de Finanças (IGF) a abertura de um inquérito sobre a alegada existência de uma lista de contribuintes na Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), cujo acesso seria alegadamente muito restrito. Este inquérito, a realizar pela IGF, enquanto entidade ex-terna da AT, destina-se a realizar o apuramento de todos os factos relativos a este assunto”.

demiteVIP e Aduaneira, que informou os tra-

balhadores da sua existência numa ação de formação para 300 inspeto-res tributários.O sindicalista relaciona esta lista de contribuintes com os 140 processos disciplinares que foram abertos a trabalhadores que, alegadamente, acederam a informação de contribu-intes dessa lista VIP. O STI acres-centa que os processos disciplinares aos trabalhadores dos impostos começaram a ser aplicados desde dezembro, depois de ter sido noti-ciado que os funcionários da AT es-tavam a ser investigados por alega-damente terem consultado os dados fiscais do primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho.Mas o diretor-geral da AT, António Brigas Afonso, “desmente que tenha recebido qualquer tipo de lista da parte do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais”, Paulo Núncio, tal como noticiou a revista Visão.Num debate no parlamento, tam-bém o primeiro-ministro negou que exista na Autoridade Tributária uma qualquer ‘bolsa VIP’ destinada a contribuintes especiais.

AGÊNCIA LUSA

A Procuradoria-Geral da República (PGR) está a recolher informação sobre a existência de uma eventual lista de contribuintes VIP na Auto-ridade Tributária e Aduaneira (AT), com o objetivo de avaliar se vai dar início a algum procedimento, infor-mou fonte da PGR.

“A PGR encontra-se a coligir infor-mação sobre essa matéria, com vista a avaliar da necessidade de iniciar procedimentos que mostrem perti-nentes, no âmbito das atribuições do Ministério Público”, refere a PGR numa resposta à Lusa.Na segunda-feira, o Ministério das Finanças anunciou ter solicitado à Inspeção-Geral de Finanças (IGF) a abertura de um inquérito sobre a existência desta lista na Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), ex-plicando que este inquérito surgiu

“tendo em conta notícias vindas re-centemente a público”.O presidente do Sindicato dos Tra-balhadores dos Impostos (STI), Pau-lo Ralha, afirma que existe a referida lista de contribuintes VIP e que foi o chefe de divisão dos serviços de auditoria da Autoridade Tributária

//POLÍTICA

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PGR recolhe informação sobre lista de contribuintes VIP

A Procuradoria-Geral daRepública quer analisar anecessidade de iniciarprocedimentos que semostrem pertinentes paraenfrentar a questão da existência de uma lista VIP de contribuintes.-se

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Portugal teria défice excessivo a partir de

2016 sem renovação de medidas temporárias

Ausência de renovação ou substituição das medidas temporárias em vigor, como o corte dos salários e da sobretaxa, fari-

am a economia crescer mais mas o défice seria superior a 3% a partir de 2016.

Embora pareça viável a obtenção em 2015 de um défice inferior a 3% do PIB, o défice vol-tará a superar essa marca a partir de 2016.

PÚBLICAS

//ECONOMIA

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FINANÇASNUNO ANDRÈ [email protected]

Portugal até conseguiria redu-zir o défice orçamental para menos de 3% do PIB este ano, mas, caso não sejam tomadas medidas para manter alguns dos cortes ou compensá-los, o défice voltará a superar os 3% em 2016 e nos anos seguintes até 2019, estima o Conselho das Finanças Públicas.

Num relatório publicado sobre a situação e as condicionantes orçamentais no período 2015 a 2019, o Conselho das Finanças Públicas alerta para um cresci-mento do valor do défice nos anos posteriores a 2015.Este cenário, no entanto, é ex-plicado pela forma como o CFP faz as suas estimativas, que é através da utilização de um cenário de políticas invariantes, ou seja, o CFP não conta com

as medidas que ainda não es-tão aprovadas e com aquelas medidas que exigem legislação anual para serem repostas.Entre estas medidas, e com grande impacto tanto no défice como na previsão de cresci-mento da economia, estão, por exemplo, os cortes salariais na Função Pública que de-vem desaparecer no próximo ano se não forem aprovados novos cortes (no seguimento

de uma decisão do Tribunal Constitucional) e da sobretaxa de 3,5% em sede de IRS, que também precisa de renovação anual no Orçamento do Estado.Neste sentido, o CFP calcula que o défice este ano seria re-duzido para 2,8%, mas este cresceria novamente para 3,3% em 2016 e 3,2% do PIB nos anos seguintes até 2019.Isto aconteceria, caso não avancem mais medidas, o PIB

até cresceria mais que o pre-visto, superior a 2% de 2016 até 2019 (chegando mesmo aos 2,4% em 2017), mas mesmo com esse nível de crescimen-to, o problema das finanças públicas não seria resolvido e o défice mantinha-se nos valores referidos acima de 3%.

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DA GRFUTURO

Responsáveis da Grécia e da zona euro estão a atirar as culpas uns para os outros. Alexis Tsipras diz no parla-mento que a quinta avaliação foi cancelada e que não será “intimidado por ameaças”.

EDGAR [email protected]

As negociações técnicas entre a Grécia e os representantes das instituições credoras “não estão a correr bem”, disseram ao The Wall Street Journal fontes próxi-

mas do processo. No Parlamento de Atenas, o primeiro-ministro Alexis Tsipras defendeu esta quar-ta-feira que a quinta avaliação do segundo resgate foi “cancelada” e que o que vale é o acordo obtido a 20 de fevereiro, um acordo que estendeu por quatro meses o acor-do com a Grécia mas que fez de-pender a entrega de mais fundos do sucesso das negociações técni-cas com Atenas. Tsipras garante que não se deixará “intimidar por ameaças”.

“Responsáveis eleitos vão negociar com responsáveis eleitos e os tec-nocratas lidarão com tecnocratas”, afirmou esta quarta-feira Alexis Tsipras no Parlamento, consub-stanciando a notícia desta manhã do The Wall Street Journal que citava fontes próximas da nego-ciação que diziam que “os gregos não estão a cooperar” e que os técnicos do BCE, FMI e Comissão Europeia não estão a conseguir ter acesso a dados importantes sobre as finanças do país.

No Parlamento, Tsipras garante está “aberto ao diálogo e a sug-estões”, mas assegura que “não irá deitar burocratas ditarem me-didas”. O primeiro-ministro grego pediu uma reunião com Angela Merkel, François Hollande, Jean-Claude Juncker e Mario Draghi para, à margem do Conselho Eu-ropeu de amanhã e sexta-feira, ne-gociar com estes responsáveis uma solução para o impasse que sub-siste. A falta de progressos nestas negociações está a gerar grandes dúvidas sobre a forma como a Gré-cia irá conseguir superar a crise de financiamento que enfrenta, algo que Tsipras chama uma “pressão ao nível da liquidez”. O pri-meiro-ministro diz que não quer tratamento “especial”, apenas

“tratamento igual” quando pede que o BCE aumente os limites ao financiamento da banca grega e aos montantes de dívida de curto prazo que aceita como garantia.O Estado grego conseguiu esta quarta-feira obter 1.300 milhões de euros num leilão de dívida a três meses, com uma taxa a ron-dar os 2,7%, o que ilustra as difi-culdades de tesouraria de um país que já está a recorrer aos fundos de pensões públicos para financiar o Estado.Contrariando o que disse Yanis Varoufakis, ministro das Finanças, na sexta-feira, Alexis Tsipras garante que o seu governo está

“determinado a cumprir os com-promissos assumidos durante a campanha”. O Ministro das Fi-nanças da Grécia disse em Itália que, a bem da “construção da con-fiança com os parceiros europeus”, o governo poderia adiar promes-sas eleitorais.

Negociações técnicas com a Grécia “não estão a correr bem”

Não é o cenário mais provável, aos olhos da Moody’s, que a Grécia “decida sair do euro”. Mas, se isso acontecer, as “vulnerabilidades externas” de Portugal tornarão o paíssuscetível a riscos.

Moody’s: Portugal está vulnerável se Grécia sair do euro

EDGAR [email protected]

Portugal está a colher os frutos das reformas estruturais e irá benefi-ciar da aceleração do crescimento económico dentro e fora do país, acred-ita a Moody’s. A agência de rating norte-americana assinala, contudo, que o endividamento público continua a ser um risco e recorda que o Tribunal Constitucional tem “tornado mais difí-cil fazer ajustamentos permanentes na despesa” pública. Estes factos tornam o país mais “suscetível aos riscos” que se criarão caso a Grécia “decida sair da zona euro”, o que não corresponde, porém, ao cenário central da Moody’s.

