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1 LUIZ FELIPE NUNES DE ALVES OCUPAÇÃO DO SOLO URBANO NA URBANIZAÇÃO DO PARQUE SÃO JORGE DEPOIMENTO DE FAMÍLIAS MIGRANTES CURITIBA 2003

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LUIZ FELIPE NUNES DE ALVES

OCUPAÇÃO DO SOLO URBANO NA URBANIZAÇÃO DO PARQUE SÃO JORGE

DEPOIMENTO DE FAMÍLIAS MIGRANTES

CURITIBA 2003

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LUIZ FELIPE NUNES DE ALVES

OCUPAÇÃO DO SOLO URBANO NA URBANIZAÇÃO DO PARQUE SÃO JORGE

DEPOIMENTO DE FAMÍLIAS MIGRANTES

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de

Bacharel em História, na Universidade Federal do Paraná.

Orientador: Prof. Antonio César de Almeida Santos

CURITIBA 2003

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...................................................................................................... 05 2. O BRASIL PÓS 1950 – INDUSTRIALIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO URBANO..............................................................................................................

07

2.1 Desenvolvimento industrial brasileiro a partir de 1950....................................... 07 2.2 Industrialização do Paraná.................................................................................. 22 2.2.1 Mecanização do campo paranaense............................................................... 28

3. URBANIZAÇÃO E METROPOLIZAÇÃO.............................................................

33

3.1 Urbanização e Metropolização no Paraná.......................................................... 35 3.2 Almirante Tamandaré nesse contexto................................................................ 43

4. DEPOIMENTOS....................................................................................................

45

4.1 As dificuldades da ocupação.............................................................................. 51

5. CONCLUSÃO.......................................................................................................

58

6. REFERÊNCIAS...................................................................................................

59

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TABELA I – PRODUÇÃO E BENS DE CONSUMO DURÁVEIS.............................

19

TABELA II - PARTICIPAÇÃO RELATIVA DO VALOR DA PRODUÇÃO DAS GRANDES EMPRESAS DO PARANÁ NO VALOR AGREGADO DE VÁRIOS GRUPOS - 1995........................................................................................

25 TABELA III - DISTRIBUIÇÃO DO VALOR ADICIONADO DA INDÚSTRIA PARANAENSE, SEGUNDO MICRORREGIÕES – 1975-1979................................

26 TABELA IV - GRADATIVA DO USO DA FORÇA ANIMAL E MECANIZADA........

31

TABELA V - TAXAS DE URBANIZAÇÃO...............................................................

34

TABELA VI - POPULAÇÃO TOTAL E URBANA DAS REGIÕES METROPOLITANAS DE CURITIBA E PORTO ALEGRE E DE SEUS RESPECTIVOS PÓLOS. PARTICIPAÇÕES PERCENTUAIS EM RELAÇÃO À POPULAÇÃO DO BRASIL, DA REGIÃO SUL E DO ESTADO – 1960/1996.........

38

TABELA VII - POPULAÇÃO TOTAL POR MUNICÍPIOS – REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA – 1950/1980......................................................

39 TABELA VIII - POPULAÇÃO DE URBANIZAÇÃO DOS MUNICÍPIOS - REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA – 1950/1980......................................................

40 TABELA IX – POPULAÇÃO ECONOMICAMENTE ATIVA. NATURAIS E MIGRANTE. SEGUNDO O RAMO DE ATIVIDADE – OUTROS MUNICÍPIOS DA RMC – 1976 (ABSOLUTOS E PERCENTUAIS)......................................................

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1. INTRODUÇÃO

O processo de urbanização no Brasil é recente, complexo e ganha

singularidades em algumas regiões do país. Esse fenômeno, ainda em marcha,

devem-se a fatores de ordem estrutural, como por exemplo, a nova ordem

capitalista, que passou a concentrar nos centros urbanos as atividades

econômicas para a produção e circulação das mais variadas mercadorias. É

dentro dessa nova realidade que irá se observar, no Brasil, um deslocamento

considerável da população rural para os centros urbanos, notadamente entre as

décadas de 1960 e 1980. Historicamente, os movimentos migratórios fizeram

parte da formação desse país, no entanto, o que marca de forma indelével o

período demarcado é o volume de migrantes e o ritmo imprimido nessa

movimentação. É essa metamorfose estrutural que se pretendeu investigar

através do advento da industrialização, que por extensão produziu um ritmo

intenso de urbanização.

No país, o crescimento das cidades – expressão maior da sociedade

contemporânea – foi a rigor, resultado de uma conjugação de fatores que

possuem configurações distintas, dependendo da região que se elege como

objeto de estudo. Entretanto, é importante assinalar que o grau de pauperização

de uma determinada localidade a transforma em locus de potencial migração,

uma vez que desestrutura o setor produtivo, trazendo desalento ao nativo. Então,

é verossímil afirmar que existe um estrito vínculo entre urbanização e

desenvolvimento econômico de uma região, e que este redimensiona aquela, na

medida em que o tecido urbano ganha novos contornos com a inserção de um

parque industrial ou um incremento maior no setor secundário ou terciário de uma

região. No Brasil, o novo paradigma econômico introduzido, fundamentalmente na

década de 50, ensejou uma transformação estrutural. Posto que, no país, dois

fatores se combinaram e ditaram o ritmo da urbanização. O primeiro o êxodo

rural, resultado da mecanização do campo; o segundo, que ocorre pari passu, a

industrialização, que enobreceu os centros urbanos. Esse fenômeno é também

observado no Paraná, se bem que num descompasso temporal. É na década de

70 que o Estado vai experimentar uma incipiente industrialização, que com o

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passar da década vai se intensificar. O campo paranaense é palco da revolução

agrícola, que vai liberar milhares de pessoas para importantes centros urbanos do

próprio Estado de São Paulo e em menor número para outras regiões do país. A

capital paranaense, tornar-se-à em pouco tempo uma metrópole respeitável,

recebendo um aporte populacional de grande monta. Essa população que dirigiu-

se para Curitiba, com dificuldade de instalar sua prole em função do

encarecimento do solo urbano. A alternativa mais viável foi a transferência para a

Região Metropolitana de Curitiba, onde os preços dos imóveis seriam módicos e

podem ser adquiridos em suaves prestações. O município de Almirante

Tamandaré foi um dos locais que abrigaram esse coorte. A ocupação foi lenta em

função de uma total ausência de infra-estrutura. Conforme essa infra-estrutura

fosse fornecida o município ganhava população. Foi dessa forma que se deu a

ocupação de um dos, principais bairros da região, o Parque São Jorge. Essa

história de conquista do espaço urbano será contada por seus antigos moradores,

que sofreram vicissitudes de toda ordem e venceram.

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2. O BRASIL PÓS 1950 – INDUSTRIALIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

URBANO

2.1 Desenvolvimento industrial brasileiro a partir de 1950

A década de 1950 foi marcada no plano político pelo retorno de Getulio

Vargas ao poder obtendo uma vitória expressiva nas urnas, afastando em

definitivo uma possibilidade de golpe udenista como desejava uma parcela da

oposição, notadamente, Carlos Lacerda, alegando irregularidade no processo

eleitoral e insuficiência de votos para lhe garantir vitória no pleito (Vargas obtivera

48,7% dos votos). No período em que esteve afastado na arena política, Getúlio

Vargas, atuou nos bastidores, organizando o partido que havia fundado, o Partido

Trabalhista Brasileiro (PTB), procurando forjar-lhe uma identidade popular, além

de estabelecer alianças veladas com setores da sociedade que poderiam,

eventualmente apoiá-lo a presidência e mesmo dar-lhe sustentação política em

caso de vitória. Uma parcela desse apoio viria certamente do Partido Social

Cristão (PSD) que ele ajudou a fundar e onde ainda mantinha boas relações com

alguns líderes oligárquicos, que estavam insatisfeitos com a condução do poder

por Eurico Dutra. Aliás, o PSD não vinha obtendo sucesso na tentativa de reeditar

a dobradinha política com a União Democrática Nacional (UDN), em face a

impopularidade do presidente Dutra, tinha interesse em lançar-se na disputa

sozinha. A vitória de Vargas foi facilitada com a aliança com o Partido Social

Progressista (PSP) de Ademar de Barros, com força política em São Paulo. As

demais agremiações políticas não tinham apelo popular e ademais chegaram no

pleito rachadas politicamente. Um outro aspecto importante, ressaltado por

D’ARAÚJO1, é que o “... sucesso eleitoral de Vargas deve-se também a alianças

tácitas entre as correntes civis e militares que se identificam com as chamadas

posições nacionalistas”.

Assumindo o poder, Vargas procurou desmanchar a imagem de ditador

construída na década de 1930, principalmente durante o Estado Novo. Em seu

lugar pretendia consolidar a imagem de estadista democrata, um “... predestinado

1 D’ARAÚJO, M. C. S. O segundo governo Vargas, São Paulo, Ática, p. 28, 1992.

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a dirigir a nação, apesar do jogo partidário”2. Para alcançar tal intento, retomou

duas características que o consagraram na administração anterior: o nacionalismo

econômico e a política de amparo aos trabalhadores urbanos. Na implantação de

um programa nacionalista, Vargas iria encontrar muita resistência do capital

estrangeiro, bem como, das forças políticas que defendiam seus interesses no

Brasil. O debate em torno da estatização da exploração do petróleo foi

emblemático. Vargas teve que buscar apoio nas massas – a campanha “o

petróleo é nosso” foi o maior exemplo – para fazer valer os interesses nacionais.

Em 1953 estava criada a Petrobrás, empresa estatal responsável pelo monopólio

total da extração e, parcialmente, do refino do petróleo brasileiro. Nesse mesmo

ano, o governo viu seu projeto de lei sobre os lucros extraordinários, que limitava

a remessa dos lucros das empresas estrangeiras sediada no Brasil para suas

matrizes no exterior, ser barrado no Congresso. Era uma demonstração de

resistência a política nacionalista varguista. Sem maioria no Congresso, Vargas

assumiu uma postura democrática na tentativa de fazer um governo de perfil

conciliador, sem tensionamentos. Uma demonstração disso foi o ministério plural,

chamando agremiações partidárias derrotadas no pleito de 1950. Estava montada

a base do populismo Varguista. Na prática, as dificuldades de manter o pacto de

aproximação entre as classes sociais se aprofundavam, pois, os interesses eram

conflitantes. Cada segmento tinha uma reivindicação que, não raras vezes

colidiam com a de outra classe. A população menos privilegiada socialmente

clamava por aumentos salariais e maior participação política; concomitantemente

era necessário manter o ritmo acelerado de crescimento econômico, desenvolver

a industria de base, impor restrições à entrada de capital e tecnologias

estrangeiras, etc. Manejar esses interesses divergentes, na maioria das vezes

ocupará um tempo precioso do presidente, sem no entanto, se chegar num

consenso, pois, “... fica patente a impossibilidade de se chegar a qualquer pacto

da união, uma vez que o Governo negocia o tempo todo, mas apenas através de

algumas instâncias claramente comprometidas com posições ideológicas

diferentes”3. Desatar esses nós para continuar as barganhas políticas no

2 D’ARAÚJO, Ibid, p. 95.

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Congresso eram fundamentais para a implantação de um projeto econômico

nacionalista, que estaria ancorado, fundamentalmente na atividade industrial,

como assinala D’ARAÚJO4. Sua ênfase na industrialização recai exatamente

sobre a necessidade da defesa nacional. Industrializar é, principalmente, equipar

o país com uma indústria de base nacional, livrar o Brasil da dependência externa

e de sua condição de exportador de matérias-primas. A indústria de base, peça

fundamental para a defesa nacional, devia ser implementada através da

conjugação das iniciativas pública e privada e de um rígido controle quanto à

participação do capital estrangeiro.

Logo após a posse de Vargas, o novo ministro da fazenda, Horácio Lafer,

anunciou o Plano Nacional de Reaparelhamento Econômico, que previa

investimentos nas indústrias de base, transporte, energia e agricultura. O Estado,

“... mais uma vez, assumia a responsabilidade pela estratégia do

desenvolvimento, privilegiando o setor de bens de produção”5. Em 1952, no intuito

de fomentar a produção industrial, bem como, expandir o setor produtivo nacional

foi criado o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE). Resolvida a

questão energética mais urgente, com criação da Petrobrás, em 1948, o governo

ocupou-se também com a produção e distribuição de energia elétrica, dando

início a pesquisas para a verificação da viabilidade econômica na exploração do

potencial energético do país. O governo Vargas já havia – no Estado Novo –

criado a Companhia Hidroelétrica do São Francisco, em 1945.

Ancorado nessa experiência o governo envia para o Congresso Nacional,

em 1954, o Plano Nacional de Eletrificação, propondo a criação da Eletrobrás. O

projeto não foi aprovado naquela oportunidade, pois, interesses privados

acionaram seus lobbys, para bloquear a iniciativa3

Essa derrota foi uma demonstração de força dos interesses nacionais

privados e estrangeiros que Vargas tanto combateu, não ocultando seu

posicionamento nacionalista. Tal postura iria dificultar a obtenção de empréstimos

no exterior, que eram necessários para colocar em funcionamento os projetos de

3 D’ARAÚJO, Ibid, p. 38. 4 D’ARAÚJO, ibid, p. 105. 5 DE LUCA, T. R. Indústria e trabalho na história do Brasil. São Paulo, Contexto, p. 65, 2001.

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desenvolvimento econômico do governo. À conjuntura internacional desfavorável

– auge da Guerra Fria – somavam-se “a instabilidade política, os déficits na

balança comercial, (...) e a inflação”6. Sopese as dificuldades as estatísticas

demonstraram que Brasil cresceu nesse período, como aponta PEREIRA7.

De 1950 a 1960, por exemplo, comparando o incremento médio de seu produto interno bruto com o de outros países, verificaremos que enquanto as economias desenvolvidas cresceram à taxa anual média de 4% e as em desenvolvimento à taxa de 4,4%, a brasileira alcançava a média anual de 5,7% na primeira metade da década e 5,8% na segunda. Se bem que em termos per capita ela cai para menos de 3%, ainda assim , é superior à apresentada pelos demais países da América Latina e pelos próprios Estados Unidos. Esse desempenho econômico deve-se basicamente ao crescimento da

produção industrial, observável no incremento do produto real interno bruto que

de 1949 a 1961, foi de 97,4%. Nesse acelerado crescimento industrial, coube a

industria de bens de produção um papel de destaque. A postura do governo

Vargas em relação ao mercado externo, fundamentalmente em relação às

importações adotou-se um processo de seletividade a fim de não trazer prejuízo a

industria nacional, ou seja, introduziu “... taxas múltiplas de cambio, classificando-

se as importações segundo sua maior ou menor essencialidade,...”8. A adoção

desse sistema estimulou a importação de bens de capital e dificultou a importação

de bens de consumo.

