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artigo 1. O aparecimento; 2. O que é valor mobiliário?; 3. Valor mobiliário ou tüulo de crédito?; 4. Efeitos de comércio e valores mobiliários; 5. Valor mobiliário; 6. Alcance, limitações e exclusões. o conceito de valor mobiliário* Ary Oswaldo Mattos Filho Professor pleno na Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getulio Vargas;mestre em direito pela Universidade de São Paulo e pela Harvard Law School; doutor em direiso pela Universidade de Stfo Peulo; visiting scholar; Harvard Law School, "When I use a word", Humpty Dumpty said in a rether scomful tone, ''it means just what I choose it to mean - neither more nor less. " "The question is", said Alice, "whether you can make words mean $0 many diferent things. " "The question is", said Humpty Dumpty, "whicb is to be master - That 'sali. " Lewi« Corroi. Trough the looking glass, capo 6 1. O APARECIMENTO Historicamente, temos que os valores mobiliários - pa- péis ligados aos títulos de crédito - remontam à época em que a sociedade urbana européia se tomou mais comple- xa, principalmente no que diz respeito à necessidade de transporte rápido e seguro de dinheiro de uma praça para outra. Tais papéis antecedem aos bancos de emissão e suce- dem à criação da moeda na Europa. Aos doutrinadores aculturadospela via européia é comum a atribuição do nascimento dos títulos de crédito aos centros financeiros do norte da hoje Itália, ou a alguns centros franceses. Na. realidade, a Europa redescobre os títulos de crédito a partir dos séculos XIV ou XV, 1 isto devido a dois fatos que impediam a maior aceleração das transações mercan- tis: o entesouramento e a segurança no transporte de dinheiro. O primeiro fato decorria da circunstância de que as moedas eram cunhadas em ouro, prata, cobre e outros metais não-preciosos. Porém, desde aquela época, os europeus já costumavam guardar as moedas de ouro e prata, circulando somente as outras inferiormente valo- radas. Tal comportamento, além de representar a descon- fiança no governo que colocava o dinheiro em circula- ção, acarretava grande dificuldade para finalizar transa- ções que envolvessem grandes somas, ou seja, aquelas que exigissem moedas de maior valor como as de ouro ou prata. Assim, reduzia-se o meio circulante e diminuía- se a capacidade operacional dos empresários da época. A segunda situação que também conspirou para o aparecimento dos títulos de crédito foi a necessidade de transporte de grandes somas entre cidades (fator seguran- ça), bem como a grande variedade de moedas que eram transacionadas num mesmo local (fator comodidade). Finalmente, deve ser agregado que as operações mercan- tis não eram necessariamente terminadas com a efetiva- ção do pagamento à vista, fato que, através das opera- ções a termo, gerou a necessidade de documento que desse vida legal à transação; documentos estes que passa- ram, posteriormente, a ser suscetíveis de negociação por terceiros não-envolvidos na transação original, na medida em que se passou a admitir a cessão dos créditos, inde- pendentemente da relação mercantil dos quais se origi- nara. Assim, a evolução se deu do escambo ao surgimento da moeda, desta ao crédito pela criação de papéis que o documentassem. Tal processo culmina com o apareci- mento do crédito mais sofisticado de então, com o apa- recimento dos bancos de emissão ou dos papéis represen- tativos de quantias em ouro ou prata, emitidas por ouri- ves e comerciantes de metais preciosos. Porém, qualquer que fosse a forma, tudo se resumia a diferentes formalizações de operações de.crédito? Em virtude de tais fatos históricos, foi necessária a recriação de .ínstrumento jurídico que facilitasse a transmissão dos direitos, bem como à circulação do crédito. Tal ins- trumento consubstanciou-se no aparecimento da cam- bial, dentre outros títulos surgidos à época. De lá para cá, os instrumentos circulatórios de cré- dito e de direito evoluíram de acordo com as necessida- des do ato empresarial. Porém, a circulação do crédito, independentemente da responsabilidade do cessionário na circulação dos direitos, ganha força na medida em que se toma instrumento mais ágil,já que, em tal situação, o crédito passa a valer por si mesmo, independentemente da imperfeição existente na relação jurídica anteriormen- te ocorrida. Enfim, nasce a autonomia do crédito conti- da no título." A autonomia dos direitos cartulares teve outro gran- de impulso com a recriação do endosso, na França do século XVI, que partindo da permissão de um único endosso evoluiu até o endosso em branco." Com a criação da cambial transferiu-se o direito; com o endosso transmitiu-se o título. Ambas as figuras foram fundamentais para a aceleração da velocidade de Rev. Adm. Empr. Rio de Janeiro, 25 (2): 37-51 abr ./jun. 1985

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artigo1. O aparecimento;

2. O que é valor mobiliário?;3. Valor mobiliário ou tüulo de crédito?;

4. Efeitos de comércio e valores mobiliários;5. Valor mobiliário;

6. Alcance, limitações e exclusões.

o conceito de valor mobiliário*

Ary Oswaldo Mattos FilhoProfessor pleno na Escola de Administração de Empresas deSão Paulo, da Fundação Getulio Vargas;mestre em direitopela Universidade de São Paulo e pela Harvard Law School;

doutor em direiso pela Universidade de Stfo Peulo; visiting scholar;Harvard Law School,

"When I use a word", Humpty Dumpty saidin a rether scomful tone, ''it means just what I

choose it to mean - neither more nor less. ""The question is", said Alice, "whether you

can make words mean $0 many diferentthings. "

"The question is", said Humpty Dumpty,"whicb is to be master - That 'sali. "

Lewi« Corroi.Trough the looking glass, capo 6

1. O APARECIMENTO

Historicamente, temos que os valores mobiliários - pa-péis ligados aos títulos de crédito - remontam à época emque a sociedade urbana européia se tomou mais comple-xa, principalmente no que diz respeito à necessidade detransporte rápido e seguro de dinheiro de uma praça paraoutra.

Tais papéis antecedem aos bancos de emissão e suce-dem à criação da moeda na Europa. Aos doutrinadoresaculturadospela via européia é comum a atribuição donascimento dos títulos de crédito aos centros financeirosdo norte da hoje Itália, ou a alguns centros franceses. Na.

realidade, a Europa redescobre os títulos de crédito apartir dos séculos XIV ou XV, 1 isto devido a dois fatosque impediam a maior aceleração das transações mercan-tis: o entesouramento e a segurança no transporte dedinheiro.

O primeiro fato decorria da circunstância de que asmoedas eram cunhadas em ouro, prata, cobre e outrosmetais não-preciosos. Porém, desde aquela época, oseuropeus já costumavam guardar as moedas de ouro eprata, circulando somente as outras inferiormente valo-radas. Tal comportamento, além de representar a descon-fiança no governo que colocava o dinheiro em circula-ção, acarretava grande dificuldade para finalizar transa-ções que envolvessem grandes somas, ou seja, aquelasque exigissem moedas de maior valor como as de ouroou prata. Assim, reduzia-se o meio circulante e diminuía-se a capacidade operacional dos empresários da época.

A segunda situação que também conspirou para oaparecimento dos títulos de crédito foi a necessidade detransporte de grandes somas entre cidades (fator seguran-ça), bem como a grande variedade de moedas que eramtransacionadas num mesmo local (fator comodidade).Finalmente, deve ser agregado que as operações mercan-tis não eram necessariamente terminadas com a efetiva-ção do pagamento à vista, fato que, através das opera-ções a termo, gerou a necessidade de documento quedesse vida legal à transação; documentos estes que passa-ram, posteriormente, a ser suscetíveis de negociação porterceiros não-envolvidos na transação original, na medidaem que se passou a admitir a cessão dos créditos, inde-pendentemente da relação mercantil dos quais se origi-nara.

Assim, a evolução se deu do escambo ao surgimentoda moeda, desta ao crédito pela criação de papéis que odocumentassem. Tal processo culmina com o apareci-mento do crédito mais sofisticado de então, com o apa-recimento dos bancos de emissão ou dos papéis represen-tativos de quantias em ouro ou prata, emitidas por ouri-ves e comerciantes de metais preciosos.

Porém, qualquer que fosse a forma, tudo se resumiaa diferentes formalizações de operações de.crédito? Emvirtude de tais fatos históricos, foi necessária a recriaçãode .ínstrumento jurídico que facilitasse a transmissãodos direitos, bem como à circulação do crédito. Tal ins-trumento consubstanciou-se no aparecimento da cam-bial, dentre outros títulos surgidos à época.

De lá para cá, os instrumentos circulatórios de cré-dito e de direito evoluíram de acordo com as necessida-des do ato empresarial. Porém, a circulação do crédito,independentemente da responsabilidade do cessionáriona circulação dos direitos, ganha força na medida em quese toma instrumento mais ágil,já que, em tal situação, ocrédito passa a valer por si mesmo, independentementeda imperfeição existente na relação jurídica anteriormen-te ocorrida. Enfim, nasce a autonomia do crédito conti-da no título."

A autonomia dos direitos cartulares teve outro gran-de impulso com a recriação do endosso, na França doséculo XVI, que partindo da permissão de um únicoendosso evoluiu até o endosso em branco."

Com a criação da cambial transferiu-se o direito;com o endosso transmitiu-se o título. Ambas as figurasforam fundamentais para a aceleração da velocidade de

Rev. Adm. Empr. Rio de Janeiro, 25 (2): 37-51 abr ./jun. 1985

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circulação da moeda e, conseqüentemente, do aumentoda economia européia de então. Criou-se, portanto, umdireito abstrato que se deslocou da relação original quelhe deu causa, tal como a primitiva compra e venda, ou oanterior câmbio de moedas. O título passa a valer por si,sem se prender à relação jurídica an terior, sendo tal cria-ção o instrumento fundamental para agilização dos negó-cios mercantis dos séculos XVI e XVII.

2. O QUE É VALOR MOBILIÁRIO?

O que é valor mobiliário? Certamente, dentre as tarefasárduas acometidas ao direito, merece destaque a necessi-dade de sua conceituação.

De um lado, ela se impõe como fronteira demarcató-ria da abrangência e atuação do direito inerente ao "va-lor mobiliário". De outro, servirá para definir o campode atuação governamental na regulamentação do uso detal instrumental como forma de capitalização de empre-sas através do acesso ao público detentor de poupança.Ou seja, a conceituação não visa somente saber o que évalor mobiliário, mas também delimitar o campo deatuação dos órgãos do poder executivo federal encarre-gados de normatizar e incentivar o seu uso. Daí decorreque o objeto de estudo serão os valores mobiliários sus-cetíveis de serem ofertados ao público, já que estes po-dem também ser emitidos porém indisponíveis ao públi-co ou mercado. Na medida em que se consiga conceituaro que seja valor mobiliário e no que consista "ir ao mer-cado", uma parte substancial da tarefajá estará vencida.

Para que a expressão "valor mobiliário" aparecessedentro de nosso sistema legal foi necessário que percor-resse um longo caminho, que se iniciou com a criação doBanco Central do Brasil, em 1964, e que se corporifica,um ano após, através da Lei n? 4.728/65, com a atribui-ção a ele concedida para disciplinar e desenvolver omercado de capitais, seguindo a política traçada peloConselho Monetário Nacional.

Conquanto a Lei n? 4.728/65 fosse pródiga na utili-zação da expressão "títulos ou valores mobiliários", nun-ca se ocupou em conceituá-la.! Tal fato não trouxemaior transtorno dada a incipiência do mercado, querpelo pequeno volume de valores mobiliários ofertados,quer pelo número reduzido das sociedades que coloca-vam valores mobiliários junto ao público. Entretanto, apartir de 1969, o mercado de valores mobiliários começaa apresentar um crescimento bastante acentuado, o qualvem a ser um dos fatores que motivaram a alteração dalegislação das sociedades por ações bem como, e princi-palmente, o nascimento da Comissão de Valores Mobi-liários em 1976.6

A lei criadora da Comissão de Valores Mobiliáriosnão poderia impunemente repetir o expediente seguidopela Lei n? 4.728/65 de se utilizar da expressão valormobiliário sem conceituá-la, sob pena de a Comissão nãoter definido seu campo de atuação. Entretanto, o legis-lador não desconhecia a dificuldade que outros paísesvinham encontrando para dar uma conceituação adequa-da. De outro lado, é de extrema relevância frisar o fatopolítico pelo qual o legislador reduziu o campo de com-petência da Comissão de Valores Mobiliários somenteaos títulos emitidos pelas sociedades anônimas, já que

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o Banco Central do Brasil, por problemas de estrutura depoder, se opunha à criação desta última.