“A vulnerabilidade externa de Portugal continua elevada, tendo em conta os níveis elevados de dívida externa, e o país estaria vulnerável a um cenário em que a confiança dos investidores fosse penalizada na sequência de a Grécia decidir sair da zona euro, ain-da que este não seja o cenário base da Moody’s”, escreve a vice-presidente da agência de rating Kathrin Muelhbron-

ner, que há vários anos acompanha de perto a situação da economia por-tuguesa. Em análise divulgada esta terça-feira, a agência de rating, que continua a atribuir uma notação de baixa qualidade à dívida pública por-tuguesa, transmite uma mensagem de maior otimismo em relação à econo-mia portuguesa, sem prejuízo de aler-tar para os riscos que ainda existem e que justificam o rating de lixo. Além dos riscos já citados, a Moody’s aponta, ainda, “o stock persistentemente eleva-do de créditos problemáticos e a baixa rendibilidade” dos bancos nacionais. A Moody’s acredita, contudo, que “a re-cuperação económica nos principais parceiros comerciais de Portugal na zona euro, a par das melhorias estru-turais na competitividade e do alarga-mento da base exportadora do país”, justificam um maior otimismo de que a economia nacional irá crescer. A Moody’s aponta para um crescimento do PIB de 1,7% em 2015 e 1,8% em 2016. Sobretudo graças a procura interna e a

“força renovada nas exportações”.

//ECONOMIA

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ÉCIA

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OPINI

ÃOO crescimento na UniãoEuropeia é um objectivoultrapassado pela realidade,contraditório com outros importantes desideratos colectivos e contrariado por características sociaisdeterminantes.

nove países mais relevantes des-sa lista pertencem à UE (sete dos quais ao euro) e o outro é o Japão. Todos estes países, onde a Itália, o Japão e Portugal são os três com menor crescimento ao longo daquelas duas décadas (menos de 1% ao ano e os outros cinco países entre 1% e 1,5%), todos eles se caracterizam – uns mais, outros menos – por possuírem rendimen-tos per capita acima e, na maioria dos casos, muito acima da média mundial.Não se trata, portanto, de pobre-za; comparativamente, são países ricos ou, pelo menos, remediados como Portugal. Em suma, estamos a falar de sociedades que, tendo atingido um determinado pata-mar de prosperidade superior a 20.000 dólares por habitante, en-contram dificuldades estruturais para crescer economicamente (na China são $7.000 e na Índia $1.500). As razões variam e certos países, como Portugal e a Grécia tipicamente, começaram a deixar de crescer mais cedo do que out-ros, como (por ordem da lista em questão) a Dinamarca, a Alemanha, a França, a Bélgica, a Holanda e até a Croácia (que ainda não entrou para o euro), todos abaixo de 1,5%.Independentemente das diferenças

MANUEL VILLAVERDE [email protected]

Há qualquer coisa de obsessivo na ideia de crescimento económi-co em Portugal como no resto do mundo. Lê-se e ouve-se por todo o lado, sobretudo no terreno dos «slogans» políticos para uso ime-diato, e até se percebe porquê em contexto de crise. Contudo, a ver-dade é que se trata, em especial na União Europeia, de um objectivo ultrapassado pela realidade, con-traditório com outros importantes desideratos colectivos e contrari-ado por características sociais tão determinantes como o envelheci-mento populacional.Com efeito, as sociedades madu-

de riqueza e de cultura, há contu-do semelhanças decisivas entre os países de mais lento crescimen-to, incluindo o Japão. São três os traços comuns mais importantes: a demografia (elevada longevidade e baixa fecundidade); o consequente peso das reformas e das despesas de saúde, seja qual for o sistema de segurança social; e a melhor protecção ambiental do mundo (Portugal é, segundo o Eurostat, o 6º país da UE com maior peso das energias renováveis). É isto que se pretende trocar pelo crescimento do antigo «terceiro mundo»? Ou é por isto que a Europa tem os cus-tos acrescidos e as dificuldades de crescimento que conhecemos?Para além desses três factores maciços, que não há partido políti-co algum que os mude significati-vamente, em especial o demográf-ico, há ainda o factor do mercado de trabalho. As comparações são mais complicadas mas é evidente que os mercados de trabalho eu-ropeus se ressentem, do ponto de vista do crescimento, dos corpora-tivismos sindicais que os USA e o Reino Unido já desmantelaram em parte, enquanto o «terceiro mun-do» nunca os chegou a ter. Além desses corporativismos, de que as empresas estatais de transportes

ras são demasiado complexas para obedecer automaticamente ao es-tímulo económico decretado pelo Estado, daí que o recente «quan-titative easing» do BCE esteja con-denado a esgotar os seus efeitos rapidamente. Em sociedades como as integradas na UE, em particular no euro-grupo, há sempre forças a operar em simultâneo a favor e contra o crescimento económico, sendo o resultado final tudo menos automático.Vejamos. Numa recente lista do FMI – uma instituição especializa-da em oferecer receitas milagrosas para o crescimento económico -, eram apontados os países com menor crescimento desde 1999 até ao esperado em 2019. Ora, oito dos

como a TAP são o exemplo mais flagrante, os mercados de trabalho são condicionados, uma vez mais, pela demografia e pelo conflito en-tre as velhas e as novas gerações, que afectam a composição da pop-ulação activa e daí as crescentes migrações internacionais.Se e quando a Europa minimizasse os efeitos destes 3 + 1 problemas estruturais – demografia, «estado social» e ambientalismo, mais o mercado do trabalho – poder-se-ia falar sem demagogia de cresci-mento e da criação de emprego. Mas nessa altura restaria o último factor anti-desenvolvimentista, a saber, a adesão subjectiva de grande parte da população euro-peia à austeridade, não no sentido meramente fiscal mas sim cultural do termo, e é isto que ainda não foi entendido pelos economistas da era keynesiana…Há pois fortes indícios de que não é a falta de crescimento que condi-ciona os valores sociais e políticos. São, sim, a demografia, a defesa

do «estado social» e do ambiente, assim como o fosso inter-geracio-nal, que condicionam as opções economicistas ultrapassadas dos partidos que apenas sabem angari-ar votos prometendo mais gastos e mais empregos públicos. Prometer o crescimento é uma frase feita mas, além de falsa, já não corresponde àquilo que ambiciona porventura a maioria dos europeus, para quem não seriam necessários mais do que 2% de crescimento anual para 2% de inflação, segundo a fórmu-la mágica alemã. Em todo o caso, na minha opinião, o problema da sociedade portuguesa é muito menos uma questão de crescimen-to do que uma profunda questão de desigualdade interna; não é tanto um problema de competição exter-na como de redistribuição interna. Era disto que devíamos estar a falar para as próximas eleições.

A retórica docrescimento

//OPINIÃO

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ovação; nas energias renováveis e na eficiência energética. É conveni-ente afetar recursos significativos a projetos suscetíveis de ajudar os jovens a voltarem a encontrar empregos”, anunciou Jean-Claude Juncker no Parlamento Europeu, em julho. Assim, a Comissão Eu-ropeia propôs que o novo Fundo apoie os investimentos nas in-fraestruturas estratégicas (inves-timentos no digital e em energia, em consonância com as políticas da União), nas infraestruturas de transportes em centros industriais, educação, investigação e inovação, os investimentos criadores de em-prego, designadamente através do financiamento de PME e de me-didas a favor do emprego dos jo-vens e nos projetos sustentáveis e

“amigos” do ambiente.

Para ser selecionado cada projeto deve obedecer a vários critérios: ter valor acrescentado europeu

cidadãos e canalizá-lo para investi-mentos produtivos. A base de todo o Plano é o novo Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos (FEIE), criado em conjunto com o Banco Europeu de Investimento, com o objetivo de apoiar investi-mentos de longo prazo e facilitar o acesso das PME e empresas de média capitalização ao financia-mento de risco.O FEIE funcionará como uma ga-rantia que tem por base 16 mil mil-hões de euros do orçamento da UE, aos quais se juntam 5 mil milhões de euros do BEI. No total, 21 mil milhões que servem como amorte-cedor de riscos, de garantia que absorverá o risco mais elevado em investimentos estratégicos.A Comissão e o BEI acreditam que o Fundo terá um efeito multiplica-

baixo nível de confiança dos in-vestidores que, fatalmente, resulta na incapacidade de assunção de riscos. Trata-se portanto de que-brar o ciclo vicioso de falta de con-fiança e subinvestimento.Para voltar a colocar a UE na sen-da do crescimento e da criação de emprego, o atual executivo comu-nitário propôs no início do man-dato, em novembro, um Plano de Investimento de 315 mil milhões de euros, também conhecido por

“Plano Juncker”. “A minha primei-ra prioridade como presidente da Comissão será reforçar a compet-itividade da Europa e estimular o investimento para a criação de emprego”, afirmou o presidente Jean-Claude Juncker ao apresen-

EXPLICADOR“Plano Juncker” – 315 mil milhões em 3 anos. Para quê?

por VASCO GANDRA

1. Um Plano de Investimento para a UE. Porquê?

Desde que a crise económica e fi-nanceira atingiu a Europa que os níveis de investimento caíram, e em alguns Estados-membros de-sceram mesmo de forma drástica.Assim, no segundo semestre do ano passado o investimento na UE foi 15% inferior ao de 2007, antes do início da crise. Ou seja, comparati-vamente ao pico registado naquele ano, os investimentos diminuíram 430 mil milhões de euros, segundo a Comissão Europeia (CE) e o Ban-co Europeu de Investimento (BEI). Portugal (-36%) está no grupo de países onde a queda de investimen-to foi mais acentuada nos últimos anos juntamente com Itália (-25%), Espanha (38%), Irlanda (-39%), Grécia (-64%).A crise produziu uma queda de investimento que, consequente-mente, está a atrasar a recuperação económica na União Europeia, re-toma essa que é ainda mais débil na zona euro. Por exemplo, para acompanhar o ritmo de investi-mento nos Estados Unidos, a UE deveria ter investido mais 540 mil milhões de euros, de acordo com as estimativas do executivo comu-nitário e do BEI.A principal razão avançada para explicar a debilidade persistente dos níveis de investimento está no

//EXPLICADOR

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tar as suas orientações políticas no Parlamento Europeu, em julho do ano passado.