No plano político, o governo de Vargas chega ao fim de forma melancólica.

Em 1953, ao sancionar a lei sobre os crimes contra o Estado e a ordem política e

social volta-se contra seus principais aliados, o trabalhador urbano, que ficaram

proibidos de participar de manifestações públicas de cunho político. Inúmeras

greves se sucediam, desestabilizando o governo Vargas9.

A pressão das ruas é reforçada pelas vozes, cada vez mais vociferante da

imprensa oposicionista. A pressão parlamentar estava insustentável. Nos

bastidores articulava-se a queda de Vargas. Entretanto, não foi necessário apelar

para o golpe, o suicídio em 24 de agosto precipitou os acontecimentos4

6 DE LUCA, ibid, p. 67. 7 PEREIRA, J. C. Formação industrial do Brasil e outros estudos, São Paulo, Hucitec, p. 54, 1984. 8 PEREIRA, ibid, p. 79. 9 RODRIGUES, M. A década de 50: Populismo e metas de desenvolvimento no Brasil, São Paulo, Ática, p. 51, 1992.

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O tempo de mandato foi completado por Café Filho, que procurou fazer um

governo de transição pautado pela legalidade. Na esfera econômica, colocou um

liberal no ministério da fazenda, que implantou uma política antiestatizante e

favorável à abertura do país ao capital estrangeiro. No final de 1954 iniciaram-se

as articulações para a escolha dos candidatos. Juscelino Kubitschek, governador

de Minas Gerais, seria o candidato do PSD. Os resultados das urnas dão a vitória

ao político mineiro. Novamente pressões políticas capitaneadas pela UDN

tentaram impedir a posse de JK. As tentativas foram infrutíferas, pois, o novo

presidente tomou posse a 31 de janeiro de 1955.

O governo de Kubitschek foi marcado pela estabilidade, fruto da aliança

política entre PSD e PTB, que juntos formaram a maioria no Congresso, o que

possibilitaria a aprovação de projetos que interessavam ao executivo. JK foi, com

se dizia na época um presidente bossa nova. O que ele conseguiu foi “... catalisar

a esperança dos brasileiros, criando uma mentalidade desenvolvimentista”10.

O projeto desenvolvimentista não era, na ótica de JK, um desejo exclusivo

do executivo, mas, sobretudo, um interesse do coletivo, que o vislumbrava como

única alternativa de superar a crise em que o país estacionara. Ao governo “cabe

“sistematizar, expressar e atualizar” a vontade coletiva,...”11.

No plano econômico a atuação de JK foi dúbia, pois, ao mesmo tempo

apoiava o nacionalismo e defendia a abertura da economia para o capital

estrangeiro. Ao contrário do que temiam seus opositores, Kubitschek, diferente de

Vargas, “... permitiu a abertura total do mercado brasileiro, não controlando a

ação do capital internacional no país”12. O capitalismo monopolista desde da

metade dos anos 50 já estava interessado em integrar as economias dos países

periféricos, cuja mão de obra era barata e os governos eram subservientes.

O projeto nacional-desenvolvimentista de JK precisava de capitais externos

para viabilizar seus projetos, entretanto, não desejava ficar manietado por

instituições financeiras internacionais.

10 PEREIRA, ibid, p. 61. 11 PEREIRA, ibid, p. 62. 12 DANTAS F. J.; DORATIOTO. A república bossa nova – democracia populista, São Paulo, Atual, p. 8, 1991.

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Sob o lema “cinqüenta anos em cinco”, base de sua plataforma política na

campanha eleitoral, JK estabeleceu seu programa de governo. O Plano de Metas

tinha por objetivo principal, “... acelerar a acumulação, aumentando a

produtividade dos investimentos existentes e aplicando novos em atividades

produtoras”13.

Para promover uma industrialização acelerada, tinha que,

necessariamente, atacar os problemas crônicos de energia, transporte,

alimentação, indústria de base e educação. Sem dúvida alguma, o sucesso obtido

pelo plano deve-se aos investimentos estrangeiros, que estavam amparados,

desde a época de Café Filho, na Instrução 113 da Sumoc, que oferecia aos

investidores estrangeiros a possibilidade de importação dos bens de produção

sem cobertura cambial.

É importante comparar o volume de empréstimos diretos do exterior dos

governos que o antecederam ao seu: “no período de 1947-1955, foram quase 18

milhões de dólares; na gestão de JK, essas cifras ultrapassaram os 100 milhões

de dólares”14. Nessa época, os Estados Unidos viram-se ameaçado por outras

nações, no tocante aos investimentos no país. A fim de não perderem a

hegemonia, reforçaram os laços comerciais e ampliaram as joint-venture. É

importante observar que as vantagens ofertadas para as empresas estrangeiras

não eram extensivas às nacionais. Segundo DE LUCA15, a FIESP (Federação das

Indústrias do Estado de São Paulo), não deixou de protestar contra esse

tratamento desigual. Essa crítica, também teve ressonância na Confederação

Nacional da Indústria (CNI), que denunciou a desnacionalização do setor,

prejudicada pela importação indiscriminada de máquinas e concorrência desleal

das multinacionais. A inflação foi um dos pontos nevrálgicos do governo JK. Os

excessos de despesas públicas elevaram as taxas inflacionárias, que chegaram

no auge da implantação do Plano de Metas a 20% ao ano5

De qualquer forma o Plano obteve sucesso. O Produto Interno Bruto (PIB),

registrou taxas de crescimento históricas, 10,8% em 1958. A industria cresceu,

por sua vez a taxas médias de 11,9%, crescendo sua participação no PIB, como

13 RODRIGUES, ibid, p. 65. 14 DE LUCA, ibid, p. 72. 15 DE LUCA, ibid, p. 72.

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vaticinou JK. Em contrapartida, no final do governo de Juscelino, observou-se

uma crescente mobilização dos trabalhadores reivindicando reposição salarial.

A pressão inflacionária e da dívida externa eram relativizadas amiúde pelo

Presidente, justificando que era uma conseqüência normal de um crescimento

econômico acelerado e logo haveria uma estabilização natural. O cerco aperta e

JK percebendo que era incapaz de responder satisfatoriamente as exigências do

FMI, que vinha lhe trazendo impopularidade, rompe com a instituição em 1959.

Sem dúvida, o setor industrial privilegiado pela política desenvolvimentista

de JK, foi a automobilística. Em 1955, passa a circular pelos principais centros

urbanos brasileiros, um carro genuinamente nacional, o Romi-Isetta.

A prerrogativa dada ao setor automobilístico tinha razão de ser. A

renovação da frota nacional era onerosa. Ademais, esse era um setor que gerava

muitos empregos diretos e indiretos. Foi criado inclusive uma comissão (GEIA –

Grupo Executivo da Indústria Automobilística) para gerenciar as ações do setor. O

segmento de carros de carga (caminhões, fundamentalmente), foram agraciados

com a ampliação dos privilégios. Não obstante, essas medidas, agradaram

principalmente a classe média que passou a ter acesso a um sonho de consumo.

Entretanto, um aspecto era evidente: “...a indústria automobilística, maior

realização do governo JK, já se constituía sob a forma de oligopólio, ou seja,

situação na qual um diminuto número de companhias dominam o mercado,

determinando preços, qualidade e quantidade de produção. Em 1962, cerca de

70% do mercado brasileiro estava nas mãos de apenas duas empresas:..”16.

O qüinqüênio JK significou o ingresso do país na fase de produção e

consumo de bens duráveis. O avanço das atividades industriais, eminentemente

urbanas provocou uma reação diametralmente oposta na zona rural6

O regime de propriedade, centrado no latifúndio e a utilização de técnicas

obsoletas provocou a pauperização do campo17. O êxodo rural foi a conseqüência

imediata dessa política.

16 DE LUCA, ibid, p. 74. 17 DANTAS; DORATIOTO, ibid, p. 9.

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É importante assinalar que a industrialização também aumentou as

disparidades entre as regiões brasileiras, pois, as novas indústrias instalaram-se

no sul. Juscelino Kubitschek, ainda tentou minimizar esse problema com a criação

da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), que,

entretanto, não obteve os resultados esperados.

A sucessão presidencial de 1960 leva o PSD e o PTB divididos para a

disputa. O vencedor foi um político, que até então só tinha força no Estado de São

Paulo, Jânio Quadros, que tinha como vice, o líder trabalhista gaúcho João

Goulart. Está formada a dobradinha JAN-JAN. O ex- governador de São Paulo

era, então, uma figura ímpar na política brasileira. Dotado de um estilo

extremamente personalista, tipicamente um líder carismático, com um discurso

autoritário e moralista. Seu estilo de vestir e de agir se identificava muito como um

homem do povo. A empatia com as classes menos privilegiadas foi imediata.

Jânio, de certa forma, representava, “... o inconformismo da população com a

difícil situação econômica do final do governo JK. Os eleitores votaram na

promessa de austeridade pública e combate a inflação”18. Entretanto, para a

classe alta um problema se avizinhava com a vitória de João Goulart nesse pleito,

um homem identificado com setores mais à esquerda da sociedade brasileira.

Jânio Quadros conseguiu uma vitória esmagadora nessas eleições. Vitória

creditada ao voto da classe trabalhadora, que enxergava em Jânio uma

possibilidade de melhoria de vida e na classe média, assustada com o

descontrole da inflação que penalizava seus anseios de ascensão social e até de

uma parcela da burguesia, desejosa por uma política de moralidade pública.7

Logo no início de seu governo adota medidas impopulares contra o funcionalismo

público, ganhando antipatia daqueles que o ajudaram a chegar no poder.

Desentende-se com o partido aliado, o PTB, chegando a romper politicamente

como seu vice. Jânio era um homem definitivamente paradoxal.

Ao mesmo tempo em que combatia os regimes totalitários, numa clara

alusão ao comunismo – internamente a esquerda era combatida –, condecorava

uma liderança da Revolução cubana, Che Guevara e ainda sinalizava para os

países do leste europeu, com uma possibilidade de um relacionamento comercial 18 DANTAS; DORATIOTO, ibid, p.12.

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mais estreito. Vis-à-vis, Jânio desagrada à elite conservadora brasileira e

preocupa sensivelmente um aliado histórico do Brasil, os Estados Unidos, severo

crítico da política adotada nos países do Leste. Em pouco tempo, o presidente se

vê isolado politicamente a ponto de ver inviabilizado seu projeto de governo.

No ponto de vista econômico, Jânio Quadros seguiu o apertado figurino do

Fundo Monetário Internacional (FMI), com o qual JK rompera. Eliminou o subsídio

governamental nas importações, causando aumento imediato de alguns produtos

essenciais e para arrematar, congelou os salários. Desvalorizou a moeda (o

cruzeiro), em 100%, encarecendo as importações, principalmente de bens de

produção, essencial para dar continuidade ao processo de industrialização do

país. Entretanto, é importante assinalar que a atividade industrial começa a se

desacelerar. Diante de quadro político que lhe era totalmente desfavorável,

renuncia em agosto de 1961, alegando que “forças ocultas o impediam de

governar”. João Goulart, que na oportunidade, estava em missão diplomática na

China, de acordo com a Constituição, seria o sucessor natural.

Setores conservadores da sociedade brasileira, capitaneada pelos militares

esboçaram uma forte reação contra a posse de Jango, que eles consideravam um

político vinculado ao comunismo internacional e, portanto, desconectado da

realidade nacional. Com o apoio do governador do Rio Grande do Sul, Leonel

Brizola e de outros setores mais progressistas da sociedade articula-se um

movimento – rede da legalidade – com o propósito de garantir o respeito à

Constituição e, por conseguinte, a posse de Jango. A fim de se evitar uma série

crise política, optou-se por uma saída negociada, a adoção do Parlamentarismo.

Jango tornava-se presidente, mas manietado pelas ações do primeiro-ministro.

Três primeiros-ministros se sucederam no cargo, fracassando na tentativa de

combater o mal maior da época, a inflação, que corroia os salários, obstaculizava

o crescimento econômico e desacreditava as instituições. O país entrava num

período de claro acirramento das tensões sociais. A inflação fora, como já foi

assinalado anteriormente, resultado de uma opção político-econômica por

determinado processo de industrialização. O déficit público atingiu dimensões

gigantescas financiando a instalação de industrias.

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Em 1963, com o advento do plebiscito que daria legitimidade ao sistema

parlamentar ou o negaria é levado ao crivo da opinião pública. Vitória do

presidencialismo. João Goulart assume concretamente o poder e sua primeira

ação foi estabelecer o Plano Trienal de Desenvolvimento desenvolvido por

intelectuais, da chamada esquerda moderada, Celso Furtado e San Tiago Dantas.

Era um plano estruturalmente ortodoxo, que visava assegurar uma taxa de

crescimento de 7% ao ano, com a expectativa de a 10% no final do mandato. O

plano fracassou e provocou uma onda geral de greves coordenada por grupos de

esquerda, que cobrava do presidente uma ação verdadeiramente favorável aos

trabalhadores. À direita por sua vez exigia que o governo criasse mecanismos

urgentes de combate à inflação e a defesa de suas conquistas. As indústrias

tiveram queda de vendas, aumento de estoques, redução de encomendas, início

de desemprego e paralisação dos investimentos. Os industriais, então, passaram

a boicotar as medidas restritivas do governo. Havia uma tese, da esquerda de que

o governo era conivente com o capital estrangeiro, que manipulava o preço das

matérias-primas nacionais, barateando-as e era complacente com os constantes

aumentos de importações de produtos industriais. Acusavam os organismos

internacionais, como o Banco Mundial e o FMI, de impor ajustes econômicos

restritivos ao crescimento do país. O fato que a política restritiva corroia as bases

políticas do governo, alimentando a fúria da oposição, que já conspirava nos

bastidores para derrubar Jango.

A queda de João Goulart começa a ser orquestrada pela oposição,

sobretudo, pelos militares após o famoso comício na Estação de Ferro Central do

Brasil. Na oportunidade o presidente comprometeu-se com os trabalhadores em

promover as Reformas de Base, um conjunto de medidas políticas e econômicas

que impulsionariam o desenvolvimento do Brasil, bem como, provocaria

profundas mudanças na sociedade brasileira. Com o argumento de que o Brasil

estava aderindo ao ideário comunista, os militares, pretensamente, em nome do

povo brasileiro, derruba Jango do Poder. Era 31 de março de 1964. Sem

condições de resistir ao golpe, o presidente deixou Brasília em 1o. de abril

daquele ano.

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A queda de João Goulart significou o fim de um período democrático e o

início da mais longa ditadura de nossa história. Foram 21 anos sob a dominação

dos militares, que colocaram no poder cinco generais: Castelo Branco, Costa e

Silva, Médici, Geisel e Figueiredo.

