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Copyright 1979 by Sobral Pinto

Editor: André Carvalho

Capa: Carlos Ferreira

Direitos da presente edição reservados à

EDtTORA COMUNICAÇAo

Rua Tobias Barreto, 255 - tel: 332-0641 Nova Suiça - Belo Horizonte - Minas Gerais

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OBRAS: de Sobral Pinto: Lições de Liberdade, Editora Comunicação, Belo Horizonte, 1977; 2~ed. 1978

de Ary Ouintella: Combati iJ Bom Combate - romance - l~ed. Editora Sonde, Rio, 1971; 2~ed., Livraria José Olympio Editora, Rio, 1973; ed. Polonesa, Wyda· vvnictwo Literackie, Cracóvia, 1976.

Um Certo Senhor Tranqüilo - contos - l~ed., Editora Sonde, Rio, 1971; 2~ed., Editora Comunicação, 8elo Horizonte, 1976.

Retrospectiva - çontos ensaios, crônicas - 1 ~ed., Livraria José Olympio Editora, Rio, 1972; 2~ed., Editora Comunicação, 8elo Horizonte, 1977.

Qualquer Coisa é a Mesma Coisa - contos e alegorias - 1~ed., Impacto Editorial, Rio, 1975; 2~ed., Editora Comunicação, Selo Horizonte, 1979. / Sanc/ra, Sandrinha - novela - Editora Comunicação, Selo Horizonte, 1977.

Cão Vivo, Leão Morto - juvenil - Editora Comunicação, 1979.

in Antalogiá de Contistas Brasileiros - ed. da Wydawnictwo Uterackie, Cracóvia, 1977: A Torre de Menagem, Um Certo Senhor Tranqüilo.

in O Papel do Amor - ed. fora do comércio da I ndústria de Papel Simão, São Paulo, 1979: Caçando Paca - Como conto na ed. comercial da Editora Cultura, São Paulo, 1979.

in Lições de Liberdade - de Sobral Pinto, a organização e a apresentação: Fé mais Lei - Editora Comunicação, Selo Horizonte, 1977.

CARTA DE SOBRAL PINTO A ARY QUINTELLA.

Rio de Janeiro, 7 de março de 1979.

Ary Quintel/a.

Bom dia, desejando-lhe e à Therezinha, saúde, paz e 6xitos crescentes em suas respectivas atividades culturais e diplomáticas.

Quando estive em dezembro, em 8elo Horizonte, pedi ao André que espe­rasse até a segunda quinzena de janeiro para iniciarmos a organização do livro "PORQUE DEFENDO OS COMUNISTAS", para que eu tivesse tempo c/e dar buscas no meu alucinantemente desorganizado arquivo com o objetivo de encon· trar trabalhos importantes de minha atuação no patroc(nio de Harry Berger e Luiz Carlos Prestes.

Foi deste modo que pude enviar para' Belo Horizonte alguns de meus traba-

lhos. Agora, desde que você comigo se comunicou, dizendo estar no Rio, inten­

sifiquei estas buscas com o sacrif(cio de meu sono. Tenho dormido, sistematica· mente, quase às tr6s horas da madrugada, levantando-me às cinco e quarenta e cin-co.

Nesta madrugada encontrei trabalhos importantes, que precisam de figurar no livro. São eles: Alegações Finais em defesa de Harry Berger; R.zões c/e Apelação do mesmo acusado; requerimento ao Ministro Relator da Apelação Crime número 4.899 pedindo providências sobre o tratamento a ser dispensado a Harry Berger; requerimento de Luiz Carlos Prestes ao Presidente do Tribunal de Segurança Na· cional requerendo o estabelecimento de um regime carcerário, na sua qualidade de preso polftico, de acordo com as leis reguladoras da matéria.

A leitura destes trabalhos lhe revelará a importância da inclusão deles no li·

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Além desses trabalhos, entrego·lhe, também, a petição quo dirigi ao Juiz do Tribunal de Segurança Nacional, Dr. Raul Machado, pedindo autorização para en· \, i tregar ao Prestes uma carta da Mãe dele e outra da Senhora dele à Mãe dele, reque· l'i,

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rendo, simultaneamente, que fosse estabelecida uma correspondência semanal en­tre mãe e filho, sem mais a. necessidade de estar solicitando autorização para ser o portador permanente desta correspondência.

Não sei se já lhe entreguei cópia de petiǧo onde eu ofereci embargos ao Acórdão do Supremo Tribunal Militar, que confirmou a sentença de condenação proferida pelo Tribunal de Segurança Nacional. Esses embargos são valiosos por que demonstram que não havia o propósito de fazer justiça aos rebeldes e sim de esmagá-Ios.- I: que o crime a eles imputado desaparecera com a destruição, pelo Ge­túlio, da Constituiǧo Federal de 1934. Desaparecida taTConstituição, desaparece· ria, igualmente, o crime de Prestes, Berger e Agildo Barata.

Reputo esta petição de.embargos como um dos documentos de maior rele· vo na histôria da repressão política em nossa Pátria.

Esses embargos, como as Razões de Apelação, de. Eurico Natal, precisam de figurar no livro, uma vez que são documentos que, a lei não existe para os co­munistas.

Cordialmente, seu amigo e seu admirador, agradecido,

Sobral.

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EM PORTO NOVO DO CUNHA, NA ZONA DA MATA .

o GAROTO morava numa casa, a casa tinha quintal, onde vivia vasta, velha mangueira. Ao voltar do colégio, o garoto puxava sua.mãe pela mão. Vamos ver a mangueira? Naquele dia, contemplavam a mangueira. A zoada che.qa da rua: três homens arrastavam o tipo, que se debate debaixo das pancadas incessantes. A mãedo garoto treme e o garoto berra: seus covardes I Os policiais param. Miram desdenhosamente o garoto e prosseguem. O garoto sente o frOmito percorrer seu corpo. Estamos em 1903, acaba de nascer o patrono da legalidade, HERÁCLITO FONTOURA SOBRAL PINTO.

de Lições de Liberdade, Sobral Pinto, Editora Comunicação, Belo Horizonte, 1977

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PANO DE FUNDO

Em 23 de novembro de 1935, o sargento Clementino Diniz Henriques!e· vanta o 21'? Batalhão de Caçadores, sediado em Natal, Rio Grande do Norte. No dia 25, os capitães Silo Meireles e Dtacílio Lima. e o tenente Lamartine Coutinho levantam o 29'? Batalhão de Caçadores, na cidade de Recife.

No dia 27 de novembro, Agildo Barata, Álvaro de Souza e José Leite Brasil levantam o :F. Regimento de Infantaria, sediado na Praia Vermelha, Rio de Janeí~ to. Os três movimentos visavam a implantação de um governo comunista no pals, liderado por Luiz Carlos Prestes.

Porque Defendo os Comunistas tem como objetivo mostrai os processos contra Luiz Carlos Prestes e Harry Berger iniciados após o levante, historicamente conhecido como Intentona Comunista de 35. As Razões de Apelação,de Eurico Natal foram anexadas ao texto para mostrar a constdncia da atuação de Sobral Pinto.

Em Cavaleiro da Esperança, uma biografia de Luiz Carlos Prestes, Jorge Amado retrata a ambiência cultural, intelectual e social do país àquela época, mos· trando como Prestes - oficial do Exérci~o extremamente respeitado por seus cole­gas e her6i nacional - se transforma em Secretário Geral do Partido Comunista Brasileiro.

Além de Luiz Carlos Prestes e Harry Berger, este livro tem um terceiro per­sonagem, Sobral Pinto, um advogado residente no Rio de Janeiro, que acaba de merecer o t(tulo de intelectual do ano, ao receber o Prêmio Juca Pato, na cidade de São Paulo. Sobral Pinto já completou 85 anos de idade.

Lições de Liberdade,também editado pela Comunicação, em 1977, inclui uma biografia de Sobral Pinto e notas a respeito das décadas de 20, 30 40 e 50, sendo aS de 60 e 70 documentadas nas cartas ali transcritas. Porque Defendo os Comunistas baseia-se nos autos arquivados no Superior Tribunal Militar, bem como em cartas de Sobral Pinto e entrevistas a mim concedidas.

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Além de peças dos dois processos, coloquei neste livro cartas demonstrati­vas do próprio estado de espírito de. Sobral Pinto ao aceitar as causas de Luiz Carlos Prestes e Harry Berger como advogado ex-officio deles. Entre elas; a carta para sua irmã Natalina, prova de seu perfeito sentimento de dever.

Gostaria de lembrar: Sobral Pinto é o primeiro detentor da Medalha Ruy Barbosa, institufda pela Ordem dos Advogados do Brasil em 1970, e da Medalha Teixeira de Freitas, conferida pelo Instituto dos Advogados Brasileiros.

Ary Quintella

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CONTA SOBRAL PINTO:

Inicialmente, a República, através de sua lei processual, entregou o julga­mento dos crimes po/{ticos ao júri pOpular. Por isso o atentado contra o Presiden­te Prudente de Moraes foí julgado pelo júri do Ria de Janeiro, o mesmo aconte­cendo com a chamada Conspiração Monárquica, atribuída ao eminente Conselheiro Andrade Figueira.

Posteriormente, o Governo da República entendeu de transferir o julga­mento destes crimes para o Júri Federal. Eis porque a Revolução político-militar de 1922, que visava depor o Presidente Epftácio Pessoa e, deste modo, impedir a posse do Sr. Arthur Bernardes, eleito para sucedê-lo em novembro do mesmo ano, foi julgada pelo Juiz Federal da 1é! Vara do Distrito Federal. Esta decisão me pare­ceu acertada, porque se esse crime fosse entregue ao julgamento do júri, os milita­res e os políticos nele envolvidos seriam fatalmente absolvidos. Nessa época, a população do Rio de Janeiro era indiscutivelmente favorável aos rebeldes, mergu­lhados num clima de simpatia generalizada, sobretudo pela campanha pregada abertamente por grande parte da imprensa carioca, com repercussão marcante na Ctimara dos Deputados.

A opinião pública do Rio foi sempre indisciplinada. Daí haver o Poder Público cuidado de transferir a competência do julgamento dos crimes políticos da esfera do" íúri popular para a dos JuIzes singulares. Estes julgariam o acontecimen~ to tão somente em face das provas e dos preceitos legais claros, precisos e insofis­máveis. O Juiz examina, com serenidade e imparcialidade, se os fatos, argüidos pe­lo Ministério Público, se enquadr::Jm no texto da Lei Penal, e se os acusados de re­beldia são apontados, com precisão e clareza, pelas provas materíais e pelas teste­munhais trazidas aos autos, pelo órgão da acusação.

Deste modo, a Revolução de 1922, no Rio de Janeiro, a de São Paulo, em 1924, e a de Aracaju, no mesmo ano, foram apurãdas e julgadas por Ju/zes Fede­rais com sede nas referidas cidades.

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Ao irromper, em 1935, a Revolução Comunista, surgIu, embora cruelmen­te, no meio militar da Nação, a convicção falsa de que só a Justiça Militar oferece­ria a garantia de exata punição dos comunistas, civis e militares, que teriam parti­cipado daquele movimento. O meio polt"fÍco, sob a orientação rBl!cionária de Getú­lio Vargas, aderiu a esta convicção, apesar da forte oposição de numerosos con­gressistas.

Foi, então, assentada a criação do Tribunal de Segurança Nacional, como órgão de Primeira Instância da Justiça Militar.

O Tribunal seria constituído de juIzes civis e julzes milita.res. Os civis se· riam um Magistrado e dois Advogados. Os militares seriam dois Oficiais superiores, um representando o Exército e outro, a Marinha. Nessa época não havia, ainda; o Ministério da Aeronáutica.

Os acusados sl!riam divididos em quatro processos, cada um com o seu Juiz Preparador. Uma vez terminado o preparo do processo, ele seria levado ao plená­rio, constiturdo pelos cinco Magistrados. Estes, examinimdo acusado por acusado profeririam, como Tribunal, a sentença de condenação ou de absolvição. Da sen­tença cabia apelação para o Superior Tribunal Militar.

O Tribunal de Segurança Nacional dividiu, primeiramente, os acusados em duas categorias: os que pegaram em armas e ,os que não pegaram e.m armas. Houve, ainda, uma outra categoria: os que teriam participado da conspiração.

O Tribunal de Segurança Nacional foi criado pela Lei nq 244 de setembro de 1936, func/onando como parte integrante da Justiça Militar, na· categoria de 6rgão de Primeira Instância, até dezembro de 1937. Como foi instalado em outu­bro de 1936, manteve-se dentro dessa estrutura durante quatorze meses.

Desferido, em la de novembro de 1937, o Golpe de Estado que aboliu o regime democrático, instituindo um regime autoritário denominado Estado Novo, o Poder Público resolveu elevar o Tribunal de Segurança Nacional à categoria de Tribunal de Exceção, incumbido de defender a estabilidade das novas instituições, quando hostilizadas por seus adversários.

O Tribunal de Segurança Nacional foi, então, desvinculado da Justiça Mili­tar. Ele foi acrescido de mais um Juiz Civil.

Cada processo que entrasse no Tribunal seria distri6uldo a um de seus Jul­zes, que funcionaria ao mesmo tempo como Magistrado Preparador e Magistrado Julgador, isto é, cabia-lhe receber a denúncia do Ministério Público, recolher as provas e proferir a sentença. Desta cabia Recurso de Apelação para o Tribunal Ple­no, constitut"do de cinco Ju(zes, porque o Juiz; cuja sentença ia ser apreciada, era impedido na Segunda Instância em relação a tal processo.

Com tal estrutura, o Tribunal-de Segurança Nacional funcionou de dezem­bro de 1937 até fins de 1945, quando, em virtude de deliberação das Forças Ar­madas, sob o comando do General Goés Monteiro, então Ministro da Guerra, foi destrutdo o Estado Novo, l..'Om a deposição de Getúlio Vargas. No seu entender,

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não havia a menor necessidade de se criar o Tribunal de Segurança Nacional. Os Juízes Federais teriam julgado com eficiência, serenidade, imparcialidade a Revo­lução Comunista de 35.

MAIS TRIBUNAL DE SEGURANÇA NACIONAL

A.O. - O que d(ziaa Constituição de 1891?

S.P. - A Constituição de 1891 não estabelecia nenhuma forma de julgamento, a não ser. a distinção entre crimes militares e crimes comuns~ Os crimes mi­litares eram de competência da Justiça Militar. Os crímf!s comuns, da Jus­tiça Civil. Os crimes pol/ticos eram, portanto, de competência daJusr/ça Comum. Os tribunais eram regulados pela lei processual, que flodia ser modificada. Inicialmp.nte, ojúri é que julgava os criines poltticos.

A. O. - Ah, foi o Congresso Nacional que mudou isso?

S.P. - Sim, foi o Congresso que "!udou isso, mudaram a competência do julga­mento; qf!e era do júri e passou ao Juiz singular.

A. O. - A través de Lei Ordinária?

S.P. - Sim, de Lei Ordinária.

A.O.

S.P.

Não houve emendá da Constituição?

Não, Lei Ordinária~ Eu sustentei, na época, com um recurso bem desen­volvido, que em matérIa processual é lícito fazer-se aplicação retroativa. Se um crime foi praticado numa época em que o Juiz competente era o júri, e depois do crime praticado vem uma Ifti declarando que o Juiz é singular, eu sustentava, com base na doutrina reguladora da matéria, que a lei processual se aplica retroativamente. A lei pode mudar.

Então. estabeleceu-se que os criminosos pal/ticos seriam julgados pelo Juiz da I? Vara Federal. Havia no Rio de Janeiro apenas 3 Varas Fede­rais. Esse foi a regime que vigorou durante os Governos Bernardes e Washington Luiz. Quando veio a Revolução Comunista, já no regime da Constituição de 1934, o Governo entendeu que a Justiça Comum não da­ria conta, como· ele esperava, da situação. E resolveu passar o julgamento dos crimes poltticos da Justiça Comum para a Justiça Militar. Foi ai' que surgiu a criação do Tribunal de Segurança Naciof!al.

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o Tribunal de Segurança Nacional funcionou primeiramente como Juízo de 1~ Instância. Da sentença do Tribunal de Segurança Nacional ca­beria apelação para o Superior Tribunal Militar. O Tribunal de Segurança era, portanto, um Tribunal da Justiça Militar, mas funcionando na depen­dnncia do Superior Tribunal Militar.

Era um Tribunal misto: tinha 3 ministros civis e 2 ministros militares. O Presidente seria um Juiz efetivo, um Juiz de carreira, e era integrado ainda por dois. juristas civis e mais um representante do Exército (Coro­nel) e um representante da Marinha rCapitão-cle-Mar-e-Guerra). E assim foi constituído o Tribunal de Segurança, que, no processo dos comunis­tas, funcionou como Tribunal de 1? Instância. Daí a apelação para o Su-

o perior Tribunal Militar. Ouando veio o golpe de 1937, o Tribunal de Segurança Nadonal foi

transformado em Tribunal autônomo e ele passou a ser um Tribunal de 1~ e 2'1 Instâncias nos. crimes políticos, mediante a seguinte engrenagem: como Juiz de· 1í1 Instância, funcionava um membro do Tribunal. Da sen­tença desse Juiz,. cabia' apelação para o Tribunal Pleno. Então, aquele Jui~ que funcionava na 1í1 Instância ficava impedido de funcionar neste segundo processo. Para esse fim, houve necessidade de mais um Juiz, que foi um Juiz civíl. Quatro civis e dois militares, portanto. Mais tarde, com a criação do Ministério da Aeronáutica, acrescentou-se mais um Juiz mili­tar. Nesses processos de que estamos tratando aqui, o Tribunal funcionou como de 1? Instância. Não tinha havido ainda a formação do Tribunal como de 2i1 Instância_

ADVOGADO EX-OFFICIO

Isso foi, então, antes do golpe de 1937.

Sim, antes do golpe. A sentença que condenou os comunistas é anterior a novembro de 1937. Mas, quandO o Tribunal foi apreciar, já tinha havido o golpe. Todavia, os comunistas não aceitavam os Tribunais especiais or­ganizados para julgá-los. Então, os organizadores do Tribunal de Seguran­ça previram - e previram bem - que os comunistas não iam aceitar o Tribunal. Intimados a se defenderem e designarem advogados da sua con­fiança, eles não o fizeram, porque não aceitavam o Tribunal. Então, co­mo julgá-los? Se não tinha advog~dos ... Assim, na organização do Tri­bunal, o advogado é ex~officio~ É o advogado que o próprio Juiz nomeia_ E o Juiz nomeia em duas hipóteses: ou porque o réu não tem recursos pa­ra pagar· advogado ou quando o acusado não quer se defender, qualquer

que seja o motivo. Os comunistas não se defendiam porque não acredita­vam na imparCIalidade dos Juizes burgueses, mas há outros que não se de­fendem por outros motivos.Nessa hipótese os Julzes se dirigem à Ordem dos Advogados para que ela designe um advogado. Onde não há a.Ordem dos Advogados, o Juiz mesmo designa, como era feito anteriormente no Brasil.

Acredito que o Targino Ribeiro tenha pensado no meu nome por dois motivos: primeiro, porque eu fui, no começo da minha carreira, um advogado ex-officio dos Juizes criminais, que tinham dificuldades para encontrar advogados para defesa dos réus. Mas a/ os advogadas faziam a mímica do dever. O comum era fazerem a mímica do dever: compare­ciam ao julgamento, sem examinara processo, sem fazer de fato nem de­fesa. Chamado pelo Juiz pela primeira vez, disse a ele: Sr. Juiz, eu não posso funcionar porque não conheço o processo. El:J peço a Vossa I;xce­lência que adie o julgamento para daqui a 2 ou 3 dias, para que eu possa levar os autos. examiná-los e fazer realmente a defesa.

O Juiz imediatamente' atendeu ao meu pedido. Peguei os autos, examinei-os e, como as palavras voam e os escritos ficam, compareci com a minha defesa escrita, Os Juizes começaram a solucionar a minha inter­venção. E isso ficou mais ou menos conhecido no Fpro do Rio, que à época era muito menor, havendo apenas seis Juizes criminais. Fiquei sen­do um advogado com a noção do que é a advocacia, que não é a mímica do dever. Obtive êxito, muitas vezes obtive a absolvição. E mais, passei a funcionar desde o sumário. Duando o réu dizia: naô tenho advogado, as testemunhas . ..

Acredito, pois, que o Targino Ribeiro, muito mais velho do que eu, verificou que, na realidade, eu era capaz de fazer uma defesa. Segundo, eu fui o Procurador Criminal da República, ao tempo do Bernades. E através da Procuradoria, mostrei a minha competência em materia crimi­nal. Ele sabia portanto que estava indicando um advogadO que tinha com­petência e capacidade para aceitar uma defesa, para fazê-Ia, e não para fingir que iria fazê-Ia. Mas eu estava recomeçando a minha vida, porque tinha deixado a Procuradoria Geral do Distrito Federal, que exerci depois da Procuradoria Criminal. Ele sabia que ia me criar muitas dificuldades. Ele vacilou, mas não teve outro jeito, pois ninguém aceitou. Ninguém quis defender nem o Prestes nem o Harry Berger.

A.O. - Uma vez o senhor me disse: entre as pessoas que recusaram fazer a defe­sa de Prestes e Berger havia inclusive advogados conhecidos como esquer­distas . ..

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s.P. _ Ah,havía.

A.O. Oue advogados?

S.P. Não, isso não. Não devo dizer.

A.O. - Por que não? Já é um fato histórico.

S.P. •

A.O.

S.P.

A.O.

_ Não, não é correto.

Por que não é correto? Os tais advogados não recusavam.

Mas não podiam recusar. Não podiam e não deviam recusar, não é? Sendo que de alguns eu era amigo, grande amigo. Um dos considerados alegou ser católico, não podendo - hum ,-- defender um inimigo da Igreja.

POROUE DEFENDO OS COMUNISTAS

Então como é que o senhor defendia um inimigo da sua,/greja?

S.P. _ Por uma razão muito simples: o principio que todo católico tem de seguir é o que está no Evangelho e que Santo Agostinho definiu nessa fórmula maravilhosa: odiar o pecado e amar o pecador. O comunismo nega Deus, afronta Deus. Mas eu compreendo que o comunista faça isso por ser peca­dor. Afinal, todo pecador afronta Deus, pois o pecador é quem não obe· dece aos mandamentos de Deus. Mas é uma afronta decorrente da fraque­za da nossa natureza. Nós somos frágeis, logo podemos pecar por fragili· dade, não porque nio amemos a Deus, não estimemos a Deus, não tenha­mos a noção de que é nosso dever aceitar os mandamentos de Deus. Mas nós obedecemos a Deus. Já o materialista afronta a Deus: Deus não exis­te, Deus é uma quimera. Bem, dentro dessa orientação, eu é que estava certo, tanto assim que, quando se anunciou que eu ia fazer a defesa do Prestes e do Berger, sendo eu a segunda pessoa da Ação Católica Brasilei· ra _ porque a primeira pessoa era o Alceu Amoroso Lima, que era o Pre­

sidente da Ação Católica • •.

A.O. - A Ação Católica tinha alguma característica fascista?

S.P. _ Não, nenhuma. Era proibido aos membros da direção católica ter qual· quer vinculação polltica. Era expressamente proibido.

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A.O. E isso era cumprido?

S.P. Era. O Alceu foi convidado para ser Ministro do Trabalho no Estado No· vo e não aceitou. Se um dirigente da Ação Católica tivesse qualquer ativi­dade pol/tica, imediatamente era dispensado. Dom Sebastião Leme cha­

mava e dizia: uma coisa ou outra ~ claro, é evidente, que nós, os dirigentes, tivem,os uma atividade pall-

tica, mas na Liga Eleitoral Católica. Mas era uma Liga fora e acima dos Partidos. Dom Sebastião Leme imaginou formar um corpo eleitoral cató­lico. Os católicos todos se inscreveram como eleitores e deram seus no­mes para. a Ação Çatólica. De modo que os bispos sabiam com quantos votos iaf!i contar nas suas Dioceses. De modo que iam aos candidatos e diziam: nós temos esses princípios, de modo que se os senhores aceita­rem esses princípios. esse corpo eleitoral nosso, que é de cem mil eleito· res.;. Porque você sabe, aqui no Rio chegamos a ter cem mil eleitores.

A.O. Em que ano foi isso?

S.P. Isso foi em 33,- para a Constituinte.

A.a. _ E nesse tempo o Rio era uma cidade com menos de um milhão de habi­tantes. Ou seja, o eleitorado católico registrado era praticamente dez por

cento da população do Rio. Espantoso.

S.P. _ Isso ocorreu em todas as Dioceses.

A.a. _ Então, realmente, se o eleitorado católico era praticamente dez por cento da população do R ia de Janeiro daquela época. como é que a Liga Eleito' ral Católica permitiu que houvesse a Constituição de 34 e o Golpe de 37?

S.P. Veja bem: a Constituição de 34 foi votada de acordo com os nossos pos­tulados. Nos querlamos uma Constituição promulgada em nome de Deus. Foi promulgada em nome de Deus. Nós quedamos o ensino religioso nas escolas, conseguimos. Nós quedamos assistência espiritual nas Forças Ar­madas, conseguimos. Nós querlamos a mesma assistência nos hospitais, conseguimos. Todas as nossas reivindicações foram-aprovadas, graças exa­tamente à Liga Eleitoral Católica, em todo o Brasil. Portanto, veja, nós não ttnhamos uma polltica, votávamos par qualquer Partido. Nós estáva­mos preocupados é com-o Deputado 10 Senador, não com os Partidos.

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LUIZ CARLOS PRESTES

A.a. - Como era Prestes fisicamente?

S.P. - O Prestes era um homem baixo, mas forte, de corpo bem feito, um olhar enérgico, falando com muita precisão, muito inteligente. Foi um grande matemático, 19 aluno do Colégio Militar e da Escola Militar. Tinha a convicção firme, decidida, de que o comunismo é a salvação do mundo, sem nenhum interesse pessoal.

AO. - Há Um livro do Jorge Amado, que o senhor deve conhecer, chamado Ca~ valeiro da Esperança ...

S.P.

AO.

S.P.

Nesse livro há uma página sobre mim e a descrição daquela incrf'vel cam­panha ...

Isso. A Longa Marcha que se fez no Brasil, antes da Longa Marcha de Mao Tsé-Tung. Jorge Amado diz .que Prestes se tornou comunista depois da· Coluna Prestes, quando ele se refugiou na Bolt'via e começou a ler li. vros marxistas. Prestes chegou a fálar alguma coisa como senhor a respei­to dissv?