2. Quais os objetivos?

O Plano de Investimento assenta em três eixos: mobilizar financia-mento, melhorar o ambiente para o investimento e fazer com que esse dinheiro chegue à economia real com o objetivo principal de estim-ular o crescimento económico e a criação de emprego na UE.Trata-se de mobilizar energias, inverter a queda de investimento, corresponder às necessidades da economia europeia, de promov-er a competitividade em setores estratégicos da UE, de reforçar o capital humano, a capacidade produtiva, as infraestruturas e as interconexões (energéticas) vitais para o mercado único comunitário.Segundo as previsões do executivo comunitário, o Plano de Investi-mento tem potencial para acres-centar entre 330 mil milhões a 410 mil milhões de euros ao PIB da União Europeia, e criar de 1 a 1,3 milhões de novos postos de tra-balho até 2017.

3. De onde vem o dinheiro?

O “Plano Juncker” pretende mobi-lizar pelo menos 315 mil milhões de euros durante os próximos 3 anos. Uma mobilização de fontes de financiamento público e priva-do, em que cada euro será utilizado para gerar investimento privado suplementar e, ponto importante, sem aumentar a dívida.O objetivo é colocar a circular o dinheiro que está parado nas contas bancárias das empresas e

dor até 15 vezes (daí o total de 315 mil milhões). Ou seja, cada euro mobilizado através do Fundo vai trazer 15 euros de investimento total. As duas instituições consid-eram que este investimento tam-bém será potenciado pelo efeito de alavanca dos fundos estruturais.Os vinte e oito Estados-membros foram convidados a contribuir para o Fundo, diretamente ou através dos bancos de fomentos nacionais, bem como os investi-dores privados. O FEIE deverá ser aprovado pelo Conselho e pelo Par-lamento Europeu para estar opera-cional em junho.

4. Como funciona?

O Fundo Europeu de Investimen-tos Estratégicos (FEIE) deverá ter gestão e sede no Banco Europeu de Investimento. É cofinanciado pelo BEI (5 mil milhões de euros) e pelo orçamento da UE (16 mil milhões).O FEIE é um amortecedor de riscos, como uma garantia, serve de proteção parcial contra riscos, de proteção contra riscos iniciais. O objetivo é conseguir atrair pro-jetos de risco mais elevado mas de alto valor estratégico para a União Europeia, e que de outra forma não encontrariam financiamento. Com esta assunção de riscos em relação a projetos decisivos e complexos, a UE vai mais longe do que os atuais

programas comunitários e do BEI.Esta “rede” contra riscos permitirá ao BEI oferecer produtos que co-brem mais riscos do que os seus produtos habituais. Assim, deverá ser possível investir em projetos de elevado valor acrescentado mas que por comportarem mais riscos não conseguem financiamento.O executivo comunitário estima que o Fundo (21 mil milhões) terá um efeito multiplicador até 15 vez-es (daí o valor de 315 mil milhões). O efeito multiplicador é o quo-ciente entre o volume financeiro total dos projetos gerados em re-sultado da intervenção do Fundo e o capital público inicial mobili-zado para lançar o Fundo. A lógica subjacente ao efeito multiplicador do FEIE é que uma pequena pro-porção de capital público utilizada como capacidade de assunção de riscos permitirá atingir uma quo-ta muito maior de capital privado para investir nos projetos.O FEIE vai financiar projetos es-tratégicos e de longo prazo em toda a UE e uma parte servirá para apoiar investimentos das PME e das empresas de média capital-ização.

5. Que projetos serão escol-hidos?

“Estes investimentos suplementar-es devem centrar-se nas infraestru-turas, nomeadamente nas redes de banda larga e redes de energia, bem como nas infraestruturas de transporte em centros industriais; na educação, investigação e in-

(e apoiar os objetivos da UE), ser viável e representar valor económi-co, e ter início, o mais tardar, nos próximos três anos, ou seja, que represente uma expectativa ra-zoável de investimento no período de 2015-17.Vai ser constituída uma reserva de projetos europeia. Esta lista dinâmica e atualizada facultará in-formações aos investidores sobre os projetos disponíveis existentes e os futuros. Os investidores podem assim tomar decisões com base em informação fiável e transparente.Uma task force conjunta entre a Comissão e os BEI já identificou cerca de 2000 projetos potenciais apresentados pelos Estados-mem-bros, num montante de 1,3 biliões de euros. Em Portugal, por exem-plo, o aumento das interconexões elétricas com Espanha (e França) é um dos projetos que encaixa nos critérios de seleção.O facto de um projeto ser inscrito na reserva não significa necessari-amente que vai ser financiado pelo Fundo.

6. Quem selecciona os pro-jetos?

O FEIE será “governado” por dois órgãos. O Conselho de Direção (CD) determina a orientação ger-al e em matéria de investimento, o perfil de risco, as políticas es-tratégicas e a repartição dos ativos do Fundo, em conformidade com as orientações políticas da CE.

O Comité de Investimento é re-sponsável perante o CD, examinará os projetos específicos e seleciona-

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va de projetos transparente e viável que restabeleça a confiança dos in-vestidores e permita desbloquear o financiamento do setor privado.Portugal apresentou até agora 113 projetos que atingem um valor global de 31,8 mil milhões de euros, dos quais 16,1 mil milhões euros no período 2015-2017. As áreas dos transportes e da energia são as que mais projetos incluem. De acordo com fontes do executivo portu-guês, a atual distribuição dos pro-jetos nacionais candidatos ao Pla-no de Investimento é a seguinte: transportes 31%, energia 30%, in-fraestrutura social 24%, recursos e ambiente 9%, e conhecimento, in-ovação e economia digital 6%.Alguns dos projetos mais emblem-áticos na área dos transportes e da energia apostam no reforço das ligações entre Portugal e Espanha. Assim, por exemplo, a construção de uma ligação ferroviária para transporte de mercadorias entre os portos de Lisboa e Sines e Madrid, o reforço da linha ferroviária entre Portugal e Vigo, ou novas ligações rodoviárias entre os dois países. Na área da energia, vários projetos inserem-se no espírito da futura União Energética que pretende atingir 10% nas interconexões en-tre os Estados-membros. Estas in-terligações deverão permitir a Por-tugal e Espanha exportar energia elétrica para o resto do espaço co-munitário. A escolha dos projetos enviados pelos Estados-membros não obedece a quotas geográficas nem setoriais. Certo é que nem todos os projetos que Portugal e restantes países apresentaram serão escolhidos. As propostas na-cionais devem passar pelo crivo de um comité independente.

AGÊNCIA LUSA

O Mónaco, treinado pelo português Leonardo Jardim, qualificou-se na terça-feira para os quartos de final da Liga dos Campeões de futebol, apesar de ter perdido em casa com o Arsenal, por 2-0.Na segunda mão dos oitavos de final, o francês Olivier Giroud (36 minutos) e o galês Aaron Ramsey (79) deram o triunfo ao Arsenal, in-suficiente contudo para o conjunto inglês dar a volta ao 3-1 na primei-

ra mão, permitindo aos monegas-cos, que tiveram João Moutinho e Bernardo Silva em campo, chegar pela primeira vez aos ‘quartos’ des-de 2003/04. No outro encontro da noite, o Atlético de Madrid, finalis-ta em 2013/14, e o Bayer Leverku-sen vão disputar o prolongamento, depois de Mario Suarez ter empa-tado a eliminatória, com um golo aos 27 minutos.

Mónaco, deLeonardo Jardim, apura-separa os quartos de final da Liga dos Campeões

Mónaco, treinado pelo português Leonardo

Jardim, qualificou-se para os quartos de final

da Liga dos Campeões de futebol, apesar de ter perdido em casa

com o Arsenal, por 2-0.

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rá aqueles que vão beneficiar de apoio (não haverá quotas geográfi-cas ou setoriais). Este órgão é composto por um grupo de peritos independentes e um diretor exec-utivo que assumirá a gestão cor-rente do Fundo.

Por outro lado, será aberto uma espécie de balcão único à escala da UE, uma plataforma europeia de aconselhamento ao investimento para assessorar, identificar e elab-orar projetos, e facultar assistên-cia técnica para os tornar mais atrativos para os investidores.