Da divisão de competências resultou que os valoresmobiliários emitidos pelas sociedades anônimas e oferta-dos ao público são fiscalizados pela Comissão de ValoresMobiliários, bem como também a ela está adjudicada apolítica de estímulo para o desenvolvimento deste mer-cado. Já ao Banco Central do Brasil continuam afeitasa normatização e a fiscalização dos valores mobiliáriosque, não sendo emitidos pelas sociedades anônimas, se-jam ofertados ao mercado.

Em virtude das duas dificuldades apontadas - a con-ceitual e a da divisão de competências - o legislador de-finiu valor imobiliário, na Lei n? 6.385/76, exemplifica-damente, sendo estes as ações, partes beneficiárias edebêntures; bem como o subproduto de tais valores mo-biliários, que expressamente são os cupões de tais títu-los, os bônus de subscrição e os certificados de depósitode valores mobiliários.

Porém, se de um lado o legislador não quis criar umcampo de atuação específico à Comissão de Valores Mo-biliários, de outro, não se sentiu encorajado a conceituaro que fosse valor mobiliário. A saída encontrada foi pos-tergar tal solução para um futuro que a lei supôs distan-te. Dentro de tal contexto é que o art. 2? da Lei n?6.385/76, depois de considerar valor mobiliário, sujeitoà Comissão de Valores Mobiliários, as ações, debêntures,partes beneficiárias e seus subprodutos, dispôs que a elacompetiria também normatizar sobre outros títuloscriados ou emitidos pelas sociedades por ações: a critériodo Conselho Monetário Nacional.

Do até aqui exposto temos que ao Banco Centralcompete a normatização e fiscalização de todos os valo-res mobiliários que não aqueles acometidos à Comissãode Valores Mobiliários. A esta coube, grosso modo, ocampo delimitado pelos títulos emitidos pelas sociedadesanônimas. A Lei n? 6.385/76 delegou, entretanto, poderao Conselho Monetário Nacional para colocar dentro docampo de abrangência da Comissão de Valores Mobiliá-rios outros títulos emitidos pela sociedade por-ações.

A conceituação de valor mobiliário, portanto, énecessária para que se saiba sobre o que o Banco Centraldo Brasil normatiza. Também, ela é relevante para limitaro poder do Conselho Monetário Nacional de considerarvalor mobiliário algo que intrinsecamente não seja..

Ao nível conceitual, duas são as principais tendên-cias quanto â caracterização dos valores mobiliários. Atradição européia continental usualmente opta por defi-nir o que é um valor mobiliário; já o direito norte-ame-ricano tentou listar, à exaustão, os títulos que preen-cham a condição de valor mobiliário. A diferença mar-cante é que, neste último caso, o poder judiciário norte-americano tem um papel de extrema relevância na carac-terização do valor mobiliário. Tal situação ocorre dada apeculiaridade do sistema legal anglo-saxôníco, no qual ojuiz fundamentalmente constrói suas decisões baseadoem precedentes, dos quais, agregado ~ legislação vigente,extrai a sentença e, como conseqüência, o direito vigente.

No Brasil a situação ficou extremamente interessan-te, na medida em que somos um país estruturado na sis-temática da lei escrita e codificada. Tal método, oriundoda grande influência entre nós exercida pelos direitosportuguês, francês, alemão e italiano, concede pouco

Revista de AdminiltraçIJo de Emprellfls

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poder criativo ao poder judiciário, o qual, como regra,está jungido à lei e não aos precedentes judiciais. Tallógica jurídica deverá ser confrontada com o amplocampo de construção jurisprudencial que as vigentesleis societária e de valores mobiliários abrem ao poderjudiciário brasileiro. De outro lado, com a tentativa deseguir o modelo norte-americano de perto, bem comopara tentar obviar alguns entraves iniciais, a lei delegouà Comissão de Valores Mobiliários, ao Banco Centraldo Brasil e ao Conselho Monetário Nacional a discutívelcapacidade de criar obrigações ou alterá-las através deatos administrativos.

Ou seja, a sistemática brasileira, constante da Lein96.385/76, optou por listar alguns valores mobiliá-rios emitidos por sociedade anônima, deixando a capa-cidade para aumentar o elenco por ato do ConselhoMonetário Nacional. Tal soluçao, entretanto, apenasadiou o problema, na medida em que:

a) não define o que seja valor mobiliário, para efeito denormatização e fiscalização do Banco Central do Brasil;

b) não dá qualquer parâmetro para jungir ao ConselhoMonetário Nacional na criação de algo que realmente

• seja valor mobíliãrio.

Por tais motivos é que é imperativa a estruturaçãoconceitual do que seja valor mobiliário.

3. VALOR MOBILIÁRIO OU TITULO DE CREDItO

Se de um lado, como já foi visto, a lei não define o queseja valor mobiliário, de outro o próprio termo é razoa-velmente novo quanto ao seu uso na legislação brasileira.Em nosso sistema legal inexiste o conceito de valormobiliário, porém na doutrina este conceito aparececomo pertencendo ao tronco dos títulos de crédito. Emtal classificação, os valores mobiliários ora são parte dostítulos de crédito propriamente ditos, ora são classifi-cados como títulos de crédito impropriamente ditos.Assim, por exemplo, as ações seriam títulos de créditoimpróprios e as notas promissérias ou commercialpapers títulos próprios.

Tal divisão dos títulos de crédito tem sua origemno direito italiano, o qual exerceu enorme influência emnossos doutrlnadores ..Ocorre que, com o advento da leique normatizou o mercado de capitais, o termo ''valormobiliário", muito embora não definido nem classifi-cado, adquiriu foro de cidadania, o qual foi definitiva-mente estabelecido. com a criação da Comissão deValores Mobiliários.

Como já foi notado, vislumbra-se um novo emba-raço, haja vista. que o emprego da expressão valoresmobiliários é utilizado. pelos direitos francês, belga,inglês, norte-americano.? enquanto toda a tradição bra-sileira é construída em função dos títulos de crédito.

Tal posição pode ser entendida historicamente namedida em que o valor mobiliário, como instrumento decapitalização das empresas, pelo acesso à poupança dopúblico em geral, só começou a ter vida própria a partirdo fim da década de 60. Ou seja, os títulos de crédito

Valor mobilidrio

próprios e impróprios tiveram sua tradição montada so-bre a matriz das cambiais, a qual, não necessariamente,será permanentemente válida para as alterações que seproduziram e continuarão a se produzir na práticaempresarial.

Disto resulta que é necessário confrontar o concei-to de título de crédito com o de valor mobiliário paraver se é possível a construção de um sistema mais ajus-tado â atual realidade jurídica brasileira. Para tanto, po-rém, é preciso que anteriormente ao confronto exami-nemos as duas posições em separado para, depois, emcontraste com a construção anglo-saxônica, vermos dapossibilidade de extrairmos conceitos próprios.

A razão de ser da emissão de um título de créditoé a materialização documental do direito obrigacionalcreditício nele inscrito. Neste contexto o título carac-teriza-se:

a) pela integralidade da obrigação, ou seja, a obrigaçãoexistente é a expressa no documento, não se conside-rando a relação preexistente ã sua emissão;

b) pelo fato de o direito do credor, portador do título,independer da relação entre o credor anterior e o de-vedor.

Da conceituação decorre que são elementos funda-mentais na caracterização do título a literalidade da obri-gação e a autonomia do direito dos sucessivos credores.

Uma vez caracterizado o título de crédito, restouaos doutrinadores a difícil tarefa de demarcar o campode abrangência, ou seja, quais títulos seriam suscetíveisda caracterização como "títulos de crédito"." Nestabusca demarcatória não é inverídico se afirmar que ahistória dos títulos de crédito, na doutrina brasileira, sedivide em antes e após Cesare Vivante. Antes dele oscomentadores se cingiam ao Código Comercial que sereferia a papéis de crédito, sem qualquer sistematizaçãorazoável. Coube a Vivante o mérito de tentar construira teoria unitária dos títulos de crédito, segundo a qualtodos os títulos nominativos, ao portador ou à ordem,seriam dotados de caracterfsticas comuns. A eleganteconstrução parte da definição segundo a qual o "títulode crédito é o documento necessário para se exercitar odireito literal e autônomo que nele é mencíonadov.? Talcolocação, que ã época foi bastante aplaudida como nosconta o próprio Vívante.!" pressupõe que o elementoessencial, qual seja, a circulabilidade autônoma do direi-to que do título emana, exista em função de ser estenão só um instrumento de pagamento mas, principal-mente, um instrumento de crédíto.!'

Vivante dividiu os títulos de crédito em quatro ca-tegorias distintas, a saber: os títulos de crédito propria-mente ditos, títulos de crédito que servem para a aqui-sição de direito real, títulos de crédito atribuitivos daqualidade de sócio e títulos de crédito que dão direitoà prestação de servíço.P

Porém, nota-se que toda a teoria dos títulos decrédito foi composta em função de seu mais antigo e,à época, mais importante membro, qual seja a letra decãmbío.P Tal construção, que já mereceu reparos noque diz respeito às ações emitidas por sociedades anô-

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iilmas," também, hoje em dia já não resolve a proble-mática criada pela emissão dos títulos de massa.

No mundo empresarial italiano, à época de Vivante,se pensava no título de crédito como algo de emissãorestrita ou de quantidade relativamente pequena. Ofenômeno associativo, então já plenamente desenvol-vido no mundo anglo-saxônico, era restrito na culturalatina do século passado. Hoje, entretanto, o acesso àpoupançaprivada, em conseqüência do desenvolvimentodo mercado de capitais, criou a possibilidade de emis-sões bastante volumosas, quer dos títulos de crédito pró-prios, como as debêntures, quer dos impróprios, como asações.

O aumento dos "credores" da relação obrigacionaloriunda do direito cartular retirou parcialmente a auto-nomia que originalmente se concebeu como caracterís-tica fundamental dos títulos de crédito. A relação ori-ginária, nos títulos de massa," pode, em determinadascircunstâncias, ser alterada sem consentimento do cre-dor, através de uma decisão majoritária ocorrida emassembléia geral de acionistas ou de debenturistas. Ouseja, a relação cartular não é literal e a relação obriga-cional pode ser alterada sem a vontade do credor. Passaa inexistir a literalidade do título e, em algumas hipó-teses, nem mesmo a cartuJa necessita existir para que odireito se materialize .16

De outro lado, os títulos emitidos por uma socieda-de, quer aqueles de participação, quer os de emprésti-mo, bem como os subprodutos destes, resultam de umcontrato, que será ou o contrato social, no caso dasações, ou a escritura de emissão, na hipótese de debên-tures. Tal situação contraria a teoria dos títulos decrédito, segundo a qual o direito autônomo, oriundo dapromessa cambial, é entendido como um ato unilateraldo subscritor, e não uma obrigação oriunda de vínculocontratual entre o emitente e o tomador.

Assim, quer em relação às ações, de maneira especí-fica, quer aos títulos de emissão em massa, em geral, aconstrução da teoria dos títulos de crédito, toda elabaseada no desenvolvimento histórico das cambiais,passa a sofrer uma incompatibilidade ao analisarmos oconceito de valor mobiliário. Tal inadequação é maispatente ao estudarmos os certificados de depósito, aação escritural, o bônus de subscrição etc., em face daestrutura vivanteana e dos requisitos formais para aexistência do título de crédíto.!"

A construção vivanteana é tentativamente reade-quada por seu discípulo Túlio Ascarelli, para o qual aemissão dos títulos de massa já era uma realidade pal-pável. Para ele, os títulos de massa seriam aqueles deemissão a longo prazo e relacionados com as bolsas devalores. Tal construção, que denota a tentativa de ade-quar a teoria a uma realidade cambiante, tem comopedra basilar o prazo de emissão do título. Ora, as de-bêntures, que pela doutrina brasileira são caracterizadascomo títulos de crédito, podem ser emitidas a prazosvariáveis. De outro lado, quando a Comissão de ValoresMobiliários pensou em permitir a emissão de commercialpapers pelas sociedades anônimas, estava possibilitandoa emissão de títulos a curto prazo. Ou seja, o prazo éirrelevante para qualquer classificação, visto que depen-de da vontade dos emitentes e tomadores.P

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Também é inservível a distinção feita entre os tí-tulos de massa e os singulares, segundo a qual os primei-ros se caracterizariam pela emissão de muitos títulos,sujeitos a uma regulamentação comum e emitidos emuma única operação.'? Primeiro, porque "muitos",segundo a expressão utilizada por Túlio Ascarelli, nãoé reveladora. Segundo, porque um comprador podeemitir "muitas" notas promissórias a um mesmo ven-dedor, com a cláusula de impossibilidade de descontodas mesmas; neste caso, embora muitos títulos de cré-dito tenham sido emitidos, não se criou um título demassa. Isto porque título de massa deve levar em con-sideração a massa de tomadores e não o volume detítulos emitidos. Tal fratura conceitual deve-se ao apegoteórico, segundo o qual o instituto jurídico dos títulosde crédito só pode ser examinado em face da circulaçãodos direitos, e nunca em relação ao fenômeno do crédito.