Não, o Prestes declarava que a preocupação dele sempre foi uma preocu­pação científica. A formação dele é matemática e para ele a grande ciên­cia é a matemática. Então, a mentalidade dele toda era formada nesse sentido. Afinal, ele lê bastante e fica convencido de que a ciência social não podia se afastar do comunismo, que era, na realidade, a realização· da ciência no campo social. Por isso é que ele adotou o comunismo. Além do mais, ele acreditava que o comunismo é a opção dos trabalhadores, da­queles que criavam a riqueza. Então ele quis implantar no Brasl'l esse regi­

me que estava dando bons resultados na Rússia, onde realmente eles ti­

nham acabado com a burguesia. Ele quis implantar no Brasil um regime

que fosse, de fato, o regime em que o po.vo tivesse seus direitos reconhe­cidos, porque o povo é que criava a riqueza e não aproveitava dela.

4. Q. - Isso não tem uma vaga semelhança com a doutrina social da Igreja? Com a Rerum Novarum, por exemplo?

S.P. - Bem. Aquele aspecto, na realidade, aproxima o comunismo do catolicis­mo. Por isso, certa vez, declarei; o co·munismo está mais perto do catoU.

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cismo do que o capitalismo. Mas a Igreja, entretanto ~ acha que o pobre pode ter uma compensação, pode ter um prêmio muito maior, no sobre­natural, no além. Ao passo que o comunismo acha que isso é apenas um engodo, para fazer com que o povo não se revolte. Dal eles hostilizarem a Igreja, por acharem que a Igreja. tira ao povo o desejo de se revoltar. E eles estão convencidos de que os capitalistas, os burgueses, enfim, a classe dominante, não entrega o poder senão vencida pela força. Dal a teoria da violência: sem revolução não se coloca o povo no poder.

A.O. - Quando Prestes recusou que·o senhor fosse advogado dele, o que ocorreu em funcão de o senhor ter sido nomeado advogado ex~officio de Prestes, e de Berge':, o que e/e alegou?

S.P. Ele alegou que eu, com a minha mentalidade burguesa~ com a minha mentalidade de advogado, não teria capacidade, nem mesmo o desejo de defendê-lo. Além disso, ele achava Que eu era um simples advogado, sem força, sem meios de a ele acudir e amparar. Daí então ele não querer que eu o defendesse. Mas ele mudou. Primeiro porque ele verificou a minha fidelidade, a minha permanência como advogado. Toda semar;a eu ia lá perguntar: quer alguma coisa, precisa de alguma coisa? Estou ãs suas or­dens. Ele se impressionou. Se impressionou porque eu inclusive transcre­vi um (recho do Lenine em uma petição. É um trecho terrível; aquela carta do Lenine sobre Stasova, uma revolucionária de 1905. Na primeira vez que estive com Prestes, ele gritou hora e meia dizendo horrores . ..

AO. - Por exemplo, lembra?

S.P. - Ah, ele dizia que era um Tribunal de empreitados, que os advogados não tinham alma para penetrar no pensamento dos comunistas, querendo ape­nas arranjar sua vida, que o Governo é um Governo de violência e de forp

ça e todos nós abaixávamos a cabeça para o Governo. Além das coisas que ele dizia de todos os pollticos. Coisas tremendas! Eu ouvi aquilo tudo em silêncio, porque compreendi que um homem que passou dez me· ses num isolamento total, sem livros, sem jornais, sem um lápis, entregue dia e noite a seu próprio pensamento e com seis olhos sobre si ... Porque em cada portal havia uma sentinela. E no muro, na muralha que cerca.va o quartel, estava sentado um policial. E a janela do quarto aberta, com grade, a luz acesa. Compreenda bem: esse homem, que não vê ninguém, não fala com ninguém, quando se encontra com uma pessoa que diz que· rer defendê·lo .. , Você pode imaginar a indignação, a revolta dele.

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A.a. - Prestes não chegou a ser torturado fisicamente, confere? Foi torturado psiquicamente.

S.P. - Não lhe encostaram a mão. Mas é desagradável, não é? A gente quer de· fender uma pessoa e ela . .. Então, na segunda vez em que fui lá, para le-var cópia dessa petição . .. Mas não fui ao quarto dele. Escrevi um cartão: "Capitão Prestes, aqui vai. .. eu estou aqui no Gabinete, estou às suas ordens, se quiser alguma coisa irei falar com o senhor . .. " Ele leu e disse para o soldado: "eu gostaria de estar com o Dr. Sobral". Então a praça veio perguntar ao comandante se poderia trazê-lo para falar comigo. Ele veio, cumprimentei-o, ele me faz essa pergunta: "0 senhor realmente entrou com essa petição?" Mas é claro, eu não seria capaz de fazer uma coisa dessas: entregar ao senhor a cópia de um documento que eu não en­treguei ao Juiz , sobretudo a um homem como o senhor que não tem meios de apurar se isso é realmente verdade. Porque se o senhor tivesse contado com sua família, com alguém, poderia pedir para ir ao Tribunal ver se entrou. Mas o senhor não tem esses meio·s, assim que há de com­preender bem que seria um ato de uma indignidade indescritível fazer is­so com o senhor.

Al diz ele assim: unão, eu. perguntei porque está muito bem feito e sobretudo muito corajoso. Meus parabéns". Esse documento foi publicado em O Radical. porque o DIP não tinha censores nos jornais. Um comunista pegou a matéria e a remeteu para Dona Leocádia, que estava em Paris. Ouando o Prestes foi preso, ela e as· filhas estavam na Rússia. Ela foi então para Paris a flm de faz~r um movimen, to internacional em-favor de Prestes. Ela recebe esse doc~mento e fica entusiasma­da. Então _ me escreve uma -çarta, dizendo que até que enfim encontrara alguém que se debruçava sobre o filho e que era capaz de fazer alguma coisa por ele. E es~ creve uma carta para o filho dizendo: "tenha confiança no Dr. Sobral". Ar é que tudo mudou ...

HARRY BERGER

A.O. - E pelo Berger, alguém se interessou?

S.P.

28

Só a irmã. Diretamente, só ela. Alnda há um episódio. O Berger não quis conversar comigo. Suspeltava . .• Então, eu soube que ele teria procurado ver o Justo Mendes de Moraes. E o Justo deu bons conselhos a ele, que ele não segulu ...

A.O.

S.P.

A.O.

S.P.

A.O.

S.P.

Isso antes da Revolução?

Sim, antes da Revolução de 35. Então • .• Eu falava com ele com muita dificuldade porque necessitava de intérpreta. Ele só falava alemão. À vis· ta disso, eu pedi ao Mlnistro da Justlça, o Agamenon Magalhães, para me autorizar ir com o Justo falar com Berger. O Agamenon não me deu essa autorização. Eu então pedi essa autorização ao Juiz e o Juiz me deu. Eu pedi então ao Justo que fosse lá comigo. Mas ele duvidou da autenticida~ de do Justo.

Como assim?

Quando o Justo chegou comigo, ele achou-que não era o Justo.

Por q'ue, o Berger já estava com problemas?

_ Já estava muito prejudicado . .. Ele foi piorando sempre. E o Justo então

tirava a carteira de advogado do bolso e mostrava a ele.

A.O. - A nacionalidade do Bergerera realmente alemã?

S.P. _ Alemã. Ele era alemão.

A.Q. _ E porque ele foi conduzido para a Rússia, num navio russo, em 1946?

S.P. Ah, porque era personagem importante da revolução mundial. Ele foi membro do Comintern, assim tinha real importância naquela ocasião.

A.O. - Ele morreu na Rússia? Em 46?

S.P. - Eu não sei . ..

A.O. - Mas ele saiu daqui em 46?

S.P. Sim, quando houve o eclipse solar que fol visto de maneira total na região de Montes Claros, em Minas Gerais. A Rússia trouxe cientistas, astrôno~ mos, num navio, a fim de acompanharem o eclipse. Quando o navio esta­va indo embora, o Berger foi embarcado nele, a pedido do Prestes. Tinha

havido a anistia do Getúlio, em 45, lembra-se?

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A.O.

S.P.

Ele estava solto -pela anistia - vivendo onde?

Estava internado numa casa. de saúde da Gávea, que era do Cunha Bueno. Berger,- era mantido lá pelo Partido Comunista" Então o apanharam e o levaram para a Rússia. E morreu na Rússia, segundo informações que re­cebi.

MAIS LUIZCARLOS PRESTES E HARRY BERGER

A. a. - O senhor depois acabou se tornando amigo pessoal do Prestes?

S.P. - Muito amigo.

A.O. E até hoje ele se corresponde c.0m o senhor?

S.P. - Agora mesmo, em jáneiro de 19, mandou uma procuração para defendê­lo nesses processos que estãó a,:

A.O. - -Cartas pessoais dele, o senhor tem recebido?

S.P. - Não.

A. O. - E das irmãs dele?

S.P. - As irmãs me procuram pessoalmente, elas saõ muito minhas amigas.

A.O. - E a Anita Leocádia, alguma vez procurou o senhor?

S.P. - Eu a defendi em São Paulo.

A. O. - O Berger chegou a ser torturado?

S.P. - Ah, o Berger foi muito torturado.

À. Q. - Por que ele foi torturado e o Prestes não foi?

S.P. - Porque o Prestes era militar. O Fi/inta Müller não permitiu nenhum mau trato a militar. Nenhum das militares foi maltratado, nenhum.

30

A.O. - E Berger foi torturado na Polícia Especial?

S.P. - -Não, na Polfcia Especial não foi não. Deve ter sido na Pol/eia Civil. A tortura foi na prisão. E inutilmente, pois a policia pegou o arquillo todo. A palleia pegou o arquivo completo do Berger, o arquivo completo do Prestes, o arquivo completo do Bonfim, secretário do Partido Comunista. Pegaram tudo. Não havia necessídáde de torturar ninguém para saberem

as coisas.

A.O. Então por que torturaram o Berger?

S.P. - Crueldade. Pura crueldade.

Belo Horizonte, Bras/lia, Rio de Janeiro, 1978, 1979.

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AUTO DE DECLARAÇÕES PRESTADAS PELO CAPITÃO LUIZ CARLOS PRESTES EM 9/3/36.

Cópia autêntica do Auto de Declarações prestadas pelo capitão LUIZ CARLOS PRESTES.

Juízo ESPECIAL DO ESTADO DE SITIO (art. 175 § 10 da Constituição Federal)

AUTO DE DECLARAÇÕES de LUIZ CARLOS PRESTES:

Aos nove dias do mês de março do ano de mil novecentos e trinta e seis, nesta ci· dade do Rio de Janeiro. Distrito Federal, Capital da República ,dos Estados Unidos do Brasil, e no Quartel da Polícia Especial, onde se achava em diligência o Douto.r Frederico de Barros Barreto, Juiz Comissionado para exercer as funções concer­nentes ao Estado de Sítio, nos termos do artigo cento e setenta e cinco ·parágrafo dez da Constituição Federal, comigo escrivão ad·hoc, adiante nomeado, aí presente LUIZ CAR LOS PRESTES, foi o mesmo interrogado, prestando as declarações, co­mo se segue: Nome - LUIZ CARLOS PRESTES. Filiação - Antônio Pereira Pres­tes e de Leocádia Prestes. Estado civil- casado. Idade - Trinta e oito anos de ida­de - Profissão - Militar - Lugar do nascimento - Estado do Rio Grande do Sul­Residência - Rua Honório, duzentas e setenta e nove, Meyer. Local da prisão -Em sua residência. Data da prisão - Dia cinco de março corrente, cerca de oito horas. Tem alguma declaração a fazer? Disse que as idéias polrticas do depoente têm sido devidamente externadas por publicações numerosas, entre as quais o ma~ nifesto de cinco de julho do ano findo da autoria do depoente, sendo portanto in­teiramente solidário com os movimentos revolucionários de novembro do ano fin­do e todos aqueles que se relacionarem com o programa da Aliança Nacional Liber­tadora, visando a indepedência do Pals e a emancipação de seu povo; que é mem­bro do Partido Comunista do Brasil e da Aliança Nacional Libertadora, da qual é o seu presidente de honra,' que não pode responder onde se encontrava por ocasião do movimento que irrompeu nesta Capital em vinte e sete de novembro último, bem como nos dias anteriores e nos que se seguiram, até a data de sua prisão; que

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se nega a declarar se ao chegar ao Brasil- servia-se de um passaporte com o nome de Antônio Vlllar, fazendo-se acompanhar de uma senhora com o nome de Maria Bergner Villar; que por enquanto se nega a fazer qualquer declaração, reservando­se para fazer oportunamente, relativamente ao bilhete dirigido ao capitão Trifino Corr6a, como ainda ao salvo. conduto à Harry Berger; que asssume inteiramente a responsabilidade polltica dos movimentos irrompidos em novembro do ano findo, na Capital Federal e no Norte do Pafs; qué, vê na sua prisão o ato de um governo a serviço do capital financeiro internacional, dos interesses de todos os seus lacaios naciol)ais e que só se podemanterno poder encarcerando,perseguindoe martirizan· do os brasileiros que lutam pela independência do Brasil, pelo progresso do Pais; que o depoente, como membro do Partido Comunista, está naturalmente na van­guarda de todos os lutadores pela independência do Pafs, motivo pelo qual se en· contra presentemente preso; que oportunamente, quando cessada a sua incomuni­cabilidade e verificar as acusações que pesam sobre o depoente, cuidará de fazer a sua defesa e esclarecer a sua situação: que tendo sido preso foi conduzido para a Policia Central e na mesma data, à tarde, recolhido à Policia Especial; que não tem qualq.uer outra declaração a prestar. E assim o M. M. Juiz mandou encerrar o pre­sente depoimento que depois de !.ido e achado conforme vai assinado pelo M. M. Juiz, por mim Ivane Evaristo de Oliveira, _escrivão ad-hoc e pelo depoente. Rio de Janeiro, Distrito-Federal, Quartel da Polícia Especial, aos nove dias do mês de março do ano de mil novecentos e trinta e seis. (ass. ) F. de Barros Barreto. - Luiz Carlos Prestes. - Ivane Evaristo de Oliveira. Eu,Jairo Alves de Barros,

escrevente o. datilogr~fei.

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CONFERE

Anôr Margarido da Silva

Escrivão

Nota: a Constituição Federal mencionada é a de 1934.

CARTA DE SOBRAL PINTO A SUA IRMÃ NATALINA

Rio, 11 de janeiro de 1937.

Natalina,

Não fOI nenhuma surpresa para mim as informações que você me deu, na sua carta de 9 do corrente, sobre o carinho com que a estão tratando aí. Todos nós conhecemos, de ciência própria a'generosidade da família dos' nossos saudosos

Lean e Mariquinhas. Justa é a melancolia que desceu, incoercível, sobre esse lar de trabalho, de

onde nunca desertou a austeridade e a caridade; Viviam todos na mais completa harmonia, estimulados pelO exemplo paterno, que numa represel)tação viva a todos indicava a lei do trabalho como sendo a principal fonte da prosperidade

exterior, e da tranqüilidade da consciência.

É natural ~ssim, que os filhos ao verem desaparecer para sempre aquele que lhes foi, no curso da vida, o guia previdente, leal, e s~lícito deixem-se tomar de

uma quase invencível tristeza.

Não tenho a menor dúvida, porém, que não tardarâ"o em voltar todos à alegria primitiva. O Leon, com a sua têmpera de lutador indomável, imprimiu-lhes na alma a sadia convicção de que deviam encarar a morte dos entes queridos como um episódio necessário na existência do cristão. Estou ce'rto de Que ele se magoa­ria, nos últimos anos da sua vida, se alguém lhe ousasse dizer que, com a sua mor~ te, os filhos se declarassem in consoláveis.

Penso, Natalina, que você deverá contribuir, na medida das suas energias, para incutir estes nobres pensamentos na mente destas nossas amigas, a quem to­

dos queremos tanto bem. Aproveite, por outro lado, e no que diz respeito ~ você, os bons areS de

Vassouras, e a sadia alimentação que a-í se pode ter, para melhorar bastante a sua saúde. E não se preocupe com as coisas que, ultrapassando os seus conhecimentos práticos, têm de ser sempre mal apreciadas e julgadas por você.

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Que tem vod:!, por exemplo que se envolver com o meu gesto de aceitação da defesa do Luiz Carlos Prestes? Longe de merecer eu censura dos corações bem formados, como o seu, deverei deles recolher aplausos e louvores. Nunca me afir­mei homem TÃO NíTIOAMENTE CRISTÃO como na hora em que declarei ao Conselho da Ordem dos Advogados no Distrito Federal que aceitaria o patrocínio da causa de Luiz Carlos Prestes.

Não há, minha cara irmã. ninguém que não tenha direito a uma palavra de amparo, de conforto, e de defesa, ante o Tribunal dos homens. Deus, que tudo sabe e- tudo pode, antes de proferir a sua sentença contra Caim, que acabava de derramar o sangue de seu irmão, quis ouvi-lo, como narra-explicitamente a Sagrada Escritura, dando aos homens, com este seu exemp_lo, a indicação irremediável de que o direito da defesa é,-~ntre todos, o mais. sagrado e o mais inviolável.

Nada ilustra melhor esta verdade do que a carta, que se segúe, escrita por S. Francisco de'Salles ao Duque de Nemours, que condenara dois irmãos do Santo Bispo sem admitir que se ~efendessem: "Os Papas e os Príncipes", - diz o Santo que a Igreja venera -, "têm tribunais de justiça, aos quais enviam acusações a fim de que sejam examinadas a fundo, e para que, pela audiência das partes e das testemunhas, se possa discernir de que lado está a verdade ou a mentira: é este um caminho que eles são obrigados a seguir, sob pena de danação eterna; dê outra ma­neira não haveria mais justiça sobre a terra. Recebendo acusações contra meus irmãos fizestes bem de ouvHas; mas se nelas acreditastes, perdoa-me, a mim, que sou não somente vosso fiel servidor, mas também vos_so dileto ainda que indigno Pastor, de vos dizer que ofendestes a Deus e que sois obrigado de vos arrepender, AINDA MESMO QUE AS ACUSAÇÕES FOSSEM VERDADEIRAS: POIS NENHUMA PALAVRA CONTRA O PRÓXIMO DEVE SER ACREDITADA ANTES DE SER PROVADA, ELA NÃO PODE SER PROVADA SENÃO PELO EXAME E A AUDIENCIA DAS PARTES. Quem quer que vos fale de modo con­trário, Senhor, está traindo a vossa alma. Por mais dignos de fé que sejam os acusa,. dores, É PRECISO SEMPRE QUE OS ACUSADOS SEJAM ADMITIDOS A SE DEFENDEREM: os homens mais dignos de crédito podem se enganar, ou serem

levados por alguns motivos humanos a enganar." (HAMON - Vie de Saint Fran­çois de Sales, vai 2Q, págs. 159/160),

Deixar, nestas condições, de patrocinar a causa de Luiz Carlos Prestes seria, Natalina, atentar contra a caridade cristã. Ninguém, que se· honre com o magn(fico nome de cristão. tem o direitó de não estender sua mão amiga a quem, como Luiz Carlos Prestes, se vê insultado, injuriado, e escorraçado do convívio dos seus se­melhantes. -

Por maiores que sejam as suas culpas há nele alguma coisa de grande e de elevado. Se ele tivesse pensado somente em si, como aconteceu com o Góes Montei~ ro, o Getólio, o Juarez, e tantos outros, seria a estas horas General-do-Exército brasileiro, e, quiçá, Ministro da Guerra. Em 1930 não lhe faltaram oferecimentos

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os mais sedutores. A tudo resistiu, porém, para ficar fiel ~s suas idéias, erradas e funestas, é verdade, mas adotadas e seguidas com rara sinceridade.

Depois, minha cara irm'ã, se você se mostra tão hostil a esse homem, cujo patrocfnio, GRATUITO foi agora confiado ã minha modesta capacidade, é porque os jornais estabeleceram em torno dos seus propósitos uma campanha de sistemáti­ca desmoralização.

Mas, podem os jornais constituir, entre pessoas sensatas, como você, ele­mento sério de cc;mvicção?

Se as notícias dos jornais valessem~ qual o juízo que você faria de mim? Quanta infâmia,_qualÍta calúnia, quanta miséria não publicaram os jornais a meu respeito!

E, no entretanto, como, para você, que me conhece até o fundo da alma, eu sou diferente daquilo que os jornais disseram que eu era!

Não lhe parece lógico que a mesma coisa deva ocorrer com Luiz Carlos Prestes?

AI' tem.você,nestas palavras simples que o meu afeto ditou para o seu cora­ção, os motivos que me levaram a aceitar a causa desse homem, cuja alma foi tam­bém resgatada pelo sangue generoso de Jesus Cristo.

Inquieta, e cheia de solicitude pelo meu futuro, você pergunta agoniada: "E as conseq9ências deste seu gesto?"

Não me interessam, Natalina. Você sabe que só uma coisa me preocupa neste mundo: o cumprimento dos meus deveres. Aceitando esta causa ingrata jul­go, de boa fé, que estou me submetendo aos deveres da minha profissão.

Assim como quem não tem coragem de renunciar aos prazeres não deve de se fazer sacerdote, do mesmo modo como, quem tem medo da morte não pode se fazer militar, assim também quem não dispõe de coragem cívica, e de energia rno­ral não deve de ingressar nos quadros da advocacia.

Estando de boa fé, e aceitando este patroc(nio em nome da caridade cristã, espero que Deus me protegerá e amparará aos meus.

Abraçando-a e a todos dar, receba o meu beijo amigo fraternal.

Sobral Pinto

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CARTA DE SOBRAL PINTO A TARGINO RIBEIRO, PRESIDENTE DO CONSELHO DA OAB.

Rio de Janeiro. 12 de janeiro de 1937.

Prezado colega, Dr. Targino Ribeiro

A minha designação, pelo Conselho da Ordem, ao Tribunal de Segurança Nacional, para -defender os acusados Luiz Carlos Prestes e Arthur Ernest Ewert ou Harry. Berger, de que me dá nodeia no seu Ofício n9 20 (vinte), de 8 do cor­rente, somente ontem recebido, eu a aceito como dever indeclinável de nossa no·

bre profissão. Lamento apenas não dispor dos dotes de inteligência necessários ao desem­

penho de tão árdua, penosa, e diUcil missão, que o Conselho da Orderri achou, na sua soberania, que devia de lançar sobre os meuS frágeis ombros.

O que me falta em capacidade, sobra-me, porém. em boa vontade, para me submeter às imposições do Conselho da Ordem; e em compreensão humana, para, fiel aos impulsos do meu cora·ção cristão, situar, no meio da anarquia contemporâ­nea, a atitude destes dois semelhantes, criados, como eu e todos nós, à imagem de

Deus. Quaisquer que sejam aS minhas divergências, do comunismo materia-

lista, _ e elas são profundas -, não me esquecerei, nesta delicada investidura que o Conselho da Ordem me impõe, que simbolizo, em face da coletividade brasileira

exaltada e alarmada, A DEFESA.

Espero que Deus me ampare nesta hora grave da minha vida profissional, dando forças ao meu esprrito conturbado para mostrar aos Jurzes do Tribunal de Segurança Nacional que Luiz Carlos Prestes e Arthur Ernest Ewert ou Harry Ber­ger são membros, também, desta vasta e tão atribulada famOia humana.

~limento a fundada esperança de que encontrarei, neste reservatório imenso que é a caridade cristã, recursos dignos e apropriados para, sem renegar os princrpios básicos da civilização brasileira, demonstrar que os acusados, ora in-

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. !

dicados ao meu patrocrnio, a par de erroS funestfssimas, alimentam·se, também, de verdades generosas, para a difusão das quais são capazes de grandes e respeitá­

veis renúncias. Adotando, na defesa que irei fazer, essa orientação, penso, meu caro pre-

sidente, trabalhar para a manutenção, entre nós, das "tradições" de desinteresse e amor às liberdades públicas, hoje em dia tão esquecidas no nosso meio.

Com estima e alto apreço, sempre ao seu inteiro dispor,

Heráclito Sobral Pinto.

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CARTA DE SOBRAL PINTO A DOM SEBASTIÃO LEME, CARDEAL DO RIO DE JANEIRO, DE 14.1.37.

Eminência,

Eu não me permitiria a indelicadeza, imperdoável, de deixar o meu Bispo na ignorância dos· motivos superiores que me levaram a acei~ar o patrocínio gra~ t~ito da c~~sa de Luiz Carlos Prestes e de Harry Berger.

Tal patrocínio não é um gesto puramente profissional. Ele transcende, pela significação de que se reveste, o campo puramente jurídico, para atingir as esferas superiores da moral social, da qual V. Eminência, por investidura Divina, é, e tem de ser, no séio da coletividade brasileira, um dos guardas mais autorizados e zelosos.

Na .carta que dirigi ao Conselho da Ordem dos Advogados, neste Distrito Federal, e na que mandei à minha boa ir'mã, que me escreveu, inquieta e agoniada, de Vassouras onde se acha, procurei, na medida das minhas forças, explicar os mó­veis que atuaram sobre a minha consciência.

Para conhecimento de V. Eminência remeto-lhe, por cópia, o texto integral destas cartas no que se refere ao assunto em questão.

Nutro a esperança de que o meu amado Pastor não desaprovará o gesto desinteressado da humilde ovelha que, em todos os seus atos profissionais, se es­força, dentro das suas possibilidades, por cumprir apenas cristãmente os seus deve­res de estado.

~ bem provável que o mundo, com a sua inesgotável mal ícia, não me poupe às sUaS contundentes censuras. Mas tenho a certeza de que V. Eminência não se esquecerá, neste transe delicado da minha vida profissional, de orar com -fervor a Deus Nosso Senhor para que dê luzes e conforto a este seu filho em Jesus Cristo, que lhe beija, respeitosamente, as mãos sagradas.

Sobral Pinto

Rio, 14.L1937

4:1

REQUERIMENTO DE SOBRAL PINTO A RAUL MACHADO, JUIZ DO TRIBUNAL DE SEGURANÇA NACIONAL, DE 15.01.37.

Exmo. Sr. Dr. Raul Machado, Juiz do Tribunal de Segurança Nacional.

~ /I.d...a.+ ....... h ~:. ,.- .... r.: 0(,\-­r A-... -r --.~ /.. ...; ~ -v. '171-._' ..,.,.. •. ~ ~ t ~ ~ .R .. _ ,;;;.... d. c;. ~. .,.&...,

J - ""'" I t. f?'r. C_ .... --.$_k c;b.. -.j, 4·..... -I'.~ .. ~ co. ~ ..... ,.-,.r.: ..( .. .L;:. --",

. ,. - , (/_/;..., ........ -./-:. <f-. eo'l-L -I-.S 1-

. 9~;--7i HERÁCLITO FONTOURA SOBRAL PINTO, defensor de Luiz Carlos

Prestes, por nomeação de V. Exa., vem expor e requerer, no processo a que res­ponde este acusado:

Munido da competente autorização do Comandante Queiroz, dirigi-me ao Quartel da Polícia Especial para me entender com Luiz Carlos Prestes sobre· a defesa que estou incumbido de apresentar, no momento oportuno.