7. Há o risco de os contribu-intes europeus perderem dinheiro?

Segundo a Comissão e o BEI, a garantia do orçamento da UE permite ao BEI oferecer produ-tos com maior valor acrescenta-do, mas também intrinsecamente com maior risco. Mas os riscos deverão ser atenuados por uma gestão que beneficia da experiên-cia e das competências do BEI.Por outro lado, o comité de in-vestimento que junta peritos in-dependentes vai supervisionar as atividades do FEIE. Haverá uma remuneração adequada do risco, que será mantida no Fundo para compensar perdas e é criada um Fundo de Garantia da UE que as-segurará uma reserva de liquidez para o orçamento da União em relação a eventuais perdas incorri-das pelo FEIE no quadro do apoio prestado aos projetos.É também garantida uma moni-torização profissional do risco e a possibilidade de reajustar as ori-entações relativas aos riscos na eventualidade de uma evolução adversa no início da carteira.

8. Quais os países que já contribuíram?

Os vinte e oito Estados-membros da EU foram convidados a con-tribuir para o Fundo, diretamente ou através dos bancos de fomento nacionais ou de organismos pú-blicos que sejam propriedade dos Estados-membros ou por eles con-trolados.

Até agora só a Alemanha (8 mil milhões de euros), Espanha (1,5 mil milhões), França (8 mil mil-hões) e Itália (8 mil milhões) anunciaram contribuições para o Fundo.

Estas contribuições nacionais não são tidas em conta para o cálcu-lo do défice. Numa comunicação relativa ao recurso à flexibilidade prevista pelas regras atuais do Pacto de Estabilidade e de Cresci-mento, o executivo comunitário traçou em Janeiro as suas orien-tações sobre esta matéria. Por for-ma a estimular os Estados-mem-bros a abrirem os cordões à bolsa, as contribuições nacionais para o FEIE não são tidas em consider-ação no quadro da avaliação do ajustamento orçamental.

9. Portugal vai beneficiar do Plano de Investimento da UE?

Os vinte e oito Estados-membros da UE apresentaram cerca de 2000 potenciais projetos, num total de 1,3 biliões de euros. Destes, mais de 500 mil milhões de euros em projetos que podem ser realizados nos próximos 3 anos, segundo da-dos da Comissão e o BEI.Mas o facto de os projetos se en-contrarem nesta lista preliminar não significa que vão ser financia-dos pelo “Plano Juncker“. Apenas uma parte será escolhida. A consti-tuição daquela lista é um primeiro passo. O objetivo é criar uma reser-

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Eles estão na faculdade.E podem ser expulsos aqualquer momento.A guerra está nos tribunais

Entraram na universidade e estão a tirar cursos superiores.Mas o Ministério entende que devem voltar a fazer exames e quer mandá-los embora.A guerra (e o percurso deles) está na mão dos tribunais.

“Não sei o que é que hei de esperar do amanhã. Estou a estudar hoje e não sei se amanhã me podem mandar embora, nem posso fazer projetos. Os meus colegas vão todos de Erasmus no próximo ano e eu nem posso sequer pensar em concorrer”. Pedro (nome fictício)

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regular com uma média interna de 18,6 valores. Uma média eleva-da, mas não suficientemente alta para conseguir entrar num curso de medicina. Decide ficar mais um ano a fazer melhoria de notas. Matricula-se no ensino recorrente

– uma vertente de educação para adultos que permite fazer o ensino secundário num só ano e até sem assistir a aulas – e prepara-se para os exames de ingresso ao curso de medicina (biologia, matemática e física e química).Em 2011 Pedro termina o recor-rente com uma média interna de 19,5 valores e consegue melhores notas nos exames das cadeiras

ensino superior para os alunos vin-dos do recorrente ocorreu a meio do ano letivo. Em fevereiro de 2012 foi publicado o diploma que aprox-ima as condições de candidatura ao ensino superior por parte dos alunos científico-humanísticos do ensino recorrente, daquelas a que estão sujeitos os alunos do ensino regular. Na prática, os alunos do recorrente que se querem candi-datar ao ensino superior passaram a ter de fazer os exames finais na-cionais como os alunos do ensino regular, sem prejuízo de ser sufi-ciente a avaliação interna para os alunos que apenas queiram obter a certificação da conclusão desses cursos. Além disso impediu-se que os alunos que tivessem completado o ensino secundário regular se ma-triculassem em curso idêntico no recorrente para subir nota.As alterações introduzidas vieram, sublinha o Ministério da Educação ao Observador, “restaurar a ma-triz do ensino recorrente”. “O seu propósito foi pois o de pôr termo à prática, que se veio a revelar abun-dante, de utilizar o ensino recor-rente como via rápida e acessível para o ingresso no ensino superi-or, frustrando as expectativas de todos os que seguiram o percurso normal”, acrescentou fonte oficial do Ministério de Nuno Crato. Os casos mais flagrantes e polémicos prendiam-se com alunos que tira-vam notas baixas no regular e iam subir notas para o recorrente para conseguir entrar em cursos de mé-dias elevadas, como medicina.Mas este diploma acabou por ser objeto de litígio. Isto porque o ministro Nuno Crato entendia que as novas regras se deveriam aplicar a todos os alunos vindos do recorrente que acedessem ao

um amigo do pai, procurou a aju-da do advogado Jorge Braga, que já estava a defender um grupo de alunos nesta mesma causa.

“Só sei contar que ganhámos em tribunal, que entrei na Universi-dade de Lisboa e não mais pensei no assunto, até a carta da DGES ter aparecido, no ano passado. Dizia que a minha matrícula seria anula-da pois a minha média, recalculada, baixava e eu não tinha colocado mais nenhuma hipótese, ano, a terminologia que o Dr. Jorge usa. Eu limito-me a estudar e desde que recebi a carta ainda tenho tirado melhores notas”, conta o estudante.A mudança das regras de acesso ao

O TC claramente excluiu da decisão os alunos que já haviam terminado o ensino recorrente, portanto esses alunos que eram detentores de um certificado de habilitações académicas podiam, deviam e teriam sempre que se candidatar.

Jorge Braga, advogado

MARLENE CARRIÇ[email protected]

Pedro tem 23 anos e está no ter-ceiro ano de medicina, na Univer-sidade de Lisboa. Em 2012, foi um dos 183 alunos provenientes do ensino recorrente que acedeu ao ensino superior sem fazer exames nacionais, poucos meses depois de o ministro Nuno Crato ter mudado as regras de acesso e ter imposto a realização de exames. O Ministério recorreu da decisão dos tribunais e, no ano passado, Pedro recebeu um cartão vermelho, que é como quem diz uma carta da Direção-Geral do Ensino Superior (DGES) com or-dem de expulsão da universidade.

“Lembro-me de ter visto no Face-book, no início do ano passado, que o Ministério da Educação es-tava a notificar os alunos que tin-ham vindo do ensino recorrente, mas como eu não tinha recebido carta nenhuma fiquei descansado. Até que em abril lá chegou a car-ta da DGES a dizer que a minha média tinha sido recalculada com base nas notas do ensino regular e como eu não tinha posto mais nen-huma opção de ingresso depois da Universidade de Lisboa, perdia a colocação”, recorda Pedro, que

prefere manter o anonimato, por saber que “o recorrente é muito mal visto”.Pedro não abandonou a universi-dade porque o seu advogado voltou a recorrer para os tribunais, mas está longe de estar tranquilo. “Não sei o que é que hei de esperar do amanhã. Estou a estudar hoje e não sei se amanhã me podem man-dar embora, nem posso fazer pro-jetos. Os meus colegas vão todos de Erasmus no próximo ano e eu nem posso sequer pensar em con-correr”, lamenta, com o olhar caído sobre as mãos. Recuemos um pou-co no tempo. Estamos em 2010 e Pedro termina o ensino secundário

específicas. Feitas as contas: 18,1 valores. Uma média que lhe valeu o ingresso nesse ano em medici-na, embora na última opção. A adaptação não correu da forma desejada e o estudante meteu ime-diatamente na cabeça que no ano seguinte iria pedir transferência para outra universidade, com os exames, ainda válidos, que tinha feito em 2011 e aproveitando a nota interna do recorrente.Acontece que em 2012, já na pri-mavera, Pedro apercebeu-se que o ministro Nuno Crato tinha al-terado as regras de acesso ao en-sino superior para os alunos do ensino recorrente e, a conselho de

Não obedeceu.

ensino superior naquele mesmo ano e os alunos entenderam que não. Alunos venceram em tribunal. Ministério não baixou armas e a

“guerra” continuaO advogado Jorge Braga tem sido um dos rostos desta luta que opõe os alunos do recorrente ao Ministério da Educação. Em 2012 apresentou dois processos no Tri-bunal Administrativo do Circulo de Lisboa, representando um total de 285 alunos, e venceu os dois. O advogado considerava que o diploma de fevereiro de 2012 de-via conter uma regra de transição para estes alunos “que não tinham sido formatados para fazer exames naquele ano”, explicou ao Obser-vador.Os alunos acabaram por poder can-didatar-se e 183 conseguiram colo-cação. O Ministério, que recorreu das decisões, criou na altura 163 vagas para que os alunos do regu-lar não fossem prejudicados.Um dos processos acabou por sub-ir para o Tribunal Central Admin-istrativo Sul e como este tribunal decidiu que “a própria norma era inconstitucional porque violava o princípio da confiança jurídica, o Ministério Público (MP) teve obrigatoriamente que recorrer para o Tribunal Constitucional”, conta Jorge Braga, lembrando que o recurso do MP dava razão aos alunos. O outro processo, que entrou mais tarde, seguiu para o Supremo Tribunal Administrativo (STA) do Sul.Segundo o advogado, o Consti-tucional decidiu que a norma não era inconstitucional para “todos os alunos matriculados no ensino secundário recorrente” e o STA seguiu a mesma linha. Jorge Braga recorreu do acórdão do TC para o Plenário e do STA para o Consti-tucional. A resposta do Consti-tucional foi idêntica à primeira. A partir desse momento, Jorge Braga percebeu que só teria como sal-vaguardar os direitos dos alunos que tinham estado matriculados no recorrente antes de 2011/2012. Restavam-lhe 11 dos 183 que tin-ham entrado no ensino superior. E é por esses que se tem batido.