Com o aparecimento, na legislação brasileira, daexpressão "valores mobiliários", os doutrinadores pas-saram a se preocupar em estabelecer definições maisatualízadas.P' Na conceituação volta-se ao exame dadoutrina francesa, que, como já foi apontado, se utilizada expressão valor mobiliário, e segundo a qual este seriao título de crédito negociável, representativo do direitode sócio ou mútuo, a longo prazo, chamado também detítulo de bolsa, muito embora nem todos os títulossejam em bolsa negociados. 21 Tal conceituação é trans-crita com ressalvas tendo em consideração que nãonecessariamente o prazo longo seja revelador de umacategoria distinta, nem o fato de o título ser negociadofora de bolsa o descaracterize como valor mobiliãrio.

Como foi apontado, a individualidade caracteriza-dora dos títulos de crédito, para alguns autores, seria ovolume de títulos emitidos; para outros, seria o prazoque medeia entre a emissão e o resgate. Como já vimos,tais categorias não servem para demarcar o campo carac-terizador do valor mobiliário. Uma terceira hipóteseapontada= seria a condição de fungibilidade dos valoresmobiliários, situação não-encontrãvel nos títulos decrédito. Assim, todos os títulos emitidos em massa, porserem fungíveis, seriam valores mobiliários; a contrariosensu, todos os títulos não-fungíveis, mesmo que emi-tidos em grande quantidade, seriam títulos de crédito.Aceito que a fungibilidade é o elemento caracterizador,temos que a debênture classicamente catalogada comotítulo de crédito poderá passar à categoria dos valoresmobiliários; e as ações ao portador, não-custodiadas,sejam consideradas títulos de crédito, se não dotadasda característica da fungibilidade. Parece, entretanto,que a fungibilidade pode ser um dos critérios, mas nãoo critério que distinga o valor mobiliário de outra cate-goria de bens, visto ser a fungibilidade uma categoriafuncional que aproveita a outros valores que não so-mente os mobíliãrios.P' A quarta possibilidade distin-tiva dos valores mobiliários, em face dos títulos de cré-dito, seria a caracterização dos últimos como instru-mento de pagamento ou de prestação, e aos primeiroscomo títulos de investimento.ê" O que resulta claro daanálise das tentativas classificatórias dos valores mobi-liários, que agora se começa a fazer, é que o grau de in-certeza é muito superior ao desejável. 2S A incertezaadvém da tentativa de compatibilização de duas estru-turas distintas. De um lado, o conceito e categorização

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dos títulos de crédito existente e peculiar ao sistemalegal italiano, e por nós copiada ou absorvida na primeirametade deste século. De outro lado, o conceito de valormobiliário constante das sistemáticas jurídicas francesae, principalmente, norte-americana, por nossa legislaçãoabsorvido a partir da segunda metade da década de 60.Ou seja, se de um lado existe a dificuldade conceitualde per si, de outro a absorção de dois sistemas incom-patíveis entre si resultou num desgastante, porém inútil,esforço de compatibilização conceitual. Se a classifi-cação abrangente dos títulos de crédito, desenhada uni-tariamente por Vivante, é incompatível com as classi-ficações contemporâneas dos sistemas jurídicos não-italianos, temos que o mais sensato será abandonar total-mente a camisa-de-força que voluntariamente continua-mos a vestir.

4. EFEITOS DE COMERCIO EVALORES MOBILIÁRIOS

O direito francês subdividiu a categoria italiana dos títu-los de crédito em dois grandes subgrupos -'- a saber, ados effets de commerce e a dos valeurs mobitiéres, am-bas pertencentes ao grupo maior dos titres négociables.Há que se notar, entretanto, que os doutrinadores fran-ceses, diferentemente dos italianos, não se preocupamem definir a categoria maior dos títulos negociáveis,mas sim a das subespécies. Com tal procedimento oprocesso de classificação aparentemente fica mais suave,tendo em vista que os títulos podem tentar se acomodarem duas categorias distintas, nenhuma delas consideradaagasalhadora de "títulos impróprios".

Entretanto, a doutrina francesa vincula o conceitode valor mobiliário ao de título associativo ou de em-préstimo a longo prazo. De outro lado, parte da doutri-na agrega ao critério temporal a necessidade de cotaçãoem bolsa de valores." As duas hipóteses, que poderiamser verdadeiras há algumas décadas, hoje se mostram in-válidas em face da realidade negocial. Pela lei brasileira,a debênture é um valor mobiliário e muito embora, emsua origem, tenha sido desenhada como um título deempréstimo a longo prazo, a realidade financeira estáfazendo com que. tais valores sejam emitidos com prazode vencimento não-longo. De outro lado, categorizarcomo valor mobiliário somente aqueles títulos cujanegociação ocorra em bolsa é ignorar o mercado debalcão que transaciona ações de empresas cujo porteeconômico ainda não é suficiente para que suas açõessejam negociadas nas grandes bolsas de valores." Asbolsas surgem para dar maior facilidade e liqui dez atransações de valores mobiliários já existentes. Ou seja,o valor mobiliário preexiste ao surgimento das bolsasde valores.

A dupla categorização, de efeitos comerciais e valo-res mobiliários, é acrescida de uma terceira espécie, ados títulos concretos.ê" Como hipótese de trabalho,temos que efeitos comerciais são títulos negociáveisque conferem um crédito incondicional de soma de di-nheiro, em virtude de seu estatuto jurídico, como ins-trumento de pagamento ou de crédito (letra de câmbioendossável, o cheque nominativo ou ao portador, etc.).Os títulos concretos são títulos negociáveis, oriundos deum contrato, em virtude do qual os títulos são emitidos

Valor mobiliário

ou a ele se referem; mas que, uma vez colocados em cir-culação, conferem a seu titular um direito próprio (oconhecimento marítimo, o warrant etc.). Finalmente,os valores mobiliários são títulos negociáveis destinadosa permitir a colocação de capitais, emitidos globalmente,em montante previamente fixado, e que conferem di-reitos idênticos dentro da mesma série (ações, partesbeneficiárias, etc.)."

A dificuldade desta divisão é que as letras de câmbiosão mais utilizadas como instrumento de crédito do quecomo documento de pagamento. Com o desenvolvi-mento de atividades negociais como a de factoring, queentre nós recebeu o nome de "faturamento", o des-conto de letras de câmbio e duplicatas irá passar a serum instrumento de investimento se visto do lado dopoupador. Assim, com o desenvolvimento do mercadode capitais, vários títulos, que historicamente são classi-ficados como efeitos comerciais, passam a se compor-tar, na realidade negocial, como títulos negociáveis quepermitem a colocação de capitais, porém não necessaria-mente em série, de igual valor, remuneração ou prazo devencimento. O que está ocorrendo é que o mercado fi-nanceiro, ao alargar o seu leito tradicional de relaciona-mento entre o empresário e o banqueiro, cria novos to-madores de risco, que são os detentores de poupançadisponível e que se encontram no campo diferenciadodo mercado de capitais.

Aceita a premissa de que a teoria dos títulos de cré-dito não se coaduna, em boa parte, com o desenvolvi-mento ocorrido no mercado de capitais e, de outro lado,tem grande dificuldade de compatibilização com o ter-mo valor mobiliário, temos que a sistemática franco/bel-ga, se bem que mais acurada, também não vem conse-guindo manter Sua inteireza. Isto porque não é verda-deira a afirmação de que há uma perfeita distinção entreos campos dos effets de commerce e dos valeurs mobi-lieres; bem como, também não é real apontar comocategorias absolutamente distintas a divisão entre osnegociable instruments e as securities dos direitos inglêse norte-americano.

Como já foi mencionado, os effets de commercepodem ser considerados valores mobiliários, dependendoda forma como venham à-luz.30 Assim, se forem emiti-dos como instrumentos de investimento e crédito, enão como forma de pagamento, poderão estar adentran-do o campo dos valores mobiliários, mesmo que o mer-cado que se crie para sua liquidez não seja o de bolsa.Claro está que instrumentos de pagamento, como o che-que, dificilmente poderão pertencer ao mundo do direi-to como valor mobiliário. De outro lado, os negociableinstruments, que equivalem aos effets de commerce,sao papéis emitidos por empresas e suscetíveis de seremcomercializados.:" Porém, os negociable instrumentsnão dificilmente são considerados securities ou valoresmobiliários. Ou seja, os effets de commerce, bem comoos negociable instruments poderão transmudar-se emvaleurs mobiliêres, ou em securities, caso sejam emitidoscomo instrumentos de crédito, e não mais de pagamento.Mesmo nestes sistemas legais, o mundo do valor mobi-liário é cambiante e hoje crescente às custas dos efeitoscomerciais ou papéis negociáveis.

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Talvez a sistematização fique mais fácil se dividir-mos os títulos em:

a) instrumentos de pagamento, não necessariamentenegociáveis e emitidos para extinguir débitos;

b) instrumentos de investimento, suscetíveis de seremnegociados, qu~ visam, por parte do tomador, a obten-çao de recursos.

Assim, mais do que diferenças estruturais, há apossibilidade de se encontrarem variáveis funcionais. Aclassificação funcional, em servindo a seu propósito, étão válida quanto a estrutural." Historicamente, vemosque a evolução dos títulos não tem sido tão rápida quan-to a ampliação do mercado no qual são utilizados ounegociados. O surgimento dos títulos de crédito, valoresmobiliários, effets de commerce, não importa qual acategorização que se dê, objetivou acelerar a circulaçãode bens e serviços, quer através de instrumentos de paga-mento, quer por intermédio de papéis de crédito. Emambas situações a estrutura dos títulos continua razoa-velmente a mesma; no correr do tempo, o que mudouradicalmente foi o acesso ao prestador de poupança, namedida em que a "banca", tomada no sentido italianorenascentista da palavra, perdeu o monopólio do crédito.

Os títulos continuaram estruturalmente os mesmosmas funcionalmente passaram a atuar em avenidas bemmais largas. Em tal contexto, é forçoso concluir que osvalores mobiliários, inclusive na sistemática. jurídicabrasileira, devem ser examinados no contexto funcionalem que os mesmos atuam. Agregue-se a tal proposta ofato de que a Comissão de Valores Mobiliários, quandode sua criação, no momento em que os valores mobiliá-rios foram objeto de nova legislação, aceitou, como ou-tros sistemas jurídicos conhecidos, a estruturalidade dostítulos existentes," colocando, entretanto, sua jurisdi-ção sob a ótica da distinção funcional.

Mas se a distinção entre títulos de investimento etítulos de pagamento pode ser feita em razão da funcio-nalidade, fica ainda sem resposta o que caracteriza ocomportamento do título dentro de uma ou outra cate-goria. Ou seja, o que é valor mobiliário?

5. VALOR MOBILIÁRIO

A necessidade da conceituação do que seja valor mobi-liário, como foi apontado anteriormente, só aparece emfunção de não se poder prescindir da demarcação dopapel do Estado neste campo. Caso não houvesse a Co-missão de Valores Mobiliários, nem regulasse o BancoCentral, ou qualquer outro órgão governamental, o aces-so ao mercado de capitais seria indiferente à existênciaou não do conceito. Tal situação ocorre somente porqueo Estado, por intermédio da legislação e posterior fisca-lização, tenta fundamentalmente criar condições de pro-teção e de eqüidade na informação fornecida ao mer-cado. O rnercad.o írregulado prescinde do conceito, jáque este se destina a estabelecer a fronteira a partir daqua~ a regulamentação estatal começa a ser exigida.AsSIm, qualquer .conceituação de valor mobiliário emfunção de sua funcionalidade, deve partir do ponto noqual o Estado quer intervir na realidade econômica, qual

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seja, a proteção do investidor. Historicamente, assim ofoi com o Bubble Sea Act34 na Inglaterra, as leis de 1933e 1934 nos EUA, a primeira regulando o lançamentoprimário e a segunda, entre outras coisas, criando a Secu-rities and Exchange Commissíon, ou com as criações, noBrasil, do Banco Central do Brasil e da Comissão deValores Mobiliários. .