A autorização, que me foi entregue em mão por V. Exa., dizia: "De or­dem do Sr. Juiz Raul Machado, autorizo ao Dr. Sobral Pinto que deverá identifi­car-se, a ouvir em separado EM MEU GABINETE os presos Luiz Carlos Prestes e Harry Berger ,

O chefe de dia achou - e muito bem - que, em face dos termOS claros da ordem recebida, só poderia permitir a minha entrevista com Luiz Carlos Prestes no gabinete do comandante.

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Por isto, determinou a condução desse acusado ao aludido gabinete, deven­do, antes, entretanto, ser informado dos motivos da minha visita.

Tomando conhecimento desses motivos, o acusado Luiz Carlos Prestes mandou me dizer que não lhe interessava tratar do assunto, que constituía o obje­to da minha presença aí, não lhe cabendo, nestas condições, vir ao meu encontro.

Entretanto, se de algum modo me parecesse - a mim, e não a ele - útil ir até à presença dele, não teria a menor dúvida em me receber na sua célula.

É evidente que considero dever indeclinável da minha condição de defen­sor ir ao encontro do acusado Luiz Carlos Prestes, ao menos para expor·lhe a

orientação que pretenda imprimir à sua defesa. Mas, como a ordem escrita dada ao chefe de dia, e da qual em mesmo fui

o portador, determinava que a minha entrevista com o acusado Luiz Carlos Prestes se deveria realizar "no Gabinete do Comandante", não me fo.i possível penetrar na

célula do acusado acima referido. Assim, venho requerer a V. Exa. que se digne tomar as provid~ncias ne­

cessárias para que me seja outorgada a autorização, que reputo indispensável ao cumprimento do meu dever, de me entender livremente, com as cautelas que o Poder Público julgar necessárias, com o acusado Luiz Carlos Prestes.

NeStes termos,

P. Deferimento.

Distrito Federal, 15 de janeiro de 1937.

a.) Heráclito Fontoura Sobral Pinto

Defensor lIex-officio"

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REQUERIMENTO DE SOBRAL PINTO A RAUL MACHADO. DE 15.01.37.

Exmo. Sr. Dr. Raul Machado, Juiz do Tribunal de Segurança Nacional.

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HERÁCLITO FONTOURA SOBRAL PINTO. defensor de Arthur Ernest Ewert ou Harry Berger, por nomeação de V. Exa.,vem expor e requerer, no pro'

cesso a que responde este acusado: Como é de seu conhecimento o art. 53 do Regimento Interno deste Tribu­

nal de" Segurança Nacional dispõe: "Os acusados ficarão à disposição do Tribunal OU DO JUIZ PREPARADOR, conforme o caso, não sendo permitido à autorida­de, sob cuja guarda estiverem, transferi-los ou removê·los de presídio, durante o processo; e, quando faça por motivo relevante, deverá dar imediata comunicação

ao Tribunal". • Decorre deste preceito que incumbe a V. Exa., na qualidade de Juiz Prepa­

rador do processo do acusado Arthur Ernas1i Ewert ou Harry Berger, atender às necessidades mais imediatas da sua instalação e reclusão no presídio a que o referi·

do acusado estiver recolhido. Achando-se, pois, o acusado Arthur Emest Ewert ou Harry Berger preso à

disposição de V. Exa., incumbe-lhe, Exmo. Sr. Juiz, providenciar para que o trata· menta a lhe ser ministrado, nas nossas prisões de Estado, esteja em equação perfei· ta com os postulados da nossa civilização, que é, no dizer autorizado do Sr. Presi­

dente da República, de caráter nitidamente cristão. Discursando aos brasileiros, em 1 de janeiro de 1936, declarava o Exmo.

Sr. Presidente da RepÇEblica: "Alicerçado no conceito materialista da vida, o comu,

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nismo constituiu~se o inimigo mais perigoso da civilização cristã. À luz da vo"ssa formação espiritual, só podemos concebê-lo como o aniquilamento absoluto de to~ das as conquistas da cultur~ ocidental, sob o império dos baixos apetites e das ín~ fimas paixões da humanidade - espécie de regresso'ao primitivismo, às formas elementares de organização social, caracterizadas pelo predoml'nio do instinto gre~ gário e cujos exemplos trpicos são as antigas tribos do interior da Ásia" (Edição do Departamento Nacional de Propaganda, pág. 4).

Como vê V. Exa., o Chefe da Nação se esforçou por distinguir os métodos e processos usados pelo comunismo do~ métodos e processos preconizados pela ci­vilização cristã. Enquanto que aqueles se revestem de características de indisfarça­da violência, estes se ostentam pacíficos e humanitários, quaisquer que sejam os domínios da atividade da criatura racional.

Nos povos que se criaram sob o influxo do cristianismo já não se compre­ende, hoje em dia, um regime carcerário que desconheça ao próprio condenado de delito comum o direito a um regime adequado a sua condição de ente racional e pensante.

Fundado nestes imperativos da nossa consciência coletiva é que· venho, Exmo. Sr. Juiz, pedir, na qualidade de defensor de Arth.ur Ernest Ewert ou Harry Berger, imediatas e apropriadas providências para que seja ministrado a esse acusa­do, no presídio onde se acha, um tratamento à altura da sua condição de homem.

Basta lançar a vista sobre esse acusado para. que se verifique, desde logo, o seu precário estado desaúde. Sua magreza e palidez não deixam de pairar a menor dúvida, a respeito da fragilidade atual da sua saúde a quem quer que d tenha na sua presença.

O 19cal que lhe foi designado para presídio é o menos indicadO para um homem dominado por essa pobreza fisiológica que acabo de descrever. Esse local é um acanhado vão inferior de uma das escadas que dão aces~o ao pavimento supe­rior do Ouartel da Pol(cia Especial.

Nestas condições, cabe~me requerer a V. Exa., no exerdcio do mandato que me foi confiado, que se digne de providenciar não só para um local apropriado a tão rigorosa reclusão, como também para que lhe seja ministrado um tratamento que mostre que nós brasileiros somos· aquilo que o Exmo. Sr. Presidente da Repú­blica disse que constitui a nossa característica por excelência, isto é, um povo "de alma sempre aberta à ternura e aos comovidos anseios de paz e de fraternidade" (I bid., pág. 3).

Nestes termos,

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P. Deferimento.

Distrito Federal, 15 de janeiro de 1937. Heráclito Fontoura Sobral Pinto

Defensor "ex-officio"

RESPOSTA DE EUZEBIO DE.QUEIROZ FILHO, COMANDANTE DA POL[CIA ESPECIAL, AO JUIZ RAUL MACHADO, EM 25.01.37.

R ia de Janeiro 25 de janeiro de 1937. Do Sr. Comandante da Polícia Especial. Ao Sr. Juiz do Tribunal de Segurança Nacional.

Exmo. Sr. Dr. Raul Machado

Em resposta ao ofício desse Juízo nÇ 67 -'C.A. de 18 do corrente cum~ pre-me informar:

(1) - o acusado Arthur Ernest Ewert ou Harry Berger, encontra~se de fato recolhido ao local indicado pelo Dr. Sobral Pinto que é. a Pagador ia desta Corpora­ção, visto não dispormos de outro local mai~ apropriado, pois o único lugar exis­tente capaz de proporcionar conforto e. segurança, foi destinado ao preso Luiz Carlos Prestes. Em virtude da incomunicabilidade deste último não nos foi possí~ vel colocá-los juntos, tendo, portanto, este comando lançado mão ~aquele lugar que oferece uma certa segurança;

(11) - o tratal'!lento dispensado a Harry Berger é em tudo idêntico ao pro­porcionado a Luiz Carlos Prestes, continuando a alimentação a ser fornecida pelo Restaurante Reis, como o era quando os referidos presos se encontravam à disposi­ção da D.E.S.P.S. por quem eram custeadas, visto não termos recebido qualquer ordem que revogasse ou modificasse a primitiva. O estado de debilidade física em que se encontra Harry Berger, é provavelmente originário da abstinência a que o mesmo, de vez em quando, se submete voluntariamente. De uma feita, esse preso levou 17 dias consecutivos sem consumir qualquer alimento, pois quando estes lhe eram apresentados, recusava-os, tendo essa ocorrência sido comunicada à Inspeto­ria Geral de Polícia, em of(eio desta P.E. n9 2.09g·de 21.07.1936.

Tal greve, que só terminou por sua livre e expontânea vontade, repetiu~se algumas vezes mais, com duração, porém, menor, isto é, de 3 a 5 dias.

Outrossim, este Comando consulta \I. Exa. sobre para quem deverão ser remetidos os vales e contas referentes à alimentação fornecida aos dois citados presos, visto os mesmos já não mais se encontrarem à disposição da D.E.S.P.S.

Respeitosas .Saudações. Euzébio de Oueiroz Filho. Cmt.

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DEFESA PRÉVIA DE HARRY BERGER

o que ora se inicia não é s6 o julgamento de um homem. Efêmero instru­mento de uma causa, que se vem afirmando, enérgica e destemerosa, no seio mesmo da civilização ocidental, como_simbolizadora da aspiração generalizada das massas proletárias contemporâneas, Harry Berger não se ilude com a insignificância de seu destino pessoal em face do grande drama em que essa causa joga os seus destinos

históricos. Simples obreiro de um ideal, que não criou, mas a que aderiu com firmeza,

não desconhece que a sua pessoa nada representa no tumulto desta agitação, hoje incoercível, que abala até os seus mais profundos alicerces da organização social, que o século XIX, alheio aos direitos imprescrit(veis do trabalhador, legou, orgu­lhosamente individualista, ao egorsmo satisfeito das classes' dirigentes da nossa

geração. Nem no dornrnio do pensamento, nem no da ação, Harry Berger avultou

jamais, entre nós, ou em estranhas terras, como figura de alta expressão do movi­mento comunista contemporâneo. A chama, assim, desse seu ideal, que, empu­nhado por outros em diferentes quadrantes da terra, convulsiona povos inteiros; -levandp-os até à sangueira da guerra civil, que nada respeita nem Jesus Cristo e seus templos, nem as crianças e os velhos, não desaparecerá do coração de muitos dos brasileiros pelo fato de ter sido condenado Harry Berger à pena de 10 anos de prisão. Outras individualidades, incomparavelmente bem mais representativas do. que a sua, e outros pa(ses, de projeção desmedidamente bem mais importantes do

. que o nosso no cenário mundial, permanecerão de pé, atuando, - com a dureza dos seus argumentos impressionàntes e com a força compressora de seus exércitos imensos _, sobre a mente conturbada dos intelectuais do Ocidente e sobre a cons­ciência 'irritada das massas mundiais insatisfeitas, convocadas, ambas, deste modo, sem cessar, para trabalharem pela implantação, no seio da humanidade sofredora,

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de uma ordem social que-se alicerce em valores inteiramente opostos aos que fo­ram até agora adptados e seguidos ..

Mirabeau, Brissot, Vergniaud, Danton, Saint-Just, Robespierre, Napoleão, organizadores todos de uma ordem social liova no mundo ocidental, desaparece­ram, afastados no turbilhão da morte, da guilhotina e do exílio; mas, o ideal revolucionário, que os inspirou, e _de que foram, em certos momentos, os s(mbolos legítimos, a todos sobreviveu, continuando a alimentar as gerações que lhes suce­deram, para acabar afinal.por se infiltrar na mente daqueles mesmos que se viram derrubados em nome dele. E o que é mais surpreendente, estes vencidos de outro· ra, voltando mais tarde ao poder, cuidaram de consolidar no próprio seio de suas respectivas nações, esse ideal revolucionário que provocara, anos' antes, a destruição da velha ordem social, de que tais vencidos tinham sido os mais graduados repre­sentantes!

Mas, para que recuar tão longe, se bem perto de nós a i?loqüência dos fatos contemporâneos nos fornece idêntico testemunho?

Onde está Lenine, e o que é feito de Trotsky? Conduzido aquele ao tú­mulo, e·levando esta vida de "judeu errante", o comunismo continuou, entretan· to, - orientado por outras mãos possantes - a se:guir a sua rota implacável, desvi­ando inteligências- lúcidas, envenenando corações generosos,. e armando braços vigorosos, na sua faina m(stica de tentar a construção de um -mundo novo, sem classes, sem propriedade individual, sem códigos, e sem moral, escudado apenas num tipo científico de homem até hoje inédito, mas por cuja criação trabalha, num esforço continuamente gigantesco, a pedagogiá soviética.

Que vale, pois, ante estes exemplos decisivos da história, a liberdade de uma figura apagada do mundo comunista, como Harry Berger? A 'certeza da ver­dade de sua doutrina, a frieza dos seus propósitos revolucionários, e a firmeza so­branceira com que aceita as conseqüências do seu procedimento, acabarão, apenas, por provocar o respeito dos que, no meio da tibieza e do ego(smo dos nossos dias, sabem apreciar o valor das convicções arraigadas.

O julgamento, assim, de Harry Berger passa a ser, em processo desta natu­reza, um episódio secundário, tão insignificantes são.as suas conseqüências sobre o desenvolvimento ulterior, mesmo entre nós, da causa de que ele se fez o pregoeiro impenitente e convicto.

O que interessa, portanto, antes de tudo, é examinar a r:'atureza mesma desta causa e o sistema de combate que os nossos governantes contra ela organiza­ram, para ver se este combate, ora em pleno. desenvolvimento, se inspira. num supe­rior princ(pio de justiça.

Que causa é esta? Como surgiu, e quais os seus processos? A causa, - não nos iludamos - é a da ascensão social e polftica das massas.

Imposs(vel seria negar, hoje em dia, a verdade deste asserto. Esp(ritos serenos, que se vêm debru,çando, há longos anos, sobre a realidade social, para desvendar-lhe a

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trama interior da contextura, proclamam, corajosos e verídicos lIVivemos debaixo do brutal império das massas" (Ortega YGasset - LA REBE LlON DE LAS MASAS~ pág. 22). Outro depoimento, não menos autorizado, atesta: "Forças novas entra­ram na história. Há muito tempo que a democratização da sociedade começou. Mas,não foi senão depois da guerra que a irrupção das massas sobre o cenário da história se tornoU aparente. Eis o fator fundamental da história do nosso tempo. Até aqui, as massas estiveram afastadas de um papel ativo e visfvel" (Nicolas

Berdiaeff - DESTI N DE L'HOMME - pág. 57).

Atentem os Srs. Jufzes para a realidade deste fato: o esforço das massas

trabalhadoras para empunhar, com firmeza e decisão, o governo das nações. Todas as lutas que o nosso século viu, e está vendo desencadearem-se no cenário das cole­tividades humanas, têm a sua verdadeira explicação neste esforço impetuoso e gi­

gantesco. De que derivou, entretanto, na mente das massas, a preocupação persisten-

te de tal esforço? Foi a mera ambição do poder? Foi, outrossim, o estimulante in­

confessáve_1 da inveja? Foi, ainda, a torpe cupidez da riqueza?

É" possfvel que o coração dos trabalhadores, tal como o dos dirigentes pri­vilegiados, não se mostre puro e isento destas concupiscências inferiores. Onde o homem está não se compreende" que não apareçam, também, todas as paixões, sa­

dias e perversas, que se aninham na sua alma contraditória.

Mas, a origem imediata do movimento social das massas se encontra, no dizer de todos- os competentes, nos princfpios sociais do próprio capitalismo. "Nos sistemas anteriores, ou bem havia associaç~o do trabalho e da propriedade, - neste caso o trabalhador gozava da liberdade cfvica - ou bem o -trabalhador não era proprietário, mas, então, ele não era também um cidadão livre. A alternativa era clara para a época pré·capitalista. Mas, o capitalismo empreendeu a grande aventu­ra de a"ssociar r em massas de homens incessantemente crescentes, a ausência de propriedade a uma inteira liberdade pessoal e a uma inteira igualdade política. Ho­je podemos dizer que o propósito de unir a liberdade a uma ausência permanente de propriedade não era uma solução própria para assegurar a paz social. O pro­b;ema surgiu de novo: em que condições a libérdade do trabalhador é compat(vel Ç,2-r.l um regime em que as massas são desprovidas de propriedade? Como procurar a segurança da existência e garantir a liberdade? ~ mister sacrificar a liberdade, e ~he proferir a submissão do trabalhador ao Estado para obter uma paz social com­parável à paz que reina nurT'! cemitério? Ou, então, é poss(vel instituir garantias econômicas que ponham termo ao que há de malfazejo num regime onde o traba­lhador é desprovido de propriedade e submetido aos azareS do mercador' (Goetz

Brie!s - LE PROL~TARIAT INDUSTRIEL - pág. 3).

O que vem ocorrendo,assim, no mundo contemporâneo contra a estabilida­de das instituições pol!'ticas e sociais, que nos foram legadas pelo pensamento cul·

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tural do século XIX, é a conseqüência lógica e necessária das bases falsas em que se assenta o edifl'cio social moderno.

As classes dirigentes, em vez de examinarem_ com atenç~o desinteressada, e com ânimo objetivo, os dados do problema, encarando-o como do dom"tnio da sociologia aplicada, definiram-no como uma simples questão de psicologia. Dentro deste estreito ponto de vista, os movimentos sociais das massas não nascem, na sua maior parte, da má distribuição da "riqueza produzida pelo trabalho, mas da perver­são da yontade do" homem, desejoso este de ser aquilo que, pela ausência de qualidades adequadas,_ ele nunca poderia pensar em obter numa sociedade elemen~ tarmente organizada.

Deste modo, classes conservadoras e proletárias se erguem, na estrutu­ra social contemporânea, uma em face da outra, numa .luta feroz, e sem hu­manidade. Aquelas tudo empreendendo para conservar, nas suas mãos possantes, a direção da pol(tica governamental, onde se 'manterão no-primeiro plano -os seus interesses; estas, num esforço oposto, buscando escalar os postos do governo, para inaugu.rar um regime polftico e social, que melhor se ajuste às suas indubitáveis necessidades.

Ninguém ousa, atualmente, negar a realidade deste" ·conflito, pavoroso no seio das coletividades humanas. Jacques Maritain-, prefaciando a obra de Briefs, -há pouco citada - trouxe; para o cenário da cultura universal, o seu depoimento, forma"1 e categórico: I' A existência, na ~ociedade moderna, de duas ·formações com inferesses adversos, é um fato histórico que, como todos os fatos da história, pres­supõe antes dele, com condições dadas independentes da vontade humana, longas cadeias de acontecimentos contingentes e de ato de liberda.de que neles produzem o seu fruto; a estrutura econômica e social da qual ele depende uma vez obtendo a existência, não poderia desaparecer senão com a substituição desta estrutura por outra totalmente diferente" (lbid., pág. IX).

Outro cristão, Nicolas Berdiaeff, tendo feito a mesma verificação procedi­da por Jacques Maritain, adverte: "Qual a atitude que deve adaptar a consciência cristã a respeito deste fato? Ela pode manifestar a respeito dele a sua apreciação pessoal, mas não pode de maneira alguma repelHo. O dever que as impõe a todos os cristãos é de olhar a realidade na face, e de ser dela plenamente conscientes. Na­da é mais oposto ao cristianismo do que a "idealização" da realidade; parece bem que é ele, precisamente, que deve ignorar o medo, quando se trata de desmascarar e de condenar a realidade mais funesta e mais pecadora. A luta das classes é um fa­to irrefutável, ela desempenha na história um papel preponderante, e é sobretudo a nossa época que traz a marca decisiva do seu desencadeamento" (LE CHRIS· TIANISME ET LA LUTTE DES CLASSES - pág. 12).

Não nos paguemos de-palavras. O que os Srs. Ju(zes têm diante de si, trans­pondo a secundária individualidade de Harry Berger, é a própria causa do prole-

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tariado. Não se deix.em empolgar pelos diagnósticos apressados dos incompeten­tes, que procuram estabelecer distinção entre o proletariado brasileiro e o proleta­riado europeu, dizendo que o trabalhador nacional não carrega no seu coração ge­neroso.o pesado volume de ódios rancorosos, que vêm acumulando, de ano para ano, na alma revoltada do trabalhador europeu.

O problema, tal como foi posto diante do pensamento moderno, é destes que não conhece fronteiras nem territórios. Ele se assemelha, em muito de' seus aspectos, ao das ciências experimental e sobrenatural. Assim como, para estas, onde quer que esteja o homem, ali elas estarão com seus postulados, os seus méto­dos, e a sua técnica; assim também, onde quer que surja uma indústria vasta e adiantada, ali também aparecerá o problema proletário com os seus reclamos, que têm, na justiça absoluta, as fontes imperecíveis das suas reivindicações.

Este problema" já está, desde muito, posto diante do pensamento brasilei­ro. Urge" pois, resolvê-lo. Nsnhum povo furtar-se-á ao exame desta questão. Há quase 70 anos Karl Marx (LA GUERRE CIVI LE EN FRANCE - trad. de Char­les Languet, págs. 86 e 87) anunciava convicto e verdadeiro: "O espírito burgúês impregnado que. é de noções policiai!', julga naturalmente que a Internacional age à maneira das sociedades secretas e d05 conspiradores, ordenando o seu órgão cen­trai, de tempo em tempo, explosões popUlares em diferentes países. A nossa asso­ciação não é, na realidade, senão um laço que liga uns aos outros os operários mais avançados entre os povos diversos do mundo civilizado. Em qualquer lugar, debai­xo de quaisquer formas e cDndições que a luta de classes chegue a tomar consciên­cia, é bem natural que os membros da nossa. associação se encontrem na primeira fila.

O solo de onde ela ,ai, onde ela mergulha suas raízes, ~ A PRÓPRIA SO­CIEDADE MODERNAI I~enhum morticínio, por mais imenso que seja, poderá arrancá-lo dali.

Para triturá-Ia, os governos-deveriam triturar o poder despótico do capital sobre o trabalho, - condição mesma de sua própria existência parasitária".

Não há como repelir esta verificação de Karl Mal'x, quando, presentemente, outro pensador r vindo do quadrante cristão" chegou à mesma conclusão. Estudan­dar com espfrito de verdade, a estrutura sOG.ial da nossa época, Goetz Briefs, adver­te: "O que é certo, é que o problema proletário se exprimiu historicamente por uma agitação permanente do mundo operário desde que o regime das usinas acar­retou a pro!etarização de uma parte consideráv~1 da população. Não é, - para falar com propriedade - à qualidade do operário salariado que é preciso ligar a agita­ção sooial e o movimento operário: a atitude do proletariado americano mostrou suficientemente que isto s;eria um erro. Enquanto largas possibilidades de ascenção social se -ofereciam ao operário, enquanto pelo menos a esperança de um ergui u

mento social não lhe era interdita, não houve movimento operário; o mundo ope· rário se pós em movimento na medida em que as possibilidades de ascensão dimi-

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nw'am, e o movimento operário se mostrou tanto mais radical quanto a condição proletariana se fazia mais rigorosa. O que cria o problema, é, então, menos a qua­lidade do operário salariado do que a qualidade proletariana do operário salaria. do" (lbid., pág. 261).

Em toda a parte, assim, no mundo civilizador a questão vem sendo posta, ante-a mentalidade displicente das classes conservadoras, pelos pensadores mais re­presentativos das doutrinas soCiais. que disputam, entre si, a preferência das massas. Ninguém, porém, .. neste terreno, leva a palma a05 representantes do marxismo. Voz insuspeita (Robinot Marcy S.J. -AUX PRISES AVEC L'APOSTASIE DES MASSES - pág. 9) informa, a tal respeito, aos observadores atentos do movimen­to social contemporâneo: "Cada ano, novos ácréscimosrvindos das classes traba­lhadoras, aumentam as fileiras dos revolucionários. A d.outrina social e econô­mica marxista lhes parece, com efeito, atender às suas aspiraçõe~ de fraternidade e de mais bem-estar. As melhorias trazidas; no curso daS' duas últimas gerações, à sorte dos trabalhadores, não foram devidaf:, por uma parte, à atividade dos eleitos socialistas?"

À so mbra destes serviços inegáveis, vai o mandsmo se apoderando, pouco a pouco, do coração sofredor e resoluto da parte mais numerosa do gênero hu­mano. Tanto mais fácil é esta tarefa do marxismo nivelador quantq nele nem tudo é falso e mentiroso, como o próprio Berdi •• ff (PROBLEME DU COMMU· NISME - pág. 32), não pode deixar de reconhecer: "O comunismo é uma manifes· tação complexa à qual não se poderia responder por "sim" ou por "não". Vimos que a verdade e a mentira estão nele estreitamente lígàdas. Se as colocasse nos pra­tos da balança verdade e mentira: perceber~se-ía que, no co'munismo as verdades são numerosas, e que a mentira é uma. Mas eSta única mentira é tão pesada que ela prevalece sobre as verdades".

Enquanto, porém, as verdades são palpáveis para a inteligência inculta das massas, essa mentira, ao contrário, requer, para Ser percebida, uma 'cultura de con­ceitos quase sempre ausente da mentalidade, descurada, dos homens do trabalho.

Tal mentira, que nos enche de horror, outra não é senão o materialismo. Discfpulo submisso de Jesus Cristo, cujos ensinamentos me esforço, por entre as fraquezas da minha vontade, em seguir em todas as manifestações da minha vIda, não me posso solidarizar com os atentados praticados, no mundo contemporâneo, pelo marxismo, duro e implacável, contra o que de mais arraigado e profundo existe no meu ser: a Fé católica.

Mas, a reprovação que me merecem tais desafies orgulhosos à bondade divina é de molde a toldar a serenidade do meu julgamento a ponto de não encon­trar ele uma expliqação humana para essas demências coletivas das maSsas aposta­tadas? Não. Como cristão eu reconheço a minha parcela de responsabHidade nestes desatinos. Nesta raiva satânica, que explode em blasfêmias contra Jesus Cristo e a sua verdade, devemos nóS cristãos "ver, antes de tudo, O resultado da nossa cump!i-.

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cidade para com o paganismo dos nosSos governantes. Ninguém, melhor do que Sertillanges (SOCIALlSME ET CHRISTIANISME, págs. 276/277), diagnosticou esta cumplicidade, que se verificou tanto na Fran~ do século XI X, quanto no Brasil independente: "O primeiro culpado aqui, é esta preciosa burguesia volteria· na de 1830, que tendo-se aproveitado da revolução de 89, quis se manter onde estava; achava que tudo ia bem no melhor dos governos parlamentares; declara~ va·se pela ordem, entendendo por ordem a tranqüilidade gozadora dos besti possi· dentes enriquecidos com os despojos do antigo regime.

A religião, ninguém a queria para si; mas pagava-se o Bispo e o Cura para pregá-Ia ao povo. A religião era necessária "para o povo"; sem o que ele-não seria sábio, não tendo, para bem se conduzir, as altas razões do "Constitucional" e do "Século" .

O mesmo motivo qúe vos fazia ateu ou livre pensador não vos fazia menos crente ... para os outros; pois, esta crença que se repelia como importuna, impor.; tunando também o povo e o mantendo tranqüilo, faria que se seria, assim, dupla· mente menos incomodado, duplamente mais tranqüilo.