O golpe de 1964, sob o ponto de vista estritamente econômico, não

representou nenhuma mudança radical, sendo responsável pelo aprimoramento e

consolidação do modelo implantado desde 1955. O que vai ocorrer, como aponta

MENDONÇA & FONTES19, é a tentativa de “... recriar as bases do financiamento

das inversões necessárias à retomada da expansão e institucionalizar o processo

da concentração oligopolística que já vinha ocorrendo, só que de modo

desordenado e caótico”. Para alcançar tal intento, a tarefa primeira de Castelo

Branco foi combater a inflação. A saída para a crise econômica que o país se

encontrava passava por uma contenção de despesas. Isso, invariavelmente

provocaria uma recessão, mas que pudesse ser administrada pelo governo. Daí a

denominação: recessão calculada.

Assumindo o controle político do país, os militares procuraram colocar seus

pares em postos chaves na administração pública. No entanto, no comando da

economia seria ocupado pelos liberais, em sua maioria participante do Instituto e

Pesquisa Sociais (IPES).

O economista Roberto Campos passa a ser a figura central desse grupo.

Foi sob sua inspiração que se elaborou o Plano de Ação Econômica do Governo

(PAEG)8 Tratava-se de “... aplicar o liberalismo econômico, às custas da liberdade

política. A eficiência e a racionalidade seriam os critérios de seletividade,...”20.

O resultado dessa política foi à concentração de capitais potencializadas

pelo Estado. Contrariamente do que pregava o ideário liberal, o Estado passa ter

uma forte interferência na economia. Essa interferência era “aceitável”, pois,

beneficiava o grande capital. Um exemplo disso foi à criação da Comissão

Interministerial de Preços (CIP), que autorizava eventuais aumentos de preços.

Os reajustes, somente seriam permitidos caso houvesse um aumento nos custo

da produção ou da matéria prima. Essa postura do governo irá favorecer as

19 MENDONÇA, S. R. de; FONTES, V. M. História do Brasil recente, São Paulo, Ática, p. 21, 1988. 20 MENDONÇA; FONTES, ibid, p. 29.

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grandes empresas, que eram intensivas em tecnologia e, portanto, tinham seus

custos de produção atenuados. Muitas médias e pequenas empresas, que tinham

uma estrutura de custo diferenciada, não resistiram a esse controle e fecharam.

A reforma fiscal que buscava o saneamento das contas públicas acabou

beneficiando aquelas empresas que possuíam mais fôlego para manter-se,

enquanto as menores foram gradualmente sendo eliminadas do mercado. Com

isso, se completa a monopolização da economia brasileira21.

Os militares acreditavam, que com o novo governo, simpático ao capital

internacional; buscando de todas as forma controlar a inflação e tendo a

sociedade sob controle, iria atrair facilmente o capital estrangeiro. Entretanto, isso

não ocorreu. As “... entradas de capital foram decepcionantes,...”22. A confiança

no país precisava ser restaurada e isso não se daria da noite para o dia. O

governo precisaria demonstrar concretamente que mecanismo utilizaria para

combater a inflação, principal elemento inibidor do capital externo. Foi somente

em 1968 que a economia brasileira dará uma inflexão para cima. A inflação

domada, a meta agora era impulsionar o país rumo o desenvolvimento. A

indústria da construção civil será a primeira a apresentar resultados auspiciosos,

graça a política creditícia destinado a dar uma injeção financeira no Banco

Nacional de Habitação (BNH). 9

Este foi o “...início do boom, que logo depois envolveu a indústria

automobilística e outros ramos produtores de bens duráveis de consumo”23.

Mecanismos de créditos foram amplamente utilizados pela classe média para

adquirir a casa própria, cujos ganhos – ao contrario da classe trabalhadora –

estava um pouco acima da inflação. Isso representou um estimulo às atividades

imobiliárias, aquecendo o mercado. É importante frisar que esse fomento a

industria da construção irá concomitantemente reativar indústrias-apêndices, tais

como: industrias de materiais não metálicos, a metalurgia, a de material elétrico,

material hidráulico, etc. Um outro instrumento de captação de recursos, foi a

21 SINGER, P. A crise do milagre. São Paulo, Paz e Terra, p. 87-88, 1982. 22 SINGER, ibid, p. 108. 23 SINGER, ibid, p. 112.

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introdução da poupança privada com a “correção monetária”, com isso pode-se

financiar amplamente os bens duráveis de consumo.

Cabe ressaltar que a demanda efetiva por bens industriais se deu naqueles

segmentos onde havia uma demanda reprimida por parte da classe média alta,

caracterizando um gradual processo de concentração de renda. Como mostra a

Tabela I abaixo, a produção e bens de consumo duráveis, que são comprados por

grupos de elevada renda, cresceram mais que a produção de bens de consumo

não duráveis.

Se levarmos em consideração que parte da produção de bens de consumo

não duráveis visava atender o mercado externo, fica patente a unilateralidade

desse crescimento. Portanto, uma questão, que não está implícita nos dados é a

ênfase que o governo está dando a exportação.

TABELA I – PRODUÇÃO E BENS DE CONSUMO DURÁVEIS

PRODUÇÃO INDUSTRIAL – 1968 – 71 RAMO PRODUTO %

Material de transporte Automóvel 19,1 Material elétrico Eletrodoméstico 13,,9

Têxtil Tecidos e similares 7,7 Alimentos Diversos 7,5

Calçadista / vestuário Diversos 6,8 Fonte adaptada de Singer, p. 112-113. In: A crise do Milagre 10

Essa política voltada ao atendimento da demanda externa produziu

resultados satisfatórios graças a uma conjuntura externa favorável e por uma

generosa política de isenções e subvenções fiscais. A maior parte das

exportações, como já foi frisado era composta de bens de consumo não duráveis,

entretanto, no inicio da década de 1970, passa-se a exportar também, bens de

consumo duráveis. É a consolidação do capital estrangeiro no país. Ao se analisar

os números relativos às exportações verificar-se-a quão importante era para a

economia brasileira; 1 654 milhões em 1967 para 6.199 milhões em 1973, 275%

em seis anos24. O Brasil cresceu economicamente num ritmo acelerado – em

torno de 10% ao ano – entre 1968 a 1973.

24 SINGER, ibid, p. 114.

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Esse comportamento da economia constituirá o “milagre” econômico, já

experimentado por outras nações25, contudo, esse modelo de desenvolvimento

era extremamente dependente de fatores externos. Por volta de 1973 a chamada

“crise do petróleo” passa ocupar lugar de destaque na imprensa e nos

pronunciamentos oficiais. Os dois alicerces do “milagre”: a abundancia de

recursos no mercado financeiro internacional e o favorecimento a empresa

multinacional na estrutura industrial do país, irão sofre duro impacto,

desestabilizando econômica e politicamente o regime. Segundo MENDONÇA &

FONTES26, a crise do “milagre” caracterizou-se “... por duas peculiaridades: foi

uma crise de endividamento e uma crise de fim de fôlego do Estado na

manutenção do ritmo de crescimento”. A economia a partir de 1973, também

começa perder o fôlego. As taxas de crescimento setoriais começam a cair, mas

ainda não se configura uma recessão, pois as taxas de crescimento das indústrias

de transformação, ainda, eram relativamente altas no biênio 1974-74, em torno de

8%. Com o aumento do custo do dinheiro estrangeiro, os investimentos ficaram

proibitivos e elevavam à estratosfera a dívida externa.

O Brasil possuía uma estrutura industrial oligopolística que gradativamente

deixa de investir na produção para direcionar seus capitais para o mercado

financeiro, atraído por taxas cada vez mais sedutoras, pois o governo precisa

utilizar esse instrumento para captar recursos para saldar seus compromissos

internos e externos11 Para atenuar os efeitos da crise conjuntural, o governo Geisel

lança o II Plano de Desenvolvimento Econômico. Inverte-se a prioridade. Sai de

cena o carro-chefe da acumulação brasileira, a industria de bens de consumo

duráveis e entra a industria de produção. Os agentes dessa transformação seriam

as empresas estatais. O II PND enfrentaria alguns problemas para sua

implantação: 1) ensejava uma desconcentração industrial, ou seja, se distanciaria

do eixo Rio-São Paulo, ferindo suscetibilidades políticas e empresariais; 2) teria

de criar mecanismos para desestimular o setor de bens de consumo duráveis; 3)

necessitaria de vultuosos recursos financeiros. A fim de captar recursos no

mercado, o país entra na ciranda financeira, valorizando desmensuradamente

seus papéis, ampliando a dívida interna. Em conseqüência disso a inflação 25 SINGER, ibid, p. 141-146. 26 MENDONÇA ;FONTES, ibid, p. 54.

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dispara e o cambio se desvaloriza, onerando ainda mais o serviço da divida

externa. O PND, apesar de fracassar no seu plano mais geral27, desempenhou

um papel expressivo na estabilização econômica do país, principalmente do que

se refere à inserção no mercado de grandes empresas estatais. Em contrapartida

o plano não conseguiu frear a espiral inflacionária e até 1981 nenhuma das

medidas contencionistas adotadas surtira efeito. Não apenas um modelo de

desenvolvimento tinha se esgotado, mas também um modelo político-

administrativo estava declinando.

No governo Figueiredo, aumentaram os problemas na balança de

pagamentos e as taxas de inflação. A política recessiva proposta pelo ministro

Roberto Simonsen, consegue desagradar ao mesmo tempo ministros militares e

de políticos da base de apoio do governo que participaram de gestões anteriores

e vivenciaram a prosperidade; e da oposição, que cada vez aumentava pela

dissidência parlamentar governista.

Delfim Neto assume a pasta do Planejamento no lugar de Simonsen, que

sofreu intenso desgaste com a crescente pressão da sociedade. O novo ministro

que reeditar o sucesso do milagre, que ele ajudou a elaborar. Para isso

estabeleceu uma estratégia baseada no incentivo a atividade agrícola voltada

para a exportação12

Essa estratégia teria dupla função: baixar o custo de vida e trazer divisas

para o país. Além do mais seria preciso investir maciçamente na geração de

energia e em setores básicos como habitação, saúde e educação. O objetivo

último era melhorar a distribuição de renda no país e diminuir as pressões sociais.

O governo apela para empréstimos no exterior para por em pratica seu projeto de

recuperação econômica. Inicialmente surtiu efeito, pois, o Produto Interno Bruto

(PIB), subiu 6% em relação ao ano anterior.

Entretanto, o país ainda convivia com altas taxas de inflação, chegando a

um recorde em 1980: 110%. As taxas de crescimento se mantinham

relativamente altas, contudo as reservas cambiais diminuíam sensivelmente. Esse

comportamento da economia vai se agrava com a diminuição das exportações. A

27 BELLUZZO, L. G.; COUTINHO, R.(orgs). Desenvolvimento capitalista no Brasil, São Paulo, Brasiliense, p. 58, 1982.

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conjuntura sinalizava para uma recessão. !982 é o ápice da crise, marcado pelo

pedido de moratória pelo Brasil. O acordo feito com o Fundo Monetário nacional

(FMI) em 1983 aprofunda a recessão no país. O governo Figueiredo termina de

forma melancólica. O PIB em declínio; o pagamento da amortização da dívida

externa exauria os cofres públicos, deixando poucos recursos para investimentos;

a inflação não é contida, inaugurando um período que os economistas chamam

de estagflação, ou seja, inflação com recessão; o setor industrial estava

sucateado, aumentando o número de falências; socialmente o país desabou, o

aumento vertiginoso de favelas nesse período é bastante emblemático para

demonstrar a situação da população. A vitória da oposição no Colégio eleitoral em

janeiro de 1985 não foi surpresa, pois, a sociedade exigia mudanças e os votos

favoráveis a Tancredo Neves só refletiram essa vontade.

2.2 Industrialização do Paraná

A atividade industrial no Estado coincide com a intensificação da imigração

e com o auge do Ciclo da Erva-mate, situação observada nas primeiras décadas

do século XX28. Essa atividade só se sustenta até a década de 30, a partir daí o

Estado presencia o crescimento industrial, inicialmente capitaneado pela indústria

madeireira e mais adiante, pelos dividendos oriundos da produção cafeeira13

Essa atividade deu novos contornos econômicos e populacionais para o

Estado. Para se ter uma idéia, a população do Paraná em 1940 era de 1.236.276

mil habitantes. Trinta anos depois, alcança quase sete milhões de habitantes.

Essa migração para o Estado do Paraná deriva da enorme aceitação do café

como produto gerador de renda.

O café vai contribuir enormemente para alavancar a atividade industrial no

Estado. Indústrias ligada ao beneficiamento do produto instalaram-se inicialmente

na Região Norte do Estado, onde surgiram importantes núcleos urbanos como

Londrina e Maringá. O ciclo do café começa dar sinais de esgotamento na década

de 1960. O aumento exagerado da produção provocou uma queda violenta nos

preços, soma-se a isso, a ausência de uma política de valorização do produto,

num mercado que tornar-se-ia extremamente competitivo com a entrada de outros 28 OLIVEIRA, D. Urbanização e industrialização no Paraná, Curitiba: SEED, p. 63, 2001.

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países que se apresentavam com um diferencial na qualidade. Com a queda da

produção cafeeira, bem como da lucratividade que ela proporcionava, os capitais

que estavam em repouso, aguardando uma alternativa de investimento,

encontram retorno, e de forma apreciável, no cultivo de soja. A produção dessa

leguminosa atendia aos interesses exportadores do governo militar, necessitado

de fazer caixa para dar conta dos compromissos financeiros externos. Esse

produto tem excelente receptividade no Estado, chegando a produzir no final da

década de 1970, 40% da produção nacional. Como afirma OLIVEIRA29, os

reflexos na atividade industrial e na urbanização foram enormes, pois todo o

processo produtivo era mecanizado, liberando um grande contingente de mão de

obra para outros setores. O beneficiamento do produto, passa a ser uma

alternativa, bastante rentável, competindo com a exportação do grão in natura.

Partir daí, multiplicam-se empresas que se dedicaram a essa atividade.

Essas iniciativas isoladas de desenvolvimento industrial não consolidava no

Estado uma tendência. Eram circunstanciais e ademais ficavam atreladas as

agroindústrias, normalmente, ancorada a um produto em evidencia no mercado

internacional. Os humores desse mercado deixavam a atividade industrial sujeita

a suscetibilidades, impedindo a sua consolidação14

Foi necessário o poder público chamar par si a responsabilidade de

fomentar esse setor. A partir da década de 1960, vários projetos de

desenvolvimento econômico referenciado na atividade industrial foram

capitaneados pelo governo, na “... necessidade do Estado promover a

industrialização como estratégia de sua superação”30.