Se a situação apontada é verdadeira, temos quequanto mais dramática tenha sido a causa necessáriapara a criação do órgão estatal regulamentador das tran-sações, tanto maior será a abrangência do termo valormobiliário, bem como mais severas serão suas normas.Neste contexto, a legislação norte-americana, por sobre-vir à crise financeira de 1929, é a que prevê uma das for-mulações mais abrangentes. Tal situação deve ser anali-sada de perto, quer pelo volume de estudos e trabalhoslá já feitos, quer, principalmente, porque a legislaçãobrasileira, neste aspecto, tem no direito norte-americanosua indubitável fonte de referência.

Também nos EUA a complexidade do conceito devalor mobiliário evoluiu de acordo com a sofisticaçãodo mercado. No início, as legislações estaduais lembra-vam muito as normas hoje vigentes em boa parte dospaíses que normatizam o mercado de valores mobiliá-rios. A primeira legislação que veio a püblíco " dizia queas companhias de investimento não podiam venderações, obrigações ou "outros valores mobiliãrios dequalquer outro tipo ou característica", sem que anteshouvesse o registro junto à autoridade estadual compe-tente. Assim. o conceito de valor mobiliário abrangia asações e obrigações emitidas pela empresa ibondsi, sendoo remanescente da frase destinado a apanhar hipótesesnão vislumbradas pelo legislador, mas que eventualmente-viessem a ocorrer. Tal situação só veio a se modificar em1919, quando a lei de valores mobiliários de Illinoisadotou a sitematização de itemizar, da maneira maisdetalhada possível, as hipóteses nas quais poderia apare-cer alguma espécie de valor mobílíarío." Por motivosjá mencionados, a crise de 1929 veio a dar o elementopolítico necessário para que o recém-eleito PresidenteRoosevelt, três meses após sua posse, visse aprovada al,ei federal que passou a obrigar o registro prévio, juntoa. Federal Trade Commission, dos valores mobiliários queViessem a ser ofertados ao público. Tal lei. internacional-mente conhecida como Act of 1933, baseou-se na con-ceituação de valor mobiliário existente nas legislaÍõesa nfvel estadual, também chamadas Blue Sky Laws. 7 Apresunção era a de que a lei federal viesse a complemen-tar as legislações estaduais, com elas atuando harmônicae independentemente. Neste sentido, a conceituação devalor mobiliário adotou a regra de itemizar as hipótesesoperacionais nas quais apareceria o valor mobíliãrio.f" Oelenco, além de estar contido em frase cansativamentelonga, procurou esgotar as possibilidades de negóciosnas quais determinada situação pudesse vir a caracte-rizar a hipótese de algum valor mobiliário.

Mas mesmo a prolífica e repetitiva redação não eví-to~ que o legislador criasse hipóteses não-específicas,deixando a caracterização de sua abrangência comota.refa do .poder judícíãrío." Para agravar a situação, alei postenor, também conhecida como Act of 1934compleme?tando a legislação de 1933, alterou as hipó~teses previstas como valor mobiliário por acréscimos e

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exclusões.'? Mas mesmo a listagem exaustiva não impedeque os juristas norte-americanos considerem a caracte-rização do valor mobiliário uma das tarefas mais difíceise ainda inacabada."

Do até aqui examinado resta que há necessidade daconceituação de valor mobiliário para se traçar o campode intervenção do Estado. Tal conceito tem que ser omais nítido possível para dar ao cidadão a certeza de seuentendimento e alcance. Mas não poderá ser uma normaque não tenha elasticidade suficiente, de tal sorte quenão consiga apanhar os negócios do mercado de capitaisque, por semelhantes ao previsto na legislação, venhamcolocar o investidor e o mercado em risco. Deve-se tam-bém atentar ao fato de que todo valor mobiliário é uminvestimento, mas nem todo investimento se representapor um valor mobiliário. A solução que parece maisviável para se sair desta aparente contradição será a deexaminarmos as características mais visíveis do valormobiliário.

Finalmente, teria de se atentar ao fato de que acaracterização dos elementos que constituem um valormobiliário poderá ser utilizada nos casos mais comple-xos, mas não necessariamente naqueles em que o surgi-mento deste seja insuscetível de dúvidas, tais como asações, as debêntures e as partes beneficiárias. Se olhar-mos para a origem histórica da criação da proteção doinvestimento em valores mobiliários, veremos que, maisremotamente, esta surge na crise provocada na França ena Inglaterra com a quebra da South Sea Company, di-rigida por John Law, cuja falência resultou na ediçãodo Bubble Act inglês. Mais recentemente, coma crisede 1929 determinando a quebra de grandes empresasfinanceiras e industriais, chegou-se às leis de 1933 e1934 nos EUA. O que fica parente é que o princípio daproteção se origina como uma reação aos fatos que cau-saram prejuízos ao público investidor, pela aquisição deações emitidas por sociedades anônimas que posterior-mente vieram a ruir. Tal fato leva em conta que paravários instrumentos de conteúdo e características pró-prias, já bem sedimentadas a nível teórico e jurispru-dencial, não há discussão quanto à inclusão na catego-ria dos valores mobiliários. Assim, ações, debêntures,partes beneficiárias, enfim, todos os títulos contidos nalista da lei criadora da Comissão de Valores Mobiliáriostêm conteúdo próprio e normalmente não serão contes-tados quanto à sua classificação. Ocorre, entretanto,que dificilmente o legislador poderá prever todas ashipóteses nas quais o valor mobiliário irá aparecer. Aimaginação humana é mais ágil e anárquica do que oordenamento legislativo, não dando chance à pretensãoconstante dos juristas de criar a lei perene no tempo,por ter sido ela elaborada de forma perfeita e abrangen-te. Na legislação norte-americana, a sensação de futuradificuldade se manifestou quando a listagem dos valoresmobiliários subordinados à autorização governamentalse utilizou de frases vagas, tais como "contratos de in-vestimento", "contratos de participação de lucros",etc. Também deve ser levado em consideração que algunsvalores mobiliários, que não ações, debêntures ou par-tes beneficiárias, podem já estar regulamentados atravésde outro órgão da administração direta ou indireta. Naocorrência de tal situação, dever-se-ia resistir ao impulsoburocrático de criar duplo ou tríplice controle sobre omesmo ato, fato ou empresa. Como conseqüência, te-

Valor mobiliário

mos que as características discutidas adiante são amplas,na medida em que têm por finalidade abranger os inves-timentos hoje comumente praticados, em função da pro-teção ao investidor manifestada através da obrigatorie-dade no fornecimen to de um volume de informaçõescompatível e suficiente à decisão do risco a ser ou nãoser assumido.

5.1 Contribuição para o investimento

o que o investidor dá para participar de determinadoempreendimento normalmente se traduz pela entregade dinheiro. Entretanto, pode haver contribuição não-pecuniária, sem que tal fato venha a descaracterizar ovalor mobiliário. O que o investidor coloca é dinheiroou bem suscetível de avaliação; caso contrário, seriadifícil, senão impossível, estabelecer a proporcionali-dade na participação no eventual lucro do investimento.Não tem, portanto, sentido limitar as contribuiçõessomente a dinheiro como tez a primeira decisão daSuprema Corte norte-americana que conceituou o queseja valor mobilíarío.P Claro está que na grande maio-ria das transações ela se opera pela entrega de dinheirodo investidor; entretanto, há situações nas quais há en-trega de trabalho, por exemplo, em troca do recebi-mento de valor mobiliário, como ocorre em algumasnegociações salariais. Também poderá haver a compra devalor mobiliário sem a entrega de qualquer valor mone-tário ou outro qualquer, na medida em que o investi-mento seja feito a crédito.

5.2 Empreendimento comum

A idéia inicial é que o investidor entrega dinheiro, oubem pecuniariamente avaliável, para que este seja geridopor terceiro, com alguma ou nenhuma participação doinvestidor na gestão do empreendimento. Muito embora,na maioria das vezes, as situações não sejam tão meridia-namente claras, temos de um lado o investidor e de ou-tro o gestor, sendo o valor mobiliário ou o contrato oelo jurídico que os liga. Normalmente, o empreendi-mento comum se manifesta na existência de uma pessoajurídica, que emite ou entrega os valores mobiliários naproporção dos investimentos recebidos. Porém, a inexis-tência de pessoa jurídica não descaracteriza o valor mo-biliário. É indiferente que este último seja emitido outenha suas obrigações nascidas de uma pessoa jurídicaou física; o que é relevante é a existência do interessecomum no sucesso do empreeendimento. Assim, o fun-damento da comunhão é a existência de interesse eco-nômico interligado juridicamente. Porém, a expressãoempreendimento comum não significa que ambos exer-çam as mesmas funções ou o mesmo grau de controlesobre o investimento. Originariamente se entendia que ovalor mobiliário seria caracterizável se o lucro adviessedo esforio exclusivo de terceiro que não o próprio in-vestidor. 3 Posteriormente, entretanto, se verificou aexistência de valor mobiliário, em cuja transação o in-vestidor passa a ter uma parcela de influência na tenta-tiva de obtenção do lucro. Tal ingerência pode ocorrernos negócios de licenciamento (franchise), no qual olucro depende das excelências do produto licenciado,bem como da assistência técnica que o licenciador dá;porém, não será valor mobiliário se o resultado se ori-

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ginar, também, do imprescindível esforço positivo dolicencíado para que o empreendimento prospere. A par-tícipação direta fica mais visível no caso dos investimen-tos a termo, nos quais o investidor decide diretamentesobre o momento propício para a eventual realizaçãodo lucro, levando em consideração as futuras flutuaçõesde mercado. Em ambas as hipóteses, o esforço não foiexclusivamente de terceiro para que o lucro surgisseTal situação, entretanto, não é descaracterizadora dapresença de um valor mobiliário.

Se a participação do investidor não descaracterizavaa existência de um valor mobiliário, a inexistência doterceiro que irá procurar produzir o lucro pelo investi-mento feito poderá fazer com que inexista o valormobiliário, muito embora tenha ocorrido um investi-mento. Assim, uma pessoa pode investir em diamantes,obras de arte, etc., na expectativa de sua valorizaçãono mercado. Em tais situações, não há que se falar naexistência de valor mobiliário, muito embora seja o in-vestimento feito em um bem móvel. Este passaria a exis-tir se o pintor oferecesse à venda cotas de participaçãono resultado da venda de seu futuro quadro; ou se ovendedor de diamantes oferecesse à subscrição de parteideal de um diamente, ou no lote de diamantes, na buscade luco futuro. O investimento não pode ser consideradoisoladamente elemento caracterizador mas, usualmente,deve ser confrontado com as outras características,inclusive com a existência de terceiro gestor do investi-mento alheio. Mesmo se considerarmos os mercados nãoà vista, quer o de títulos, quer o de marcadorias, taiscorno contratos futuros, opções, índices, etc., veremosque existe o empreendimento comum. Nos mercadosnão à vista o lucro eventual do investimento dependerádo sucesso do papel ou da mercadoria em época futura.Tal acontecimento irá depender do comportamento domercado à vista, à época do vencimento do contrato, oqual, por sua vez, será reflexo do sucesso ou não da em-presa ou da mercadoria transacionada. Mesmo os merca-dos mais etéreos como os de índices de ações estão rela-cionados com cotações futuras, as quais estarão depen-dendo do comportamento do mercado à vista à épocado vencimento, o qual, por sua vez, deverá refletir asituação da empresa, bem como outros fatores comoinvestimentos alternativos e fatos políticos relevantes.Porém, se ignorarmos momentaneamente os intermediá-rios, veremos que em todas as hipóteses nas pontas ini-cial e final do negócio há sempre o empreendimentocomum.