Apresentava-se, assim, a religião de amor sob o aspecto de um gendarme, e o que deveria acontecer, aconteceu. O povo, mais altivo do que se pensou, ouvin­do raciocinar estes pomposos egoístas, vendo que se lhe jogava a Fé cómo se lança um cabresto, não quis !,"ais para ele isto que se tratava nas altas camadas com menosprezo tão soberbo".

Como se vê, o problema oferece uma complexidade excepcionalmente in­trincada,_ que não pode ser- destrin~ada pela ação,_ simplista e primária, de um sis­tema de repressão polltica, organizado sobre a base caduca de um Tribunal de Exceção.

Não se deixem Os Srs. Ju(zes tomar do aparente ambiente de eficiência do atual aparelho repressor, organizado pelo Governo Federal e do qual são SS. Exas. dignos e ilustres membros.

A Rússia tzarista também conheceu este sistema de repressão. Quando, em 1905, o marxismo russo, ainda incipiente, começou a agitar os meios proletários, o poder público, não confiando na ação dos seús agentes normais, criou, então, um Tribunal Especial.

Trotsky, que era um dos indiciados, compareceu perante os seus ju{zes, para dizer-lhes: "O processo do Soviat dos Deputados Operários não é senão um episódio na luta da revolução contra a conspiração governamental de Peterhef. Na magistratura policial imaginou-se verdadeiramente que o julgamento dos membros

. do Soviet seria um ato juridicamente motivado? Podia-se pensar que o processo fosse instaurado e prosseguido pela iniciativa de um Poder Judiciário independen­te? Que a cau~ fosse denominada de direito estrito? Isto é mais do que duvidoso. Cada um compreende muito bem que a prisão do Soviet foi um ato de arbitrário poJ(tico-militar, que ela- marca um momento da campanha.sangrenta empreendida

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por um poder que o povo repele e odeia" (1905 - ed. de L'HUMANIT~ - pág. 283).

Estas palavras só impressionàram pelo que nelas havia de arrogante e de ofensivo. Ninguém nelas quis pressentir a advertência, cheia de Ó9io, mas grave e real, que emanava do seu Contexto geral. Os governantes de então, - tais como os de hoje - se obstinaram, na sua cegueira impressionante, em encarar o movimen­to das massas como o resultado_ apenas da ação demagógica de pol{ticos ambicio­sos de poder e de mando. Já A. Comte a encontrara no seu tempo. Da{ esta sua impressionante afirmação (SISTEME DE POLlTIQUE POSITIVE - 4~ ed., vol. 19, pág. 152): "O comunismo, - que não traz o norne de ninguém - não'é um produto acessório duma situação excepcional. É mister nele ver o progresso es­pontâneo, antes afetivo do que racional, do verdadeiro esp{rito revolucionário. que tende hoje a. se preocupar sobretudo com as questões morais, e que repele para o segundo plano as questões pol(ticas propriamente ditas."

Nada adianta, assim conduzir perante Tribunais Especiais os pregoeiros re­volucionários das reivindicações proletárias no mundo contemporâneo. O movi­mento das massas não é- a conseqüência da rebeldia dos espúitos. Não o desenca­deou, também, no seio das_ coletividades modernas, a louca ambição de desconhe­cer o princ{pio de autoridade.

Certamente, na desordem moral dos no.ssos tempos. essas duas circunstân­cias terão concorrido, e não pouco para a_agravação do mal-estar geral. Mas, cami­nho errado seguirá, sem dúvida, aquele governo que, impenetrável às lições inca­erc{veis ,da experiência sociar, teimar em ,não enxergar que o problema do co­munismo já não- comporta nem soluções meramente pol(ticas ou jur(dicas, nem repressões exclusivamente nacionais. É que b homem moderno vive, em grande parte, de tendências fundamentais do nosso tempo, uma das quais é, no dizer justo de Maurics Paz (in LE RAJEUNISSEMENT DE LA POLlTIQUE, págs. 243/244), "a tendência ao universal. Não mais economia nacional, não mais mesmo economia continental. Todos os pa{ses, todos os continentes são cada vez mais solidários uns com os outros. Há cada vez menos, no fim das contas, - a crise atual demonstra - conjuntura própria de cada pa{s. Todos sofrem, em graus diferentes, a mesma conjuntura. A produção é anárquica, mas ela tem um caráter mundial em virtude de tbdas as matérias-primas e das mercadorias essenciais. As trocas tendem igual­mente a transbordar os quadros antigos. O mundo se comporta d'ora em diante como um corpo economicamente único, cujas partes componentes estão em rela­ção de interdependência cada vez mais estreitas .

Todo particularismo, toda tendência ao isolamento aparece já como um anacronismo idiota. A etapa do nacional que constituiu, outrora, um progresso, foi largamente ultrapassada: hoje; é se fazer reacionário quem pensa só como eu­ropeu. Mas, como sempre, a ideologia se atrasa em relação ao fato".

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Quando os aeroplanos eliminaram as distâncias, quando o rádio dá ao ho­mem o dom da ubiqüidade, quando o cinema revela diariamente às màssas prole­tárias o bem-estar da burguesia, e quando a indústria universaliza a produção, não é poss(vel encarar os fatos sociais como fenômenos puramente nacionais. O mun­do, ligado entre si em todos os aspectos da sua atividade multiforme, não pode admitir mais soluções eivadas de caracter(sticas puramente territoriais.

As pátrias continuarão a existir. Por elas hão de se bater, generosos e herói­cos, os seus filhos mais estremecidos. O homem, ligado à terra sobre cujo céu os seus olhos viram pela primeira vez a luz, sentirá o seu coração pulsar, tal como o de seus pais, em anseios de ternura e de grande em prol daquele torrão que foi a morada a~olhedora dos seus antepassados.

Mas, o comunismo, mesmo o russo, não desconhece os imperativos deste sentimento. Lenine, e.m plena guerra européia, perguntava: "Somos nós, proletá­rios gran-russos, estranhos ao orgulho nacional? Certamente não. Amamos a nossa I(ngua e o nosso pa(s. Nós trabalhamos sobretudo para elevar as massas trabalhado· ras de nosso pa(s (isto é, os nove décimos de sua população) à vida consciente dos democratas e dos socialistas. Sofremos sobretudo ao ver e sentir que arbitrário, que julgo, que. humilhações os carrascos imp~riais, os nOQres e os capitalistas, fazem sofrer à nossa tão bela pátria. Somos orgulhosos de que este arbitrário sus­citou, entre nós, gran-russos, resistências; somos orgulhosos de, que o noSSo meio produziu Raditchef, os Decembristas, os Revolucionários desclassificados de 1870· 1880; somos orgulhosos de que a classe operária gran·russa, constituiu, em 1905, um possante partido revolucionário de massas e de que o "móujik" gran-russo começou, na mesma época, a se tornar um democrata, a se libertar moralmente do "pape" e do proprietário" (N. Lenine o G. Zinovief - CONTRE LE COURANT -Buro.u d'Éditions, vai. 19 pág. 43).

O comunismo, assim, não desconhece a idéia de pátria. A pátria que seja constiturda pelos trabalhadores, pelas massas, pelos produtores, e que lhes estenda a mão generosa, esta ele respeita e reconhece. Tenhamos a coragem de ser justos, se é que queremos vencer e dominar esta doutrina, dura e cruel pelo materialismo em que assenta os seus postulados. Mas, não pratiquemos a deslealdade de distin­guir. sob certos aspectos, o seu internacionalismo, do internacionalismo capitalis­ta. Um e outro aceitam e provocam colaborações internacionais. Um e outro pro­curam, nas suas respectivas classes, o apoio de forças estrangeiras.

O capitalismo estrangeiro, que aqui veio colaborar com as nossas classes dirigentes, tem Junto delas os seus representantes confessos e autorizados. Não raro os interesses desse capitalismo usurário colidem com os interesses das nossas masSas trabalhadoras. E, nem por isto, deixa'm de ser acatados, e tidos comó ami­gos do pa(s.

A mentalidade das massas é muito mais capaz de lógica do que ordinaria­mente pensamos. Aquilo que elas vêem ser praticado nas camadas conservadoras,

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elas se julgam, também, com o direito de realizar no seu seio. E, deste modo, quando menos esp'eramos, vemo-nos em frente de casos como o de Harry Berger.

Tais são, Srs. Ju{zes, as reflexões, profundamente meditadas, que O dever de defensor ex-offício me impõe oferecer ao seu exame, à guisa de defesa prévia de Harry Berger, ante processo que lhe move a Justiça Especial.

Nelas deixei estampada a orientação que irei seguir nas razões finai.s que terei de desenvolver, em mome~to oportuno, com ânimo sereno, e espírito seden- "

to de justiça. Habituei~me, no meu já longo contato com os homens, a olhar, antes de

tudo, para o interior das suas almas; Só assim poderemos aproximar uns dos ou­tros os corações dos nossos semelhantes. Os gestos exteriores raramente traduzem, na sua objetividàde fria, o mundo de emoções que tumultuam no peito, aparente­mente graníticO, dos revolucionáros mais impetuosos. Identificados com a causa de que se fazem os órgãos indomáveis, muitas vezes, um só aspecto de~a basta, pela sua maldade inequ(voca, para dar-lhes, através deste, uma fisionomia que não corresponde à realidade.

Este é certamente, o caso de Harry Berger, que, olhado mais de perto e com menos superficialidade," em nada se distingue" de tantos outros estrangeiros revolucionários, que o" governo brasileiro, em outras eras, homenageou com as ma-nifestações do seu apreço. .

Distrito Federal, 29 de janeiro de 1937.

a.) Heráclito Fontoura Sobral Pinto Defensor ex-officio

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EXPOSiÇÃO DE SOBRAL PINTO A RAUL MACHADO, DE 29.1.37.

Exmo. Sr. Or. Raul Machado, Juiz do Tribunal de Segurança Nacional

HERÁCLITO FONTOURA SOBRAL PINTO, tendo sido intimado por V. Exa., no ofício nq 8S-C.A., de 26 do corrente, para apresentar até esta data, a de­fesa prévia do acusado Luiz Carlos Prestes, vem expor os motivos por que não se desobriga desta tarefa:

Tanto que recebeü de V. Exa., a por indicação anterior do Conselho da Ordem dos Advogados da Seção deste Distrito Federal, a nomeação de advogado ex-officio do acusado- Luiz Carlos Prestes,_o Suplicante procurou e conseguiu com este ter livre comunicação.

Avistando-se, assim, com o seu cliente, o Suplicante dele ouviu a declara­ção, formal e categórica, de que repelia qualquer defesa, que seria por ele futura­mente desautorizada, caso fosse apresentada. Acrescentou, então, que totalmente segregado do convívio humano, sem o mais longínquo contato com o mundo exterior, impedido de fazer quaisquer leituras tanto de jornais quanto de livros, não dispondo de papel, lápis, ou caneta, e cercado só de policiais, não aceitava a apresentação de uma defesa, que, nesta conjuntura, não pode ser considerada nem ampla, nem livre, nem independente. Além disso - exclamou ainda - se o sena­dor Abel Chermont, apesar de suas imunidades parlamentares, foi preso só por ter requerido um habeas-corpus a favor de Berger, como adimitir-se que outro advoga­do, que não goza de tão altas garantias, possa usar livremente da palavra, e empre­gar os meios adequados a uma defesa eficiente?

Ora, o Suplicante não pode, não deve, e nem quer desatender às determina­ções, para ele sagradas e respeitáveis, de Luiz Carlos Prestes. Não oferecerá, por isto, defesa prévia, limitando-se a ficar à disposição· do mesmo_acusado para, em qualquer tempo, e caso mude, ulteriormente, de deliberação, intervir em favor dele.

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Assim agindo, conforma-se o Suplicante com aS' tradições e a prática ime­mOTíais da sua profissão, como passa a mostrar, escudado em fontes autorizadas. Na verdade, examinando a hipótese, ora em apreço, Saillard (LE RÔLE DE L'AVOCAT EN MATIÊRE CRIMINELLE,págs.225/226). esclarece: "Vimos, que, em certos casos, o acusado ou indiciado deve de ser provido de um defensor, na audiência, sob pena de nulidade, ainda mesmo que ele não tivesse feito o pedido, ou que recusasse a sua assistência:. qual é, nesta última hipótese, o dever do advo­

gado? Foi decididà, por ocasião do processo da alta Corte de Bourges, que bas­

tava, para o advogado, escrever ao seu cliente na véspera da audiência, a fim de lhe proporcionar a oportunidade de aceitar ou de recusar o seu ministério; a isto se

limita o dever do defensor.

Nós preferimos a solução inversa, admiti<;la por quase _todos os autores, pela qual o advogado designado deve de assistir até o fim_os· d.ebates; se o seu cliente não Ih'o permite, ele deve- guardar o silênCio; mas, desde que ele recebe a sua missão da lei, deve por consideração a ela, continuar junto do acusado a sua

assistência material". Idêntica é, a este respeito, a lição de Cresson (USAGES ET REGLES DE

LA PROFESSION O'AVOCAT, vol. ,q, pág. 364: Recusa o acusado o advogado que lhe foi indicado por uma nomeação de ofício? Proibe-o de pleitear? O defen· sor não pode deixar de comparecer à audiência; ele deve acompanhá-Ia; mas tem o

direito de se abster de pleitear".

Outra grande autoridade na matéria, Mollot (RÊGLES DE LAPROFES· SION O'AVOCAT - vol. W, págs.79/80) se pronuncia no mesmo sentido: ..... eu não julgo que o advogado possa ser obrigado a prestar o seu ministério ... quan­do o cliente o recusa obstinadamente (o que tem acontecido), quer na audiência, quer nas comunicações anteriores. A lei concede um defensor ao acusado, mas não Ih'o impÕe. Além disto, se o desinteresse exige que o advogado se devote à defesa do pobre, ele isto não exige em face da recusa deste último, que tem também a sua independência". E logo abaixo, esclarece este consagrado codifieador dos costu­mes, regras e deveres do advogado (lbid., pág. 80) :"0 Conselho tem todavia decio dido que, em todas as causas criminais, o advogado nomeado de of(eio será obri­gado a comparecer e a permanecer na audiência, até a leitura da sentença, pois o acusado pode mudar de resolução e a ele recorrer".

Estes preceitos não variaram até hoje. Um dos mais recentes tratados sobre a profissão de advogado (Payen et Ouveau - LES RÊGLES DE LA PROFISSION O'AVOCAT, pág. 209), prevendo expressamente o caso, confirma, em todos os pontos, as decisões da tradição. Eis como, a respeito, se pronunciam estes autores: "Pode acontecer que o indiciado, sem escolher ele próprio um advogado, recusa o que lhe foi indicado. Este deve, então, pedir ao bastonário que designe um dos

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seus confrades. Se, no último instante, o indiciado proibisse ao advogado de plei­tear, este deveria de se abster, mas·deveria assistir à audiência."

Tais são os usos e costumes da profissão, quando um dos seus órgãos tem diante de si um réu de crime comum, que está sendo processado na forma da legis­lação normal, e perante um Tribunal Ordinário.

Mais delicada, porém, se torna para o advogado ex-officio a sua situação, já de si diUcil, quando ele tem de agir perante um órgão judiciário, que, além de se afastar de todas as tradições da vida jurídica do país, contraria, na sua organiza­ção, toda a sistemática da legislação penal co"mum, como é o caso deste Tribunal de Segurança Nacional, e qa forma processual nele seguida.

Na realidade, tudo, na criação e regulamentação definitiva deste Tribunal, é de molde a inquietar aOS que, como os advogados, têm o dever de pugnar intran­sigentemente pela liberdade ampla da defesa. Pois, sem falar no direito outorgado aos Ju(zes de realizarem sessõeS de julgamento, dentro dos próprios presídios (art. 49 do Regimento Internol, fora das vistas da opinião pública (arts. 73 e 74 do citado Regimento);sem aludir ao arbítrio dados aos Juízes Preparadores de secionar a instrução do processo em tantos atos judiciais autônomos quan­tos forem os réus, ou grupos de réus que eiltenqerem de formar (art. 57 do Re­gimento citado);urge focalizar a proscrição absoluta do exercício da palavra oral da ~efesa, por ocasião do julgamento, estabelecendo·se, entretanto, uma situa­ção privilegiada para o orgão da ~cusação, que, ante a defesa amordaçada, poderá falar, desembaraçadamente e sem peias~a t(tu!o de esclarecer o seu parecer· emitido nos autos (art. 86 do citado Regimento.1

Acrescente-se a tudo isto a circuntância de que o processo é de inequívoco caráter político, para que se tenha, desde logo, a noção exata da posição extrema­mente grava do Suplicante em face de Luiz Carlos Prestes, que insiste na delibera­ção, já manifestada a V. Exa., de não se defender.

Aliás, dentro dos postulados sociais que o acusado esposou, não é de estra~ nhar este seu procedimento, que é aconselhado e sugerido por Lenine (OEUVRES COMPLETES - Edits. Sociales Internationales, vol. XXI, pág. 361, através desta ponderação: "0S Tribunais são órgãos do poder. Os liberais esquecem· no algumas vezes. O marxista não o deve esquecer nunca. A ditadura militar age. Seria, então, rid(culo falar neste caso de "tribunais" regulares. Não se trata de j~stiça, mas de um episódio de guerra civil. Os partidários do comparecimento diante dos tribu­nais erram em não querer compreendê·io ... O de que o poder precisa, não é de um processo, é de perseguição dos internacionalistas. Prendê· los sob chaves, eis o que é preciso ... ".

Nestas condições, o que o dever profissional impÕe ao Suplicante, como advogado de Luiz Carlos Prestes, é a obrigação formal de se manter dentro do mais absoluto silêncio, em face do processo que lhe está sendo movido neste Tribunal de Segurança Nacional. .

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Requerendo a juntada· da presente aos respectivos autos, para que deles fique constando a deliberação que' o Suplicante adotou, e da qual nesta data, dá conhecimento ao Presidente do Conselho da Ordem dos Advogàdos da Seção deste Distrito Federal,

P. Deferimento.

Distrito Federal, 29 de janeiro de 1937.

ai Heráclito Fontoura Sobral Pinto Advogado ex·offício

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CARTA DE OLGA BENARIO PRESTES, ESPOSA DE LUIZ CARLOS PRESTES, DE 31.1.37, À SUA SOGRA LEOcAolA PRESTES.

Berlin, 31.1.1937.

Chere mere,

-Je viens seulement de recevoir tes leUres du ler. et du 9 janvier. Tu peux t'imaginer la. joie qu'elles m'ont causée.

Teut d'abord, je veux t'informer que tu es devenue grand'mêre. Le 27 novembre, rai mis au monde la petite Anita Leocádia. C/est une petite filie bien portante, et, dês sanaissance elle pesait déjà 3.800 gr. Elle ales cheveux noirs et de grands yeux bleus. L'enfant se developpe bien et 50n sourire me rend moins triste ma situation.- Je fais tout ce que je peux paur qu'elle ne manque de rien. Je la nourris au sein et le· ferai aussi longtemps qu'íI me sera possible de le faire.

Actuellement, je suis em "détention de protection" (Schutzhaft) et plus précisement à I'infirmerie d/une prison de femme.s_ .. Lors de I'acouchement, iI y a eu des complications et j'ai été assez gravement malade. Mais aujord'hui, j'ai surmonté tout cela.

Tu me demandes cambien de fois par mois tu peux m'écrire. D'aprês le reglement de la prison, j'ai le droit de recevoir un"e lettre tous les 10 jours. Je suis contente de pouvoir te tenir au courant du developpement de ma petite. Je te prie de m'écrire à ton tour tout ce que tu sais sur la situation de Carlos. Depuis le 23 septembre, c'est à diredepuis le jour ou rai été expulsée du Brésil, je suis sans nouvelles de lui. Lorsque j'étais là-bas, naus pouvions· nous écrire de temps en temps. Aprês la naissance de la petite, je lui ai adressé une lettre, mais jusqu 'ici, je n'ai pas eu de réponse. Je voudrais que tu m'envois dans ,'une de tes prochaines lettras une photographie de Carlos, car je n'en ai pas ici.

Chêre mere, j'attendrai avec impatience ta réponse. Avec mes meilleurs voeux p'!ur ta santé ...

Je t'embrasse ta filie alGA.

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TRADUÇÃO

Berlim, 31.1.1937.

"Querida mãe:

Acabo de receber suas cartas de 1C? e 9 de janeiro. Você pode imaginar a alegria que me deram.

Antes de mais nada, quero informá-Ia de que você é avó. No dia 27 de no­vembro, dei a luz à pequena Anita Leocádia. É uma menina saudável e nasceu pesando 3.800 gramas. Ela tem os cabelos negros e grandes olhos azuis .. Ela se desenvolve bem e seu sorriso torna menos triste minha situação. Faço o possrvel para que nada lhe falte. Eu a amamento e tenciono fazê-lo enquanto me seja poss(­vel.

Atualmente, estou em "detenção de proteção" (Schutzhaftl e, mais preci­samente, na enfermaria de uma prisão feminina. Por ocasião do parto, houve com· plicações e estive gravemente doente. Mas agora superei tudo isso.

Você me pergunta quantas vezes por mês pode me escrever. Segündo o regulamento da prisão, tenho o direito de receber uma carta a cada 10 dias. Fico feliz de poder mantê-Ia ao corrente do desenvolvimento de minha filha. Peço·lhe que, por sua vez, me escreva tudo o que saiba sobre a situação do Carlos. Desde 23 de setembro, isto é, desde o dia em que fui expulsa do Brasil, estou se-m notr­cias dele. Quando eu estava lá, podíamos nos corresponder de tempos em tempos. Depois do nascimento da menina, eu· mandei uma carta para ele, mas até agora não tive resposta. Eu gostaria que você me enviasse, em Uma de suas próximas cartas, uma fotografia de Carlos, pois não tenho nenhuma aqui.

Querida mãe, esperarei com impaciência a sua resposta. Com meuS melho· res votos de boa saúde ...

Beijos da sua filha alga.

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REQUERIMENTO DE SOBRAL PINTO, A RAUL MACHADO, DE 11.2.37.

Exmo. Sr. Dr. Raul Machado, Juiz do Tribunal de Segurança Nacional

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HERÁCLITO FONTOURA SOBRAL PINTO, advogado ex-offlcio de Har­ry Berger ou Arthur Ernest Ewert, vem expor e requerer a V .Exa:

Compareceu ontem, às 17 hor~s, no escritório do Suplicante, o Sr. David Levinson, que, dizendo-se advogado norte-americano, lhe declarou estar incumbi· do por D. Minna Ewert, - que alega ser irmão de Harry Berger ou Arthur Ernest Ewert -, promover, no Brasil, tudo quanto possa interessar à defesa do aludido Harry Berger.

Para comprovar o mandato de que se diz investido, o Sr. David Levinson apresentou ao Suplicante o documento original, que a esta acompanha, firmando com a assinatura "Minna Ewert", e ora devidamente. traduzido.

Tomando conhecimento da missão ostensiva que o Sr. David Levinson re­clama para si, e que invoca como única razão justificadora da sua presença no pa(s, o Suplicante declarou-lhe, desde logo, que não tinha nem interesse, nem obrigação de apurar quer a sua identidade pessoal, quer a qualidade de advogado, quer, final· mente, a legalidade e autenticidade do mandato de. que se dizia investido. Tal as­sunto era, por sua própria natureza, da alçada exclusiva das autoridades federais do pa(s, tanto executivas quanto judiciais.

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o Suplicante, entretanto, sentia-se na obrigação de informar-lhe, a ele Sr. David Levinson,queem hipótese alguma lhe seria poss(vel patrocinar, pessoal_e di­retamente, a causa de Harry Berger ou Arthur Ernest Ewert, em face de dispositi· vos claros e terminantes da nossa legislação. Para tal fim, deu-lhe a conhecer" antes de tudo, o conteúdo do art. 133 da Constituição de 16 de julho de 1934, que é es. te: "Excetuados quantos exerçam legitimamente profissões liberais na data da Constituição, e os casos de reciprocidade internacional admitidos em lei, somente poderão exercê-Ia os ,brasileiros natos e os naturalizados que tenham prestado ser­viço militar ao Brasil; não sendo permitida, exceto aos brasileiros natos, a revalida­ção de diplomas profissionais expedidos por institutos estrangeiros de ensino".

Por esse texto, a advocacia, no Brasil, s6 é permitida aos brasileiros natos, ou naturalizados, com serviço militar prestado em tempo oportuno,res'salvados·os casos de reciprocida'de internacional, expressamente consignados em lei.

Ora, não sendo ele, Sr. David Levinson, nem brasileiro nato, nem brasileito naturalizado, e não existindo, igualmente, convenção ou tratado firmado entre o Brasil e a União Americana sobre o exerc(cio da advocacia, nos seus respectivos territórios, pelos nacionais destes dois pa(ses, imposs(vel lhe será advogar, entre nós, perante qualquer Tribunal, a causa de Harry Berger .

Focalizou, em seguida, o Suplicante ante o Sr. David Levinson o preceito do art .. 22 do decreto n'.'22.478, de 20 de fevereiro de 1933, que rege o exerclcio da advocacia no território nacional, e que diz: "Em qualquer jUl'ZO, contencioso Ou administrativo, civil ou criminal, salvo quanto a habeas-corpus, o exerc(cio das funções de advogado, provisionado ou solicitador, somente será permitido aos ins­critos no quadro da Ordem e no gozo de todos os direitos decorrentes, de acordo com este instrumento".

Não estando ele, Sr. David Levinson, inscrito nos quadros da Ordem, na Secção deste Distrito Federal, não poderia, em face deste texto legal, ser admitido pelo Tribunal de Segurança Nacional como advogado de Harry Berger ou Arthur Ernest Ewert.

Mostrou, por fim, o Suplicante ao Sr. David Levinson a impossibilidade da sua subseqüente inscrição nos quadros da Ordem, não s6 por força do texto cons· titucional supra transcrito, como, também, em virtude· do que preceitua o art_ 13 do mencionado decreto n922.478, de 20 de fevereiro de 1933: "Para inscrição no quadro dos advogados da Ordem é necessário, além dos requisitos legais de capaci· dade civil:

I, ser bacharelou doutor, em Direito, por faculdade reconhecida pelas leis da República ou sob ficalização permanente do Governo Federal ao tempo da for· matura ou ulteriormente (ficando entendido nessa conformidade o disposto no art. l'.'do decreto n. 21.592, de 1 de julho de 1932); ou por faculdade de paIs estran· geiro, legalmente reconhecida, e confirmado o grau do Brasil, salvo o disposto em tratados internacionais relativos ao reconhecimento recrproco de trtulos;

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11, ......... _ ...................................... , a) os estrangeiros serão admitidos nas mesmas condições estabelecidas para

os brasileiros em seus respectivos países de origem, ressalvados os direitos dos que, na data deste decreto, já exercem a advocacia no Brasil;".