“O TC claramente excluiu da de-cisão os alunos que já haviam terminado o ensino recorrente naquele ano, portanto esses alunos

O que mudoucomNunoCrato?

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Acho que temos uma boa probabilidadede ganhar a ação principal porque o atodo Ministério, de expulsar os alunos, énula. Se assim for e se os alunos já tiver-em abandonado os estudos, poderão vira pedir uma indemnização ao Estado.

Jorge Braga, advogado

que eram detentores de um certifi-cado de habilitações académicas podiam, deviam e teriam sempre que se candidatar”, argumenta o advogado Jorge Braga.Acontece que perante a decisão do Constitucional e do STA, a Direção-Geral do Ensino Supe-rior (DGES) não perdeu tempo e começou a notificar os alunos, numa carta em que decidia o seu futuro. Foi o pretexto para Jorge Braga contra-atacar: “eles aplicar-am um ato administrativo antes do tempo, antes do trânsito em julga-do das decisões, portanto violaram uma decisão judicial administrati-

obrigado a executar todas as sen-tenças judiciais proferidas no âm-bito de processos em que é parte, independentemente de o conteú-do da sentença (acórdão) lhe ser favorável”. Assim, “foram retifi-cadas as classificações de ensino secundário dos autores das ações que foram candidatos ao concur-so nacional de acesso e ingresso no ensino superior público para matrícula e inscrição no ano letivo 2012-2013″.E daí resultaram diferentes res-oluções: aqueles que perderam a certificação de conclusão do secundário (por não terem feito

exames nacionais) foram “excluí-dos”; os que, após retificação das notas (tendo em conta as do ensino regular que tinham frequentado anteriormente), não conseguiram média para entrar em nenhuma das hipóteses apresentadas em 2012/13 perderam colocação; outros foram notificados para mudar de instituição de ensino. Sem adiantar muitos números, o Ministério da Educação revela que

“muitos dos alunos que moveram as mencionadas ações não chegaram a candidatar-se ao concurso nacio-nal de acesso de 2012″ e “dos que concorreram, uma parte significa-

tiva ou manteve a colocação ou foi colocada noutro par instituição/curso”. “Houve também alunos não colocados, nomeadamente por terem limitado as opções de can-didatura, e só os alunos que não reuniam as condições de acesso ao ensino superior, por não terem re-alizado os exames finais nacionais, é que ficaram na situação de excluí-do, sendo este número residual”, concluiu. Desde que recebeu a carta da DGES que Pedro e a sua família têm vivido num “sobressalto”. E Pedro não é caso único. Há mais estudantes a viver idêntico dilema. Só Jorge Braga representa 11. E

Pedro já só pede para concluir este anoletivo

vo. Eu recorri e suspendi a decisão dos tribunais”, relatou.O advogado apresentou providên-cias cautelares individuais, uma por cada um dos 11 alunos, às quais ficou acoplada uma ação principal. Só a providência de Pedro não foi ganha. O Ministério voltou a recor-rer e Jorge recorreu da decisão da providência do Pedro para o Supremo Tribunal Administrati-vo que, por sua vez, se recusou a revisitar o processo, obrigando o advogado a recorrer para o Pleno da Secção.Em resposta ao Observador, o Ministério esclareceu que “está

Neste momento, Jorge Braga só quer que as providências sejam todas decretadas. Quanto à ação principal? “Acho que temos uma boa probabilidade de ganhar a ação porque o ato do Ministério, de expulsar os alunos, é nula”.E se os alunos entretanto já tiver-em sido expulsos e vier a ser-lhes dada razão mais à frente, na ação principal? “Os alunos podem exi-gir uma indemnização ao Estado, correspondente ao valor do salário que iriam auferir até ao fim da sua vida profissional”, exemplificou.

“Se eles perderem a ação principal perdem uma habilitação literária pois terão de fazer os exames na-cionais pelo recorrente ou então terão de aceitar ficar com a média mais baixa que já tinham obtido no regular”. Além disso terão de fazer os exames de ingresso no ensino superior e voltar a candidatar-se, podendo pedir equivalência das cadeiras já feitas.

“Tento não pensar muito no assun-to”, afirma Pedro, que, apesar de tudo, não deixa de reconhecer que o ensino recorrente, como estava montado, era “injusto”. E embora a situação em que se encontra atual-mente não seja a ideal, Pedro espe-ra que se prolongue. “Pelo menos devia demorar até setembro ou até às eleições para ver se nos deixam terminar o curso”, remata, com um sorriso nervoso.

nem todos estão em medicina. Há alunos de engenharias, pilotagem e outros cursos. Pedro, com boa média e apenas uma cadeira em at-raso do primeiro ano, que vai fazer agora no segundo semestre, já só pede tempo para “acabar este ano letivo”. Concluindo o terceiro ano obtém o grau de licenciado o que lhe “daria oportunidade de concor-rer a outras faculdades de medici-na como licenciado”, explica.Se a decisão judicial chegar antes do final do ano letivo e tiver de sair da universidade, “apenas me gar-antem as cadeiras que fiz” e “terei de repetir exames de ingresso para

voltar a aceder ao ensino superior”. “Fico com a nota interna do regular (186 valores) e teria de ficar um ano em casa para me preparar para os exames”, detalha.Mas o advogado Jorge Braga lem-bra que mesmo que Pedro tente concorrer a outra faculdade de me-dicina como licenciado, “vai sem-pre estar dependente do número de vagas para transferências, que costuma ser inferior a 10% do total das vagas da instituição”.

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Grécia, Alemanhae as reparações. Uma guerra complicada

A nossa obrigação histórica é reclamar o empréstimo forçado e as reparações.

A luta da Grécia pelas reparações de guerra vai muito além do atual Governo, mas a jurisprudência não parece estar do seu lado. Vai Atenas abrir mesmo uma nova frente de batalha com a Alemanha?

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decidiu, então, tentar confiscar e vender propriedades do Gover-no alemão na Grécia, algo que foi bloqueado pelo Governo grego que não queria entrar em guerra aber-ta com Berlim. Eis que, em 2008, uma decisão da justiça italiana deu novo alento aos queixosos. O caso em mãos: a 29 de junho de 1944, as tropas alemãs mataram 250 civis na cidade de Civitella, na Toscânia. Mais de 40 anos após o massa-cre, os familiares das vítimas pro-cessaram a Alemanha na justiça italiana, exigindo reparações. De-pois de muitos anos a lutar, um dos queixosos, um cidadão italiano chamado Luigi Ferrini, viu o Su-

premo Tribunal de Justiça de Itália dar-lhe razão. O Supremo consid-erou que os indivíduos que viram os seus direitos humanos violados podiam, de facto, processar um país e exigir reparações de guerra. Ferrini foi preso pelos soldados alemães e enviado para um campo de concentração, onde foi obrigado a trabalhos forçados na produção de armamento para o Exército alemão. Mas os tribunais italianos foram ainda mais longe e decidi-ram que as decisões dos tribunais gregos podiam ser aplicadas em solo italiano. Ou seja, os gregos que viram a Alemanha condenada a pagar-lhes reparações de guerra,

A 10 de junho de 1944, o corpo paramilitar do partido nazi con-hecido como SS (Schutzstaffel) matou 218 mulheres, crianças e idosos na vila de Distomo, perto da cidade de Delfos. O caso foi levado aos tribunais alemães pelos gregos até ter sido rejeitado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que considerou que os países es-tão “imunes” a processos movidos por “cidadãos”. Sem sucesso na Alemanha, os queixosos levaram a questão para a justiça grega que condenou a Alemanha a pagar 28 milhões de euros em reparações de guerra, que os alemães se re-cusaram a pagar. A justiça grega

Oscasos

emcausa

podiam exigir a apreensão e venda de ativos alemães em Itália para fazer este pagamento. Para isso, foi ordenada a apreensão e venda de uma propriedade alemã perto do lago Como, que servia de centro cultural italo-germânico.Os gregos exigem, ainda, a devolução de um empréstimo que os nazis obriga-ram (prática comum) o Banco Central da Grécia a dar à Alemanha, de 476 milhões de marcos. Sem contar com juros, este valor podia ultrapassar os 13 mil milhões de euros atualmente.