Na realidade estava se reproduzindo uma política de desenvolvimento já

aplicada pelo governo Federal, que pretendia dar uma guinada na economia,

privilegiado esse setor. A criação da Companhia de Desenvolvimento Econômico

do Paraná (CODEPAR), em 1962, possibilitou a instalação de uma infra-estrutura

para receber investimentos do setor secundário, além de disponibilizar recursos

para o setor produtivo, notadamente àqueles vinculados ao setor secundário. É

29 OLIVEIRA, ibid, p. 63. 30 OLIVEIRA, ibid, p. 48.

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importante assinalar que os recursos oriundos desta companhia privilegiaram a

industria de bens de consumo. É nesse instante que PADIS31 assinala como o

início de uma política de incentivo à industrialização do Estado. Vale ressaltar que

nessa década o governo do Estado financiou algumas centenas de indústrias,

especialmente àquelas ligadas a extração e elaboração de produtos de origem

vegetal; beneficiamento de produtos da lavoura, “onde se destacam óleos

vegetais e café solúvel;...”32, e ainda a industria de produtos de origem animal,

notadamente frigoríficos.Nesse processo, a Companhia Energia Elétrica do

Estado (COPEL), vai ter um papel preponderante, garantindo o suprimento de

eletricidade, alimentando esse setor.

Em 1970, com o objetivo de dar maior dinamismo ao setor industrial, bem

como, diversifica-lo, a CODEPAR, deu lugar para o Banco de Desenvolvimento do

Paraná (BADEP), que forneceu financiamento àquelas empresas do Estado que

apresentassem vantagens comparativas em relação as dos demais Estado15

31 PADIS, P. C. Formação industrial do Brasil e outros estudos, São Paulo, Hucitec, p. 195, 1981. 32 PADIS, ibid, p. 196

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A Tabela II é um demonstrativo, onde se percebe o perfil monopolista das

industrias.

TABELA II - PARTICIPAÇÃO RELATIVA DO VALOR DA PRODUÇÃO DAS GRANDES EMPRESAS DO PARANÁ NO VALOR AGREGADO DE VÁRIOS GRUPOS - 1995

GRUPO INDUSTRIAL NÚMERO TOTAL DE

EMPRESAS

NÚMERO DE GRANDES

EMPRESAS

PARTICIPAÇÃO PERCENTUAL

DAS GRANDES EMPRESAS

SOBRE O VALOR AGREGADO

PELO GRUPO Beneficiamento de café, cereais e produtos afins

1.204 6 28,42

Fabricação de açúcar 4 1 72,16 Abate de animais 120 2 40,20 Café solúvel 2 2 100,00 Rações balanceadas e alimentos preparados para animais

19 3 66,47

Moagem de trigo 44 1 50,43 Preparação de leite e fabricação de laticínios

37 3 62,16

Beneficiamento de fibras têxteis 36 4 38,47 Desdobramento de madeira 1.413 31 40,85 Produtos de madeira compensada, aglomerada e prensada

69 1 27,44

Cimento 3 3 100,00 Papel e celulose 17 1 61,10 FONTE: IPARDES. Subsídios ao diagnóstico sócio-econômico do Paraná. Indústria 2a. Fase. Curitiba, 1976, p. 172.

No plano espacial, observou-se no Paraná uma concentração industrial. O

caso da cidade industrial, criada em 1973 é emblemático. Segundo OLIVEIRA33

as regiões industriais no Estado resumem-se a três, quais sejam: a de Curitiba,

onde se concentram os ramos industriais de bens de consumo duráveis e de

capital16 A de Ponta Grossa, concentra-se o maior complexo agroindustrial do

Estado e a de Londrina, sede de industrias de bens não duráveis. OLIVEIRA,

emenda dizendo que Curitiba e região metropolitana são as de longe as mais

importantes, que pode ser constatado pela arrecadação do Imposto sobre

33 OLIVEIRA, ibid, p. 55.

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Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). A Tabela III é uma confirmação da

supremacia da Grande Curitiba sobe as demais regiões do Estado.

TABELA III - DISTRIBUIÇÃO DO VALOR ADICIONADO DA INDÚSTRIA PARANAENSE, SEGUNDO MICRORREGIÕES – 1975-1979

MRH 1975 1979 Abs. % Abs. % (a) % (b) 268 Curitiba 3.883.123 32,3 52.082.141 52,7 41,7 269 Litoral Paranaense 183.570 1,5 1.997.519 2,0 2,5 270 Alto Ribeira 58.667 0,4 395.854 0,4 0,5 271 Alto Rio Negro Paranaense 2.345 0,0 61,768 0,0 0,1 272 Campos da Lapa 196.634 1,5 1.100.716 1,1 1,4 273 Campos de Ponta Grossa 1.881.627 15,6 10.289.883 10,4 12,8 274 Campos de Jaguariaíva 61.370 0,5 276.283 0,2 0,3 275 São Mateus do Sul 30.418 0,2 139.554 0,1 0,2 276 Colonial de Irati 120.483 1,0 779.234 0,7 1,0 277 Alto do Ivaí 9.456 0,0 60.792 0,0 0,1 278 Norte Velho de Wenceslau Braz 13.298 0,1 68.021 0,0 0,1 279 Norte do Novo Jacarezinho 455.385 3,7 2.742.012 2,7 3,4 280 Algodoeiras de Assaí 105.708 0,8 690.746 0,6 0,9 281 Norte Velho de Londrina 1.742.395 14,5 9.459.708 9,5 11,7 282 Norte Novo de Maringá 841.563 7,0 3.574.526 6,6 4,4 283 Norte Novíssimo de Paranavaí 254.575 2,1 578.408 0,5 0,7 284 Norte Novo de Apucarana 207.172 1,7 1.638.248 1,6 2,0 285 Norte Novíssimo de Umuarama 195.193 1,6 1.228.163 1,2 1,5 286 Campo Mourão 153.114 1,2 1.067.646 1,0 1,3 287 Pitanga 29.844 0,2 75.170 0,0 0,1 288 Extremo-Oeste Paranaense 499.450 4,1 3.496.110 3,5 4,4 289 Sudoeste Paranaense 194.468 1,6 1.143.754 1,1 1,4 290 Campos de Guarapuava 438.293 3,6 3.187.544 3,2 4,0 291 Médio Iguaçu 450.450 3,7 2.668.906 2,7 3,3

TOTAL 12.008.607 100,0 98.802.804 100,0 100,0 FONTE: IPARDES. Subsídios ao diagnóstico sócio-econômico do Paraná: indústria 2a. Fase. Curitiba, 1978, p. 140.

(a) Participação no valor agregado total (b) Participação no valor agregado. Exluindo-se de Curitiba e do total do Estado o valor

agregado gerado pela Petrobrás.

A iniciativa privada, tendo como porta-vozes a Federação das Industrias do

Paraná (FIEP) e a Associação Comercial do Paraná (ACP), somou-se aos

esforços do poder público para reivindicarem junto ao governo Federal recursos

para reforçar o parque industrial do Estado. A instalação de uma Refinaria da

Petrobrás no município de Araucária foi uma demonstração de sensibilidade do

governo Central aos apelos da elite empresarial paranaense. Essa pressão

produziu resultados, pois no decênio 1970-80, observou-se um aumento do

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emprego industrial na ordem de 8,9%, em função disso o setor industrial vai

gradativamente assumir a liderança na distribuição relativa da renda gerada

internamente no Estado. É importante salientar que nesse mesmo período a

População Economicamente Ativa (PEA) na construção civil cresceu 8%. De

qualquer modo, a industrialização do Paraná foi construída nos moldes da

industrialização nacional, ou seja, atendendo o mercado externo (ao Estado ou ao

país). Com o esgotamento desse modelo na década de 1960, o reflexo dessa

débâcle paradigmático foi impactante para o Estado. Sua produção industrial caiu

vertiginosamente, principalmente, como observa PADIS34 por ser do ramo

alimentício, já atendido satisfatoriamente por tradicionais indústrias de outros

Estados. Outro fator apontado pelo autor para explicar o refluxo da atividade

industrial do Paraná foi o melhoramento das vias de transporte, principalmente na

região centro-sul, facilitando um intenso fluxo de produtos de outros Estados no

espaço geográfico paranaense, aumentando sensivelmente a concorrência, com

um agravante para as empresas nativas: concorrência externa era mais intensiva

em tecnologia, permitindo operar com custos menores e em função disso

abocanhar uma maior fatia do mercado.

Na década de 70, no auge do “milagre econômico”, a industria paranaense,

sofre uma metamorfose, diversificando seu parque industrial, voltando-se para os

setores mais modernos35.

A edificação da Cidade Industrial de Curitiba era uma demonstração dessa

mudança, que em 1973, sua implantação era visto com certa descrença, hoje

abriga mais de quatro mil empresas (Gazeta do Povo, caderno de economia, p.17

de 12 de março de 2003) e de quebra transformou o bairro no mais populoso da

cidade e maior em extensão. O retorno dos investimentos será observado nas

décadas seguintes, demonstrados na sensível recuperação do Imposto de

Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Cabe ressaltar que as empresas

que impulsionaram o parque industrial sediado em Curitiba, foram às empresas

multinacionais, como a Bosh, Volvo, New Holland, Siemens, entre outras17

34 PADIS, ibid, p. 199. 35 LOURENÇO; VOLACO, p. 10, 1989.

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28

As empresas nacionais (inclusive paranaenses) vieram a reboque, que

juntas possibilitaram a conexão da economia paranaense à economia global Esse

processo de transformação da economia paranaense, sentida com mais

intensidade a partir da década de 1970 é também extensiva ao campo.

2.2.1 Mecanização do campo paranaense

A fim de realizar um arrazoado sobre o processo de modernização

tecnológica no campo paranaense buscar-se-a apoio na abordagem que

FLEISCHFRESSER36 utiliza para analisar a transformação no processo produtivo

agropecuário no Estado, que ela assinala como “ ... conseqüência de alterações

nos padrões de acumulação da economia com crescente subordinação da

agricultura ao capital industrial...”. Entendendo que o uso intensivo de tecnologia

no meio rural conduz a uma mercantilização da atividade, visto que os custos de

produção serão todos monetarizados. O modelo implantado no Paraná estava

inserido num projeto mais amplo capitaneado pelo governo Federal e que tem na

região centro-sul grande receptividade. A ideologia que dava sustentação a esses

empreendimentos estava no desenvolvimento do setor primário.

Para alcançar essa condição seria necessário investir maciçamente em

novas técnicas de plantio, na utilização da química; na recuperação ou

fortalecimento do solo, na utilização em larga escala de defensivos agrícolas e

obviamente, na mecanização dos estabelecimentos agrícolas em todo o Estado.

Diante disso, o setor ganharia maior dinamismo e geraria um aumento

considerável da produção e pari passu, acabaria com a carência alimentícia e

produziria excedentes para a exportação. Além de criar uma demanda para a

produção de bens de capital, que alimentaria a produção industrial urbana. Essa

articulação teria que ser orquestrada pelo poder público, contudo, a

operacionalização ficaria a cargo da iniciativa privada, que contaria com os

préstimos governamentais18 Essa política de estímulos à atividade agrícola remonta

a década de 1960, quando o governo criou o Sistema Nacional de Crédito Rural

(1965), que tinha um objetivo implícito de mitigar as tensões sociais no campo. 36 FLEISCHFRESSER, V. Modernização tecnológica da agricultura, Curitiba, Chain, p. 11, 1988.

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A diferença dessa nova proposta é que estava embutida uma nítida

conotação capitalista, dentro do ideário desenvolvimentista do Regime Militar.

Data desse período o surgimento de empresas públicas de assistência técnica e

extensão rural (EMBRATER) e de pesquisa agropecuária (EMBRAPA) forjando

um caráter mais profissional e cientifico às iniciativas governamentais ligadas ao

setor, bem como, de amparo ao produtor. A política de preços mínimos e o

estímulo à atividade exportadora, adicionada aos subsídios: aos insumos

agrícolas e no maquinário deram projeção ao setor.

Essa política voltada para o homem do campo, implementado a partir da

década de 1970, não foi extensiva a todos homens do campo. Primeiro, porque

nem todos foram contemplados com o crédito rural, que curiosamente, beneficiou

os médios e grandes proprietários em detrimentos aos pequenos, que dedicavam

a agricultura familiar; Segundo, a exigência do mercado na padronização do

produto (tamanho, peso, etc), implicava na incorporação de tecnologia no

processo produtivo, que por sua vez demandava investimentos. Esse pré-

requisito também alijava o pequeno agricultor e às vezes até o médio produtor da

disputa comercial. Ademais, havia uma pressão (por múltiplos agentes), para o

cultivo de determinado produto. Nesse pormenor, foi de suma importância, a

utilização da propaganda como elemento indutor, ensejando uma pressão

ideológica sob o produtor. Esse processo de modernização foi perverso como os

pequenos, que amiúde, negociavam suas propriedades e partiam para um outro

desafio. Um outro aspecto que contribui na reflexão dessa modernidade está

relacionado com a produção de bens de capital voltados para a agricultura (trator,

colheitadeira, insumos, etc). Havia uma forte presença de capital estrangeiro no

setor, a rigor, inexistia uma produção tecnológica endógena37. Essa presença

também se faz notar no beneficiamento e comercialização da produção19 Sobre

esta questão, FLEISCHFRESSER acrescenta: “Desse modo pode-se concluir que

o tipo de tecnologia introduzida na agricultura brasileira e paranaense surgiu a

partir desse complexo ao redor do setor agrícola...”. O que se pode concluir é que

os que não se modernizam são eliminados do mercado. Não obstante, ao

incorporar a modernidade implica também em eliminação da força de trabalho, 37 FLEISCHFRESSER, ibid, p. 14.

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pois a mecanização reduz o tempo de trabalho necessário e com menos braços.

Os insumos irão atuar sobre a produtividade do trabalho. Mão de obra, passa ser

um insumo descartável. Na linguagem marxista, diria-se que a mais-valia a ser

apropriada pelo capitalista rural aumenta barbaramente.

O processo de mecanização no Estado do Paraná não foi homogêneo, seja

na sua intensidade ou temporalidade, variou a cada Micro Região Homogênea

(MRH). Ela apresentou “graus e ritmos diferentes de integração à modernidade

tecnológica,...”38, e teve na soja, o produto-genêse desse processo. Produto de

grande aceitação no mercado internacional e que trazia de roldão, um pacote

tecnológico, que se estendia do cultivo à comercialização. Esse produto teve no

estado do Paraná incentivo governamental à sua produção, como garantia de

preços mínimos; crédito de investimento e custeio subsidiado. Duas são as

conseqüências imediatas da mecanização do campo.