Ponderou, assim, o Suplicante ao Sr. David Levinson, que sendo ele norte­americano, cabia-lhe apresentar diploma de Faculdade de Direito dos Estados Unidos, que, sendo oficialmente reconhecida pelo Governo brasileiro, tenha os tí­tulos, que expedir, reve!l.'tidos do privilégio de reciprocidade, em virtude de tratado internacional.

Ora, esta é, perante nós, a situação da Universidade da Pennsylvania, pela quai o Sr. David Le\linson se diz formado. Tal Universidade, além de não ser reco· nhecida ofiCialmente pelo Governo Brasileiro, na forma da art. 13,1, não foi incluí­da, em convenção ou tratado firmado entre o Brasil e a União Americana, coma instituto que possa expedir tftulos dotados da privilégio de assegu rar, no Brasil, aos Seus portadores o direito de se inscreverem na Ordem dos Advogados Brasileiros.

Replicou, então, o Sr. David Levinson ao Suplicante, que já estava ao cor­rente de todas estas circunstâncias, pelo que não pretende mais patrocinar, ele pró­prio, a defesa de Harry Berger ou Arthur Ernest Ewert, tanto mais quanto não ma­neja· a língua portuguesa, e nem conhece, no todo ou em parte, a legislação crimi­nal bra:;ileira. Seus obje:tivos, - acrescentou -, são bem mais modestos. Deseja apenas entrevistar-se com Harry Berger ou Arthur Ernest Ewert, para informá-lo da incumbência que recebera da sua irmã Minna Ewert, e concertar, assim, com ele não só sobre a escolha de um patrono brasileiro, como também sobre os elementos a empregar para que a defesa final, a ser apresentada, em favor dele Harry Berger, se revista das características de liberdade e eficiência poss(veis nas atuais conjuntu­ras, {l,O Suplicante: asseverou outrossim, o Sr. David Levinson que, essa sua confe­rência com Harry Berger ou Arthur Ernest Ewert poderá ser em alemão, ou inglês, e versará ÚI',nCA E EXCLUSIVAMENTE sobre a matéria de defesa, devendo V. Exa. a .tudo presidir, para aplicar incontinenti as sanções que julgar convenientes caso ele, Sr. David Levinson, infrinja os compromissos que solenemente assumir

Dentro desses limites, Exmo. Sr. Dr. Juiz, é de meu dever, como defensor ex-officiode Harry8erger, requerer a V. Exa.que se digne de tomar as_providências

. indispensáveis para que se realize semelhante entrevista. f\lão ignora_V. Exa.que a missão do advogadoex-officioé, já de si, delicada

e séria. Mais grave se torna ela ainda quando a c~usa, confiada ao seu patrocínio, é de natl!reza pai (tica.

Na verdade. Entre os deveres inerentes à missão do patrono está o da sua assistência assCdua às necessidades morais e materiais do seu cliente. Saillard (LE RÔLE DE L'AVOCAT EN MATII~RE CRIMINELLE, págs. 97198) focaliza esse dever, dizéndo:Tem, antes de tudo, o advogado, a obrigação de ir ver o seu cliente; ele preencherá o voto da iei, visitando-o desde o começo, e reiterando as suas visi-

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tas tão freqüentemente quanto o intresse da defesa o exija. Ele poderá, assim~ evitar os efeitos funestos e aumentar os bons resultados,

que produz o isolamento sobre aqueles que, - inocentes ou culpados -, não ad­quiriram, ainda, o triste hábito da prisão. "Então, diz o Sr. Trarieux, ele poderá exercer o seu ministério de doçura, de bondade, de benevolência, prodigalizando animações que tornarão a expectativa menos sombria, e evitarão todo ato de de~ sespero" .

Sente·se aqui o grande papel màral de consolo e de regeneração social, que é confiado ao advogado:·o indi_ciado, deprimido pelo regime de sua detenção, escu­tará de boa vontade os conselhos discretos daquele em quem ele terá posto a sua confiança, o único do qual, em todo o caso, ele está certo de não ter que sé des­confiar, e ao qual ele tudo pode dizer, sem temor".

Ora, nas causas de natureza poHtica dificilmente pode o acusado depositar inteira e total confiança no patrono que não escolheu, e que lhe foi designado ex~ officio. Basta que este não comungue nos mesmos ideais do seu cliente, para que se veja logo meio suspeito por ele.

Pois bem, esta é, presentemente, a situação do Suplicante em face Harry Berger ou Arthur Ernest Ewert começa, - e com razão -, por desconfiar-do patro­no que não escolheu, mas que aceitou, por força das circunstâncias.

Estrangeiro, conhecia entre nós apenas meia dúzia de elementos comunis­tas, com os quais entrara em contato desde que aqui aportara. Preso pelas nossas autoridades policiais, _viu-se completamente separado desses elementos, passando, assim, a ser mantido, há mais de ano, totalmente só, e numa clausura absoluta. Na­da lhe permitem: nem leituras, nem escrita, nem entendimentos com qualquer outra criatura humana, a não serem os guardas. Não cessa, por isto, de demonstrar a suspeita que alimenta a respeito dos propósitos de defesa com que o mesmo Su­plicante justifica as suas visitas.

Faltaria, assim, o Suplicante aos deveres de lealdade e franqueza que tem para com a Justiça Especial se dissesse, agora, a V. Exa. que se sente habilitado 8

produzir, em favor de seu cliente, uma defesa ampla e eficiente.

Foi nesta conjuntura que aqui se apresentou, vindo dos Estados Unidos, o Sr. David Levinson, que, dizendo-se mandatário de amigos e parentes de Harry 8erger, ou Arthur Ernest Ewert, declara·se disposto a tudo fazer, - soba fiscaliza· ção imediata e direta das autoridades competentes do país -, para facilitar ao mencionado acusado a obtenção de todos os meios necessários ao oferecimento de uma defesa à altura das dificuldades da causa.

Afastada a hipótese de patroc(nio direto e pessoal dessa causa pelo Sr. David Levinson, por motivo da proibição legal anteriormente aqui exposta, por­que impedir que Harry 8erger ou Arthur Ernest Ewert receba este auxilio de que está tão necessitado?

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Em nome de que princ(pios vedar semelhante ajuda a um acusado que se acha totalmente 56, em terra estranha, cujos habitantes, na sua maioria, lhe são irredutivelmente adversos? Sem parentes, sem amigos, sem companheiros presen­tes aqui no pa(s, parece ao Suplicante que as leis de humanidade não autorizam impedir ao Sr. David Levinson de se entender com Harry Berger ou Arthur Ernest Ewert para lhe facilitar os meios de escolher um patrono capaz de lhe inspirar con­fiança.

Qual o risco que poderá correr a sociedade brasileira com o fato de permi­tir V. Exa.-e com as cautelas acima indicadas""1o entendimento pleiteado pelo 8r, David Levinson?

Por outro -lado, acredita o Suplica~te que o Sr. David Levinson ,estará em

condições de, rememorando fatos ou circunstâncias da vida passada de Harry Ber­ger, ou Arthur Erne'st Ewert, que lhe terão sido revelados pelos seus mandantes,

inspirar confiança ao acusado, levando-o assim, a escolher a melhor orientação a

seguir, na sua defesa. Com os conhecimentos que o Sr. David Levinson já terá ad­quirido do meio forense brasileiro, no decurso destes dias, poderá ser um seguro orientador de Harry Berger, ou Athur Ernest Ewert.

Pór mais que reflita, Exmo. Sr., Juiz,. não chega o Suplicante a perceber quais as conseqüências funestas que poderão advir para a ordem po!(tica, social, ou jurídica do pa(s de um entendimento, na presença de V. Exa. entre o Sr. David Levinson e Harry Berger, ou Arthur Ernest Ewert. Mas, se V. Exa.isto permitir te­

rá, apenas, no ver do Suplicante, atendido às imposições incoerc(veis da lei, univer­salmente admitida, de defesa livre e independente.

Páder-se-á alegar que o Sr. David Levinson não tem, em face da nossa legis­lação, nenhum tftulo hábil que o autorize a nomear defensor para' Harry Berger ou Arthur Ernest Ewert.

A questão, - ao que parece ao Suplicante -, não pode ser encarada debai­

xo deste aspecto, pois, o Sr. David Levinson não se arroga, para si, o direito de constituir advogado que se incumba do patroc(nio da causa de Harry Berger, ou Arthur Ernest Ewert. O que ele quer é entrevistar-se com este acusado, - subme­

tendo-se a todas as garantias e seguranças que a Justiça Especial julgar indispensá­veis -, a fim de dar-lhe a certeza de que não foi desamparado pel9s amigos e pa­

rentes, que, ao contrário, tudo têm feito, dentro das suas possibilidades, para lhe

.facilitar os meios de tornar menos penosa a sua situaçã'o.

Procedimento desta natureza permite-se, aqui e em todos os demais pa(ses civiliz.ados, aos amigos, aos parentes e aos correligionários de todos os detentos polfticos, nacionais e 'estrangeiros.

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Por que abrir, agora, uma exceção para Harry Berger, ou Arthur Ernest Ewert? Porque há suspeita, fundada ou não, de ser o Sr. David Levinson comunis­ta, ou mandatário da Terceira Internacional?

Admitamos que assim seja. Que importa isto? Ser-lhe-á poss(vel, com esse entendimento com Harry Berger, ou Arthur Ernast Ewert, que pleteia se realize na

presença e sob a fiscalização de V. ~xa. impedir. que a Justiça Especial e.xerça o seu árduo' mister? Temer-se-á, por acaso, que dessa entrevista possa surgir alguma nova conspiração comunista contra as nossas instituições? Sem falar na injúria que

esta suposição representaria contra a perspicácia de V. Exa. e a sagacidade das au­toridades policiais do pa(s, seria dar, no entender do Suplicante, importância de~ masiada à eficiência revo'lucionária do Sr. David Levinson.

Finalmente, se os comunistas não se interessarem pela sorte de seus compa­nheiros, presos e processados pelas autoridades e Tribunais dos Estados', que lhes são adversos, quem, no ambiente de exaltação e de ódio em que o mundo contem­porâneo vive mergulhado, c,:!idará, com energia e'destemor, da defesa desses'revo­lucionários impenitentes?

Por tudo isto, Exmo. Sr. Juiz, o Suplicante', no exercício das suas funções

de advogado ex-officio,vem requerer a V. Exa.,que se digne de providenciar, com as cautelas qüe a prudência lhe ditar, para que seja facul~ado ao $r. David Levinson,

o direito de se entrevistar com Harry Berger, ou Arthur Emest Ewert, a fim de com este se entender ÚNICA E EXCLUSIVAMENTE sobre assunto de sua defesa.

Nestes termos,

Distrito Federal, 11 de fevereiro de 1937

Heráclito Fontoura Sobral Pinto

Advogado ex-officio

P. Deferimento.

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CARTA DE SOBRAL PINTO A AGAMENNON MAGALHÃES, MINISTRO DA JUSTiÇA.

Rio, 13 de fevereiro de 1937.

Agamennon.

Justiça não se agradece, aceita-se; não se mendiga, reclama-se. Mas,- nas ter­r(veis conjunturas que estamos atravessando, esta virtude - cardeal no governo das nações - anda, entretanto, tão retra(da, que é de meu dever salientar, no meu nome pessoal, a elevação do seu gesto mandando restituir a liberdade o meu clien~ te Dr. Sebastião Hora.

Agora, outro assunto. Trata-se da permanência do Sr. David Levinson entre nós. Fui informado, oficiosamente, pelo Romano de que o governo federal comu­nicou a este norte-americano, - que isto mesmo me confirmou, pessoalmente -de que ele deverá regressa,r aos Estados Unidos pelo primeiro vapor que por aqui paSsar. Ora, na petição que acompanha a carta que lha remeto oficialmente, nesta data, na qualidade de advogado BX'officio de Harry Berger, mostro, de um lado, a indeclinável necessidade, para a ampla liberdade e eficiência da defesa deste acusa· do, de permitirem as nossas autoridades o entendimento entre ele e o Sr. Dr. David Levinson; e, de outro, o nenhum risco para a nossa tranqüilidade pública ou privada, deste entendimento, a par da total ausência de motivo razoável capaz de justificar a denegação desta entrevista.

Por que impedir,então,a sua realização, a meu ver oportun(ssima? Por que há suspeita de que o Sr. David Levinson é comunista, podendo,

assim, estar incumbido, pela Terceira Internacional, de importante missão junto de Harry Beruer?

Não aceito, pelas razões expostas na minha petição já referida, semelhante versão. A verdadeira causa da estranha atitude das nossas autoridades eu a vou dar­lhe, Agamennon; ei-Ia: pretende~se continuar na obra desumana da manter Harry Berger na situação deprimente e aviltadora em que ele se encontra presentemente,

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apesar de meus esforços junto ao Tribunal de Segurança Nacional para modificá~la. Nem eu, nem você nos permitiríamos dispensar a um cão lazarento das nos­

sas casas, o tratamento que vem sendo dado a Harry Berger. Metido no socavão do lance inferior de uma das escadas da Polícia EspeCial, aí passa ele os dias e as noi­tes, na mais absoluta segregação de todo e qualquer convívio humano, a ouvir, de momento a momento, as passadas dos soldados' em trânsito sobre a sua cabeça. A roupa que traz, - calça e paletó sobre a pele -" ele não a muda desde meses. Nela -já não existe uma s6 'superf(cie disponível onde se possam fixar novas sujeiias. P. vista só deste vestuário, - se é que tais andrajos podem Ser assim qualificados­provoca náuseas.

Enquanto fatos desta maldade se passam nas prisões de Estado, ã sombra da inércia do Tribunal de Segurança Nacional, a cuios orgãos expus o que se passa, sem nada omitir, -e em toda a sua dramática nudez, verbalmente; (!, por escrito, com- a discrição que me pareceu prudente, para resguardar o bom nome da justiça, as autoridades federais iluç:lem a opinião pública nacional, anunciando, oficlosa­mente, pela imprensa', que Harry Berger se ãcha bem instalado, e çonvenientem~n­te defendido por profissionais brasileiros, aos quais ni;1da é negado, não necessitan­do, assim, do auxílio de cidadãos norte-americanos, que dizem ter aqui vindo especialmente para desempenhar missões já entregues a advogados nacionais,

Mas, nisto tudo o que mais me assombra, meu caro Agamennon, é o nenhum valor da palavra oficial. Realmente, o Primeiro Magistrado do meu País, falando de público a todos nós, em' hora solene, asseverou categoricamente: "Posse_ a_firmar· vos que, até agora, todos os detidos são tratados com benignidade, atitude essa contrastante com os processos de violência que eles apregoam e sistematicamente praticam. Esse procedimento magnânimo não traduz frr.qllez6. Pelo contrário, é próprio dos fortes que nunca se amesquinham na luta e sabem manter, com igual inteireza,o destemor e o sentimento de justiça humana".

Como defensor ex-officio de Harry Berger sou forçado a replicar: não é verdade. Venha comigo, sem aviso prévio, à Polícia' Especial, e eu o habilitarei a informar- ao Sr. Presidente da República que nas prisões de Estado existem detidos que estão no dever de pensar que, para a administração brasileira, eles perderam a condição de criaturas humanas.

Tais são as razões, que, no meu entender, levam a administíação federal a considerar o Sr. David Levinson como hóspede indesejável entre nós. Ele aqui ficando, pode acontecer, de um instante para outro, que se tome imposs(vel evitar a sua entrevista COm Harry Berger. Nesta conjuntura, como continuar reiativamen­te a este o tratamento revoltante que se lhe vem aplicando- até agora? E o Sr. David Levinson, que, ao fim do processo, deverá regressar ao seu país, dirá, então, aos SeuS concidadãos aquilo que aqui presenciou! Diante desse depoimento, 'adeus ... civilização brasileira I

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Aqui termina, Agamennon, o meu dever, e começa o seu. Se você está em condições, ou não, de cumprl-Io, não é da minha conta; é da alçada exclusiva da sua consciência de homem, de jurista, de ministro, e- de cristão.

Autorizando-o a fazer desta o uso que lhe convier, abraça-o com estima, o ·sempre ãs suas ordens,

Sobral Pinto

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REQUERIMENTO DE SOBRAL PINTO A RAUL MACHADO, DE 02.03.37.

Exmo. Sr. Or. Raul Machado, Juiz do Tribunal de Segurança Nacional.

HERÁCLITO FONTOURASOBRALPINTO, advogado ex-officio de Harry Berger, não se- conformando com o despacho de V. Exa.,que ordenou continuasse esse acusado na prisão onde se acha, vem, com a devida vênia, expor e requerer ao esprrito sereno e equilibrado de V. Exa.:

Um dos mais constantes cuidados da çivilização cristã tem sido o_estabele­cimento, no selo dos povos que acatam os seus postulados, d 'um regime carcerário que dê aos detentos, independentemente da sua condição social e da sua categoria profissional, a noção exata de que não perderam, com a reclusão, as suas prerroga­tivas de criatura racional. Crimino_so ou inocente, rico ou pobre, correligionário ou adversário poll'tico, o encarcerado precisa de receber, nas prisões mantidas pelos Estados que se dizem cristãos, a impressão de que oS poderes públicos continuam a divisar nele aquela característica constante e irremovível, que o crime poderá ter feito adormecer, mas não desaparecer totalmente: a sua espiritualidade, esta cente­lha do divino incrustada na ganga frágil do organismo humano. Só com a submissão a esta lei da racionalidade da nossa natureza poderá o Estado engrandecer e nobj· fitar a sua árdua e penosa missão de punir e castigar.

Urge, assim, cjue os juízes e tribunais façam dispensar aos detentos, que vivem nas prisões e cárceres, sujeitos à sua ação e fiscalização, um tratamento que os impeça de se considerarem simples animais hidrófobos ou empestados.

Por isto, todos os que dedicam o melhor dos seUS esforços ã organização dos regimes penitenciários nas sociedades modernas, não cessam, - como D". Concepclón Arenal (ESTUDIOS PENITENCIAR lOS - vol. 2'1, pág. 283) - de advertir: "O regime material a que fica sujeito o detento pode resumir-se assim: Ar - Alimento - Vestuário - Cama e alfaias - Trabalho - Exerereio -Descanso - Sono.

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Ar - A cela deve ter capacidade suficiente e a ventilação necessária, para que o ar seja tão puro quanto é indispensável à saúde do que o tem de respirar toda a noite e a maior parte do dia ...

Os efeitos do extremo calor devem de ser atenuados por meio de .um bom sistema de ventilação, e, no que se refere ao frio rigoroso, o aquecimento poderá se conseguir por meio de vapor, aproveitando o das máquinas motoras das indús­trias estabelecidas".

Passando, então, a consagrada escritora a examinar a questão do vestuário, diz que ele "como o alimento, tem de ser o necessário, porém de modo que pos­sam" os detentos, com ele, contraírem ... hábitos de limpeza. Assim, por exemplo, dar-se-ão meias, lenços. Para os tecidos do traje, há-de se buscar a maior duração e abrigo" (lbid., pág. 289).

Tratando, por fim, de resumir tudo o que lhe parece imprescind(vel ao tra­tamento dos detentos, conclui a mesma publicista: "Todas as regras que se dêem sejam muito práticas, para que possam ser inflexíveis. O necessário psicológico, para o alimento; o necessário para a limpeza, nas alfaias, e o necessário para o des­canso, na cama. Isto a justiça o exige, em harmonia com os meios de correção: torna-se ,duro o que é tratado com crueldade; não é meio de corrigir um homem o torná· lo duro" (lbid., pág. 291).

Pois bem, Sr. Juiz, os responsáveis atuais pela guarda de Harry Berger pare­ce que atentaram em todas estas ponderações, mas para aplicar-lhe , precisamente, e com conhecimento de causa, o regime oposto ao que deflue destes postulados, hoje universalmente aceitos e proclamados.

Metido no socavão do lance inferior de uma das escadas da Polícia Especial, a( passa Harry Berger os dias e- as noites, sem ar convenientemente renovado, sem luz direta do sol, e sem o menor espaço para se locomover. ~Jem cama, nem cadei­ra, nem banco. Apenas um colchão sobre o lagedo. De alfaias nenhuma not(cia. Absolutamente segregado de todo e qualquer convívio humano, a ouvir, de mo­mento a momento, as passadas dos soldados em trânsito pela escada, - sobre a sua cabeça - não pode usufruir nem os benefícios do repouso, nem os do silêncio. Nenhuma visita, nem de amigos, nem de parentes. Proibição de toda e qualquer leitura, quer de jornais, quer de livros. AUsência total de correspondência: se a nin­guém escreve, ninguém,-também, lhe escreve. E como poderia ele, ainda, escrever, se lhe sonegam tudo: papel, lápis e caneta. Assim, entram 0$ dias e as noites, vencem-se semanas sobre semanas, sobrepõem~se os meses uns aos outros, e Harry Berger, num isolamento alucinante, se vê invariavelmente entregue ao seu só pen­samento, na imobilidade trágica de sua agonia sem fim, e do seu abandono até hoje sem remédio, apesar dos clamores estridentes do seu defensor impotente.

A roupa que traz, - calça e paletó sobre a pele -, ele não a muda desde meSes. Ne­la já não existe mais uma só superfície disponível onde se possam fixar novas su-

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jeiras. A vista só deste vestuário, - se é que tais andrajos podem ser assim qualifi­cados -, provoca nau se as incoercíveis.

Tal é, Sr. Juiz, a prisão que destinaram para Harry Berger. Tal é, eminente Magistrado, o tratamento que lhe vem sendo dispensado.

Semelhante desumanidade precisa de cessar, e de cessar imediatamente, sob pena de deslustre para o prestrgio deste Tribunal de Segurança, que, para bem cumprir a sua árdua tarefa necessita de pautar a sua ação pelas normas inflex(veis

da serenidade e da justiça. Tanto mais obrigatoriamente inadiável se torna a intervenção urgent(ssima

de V. Exa., Sr. Juh, quanto somos um povo que não tolera a crueldade, nem mes­mo para com os irracionais, como o demonstra o decreto nl? 24.645, de 10 de julho de 1934, cujo artigo 1<? dispõe: "Todos os animais existentes no país são

tutelados do Estado". Para tornar eficiente tal tutela, esse mesmo decreto estatui: "Aquele que,

em lugar público ou privado, aplicar ou fizer aplicar maus tratos aos animais, in­correrá em multa de 20$000 a 500$000 e na pena de prisão celular de 2 a 15 dias, quer o delinqüente seja ou não o respectivo proprietário, sem prejuízo da ação civil que possa caber" (art. 2<?).

E, para que ninguém possa invocar o benefício da ignorância nessa matéria, o art. 3C! do decreto supra mencionado define: "Consideram-se maus tratos: ....

; \I - Manter animais em lugares anti-higiênicos ou que lhes impeçam a respiração, o movimen.to ou o descanso, aLi os privem de ar ou luz".

Baseado nesta legislação um dos juízes dê,Curitiba, Estado do Paraná, Dr. Antônio Leopoldo dos Santos, condenou João Mansur Karan à pena de 17 dias de prisão celular, e ã multa de 520$000, por ter morto a pancadas um" cavalo de sua

propriedade (doc. junto). Ora, num pafs que se rege por uma tal legislação, que os Magistrados tim­

bram em aplicar, para, deste modo, resguardarem os próprios animais irracionais dos maus tratos até de seus donos, não é poss(vel que Harry Berger permaneça, como até agora, meses e meses a fio, com a anuência do Tribunal de Segurança Nacional, dentro de um socavão de escada, privado de ar, de luz e de espaço, envolto, além do mais, em andrajos, que, pela sua imundrcie, os próprios mendigos recusariam a vestir.

Estes fatos, que o Suplicante está trazendo, por escrito, ao conhecimento de V. Exa., assumem, neste momento, aspecto de particular gravidade, porque são de molde a prejudicar o valor e a credibilidade da própria palavra oficial.

Com efeito, o Exmo. Sr. Presidente da República, dirigindo-se ao Congres­so Nacional, em maio de 1936, dizia: "Como se conduziram as autoridades na difí­cil emergência - a moderação que não exclui a energia, a prudência que não dimi­nui o zelo - está no espírito de todos e na memória da popUlação. Apesar de insólita brutalidade dos atentados praticados contra a unidade nacional, da felonia

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e perversa indiferença que revelaram os amotinados, não houve qualquer excesso por parte do Poder Público que não utilizou sequer, ~m toda a sua amplitude, as franquias concedidas pelo Poder Legislativo, procurando, apenas, deter e punir os responsáveis, declarados e reconhecidos.

O Poder Executivo, deixando mesmo de atender à justa indignação das classes conservadoras, manteve·se sempre sereno, não impondo castigos nem pro­curando servir·se do momento para aniquilar os vencidos" (Publicação n9 3 do Departamento Nacional de Propaganda, pág. 13).

Tempos após, S. Exa., voltando a tratar do assunto asseverava no discurso que, ao regressar de Petrópolis, proferiu em Benfica: "Como procedeu o governo, para salvaguardar as instituições, está no conhecimento e na memória de todos:­com rigor Sem desumanidade, firme, sem excessos" (Publicação n9 4 do Departa­mento Nacional de Propaganda - pág. 6).

E para que nenhuma dúvida pudesse pairar no espírito de todos os cida­dãos, sobre a serenidade dos órgãos do Poder Executivo, o primeiro Magistrado da Nação, com o peso de sua incontestada e incontestável autoridade, acrescentou (Ibid., pág. 10): "Posso afirmar-vos que, até agora, todos os detidos são tratados com benignidade, atitude esta contrastando com os processos de violência que eles apregoam e sistematicamente praticam. Esse procedimento magnânimo não traduz fraqueza. Pelo contrário, é próprio dos fortes que nunca se amesqui~ham na luta e sabem manter, com igual inteireza, o deste mor e o sentimento de justiça huma­na".

Ora, Sr. Juiz,.o Tribunal de Segurança Nacional, mais do que qualquer outra instituição do país, deve de honrar a palavra do Exmo. Sr. Presidente da Re. pública, que, em circuntâncias tão solenes, - como já foi acentuado -, assegurou, reiteradamente, a toda a Nação, que nenhum preso polrtico seria tratado com desumanidade.

Entretanto, isto não vem acontecendo com Harry Berger. Posto à dispasi. ção do Tribunal de Segurança Nacional, o tratamento que lhe estão dando, apesar do esforço em contrário do Suplicante, atenta contra todas as normas da civiliza­ção ocidental, pois, conforme foi já focalizado, infringe até dispositivos claros e terminantes da -legislação existente no pars em favor dos próprios animais irracio­nais.

Não se argumente, como já se fez com o Suplicante, que bem pior seria o tratamento que Harry Berger faria dispensar aos burgueses brasileiros se vitoriosa tivesse sido a revolução de novembro de 1935, da qual era um dos chefes confes­sos.

Tal argumento, com ser auspicioso é, contudo, inequivocamente falso e im­procedente.