NUNO ANDRÉ [email protected]

As palavras de Alexis Tsipras, primeiro-ministro grego, na se-gunda-feira, são apenas mais um episódio daquela que ameaça ser uma longa saga em torno do tema das reparações de guerra. Esta quarta-feira, o ministro da Justiça, Nikos Paraskevopoulos, disse no Parlamento grego que estava pronto a assinar a lei a exigir rep-arações de guerra à Alemanha e a mandar apreender ativos alemães na Grécia. Do lado da Alemanha, um rotundo “não”. O Governo alemão acredita que a questão das reparações ficou resolvida nas conversações entre as potências mundiais que levaram à reunião da Alemanha em 1990. “Acreditamos firmemente que a questão das rep-arações foi resolvida política e le-galmente”, respondeu o porta-voz da chanceler alemã, Angela Merkel, na quarta-feira, em resposta ao ministro grego.Apesar de ter ganhado uma nova vida desde a eleição do Syriza para o Governo grego a 25 de janeiro, a questão das reparações alegada-mente devidas pela Alemanha por danos causados pelos nazis du-rante a Segunda Guerra Mundial à Grécia (e não só) é um imbróglio de longa data e que ainda há pouco mais de dois anos estava em dis-cussão no Tribunal de Justiça In-ternacional. Mas vamos por partes.

Alemanha ganha em Tribunal

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A justiça italiana abriu a porta a pedidos de indemnização de toda a Europa e a Alemanha decidiu rapi-damente colocar a Itália em Tribu-nal. Em dezembro de 2008, a Ale-manha entrou com um pedido no Tribunal Internacional de Justiça, em Haia, alegando que, ao permitir que civis exigissem reparações num processo cível contra um país, a Itália violou as suas obrigações perante a lei internacional, que dão imunidade à Alemanha.No centro da disputa, e que acabou por ser fulcral na decisão, está o Tratado de Paz entre a Itália e os aliados – no qual a Alemanha nem sequer foi uma parte –, no qual a Itália aceita uma cláusula que ab-dica de pedir reparações de guer-ra. A Alemanha argumentava que esta ainda era válida, enquanto a Itália defendia que os acordos sub-sequentes (como o acordo de 1961 onde a Alemanha assume, volun-tariamente, novas responsabili-dades) criavam novas exigências. A Alemanha argumentou, por sua vez, que não se tratavam de novas exigências, mas de exigências anti-gas.

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Grécianão desistiu

clusão que a Grécia “nunca recebeu qualquer compensação, seja pelos empréstimos que foi forçada a dar à Alemanha ou pelos danos sofri-dos durante a guerra”.O valor calculado pelos peritos não foi conhecido, tal como o relatório que não foi tornado público, mas o jornal grego To Vima, que diz ter tido acesso ao relatório, afirma que este valor atinge os 162 mil mil-hões de euros, a soma exigida, ag-ora, por Alexis Tsipras, que corre-sponde a cerca de metade da dívida púbica grega. Segundo a revista alemã Der Spie-gel, este relatório foi entregue pelo Ministério das Finanças ao então ministro dos Negócios Es-trangeiros grego, Dimitris Avra-mapoulos, e ao primeiro-ministro, Antonis Samaras. A decisão teria de ser tomada ao mais alto nível, mas o relatório ficou na gaveta numa altura muito sensível do resgate. A Grécia tinha acabado a segunda fase da sua reestruturação de dívida e tinha a promessa, feita em novembro de 2012, do Eurog-rupo de que iria discutir a sustent-abilidade da sua dívida assim que conseguisse um saldo primário nas finanças públicas.Agora, o ministro da Justiça, Nikos Paraskelopoulos, ameaça fazer cumprir exatamente a decisão de 2000 da justiça grega, relati-va ao massacre de Distomo, e de apreender ativos alemães. Só o Governo pode tomar essa decisão, algo que o Executivo grego em 2000 não quis fazer.

Finalmente, em 2012, os gover-nantes alemães (e não só) respi-ravam de alívio. Depois de quatro anos de intensa disputa, o Tribunal Internacional de Justiça decidiu a favor da Alemanha. Segundo Haia, o caso italiano violava a imunidade da Alemanha de ser processada por tribunais nacionais, um princípio reconhecido pela lei internacional. Alguns especialistas argumen-tavam, na altura, que negar este princípio iria abrir um precedente que levaria à inundação dos tribu-nais. Mas outros, como a Amnistia Internacional, consideravam que a decisão era um “grande passo atrás em matéria de direitos humanos” e que violava o princípio consagrado na Convenção de Haia, de acordo com o qual “as vítimas de crimes de guerra podem o Estado re-sponsável para obter reparações”.Na quarta-feira, o Parlamento grego aprovou a criação de uma comissão especial formada para to-dos os partidos para calcular o val-or que a Alemanha alegadamente deve à Grécia em reparações e em relação ao empréstimo forçado.No entanto, este trabalho não é pioneiro. Em 2013, o Ministério das Finanças da Grécia terá pedido um relatório a um grupo de espe-cialistas para avaliar quanto seria o valor em causa. “Quanto nos deve a Alemanha” será o título do relatório secreto, de acordo com a revista alemã Der Spiegel. Depois de meses de trabalho, o relatório de 80 páginas terá chegado à con-

Não devemos dinheiro aos alemães, eles é que nos devem”.Manolis Glezos do Syriza

dívida pública alemã a serem tam-bém estendidos para prazos mais longos o muito longo prazo. Com esse acordo, a Alemanha acabou por demorar 92 anos a pagar por completo essa dívida, desde o final da primeira guerra, até ao paga-mento da última tranche em 2010.A Grécia pode seguir nos próximos meses para os tribunais internacio-nais, mas as decisões mais recentes não inspiram grande confiança para as pretensões gregas.

Uma questão políticaNo final do dia, mesmo que o valor seja reduzido, a Alemanha garan-te que pagou o que tinha a pagar e que não vai ceder nesta questão. Legalmente, um pagamento à Gré-cia podia criar o precedente legal necessário para que outros países, alguns de maior dimensão exijam reparações à Alemanha.Outra das questões apontadas pela Grécia é o incumprimento da Alemanha de parte das dívidas da primeira guerra. Em 1953, no âmbito dos acordos de Londres, a Alemanha beneficiou de uma re-estruturação de grande dimensão, com um perdão parcial e uma boa parte dos prazos de pagamento da

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A Alemanha devereparações à Grécia?

Esta questão, a avançar o proces-so pela Grécia contra a Alemanha, terá muitas nuances com base nas interpretações diferentes de alguns tratados. Mas não só.A Alemanha pagou, em 1960, cerca de 115 milhões de marcos alemães (cerca de 59 milhões de euros a va-lores da altura) de compensação às vítimas gregas dos crimes nazis. As vítimas dos campos de trabalhos forçados receberam compensações individuais. Alexis Tsipras alega que estas reparações não cobrem a destruição da ocupação nazi da Grécia, entre 1941 e 1944.Outra questão é a do valor das in-demnizações que foi acordado. A certa altura, nas negociações de paz da conferência de Paris, a Gré-cia terá exigido 7,1 mil milhões de dólares de reparações de guerra à Alemanha. No entanto, este valor foi rejeitado e reduzido na altura para 45 milhões de dólares, que já terão sido pagos entre 1950 e 1990.Os empréstimos entram noutro pântano legal. Se for considerado uma espécie de dano de guerra, poderia ser objeto de reparação. Mas, de acordo com o tratado de 1990, a Alemanha não teria de pagar. Se for considerado apenas um empréstimo sem juros, o valor será muito reduzido. Sem juros, o empréstimo valeria cerca de 14 mil milhões de dólares a preços atuais. Com juros de 3% durante 66 anos, o valor em dívida subiria para 95 mil milhões de dólares.Mas mesmo o valor total é dis-cutível. Segundo Albrecht Ritschl, um historiador de economia da London School of Economics, em vez de mais de 160 mil milhões de euros, o valor das reparações seria os 13 mil milhões de euros.

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Paris perdeu a Torre Eiffel entre as partículas da poluição, que formaram uma nuvem baça sobre a capital francesa durante esta quar-ta-feira. A notícia é publicada pelo ABC.A Airparif, a companhia responsável por con-trolar a qualidade do ar parisiense, afirmou que os níveis de contaminação são consis-tentes e que “se não tivermos ultrapassado os níveis máximos, não estaremos muito longe”.A poluição que está a sufocar Paris é criada pelos gases libertados pelos automóveis e pe-las indústrias, que têm lançado para o ar as partículas mais nocivas para a saúde humana. Chamam-se PM10 e são capazes de penetrar nos pulmões e no sistema circulatório.A fraca visibilidade criada pelo smog que se abateu na cidade europeia obrigou as autori-dades a diminuir os limites de velocidade nas estradas. A polícia pode ainda proibir a entra-da de carros na capital, obrigando a população a viajar em transportes públicos.Esta foi uma medida adotada o ano passado, depois de uma crise ambiental de grandes di-mensões.

Torre Eiffel foi engolida pela poluiçãoatmosférica

A capital pariense está debaixo de uma nuvem de poluição que obrigou

as autoridades a diminuir os limites de velocidade em 20 quilómetros.