A primeira é o aumento vertiginoso da produtividade e, por extensão da

produção; a segunda é o êxodo rural, que provocará uma urbanização acelerada.

O fato é que o Paraná, na década de 1970 vai experimentar alterações

expressivas na base produtiva. É em função disso se produziria um deslocamento

populacional no estado. Para se ter uma idéia, de 1940 a 1970, a população rural

vinha crescendo num ritmo ascensional. A partir da década de 1970 observar-se-

á um decréscimo impressionante. Isso, segundo FLEISCHFRESSER39, deve-se à

erradicação dos cafezais (década de 1960) e o esgotamento das fronteiras

agrícolas no Estado (década de 1970). A substituição de cultura implicaria

necessariamente na absorção de tecnologia no processo produtivo a fim de torna-

lo competitivo. Além de um redimensionamento na estrutura agrária20

É relevante a informação de que a redução da população rural é comum

nos países em processo de industrialização, e mesmo nos industrializados, pois

existem condições para a produção de bens de capital para o setor e uma vez

que o processo produtivo é conduzido por esse tipo de tecnologia é natural a

gradativa diminuição da população rural. No entanto, o que surpreende no caso

38 FLEISCHFRESSER, ibid, p. 17. 39 FLEISCHFRESSER, ibid, p. 21.

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paranaense é a intensidade em que se incorporou a tecnologia na agropecuária,

bem com a expansão para todas MRH, que na jusante vai provocar o êxodo rural.

A Tabela IV abaixo é corroborativa para se verificar a gradativa migração do uso

da força animal para a mecanizada.

TABELA IV - GRADATIVA DO USO DA FORÇA ANIMAL E MECANIZADA ANOS Nº. TOTAL DE

ESTABEL. C/USO DE

FORÇA ANIMAL

% C/USO DE FORÇA

MECÂNICA

%

1970 554.488 249.333 45,00 16.286 2,9 1975 478.453 254.641 53,00 122.269 25,6 1980 454.103 254.380 56,00 201.108 44,3

Fonte: Censo agropecuário do Paraná – 1970/1975/1980, In: FLEISCHFRESSER, p. 27.

Apesar da maioria dos estabelecimentos rurais ainda utilizarem a força

animal é notório a utilização da força mecânica no setor. O que impressiona é a

velocidade em que essa mudança se processa, em 10 anos, a mecanização

passa de 3% para mais de 44% . Essa metamorfose se dá no rastro do “milagre”

econômico. Outros dados, também corroboram para demonstrar a intensidade em

que a agricultura paranaense incorpora essa nova realidade: de 1970 a 1980, o

número de empresas que passam a utilizar maquinário na atividade agrícola salta

de 10% para 45%40; àquelas que passam a fazer uso de outros insumos

(fertilizante, corretivo de solo, defensivos agrícolas, etc), octuplica.

Como já foi assinalado anteriormente, nem todos se beneficiam desse novo

paradigma agrícola no Paraná21

Para evidenciar a apropriação desses benefícios por poucos41, utiliza o

trator como um elemento emblemático nessa questão, cuja produção industrial é

ascensional no Estado O dados apontam que essa produção está assim

distribuída: 93% da produção são absorvidas pelas grandes empresas agrícolas;

4% por arrendatários; 3% divide-se entre parceiros e ocupantes. O uso das

colheitadeiras como referencia, mostrou um resultado será similar. Destarte, a

mecanização da agricultura acompanhou pari passu um processo seletivo de

agricultores, eliminando os menores (até 20ha) e proletarizando outra parcela.

Como nem todas MRH se mecanizaram concomitantemente, quando uma 40 FLEISCHFRESSER, ibid, p. 29. 41 FLEISCHFRESSER, ibid, p. 31.

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liberava força de trabalho ainda se encontrava emprego em outra. O

descolamento para o meio urbano foi uma opção para àqueles que não viam

perspectiva nesse processo migratório dentro do espaço rural. Gradativamente o

trabalho assalariado iria ganhar relevo nas relações de trabalho no campo. Muitos

passaram a viver nas franjas das pequenas cidades, para ao mesmo tempo ter

contato com o campo (trabalho) e com o urbano (conforto, estudo, lazer, etc).

O que fez que essa população rural fosse cada vez mais buscar a

incorporação no mercado de trabalho urbano foi a característica que vai adquirir o

trabalho assalariado no campo, o da eventualidade; o trabalho temporário sem

garantias sociais. Então, como afirma FLEISCHFRESSER se “desmistifica a idéia

das regiões atrasadas, serem responsáveis pela evasão da população rural” 42. O

desejo que brota no camponês de abandonar o campo se fortalecesse quando ele

enxerga no desenvolvimento industrial nos grandes centros urbanos a perspectiva

de dias melhores22

42 FLEISCHFRESSER, ibid, p. 69.

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3. URBANIZAÇÃO E METROPOLIZAÇÃO

A urbanização é um fenômeno recente, tipicamente do século XX. Pois

então vejamos, no início do séc. XIX, apenas 8% da população mundial vivia nas

cidades. No início do séc. XX esse número dobra, atingindo 15%. Atualmente a

média no mundo é de 55% e com o desenvolvimento econômico – em processo

de industrialização – de algumas nações do Sul Geoeconômico, notadamente nas

chamadas nações emergentes, o ritmo de crescimento urbano é espantoso. Esse

movimento ascensional ganhou velocidade principalmente depois da Segunda

Guerra Mundial. Nos países subdesenvolvidos (Sul Geoeconômico), a

urbanização está associada a períodos de crescimento vegetativo muito elevado,

principalmente nas regiões mais pobres. Esse aumento da população urbana não

encontrou um poder público – normalmente descapitalizado e endividado –

preparo suficiente para que pudesse dar conta de atender uma demanda por

infra-estrutura, moradia, educação, saúde, transporte coletivo, etc, no mesmo

ritmo de crescimento populacional, gerando amiúde, situações de extremo

desconforto, atingindo especialmente a população pobre. No que tange aos

países subdesenvolvidos podemos adicionar ainda, a adoção de modelos

econômicos excludentes, onde é perceptível em seu espaço geográfico a

concentração fundiária e precariedade nas condições de vida do camponês, que o

empurra rumo aos grandes centros urbanos,que diante disso, crescem

desordenadamente. O aparecimento de favelas e similares é sintomático. O que

vai acontecer efetivamente é uma transferência das precárias condições de vida

do camponês do campo para a cidade. A fim de clarificar essa questão da

urbanização, as tabelas abaixo se mostrarão elucidativas.

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TABELA V - TAXAS DE URBANIZAÇÃO

Países desenvolvidos Países recentemente industrializados

PAÍS 1960 1998 2015 País 1960 1998 2015

Bélgica 92 97 98 Cingapura 100 100 100

Reino Unido 86 89 91 Hong Kong* 85 95 97

Alemanha 76 87 90 Argentina 74 89 92

Austrália 81 85 86 C. do Sul 28 84 92

Japão 63 78 82 Brasil 45 80 87

Estados Unidos 70 77 81 México 51 74 78

Canadá 69 77 80 Malaísia 27 56 66

França 62 75 79 China 19 33 46

*região devolvida a China em 1999.

Várias leituras podem-se fazer dessa exposição. Entretanto, a que mais

chama a atenção são as taxas de urbanização elevadas dos países que estão em

processo de industrialização, onde as estimativas sinalizam para uma superação

em relação aos industrializados, onde a urbanização foi se consolidando

gradativamente, sem traumas para a população e sem estrangular o orçamento

público. A rigor há dois conjuntos básicos de fatores que condicionam a

urbanização: os atrativos, que seduzem os migrantes com destino às cidades e os

repulsivos, que os enxotam do campo. Ambos já foram analisados no capitulo

anterior, na esfera nacional e regional.

No Brasil, o processo de urbanização data da década de 1930 e foi

marcado pela velocidade e pela forma desordenada como ocorreu. Os reflexos

desse processo deram origem a uma plêiade de problemas urbanos e agravaram

os problemas sociais no Brasil. O destino da maioria dos migrantes resumiu-se a

poucas cidades, que acabaram se transformando em metrópoles com sérios

problemas sociais e ambientais. Entretanto, foi a partir da década de 1950 é que

se percebe um deslocamento mais efetivo e contínuo da população rural para os

grandes centros. Esse fenômeno esteve presente em todas regiões do Brasil.

A Tabela clarifica essa tendência43. Percebe-se através dos números que a

partir da década de 1970 a urbanização duplicou em quase todas a regiões do

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país, metamorfoseando definitivamente o perfil das grandes cidades brasileiras.

Esse crescimento se horizontaliza espacialmente a ponto de envolver as cidades

circunvizinhas, dando origem a um outro fenômeno: a metropolização.

As regiões metropolitanas brasileiras foram criadas por lei aprovada no

Congresso Nacional, em 1973, e definidas como “um conjunto de municípios

contíguos e integrados socioeconomicamente a uma cidade central, com serviços

públicos e infra-estrutura comum”. Segundo a Constituição de 1988, os governos

estaduais teriam a prerrogativa de “... instituir regiões metropolitanas,

aglomerações urbanas e microrregiões,...” (Constituição Federal de 1988, Art. 25

Parágrafo 3o). No Brasil, até o ano 2000, foram legalmente reconhecidas 19

regiões metropolitanas. Duas Nacionais (São Paulo e Rio de Janeiro) e as demais

de influencia regional.

3.1 Urbanização e Metropolização no Paraná

O processo de urbanização no estado é mais perceptível nos anos 70,

quando as taxas de crescimento atingem 5% ao ano. Curitiba é um reflexo desse

crescimento, quando na década de 1980, alcança 5,78%, bem superior a média

nacional, que no período media 2,48%. Alias, Curitiba em poucas décadas (1950-

80) recebe um aporte populacional espantoso. No Paraná, esse número é

engrossado a partir dos anos 80, quando ocorrem as migrações de retorno, que

trazem para o estado àqueles paranaenses que tentaram a sorte no norte do país

e em “... função do esgotamento das oportunidades de inserção produtiva na

fronteira agrícola do norte do país e as dificuldades imposta pela crise econômica,

...”, buscam oportunidades (de empregabilidade e investimentos) nos grandes

centros urbanos de seu estado natal23

44

Em 1970, o Paraná contava com cinco municípios com 50 mil habitantes,

(em 1996 são 24). E dois terços da população residiam no campo. Afim de

entender melhor esse processo de urbanização é mister retroceder a década de

60, quando se implanta no país, um novo modelo agrícola nacional, subordinado

43 ANUÁRIO estatístico do Brasil 1998. Rio de Janeiro. IBGE,1999. v. 58./IBGE. Censo 2000. Disponível em: < www.ìbge.gov.br>. Acesso em: 20 mar. 2003. 44Revista Características e Tendências – Redes Urbanas Regionais, p.50

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aos ditames do capitalismo, que encontra boa receptividade no Paraná que parte

para um processo de mecanização na atividade agropecuária. Destarte, em

poucos anos o Paraná passa de região receptora a expulsora de população no

país. Tornando-se um exemplo desse novo paradigma na agricultura que

inaugura uma nova e intensa fase de expulsão do homem do campo. Esse fluxo

populacional iria refletir nas cidades. As áreas que irão apresentar forte evasão

populacional estão localizadas no norte e noroeste do estado, justamente onde o

processo de mecanização já está em curso. Pari passu, um outro fenômeno se

desenrola: o esvaziamento populacional dos pequenos municípios. Uma parte

dessa população migra para os centros urbanos de maior envergadura

econômica, do estado ou para fora dele. Não é a toa que a Grande Curitiba

cresceu a uma taxa de 2,28% na década de 1980, recebendo migrantes de todas

regiões do estado.

Em 1940, dos 49 centros urbanos, apenas dois (Curitiba e Ponta Grossa),

registravam mais de 20 mil habitantes, representando 44% da população urbana

do estado. 30 anos depois, o estado ainda era predominantemente rural, apenas

36% da população total, viviam nas cidades. Em 1970, dos 228 municípios,

somente 19 possuíam mais de 20 vinte mil habitantes (57% da população total do

Paraná). Nessa mesma década, observa-se os primeiros efeitos da mecanização

agrícola, quando registrou-se o desaparecimento de 170 mil postos de trabalho no

campo, representando, na época 9% da população rural45. Um outro dado que

acusa mudanças na composição da força de trabalho no campo, foi a redução da

mão de obra familiar em quase 20%. Em contrapartida, no decênio 1979-80, a

PEA urbana cresceu 7,5%, acima da média nacional.

No mesmo período para corroborar com o processo de urbanização, a

indústria já se apresentava na liderança na geração de renda24

As transformações que se processavam no campo paranaense somados

as possibilidade de empregabilidade e por extensão de melhoria de vida nas

cidades, fez com que 2,7 milhões de pessoas deixassem de residir no meio

rural46. Metade foi absorvida pelas áreas urbanas do próprio estado. A outra parte

46 MAGALHÃES, M. V. O Paraná e as migrações – 1940-1991. Tese de Mestrado. Belo Horizonte, p. 40, 1996.

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37

direcionava-se para o interior paulista. As cidade de Campinas e Sorocaba, foram

povoadas na década de 1970, por paranaenses. Desse lote, 350 mil foram para a

região norte do Brasil, aventurar nas novas fronteiras agrícolas do Brasil47. Como

a região norte do Paraná, foi a que primeiro incorporou as inovações tecnológicas

aplicadas a agricultura, constituindo dessa forma o locus onde as transformações

sociais ocorreram de forma mais intensa, destarte, foi a região do estado que

mais liberou mão de obra. Isso explica porque a taxa de urbanização no Paraná

quase dobrou no decênio 1970-80. E dentro desse contexto, “... a Região

Metropolitana de Curitiba reforçou de maneira expressiva seu caráter

concentrador de população do estado,...”48. Como a industrialização concentrou-

se muito na Grande Curitiba, foi sintomático o crescimento populacional da

Região Metropolitana de Curitiba(RMC), mantendo níveis de ascendência

superior às das Regiões Metropolitanas brasileiras. Para se ter uma idéia desse

crescimento é só conferir os números: em 1990, três dos nove municípios

paranaenses com mais de 100 mil habitantes, estavam na RMC; na década de

1980, o montante populacional da RMC, representava 19% da população total, na

década de 1990, sobe para 24%.

Parte dos migrantes que se locomoveram em direção a Curitiba,

buscaram, mais tarde fixidez na RMC. No início da década de 1970, para cada

dez habitantes dos municípios da RMC, quatro não haviam nascidos no local25

Esse número sobe para seis até o final dessa década, ou seja mais da

metade dos habitantes da RMC já não são mais naturais da região. A Tabela VI

traça uma comparação entre duas grandes cidades do sul do Brasil, Curitiba e

Porto alegre assinalando a evolução populacional de suas respectivas Regiões

Metropolitanas.