Os comunistas quando lançam mão da violência contra os vencidos nada mais fazem do- que aplicar, com lógica, as leis do sistema que preconizam.

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A filosofia que adotam e difundem é a do monismo, segundo o qual o con­junto de todas as coisas deve ser reduzido ao só princípio da matéria. Dentro deste sistema, puramente materialista, a sociedade é regida por leis tão fatais e incoercí· veis como as do mundo f(sico, que nos envolve e rodeia. A ciência social~ assim, é, na sua natureza, idêntica às ciências físico-químicas.

O que compete, pois, aos sociólogos é descobrir: - à maneira dos físicos e dos químicos - as leis necessárias que regem, independentemente da vontade individual do homem, os fatos sociais. Esta é a doutrinação constante de .Engels (ANTIOÜHRING - vol. 39, págs. 23/24, ed. franco da Alfred Costes): "A concep· ção materialista da história parte deste. princípio que há produção,e coma produção a troca de seus pl:'odutos, contituem a base de toda a ordem social; que, em cada uma das sociedades aparecidas na história, a repartição dos produtos, e com ela a formação e a hie'rarquia social das classes ou ordens que a compõem, se regula de acordo com a natureza e o modo da produção, e de acordo com o modo de troca das coisas produzidas. Assim, as causas últimas de todas as transformações sociais e revoluções pOlíticas devem ser procuradas, não na cabeça dos homens, segundo a medida crescente em que eles penetram a verdade e a justiça eterna~, mas nas mu­danças do modo de produção e de troca; elas devem ser procuradas não na filoso· fia, mas na economia da época estudada. Quando surge a idéia, de que as institui~ ções sociais existentes são irrácionais e injustas, que o racional se tornou tolice e o benef(cio, flagelo, isto é unicamente um ind(cio de que Se produziu, à revelia de todos; nos métodos da produção e nas formas dé troca, tran,sformações com as quais não se harmoniza mais a ordem social adaptadas às condições econômicas anteriores. Quer _isto dizer, ao mesmo tempo, que oS meios de suprimir o mal-estar descoberto devem necessariamente também se encontrar, - mais ou menos desen~ volvidos - nas condições modificadas da produção. Estes meios não devem ser inventados pelo cérebro, mas descob~rtos, através do cérebro, nos fatos materiais existentes da produção".

A ordem social, ássim, é mero reflexo da realidade 'econômica. E a desco­berta desta, e das leis necessárias que a regem, o homem a faz, através da sua inteli­gência, da mesma maneira e pelos mesmos processos com que descobre a realidade fl'sico-química, e as leis Que a dominam.

Desta maneira, a análise do fenômeno .social deixa de ser um problema de ordem normativa, para se transformar, conseqüentemente, numa questão de ordem especulativa. Em virtude desta transformação, os critérios de avaliação dos meios e instrumentos de governo da sociedade não serão julgados à luz do qualitativo, mas, inversamente, sob a imposição do quantitativQ. Dentro deste sistema, esses meios e instrumentos governamentais não serão mais definidos de acordo com as n-ormas da distinção entre o bem e o mal, mas,ao contrário, consoante os impera· tivos da distinção entre a verdade e o erro.

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Por isto, do mesmo modo, como, no domínio da astronomia, ninguém ousaria dizer que a lei da atração universal é boa limitando-se apenas aafirmarque é verdadeira, assim também, no domrnio da sociedade, ninguém poderá dizer que a lei da socializaçio da propriedade é boa ou má, devendo tão somente declará-Ia verdadeira ou. errada.

No dia em que o desenvolvimento cientrfico do pensamento humano con­seguir emprestar â ciência social este cunho de certeza e segurança de que já des­frutam as ciências fr~ico-químicas, "o governo das pessoas" será "substiturdo pela adminsitração das coisas e pela direção das operaçães de produção" (Engels -Ibid., pág. 471.

Embora já existam, no mundo moderno, nos países de industrialização al­tamente atingida, - sustentam os comunistas todas as condições para o estabeleci­mento desta universal "adminsistração das coisas" e desta geral "direção das operações de produção", continua, entretanto, a neles vigorar "0 governo das pessoas", porque a burguesia, empenhada em prosseguir na sua obra de espoliação do proletariado, - que é o único produtor da riqueza - impede a realização desta transformação social,· servindo-se, quais outros tantos instrumentos de compres­são, precisamente do direito, da moral, e da religião, que nada mais representam, hoje em dia; senão meras criações artificiais do pensamento dos homens da classe

opresspra. O Estado, nesta fase da evolução histórica da humanidade, é o órgão expressivo desta "obra de opressão sistematizada.

Nestas condições, cumpre derrubar este Estado burguês que está a entorpe­cer a ascensão da humanidade para uma frase mais elevada de b~m-estar coletivo.

Ora, esta empreitada científica de destruição do Estado burguês só se tor~ nará poss(vel através da viólência, cuja missão é assim definida por Engels (I bid., vai. 29, pág. 721: ..... a violência desempenha ainda um outro papel na história, um papel revolucionário; ... ela é, segundo a palavra de Marx, a parteira da velha sociedade grávida de uma sociedade nova, o intrumentocom o aux.rlio do qual o movimento social quebra e substitui formas polfticas geladas e mortas ... ".

Incumbe, assim, à violência, na conceituação da filosofia comunista, por em equação a ordem social com a ordem econômica.

Urge, entretanto, não deturpar a natureza-mesma desta violência. Esta não é um ato humano bom ou mau. Erraria quem assim a classificasse, porque, no di­zer de Engels (lbid. vai. 39, págs. 44/451, "as forças sociais de ação agem absoluta· mente como as forças da natureza: cega, violenta, e destruidoramente desde que não as reconhecemos e com elas não contamos ... E isto é particularmente verda­deiro das possantes forças produtivas de hoje. Enquanto nos obstinamos em recusar a compreender delas a natureza e o caráter, - e o modo de produção capitalista e os seus defensores se opõem a que as compreendamos - estas formas agem apesar de nós, contra nós, e nos dominam ... ".

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Em face, pois, do sistema social que os comunistas preco"nizam para reger a vida das sociedades humanas, a violência por eles empregada encontra uma justifi· cação lógica, e uma explicação política.

Tal, porém, já não ocorre com os governantes brasileiros, que partem do postulado de que o homem é, antes de tudo, um ser moral, cuja consciência 'psico­lógica é absolutamente irredutrvel aos princípios da matéria organizada, regendo·se por uma norma espeCificamente djversa das leis da natureza Hsica. Na verdade, como ensina Düguit(L'~TAT - LE DROIT OBJECTIF ET LA LOU POSITIVE, vaI. 19, págs. 16, 17, 181: "Esta regra social tal como a concebemos, não é uma lei no sentido das leis do· mundo físico ou biológico, isto é, uma lei que exprime a simples relação de ~ucessão entre dois fenômenos. As leis do mundo físico ou bio­lógico são leis ~e causa; a regra social é uma lei de fim '" Falou-se de uma biologia social. Falou-se mesmo de uma est~tica ou de uma dinâmica sociais. Estes_sistemas surgiram na sua hora, e prestaram serviços;" mostraram o nada da teoria dos direi~ tos individuais; estabeleceram que a socie~ade não é um fato querido e artificial, mas um 'fato espontâneo e natural. Eles erraram querendo identificar os fatos so­ciais e os fenômenos físlcos ou biológicos. Daí o "seu descrédito no atual momen­to. Por mais que se faça não se poderá impedir que o fator essencial dos fatos sociais seja o próprio homem, ser consciente de seUs atos, é que pode afirmar que tem deles a consciência .. Não se poderá nunca demonstrar que as forças da nature­za e da vida sejam forças conscientes; elas o são talvez; ninguém nada sabe a tal respeito; ninguém o saberá jamais; é possível que elas o sejam; tudo é posslvel; mas ninguém pode afirmá-lo. A cada ato humano a consciência individual se afir­ma. Esta força é livre? Ninguém o sabe. Mas, é certo que ela é uma força coriscien­te. É certo, assim, que o homem tem consciência de se determinar por um fim. Talvez, na realidade, o ato humano é determinado por causas. Entretanto, o ho­mem age como se ele fosse determinado por um fim. Escolheu ele livremente este fim? Talvez. Em todo o caso ele o escolheu conscientemente. Os fenômenos do mundo natural nos aparecem determinados por causas, necessárias ou contingen­tes, pouco importa. Os atos humanos nos aparecem determinados por fins escolhi­dos livremente talvez, mas certamente escolhidos conscientemente. Eis porque a lei social é uma lei de fim; todo o fim é leg(timo, quando ele é conforme ã lei social, e todo o ato feito para atingir este fim tem um valor social, isto é, jurfdico. A regra de direito é, então,·a regra da legitimidade dos fins, e por ar ela é inteira­mente diferente da lei física ou biológica que é a lei das relações de causa para efeito. A regra de direito pode então denominar-se uma regra de conduta, pois que ela se aplica a vontades conscientes, pois que ela determina o valor relativo dos atos conscientes do homem".

Segundo os imperativos desta concepção, o direito, a moral e a religião são, na sua origem e nos seus fundamentos, manifestações ps(quicas tão reais em si quanto as da matéria, e precisam de ser levadas em conta pela inteligência humana,

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- que tudo ordena- e dispõe - a fim de que as suas manifestações, na ação social, seja dada a primazia legítima sobre as manifestações do mundo Hsico.

Nos limites' desta concepção, os governantes só têm a faculdade de praticar aquilo que é considerado lícito pelo direito, pela moral, e pela religião que domi­nam e regem a consciência social e pol(tica do meio social em que vivem.

Ora, 'o Brasil por ser um país de civilização cristã organizou um sistema jurídico que repele, por iníquo ~e injusto, o emprego da violência física e moral como meio de governo, sobretudo quando é utilizado contra os detentos políticos.

Pretender justificar, assim, com o exemplo dos governos comunistas, a desumanidade implacável com que está sendo tratado Harry 8erger, é, - além d. contradizer todas as afirmações teóricas da noss_a sistemática jurfqica - t dar razão aos doutrinadore? marxistas quando asseveram que o direito burguês é mera inven­ção artificial do pensamento explorador das ~Iasses possuidoras, empenhadas em espoliar os proletários dos proveitos do produto industrial que eies não cessam de criar com a sua só força de trabalho. Recorrendo, na repressão legal aos inimigos do regime, à prática da violência, que o seu direito teoricamente condena, os go­vernantes burgueses nada mais fazem do que confirmar a argumentação da doutri­na comunista, quando diz que esse direito é simples ficção do pensamento interes­seiro das classes: dirigentes, sem a menor base na realidade social do atual momento histórico.

Aliás, ninguém melhor do que Chesterton (ALL THINGS CONSIDERED, págs. 222/223) escalpelou este sofisma grosseiro, só compreens"vel no seio das nações bárbaras ~-, de que a violência dos vencidos deve ser punida pelos vencedo­res com medidas igualmente violentas. Eis, a tal respeito, a maravilhosa lição do saudoso e admirável moralista: "Qualquer que seja a verdade, é, entretanto, abso­lutamente errado empregar o argumento de que nós europeus devemos fazer aos selvagens e aos asiáticos aquilo que os selvagens e asiáticos nos fazem, a nós. Eu tenho visto, realmente, alguns polemistas usarem esta metáfora: Devemos comba­tê-Ias com as suas próprias armas".

Muito bem; deixemos estes polemistas aplicarem a sua metáfora, e aplicá-Ia literalmente. Vamos combater o sudanês com suas próprias armas. Suas proprias armas são grandes facas muitos grosseiras, e espingardas, no momento, arcaicas. Suas próprias armas são, também, a tortura e a escravidão. Se nós os combater­mos com a tortura e a escravidão, estaremos combatendo pessimamente, precisa­mente como se nós C?s combatêssemos com facas grosseiras e espingardas velhas. O que constitui toda a força de nossa civilização cristã, é que ela nos leva a comba­ter com as próprias armas dela, e não com as armas dos outros povos. Não é de nenhum modo verdadeiro que a superioridade justifica o ditado: "Para velhaco, velhaco e meio". N'ão_ é absolutamente verdadeiro que se um moleque põe a sua Ifngua de fora para o presidente da Corte de Justiça, o pre.idente da Corte de Jus· tiça imediatamente conclua que a sua única possibilidade de mar)ter a sua-posição

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é por a sua I(ngua de fora para o moleque. O moleque pode ter ou não ter, de ma­neira absoluta, nenhum respeito para com o presidente da Corte de Justiça; isto é matéria que, gostosa mente, podemos considerar como autêntico mistério psi­cológico. Mas, se o moleque tem, absolutamente, algum respeito ao preside.nte" da Corte de Justiça, este respeito é certamente outorgado ao presidente da Corte de Justiça unicamente porque ele nâ'o põe a sua !fngua de fora .

Assim, se o "'fribunal de Segurança Nacional quer punir, com eficiência, aqueles que em novembro de 1935 usaram da violência contra os leg(timos órgãos da soberania nacional, necessita de afastar, firme e categoricamente, da sua ação punitiva todo e qualquer gesto de violência. Só â custa deste preço é que as suas sentenças se -valoriz~rão no seio da consciência cristã do povo brasileiro. Só assim, elas poderão ser acatadas como obra de justiça serena.

Eis porque; M.M. Juiz, o Suplicante volta à presença de V. Exa. para re· clamar, em nome da Justiça, contra o regime carcerário, desumano, que vem sendo aplicado a Harry Berger. Não é um favor que está a pleitear para o seu cliente. É um diréito, indomável e' incoercrvel, que está a invocar, em nome da própria condição de criatura racional, de que nenhum tribunal pode demitir a- pessoa de Harry 8erger.

I mpõe-se, assim, que, Sem mais a delonga de um minuto, V. Exa. ordene, com a sua autoridade de magistrado, que Harry Berger seja transferido, imediata­mente, para uma cela condigna, onde, a par de cama, roupa, vestuário, e objetos próprios para escrever, - de que está carecendo para a sua defesa -, se lhe per­mita fazer 'as-Ieit~ras que bem lhe aprouver, tudo, porém, dentro das normas de vigilância prudente, que a administraçã'o carcerária costuma, em face dos detentos oolfticos, por em prática, para evitar confabulações perigosas dos encarcerados com os seus partidários políticos ainda em liberdade.

Formulando o presente requerimento tem o Suplicante cumprido apenas o Seu dever, oferecendo, entretanto, com isto, a V. Exa. adequada oportunidade para que, sob os ditames imperiosos da sua consciência de homem e de Magis­trado, possa V. Exa. cumprir o seu, com igual solicitude.

Requerendo a juntada da presente aos respectivos autos,

P. D.eferimento.

Distrito Federal, 2 de março de 1937.

a) Her~clito Fontoura Sobral Pinto Advogado ex-oflicio

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NOTfCIA DE A NOITE, ANEXADA AO REQUERIMENTO DE 2.3.37.

Condemiiado \lola morte do cavaBo !I CUnlTYBA.23 ($rTvfco !"sp~elal d'A do o magistrado recehldo, de todo ~

NOrrE) _ JI):to !\Iansuf K:H:tD. nesltl. paiz, felicit.lçócs pt'ltl lua .ttitudi!. capitul, matou um ('3\":1110 de 1stnlo A pena Impo.\h a Maml'llf Karan , a cS[)Jncal-o . O nnima} prestava-lhe menor eumprido. et' hoje,- em t'!lIA.be .. · Incstima\"t'ls !icnÍtos, iluxiJitlndo--o na lcc1mentol ptnitenciariol d,a Brull. I mAnutenção de 6ua (AS::!,. Certo dJ'l. - r. -

porém, conta M::msur Kar~nJ O I('U ,...4.._IJI.~"""'--· ~- .... --_ .... ~ amigo irNcionnl dcsobcdcccu-o.- Ti-nha que pagar por aryuelle crjm~. E. empunhando- um chicotr. dcspc,.Jou • um" scrie tremenda clt golpes no cor- \ lt" pf) dó anim:ll. 'que. ,entincfa profun-damente a rtidcu do Ca5ti~o. caiu por lerda. l>'~ra moter (,5lrehuch:mdo. O aconlrcimcnll) impf('55ion ou & qU..:ln" n to~ o viram, E lIma denuncia (oi l~· t "õlon , policia. EntreJ:uc Q cn~o f'm S müo5 ria. justiça. ,loão M,m~ur J{a .. h róln, depois de um llrOC('.~50 movi· p. mrn!ndo e origin..:ll, que culminou num .' julgamento jnedito. foi eondcmnadn a 17 dhu de- prisão cellular e 6. mulla h de 620MOO. O jui1. Antonio Leopoldo p dos-,Santa, foi o Aulor da scnl\"nC'i\, e flue ~dn';.jU ;) m:~~d~:' do ~(I\,~lIn

.J~~~Ê5~:jl~e5~:c;:!li~~~~-~:rriÀsu~~r;h;~~: \' ~.: 1 deu 0' meios forense, do Paraná. ten· d :~ .~~~:~;~:::"::$~:~~t:;":

Nota: notícIa de A NoIte, de 29 de Janeiro de 1937, com que Sobral Pinto instruiu o seu pedi­do pera Harry 8erger, baseado na Lei de Proteção aos Animais,

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CARTA DE LEOCADIA PRESTES A LUIZ CARLOS PRESTES.

Paris, 6/3/1937.

Meu Querido Filho,

Desejo de todo o coração que continues bem de saúde e ânimo forte. Até hoje nada recebi de tua parte, embora, muitas tenham sido e.cartas enviadas para a prisão onde te encontras desde março de 36. Ignoro se as recebeste. Hoje rasolvi escrever-te de novo, esperando, desta vez, um melhor resultado, quero dizer, que te cheguem às mãos estas linhas, portadoras do nosso amor e da. n01ll1 saudades, mas, principalmente para te dar urna gratíssima nat(eia que acabamos de receber. A 27 de novembro nasceu em Berlim, em um hospital de uma prisão de mulheras, tua filhinha a quam nossa querida Diga deu o noma de Anita Leocádlo, em honra à heroína brasileira Anita Garibaldi e em atenção a tua mãe. Que criatura admirável é . tua esposa e como é digna d. ti. Congratulamo-nos, efu.ivamante contigo pelo auspicioso acontecimento. DepoiS dos transes por que passamos e da terrível incer­teza que pesava sobre a sorte da her61ca Diga e do precioso penhor que trazia em seu seio, podes bem imaginar a indescrit(vel emoçio que nos dominou e ao mesmo tempo a enorme alegria que encheu noSSOs corações ao termos conhecimento do "feliz sucesso. A nossa heróica Diga, somente a sua calma e paciGncia com que sou­be suportar os terríveis sofrimentos morais porque passou devemos tão feliz acon­tecimento. Junto vai a carta que dela'recebi, respondendo as que lhe havia escrito em janeiro último, e assim ficará a par sobre alguns detalhes sobre o nascimento d. tua filhlnhe. Além dessa carta de 31 d. janeiro, nenhuma outra recebi, porém, tenho escrito três vezes por mês, como determina o regulamento da prisão onde se encontrão Por intermédio d~ amigos, Já lhe enviei uni pequeno auxílio pecuniário, aga'sálhos, etc. Por esse lado podes ficar tranqüilo, q~e não nos descuidaremos des-

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ses dois entes queridos e tudo envidaremos para que nada lhes falte. Estamos terM

minando um pequeno e.nxoval, todo feito por nóS ( eu e Lygia ) que muito breve enviaremos para a muito querida Anita. Já enviei à Olga as fotografias pedidas. Agora falemos um pouco sobre tua situação, que, espero, deverá em breve sofrer algumas alterações. Não compreendo que continuemos sem poder corresponderM

nos, porque nenhuma justificativa poderão apresentar para continuar a impedir a troca de cartas di! família, e termos assim n~tícias uns dos outros. Espero com an M

siedade, que me escrevas, pois desejaria tanto ver tua letra. PeçoMte também que não deixes de me informar quais as tuas necessidades mais· urgentes, e o que devo mandar primeiro. Sobre n6s, tenho a dizerMte que vamos bem de saúde e de esp(ri~ to, fortes e animadas para vencer todos os empecilhos que encontrarmos em nosso caminho. Podes ficar tranqüilo. Eu mesma me admiro como pude resistir e supor­tar a mudança completa por que passou a minha maneira de viver. Estou certa que essa força a encontramos no multo amor que nos inspiras e no admirável exemplo que para nós representa -tua vida toda de renúncias e sacrifício. Bem, meu querido filho, vou terminar que esta já vai longa- demais, porém antes,quero lembrarMte que se puderes escrever a Diga, que se aflige sem not(cias tuas, podes me enviar a carta que eu a transmitirei a ela. Tuas irmãs te abraçam e beijamMte com imenso carinho. Com um apertado e saudos(ssimo abraço envio os meus mais ardentes votos pela tua preciosa saúde. Tua extremosa mãe

( a. ) Leocádia Prestes.

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CARTA DE LYGlA A SEU IRMÃO LUIZ CARLOS PRESTES, SEM DATA. .

Meu" querido irmão,

~ão tenho espaço senão para escrever~te umas linhas. Elas são portadoras de muitos votos de boa saúde e um grande e apertado abraço pelo feliz nascimento da nossa querida Anita Leocádia. Não te posso dizer, querido Cauzinho, toda a alegria e orgulho que nos enchem os corações, meU e das manas, pela digna irmã e a linda sobrinha que nos deste. Podes estar tranqüilo que não nos descuidaremos delas. Recebe, querido irmão, com os meus melhores votos pela tua saúde muitos beijos e abraços saudÇ)sos da tua caçulinha,

( a. ) Lygia.

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OHclO DE RAUL MACHADO AO CHEFE DE POLfCIA DO DISTRITO FEDERAL,DE 9.3.37.

Exmo. Sr. Capitão Chefe de Polícia do Distrito Federal.

Tendo o Dr. Heráclito Fontoura Sobral Pinto, advogado do acusado HARRY BERGER, ou ARTHUR ERNEST EWERT, requerido a este Juízo a transferência de prisão do aludido acusado, por isto que este se acha recolhido na Polícia Especial em um socavão de escada, destituído, pela mingua de seu espaço, e por outras circunstâncias a que alude no requerimento de quaisquer condições higiênicas, tenho a honra de solicitar de V. Exa., os necessários e urgentes infor­mes sobre quais os pres(dios para que possa, ser transferido o aludido acusado, e que, oferecendo as necessárias condições de higiene, apresentem também as garan­tias de vigilância e de segura permanência em custódia do acusado.

Aproveito a oportunidade para apresentar a V. Exa., 05 meus protestos de elevada estima é distinta consideração.

Raul Machado JUIZ DO TRIBUNAL DE SEGURANÇA NACIONAL.

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REQUERIMENTO DE SOBRAL PINTO A RAUL MACHADO, DE 11.03.37.

Exmo, Sr. Dr. Raul Machado Juiz do Tribunal deSegurança Nacional.

HERÁCLITO FONTOURA SOBRAL PINTO, advogadoex·officiode Luiz Carlos: Prestes, vem, no processo crime que está sendo movido cOntra este perante o Tribunal de Segurança Nacional, expor e requerer:

Vindo de Paris, chegou ontem ao escritório do Suplicante a correspondên· eia, que vai junta por cópia, constitu(da de duas cartas escritas por D. Leocádía Prestes, mãe do acusado supra nomeado, uma a seu filho, e outra ao próprio Suplicante, e de uma terceira missiva dirigida, da Alemanha onde se acha, por D. DIga Benário Prestes à sua sogr~, O. Leocádia Prestes.

Essa correspondência foi enviada ao Suplicante não só para que o mesmo providencias~e, junto das autoridades competentes, sobre o estabelecimento de um entendimento epistolar normal entre o acusado Luiz Carlos Prestes e os membros da sua fam(lia, mas também, para que se incumbisse o próprio Suplicante de entre­gar ao seu cliente a carta a ele dirigida por sua mãe D. leocádia Prestes, e, ou· trossim, a carta a esta escrita por sua nora, D. Diga 8enário Prestes.

Nada há nessas cartas que impeça de fazê-Ias chegar ao seu destinatário. Ao contrário, os mais elementares princ(pios de solidariedade humana impõem a sua entrega a Luiz Carlos Prestes. Portadoras de mensagens' de amor e afeição famili­ar, tais cartas serão para o acusado uma gota de lenitivo a esta solidão alucinante a que se acha recolhido, presentemente.

Infelizmente, entretanto, não pode o Suplicante, sem autorização especial de V. Exa., desobrigar-se, como era de seu desejo, de semelhante incumbência hu­manitária. É que rigorosos são, a este respeito, os' preceitos da ética profissional, como poderá V. Exa. verificar em Payen et Duveau (LES RÉGLES DE LA PRO· FESSION D' AVOCAT • pág. 212), que dizem: "O advogado não deve de se fazer o intermediário do seu cliente, preso, com o mundo exterior.

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Cometeria falta grave o advogado que abusasse das facilidades outorgadas a seu ministério, transmitindo, por exemplo, às fammas cartas escritas pelos pre· 50S, subtraindo-as, assim, à fiscalizacão do Ju(zo, ou levando ao preso jornais e ou· tras objetos, ou entregando·lhe somas de dinheiro enviadas por um terceiro".

Dando, pois, a conhecer a V. Exa. por cópias que fez extrair com absoluta fidelidade, o inteiro teor dessa correspondência, o Suplicante visa mostrar a V. Exa. que deve assegurar-lhe o direito de encaminhar, pessoalmente, ao seu destina­tário, as cartas-em questão.

É preciso, entretanto, que não se limite a este gesto o procedimento de V. Exa., relativamente à correspondência do acusado Luiz earlós Prestes. É inadiá­vel, em face da narrativa que D. Leocádia Prestes fez ao Suplicante na carta a ele dirigida, que V. Exa. estenda um pouco mais a sua ação benfazeja de Juiz sereno e imparcial.

Motivos, cada qual mais imperioso, já se apresentaram, certamente, ao es­pírito culto de V. Exa., para verificar que-está com a razão o SupliCante quando entra a pleitear, como agora o faz, que seja autorizado o estabelecimento de uma correspondência regular entre o acusado Luiz Carlos Prestes e os membros da sua famflia.

Não ignora V. Exa. que este acusado encontra-se recolhido a uma prisão de Estado em virtude de prisão preventiva decretada pelo Tribunal de Segurança Nacional.

Ora, renovando os preciSOS termos de uma tese apresentada ao Congresso Penitenciário Internacional de São Petersburgo, o Suplicante se permite indagar: em que o regime ao qual o detido está sujeito antes da sentença judiciária defi· nitiva .se deve distinguir do regime ao qual ele será submetido após a cOndena­ção?