Galp: Petrobras sairá do escândalo “mais forte, competitiva e capacitada”

AGÊNCIA LUSA

A Petrobras vai sair do escândalo de corrupção em que está envolvi-da “mais forte, mais competitiva e mais capacitada”, afirmou Manuel Ferreira de Oliveira, presidente da Galp Energia, à margem de uma in-tervenção em Lisboa.Considerando que o problema que se vive na petrolífera estatal brasileira “foi ali implantado” e

“quanto mais depressa se resolver melhor”, Ferreira de Oliveira afir-mou que a empresa “vai sair deste processo mais forte, mais competi-tiva e mais capacitada”.O presidente da Galp Energia fa-lou à agência Lusa antes do início da palestra “Oportunidades de negócios decorrentes das desco-bertas de O&G [sigla inglesa para petróleo e gás] na CPLP”, orga-nizada no auditório da Auditório da SRS Advogados pelo Fórum de Administradores de Empresas no âmbito da iniciativa “Encontros de Gestores”.Defendendo que a Petrobras “é, indiscutivelmente, a empresa petrolífera do mundo com mais saber e mais experiência na ex-ploração e produção de petróleo e gás no ‘ultra deep offshore’ [ex-ploração em águas muito profun-das] “, o responsável da Galp sub-linhou que “o conhecimento está lá, os profissionais estão lá, e são do melhor que há no mundo”.Apesar de considerar que o escân-dalo de corrupção em torno da

Petrobras é “um processo difícil para todos os que estão a vivê-lo no dia-a-dia” e perante o qual a empresa brasileira “tem pela frente um trabalho gigantesco”, Ferreira de Oliveira disse acreditar que “o resultado vai ser positivo”.

“Esta situação entristece-nos a to-dos, entristece e muito a esmaga-dora maioria dos colaboradores da Petrobras, porque, às vezes, ao falar dos problemas que estão hoje nas páginas dos jornais, esquece-mos que 99,99% dos trabalhadores da empresa são pessoas tão dignas, competentes e profissionais como todos nós”, sublinhou à Lusa, dese-jando que, “passada esta onda de preocupação, se regresse à normal-idade necessária para a Petrobras poder cumprir o seu dever”.No início de fevereiro, o presidente da Galp Energia havia declarado não estar a sentir “implicações ma-teriais” nos projetos em que estava envolvido com a Petrobras”.A situação na petrolífera brasileira

Manuel Ferreira de Oliveira, presidente da Galp Energia, declarou que a Petrobras será “mais forte, competitiva ecapacitada” após o escândalo.

levou a presidente brasileira, Dil-ma Rousseff, a anunciar um con-junto de medidas, que submeterá ao Congresso, para reforçar o com-bate à corrupção. Entre as medidas propostas consta uma que regula-menta uma lei contra a corrupção já aprovada sobre as práticas ilíci-tas no setor privado, endurecendo as penas para os empregadores que se envolvam em crimes contra o erário público.Essa medida pode afetar direta-mente 18 empresas privadas con-tra as quais a procuradoria-geral instaurou dois processos adminis-trativos por alegado envolvimento na rede de corrupção na Petrobras.No âmbito deste escândalo, estão também sob investigação 50 políti-cos, na sua maioria da base de apoio a Dilma Rousseff, e entre os quais o tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT), João Vaccari, por supostas manobras para con-seguir dinheiro da Petrobras para as campanhas do partido no poder.

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‘Leviatã’: a longa tragédia da sociedade russa

EURICO DE BARROS

Os media, com a televisão à cabeça, têm o mau hábito de reduzir uma obra de arte a um estereótipo, sim-plificando-a numa frase ou numa etiqueta para consumo colectivo e retirando-lhe assim a riqueza, os significados e a complexidade. A mais recente vítima desta tendên-cia é “Leviatã”, a quarta longa-me-tragem do cineasta russo Andrei Zyvagintsev, que chega hoje a Portugal rotulado como “o filme anti-Putin”.Nada mais confrangedor e re-ducionista do que limitar a um libelo contra o actual ocupante do Kremlin o que é na realidade

– a corrupção de alto a baixo e do centro às periferias, a tirania ten-tacular do Estado, a promiscuidade da Igreja Ortodoxa com o poder, os vasos comunicantes deste com o mundo do crime, o peso da buro-cracia e a força dos tiranetes locais,

Mais do que um mero libelo “anti-Putin”, o filme “Leviatã”, de Andrei Zyvagintsev, é uma história feia e bruta sobre os atavismos políticos, culturais e sociais da Rússia, da corrupção ao fatalismo.

o país quando ainda se chama-va União Soviética, e a seguir no pós-comunismo. O leviatã do siste-ma sobrevive aos seus líderes, e resta aos governados disparar con-tra os seus retratos, para cevar toda a raiva, revolta e impotência que os amarfanha por dentroEste filme de Andrei Zyvagintsev é, no entanto, mais explicitamente

“contra” o regime do que a sua obra de estreia, o magnífico e enigmati-camente alegórico “O Regresso”, que revelou o cineasta ao mundo vencendo o Festival de Veneza em 2003. Bem como a sua realização anterior, “Elena” (2011), que, pela subtileza na descrição das desigual-dades e injustiças da actual socie-dade russa, alguns poderão com

Um filme sobre os trágicosatavismos culturais, políticos e sociais da Rússia.

a impotência do cidadão comum perante a arbitrariedade pública, o embrutecimento da sociedade pela bebida, o fatalismo da sociedade civil –, que Zyvagintsev ilustra at-ravés de história sobre a eterna im-potência do cidadão russo perante a arbitrariedade estatal, perante o peso e a força de um monstro. Um leviatã que já se chamou czarismo e depois comunismo, e que se man-tém com as roupagens de um novo regime, com novas caras e a mes-ma velha indiferença e prepotência para com as pessoas comuns.Putin é apenas mais um, aquele que controla o monstro nesta al-tura, como o realizador mostra na sequência em que o protagonista e a sua família e amigos vão fazer um piquenique de aniversário na natureza, que consiste essencial-mente em beber vodka e fazer tiro ao alvo. Primeiro, a garrafas da bebida nacional, depois às fotogra-fias dos homens que lideraram

toda a legitimidade preferir a este mais óbvio e demonstrativo “Levi-atã” (são claros os paralelos feitos por Zyvagintsev com a narrativa bíblica de Job, só que no final do filme, o seu herói, Kolia, em vez de ser recompensado pelo sofrimento que lhe foi infligido, é ainda mais implacavelmente martirizado).Ironicamente, o realizador foi in-spirar-se num facto real ocorrido em 2004 nos EUA (revoltado con-tra a Câmara Municipal da cidade onde vivia na sequência de um contencioso sobre terrenos, um homem meteu-se num tanque, de-struiu vários edifícios públicos e depois suicidou-se) para escrever, com Oleg Negin, “Leviatã”, que ganhou o Prémio de Melhor Ar-

gumento no Festival de Cannes, o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e esteve candidato ao Óscar na mesma categoriaKolia (estupendo Aleksei Sere-bryakov), um mecânico, vive e tra-balha numa casa com vista para o Mar de Barents, que pertence à sua família há várias gerações. O mafi-oso presidente da câmara local co-biça o terreno e procura expropriar Kolia e a família manipulando a polícia e os tribunais e obrigando-o a aceitar uma indemnização ridícu-la, para, suspeita este, construir uma mansão luxuosa para si ou especular no mercado imobiliário com os seus capangas do meio da construção civil. Kolia recorre a um velho amigo e camarada da tro-pa, Dimitri, advogado em Moscovo. Este recorre aos seus conhecimen-tos na capital, compila um dossier com todos os podres do autarca, e confronta-o com ele. Só que nem este se deixa intimidar, como tam-bém Dimitri se envolve de forma

imprudente com a mulher de Ko-lia. E tudo o que pode acontecer de mau, acontece.A Rússia que Andrei Zyvagintsev aqui filma é uma terra de homens e mulheres corruptos, desesperados, comprados ou resignados, onde a revolta é um gesto inútil que a máquina da burocracia, o peso do dinheiro ou a violência dos poder-osos se encarregam de neutralizar, e onde toda a gente bebe vodka até ao entorpecimento.Mais do que um filme pessimista,

“Leviatã” é um filme fatalista. E é um fatalismo pesado, ancestral, enraizado, profundamente russo, sem solução nem redenção, muito embora o realizador tenha dito que queria que “Leviatã” fosse também entendido como “uma parábola universal” sobre a batalha do in-divíduo contra a omnipotência do Estado. Só que na Rússia essa batalha continua, século atrás de século, regime após regime, a ser trágica e repetidamente inglória.

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Ciganos do Alentejo numa exposição em Nova Iorque

O artista francês Pierre Gonord fotografou os últimos ciganos nómadas do Alentejo e os respetivos animais ao estilo de retratos pictóricos do barroco. A exposição está agora em Nova Iorque.