46 MAGALHÃES, ibid, p. 45. 47 MAGALHÃES, ibid, p. 47. 48 MAGALHÃES, ibid, p. 58.

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TABELA VI - POPULAÇÃO TOTAL E URBANA DAS REGIÕES METROPOLITANAS DE CURITIBA E PORTO ALEGRE E DE SEUS RESPECTIVOS PÓLOS. PARTICIPAÇÕES PERCENTUAIS EM RELAÇÃO À POPULAÇÃO DO BRASIL. DA REGIÃO SUL E DO ESTADO – 1960/1996 REGIÃO

METROP. POPULAÇÃO

METROP. POPULAÇÃO

TOTAL (%)

POPULAÇÃO DO PÓLO

B/A %

Total (A)

Urbana R.M/ Brasil

R.M./ Reg.Sul

R.M./ Estado

Total (B)

Urbana

Curitiba 1960 472.464 - 0,67 4,01 11,08 356.830 - 75,53 1970 821.233 656.469 0,88 4,98 11,85 609.026 584.481 74,16 1980 1.440.626 1.325.275 1,21 7,57 18,88 1.024.975 1.024975 71,15 1991 2.000.805 1.877.232 1,36 9,04 23,68 1.615.035 1.315.035 65,73 1996 2.369.636 2.578.303 1,51 10,08 26,23 1.476.253 1.476.253 62,30 Porto Alegre

1960 1.027.507 - 1,47 8,72 19,07 635.125 - 61,81 1970 1.531.257 1.408.474 1,64 9,28 22,97 885,545 869.783 57,83 1980 2.231392 2.148.079 1,88 11,72 28,70 1.125.477 1.114.867 50.44 1991 2.922.135 2.829.967 1,99 13.99 33.99 1.263.403 1.247.529 43.24 1996 3.105.966 2.973.051 1,98 13,21 32,23 1.288.879 1.255.054 41,50

FONTE: Censo Demográfico – IBGE: Contagem da População – IBGE.

Esse gradativo aumento da população urbana em Curitiba, deve-se ao seu

desenvolvimento econômico, principalmente no que tange ao aspecto industrial,

atividade que cria a expectativa de oferta por empregos e de melhoria na infra-

estrutura. Essa explosão populacional é mais marcante a partir da década de

1970, coincidentemente, no mesmo período o Estado assiste uma grande evasão

no campo, devido a escassez de empregos, resultado direto da mecanização.

O que se percebe efetivamente é um movimento de trocas internas entre

as regiões do Estado. Na década de 1980, mais de 700 mil pessoas se

movimentaram pelo Paraná em busca de fixidez. Na década de 1990, o

movimento é um pouco menor, mas não menos impressionante, são mais de 500

mil pessoas, perdendo em intensidade somente para os Estado de São Paulo e

Minas Gerais.

Apesar das trocas serem internas – entre a regiões do Estado -, “...

percebe-se com clareza que a Metropolitana(grifo nosso) é o destino comum e

preferencial dos migrantes do interior”49 26

49 KLEINKE; DESCHAMPS E OUTROS – Movimento migratório da região metropolitana de Curitiba. 1986-1991 e 1991-1996. Metropolis em Revista, Curitiba: COMEC. V.2. n.1. p21-29. Dez.2000).

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39

As pesquisadoras também constataram que a Região Metropolitana

recebeu 37,4% dos migrantes do Estado, na década de 1980. Sendo que destes,

54,4% destinam-se ao meio urbano. Outro relevante que se pode extrair dessa

pesquisa é que 91% da população que vem do interior fixa-se na Região

Metropolitana.

A propósito, a RMC, desde outrora possuía uma vocação agrícola,

particularmente na produção de hortifrutigranjeiros, que atendia a demanda de

Curitiba, que por sua vez atendia a outras necessidades dessas municipalidades.

Dessa forma se consubstancia uma relação de dependência, onde a divisão

territorial do trabalho fica bem evidenciada. A tabela abaixo, é emblemática, pois,

mostra um aporte demográfico significativo na maioria esmagadora dos município

que margeiam Curitiba. A Tabela VII permite vislumbrar percentualmente a

urbanização sofrida pelos municípios que compõe a franja de Curitiba.

TABELA VII - POPULAÇÃO TOTAL POR MUNICÍPIOS - REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA – 1950/1980

Município 1950 1960 1970 1980 Almirante Tamandaré 8.812 10.220 15.299 34.168 Araucária 11.524 16.553 17.117 34.799 Balsa Nova - - 4.704 5.288 Bocaiúva do Sul 20.490 18.346 1.697 12.119 Campina Grande do Sul - 7.982 7.891 9.798 Campo Largo 26.365 32.272 34.405 54.839 Colombo 6.331 8.719 19.258 62.881 Contenda - 8.361 7.224 7.556 Curitiba 180.575 361.309 609.026 1.024.795 Mandirituba - - 11.036 15.452 Piraquara 11.199 11.573 21.253 70.640 Quatro Barras - - 4.066 5.710 Rio Branco do Sul 16.378 20.429 25.133 31.767 São José dos Pinhais 35.768 28.888 34.124 70.634 Total 317.442 524.657 821.233 1.440.626 FONTE: Censo Demográfico – IBGE.

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TABELA VIII - POPULAÇÃO DE URBANIZADA DOS MUNICÍPIOS - REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA – 1950/1980

Município 1950 1960 1970 1980 Almirante Tamandaré 14,45 15,76 28,03 79,21 Araucária 12,49 28,97 31,97 77,96 Balsa Nova - - 23,23 23,87 Bocaiúva do Sul 6,86(1) 11,45(1) 13,16 19,28 Campina Grande do Sul - 3,77 4,04 31,61 Campo Largo 15,29 23,35(1) 46,29 68,20 Colombo - 15,66(1) 5,67 87,43 Contenda - 13,84 15,53 46,29 Curitiba 78,21 97,22 95,97 100,00 Mandirituba - - 12,36 46,70 Piraquara 12,59 19,38 56,99 86,25 Quatro Barras - - 27,17 61,17 Rio Branco do Sul 4,84 9,97 20,16 45;36 São José dos Pinhais 13,46(1) 28,49 62,93 80,42 Média (exclui Curitiba) 11,60 20,20 33,90 72,25 Média Regional 20,26 73,24 79,91 91,99 FONTE: Censo Demográfico – IBGE. NOTA: Sinal convencional utilizado – Município criado após o período (1) Município desmembrado

Segundo, ULTRAMARI;MOURA50 “ A intensidade do processo de

urbanização no espaço metropolitano deve-se a dois fatores basicamente: O

primeiro vinculado à presença de atividades produtivas e geradoras de emprego,

como ocorre em Araucária, (...) São José dos Pinhais e (...) Rio Branco do Sul,

(...). O segundo fator, e nesse caso o mais forte, está ligado ao custo da terra e as

restrições impostas pelo planejamento urbano de Curitiba que ...”. Destarte, a

coorte que perambulava pelo estado em busca de fixidez, vai encontrar na RMC,

uma possibilidade de adquirir seu espaço de vivencia, o lote, em módicas

prestações e quebra não ficaria distante do local de emprego e dos benefícios da

cidade grande. Como ressalta, DURHAN51, “... nenhuma migração pode ser

compreendida exclusivamente como um deslocamento geográfico. As migrações

também representam uma movimentação no universo social, ...”27

A possibilidade de mudar de vida e dar perspectivas à família seduz o

migrante e o faz encarar desafios dantes não enfrentado. Vis-à-vis, a cidade

50 ULTRAMARI, C.; MOURA, R. (orgs). Metrópole: Grande Curitiba – Teoria e prática, Curitiba: IPARDES, p. 9, 1994. 51 DURHAN, E. R. A caminho da cidade, São Paulo, Perspectiva, p. 136, 1978.

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grande se apresenta como o elixir para todos os males que mortifica essa coorte

e acena com boas possibilidades de retomada de projetos pessoais ou coletivos,

todavia, de posse de um equipamento cultural pouco apropriado para o universo

urbano DURHAN52, tornam-se massas de manobra dos mais variados interesses

e tem sua força de trabalho depreciada que a coloca, na maioria das vezes no

limite da sobrevivência.

A incorporação do migrante no mercado de trabalho não se dará na

atividade industrial, uma vez que ele não possui os pré requisitos necessários(

qualificação técnica, educação formal adequada, experiência profissional,etc)

para o trabalho fabril. A maioria vai ser alocada no setor de serviços ou na

construção civil, como mostra essa tabela da década de 1970.

28

29

52 DURHAN, ibid., p. 168.

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TABELA IX – POPULAÇÃO ECONOMICAMENTE ATIVA. NATURAIS E MIGRANTE. SEGUNDO O RAMO DE ATIVIDADE – OUTROS MUNICÍPIOS DA RMC – 1976 (ABSOLUTOS E PERCENTUAIS) POPULAÇÃO ECONOMICAMENTE ATIVA

RAMO DE ATIVIDADE

MIGRANTE

NATURAIS

NS - NR

TOTAL

Atividade Industriais 5.952

61,1 16,7

3.794

39,9 24,5

- 9.746

100,0 19,0

Construção Civil 7.157

85,2 20,1

1.247

14,8 8,0

- 8.404

100,0 16,4

Comércio de Mercadorias

4.130

67,8 11,6

1,943

31,9 12,5

16

0,3 21,6

6.089

100,0 11,9

Prestação de Serviços

9.215

75,5 25,9

2.956

24,2 19,1

42

0,3 56,8

12.213

100,0 23,9

Transporte. Comunicação e Armazenagem

2.577

64,9 7,2

1.397

35,1 9,0

- 3.974

100,0 7,8

Atividades Sociais 1.144

67,9 3,2

542

32,1 3,5

- 1.686

100,0 3,3

Administração Pública

1.922

57,8 5,4

1.402

42,2 9,0

- 3.324

100,0 6,5

Profissionais Liberais 197

64,8 0,6

107

35,2 0,7

- 304

100,0 0,6

Outras Atividades 443

77,0 1,3

132

23,0 0,9

- 575

100,0 1,1

Setor Primário 1.506

55,6 4,2

1.204

44,4 7,8

- 2.710

100,0 5,3

NS - NR 1.367

63,1 3,8

783

36,2 5,0

16

0,7 21,6

2.166

100,0 4,2

TOTAL

35.61

0

69,6 100,0

15.507

30,3 100,0

74

0,1 100,0

51.191

100,0 100,0

FONTE: IPARTES – Diagnóstico Habitacional da RMC -1978 - Tabulações Especiais.

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Esse dados referem-se àquela população que possui o devido registro

empregatício, ou seja, no trabalho formal. Os números da informalidade são

imprecisos e sofrem alternância de acordo com a conjuntura econômica.

Retomando uma questão anterior, que justifica a fixação da maioria dos

migrantes na RMC, a casa própria é a meta permanente dessa coorte, que em

suas andanças pela vida se submeteu as oscilações dos alugueis, que a levava a

mudar de espaço de morada constantemente, pois, representava um percentual

significativo no orçamento doméstico. A “... casa própria é um ideal generalizado e

tem, certamente, um valor instrumental. A compra de um terreno e a construção

de uma casa, em geral, por partes e vagarosamente, constitui uma das poucas

formas de capitalização ao alcance do trabalhador”53. Alem disso, a moradia

própria também significa segurança, pois, “... uma população sujeita a períodos

de desemprego, a casa própria garante a satisfação da necessidade fundamental

de abrigo e alojamento...54. A RMC, foi construída com o esforço de migrantes

que ali aportaram desde a década de 1950, entretanto, o povoamento vai ocorrer

de forma mais efetiva a partir da década de 1970. atualmente é a região de maior

densidade demográfica do Estado e é de longe a que mais cresce do ponto de

vista populacional. De um modo geral abriga uma população – na maioria – de

baixa renda e de baixa escolaridade. Um fator condiciona o outro.

Alguns municípios devem sua construção a esses migrantes, que fizeram

desse espaço geográfico seu mundo, sopese, a total falta de infra-estrutura da

maioria deles. O município de Almirante Tamandaré é um deles30

3.2 Almirante Tamandaré nesse contexto

Almirante Tamandaré é um dos 24 municípios que compõe a Região

Metropolitana de Curitiba. Possui uma área – bastante acidentada – de

aproximadamente 276 mil quilômetros quadrados, abrigando uma população que

gira em torno de 90 mil habitantes (IPARDES, no período de 1996-98), localizado

a 17 quilômetros de Curitiba. Nesse município encontra-se todos os problemas

advindo de um processo de urbanização acelerado e construído ao sabor de seu

53 DURHAN, ibid., p. 174. 54 DURHAN, ibid., p. 175,

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crescimento populacional. Dentre os problemas sociais, um dos mais relevantes é

o acesso a propriedade imobiliária. Em função do descompasso entre a oferta e a

demanda por lotes na região e de uma política habitacional que não atende a

contento àquele estrato social menos privilegiado economicamente, a ocupação

dos terrenos se deram – e se dão – de forma desordenada, desobedecendo

inclusive, questões ambientais. Não raro se constata, a ocupação irregular de

terrenos, estimulados pelo movimento dos sem-tetos. Loteamentos clandestinos,

e por essa condição, desprovidos de qualquer infra estrutura formam a imagem

do município. Um dos loteamentos que passaram por um processo de

aquinhoamento legal foi o Parque São Jorge, situado, quase na divisa entre

Curitiba e Almirante Tamandaré. Extra oficialmente foi fundado em 1947,

entretanto, os primeiros registros datam de 1953, todavia a ocupação efetiva se

dará a partir de 1960. A área, ocupada hoje pelo bairro, foi outrora espaço de

coleta de madeira. A atividade agrícola na região foi prejudicada pelos desníveis

de terreno. A atividade econômica principal é a mineração: extração do calcário.

Atividade industrial pouco intensiva em tecnologia, não obstante, menos

poluidora. Os danos ambientais são visíveis. O referido bairro, possui 1500 lotes,

sendo o maior do município e um dos mais populosos. Possui uma atividade

comercial, ainda débil, devido a forte dependência – em todos os aspectos – de

Curitiba. O bairro, a exemplo de quase todo município, constitui naquilo que em

geografia se convencionou chamar de cidade dormitório, pois, a maior parte da

população – da cidade e do bairro – possui vínculos empregatícios na capital.

Sopese, todas essas questões, o bairro do Parque São Jorge é extremamente

importante para o município, pois, se constitui num importante contribuinte

fazendário; possui o maior colégio eleitoral e a onde se percebe as maiores

transformações no espaço urbano e na economia, entretanto, pouco se conhece

de sua história. A história do bairro não tem registro, mas ela está viva. Vive nas

lembranças de antigos moradores.