A resposta ministrada, nesse Congresso, por Werevkine, um dos principais relatores dessa tese, esclarece de maneira decisiva o assunto: "Os cinco relatórios apresentados sobre a questão pelos Srs. Steitens,'barão de Marscháll, Armengol y Cornet, Foinitsky e Alexandrow, coincidem na idéia de que a detenção preventiva é necessária no interesse social e da justiça, a fim de evitar a fuga do acusado e im­pedir a colheita dos indícios e provas da ação criminosa. E todos são ainda acordes­em que a privação da liberdade, que constitui a prisão preventiva, está longe de ser uma pena, pois, para nos servir da expressão do Sr. Dr. Foinitsky, ela não tem a sua fonte no direito que pertence ao Estado em face do indivíduo, ela não se incor­pora no seu "jus puniendi". A prisão preventiva decorre tão só da necessidade que tem a sociedade de Se certificar que a pena será cumprida, não passando, assim, de um meio de processo emp(egado para evitar que o culpado impeça o curso regular da ação e a manifestação da verdade.

Esta consideração e a diferença essencial que existe entre. a situação jur(di­ca de um acusado e de um condenado devem de ser de um alcance decisivo para a

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questão discutida" lACTES OU CDNGRES PENITENTIAIRE INTERNATID­NAL DE SAINT-PÉTERSBOURG. vol. 19 , pág5. 364/365).

Ante os postulados do Direito Penal, a situação jur(dica do preso preven­tivamente é sub~ncia Imente diferente da situação do preso por condenação judi­ciária transitada em julgado. "Enquanto que o primeiro caso a detenção é um sim­ples meio de tornar possível a execução da futura sentença, no segundo ela se re­veste, entre outras, da .característica çje expiação do crime praticado.

O eminente jwista há pouco citado focaliza a distinção entre estas duas situações jurídicas, para daí deduzir conseqüências da mais alta importância. Eis, a tal respeito, as suas justas ponderações: "Tendo em vista o fim que deve atingir a prisão preventiva, e_ considerando a diferença essencial que existe entre a situação jurídica de um condenado e a de um encarcerado preventivamente. que goza, le­

" galmente, de todos os seus direitos de cidadão, deveremos recon~cer que na prisão preventiva todas -as restrições baseadas sobre o fim da pena, como meio de expiação, emenda e inti'midação, devem ser afastadas.

Todos os relatórios são acórdes-sobre este princrpio geral. Dele eis as consequências:

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o preso pode~á, então, se ocupar dó que for do seu agrado; sob a condição, todavia, de que as suas ocupações não sejam contrárias à ordem da prisão, nem de­la ameacem a segurança. Entre as suas ocupa~ões, a necessidade de ler terá o pri­meiro lugar para'o homem instruído, e a escolha da Isitura não dependerá, certa~ mente, senão do próprio preso.

....................................................................................................

o preso terá o direito de se entrevistar com as pessoas de sua famrHa, e ter­ceiras pessoas. As restrições a este direito não poderão ser admitidas senão quando houver perigo de fuga ou de conluio. Não há nenhuma objeção a se fazer â opinião do Sr. Marschall, de que incumbe a autoridade encarregada da instrução decidir da admíssibi lidade e da duração de cada visita, e ordenar a presença, no curso da vi­sita, de um membro do corpo de guarda, se ela o julgar necessário, pois só esta autoridade é que está a par de todas aS minúcias do caso" (lbid. págs. 368/369).

Tais são, Sr. Juiz, os ensinamentos da moderna ciência jurídica, de que V. Exa. é um dos mais insignes cultores no noSso meio.

Entretanto, para gravame da consciência jurídica nacional, tais ensinamen­tos vêm sendo desrespeitados sistematicamente pela administração que, por ar­brtrio incontido e arrogante vem privando caprichosamente o acusado Luiz Carlos Prestes de se corresponder até com a sua própria mãe.

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É mister, M.M. Juiz, que se ponha termo definitivo a este regime desuma~ no. E é a V. Exa., como Juiz Preparador, que incumbe tomar as providências para isto necessárias.

Confiando na alta mentalidade justiceira de V. Exa., já tantas vezes com .. provada no curso deste processo, o Suplicante, cônscio das responsabilidades da sua árdua missão de advogado ex~officio de Luiz Carlos Prestes, vem requerer a V. Exa. que, com a urgllincia- que o caso requer, se digne de ordenar sejam toma­das as medidas indispensáveis para que, d'ora em diante, possa eSSe acusado, não s6 fazer as leituras que forem do seu agrado, como também corresponder-se regu­larmente com as pessoas de sua fam(lia.

P. Deferimento.

Distrito Federal, 11 de março de 1937.

Heráclito Fontoura Sobral Pinto. Advogado ex·officio

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CARTA DE SOBRAL PINTO A LEOCADIA PRESTES.

Rio, 12 de março de 1937.

Exma. Sra. D. Leocádia Prestes.

Saudações respeitosas.

. Chegou-me às mãos, nas últimas horas da tarde de anteontem, a carta que me dirigiu, capeando à que V. Exa. escreveu a seu filho, e a que sua nora lhe havia dirigido da Alemanha, onde se acha presentemente.

Cumprindo, mais uma vez, o meu árduo- dever de advogado ex-officio de seu filho, apresentei ao Dr. Raul Machado, Juiz do Tribunal de Segurança Nacio:" nal, - mal ele chegou ao seu gabinete na manhã de ontem -, a petição de que envio a V. Exa. cópia integral e fiel.

Esse Juiz, que se vem mostrando humano e tolerante, deferiu incontinenti o meu requerimentQ, prometendo-me providenciar com a maior urgência para que fossem- dados a seu filho os meios e elementos de estabelecer com as pessoas de sua famflia uma correspondência regularmente cont(nua.

Penso, assim, Exma. Sra. que me será dado o prazer de colocar no correio aéreo, amanhã, juntamente com esta a resposta de Luiz Carlos Prestes él carta que V. Exa_ lhe dirigiu, e que eu, ontem mesmo, a ele entreguei pessoalmente, na sua prisão, que é no Quartel da PolCcia Especial desta capital.

Exclufdos os sofrimentos morais inerentes a uma prisão tão prolongada e rigorosfssima no seu regime de isolamento absoluto, e que V. Exa. bem pode aqui­latar quão- penosa deve de ser, o estado de ânimo e de sa.úde ffsica de seu filho são bons. Encontra-se num quarto amplo e arejado, havendo ordens de lhe ser forne~ cida alimentação sadia, agradável e abundante. Sob este aspecto não formula quei~ xas, nem reclamações. Revolta-se, isto sim, contra o isolamento absoluto, e a proi­bição total de leitura, e da franquia de escrever, coisas estas, aliás, de que V. Exa,. já teve conhecimento através da petição que "O RADICAL" publicou.

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Se não providenciei, desde a minha nomeação como advogado ex-officio, para o estabelecimento de uma correspondência normal entre Luiz Carlos Prestes e os membros da sua família, fói por ignorar completamente qual o endereço de V. Exa. e de suas filhas. .

A não. serem estes pequenos serviços, muito pouca coisa poderei fazer por Luiz Carlos Prestes, dada a declaração formal e categórica que formulou, e na qual já tem insistido !!m outros enContros que .tivemos, de que n~o çonsentirá( de ma­neira alguma, que eu intervenha, como advogado ex-officio. em defesa de seuS direitos.

Não sei em que possa ser útil a V. Exa., e aos de sua família. Apesar disto ponho-me inteiramente ~ sua disposi~o, animado do mesmo espírito com ql,JE! me submeti às imposições do meu dever profissional, espírito este que procurei retrã­tar, com fidelidade,·na. carta que, em 12 de janeiro do corrente ano dirigi ao Presi­dente do Conselho da Ordem dos Advogados na Seção deste Distrito Federal, e onde, disse: "Lamento apenas não dispor dos dotes de inteligência necessários ao desempenho de tão árdua, p·enosa, e dif(cil missão, que o Conselho da Ordem achou, na sua soberania, que devia de lançar sobre os meus frágeis ombros.

O que me falta em capacidade, sobra-me porém, em boa vontade, para me submeter ~s··imposições do Conselho da Ordem; e em.compreensão humana, para, fiel aos impulsos 90 meu coração cristão, situar, no meio da anarquia contempo­ntnea, a atitude destes dois semelhantes, crfados como eu e todos nós à imagem de Deus.

Quaisquer que sejam· as minhas divergências do comunismo materialista,"'" e elas são profundas -, não me esquecerei nesta delicada investidura que o Conse­lho da Ordem· me impôs, que ·simbolfzo, em face da coletividade brasileira exaltada e alarmada, A DEFESA.

Espero .que Deus me ampare nestà hora grave da minha vida profissional, dando forças ao meu esprrito conturbado para mostrar aos Jurzes do Tribunal de Segurança Nacional que Luiz Carlos Prestes e Arthur Ernest Ewert ou Harrv Ber­ger são membros, também, desta vasta e tão atribulada famflia humana.

Alimento a fundada esperança de que encontràrei nesse reservatório imen­so que é a caridade cristã, recursos dignos e apropriados para, sem renegar os princ(pios básicos da civilização brasileira, d.emonstrar que os acusados, ora indi­cados ao meu modesto patroc(nio, a par de erros funest(ssimos, alimentam~se também de verdades generosas, para a difusSo das quais são capazes de grandes e respeitáveis renúncias. li.

Assim, se V. Exa. necessitar de meus fracos préstimos, escreva-me sem temor de· se tornar importuna, quer para o· meu escritório, quer para minha resi­dt§ncia. A minha correspondência não foi até agora sujeita a nenhuma censura. Acredito, portanto, que daqui por diante a mesma coisa acontecerá. Aliás, graças

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a Deus, ninguém no paes ignora, nem mesmo os atuais governantes, que norteei sempre a minha vida profissional pelos princrpios da franqueza, da lealdade e dQ desassombro. O que tenho para dizer e fazer faço-o à vista de todo.s, sujeitando-me a todas as conseqüências possíveis que decorram da minha atitude. Não toleraria, assim, que as autoridades brasileiras entrassem a fazer a censura da minha corres­pondência profissional. Se um tal abuso viesse ou vier a ser praticada saberei fazer valer, perante os nossos· tribunais,. os direitos da minha profissão. E, caso me visse repeliçio pelos juízes do meu pa(s, pode V. Exa. ficar certa de que declinaria, imediatamente, qa função de advogado ex-officio, em que me vi investido, pois não tolero o menor cerceamento da minha atividade proti"ssional. Ou me deixam exercê-Ia com liberdade, ou, então, eu a não exerço.

Com os protestÇ)s do meu apreço e consideração,

S.P.

Rua REPÚBLICA DO PERU, 70 2Ç andar - Salas 1,2,3.

Rua PEREIRA DA SILVA, 224 LARANJEIRAS

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REQUERIMENTO DE SOBRAL PINTO A RAUL MACHADO, DE 5.4.37. -.Ao A. p_ ... ~ •. .....>.._ r-

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Exmo. Sr. Dr. Raul Machado, Juiz do Tribunal de Segurança Nacional

-'--HERÁCLlTO FONTOURA SOBRAL PINTO, advogado ex·officio de Luiz Carlos Prestes, vem expor e requerer a V. Exa:

Na última visita que o Suplicante fez ao seu cliente supranomeado, o Co­mando da Palreia Especial, cumprindo ordens de seus superiores hierárquicos, não permitiu que essa visita se realizasse sem a presença, no mesmo compartimento, de uma praça que acompanhasse todo o desenrolar da conversa.

Não se concebe, M. M. Juiz, maior gravame, do que este, à dignidade da no­bre e honrosa profissão de advogado. Formais e categóricas são as tradições da ad­vocacia no que se refere ao livre entendimento entre o cliente, detido nas prisões de Estado, e o seu patrono. Payen e Duveau (LES REGLES DE LA PROFESSION D'AVOCAT. pág. 211), repetindo, aliás, lições imemoriais de outros ilustres tra· tadistas, advertem: "Na .prisão, o advoga'do, portador da licença de entendimento, é .introduzido num parlat6rio especial. Ele ali é colocado em presença de seu clien­te, E PERMANECE SÓ COM ELE, mas um instrumento de apelo é geralmente ministrado ao advogado. Um "Judas", além disto, é aberto na porta" .

. !:. evidente, assim, que' V. Exa, precisa tomar providência urgente que asse­gure ao Suplicante a sua livre comunicação com Luiz Carlos Prestes.

Não pode o Suplicante admitir que seja criado qualquer embaraço ao exer­c(cio dos seus deveres profissionais. Ou se lhe garante efetivo entendimento livre Com os seus clientes, ou o Suplicante se verá forçado a recorrer aos meios que o sistema jur(dico brasileiro lhe faculta, para tornar real uma liberdade de defesa que, inicialmente, foi garantida ao Suplicante, mas que, neste momento, iá não mais existe,

Nestes termos, P. Deferimento.

Distrito Federal, 5 de abril de 1937. Heráclito Fontoura Sobral Pinto

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REQUERIMENTO DE SOBRAL PINTO A RAUL MACHADO, DE

6.4.37.

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Exmo. Sr. Dr. Raul Machado, Juiz do Tribunal de Segurança Nacional.

HERÁCLITO FONTOURA SOBRAL PINTO, advogado eX'officio de Har·

ry Berger, vem expor e requerer a V. Exa: Invocando elementares princrpios de humanidade e de justiça serena, o Suo

plicante obteve de V. Exa.,mediante lon9a e fundamentada petição, ordem formal e positiva ao Sr. Capitão Chefe de Polrcia desta capital para que fizesse retirar de dentro do socavão do lance inferior de uma das escadas da PoHcia Especial, 'onde se encontrava, o acusado Harry Berger, fazendo-o conduzir, em seguida, para a Ca­sa de Detenção, desta cidade, onde se lhe daria quarto, cama, alfaias, roupa, de que vinha sendo privado há quase um ano, e, bem assim, papel, tinta e caneta, de que nunca dispôs, desde que foi preso, e de que está, agora, mais do que nunca ne­cessitado para poder tomar notas necessárias à sua defesa.

Apesar de haver já transcorrido quase um mês, esta ordem de V. Exa,não foi cumprida, como, aliás, o Suplicante tem reiteradamente comunicado verbal~ mente a V. Exa" todas as vezes que tem comparecido a este Tribunal da Segurança

Nacional. Não é poss(vel que V. Exa"que tem conhecimento exato da inqüldade que

vem sendo praticada contra este preso polftico, pois foi a primeira autoridade que', neste pars, se defrontou com Harry Berger, depois da sua transferência para a Pol(· eia Especial, permita que a sua ordem, que não chega a ser de natureza jur(dica; porque é. simplesmente, uma homenagem à densidade da natureza hurnana -, seja desrespeitada tão flagrantemente por agentes do Poder Executivo Federal.

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, Se Harry Berger se viu denunciado perante este Tribunal de- Segurança Na­

cional foi porque infringiu, segundo alega a denúncia, as leis penais do paes. Mas, M. M. Juiz, a lei brasileira, conforme dispõe o art. 212 da Consolidação

das Leis Penais, aprovada e adotada pelo Decreto n922.213, de 14 de dezembro de 1932, não tolera que ;rexecução de uma ordem judicial seja demorada pelo seu

executor. Para que, assim possam os agentes. do Poder Público nacional invocar a lei

para infligir qualquer pena a Harry Berger, é indispensável que eles dêem o exem­plo de obediência e submissão às leis a que restringem e limitam o seu arbítrio.

No caso, ora afeto ao patrocínio ex-officio do Suplicante, este acatamento à ordem de V. Exa.se impõe COm tanto maior relevância quanto essa ordem vIsa tão s6 restituir um preso pol(tico à sua dignidade de criatura racional.

Cresce, portanto, de gravidade a decisão que V. Exa.precisa tomar, imedia~ tamente, para que não se possa dizer, de futuro, e com toda a razão, o que, em fa~ ce da justiça alemã, odienta e perseguidora, declarou certa vez Dimitrov (LETTRES­NOTES ET DOCUMENTES, pág. 30): "Sim, é bem assim, e é lógico. Eu me acho entre as mãos do inimigo de çlasse, que se esforça; também, por empregar a justiça corno uma arma para ex.terminar o cpmunismo; isto é, praticamente, para dizimar os seu~sustentáculos convictos, conseqüentes, e inabaláveis".

O prestfgio, presente e futuro, do Tribunal de Segurança Nacional está, agora, nas mãos de V. Exa. Da sua decisão, enérgica, serena, humana, e jUsta é que vai resultar, no seio da' consciência cristã do pafs, a certeza de que a Justiça Espe~ eial não perdeu, nesta hora de incertezas angustiosas, o senso austero da sua sereni~ dade e da sua imparcialidade.

Nestes termos,

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Distrito Federal, 6 de abril de 1937.

Heráclito Fontoura Sobra~ Pinto

Advogado ex·officio.

P. Deferimento.

OHelO DE RAUL MACHADO A EUZÊBIO DE QUEIROZ FILHO, COMANDANTE DA POLCCIA ESPECIAL, DE 9.4.37.

Em,9de abril de 1937

limo. Sr. Comandante da Pol(eia Especial

Solicito~vos as necessárias providências, no sentido de ser permitido. como vinha sendo feito, no interesse da defesa, o isolado entendimento do advogado Dr. Heráclito Fontoura Sobral Pinto com o seu constituinte Luiz Carlos Prestes.

Outrossim, rogo~vos fornecerdes ao acusado Harry Berger os materiais de

escrita indispensáveis para a sua defesa. Valho~me, do ensejo para apresentar~vos os protestos de minha considera~

ção.

a.l Raul Mamado.

Juiz do Tribunal de Segurança Nacional.

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CARTA DE SOBRAL PINTO A LEOcADIA PRESTES.

Rio, 10de abril de 1937.

Exma. Sra. D. Leocádia Prestes.

Cumprimentos respeitosos. Atendendo o seu pedido, entreguei a seu filho, e meu cliente ex-officio,

Luiz Carlos Prestes, a correspo~dência a ele destinada, e que me foi encaminhada, para tal fim, por V. Exa.

Como formara o propósito de escrever hoje a-V. Exa.,fui, anteontem, visJ­tar seu filho, para saber se"tinha ele alg~ma coisa para mandar dizer a V. Exa. Pe­diu-me que informasse a V. Exa,ter-Ihe escrito, em maio do ano passado, uma car­ta, que entregou à administração policial, que se comprometera a pô-Ia no Correio, imediatamente. Em virtude, porém, das cartas que V. Exa.lhe dirigiu, verificou que tal carta de maio não foi encaminhada_ pelas 811toridades policiais.

Agora, como resultado da minha intervenção, mandou a V. Exa.nova carta, pelos mesmos canais anteriores, visto não ter a pol(ciadesta capital permitido que essa missiva me tosse entregue, para a necessária expedição pelo Correio aéreo.

·Desejo, minha senhora, que se digne de informar-me se recebeu, ou não, esta segunda carta de seu filho, porque, na hip6tese de haver a poll'cia dado a ela destino idêntico que deu à primeira, irei bater às portas da Corte Suprema do nos­so país, para requerer seja assegurado o direito -de se corresponder Luiz Carlos Prestes com os membros da sua família,

Quanto aos- recursos monetários de que me fala V. Exa, na sua carta, não se torna necessária a sua remessa. Como não ignora V. Exa.,seu filho ao ser preso viu, também, apreendida regular importância que tinha em seu poder.

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Tal quantia acha-se, presentemente, depositada na Tesouraria da Polícia desta capital, e poderia ser utilizada para a aquisição de todos os objetos indispen­sáveis ao melhor conforto de Luiz Carlos Prestes.

Infelizmente. todavia, não vejo possibilidades de fazer aplicar essa quantia, ou outra qualquer que V. Exa. me remeta, para a melhoria da situação material de seu filho. Esbarro sempre nos tropeços e embaraços que o Sr. Capitão Chefe de Pal(eia consegue, com êxito, criar à· minha -ação humanitária. Tudo aquilo que consigo ver deferido pelo Juiz Raul Machado, e que não dependa de execução peso soai minha, como, por exemplo, a expedição de correspondência, as autoridades policiais anulam, quanto aos efeitos por mim pleiteados, opondo a inércia da sua

inatividade. De nada aqiantam as minhas reclamações ao Dr. Raul Machado, porque es­

te Magistrado se limita a fazer renovar, através de ofícios a ordem de realização das providências por mim solicitadas, mas que não são postas em prática pelos ór­

gãos da Polrcia Civil. Tal é a situação ~om que nos defrontamos. Sinto-me totalmente isolado. A

própria imprensa, como será fácil a V. Exa.apurar, não nos dá" apoio. Ao redor de mim se estabeleceu uma atmosfera de supresa e de assombro, por causa da minha atitude, que a quase unanimidade dos meus concidadãos não chega a compreen­der. Estou certo de que -se não fora a minha notória fé religiosa, a par da minha situação de colaborador direto da Ação Católica nesta Arquidiocese, qualquer coisa de bastante grave já me teria acontecido. Os aborrecimentos se sucedem num crescendo ininterrupto, sem que, entretanto, nada de eficaz me seja dado obter em

favor de Luiz Carlos Prestes e Harry Berger.

Relativamente, então, a este último, não pode V, Exa, imaginar as minhas agonias. Contra ele se erguem, no país, ondas intransponíveis de ódio e de vingan­ça_ As torturas que lhe vêm sendo aplicadas, apesar de meus clamores, deixam frios e impass(veis quase todos aqueles que delas têm conhecimento através das minhas petições ao Dr. Raul Machado, e das minhas cartas àquelas pessoas ou or­gãos, que me parecem aptos a me auxiliarem neste trabalho, cristão e humano, de

restituir Harry Berger à situação de criatura racional.

Enquanto eu assim me movimento, Harry Berger, com expressões de raiva intraduzível em palavras, me acolhe as visitas como tentativas de um mistificador vulgar e torpe, a serviço da polícia, para surpreender-lhe noS lábios alguma declara­ção comprometedora. Telegramas, que me são remetidos de Londres, cartas da ir­mã dele que lhe são endereçadas por meu intermédio, e longas epístolas de advoga­dos londrinos, como a que me dirigiu P. R. Kimber, Solicitar, ele os lê indiferen­temente, para concluir dizendo que ele não tem a seu lado um advogado, mas um

astuto policial!

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Preciso, minha senhora, apelar para tudo o que há em mim de cristão, para abafar, nestas horas dE;! intensa amargura, a explosão de indign~ção que tumultua no meu peito tão injustamente golpeado.

Para vencer os meus ímpetos de revolta, procuro imaginar que, com certe­za, a mi·nha atitude não seria diferente desta se eu me visse em situação idêntica na Rússia de Stalin. Segregado de tudo e de todos, envolto num ambiente de hostili­dades sem limites, sentindo o ódio dos guardas acumulando-se de minuto em minu­to, metido num socavão de escada, sem poder falar com" ninguém, ou fazer quais­quer leituras, sem roupa, sem cama e sem a menor higiene, como me pareceria es­tranho aquele homem que me aparecesse no presídio onde me encontrasse para di­zer-me que viera me defender num processo de cuja realidade eu poderia até duvi­d<::r, pois que nunca me foi dado ver nem os Juízes que me iam julgar, nem o pro­cesfoO do qual se dizié! que elilergia·a minha responsabilidade criminal!

Quando me ponho a imaginar estas coisas, sinto que o meu coração se de­sarma, ao mesmo tempo que a consciê·ncia me ampara com os estímulos incoercí­veis da sua aprovação.

Que me importa, Exma. Sra., o julgamento dos homens? renho me esfor­çado t na medida das minhas energias, por amparar aqueles·que foram confiados ao meu pátrocínio desinteressado. Tenho, por acaso, o direito de desistir do pros­seguimento ·desta tarefa peno·sa, porque vencedores e vencidos ~esta insurreição, correligionários e adversários, intransigentes nas suas convicções ou nos seus inte­ress&s, não podem penetrar e compreender a minha atitude de serenidade, que uns e outros classificam com o epíteto injurioso de deserção?

Tenho a certeza de que V. Exa.não p.ensai"á assim. As suas cartas tão equili­bradas nas suas expressões, exceto quando me acumulam de qualificativos que ul­trapassam de muito a real insignificância dos meus dotes, são uma I?rova patente de que está em condições de bem apreender o que há de elevado, de sincero, e de leal na minha atuação.

Os homens, solicitados sem cessar por sua mall'cia, sentem-se incapazes, muitas vezes, de compreender os gestos e as palavras dos seus semelha.ntes. Quan­tas vezes eu não já incidi neste funesto erro. Porque não tolerar, então, que os ou­tros façam a mesma coisa para comigo?

Refletindo nestas coisas, minha senhora, é que me esforço por ser toleran­te. E Deus, que lê nos corações, há de por certo ter para comigo, quando tiver de me julgar, por ocasião do meu ingresso na Eternidade, em que acredito com todas as forças do meu espírito, um pouco mais de compaixão e de bondade.

. Esta esperança, e tão so~ente ela, é que constitui a minha força, e a minha recompensa. Continuando, como sempre, ao seu inteiro dispor, assino-me, respei­tosamente,

Sobral Pinto

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EXPOSiÇÃO DE SOBRAL PINTO A RAUL MACHADO, DE 14.4.37

Exmo. Sr. Dr. Raul Machado, Juiz do Tribunal de Segurança Nacional

HERÁCLlTD FONTOURA SOBRAL PINTO, advogado ex·officiode Ha,­ry Berger, intimado por V. Exa. a oferecer as alegações finais de defesa em favor deste acusado, no proces~o-crime que lhe está sendo movido perante este TriblJr)é!! de Segurança Nacional, vem expor as razões por que deixa de atender a esta intl·

mação: Defesa alguma pode ser eficaz sem que o cliente, confiando na lealdade 0

no desinteresse do seu patrono, lhe ministre as informações de que está ele prec:isa­do, para levar·a bom termo a sua, por vezes, penosa tarefa. Nesta confiança incon· dicional é que repousa o instituto do segredo profissional, que é, a um tempo, a base fundamental do exercício consciente da defesa esclarecida, e a condiçá'o in­

dispensável de um patrocínio eficiente e digno.

Esta é, aliás, a lição invariável dos que se dão ao trabalho de expor as. re­gras comuns da profissão de advogado, como se pode. ver, por exemplo, em Appleton (TRAITÉ DE LA PROFESSION D'AVOCAT, págs. 363/364):" O se­gredo profissional constitui, para o advogado tanto um dever quanto um direito. É um dever para com os seus clientes;ele não poderia preencher o seu f.)8pel relativa­mente a estes, aconselhá-los com utilidade, se os clientes não estivessem seguros da sua inteira discrição. É mister que eles possam falar-lhe com toda a con'fiança, ~ contar com o segredo das suas confidênci~s".

A confiança do diente é tud.o, portanto, no exerc(cio, por parte do advo­gado, da sua nqbre função da defesa. Sem ela nada será possível ao patrono fazer .em benetrcio do acusado entregue aos cuidados .atentos da sua solicitude.

Pois bem, o Suplicante se encontra precisamente em face d'urna situação desta. Por maiores que fossem os seus esforços, e mais constante a sua assistência,

não lhe foi possfvel grangear a confiança de Harry Berger.