5.3 Expectativa de lucro

A compra de um bem a título de investimento se carac-teriza pela expectativa de lucro, distinguindo-se, portal situação, da simples compra para consumo. A mais-valia obtida por esforço próprio, e destinada ao seu con-sumo, não caracteriza um valor mobiliário; este, nãoimporta se emitido ou não, é resultante da expectativade obtenção de lucro por parte do investidor, o qual semanifestará através do juro, do dividendo, ou de qual-quer outra forma que signifique um acréscimo real aomontante inicialmente aplicado. Se o investimento éde risco, não tem sentido falar somente em lucro, jáque este é incerto. Desta forma, não será a ausência de

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dividendo que descaracterizará a ação como valor mobi-liário, nem o juro de qualquer título de crédito, oferta-do ao público, é que irá restringir sua qualidade de valormobiliário. Porém, a expectativa de lucro, como elemen-to isolado, não pode ser levada em consideração paracaracterizar ou não o valor mobiliário. A previsão delucro tem que existir, mas sozinha não é característicasuficiente. A expectativa terá que se manifestar pelaesperança de receber dinheiro ou bem que em dinheiroseja valorável, como novas ações por capitalização delucros, ações por conversão de debêntures, resgate decommercial paper, por entrega de produtos, etc. Se aexpectativa de lucro é elemento essencial à caracteri-zação do valor mobiliário, teremos que necessariamenteexplorar o sentido da palavra "lucro". Este deve ser oexcesso recebido ou que se tenha direito a receber,além do capital inicialmente aplicado. O lucro, então,para sua caracterização, pode ou não ser recebido peloinvestidor; mas, se não o for, deverá haver alguma de-monstração legal do seu incremento patrimonial. Porém,se o lucro do investimento se materializar por uso oufruição de alguma coisa, ou algum bem ou facilidade,não haverá, de forma necessária, a materialização dolucro, nem a emissão de um novo valor mobiliário queo represente, mas haverá a mais-valia oriunda do inves-timento feito. Assim, temos que o lucro pode manifes-tar-se pela percepção de dinheiro, bens de consumo,outros valores mobiliários que representem o acréscimopatrimonial eventualmente havido, bem como o lucroque se manifesta não fisicamente, mas pelo uso ou frui-ção oriundo de direito previamente contratado e resul-tante de investimento de risco feito. Neste contexto,lucro deve ser entendido como benefício econômicooriundo de um contrato de investimento de risco, sendoirrelevante que ele seja distribuído ou não, fixo ouvariável.

5.4 Caracterização do empreendimento

Não é relevante para a caracterização de um valor mobi-liário o nome com o qual este venha ao mundo. O querealmente importa é a substância do negócio jurídico eseu fundamento econômico. Assim. a compra de umimóvel dificilmente será caracterizável como sendo aaquisição de um valor mobiliário. Entretanto, se a aqui-sição do imóvel é acompanhada. obrigatoriamente. daassinatura de um contrato pelo qual o administrador seresponsabiliza pela locação do imóvel. dando garantiamínima de retomo, enfatizando o lucro do empreendi-mento como um bom investimento, temos que a carac-terística do negócio começa a mudar sua substância.Não é porque o empreendedor afirme que está ofere-cendo ações, que, automaticamente, o papel será consi-derado valor mobiliário. Da mesma sorte, qualquer queseja a denominação que se dê, deverá ser consideradovalor mobiliário se preenchidas as condições intrínsecasdo título.44 Tão importante como determinar como sevende, é termos claro o que se vende, já que se podemoferecer ao público unidades de imóveis. ou ações deuma empresa, na qual os imóveis foram capitalizados.Seria somente a forma suficiente para circunscrevertodo o aparato estatal de proteção ao investidor? Creioque não. Aqui ter-se-á que utilizar um outro elemento,qual seja, quem está produzindo a mais-valia. Se ambos

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compram um imóvel para especular mas um deles confiana valorização natural do mercado, não há que se falarem valor mobiliário. Entretanto, se o outro adquirenteconfia no trabalho de terceiro para que a mais-valia seproduza, então um dos elementos caracterizadores dovalor mobiliário surge. Já estará preenchendo a condi-ção de investidor em valor mobiliário aquele que adqui-re uma quota em terreno, para a incorporação e vendafutura de apartamentos. Mas haveria distinção de trata-mento se a venda da cota fosse feita durante a constru-ção e a revenda do imóvel após o "habite-se"? Parece-me que sim, na medida em que, após a conclusão doprédio, não se está vendendo algo que, para sua valori-zação, dependa do esforço de terceiro, mas somente daevolução do mercado imobiliário.

Pelos mesmos motivos que validaram a conclusãoatravés da análise econômica do fato, somos levados aafirmar que, se determinada oferta é feita para subscri-ção de um bem que denominam "ação", mas não preen-che nenhuma das características do título, não poderáo mesmo ser considerado como tal. Se, além do mais,não preencher as características de outro valor mobiliá-rio, muito embora denominado "ação", tal não será.

5.5 Contrato de risco

A possibilidade de perda econornrca é característicarelevante do investimento de risco. De outro lado, estese materializa quando o investidor depende total ouparcialmente da ação ou inação daquele que, ao tomar ocapital de risco, fez materializar de alguma forma o valormobiliário. Assim, contrato de risco é o ponto de partidapara a eventual obtenção do lucro.

Há que se distinguir o risco comercial do risco deinvestimento. Isto porque, na medida em que todo equalquer ato ou fato detenha um risco potencial, temosque não faz parte do mundo dos valores mobiliários orisco comercial, oriundo, por exemplo, do não-paga-mento de uma duplicata, da emissão de cheque semsuficientes provisões, do não-pagamento de uma notapromissória emitida para garantir empréstimo bancário,etc. O risco do investimento em valor mobiliário, dife-rentemente da incerteza comercial, decorre de o mesmose originar de um contrato no qual o investidor assuma orisco de tinanciador, risco este que poderá resultar naperda parciaI ou total do montante investido; ao passoque o risco cornercíal é aquele oriundo da falta de paga-mento, que não decorra de investimento, mas de aquisi-ção para consumo ou transformação e revenda. Tal dis-tinção, muito embora não fácil, é crucial para a caracte-rização e proteção do valor mobiliário, na medida emque o investidor é quem sofre a perda do investimento,enquanto o puro promotor do negócio, em nada per-dendo, irá tentar sua sorte mais adiante. Esta é a razãopela qual, no investimento comercial, o investidor tomaposse do bem para que este seja explorado por seu pró-prio dono, enquanto no investimento de risco a explo-ração é feita fundamentalmente por terceiro, com ousem a participação ou assessoria do próprio investidor.

Assim como a definição de valor mobiliário é umaquestão fática, a localização do tomador do risco tam-

Valor mobiliário

bém o é, e deve ser determinada pelas circunstâncias decada caso. Ao utilizar-se de análise de risco deve ficartransparente que, levando em consideração a situaçãoconcreta, desde que a oferta tenha sido feita na tentativade obtenção do capital de risco e que o perigo de perdatenha sido transladado ao público, que, além do mais, oinvestidor se tome financiador do empreendimento, teráele direito à proteção que a lei confere aos investidoresem valores mobiliários. O investidor propicia o capital eparticipa do eventual lucro; o empreendedor adminis-tra, controle a opera o empreendimento. O investidorestá amarrado à sorte do empreendimento, correndopassivamente o risco da perda de substância econômicade seu.investimento.

5.6 Controle do empreendimento

Como foi anteriormente mencíonado..» pressuposto éque o investidor não controle o empreendimento noqual seus recursos foram investidos. Assim, o debenturis-ta não tem poder de 'gestão e o preenchimento de suaexpectativa financeira depende diretamente do sucessodo tomador dos recursos. E esta a situação que gera oaparecimento do papel regulador do Estado, dada ainexistência, em maior ou menor grau, do poder dedecisão do investidor sobre seu investimento. Se o in-vestidor é .protegido pela legislação é porque ele não seencontra em condições de, sozinho, obter todas as in-formações necessárias para analisare regular o risco doinvestimento. Após a entrega dos recursos, a título deinvestimento de risco, o tomador é que passa a comandara ação, Assim sendo, temos que é característica do valormobiliário, em diferentes graus de intensidade, a ausên-cia de controle do investidor sobre o empreendimento.Pode ser mencionado que o acionista ou o debenturistateriam controle sobre seus investimentos através desuas deliberações tomadas em assembléia. Entretanto,tal posicionamento confunde o poder de voto com agestão empresarial. O acionista pode, em havendoquorum, remover o administrador, mas o ato de aplica-ção dos recursos recebidos como investimento é com-petência da administração e não das assembléias; emassim sendo, o investidor não tem controle direto sobreo empreendimento no qual tenha feito seu' investimento,mas, através de mecanismos legais, pode ter controleindireto e, quase sempre, posteriormente à prãtíca do ato.

Porém, qualquer que seja a hipótese, fica claro queo objetivo principal do investidor é a expectativa de ob-tenção de lucro através do esforço de terceiro, qual seja,o administrador. Se visível a passividade do investidor,esta, entretanto, não será sempre absoluta; a variaçãocrescente da interferência fará com que se confunda namesma pessoa o ato de investir com o de gestão. A estesa lei não protege, já que a coincidência do ato de investire administrar o investimento faz com que os elementosde fornecimento de informações, dever de diligência,etc., desapareçam. Nenhum investidor poderá alegar quefoi prejudicado por si próprio, enquanto administradorde seus próprios investimentos, com isso buscando inde-nização de si próprio. Diferentemente da passividade doinvestimento de risco, no investimento comercial o atode investir na compra de determinada coisa, bem como nouso, encontram-se sujeitos a uma relação unitária do ad-

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ministrador envolvendo recursos próprios da empresa derisco."

5.7 Materialização do valer mobiliário

Preexistem ao valor mobiliário as figuras potenciais doinvestidor e do tomador de recursos. Uma vez ocorrida aaplicação do investimento, este gera direitos e obrigaçõespara ambas as partes, os quais podem ou não se corpori-ficar em algum tipo de documento representativo da re-lação jurídica existente. Diferentemente dos títulos decrédito, os direitos e deveres, oriundos da relação jurí-dica, não se materializam necessária e automaticamenteem um título ou de um título. Pelo contrário, a relaçãooriunda do investimento de risco não necessita nem mes-mo que o título seja emitido, para o que direito se mani-feste. Também as alterações dos direitos não dependem,necessariamente, da autonomia da relação jurídica. Estaspodem ser suscetíveis de alteração pela manifestaçãomajoritária expressa em assembléias se o valor mobiliáriofor emitido em massa, gerando direitos equivalentes so-bre um mesmo patrimônio.

5.8 Falta de especialização

Usualmente, quando se assina um contrato de investi-mento, o administrador é quem detém o conhecimentoespecializado que, pela gestão dos recursos do investidor,irá produzir o lucro almejado por ambos. A falta deconhecimento ou de especialização do investidor gera apossiblidade de investimento, sem que este tenha conhe-"Cimento do mercado onde seus recursos estão sendoinvestidos. A nível do investidor, desde que legalmentepossível, tanto faz que os recursos sejam aplicados emum ou outro tipo de investimento, desde que haja o retor-no esperado. E em face desta falta de conhecimento, ounão-vontade de querer conhecer, que é colocado o inves-tidor na situação mais frágil do contrato de investimen-to, e o administrador do investimento na posição deagente fiduciário. A legislação existe para proteger o in-vestidor em função, inclusive, do desconhecimento doramo de atividade no qual investiu seus recursos.

Pelos elementos analisados já se pode concluir quedeterminado título de crédito, em certa circunstância,será um valor mobiliário, em outra não. Assim, a notapromissória dada em garantia pela compra de um bemnão será valor mobiliário; porém, se o mesmo título foremitido como forma de capitalização de um investimen-to, passará à categoria dos valores mobiliários. Disto re-sulta que para os títulos de crédito vale a forma jurídicarígida, condição sem a qual dificilmente poderá haverliteralidade e autonomia. Já para os valores mobiliários,vale a realidade econômica que está motivando o ato e aele é subjacente; e se tal motivação for a busca das pou-panças individuais, estaremos adentrando o campo dosvalores mobiliários. O fator relevante é a natureza daparticipação do investidor no. empreendimento; para suaanálise deve-se superar a forma pela realidade econômica.Ou seja, não só a caracterização do instrumental ofere-cido, mas também o motivo da distribuição e o apeloque se faz ao investidor.