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4. DEPOIMENTOS

O objeto da pesquisa, o bairro Parque São Jorge, localizado nas franjas da

capital, originalmente era uma área de extrativismo vegetal (corte de madeira de

baixa qualidade para a obtenção de lenha e carvão vegetal) pertencente a um

antigo desbravador da região chamado Francisco Kruger, que ali instalou-se

provavelmente na década de 1940( não há uma comprovação que ateste a

autenticidade da data). Um especulador imobiliário, de nome Altair Barros,

adquiriu parte das terras de Kruger, que atualmente corresponde ao referido

bairro e, pleiteou junto as autoridades competentes, a implantação de um

loteamento. Esse pedido foi feito a comarca a qual Almirante Tamandaré estava

vinculada, ou seja, ao município de Colombo, no ano de 1951. No entanto, a

autorização para a comercialização dos lotes só veio em 1953. Barros, tinha

várias atividades comerciais, entre elas, a de representação de produtos

masculinos( polainas, capas de chuva, galochas, etc.), que revendia no Estado do

Paraná e em outros Estados, principalmente Santa Catarina. Ele e seus

empregados, em suas andanças por esses Estados, aproveitavam e ofereciam o

loteamento, com o argumento de que logo a região se valorizaria, em função da

proximidade com Curitiba. Em virtude dos baixos preços dos lotes, bem como, as

excelentes condições de pagamentos seduziram muita gente, que por impulso

adquiriram lotes sem conhecer o lugar, confiando na palavra dos vendedores.

Muitos compradores, arrependiam-se tempos depois e paravam de pagar as

prestações, diante da impossibilidade de mudança para os arredores de Curitiba;

outros quando vinham conhecer os terrenos, não se agradavam e vendiam sua

gleba ou mesmo abandonavam o lote e suspendiam o pagamento das

prestações. Destarte, muitos lotes foram revendidos várias vezes, amiúde,

criando problemas para o agente imobiliário, pois, nem mesmo ele participava das

negociações. Muitos lotes não foram vendidos e outros, por muito tempo ficaram

praticamente abandonados pelos proprietários, propiciando a posse indevida por

uma população totalmente desprovida de recursos e cônscia de que a lei não lhes

atingiria. Possuem a posse de fato mas não de direito. No início do loteamento,

poucas pessoas se interessaram em residir na região, face a total falta de infra

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estrutura. Conforme depoimento dos moradores mais antigos, a ocupação vai

ocorrer de forma muito lenta até 1970. A partir daí com a urbanização mais

acelerada de Curitiba, que provocou uma especulação imobiliária exagerada,

atingindo de forma perversa a população de baixa renda. Boa parte dessa

população que vai se fixar em Curitiba – muitas vezes oriunda do interior do

Estado – vai ter dificuldades de se sujeitar ao aluguel, em função dos aumentos

acima de seus rendimentos. Diante dessa realidade, essa coorte, com poucas

alternativas, vai se locomover em direção às fímbrias de Curitiba. É dessa forma

que o bairro do Parque São Jorge, em Almirante Tamandaré vai ser

gradativamente ocupado, com mais intensidade. Esse bairro foi construído com

os esforços dessa massa de migrantes, que testemunharam o crescimento da

região e hoje se constituem os porta-vozes da história do bairro.

O bairro possui, atualmente mais de 10 mil habitantes, no entanto, boa

parte dessa população veio habitar esse espaço geográfico a partir de meados da

década de 1980 e, fundamentalmente na década de 1990. A população mais

antiga é pequena, pois, muitos já morreram, outros se mudaram, restando poucas

famílias que armazenam a história do bairro. Portanto, o processo de seleção, foi

de certa forma facilitado, uma vez que os “antigos”, ainda vivem na área central

do bairro e a maioria, ainda mantém relações de amizade, quando não familiar (é

comum a relação de compadrio), entre si. O contato com essa população se deu,

na maioria dos casos, por indicação dos próprios entrevistados. O processo de

coleta de informação via entrevista, tinha dois momentos: a) o contato inicial, para

se verificar o interesse o morador em se submeter a um interrogatório e deixando

por sua conta a marcação do dia e horário;) b) a entrevista propriamente dita, que

teve, em média duas horas, por pessoa.

Pode-se constatar que a maioria dos entrevistados (oito no total), com

poucas exceções, encontram-se ainda em condições materiais que não

correspondem a sua luta pela sobrevivência. É muito provável, que tal condição

deva-se a sua pouca formação profissional, que não lhes permitiram acumular

riqueza. Pode-se agregar um outro fator, a maioria constituiu uma prole

numerosa, que consumia toda a renda gerada pelo trabalho do pai de família (a

maioria das esposas se atinham ao trabalho doméstico). Seus espaços de

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morada pouco se modificaram ao longo dos anos. Muitos, ainda hoje, se vêem

obrigado a ter uma ocupação laboral que complemente a renda da aposentadoria.

Percebeu-se que todos se sentiram prestigiados quando souberam que

seriam alvos de uma pesquisa acadêmica. Isso foi demonstrado no ato das

entrevistas, quando se verificou que essas pessoas se arrumavam como se

aquele momento representasse um acontecimento social de relevo. Assumiam

uma postura professoral, procurando valorizar seu conhecimento, buscando

inclusive rebuscar o vocabulário, mesmo que na maioria das vezes, o léxico fosse

gramaticalmente mal empregado. Os depoimentos resgatavam a auto-estima e

davam um sentido de utilidade às suas vidas.

O primeiro a ser entrevistado foi o senhor Gabriel Kubis, morador há 40

anos no bairro (um dos primeiros moradores). Passou a toda a mocidade na

região, chegando a trabalhar na estação de rádio Cultura, instalada na década de

1960, na região, como eletricista. Ainda na sua mocidade, muda-se para Curitiba,

acompanhado a Radio, que iria se fixar no bairro do Boa Vista. Depois de

trabalhar quase toda vida nessa empresa, retorna para o bairro tamandarense,

onde vai se estabelecer como comerciante. Atualmente com 69 anos vive da

aposentadoria de proventos originários de aluguéis. A entrevista foi em sua casa,

onde estavam presente sua mulher e um filho pequeno. O dia marcado por ele foi

um sábado pela manhã, depois do culto religioso (demonstrou ser um homem

bastante ligado à igreja). No dia da entrevista, estava bem trajado. Era perceptível

seu didatismo e a excepcional memória. A conversa foi acompanhada por uma

mulher (sua companheira provavelmente) em silencio.

O segundo entrevistado foi com o senhor José Baranhuk. Um homem de

aparência física saudável, sopese os 74 anos de idade e a longa barba branca.

Radicado no bairro a 38 anos. Oriundo de Irati, onde trabalhava na lavoura. Veio

para Curitiba, em 1957, com a mulher e três crianças, indo trabalhar numa Olaria

no Bacacheri e posteriormente foi incorporado na construção civil e depois na

industria metalúrgica.Atualmente, dedica-se a horticultura e a criação de animais

domésticos. Na época natalina, é bastante requisitado pelo comercio de Curitiba,

pela sua aparência que lembra Papai Noel. Recebeu-nos em sua casa –

construção original –, num sábado à tarde. A casa, bastante humilde, pelo que

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pode observar, tinha passado por uma faxina. Móveis antigos, onde se percebia

os constantes remendos. Encaminhou-nos para cozinha, onde estava a esposa.

Mulher sisuda, com uma personalidade diametralmente a dele, que era risonho e

extremamente emotivo. Havia banhado-se e aparado a longa barba. Vestia uma

roupa de domingo. Deu a impressão que tinha se preparado para uma sessão de

fotografias. Mostrou-se a todo instante muito solícito e disse ter disponibilidade

para a tarde toda. Chegou a deixar documentos a disposição, caso fosse

necessário uma confirmação para sua fala. Como o entrevistado já tinha tomado

conhecimento das eventuais perguntas da entrevista, semanas antes desse

contato, ele preparou um discurso bem articulado, com o intuito de impressionar.

E impressionou. Possuía uma boa oratória e em suas inflexões se percebia uma

forte conotação religiosa, que não só amparava seu discurso, mas

fundamentalmente, deu-lhe forças para superar as vicissitudes da vida. Amiúde

se emocionava – a ponto de brotar lagrimas dos olhos – com determinadas

passagens da vida onde ficava caracterizado as fortes provações pelo qual

passou. Aquelas referentes à famílias eram as mais maçantes. A vivacidade e o

didatismo de sua narração levava-nos a imaginar àqueles episódios dentro de

uma moldura fílmica. Fomos embalados por sua história a ponto de extrapolar o

tempo previsto para a entrevista. Na conclusão dos trabalhos, ainda nos indicou

pessoas que poderiam ser útil à nossa empreita.

O terceiro entrevistado, José Cordeiro, era um velho conhecido nosso.

Antigo comerciante do bairro – foi proprietário do primeiro armazém da região.

Atualmente mora num bairro vizinho. Está aposentado e sua lida principal hoje é

preservar o patrimônio de uma igreja protestante nessa localidade, num trabalho

voluntário. Chegou no bairro Parque São Jorge em 1971, vindo da zona rural do

município de Cerro Azul, juntamente com a família. Ao chegar no bairro, adquiriu

um lote com uma casa de madeira, que já estava à algum tempo à venda. Apesar

das precárias condições da casa, o local era privilegiado, na rua principal – hoje

avenida Antonio Johnson, prolongamento da avenida Anita Garibaldi – e ainda de

esquina, apropriado para uma atividade comercial.

Cordeiro, aceitou o convite, para que a entrevista fosse realizada na casa

do entrevistador. Aproveitou-se a oportunidade de que o entrevistado estava num

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trabalho comunitário em sua igreja, localizada justamente em frente da moradia

do entrevistador. A conversa se deu no intervalo do trabalho. Inicialmente, seu

comportamento foi tímido, provavelmente em função do local da entrevista.

Depois se soltou e fez um depoimento bastante esclarecedor. Curiosamente, toda

vez, que se quis discutir a política local, ele demonstrou desconhecimento,

denotando desinteresse por assuntos políticos – ele mesmo, em certa altura da

conversa, assumiu isso – fazendo, inclusive confusão em relação aos dirigentes

do executivo local de outrora. Dos entrevistados foi o que mais ascendeu

socialmente e materialmente. Apesar de não ser um homem de muitas posses,

deixou uma vida confortável para os filhos. Seu relativo sucesso ele tributa a sua

prática religiosa.

O entrevistado de número quatro, senhor Mario Bizzi, 71 anos, proprietário

de grandes extensões de terras na região, foi o mais despojado nas vestimentas.

Não é um homem rico, as terras são herança familiar e ademais são

desvalorizadas em função da topografia do terreno. Entretanto, possui uma vida

confortável, se compararmos aos outros entrevistados. Possui uma pequena

empreiteira, que atualmente os filhos e filhas tomam conta. É o único que nasceu

na região, suas mudanças de moradia se limitaram ao espaço de suas terras.

Recebeu-nos em sua espaçosa casa, às 10:30 de um sábado, conforme

combinamos. Tivemos que esperar um pouco até que ele cortasse a lenha que

servia de alimento de um antigo fogão. Nos locomovemos até a cozinha, onde

estava sua esposa: senhora Terezinha Coradazi Bizi, que o ajudou a contar a

história do bairro. Foi única entrevista que teve um envolvimento mais efetivo de

um casal. Apesar da boa vontade do entrevistado, ele demonstrou um pouco de

desconhecimento sobre o processo de ocupação do bairro. Sua alegação era que

seus interesses econômicos (empreiteira), prestava serviços para a prefeitura de

Curitiba e para a de Almirante Tamandaré (na sede). Portanto, a maior parte de

seu tempo, inclusive nos fins de semana, estava comprometido com atividades

além do Parque São Jorge. O que se pode perceber foi que ele era a pessoa a

quem outros recorriam em caso de urgência, pois, foi um dos poucos da região a

adquirir automóvel, que lhe dava o status de homem rico. Status que ele sempre

recusou por, segundo ele, não representar a verdade. A relação de amizade que

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mantinha na região, deslocou-se, algumas vezes, para uma relação de

compadrio. Ainda hoje é visto na região como um benfeitor.

O quinto entrevistado foi a senhora Rosa Maria Fruhwirth Lindner, que veio

para o município com três anos de idade. Está hoje com 67 anos. Foi uma

entrevista curta, pouco mais de uma hora. Realizou num fim de tarde de uma

sexta feira. Ela que agendou o encontro, que se efetivou em sua residência. Das

casas visitadas, sem dúvida essa era a mais impressionante, que apesar das

reformas ainda guardava o estilo das construções da década de 1950-60. Foi, por

muito tempo a casa mais bela da região. Nas proximidades da casa funcionou,

por muito tempo um abatedouro de suínos e em anexo um açougue e uma

industria de embutidos. Esse estabelecimento industrial-comercial pertencente a

família, conquistou na época prestigio e passou a ser referencia na região.

Atendia encomendas de toda Curitiba e até fora dela. Na década de 1980, já

viúva e sem descendentes diretos, encerraram as atividades. Atualmente, vive da

aposentadoria e de recursos provenientes de vendas de terras ( a família teve

propriedades de importância locacional na região) e de uma granja para a

subsistência. Mostrou na entrevista muita lucidez em relação aos acontecimentos

de seu tempo, entretanto, não acompanhou de perto a ocupação do bairro. Muito

do que comentou são reproduções de historias de outros, seus contemporâneos.

Chamou a atenção para uma impressionante coleção de animais embalsamados

– muitos da fauna da região - que era o hobby de seu marido.

O sexto a ser entrevistado, senhor Leopoldo Nunes, é um homem muito

conhecido na região, pois, é funcionário – sem vínculos empregatícios – de uma

imobiliária, de propriedade de Francisco Farley, que uma década após a morte

Altair Barros (1983), daria continuidade a (re)venda dos lotes. Recebeu-nos em

sua humilde casa, que é ainda a mesma desde da época que veio morar no

bairro. A única diferença é que agora o telhado não é mais de madeira com capim

(artifício utilizado – sem sucesso – para evitar goteiras), substituído por telhas de

amianto. Da mesma forma que o senhor Baranhuk, ele já estava esperando-nos

bem aprumado numa manhã de sábado. Separou documentos com a finalidade

de comprovar seu envolvimento em alguns movimentos reivindicatórios do bairro.

Demonstrou ser um homem atuante politicamente. Possui boas relações com o

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poder público municipal. Essa relação de intimidade com essa instancia de poder

está presente em seu depoimento, que o colocaria como uma pessoa importante

na ótica do executivo e legislativo municipal. Acompanhou de perto o crescimento

do bairro, estando presente em todos os grandes acontecimentos de vulto na

região.