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EURICO DE BARROS

Já não é a primeira vez que Pierre Gonnord, fotógrafo francês com residência em Madrid, se dedica a fotografar comunidades marginal-izadas de forma quase pictórica, a fazer lembrar retratos em tela do século XVII ou XVIII. Fê-lo em vilas isoladas de França e Espanha, na América do Sul, com membros da yakuza, no Japão, com jovens sem-abrigo, cegos, agricultores ou mineiros por toda a Europa.Para este trabalho, contudo, Gon-nard veio até território nacional. Inserido numa residência no âm-bito da Trienal no Alentejo, com

quem colabora em vários proje-tos, o artista explorou a fronteira raiana junto a Portalegre e en-controu nos ciganos nómadas do Alentejo as personagens perfeitas para The Dream Goes Over Time (originalmente Au-Delà du Tage).Mais uma vez, e à imagem do seu trabalho anterior, Gonnard assina uma coleção de retratos íntimos com um estilo pictórico muito acentuado, não só dos membros da comunidade da região mas tam-bém dos respetivos animais. O fo-tógrafo deparou-se com a família, pela primeira vez, quando estes

se deslocavam a bordo de uma carroça a caminho do seu acampa-mento. Viajou e conviveu com eles durante semanas até ganhar con-fiança e afeto suficientes para os poder fotografar, sendo que muitos deles nunca sequer tinham visto uma câmara até aí. Depois de já ter sido mostrado em 2013, em Évora, no âmbito da Trienal e em 2014 no Centro Andaluz de Fotografia, o trabalho atravessa o Atlântico e chega agora a Nova Iorque: está patente na galeria Hasted Kraeut-ler até 25 de abril.

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Imagens raras deMarilyn Monroevão a leilão

Cópias de fotografias de “A Última Sessão” e de outras tiradas por um amigo da atriz vão ser leiloadas no próximo dia 10 de março. Uma oportunidade para quem é fã da loira mais famosa de Hollywood.

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ANA CRISTINA MARQUES

Bert Stern, que faleceu em 2013, não foi o primeiro homem a fo-tografar Marilyn Monroe, mas foi um dos últimos. Foi em junho de 1962 que o fotógrafo e a atriz norte-americanos se encontraram e se fecharam num quarto de ho-tel, em Los Angeles, durante três dias. O objetivo? Registar aquelas que seriam as últimas fotografias profissionais da estrela que nas-ceu Norma Jeane Baker — as im-agens ficaram conhecidas, muito a propósito, como “A Última Sessão”. Pouco tempo depois, Marilyn apa-recia morta.

Recordada a lição de história/cul-tura, a notícia: um conjunto de impressões, incluindo das referi-das fotografias, vai ser leiloado no próximo dia 10 de março no Estado norte-americano do Texas, na Her-itage Auctions Texas. Espera-se an-gariar, cerca de 70 mil euros.

As imagens ficaram conheci-das, muito a propósito, como“A Última Sessão”.Pouco tempo depois, Marilyn aparecia morta.

Nas imagens de “A Última Sessão” – que fizeram uma pequena ex-cursão a Portugal em 2011, numa exposição temporária a ocupar a Fundação D. Luís I, em Cascais — é possível encontrar uma Marilyn sedutora, à semelhança do que sempre foi, mas também real. Ru-gas de expressão que a idade fez por vincar, poros da pele em evi-dência e até a cicatriz de uma oper-ação à vesícula fazem parte de um registo artístico invulgar permitido pela estrela de Hollywood. Há fo-tografias marcadas a caneta ver-melha, marcas dos negativos que a própria atriz rejeitou com um xis, na altura.

Neste caso, a loira posa sobre a areia de uma praia californiana e mostra um lado mais brincalhão

— entre outras fotografias a preto e branco registadas no interior de uma casa. As fotos de Barris desti-navam-se a um livro sobre a estrela de 36 anos que ficou em suspenso depois da sua trágica morte.

Mas há também cópias de fotogra-fias raras tiradas um mês depois de Stern, escreve o jornal britânico Telegraph. O fotografo de serviço foi, desta vez, o amigo próximo da atriz, George Barris, homem que Marilyn conheceu quando estava a trabalhar no filme de 1955, O Peca-do Mora ao Lado.

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Risotto de bacalhau

No Masterchef Austrália chamam ao risotto “o prato da morte”, mas Teresa Rebelo, do blogue Lume Brando, ajuda-o a sair vivo do desafio.

TERESA REBELO

Quando tinha aí uns três ou quatro anos, o meu filho mais velho cham-ava arroz maroto ao arroz malan-dro. Sempre que penso em risotto, lembro-me desta associação patus-ca, não só pela rima mas também porque o risotto pode revelar-se bem maroto na hora de o cozin-har. Não é à toa que no Masterchef Austrália o risotto é considerado o

“prato da morte”: fazer e apresentar um risotto irreprovável, cremoso, nem demasiado ensopado nem de-masiado seco ou demasiado cozin-hado, é um dos desafios que mais faz tremer os concorrentes.

Felizmente, a nossa cozinha não é o estúdio do Masterchef. Nela po-demos cozinhar sem cronómetro. Podemos ter amigos ao pé e um copo de vinho na mão. O risotto é o prato ideal para conviver en-quanto se cozinha: os braços vão-se revezando e temos a certeza de que estamos todos quando ficar no ponto. E se por algum motivo não sair perfeito, não há críticas do Matt Preston, nem desafio de elim-inação. Há é uma nova desculpa para nos juntarmos outra vez.

Num grelhador ou frigideira an-ti-aderente, cozinhe 4 fatias de bacon até estarem bem tostadas e crocantes. Retire-as e reserve-as sobre papel de cozinha.Leve ao lume uma panela com água onde colocou os lombos de bacal-hau, a cenoura descascada e parti-da às rodelas, o alho francês lavado e partido em pedaços, dois dentes de alho esmagados, uma cebola descascada partida ao meio, a folha de louro, metade do ramo de salsa e um fio de azeite. Deixe ferver e cozinhar até o bacalhau começar a lascar, o que deve ser muito rápido, uns 5 minutos desde que começa a ferver. Retire o bacalhau para um prato e deixe arrefecer até conse-guir lascá-lo. Reserve.Coe a água onde cozeu o bacalhau, que deve perfazer cerca de 1,3 li-tros. Prove este caldo, retifique de sal se for necessário e mantenha-o quente. Entretanto leve a refogar num fundo de azeite a outra cebola

e três dentes de alho, tudo picado, e ainda as restantes fatias de ba-con partidas em pequenos pedaços. Deixe alourar e junte o arroz para risotto. Deixe fritar um pouco, mexendo sempre. Adicione o vinho branco e mexa até evaporar. A par-tir daqui vá juntando aos poucos o caldo onde cozeu o bacalhau, mex-endo sempre e juntando mais cal-do sempre que já tiver evaporado. Deve demorar cerca de 25 minutos, em lume médio, até o grão do ar-roz ficar cozinhado al dente e pode ser que não precise de usar todo o caldo.Quase no final da cozedura, junte as lascas de bacalhau, a restante salsa picada e metade do queijo ralado.Retifique o sal se necessário, e tem-pere com pimenta preta acabada de moer. Envolva bem e retire do lume. Sirva com mais queijo da Ilha ralado e o bacon tostado par-tido em pedacinhos.sottoRi Risotto de bacalhau para quatro pessoas

2 lombos de bacalhau8 fatias de bacon320 g de arroz para risotto1 cenoura2 cebolas5 dentes de alho1 folha de louro1 talo de alho francês1 ramo de salsa1 copo de vinho branco120 g de queijo da Ilha raladoAzeite qbSal qbPimenta preta qb

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É um dos mais antigos writers portugueses, dá pelo nome de Odeith e destaca-se pelo seu trabalho

anamórfico, que joga com perspetivas para fazer o graffiti saltar do muro, quase literalmente.

TIAGO PAIS

Quem está atento às paredes que o rodeiam, em Lisboa, já deverá, com certeza, ter reparado aqui e ali em trabalhos com a assinatura de Sérgio Odeith, um dos writers mais antigos e conhecidos da cidade, cujo trabalho há muito saltou fron-teiras — é possível encontrar obras suas em cidades como Londres, Dubai, Nova Orleães ou Abu Dhabi.Contudo, só mais recentemente é que o mundo (pelo menos o ciber-nético) tem vindo a despertar para o talento de Odeith, como o pro-vam menções e aparições recentes nos sites Bored Panda, Laughing Squid, Fubiz, From Up North ou Demilked, entre outros. Tudo isto num espaço de pouco mais de dois meses. E a que é que se deve toda esta atenção? A uma das vertentes do seu portfólio, o chamado tra-balho anamórfico.Usando duas ou mais paredes e

o chão, Odeith consegue criar a ilusão de que o que pinta está a sair da parede e a flutuar sobre o solo, como se fosse um objeto tri-dimensional. Este tipo de técnica não é propriamente novidade para o writer, que a usa há cerca de dez anos. Mas como em tudo na vida, claro, tem vindo a aperfeiçoá-la e alguns dos últimos exemplos (que pode ver na fotogaleria, entre out-ros) são inacreditáveis, no sentido literal do termo.

Odeith, o artista português que faz o graffiti saltar do muro