Tal constatação, que certamente chocará os juristasestruturados no conceito formal dos títulos de crédito,

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tem maior significado na medida em que se busca apa-nhar realidades distintas, mutáveis e, por isso mesmo, deconseqüências diferentes. O fenômeno social que a normatende a apanhar é o crescimento de disponibilidades fi-nanceiras que são constantemente bombardeadas pelaspropostas dos tomadores dos recursos disponíveis. Aoinvestidor o Estado oferece a proteção do registro pré-vio, do fomecimento de informações detalhadas, da fis-calização das contas e dos atos. É a este mundo, que nãoestá sujeito só ao acordo privado de vontades, que per-tencem os valores mobiliários ofertados ao público.

A caracterização, além dos pontos anteriormentesublinhados, tem como pano de fundo a proteção social,cenário este que não interfere tão fortemente no mundodos títulos de crédito de conteúdo eminentementeprivatístico. Isto porque os valores mobiliários objetosda atenção do Estado são aqueles que, na realidade, sãocontratos de investimento ofertados indíscrimínadarnen-te ou não ao público poupador. Neste ponto, mantidoo mesmo conceito de valor mobiliário adiante mencio-nado, ocorre a bifurcação quanto ao destinatário ou in-vestidor. Ou eles são objeto de colocação privada ou sãoofertados ao público em geral. A distinção entre ambosnão é objeto do presente estudo, mas deve ser mencio-nada, já que são etapas de um mesmo processo. Histori-camen te, o mais tradicional e antigo dos valores mobiliá-rios, a ação, mesmo quando ofertado ao público, dispu-nha de certas regras obrigatórias, contidas na lei societá-ria, que visavam resguardar o interesse desprotegido doinvestidor. Assim, as leis societárias européias então vi-gentes, das quais o nosso estatuto de 1940 se beneficioupreviam uma série de mecanismos protetores que visa-vam o fornecimento obrigatório de informações e garan-tias ao acionista investidor. Com tal intuito criou-se todoum aparato de visibilidade dos atos, através da obrigato-riedade de se publicarem atas de reuniões, balanços, edi-tais de convocação, etc. A par de tais providências, osdireitos dos acionistas estavam bem mais fortementemarcados na lei do que em outros tipos societários. To-dos estes mandamentos nasceram porque, desde longadata, entende-se a sociedade anônima como a estruturasocietária apta a buscar recursos junto ao público inves-tidor. O porquê da incompatibilidade entre o desejadoe o que ocorreu na realidade brasileira é tema que extra-vasa o objetivo do aqui discutido, porém releva acentuarque, diferentemente das legislações societárias da Europacoa tinental, os EUA, por peculiaridades históricas, de-senvolveram legislações societárias estaduais que compe-tiram para atrair empresas para serem incorporadas emseus territórios, tendo como incentivo a frouxidão de re-gras e deveres das empresas e suas administrações paracom os acionistas investidores. Em função de tais situa-ções, bem como pelas ofertas para venda de ações emestados da Federação distintos do lugar da incorporação,é que surgiram, no início do século, os primeiros órgãosde con trole .específico dos valores mobiliários mais tra-dicionais, independentemente das obrigações exigidas pe-las leis societárias.

O segundo passo fundamental é que a agressívídadeempresarial, aliada à imaginação pragmática e não-for-malística, fez com que os órgãos de controle dos Estadosampliassem a fiscalização aos títulos ofertados ao públi-,

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co como forma de capitalização de empreendimentos.Ou seja, quer pelo leque de investimentos oferecidos,quer pelo tamanho do mercado, quer, finalmente, pelapouca severidade das leis societárias estaduais, criaram-seos organismos estatais de controle de atos e divulgaçãode informações. Neste ponto, o modelo norte-americano,que virá mais tarde a se cristalizar com a criação da Secu-rities and Exchange Commission, distanciou-se ou distin-guiu-se do sistema europeu, inclusive do inglês. Mais tar-de, outros países, julgando o sistema de controle apre-sentado pelo equivalente aos Registros do Comércio epublicações obrigatórias insuficientes, passam a adotar osistema norte-americano, com a criação de órgãos e re-gras específicas de controle. Atrás do surgimento desteramo do direito societário, está a proteção do investidor,quando o valor mobiliário for publicamente ofertado;quando a colocação for privada, a proteção estatal ine-xiste, sendo os direitos e obrigações, 'em face do valormobiliário, suscetíveis de solução numa relação eminen-temente privatística. Mas a proteção do investidor, muitoembora um fim em si, não é elemento caracterizador, namedida em que a proposta fundamental de todo e qual-quer sistema jurídico é prover garantias. Será necessário,para que se caracterize o valor mobiliário, que este pre-encha vários dos sete indicadores anteriormente aponta-dos; estes terão que ser confrontados com a intençãoinequívoca de investimento contida no ato, bem comocom o propósito da intervenção do Estado no campo dosvalores mobiliários. Da união destes dois módulos é quese poderá desenhar o que seja valor mobiliário.

Da análise dos elementos nos subitens 5.1 a 5.7 econsiderando o limite da aplicação do termo em face darealidade brasileira, temos que se deva tentar conceituarpor uma abrangência maior do que a estritamente ade-quada para que a lei possa estabelecer as exclusões e isen-ções de registro que a prática aponte como conveniente.Isto porque o conceito deve ser apto a apontar situaçõesfuturas, hoje não suscetíveis de previsão lógica; mas,ao mesmo tempo, com o mecanismo das isenções, poder.a legislação desburocratizar determinadas ofertas ou lan-çamentos ao público. Muito embora o sistema da itemí-zação tenha-se mostrado mais simples, também deve serdito que ele só tem sido de auxflio relevante para os va-lores que já tenham conteúdo e perfil próprios por defi-nição de outros setores da legislação. A opção pelo es-quema da listagem oferece o inconveniente da sua refor-mulação legislativa periódica ou, o que é pior, da coloca-ção de situações vagas, e portanto ambíguas, na tentativade abranger situações não-previsíveis quando da elabora-ção da itemização legislativa. Porém, no que a listagem éde todo inconveniente consiste no fato de que, ao enu-merar os valores mobiliários, ela não pode levar em con-sideração as situações fáticas nas quais os papéis são emi-tidos, condição que poderá distorcer frontalmente a rea-lidade econômica do ato. Assim, se for emitida nota pro-missória, não será o título necessariamente valor mobi-liário, mas se for emitido um commercial paper, aprovei-tando-me da mesma denominação utilizada pela Comis-são de Valores Mobiliários, bem como pelo mercado,poderá haver a emissão de.um valor mobiliário.

Ou seja, a pura nomínação, desligada do contextode atuação, poderá levar a situações paradoxais. Tais di-

VlIlor mobilidrio

ficuldades, porém; dizem mais respeito à sistematizaçãodo conceito de valor mobiliário no Brasil do que nosEUA. A diferença é a de que, como lá os tribunais vêmmoldando, desde a década de 30, o conceito de valormobiliário, uma respeitável jurisprudência e uma aceita-ção do conceito já vêm-se consolidando. Seria bastantedanoso ao sistema norte-americano, depois de passadosmais de 50 anos de sedimentação conceitual, querermudar do sistema da listagem exaustiva para a definiçãopura. Isto significaria o abandono ou reexame de toda ajurisprudência do Supremo Tribunal Federal formada aolongo do tempo, a qual, diferentemente da realidadebrasileira, tem uma influência extremada no país c 'moum todo. Esta foi a razão pela qual o projeto do FederalSecuríties Code ,46 ao definir valor mobílíãrío," optoupor quase que manter a redação constante do Act of1933.41 Na sistemática brasileira não há, a nível das de-cisões judiciais ou administrativas, qualquer tendência ouorientação, fato que possibilita e demanda uma organicí-dade e coerência à lista que certamente o Conselho Mo-netárioNacional irá aumentar; ou, mais delicado ainda, oalcance que o Banco Central do Brasil dará ao conceitomuito utilizado e nunca definido de "valor mobiliário".De forma concreta, resulta que a situação brasileira é ada não-defmição no que diga respeito à área de atuaçãodo Banco Central. Já para o campo normatizador daComissão de Valores Mobiliários, o legislador optou pelomodelo norte-americano de listar valores, desde que emi-tidos pelas sociedades por ações, entendidos como valo-res mobiliários aqueles previstos pela lei ou assim consi-derados pelo Conselho Monetário Nacional. É, portanto,dentro desta realidade jurídica que temos que atuar.

6. ALCANCE, LIMITAÇÕES E EXCLUSÕES

Em conclusão e para efeito do mercado de capitais, valormobiliário é o investimento oferecido ao público, sobreo qual o investidor não tem controle direto, cuja aplica-ção é feita em dinheiro, bens ou serviço, na expectativade lucro, não sendo necessária a emissão do título para amaterialização da relação obrigacional. O investimento éfeito ou a nível associativo, a título de empréstimos, oucomo aplicação especulativa pura. O primeiro tipo nor-malmente se caracteriza pela participação societária ouempreendimento comum, sendo o lucro do investimentoresultante do excesso de receita sobre despesas e provi-sões eventualmente exigidos por lei. Já os investimentosa título de empréstimo não necessitam da ocorrência delucro contábil para que o investimento seja remunerado,ressalvada a hipótese de quebra ou insolvência do empre-endimento. Normalmente, o investimento associativonão goza de garantia colateral; porém, em contrapartida,é dotado de sistema coletivo de deliberação, conformeregras estabelecidas no contrato que acompanha a ofertado valor mobiliário ao público. Finalmente, os investi-mentos puramente especulativos são aqueles normalmen-te feitos na expectativa de futura ocorréncia de variaçõesde preço de dado valor mobiliário, mercadoria, moeda,taxa de juros, etc. Estes se materializam nos mercadosfuturos ou a termo de ações, de commodities, etc, como objetivo de diminuir o risco de futura e brusca variaçãode preço, com a conseqüente menor oscilação do respec-tivo mercado.

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*0 presente trabalho é parte de um todo bem mais amplo, aindaem processo de elaboração, e se destina à discussão junto ao Se-minário Direitos dos Valores Mobiliários, ministrado para o oita-vo semestre, dos alunos de graduação em administração de em-presas da Escola de Administração de Empresas de São Paulo,da Fundação Getulio Vargas. Este texto é a reprodução parcialdo capítulo 2, cuja finalidade pretende ser o oferecimento àcrítica do conceito fundamental de valor mobiliário, em face daadoção, pelo direito brasileirq, de vertentes legais distintas e quehoje conflitam ou geram dúvidas quando de sua aplicação.

1 Na realidade, muito embora fuja ao escopo do presente traba-lho, os títulos de crédito surgem naturalmente corno necessidadeprovocada pela velocidade dos negócios. Assim corno o ato decomércio já fora praticado enormemente, mesmo antes de a Eu-ropa atingir o estágio culturalpós-barbárie, também os títulos decrédito existiram em outros locais quando os europeus ainda vi-viam em cavernas. Confira-se Broudel, remando The structureof every day life; the limits of the possible.p. 472: In fact assoon as men leam to write and have some coins to handle, theyhad replaced cash wiÍh written documents, notes, promises andorders. Notes and cheques between market traders and bankerswere in Babylon twenty centuries before the Christian era. Thereis no need to exaggerate the modemity of such systerns to admi-re their íngenuity , The same devices were found in Greece andHellenistc Egypt where Alexandria became 'The most popularcenter of intemational transit '. Rome was familiar with currentaccounts, and debit and credit figure in the book ofthe argentari '.Finally , all the instruments of credit-bills of exchange , promis-sory notes,letters of credit, bank notes, cheques - were knownto the merchants of Islàm , whether Muslims or not, as can beseen from the 'genize ' documents of the tenth century A.D.,principally found in the Old Cairo synagogue , And China wasusing bank notes by the ninth century AD."

2 Broudel, Fernand. op , cit. p. 476: "But ifit is possible to saythat everything is money , it is just as possible to clairn that eve-rything is on the contrary credit - promises, deferred reality,Even this 'louis d'or' was given to me as a promise, as a cheque."Ou como afirmou Schumpeter, apud Broudel, Fernand , op. cit.:"Money in tum is but a credit instrument, a claim to the onlyfinal means ofpayment, the consumer's good."

3 Cf. Ascarelli, Túlio . Teoria geral dos tttulos de crédito. p. 11:"O direito acaba por ficar plenamente objetivado e despersona-lizado, por ser considerado um bem, um valor, corno tal, exata-mente definido e delimitado, distinto da relação econômica quese originou e submetido, portanto, às regras da circulação dosbens móveis e não mais àquelas relativas à circulação dos direi-tos."