O sétimo entrevistado foi o senhor Vinícius Vicente, 60 anos. Morador a 30

anos no bairro. Veio de Imaruí, interior de Santa Catarina, onde trabalhava na

lavoura, para trabalhar no município de Araucária, na terraplanagem da futura

refinaria da Petrobrás, no estado. Após o desligamento na empreiteira,

perambulou por vários empregos de diversas áreas, até se fixar como pequeno

comerciante no núcleo do bairro.Chegou alcançar uma relativa prosperidade, mas

com a proliferação de estabelecimentos comerciais similares ao seu, faliu no fim

dos anos 90. A entrevista ocorreu no espaçoso sobrado, conquista da época do

período de fartura no comercio. Em seu depoimento demonstrou ser um profundo

conhecedor do bairro, bem como de sua população, em função da importância

que tinha na região (era comerciante) e também pela andança diárias pelo

município que o mantinha em contato freqüente com antigos e novos moradores.

Teve dificuldades com datas e nomes, mas teve lucidez suficiente para lembrar

de aspectos importantes que contribuíram para o desenvolvimento do bairro.

4.1 As dificuldades da ocupação

A maior parte da população que se deslocou para o parque São Jorge,

pertenciam a um extrato social, desprovido de recursos financeiros. Todos a

firmam que a instalação de moradia no município foi a única alternativa

encontrada de adquirir a casa própria. Os parcos recursos que possuíam, foram

empregados na entrada do pagamento do lote, assumindo prestações de longos

anos, que comprometia boa parcela de seus salários, como demonstraram nos

depoimentos:

LEOPOLDO NUNES (LN): “dei 6 mil(faz confusão com a moeda da época) de

entrada e assumi muitas prestações de 20 reais( não sabe precisar quantas,

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necessitaria consultar os documentos). Na época eu recebia como padeiro, 90

reais. Era custoso para a prestação...”.

JOSÉ BARANHUK (JB): “não me lembro direito quanto dei de entrada, acho que

foi dois mil, (...) só sei que tinha um carnê com 50 prestações e eu paguei tudinho

...”

Havia dinheiro suficiente para dar entrada no lote, mas não havia recursos

financeiros para construir a moradia. Entretanto era necessário fazer a mudança,

pois, não haveria possibilidade de pagar aluguel – na maioria das vezes em

Curitiba – e assumir as prestações do lote. O orçamento familiar não suportaria,

pois, muitas dessas famílias eram numerosas;

LN: “...vim eu e mais a mulher e oito filhos. Trouxe toda a minha mobília e um

pouco de madeira para iniciar um casebre, mas a madeira foi pouca, tive que

deixar todos os moveis no relento por vários dias, até construir a casa com ajuda

de vizinhos ...”

JK: “... foi muito difícil. Eu não tinha dinheiro para nada. Faltava dinheiro até para

comida. Fiz o rancho do jeito que deu e depois fui arrumando devagar...”

“JOSÉ CORDEIRO (JC): “... cheguei aqui e comprei uma casinha lá em cima, na

esquina. Era bem velha, mas eu não tinha dinheiro para uma melhor. O que eu

precisava de imediato era um teto...”.

“ROSA LINDNER (RL): “... Deus do céu , quando viemos para cá não tinha nada.

Era só mato. Não tinha luz e nem água...”

O loteamento não oferecia nenhuma infra-estrutura, se bem que , naquela

época década de 1960, nem Curitiba possuía – nem nos melhores bairros – uma

condição diferente. Mas alguns quesitos básicos para a sobrevivência, também

estavam ausentes.

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LN: “... quando vim para cá não tinha luz e nem água. A luz ia só até o cachoeira

(bairro limítrofe entre Curitiba e Almirante Tamandaré). Depois veio até o quatorze

(antigo ponto da estrada de ferro), antes da linha de trem. Fizemos abaixo

assinado para trazer a luz aqui para cima, e nada. Aí os moradores, por conta

própria começaram a puxar luz para suas casas. Mas para mim foi difícil, eu não

tinha dinheiro nem para a fiação...”.

JB: “... era triste ver as crianças e a mulher buscar água no córrego lá embaixo (o

córrego que o depoente se refere, atualmente está poluído, pois serve de esgoto

sanitário para a maioria dos lares da região), então eu passei a copiar meus

vizinhos e fiz um poço, uso até hoje ...”

JC: “... a luz veio para cá, primeiramente para o Papa (o depoente refere-se ao

Colégio Papa João Paulo I), nem na igreja tinha luz elétrica...”.

GABRIEL KUBIS (GK): “...a água veio bem depois, lá pelos anos 80. todo mundo

tinha poço aqui, quem não tinha usava de quem tinha. E a água era muito boa.

Hoje (...) o meu está desativado ...”

GK: “... a avenida São Jorge era um carrero. Quando chovia era uma desgraça

só...”

A compra de víveres era outro sacrifício para os moradores. A mesma

dificuldade era extensiva a saúde( postos de saúde, farmácias). Os locais de

comercio estavam muito distante do bairro e o atendimento hospitalar mais

próximo ficava no Bairro do Juvevê, a quase quinze quilômetros de distancia.

MARIO BIZI (MB): “... aqui não tinha nada. Se quisesse comprar alguma coisa

tinha que ir até o Ahú (bairro de Curitiba – distancia de aproximadamente doze

quilômetros). Eu cansei de ir de carroça. (...) quando se desejava ir num médico

(mulher de MB), tinha que sair daqui de carroça de madrugada. Não tinha frio,

não tinha chuva não...”

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GK: “... Se se quisesse comprar alguma coisa simples, dava pra ir no armazém

do Valério (um dos armazéns mais antigos da região, localizado a uns três

quilômetros do bairro), mas se quisesse comprar algo mais sofisticado, aí sim,

tinha que ir lá no Favaro...” (armazém de secos e molhados de prestígio,

localizado no bairro do Ahú, distante a mais de dez quilômetros do bairro).

JC: “... quando eu abri minha venda não tinha nenhuma outra no bairro (...)

vendia alimentos básicos e outras miudezas ...”

RL: “... o nosso açougue era o único da região,mas vinha gente de tudo o que

lado comprar (...) final da semana isso aqui era cheio, trabalhava a família

inteira(...)

VENÍCIUS VICENTE (VV): “... quando cheguei aqui, lá pelos anos 70, só tinha a

venda do Zé Cordeiro. Venda grande né. Tinha espalhado por aí por baixo alguns

botecos ...”

Um dos grandes empecilhos para o desenvolvimento do bairro era o

transporte coletivo. Até a década de 1970, o transporte rodoviário ia somente no

limite do município de Curitiba. Gradativamente, com o passar dos anos, com os

diversos abaixo assinados e o aumento da população na região as linhas de

ônibus foram se expandindo. Entretanto, até meados da década de 1980, o

transporte de massa da região era realizado por trem, que vinha de Rio Branco do

Sul e ia parando de estação a estação até Curitiba (havia um ponto no Cachoeira,

outro no Ahú, depois no Cristo Rei e finalmente na Ferroviária Central). Tanto um

meio de transporte quanto o outro tinham horários muito espaçados, limitando o

transito com a capital.

JB: “...O trem, tinha um de manha cedo, depois ao meio dia e depois só no final

da tarde...”

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GK: “o único meio de transporte que passava aqui fora de horário(década de

1970) era a condução que trazia o pessoal da radio (na década de 1960/70, havia

na realidade uma antena da Radio Cultura, onde trabalhava algumas pessoas),

de resto somente carroça...”

VV: “...usei muito o trem. Aquilo ia lotado todo o dia. Muitos não pagavam

passagem. Como ele ao aproximar da estação diminuía a velocidade, muita

gente pulava. O cobrador de quepe, ia cobrando das pessoas com o trem já

correndo. Ah, não dava conta ...”

Algumas obras no bairro, mudaram sua feição e aceleraram sua ocupação.

A maioria dos depoentes são unânimes em afirmar que a partir da construção de

algumas edificações publicas e privadas a vida melhorou e os lotes passaram a

ser ocupados, animando os moradores antigos.

LN: “... me dava uma alegria, quando eu via uma casinha sendo construída. Aos

poucos foi aparecendo uma ali, outra acolá e ia crescendo. Isso animava ...”

LN: “a construção do grupo (Colégio Estadual Papa João Paulo I), foi importante.

Foi o prefeito que pediu-me para achar uma área para construção. Fez isso, por

que eu conhecia tudo aqui né. Aí eu consegui eu pensei (...) vou arrumar um

terreno perto da minha casa, pois eu tinha filhos pequenos né, que iam estudar lá

no Cachoeira. Assim ia ficar mais perto, fui esperto, né. Até o secretário da

educação que estava aqui aprovou (não se pode confirmação essa informação),

ficava bem no alto,né.

GK: “...aonde é o colégio era para ser a Igreja Anjo da Guarda (a principal igreja

católica do bairro), mas o padre não quis. Ele dizia que quem ia subir no morro

para ir na missa. Não aceitou. Aí mudaram para cá...” (para uma região mais

plana, na avenida principal, Antonio Johnson).

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RL: “... o único grupo que tinha por aqui era o Coronel (Escola Municipal Coronel

João Candido de Oliveira) , um coleginho de madeira, depois fizeram o Papa, aí o

negocio cresceu para as bandas de lá ...”

LN: “...o Monza que é o hoje esse enorme supermercado, quando veio para cá,

ficava ali ó (aponta com a mão), na rua Santa Maria, onde agora é uma igreja de

crente. Depois compraram a esquina aqui(Avenida Antonio Johnson) e virou isso

aí que é hoje (...) esse mercado trouxe gente para cá sim. Por que aí o pai já via

que tinha escola, mercado, .... o ônibus já estava passando na avenida. Aí

começou a ficar bom...”

Historicamente, o município de Almirante Tamandaré, serviu aos interesses

políticos da capital. Isso é até compreensível, uma vez que boa parcela de sua

população possui atividades profissionais na cidade, portanto, é legitimo que

candidatos ao legislativo, principalmente estadual, venham buscar voto no

município, mas é inaceitável que transformem a região em “curral eleitoral”, sem

proporcionar retorno a população. Os prefeitos que já passaram pela

administração municipal, sempre buscaram estabelecer vínculos com o legislativo

(estadual ou federal) a fim de viabilizar a perpetuação de determinadas famílias

no poder. Esse constituía o apoio externo. Todavia, era necessário garantir as

eleições dentro das fronteiras municipais. Destarte, a escolha de lideranças nos

bairros sintonizadas com seu projeto eram fundamentais para garantir um

resultado favorável no pleito. Essa escolha, amiúde, recaia sobre àqueles que

tinham conhecimento do bairro; prestigio na comunidade e eram bem

relacionados com os moradores. Esse era o perfil que o a elite política local

buscava. Invariavelmente, esse recrutamento recaia sobre a população mais

antiga da região, que equivocadamente, acreditavam estar sendo prestigiada pela

classe política. Em seu universo, era um evidente sinal de que eram importante.

Por isso citam o nome do prefeito, do vereador, em suas falas, com uma certa

intimidade, como fossem parceiros. A relação de dominação, subordinação ficava

obscurecida na inocência do morador, que se tornava uma liderança na região e

um bom puxador de votos.

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LN: “... o Eurípedes (prefeito na década de 70), convidou-me para escolher a área

onde ficaria o colégio ...”

VV: “... o Perussi (prefeito na década de 80) foi um bom prefeito, construiu muita

coisa ...”.

GK: “...o Wolf (um dos primeiros prefeitos da cidade), nunca mais se elegeu e

nem elegeu ninguém da família, por que trocou o nome da cidade para Timoneira(

fato ocorrido na década de 50) até se mudaram daqui ...”.

MB: “...olha, eu não me meto em política e mesmo assim já sofri perseguição (...)

é tudo igual...”.

JB: “... ah, o melhor foi o Eurípedes. Construiu a escola, pavimentou as ruas (...)

trabalhei muitas vezes para ele (...) mas o melhor de todos foi o Lovato, o

vereador Vicente Lovato, era um homem muito bom...”

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5. CONCLUSÃO

O município de Almirante Tamandaré ainda se enquadra na categoria

sócio-econômica de “cidade-dormitório”, pois, uma parcela significativa de sua

população econômica ativa tem vínculos empregatícios com Curitiba. A atividade

extrativa não gera riqueza para o município. As tentativas de promover o

desenvolvimento industrial na região, seguindo o rastro da guerra fiscal, não

produziu resultados. A arrecadação municipal é insuficiente para dar conta da

enorme demanda social. Boa parte dos estabelecimentos comerciais são de

pequeno porte e de baixíssimo faturamento e por conta disso não buscam a

legalidade fiscal, preferem ficar atuando na ilegalidade. A maior parte dos

arruamentos não possui pavimentação asfáltica, sequer são visitadas pelas

maquinas municipais, transformando-se em verdadeiros carreiros,

impossibilitando o tráfego de veículos. Não existe rede de tratamento de esgoto.

Não é raro encontrar esgoto em céu aberto, que freqüentemente provocam

epidemias. Nas ultimas décadas a região vem sofrendo com a falta d’água,

mesmo estando assentada em um aqüífero. O desenvolvimento observado em

Curitiba, município pólo, na ultima década, não refletiu em Almirante Tamandaré,

no ponto de vista econômico. Somente no populacional, onde se observa a

multiplicação de loteamentos na região, muitos sem a preocupação ambiental,

mas que se ocupados – ao contrario do passado – rapidamente pela população

migrante.

O bairro Parque São Jorge é um retrato fiel do município, que multiplica

sua população – é comum os filhos recém casados estabelecerem-se num

casebre nos fundos das casas dos país – sem uma correspondência na infra

estrutura. A mudança apesar de lenta é consistente e não passa desapercebida

dos olhares dos moradores mais antigos. As opiniões se dividem, uns afirmam

que se desenvolvem muito; outros argumentam que cresceu, mas não se

desenvolveu, pois continua muito dependente de Curitiba. Esse últimos apontam

outros municípios da Região Metropolitana, que são mais novos que Almirante

Tamandaré e que não obstante, já receberam investimentos de grande vulto.

Os depoentes não são saudosistas, pois, o sofrimento que passaram para

se estabelecerem na região foi intenso. As carências eram enormes. E são

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unânimes em afirmar que em relação do que era antigamente, a mudança

ocorrida no bairro é considerável. Se emocionam ao relatar seu sofrimento, mas

estão extremamente satisfeitos pela suas conquistas e cientes de que

construíram uma vida melhor para seus descendentes. Alguns ainda se envolvem

politicamente para buscar junto ao poder público, melhoria para o bairro. São

eternos desbravadores. Já travaram lutas mais cruentas, o que vier daqui para

frente, certamente tirarão de letra.Saúde e vontade eles tem de sobra.

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