4 Toda a evolução da circulabilidade, em função da autonomiado título de crédito, parte da aceitação da sua literalidade. Ouseja, o título é um valor em si mesmo, sujeito às regras que presi-dem as transações das coisas móveis, e não mais à existência dobem do qual se originou o título de crédito. Tal princípio jáexistia no direito francês dos séculos XVI e XVII, sob a máxima"possession de bonne foi vaux titre".

5 A Lei n? 4.728/65, somente no IUt. 2?, por exemplo, se utilizacinco vezes das expressões "Tftulos ou valores mobiliários" co-rno sinônimos. No inciso IV, do mesmo art. 2?, emprega a ex-pressão "corretora de títulos mobiliários e de câmbio". Ou seja,a expressão "valores mobiliários", sem contorno próprio , aden-trou o mundo do direito sem grande trauma, dada sua importân-cia relativamente menor em face do mercado financeiro. Em talsituação, o Banco Central do Brasil não normatizou a atividadecom o mesmo empenho relativo que exerceu para regular e fisca-lizar o mercado financeiro. Tal situação tende a modificar-seapós o advento da Comissão de Valores Mobiliários.

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6 Com a Lei n? 6.385/76 foi criada a autarquia federal, adminis-trativamente vinculada ao Ministério da Fazenda, denominadaComissão de Valores Mobiliários, cuja autoridade e responsabili-dade serão discutidas mais adiante.

7 Ver, na doutrina francesa: Morandiêre, Leon Julliar .de la:Droit commercial. capo III p. 627, que se refere aos valuers mobi-lieres; Ripert, Georges. Droit commercial. capo I Título I. p. 768,ao discutir o regime jurtdique des valuers mobiiiéres. Na Bélgica,Jean Van Ryn , em seu Principes de droit commercial, ao discor-rer sobre a teoria geral dos títulos negociais, abre, no Título IV,p. 304 e segs., urna subdivisão para os valeurs mobiliêres. No di-reito inglês e norte-americano há nítida diferença entre securüies(que correspondem aos valores mobiliários) e negociable instru-ments. Estes últimos equivalem aos titres négociables dos direitosfrancês. é belga; ao passo que os securities correspondem aosvaleurs mobtliêres.

8 Carvalho de Mendonça, J .X. Tratado de direito comercial bra-sileiro V. 5 parte 2. p , 55 item 463: "t difícil categorizar os títu-los de crédito, sem deixar ensanchas à crítica. Diremos mais, étarefa quase desanimadora. Precisamos, entretanto, tomar urnaorientação qualquer que seja, para a exposição do relevante as-sunto. Encerrando assim o problema e corno andamos em terre-no cheio de desvios e surpresas, estabelecemos duas ordens da-queles títulos: a) os títulos de crédito propriamente ditos, nosquais se atesta urna operação de crédito (n? 458 supra), figuran-do entre eles os títulos da dívida pública, as letras de câmbio, oswarrants, as debéntures, etc.; b) os títulos de crédito impropria-mente ditos, nos quais ainda que não representem urna operaçãode crédito, se encontra a par de sua literalidade e autonomia, idquod quacumque causa debeatur (n? 459 supra)."

9 Ver Cesare Vivante. (Diritto commerciale, 1929, V. 3 p. 123),segundo o qual "11 títolo di credito e un documento necessarioper esercitare il diritto leterale ed autonomo che vi e menzionato".

10 Conforme transcrição do próprio Vívante , em seu Dirittocommerciale (cít, V. 3, p. 164, nota 3), ao se reportar à afirmati-va de Commeo. (Titoli dei debito publico e la competenza sullerelativa controversie): "Uno dei tratti píú felici dell'opera deiVivante e quello di aver fatto posto anche ai titoli nominativinella teoria dei titoli di credito." Tarnbém, no mesmo sentido,a citação de Thaller, transcrita por Vivante , segundo o qual:"C'est à la genéralisation des titres fiduciaires de toute natureque le traité de Vivante doit son originalité et son mérite detout premíer ordre. On jugera par les citations suivantes del'avantage que nous trouverions aussi en France à constituer unedoctrine de synthése reunissant à la fois les titres nominatifs,à I'ordre et au porteur dans un même raisonnement."

11 Confira-se Ascarelli, Túlio. Panorama do direito comercial.IV aula, p. 108.

12 Vivante, Cesare. op cit. p. 155. item 987: "I titoli de creditopotrebbero anche distinguersi secondo illoro contenuto in quat-tro gruppi: a) titoli di credito propriamente detti, che dannodiritto ad una prestazíone di cose fungibili, in merci o in denaro ,corno gli ordini (. .. ) le carnbiali,le cartelle fondiarie; b) que ser-vono all'acquisitto di diritti reali sopra cose determinate, come lepolizze di carico, la letera di ventura, le fedi di deposito,le notedi pegno; c) titoli che atribuiscono la qualità di socio, come leazioni; d) titoli che danno diritto a qualche servízío , come ibiglietti di viaggio o di transporto.

Ma la dottrina dei titoli di credito e indiferente a questo di-verso loro contenuto perchê si occupa di essi soltanto dopo chefurono emessi in vista della loro círcolazíone ,"

13 Vivante, Ces.are.op.cit. p.123. item 953: "(. .. ) ê il documen-to necess.ario per esercitare il diritto, perche fino a quando iltitolo esiste, il creditore deve esibirlo per esercitare ogni diritto,sia principale sia acessorío , che esso porta con se e non si puôfare alcun mutarnento nella portata dei titoli senza annotarlosopra di esso." Também à p. 129, item 959: "All'opposto iltitolo ha una influenza essenziali sulla sorte dei credito, consichêil credito non si trasmette efficacemente se non si transmette iltitolo; finchê il titolo esiste , esso e il segno imprescidibile dei

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diritto. li credito esiste nella misura determinata dei títolo:nessuna eccezione, nessuna limitazione puô restringerne laportata contradicendo alia sua parola, che fondô la legitimaaspettativa dei suo possessore: ogni atto giuridico inteso arestringere la portata dei titolo, come il pagamento parzialedei credito deve risultare dai titolo ."

14 A divisão entre títulos de crédito propriamente ditos dos im-propriamente ditos partiu do reconhecimento de que as açõesnão seriam, a rigor, títulos de crédito, mas documentos atributivosda qualidade de sócio. Muito embora somente no que diga res-peito ao aspecto circulatório a ação ao portador se comportecomo um título de crédito, esta não nasceu e não existe em fun-ção de uma relação creditícia. Na ação nominativa, além domais, a emissão do título não cria direito, sendo este existente apartir da anotação feita no livro de acionistas e segundo os esta-tutos sociais da empresa. Deve-se ressaltar que a oposição que sefaz no Brasil quanto às ações nominativas não têm a mesma subs-tância do direito italiano, já que naquele as ações nominativas sãonecessariamente emitidas e transmissíveis por endosso. Confira-seAscarelli, Ttilio . Teoria geral dos tüulos de crédito. cit. p. 133.nota 2.

15 Ascarelli, Tülio ,Panorama do direito comercial. cito IV aula.p. 130-1.

16 Mesmo os que se opunham a Vivante, por meio da "teoria dacriação", não desenvolveram instrumentos que hoje seriam há-beis a classificar os valores mobiliários existentes. Para tanto,confira-se Rubens Requião, em seu Curso de direito comercial.(p. 299, item 511), quando certifica que: "Essa teoria tem comopaladinos Siegal e Kuntze, seguidos por Bruschettinni, Bonnelli,Navarrini e outros. O direito deriva da criação do título. O subs-critor dispõe de um elemento de seu patrimônio; fez para a vidao que, por um testamento, faria para efeito post-mortem: dis-pôs dos próprios bens. O título é como o testamento: tem va-lor próprio, dispensa e lhe repugna o acordo de vontades. Oemissor fica ligado à sua assinatura e obrigado para o futuro por-tador, credor eventual e indeterminado. Mas só com o apareci-mento desse futuro detentor é que nasce a obrigação," Paramaior aprofundamento leia-se Appunti sulla natura giuridica deititoli di credito, de Gustavo Bonelli , publicada na Rivista di Di-ritto Commerciale, 6: 513-49, parte prima, 1908. Para a classifi-cação alemã, leia-se Pontes de Miranda, Tratado de direito priva-do, na sua classificação de títulos ao portador (§§ 3.733 até3.742, que tratam dos títulos de crédito e sua classificação).

17 Segundo Borges, João Eunápio. Tttulos de crédito. capo 1p. 9-10: "Termo final de lenta evolução, o túulo de crédito,para exercer com eficácia sua função, deverá satisfazer os doisrequisitos seguintes: a) que a aquisição do documento determinea aquisição do direito nele consignado; b) que a sua posse sejanecessária e, às vezes, suficiente para o exercício do direito deleresultante." E mais adiante: "Se o documento, porém, for umtítulo de crédito, será ele sinal imprescindível do direito que nelese contém, de tal forma que: a) o direito não existe sem o do-cumento no qual se materializou; b) o direito não se transmitesem a transferência do documento; c) o direito não pode ser exi-gido sem a exibição e a entrega do título ao devedor que satis-fez a obrigação nele prometida; d) o adquirente do título não ésucessor do cedente, na relação jurídica que o liga ao devedor;mas investe-se do direito constante do título, como credor ori-ginário e autônomo."

18 Ver Ascarelli, Túlio , Teoria geral dos tüulos de crédito. cit.principalmente p. 9. e nota 7, p. 312.

19 Ascarelli, Tú!io. Teoria geral dos tüulos de crédito. cito p.311. n? 24: "Podem-se distinguir títulos emitidos em massa, istoé, em série, e títulos individuais, isto é, emitidos singularmente.No primeiro caso, a uma única operação corresponde a emissãode muitos títulos regulados por uma disciplina comum e envol-vendo, cada uma delas, direitos idênticos. Isso se dá com as ações,as obrigações e os títulos de dívida pública."

20 Ver: Bulgarelli, Waldírio. Enciclopédia iurtdica Saraiva. ver-bete Valores mobiliários. p. 395 e segs.; Leões, Luiz Gastão Paesde Barros. O conceito de security : security no direito norte-ame-

Valor mobiliârio

ricano e o conceito análogo no direito brasileiro. Revista de Di-reito Mercantil, (14): 41 e segs.; Comparato, Fabio Konder.No-vos ensaios e pareceres de direito empresarial. p. 17, 18 e 19;Costa, Philomeno J. da. Anotações às companhias. p. 111.

21 Ripert , Georges. Droit commercial. cito item 1.680. p. 768.

22 Comparato, Fabio Konder. Novos ensaios e pareceres de direi-to empresarial. cito p. 18: "Dessa homogeneidade dos valores mo-biliários, em cada série de emissão decorre a característica de suafungibilidade, ausente nos títulos de crédito."

23 Tal distinção tem sua importância bastante diminuída porGiuseppe Ferri. (Tftulos de crédito. p. 6, nota 3), ao afirmar que:"La diferencia es recogida por la doctrina más reciente, sin quese atribuya por otro lado, relevancia sustancial con referencia alconcepto de título de crédito: en general se limita a destacar lafungibilidad propia de los títulos en masa en contraposición a lainfungibilidad de los títulos individuales Y de la posibilidad deuna unión en un título múltiplo o de un fraccionamiento, que seda en los primeros Yno en los segundos."

24 Comparato,Fabio Konder. op. cít .p. 19.

25 Bulgarelli, Waldírio. Enciclopédia jurtdica Saraiva. cito verbeteValores mobiliários I. p. 408; "( .. .) a ação da sociedade anôni-ma? Seria ela um título de crédito ou um 'valor mobiliário'? Ou,antes ainda, os valores mobiliários são ou não títulos de crédito?Parece-nos importante assinalar, desde logo, que os valores mobi-liários não possuem um elemento peculiar que os distinga dos tí-tulos de crédito. O único traço distintivo - se é que se possa fa-lar assim - é o de que os valores mobiliários assumam, em prin-cípio, a característica de serem negociados em mercado (. .. )mas, como é óbvio, não parece de nenhum rigor metodológicodizer-se que a negociação em mercado seja característica absolu-ta dos valores mobiliários."

26 Morandiêre , Leon Julliar de la. Droit commerciaJ. citop. 627.item 683. Caracteres distinctifs: "On appelle valeurs mobíliêresdes titres émis par des personnes morales, publiques ou privées,qui conférent des droits d'assoclês ou créanciers identiques pourune série donnée de teile sort que ses títres, d'ailieurs négociablessuivant les modes du droit commercial, sont susceptibles d 'unecotation collective, la cotation en Bourse."

27 Georges Ripert. (Droit commercial. cito p. 768), contesta,como elemento caracterizador do valor mobiliário, a necessidadede ser o título "de" ou negociado em bolsa: "On emploie égale-ment I'expression titres de Bourse; elle est plus étroite que laprécedente , car toutes les valeurs mobiliêres ne sont pas negocia-bles à la Bourse." Já M.me S. Corníot , em seu Dictionnaire deDroit, ao tratar do verbete Valeurs mobiliêres, à p .. 836, diz que:"Les valeurs mobiliêres sont des titres négociables que leur carac-teristiques, uniforme pour une même catégorie, permettent decoter et negocier en bourse ."

28 Van Ryn Jean. Principes de droit commercial, p. 269. item1.280: "Les titres négociables répondent à des besoins trêsvariés, Les uns d'instrument de payment ou de crédit ; se sont leseffets de commerce. D'autres facilitent les opérations commer-ciales sur des marchandise détenues par un tiers (les titres con-crets). D'autres enfin permettent de réaliser des placements descapitaux produtifs d'un revenu périodíque ; ce sont les valeursmobiliêres qui jouent ce rôle."

29 A classificação e as definições foram retiradas, quase que li-teralmente, da obra de Jean Van Ryn , mencionada na nota 28.

30 Corniot, M.me S. Dictionnaire de droit. cito verbete Effets decommerce: "Les effets de commerce sont des titres à ordre ouau porteur donnant à leur titulaire le droit de toucher unesomme d'argent determiné, à une échéance généralement pro-chaine. IIs sont essentieilement négociables et transmissibles parsimpie endossement, ou même par tratition manuelle ,"

31 Black, Henry Campbell. Black's law dictionary, p.1.235. ver-bete Negociable instruments: "A general name for bills (. .. ),letters of credit, and any other negociable securities. Any written

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securities which may be transferred by indorsement and deliveryor by delivery merely (. .. ) or, more technically , those instru-ments which not only carry the legal title with them by indor-sernent or delivery , but as well, when transferred before matu-rity , the right of the transferee to demand the full amountswhich their faces call for," O mesmo autor, ao definir publicsecurities, à p. 1.598, diz que: "Bonds, notes, certificates of in-debtness and other negotiable or transferable instruments (, , .)."

32 Ascarelli, Tülio. Teoria geral dos tüulos de crédito. cit. p. 13:" O problema dos títulos de crédito é, mais que qualquer outro,um problema de técnica jurídica, pois, com freqüência, a dificul-dade não reside na interpretação da norma ou na individuação dofim visado pelo legislador, mas na coordenação da norma no sis-tema geral."

33 Ver art. 2?, da Lei n%.385/76.

34 Em 1720 foi promulgado na Inglaterra o então denominadoBubble Act, que teve por finalidade evitar novos escândalos fi-nanceiros, como o proporcionado pelas empresas MississippiCompany e South Sea Cornpany. Com estouro da "bolha" mi-lhares de pessoas que haviam adquirido ações em prestações fica-ram arruinadas. Em 1825, o Bubble Act foi tornado sem efeito,sendo substituído em 1844 pela primeira legislação moderna noque diz respeito às sociedades por ações.

3S Lei de Kansas, de 1911, § l?da Seção 133. Textualmente, aproibição se referia à venda de "any stock, bonds or other se-curities of any kind or character", No mesmo sentido legislou,em 1913, o estado da Califórnia, para o qual "The term security,when used in this act, includes the stock, certificate , bons andother evidences of indebtedness, other than promissory notesnot offered to the public by the maker thereof, of an investmentcornpany " No mesmo ano, a lei de Wisconsin: "Security ar se-curities mean any bond, stock notes, or other obligations orevidence of indebtedness which constitutes evidence of', or issecured by , tide to, interest inor loan upon any or all of theproperty of such investment cornpany."

36 A lei de minais definia valor mobiliário da seguinte forma:"The word 'securities' shall include stocks, bons, debentures, no-tes, participation certificates, certificates of shares or interests,preorganizational certificates and subscríptíon, certificates evi-dencing shares in trust estates or associations and profit sharingscertificates."

37 Loss, Louis. Fundamentais of securities regulations. p. 8:"Indeed, it was in Kansas, apparently , that the term 'b1ue skylaw' first came into general use to describe legislations aimed atpromoters who would sell building lots in the bluesky in fee sim-pie." Assim é que as legislações estaduais buscando proteger osinvestidores rapidamente foram implantadas em todos os estadosda Federação.

38 O ato de 1933, em sua Seção 2, assim caracterizou valor mo-biliário: "When used in this title, unless the context otherwise re-quires, the term 'security' means any note, stock, treasury stock,bond, debenture, evidence of indebtedness, certificate of interestor participation in any profit sharing agreement, colateral trustcertificate, preorganization certificate ar subscríption, transferableshare, investment contract, noting trust certificate, certificate ofdeposit for a security , fractional undivided interest in oil, gas,or other mineral rights, any put, call, straddle , option, or pri-vilege or any security , certificate of deposit, or group or index ofsecurities (including any interest therein ar based on the valuethereof), or any put, call, straddle, option ar privilege enteredinto on a national securities exchange relating to foreign curren-cy, ar, in general, any interest or instrument commoly known asa security , ar any certificate of .ínterest or partícipation in tem-porary ar interim certificate for, receipt for, guarantee of, arwarrant or right to subscribe to ar purchase, any of the fore-going ,"

39 Assim é que o legislador, não satisfeito com o detalhamentodas hipóteses, ou não convencido de que pudesse abranger negõ-

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cios futuros, ainda não praticados pelo mercado, adotou hipó-teses imprecisas, tais como: ''unless the context otherwise requi-res", "evidence of indebtedness ", "participation in any profit-sharing agreement", "investment contract", "any interest orinstrument comrnonly known as a security ", "or any certificateof interest or participation." Certamente. em virtude de tais di-ficuldades é que, muito embora solicitada a analisar o conceitode valor mobiliário, por várias vezes, a Suprema Corte norte-americana tenha-se pronunciado somente oito vezes, e somenteem cinco levou em consideração a definição em pauta. Tais de-cisões foram: Tcherrepnin v. Knight, 389 U.S. 322; SEC v.United Benefit Life In. Co. 387 V.S. 387 U.S. 202 (1967); SECv. Variable Annuity Life Ins. Co. of Americana, 359 U.S. 65(1959); SEC v. W. 1. Howey Co. 328 U.S. 293 (1946); SEC v,C.M. Joiner Leasing Corp., 320 U.S. 344 (1943).

40 O Act of 1934 adicionou como valor mobiliário "or any oil,gas, orother mineral royalty or Iease"; exclui, por sua redação,"but shall not include currency or any note, draft bill of exchan-ge, or other banker acceptance which has a maturity at the timeof íssuance of not exceeding nine months, exclusíve of days ofgrace , or any renewal thereof" the maturity of which is Iikewiselirnited.' O Ato de 1934 não repetiu "evidence of indebteness,fractional undivided interest in oíl, gas or other mineral rights".Porém, é a versão consolidada que se utiliza legalmente.

41 Long, Joseph C. Interpreting the statutory definition of a se-curity: some pragmatic considerations. St. Mary Law Joumal,v. 6: 76, p. 96: "It is interesting that in more than 60 years ofsecurities regulation in this country , we have no clearly accepteddefinition of a security. In this regard we are somewhat in thesame position as some of the members of the United States Su-preme Court when dealing with obscenity: we can generally teU asecurity when we see one, on a case by case basis, but have beenunwilling to attempt to give a generic definition to the term."Ver, também: Loss, Louis. op, cit. p. 167: "Even so, such ís thecornplexity of the financial world that after a constant streamof cases to seek to draw the line between 'securities' and realproperty or tangible or intangible personal property or varioushybrids emanating from the banking and insurance industries."

42 SEC v. W. J. Howey Co., em cuja sentença se definiu que va-lor mobiliário é a transação na qual uma pessoa investe seu di-nheiro em empreendimento conjunto, na expectativa do lucro,oriundo do esforço exclusivo do promotor do empreendimentoou de terceira pessoa.

43 SEC v. W.J. Howey Co.: "(, .. ) solely from the efforts of thepromoter or a third party , it being ímmaterial whether the sharesin the enterprise are evidenced by formal certíficates or by no-minal interest in the physical assets employed by the enterprise."Porém, a hipótese do esforço de terceiro como caracterizadorado valor mobiliário não aparece repentinamente no julgado daSuprema Corte, que data de 1946. Ao contrário, a decisão foiprecedida de julgados de cortes estaduais. que já mencionavamesta característica individualizadora do investimento. Isto ficabastante claro em Lewis v. Creaseway Corp., 198, Ky, 409,413/414, 248 SW 1046, 1048 (1923), "(. .. ) the investor willearn his profit through the efforts of others (. .. )"; bem comoem State v. Whiteaker. 118 Ore, 656,660, 247,P, 1077,1079(1926) "(.. ,) with a view of receíving a profit through theefforts of others than the investor (. .. )", Mesmo a própria SEC,em 1939, no caso SEC v. Universal Service, 10?F, 2d, 232, 237(7th Cic. 1939), propôs em juízo que se considerasse valor mo-biliário "the investment of money with the expectation ofprofit through the efforts of other persons".

44 Moore v. Stella (52 Cal. App. 2d. 766): "The purpose of(. .. ) the various definitions of 'security' is to subject to regula-tions all schemes for investment, regardless of the forms ofprocedure employed which are designed to lead investors intoenterprises where the earnings and profíts of business or specula-tive ventures must come through the management, control, andoperations of others and which regardless of form, have the cha-racteristícs of operations by corporations, trusts or similar bu-siness structures."

Revista de Administraç40 de EmpreSlls

Page 15: oconceito devalormobiliário* - scielo.br · circulação da moeda e, conseqüentemente, do aumento da economia européia de então. Criou-se, portanto, um direito abstrato que se

4S Ou na sintese da Corte de Apelação da Califórnia transcrita nanota an terior.

46 Dada a complexidade da legislação norte-americana concer-nente aos valores mobiliários, a Amerícan Bar Association, porintermédio de seu Committee on Federal Regulations of Securi-ties, com o apoio da Securities and Exchange Commission e doAmerican Law Institute, formalizou um grupo de trabalho paraalterar e consolidar, a nível de lei, a esparsa legislação oTal gru-po foi liderado e teve como relator o Prof. Louis Loss, tendo si-do seu projeto, o Federal Securities Code , enviado ao Congresso,onde ainda se encontra, Neste meio tempo, vários dos dispositi-vos do Código, muito embora ainda não aprovado pelo Congres-so, já foram adotados pelas legislações estaduais (blue sky laws),bem como por julgados do poder judiciário o

47 "Section 297 (Security). (a) (General) Security means a bond,debenture, note, evidence of indebtedness, share in a company(whether or not transferable or denominated std), preorgani-zation certificate or subscription, certificate of interest or par-ticipation in a profit-sharing agreement, investment contract,colateral-trust certificate, equipment trust certüICate, notina-

trust certificate , certificate of deposit for a security , fractionalundivided interest in oil, gas, or other mineral rights, ar, in gene-ral, an interest ar instrument commonly considered to be a 'se-curity' , ar a certificate of interest ar participation in, temporaryar interim certificate for, receipt for, guaranty of, ar warrant arright to subscríbe to ar purchase OI sell, any of the foregoing, (b)(Exclusions) Security does not include (1) currency, (2) a check(whether ar not certificated), draft, bill of exchange , ór bankletter of credit, (3) a note ar other evidence of indebtednessissued in a mercantíle transaction , (4) an interest in a depositaccount with a bank (including a certificate of deposit that rankson a parity with such an interest) ar with a savíng and loan asso-ciation, (5) an insurance policy issued by an insurance company ,ar (6) an annuity contract issued by an insurance company(except a contract whosc benefits vary to reflect the investmentexperience of a separate account."

48 "(o oo) be changed as little as possible, both there is now aconsiderable body of jurisprudence and it was substantia1ly foll-owed in the Uniform Securities Act, so that there is now adegree of uniformity at both state and federal leveis" (FederalSecurities Code, tentative draft n? 1 po 52-3 ie Federal SecuritiesCode, Reporters revision of tentative drafts, ft<?s 1-3, p, 34-5)0

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