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Penosas se tornaram, pelo contrário, nos últimos tempos, as visitas do Su­plicante ao seu cliente, que o acolhia sempre com gestos de inequ(voca suspeicão, mal disfarçada entre expressões de fina, mas contundente ironia.

Se os entendimentos anteriores ã apresentação da defesa prévia se realiza­ram o'um ambiente de manifesta simpatia, foi porque Harry Berger deles recolheu a esperança de que não tardaria em se ver restituldo à condição de homem, me­diante a sua transferência para um pres(dio onde lhe seria reconhecida, ao menos, a sua qualidade de criatura racional.

Nutrindo. o Suplicante, por essa ocasião, a ingênua ilusão de que as a':ltori­dades da República não tinham o menor interesse em conservar este ser humano na situação em que se colocam, ordinariamente, os cães hidrófobos, enquanto não chega o seu sacrificador, garantiu a Harry Berger que não demoraria muito a sua remoção para uma cela ordinária, onde se lhe daria cama, roupa e direito à limpe­Zé). Afirmou-lhe mesmo o Suplicante que todos os. seus esforços imediatos seriam consagrados a esta nobre tarefa.

Passaram-se, todavip, as horas, e, com elas, os dias, as semanas,. e os meses, sem que Harrv Berger, apesar dos clamores constantes e ·repetidos, do seu defen­sor desatençJido, tosse retirado do socavão. da escada, em que o meteram, sem cama, sem mesa, sem cadeira, sem banco, sem roupa e sem higiene_ O jaquetão e a calça imundos, que traz sobre a pele, de.sde mais de um ano, continuaram a ser o seu único vestuário.

Nesse cárcere permanece ele imobilizado, já lá se vão doze meses, privado da lúz direta do dia, proibido de quafquer leitura, e totalmente alheiado do que se passa fora deSsa solitária, que é, na sua solidão tétrica, e na sua estreiteza alucinan­te, o mundo todo que a administração brasileira reservou para este homem desam. parado.

Em vão se dirigiu o Suplicante ao Sr. Ministro da Justiça em cartas ofi­ciais e particulares; em vão apelou para o Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil; em vão obteve que V. Exa.deferisse um requerimento de remoção imediata: a situação de Harry Berger continuou inalterada, não tendo piorado, porque para piorar o qu~ atualmentl! existe nem mesmo a morte: Esta seria, em todo o caso, a libertação.

Era natural, assim, que dia por dia começasse a se formar na imaginação, agoniada, de Harry Berger, a convicção de que o Suplicante não passava de torpe mistificador, que comparecia, de vez em quando, na sua presença para antE;!gozar, perversa e maliciosamente, o despertar, na sua alma flagel.ada, daqueles fugazes raios de esperança inpênua de uma breve melhoria de regime carcerário.

Como, em face deste quadro dramático,. de uma inaudita palidez de cores quando comparado com as tintas bem mais carregadas da realidade, deixar de re-

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conhecer a procedência desta suspeição fundada, que invadiu o coração raivoso deste preso pol(tico tão duramente martirizado?

Tudo na sua inteligência é, hoje em dia, dúvida e dúvida just(ssima. Es­trangeiro, não conhece ninguém em terras brasileiras, a não ser meia dúzia de cor­religionários pol(ticos, que para aqui o chamou. Isolado no socavão de escada em que o sepultaram vivo, já perdeu até a noção cronológica dos meses, das semanas e dos dias. E a sua debilidade f(sica, - que já atingiu, por causa deste regime desu· mano, os últimos extremos de resistência de um organismo outrora de raro· vigor concorre, certamente.~ para esta sens(vel incapacidade de se situar no tempo. Cer­cado, por outro lado, de agentes policiais que lhe são infensos, sem poder ver um parente, um amigo, ou um jornal, que lhe sirvam de pontos de referência ou de ve~ rificação, como apurar se, realmente, o Suplicante é o seu defensor, ou, ao contrá~

rio, um astuto policial, incumbido de surpreender-Ih!,!, nos lábios, alguma declara­ção comprometedora?

Não duvidou V. Exa"M,M. Juiz, da qualidade de advogado alegada pelo Sr. David Levinson, apesar da exibição de tCtulos, e de recortes de jornais americanos? Não proclamaram, outrossim, as nossas autoridades policiais que ele era perigoso agente da Terceira Internacional, não obstante ter apresentado um atestado da Embaixada Americana no nosso pa(s?

Bastou, assim que esse americano tivesse tido o arrojo de se apresentar neste Tribunal de Segurança Nacional como advogado de Harry Berger, para que, imediatamente, as autoridades federais passassem a suspeitar dós intuitos com que procurara justificar a sua vinda até esta capital. Elas, entretanto, dispunham de todos os meios de informação que o· progresso da indústria põe à disposição dos governos, e a atitude do Sr. David Levinson, por outro lado, foi, enquanto perma-· neceu entre nós, ostensiva e franca.

Porque, em tais condições,]incriminar Harry Berger pelo fato de duvidar da qualidade de advogado que o Suplicante invoca, se este acusado não conseguit,l lançar os seus olhos nl!m sobre o edif(cio do Tribunal de Segurança Nacional, nem sobre as pessoas. que o vão julgar, 8, nem mesmo, sobre o próprio processo onde se diz que estão recolhidas as acusações contra ele levantadas? Achará V. Exa.,por acaso, que isto é de assombrar? Pois bem, há coisas mais fantásticas: Harry Berger não pôde, até esta data, ne'!l sequer ler em qualquer jornal a not(cia da existência do Tribunal de Segurança Nacional, nestes seis meses da sua duração.

E, deste modo, vai V. Exa. à presença de Harry Berger para qualificá·lo, e entregar-lhe a denúncia; comparece o Suplicante ao seu pres(dio, para dar-lhe uma cópia da sua defesa prévia; vê'se ele, agora, chamado pelo Comando da Polí· cia Especial para encher a "Folha de Interrogatório", que V. Exa.lhe remeteu para tal fim, mas em nada se modificou o longo e desumano martírio da sua prisão rigoros(ssima I

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Não está, pois, Harry Berger no dever de não acreditar nem na realidade do Tribunal de Segurança Nacional, nem na deste processo. que lhe dizem estar a Jus· tiça brasileira a lhe mover? É que em parte alguma do mundo civilizado viu coisa que se pareça com o que está a lhe acontecer: ser denunciado e intimado desta de· núncia; apresentar defesa prévia e saber que se abriu o período da instrução crimi· nal;-ver·se submeter ao interrogatório final sem que, durante todos estes atos da mais alta importância e significação para os seus destinos, lhe tenha sido permiti· do sair da sua solitária, ir à presença dos seus Ju(zes, lançar os olhos sobre os volu­mes do seu processo, ouvir o depoimento de uma só testemunha, e defrontar·se com qualquer outra pesso-a que não fossem os seus carcereiros I

Não é, nestas condições, mais do que razoável que Harry Berger se deixe tomar de assombro, espanto e indignação!?

Não se alegue que existe nos autos farta e abundante prova documental, que compromete, grave e seriamente, ao acusado como um dosprincipaisresponsá­veis pela insurreição de novembro de 1935, irrompida nesta capital e em vários pontos do território nacional.

A quase totalidade desta documentação não tem a mais leve característica de quaiquer a.utenticiddde: são folhas datilografadas ou "mimeografadas", desa­companhadas de qualquer assinatura, pela q~al se possa apurar, com realidade, que são da autoria, ou de propriedade de Harry Berger.

Aumentando a natural imprestabilidade destes elementos para fixar are;;, ponsabilidade criminal de q-uem quer que-seja, o auto de apreensão, onde eles são relacionados,_ não se encontra assinado por Harry Berger, como poderá V. Exa. apurar no volume 49, às fls. 11 e 12. .

A~sim, neste lT!ontão de papéis, privados da mais leve autenticidade, e que enchem a totalidade dos volumes 40 e 60, apenas um ou outro documento se po­

de ver escrito à mão. Preocupadas as autoridades policiais em firmar, de maneira positiva, a res­

ponsabilidade pessoal de Harry Berger na insurreição de novembro de 1935, deter­minaram que fosse feito o exame gráfico da letra destes raros documentos, para, à sombra desta per(cia, dar como do punho de Harry Berger semelhantes esctitos. Este exame encontra~se à fI. 4.165, utilizando-se os Srs. Peritos, como material de confronto, da "assinatura existente na individual datiloscópica do nome indicado", isto é, Arthur Ernest Ewert.

Para os que já se habituaram a presenciar os fracassos retumbantes da per(· cia grafológica, mesmo quando ela dispõe de farto, exaustivo e abundantíssimo material de comparação, não pode merecer a menor importância um exame de le­tra que pode dispor, como meio de confronto, apenas de uma assinatura autênti· cal

Resulta de tudo isto que apesar do estado de gU!;lrra, do segredo absoluto em que se processou o inquérito, subtraído ao exame e á fiscalização dos interessa-

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dos, nada de sólido e de firme puderam as autoridades policiais apurar, com exatl· dão, a respeito da atividade comunista de Harry Berger. Tudo são inferências, deduções, suposições, mais ou menos prováveis.- relativamente à sua missão junto às massas trabalhadoras brasileiras.

A decisão, assim, do Tribunal de Segurança Nacional vai se basear ÚNICA E EXCLUSIVAMENTE, sobre os elementos colhidos no inquérito policial, feito e processado dentro do mais impenetrável sigilo, e fora, totalmente, das vistas dos interessados, que não. foram admitidos a examinar um só documento, nem, tão pouco, a opor qualquer desmentido, às versões que, a respeito deles, foram imagi­nadas, fantasiadas, ou criadas com maior ou menor fidelidade à sombra de elemen­tos indiciários coligidos no curso da instrução policial.

O que se pretende, pois, obter deste Tribünal de Segurança Nacional não é uma sentença. Esta, na sistemática do nosso Direito, é o resultado de um debate franco e leal, no decurso do qual acusação e defesa são postas no mesmo pé de igualdade e respeito.

Infelizmente, porém, não foi isto o que aconteceu, no transcurso do sumá­rio, relativamente à pessoa de Harry Berger.

Segregado de tudo e de todos. colocado na estreiteza de um vão inferior de escada, onde vem sendo privado do uso de coisas e de objetos mais indispensáveis à conservação da sua própria vida animal, viu Harry Berger desrespeitada pela Polf~ cia desta capital até uma ordem do seu Ju iz sumariante, determi nando a sua remo­ção para uma prisão qúe lhe ia permitir, ao menos, pensar que passara a ser de no­vo considerado pela administração brasileira como membro da vasta fam(lia huma­na.

Faltaria; portanto, o· Suplicante éSOS seus mais elementares deveres de de­fensor, de homem, e de católico se, passando por cima de todas estas iniqüidades, viesse, nesta hora grave e sombria, alinhar argumentos teóricos capazes de explicar as razões, falsas umas e verdadeiras outras, que trouxeram até ao nosso território este intrépido pioneiro da revolução social. Ter um tal procedimento seria sancio- . nar, com o seu gesto complacente, um tratamento que as leis cristãs condenam, e a dignidade da personalidade humana não tolera.

Numa conjuntura desta, em que tudo - no ambiente social, nos conse­lhos de governo, nas deliberações da administração, e nas decisões dos Tribu­nais -, é exaltação apaixonada, o dever da defesa é falar alto, rude e franco.

Oferecer Alegações Finais em favor de Harry Berger, neste ambiente de tu­multo, e de postergação dos princípios processuais mais elementares, sempre que se trata de um interesse justo e nobre deste acusado, seria trair os seus direitos imo prescritíveis de membro da espécie humana.

O Suplicante não perdeu, nesta hora delicada, o senso das suas responsabi­lidades. Alheio aos subalternos interesses da poh'tica sem ideal, que corrói as me-

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Ihores energias da Nação, não .se deixa impressionar com'o grito dos heatí possi­dentes, que não cessam de exclamar:" O comunismo, eis o inimigo " .

. É que, elevando o seu olhar, firme e sereno, sobre o panorama social dos tempos modernos, sente a vontade de repetir bem alto aquela apóstrofe célebre e audaciosa de Michel Bakounine (CONFESSION -1857, ed. franc., págs. 72/73), dirigindo-se, submisso, ao seu imperador, o Tzar Nicolau I:" O comunismo veio e vem tanto do alto quanto de baixo; embaixo, nas massas do povo, ele cresce e vi­ve como uma necessidade vaga, mas enérgica, como um instinto de aSGensão; nas classes elevadas,como depravação, ego(smo, instinto de uma desgraça ameaçadora e merecida, temor vago e impotente produzido pela decrepitude e pelo remorso de uma consciência sobrecarregada; e este temor, e estas vociferações contra o comunismo contribuíram, talvez, de maneira murto mais forte para difundi-lo do que a propaganda dos próprios comunistas._ Parece-me que este comunismo vago, invisfvel, impalpável, ubiquitário, que, sob uma forma ou sob outra, está vivo em· todos os seres sem exceção, apresenta mil vezes mais perigos que o comunismo definido e sistematizado, unicamente pregado em algumas sociedades comunistas organizadas, declaradas ou secretas".

O T.zar acolhia, há oitenta anos precisamente, tal apóstrofe com esta sim­ples declaração: "I: verdade".

Os que o sucederam, no trono imperial, esqueceram-se, desi::ltentos, desta advertência impressionante,. E sessenta anos mais tarde o mundo civilizado assistia, horrorizado e impotente, o comunismo se fixar, ousado e odiento, no seio do maior império dos tempos modernos. Foi este o resultado d~s tribunais espe­ciais, da postergação sistemática do Direito, e do emprego, freqüentemente reno­vado, da violência consciente, que desrespeita não só todas as liberdades públicas, mas até a própria dignidade da natureza humana.

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Distrito Federal, 14 de abril de 1937.

a) Heráclito Fontoura Sobral Pinto Advogado ex-offício

CARTA DE SOBRAL PINTO A MINNA EWERT, IRMÃ DE HARRV BERGER.

Rio de Janeiro, 27 de abril de 1937.

Sra. D. Minna Ewert.

Sauçlações respeitosas.

Infelizmente, em nada tenho podido ajudar o seU irmão, como me pediu na sua carta de 24 do mês passado. Todos os meus esforços, que não têm sido pe­quenos, foram até agora inúteis.

Evidentemente, duas únicas coisas poderiam satisfazer à Sra.: obter a ab­solvição de seu irmão Arthur Ernest Ewert e conseguir, enquanto isto não se dá, a sua colocação num presídio dotado de condições higiênicas, e no qual ele possa ter um tratamento condigno.

Não vejo, minha Sra.,_quaisquer possibilidades de alcançar a primeira da­quelas duas aspiraçõe-s tão justas que a Sra. alimenta: a absolvição de seu irmão. Existe, no processo, uma série enorme de circunstâncias que dão direito aos Ju(zes do Tribunal de Segurança Nacional julgarem que o seu irmão era um dos mais graduados chefes da insurreição ocorrida nos fins de novembro de 1935 nesta capital, e em outros pontos do território nacional. Aliás seu irmão fez, no próprio processo, declarações que, conjugadas com as de outros membros do Partido Comunista Brasileiro, tornam certa a sua participação no preparo dessa insurreição.

Relativamente â segunda pretensã'o da Sra., embora até este momento continue o seu irmão numa prisão imprópria,' onde se vê privado de tudo, não perdi ainda as esperanças de alcançar uma melhoria de tratamento. É que me sobram alguns recursos dos quais- pretendo lançar mão nos momentos aportu-nos.

Não sei se a Sra. foi convenientemente informada pelo Sr. David Levinson, que aqui esteve de fins de janeiro até meados de fevereiro po corrente ano, apresentando às nossas autoridades uma procuração, concebida nOS seguin­tes termos: "I MINNA. EWERT of 300 Elgin Avenue London 1JIJ.9. herebv authorize Vou or anV person designated bV Vou to act on behalf of mv brother

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ARTHUR ERNEST EWERT in connection with ali proceedings in which he is concerned and to use my name and authority in any way I could use if I were

present in Brasil. DATED this Eighteenth day of January, 1937. (a) Minna Ewert".

Presumo que a Sra. tenha tido entendimentos com o Sr. David Levinsori, porque a letra do envelope que continha a sua carta de 24 do mês passado pare­ceu-me ser deste corajoso colega, a quem ministrei cópias de meus trabalhos apre­sentados em defesa do seu ir-mão, e de quem, entretanto, não mais tive a menor

not{cia _desde que daqui se retirou.

Acredito que o Sr. David Levinson te-Ia·á posto a par dos esforços gigan­tescoS que empreendi para tornàr possível uma visita dele ao seu irmão.

Devo" outrossim, informar-lhe, minha Sra. de que o seu irmão não confia na minha lealdade, e no meu desinteresse. Completamente segregado de tudo, sem ter a mais leve comunicação com o mundo exterior, ele não cessa de me crivar de ironias sempre que procuro com ele me avistar, pois diz não poder com­preender que' um advogado se interesse por quem quer que seja sem a menor remuneração, como vem acontece-ndo comigo. Inutilmente lhe tenho explicado que, no -Brasil, é questão de honra para um advogado reservar uma parte da sua atividade para trabalhar pelos pobres ou pelos desamparados. Ele continua a duvi· dar da minha sinceridade.

Não me utilizei dos recursos-postos à minha disposição pelo Solicitar P.R. Kimber, conforme carta que me dirigiu, porque não tenho necessidade, para os atos do processo, de fazer a menor despesa. Os advogados ex·officio, indicados pela Ordem. como é a minha hipótese, têm o direito de pleitear que sejam gra­

tuitos todos os atos processuais.

Tal dinheiro, entretanto, seria de grande necessidade para dotar o seu ir­mão de roupa, de objetos de seu uso pessoal, e de uma melhor alimentação. Mas, dada a intransigência. da administração federal em continuar a privar Arthur Ewert de qualquer auxílio exterior, qualquer importância que eu mandasse buscar fica­ria inaplicada nas minhas mãos, como está acontecendo com os 30:000$000 apreendidos pela polícia desta capital em poder do seu irmão, e que se acham atualmente recolhidos à Tesouraria daquela repartição.

Todas estas coisas eu as levo ao conhecimento de seu irmão, que em nada acredita, tal é a sua desconfiança. A própria carta da Sra. ele não a quis levar a sério, dizendo que está separado da Sra. há mais de seis anos. E como eu lhe perguntasse se não conhecia a sua letra, replicouMme que, dada a longa separação, não se recordava b-em dos exatos caracteres da sua letra.

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Assim, para ele, quer o telegrama que me foi enviado de Londres, e assi­nado "Enhearten" , quer a sua carta, são meros expedientes da polícia daqui que os emprega para fazê-lo ter contiança em mim, que não sou advogado encarre· gado da sua defesa, mas funcionário da po1l'da, incumbido de obter dele informa­çé5es a respeito da atividade do comunismo no Brasil.

Não sei, minha Sra.,até onde tudo isto possa tráduzjr uma convicção sin­cera de seu irmão. Por mais que- r~flita não posso atinar se realmente ele está pen­sando assim, ou, s~~ ao contrário, é- um meio de que ele está lançando mão para afastar de junto de si uma pessoa que, embora totalmente dedicada à defesa dos seuS direitos, não comunga nos mesmos ideais.

É poss(vel que tendo passado por incrI'veis sofrimentos, e vendo-se cercado somente de policiais, que o tratam como um ente desprezível, ele se tenha deixado tomar_ de ódio por tudo aquilo que lhe traga ao espírito a lembrança desta ordem social que reduz os seres humanos à condição de criatura irracional, como está sucedendo com el~.

Quaisquer que sejam as vicissitUdes que o procedimento do seu irmão me ocasio,ne, quero dar"i:l Sra. uma' certeza: nada disso tem arrefecido o meu'ânimo, ou feito com que eu, não dê ao caso dele toda a solicitude da minha energia e da minha capacidade. Continuarei a empregar todos os recursos ao meu ~Icance para minorar-lhe os sofrimentos, e ajudá-lo nesta grave edelicada conjuntura. É que, minha Sra., estou agindo não para angariar a gratidão dele, ou merecer os ,louvores dos'seus partidários. Estas coisas não me interessam. O que me esti.mula é tão só a preocupação de cumprir serena e firmemente o meu dever. Cristão, antes de tudo, me esforco por cultuar e cultivar, sem desfalecimentos, a justiça sobe-o rana. Em nome dos seus imperativos é que me'venho conduzindo em todo este caso, animado da superior ambição de ver os direitos de seu irmão devidamente reconhecidos pela administração do meu país.

Julgando ter-lhe fornecido, com a minha habitual franqueza, os esclareci­mentos de que estava necessitada, continuo, como sempre, ao seu inteiro dispor. Se enxergar nos meus préstimos qualquer poss(vel utilidade quer- para a Sra., quer para o seu irmão,'estou inteiramente às suas ordens.

Receba, com as minhas homenagens, o testemunho do meu apreço.

Sobral Pinto

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REQUERIMENTO DE SOBRAL PINTO A RAUL MACHADO, DE 5,5.37.

Exmo. Sr. Dr. Raul Machado Juiz do Tribunal de Segurança Nacional

HERÁCLITO FONTOURA SOBRAL PINTO, vem trazer ao conhecimento de V. Exa. a lamentável cena que, como defensorex·officio_de Luiz Carles Prestes, teve de assi~ir, humilhada e impotente, no Gabinete da Comandante da Pol(cia Especial.

No desempenho da sua árdua missão, o Suplicante se dirigiu ontem dO

Quartel da Polreia Especial para fazer entrega a este seU cliente de documentos que interessam vivatnente quer ~ sua condição de processado perante este Tribunal de Segurança Nacional, quer aos seus sentimentos filiais.

Mal se viu na presença do Suplicante" Luiz Carlos Prestes, declarou-lhe de­ver ponderar-lhe, com lealdade, que a petição entregue a V. Exa. pelo mesmo Su­plicante para justificar a não apresentação de Alegações Finais não traduzia nas suas páginas primeira, segunda e terceira, os reais motivos por que este se recu­sara a se defender. Queria salientar esta circunstlincia, para que lhe fosse permiti­do, de futuro, dizer, sem contradição de sua parte, ao povo brasileiro, quais as causas reais do seu silêncio, neste momento.

Por outro lado, acrescentou que esperava que o Suplicante compreendesse, com elevação e superioridade, este seu procedimento, e não entrasse a julgar que ele, Luiz Carlos Prestes, punha em dúvida a lealdade e a correção com que o mesmo Suplicante se esforçara por penetrar os verdadeiros sentimentos do seu cliente e vexatórias, que chegam até ao extremo' de não lhe permitirem nem ao menos o livre entendimento, para efeitos de defesa, com o advogado que lhe foi dado pelo próprio Tribunal de Segurança Nacional, depois de escrupulosa indica­ção do Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil?

Não ignora o Suplicante que V. Exa. está cumprindo ordens severas e ri­gorosas.

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Não desconhece, outrossim, o pesar com que V. Exa., na presença do re­presentante autorizado da DEFESA. ordenou fossem abafados os clamores que Luiz Carlos Prestes dirigia ao seu defensor ex-officio que comparecera ao Quartel da Pal(eia Especial exatamente para os recolher.

Nada disto interessa, Sr. Comandante. N§o estão aqui em jogo as nossas pessoas, ou os nossos sentimentos privados. Lamentáveis acontecimentos como o de ontem têm significação muito mais alta. O que eles indicam, transpondo as nossas pequenas individualidades, é que-o próprio governo não chega a perceber que está a destruir com as suas próprias mãos a estrutura jur(dica ·sobre que assenta a sua autoridade~·

Modesto obreiro do reinado do Direito no ·seio da sociedade brasileira, o Suplicante, que simboliza, nesta hora grave as prerrogativas da DEFESA, austera e digna, vem manifestar a V. Exa., com a devida vênia, a'sua desaprovação a tudo. quanta se vem fazendo para impedir o livre entendimento entre o acusado Luiz Cados PreStes e o seU defensor ex-officio, não obstante as ordens formais em con. trário do M.M. Juiz Dr. Raul Machado.

C.omunicando a V. Exa., com a sua costumeira lealda~e, que nesta data se dirige ao mencionado Juiz nos termes da petição que vai junta por cópia, re· quer e Suplicante que se digne V. Exã. de encaminhar a presente aes seus ilustres superieres hierárquicos, para que se sirvam de erdenar sejam revogadas as ordens que vêm impedindo o. livre entendimento. entre o acusado Luiz Carlos Prestes e e seu defensor ex·officio.

Nestes termos, P. Deferimento.

Distrito Federal, 5 de maio Cle 1937.

a) Heráclito Fontoura Sobral Pinto Advogado ex-officio

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PROTESTO DE SOBRAL PINTO AO COMANDANTE DA POLfCIA ESPECIAL, DE 5.5.37.

Exmo. Sr. Comandante da Polfcia Especial

HERÁCLITO FONTOURA SOBRAL PINTO, vem como advogado ex­otficio de Luiz Carlos Prestes, renovar agora por escrito, perante V. Exa. o seu protesto sereno contra o desrespeito que foi cometido ontem, neste Quartel de Po­Hcia Especial, contra os direitos da defesa soberana e Independente deste acusado.

Cultor intransigente do Direito, servidor incondicional da Justiça, respeita-o dor consciente da Autoridade, o" Suplicante não pode, não quer, e não deve san­cionar com o seu silêncio atos como os de ontem, que, praticados na presença do mesmo Suplicante, implicam Qravame, de rara e excepcional intensidade, a todos estes institutos que servem de fundamento à própria estabilidade social~

Pouco importa que Luiz Carlos Prestes houvesse utilizado de expressões al­tamente injuriosas às autoridades do país. V. Exa., como detentor de uma parcela do Poder Público, deve compreender quão justificável é a exaltação deste preso

pol(tico que está confiado à guarda dI" V. Exa. Se não foi possfvel a V. Exa. ouvir, com superior tranqüilidade, as injúrias

que estavam sendo assacadas por Luiz Carlos Prestes a todos os agentes do Poper Público brasileiro, como poderá exigir que este preso político conserve a sua sereni­dade quando se vê reduzido pelo vencedor às condições mais humilhantes. Natu­ralmente, partindo do pressuposto das convicções marxistas dele Lui? Carlos Pres­tes, o Suplicante alinhara razões teóricas capazes de justificarem a sua insubmissão às ordens do Tribunal de Segurança Nacional. Tanto mais justificável era, para ele, o procedimento do Suplicante quanto não puderam amuos se entender livremen­te" em virtude de estar sempre presente às suas entrevistas um agente do Poder PÚ­blico, que lhes acompanhava. com atenção cuidada, tôdo o desenrolar da conversa-

ção. Para fixar todos estes pontos e focalizar as razões v.erdadeiras que o leva­

ram a não se defender, redigira, para o só conhecimento do Suplicante, longa e

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minuciosa declaração, que pedia fosse lida com especial atenção. Ao fazer entrega deste escrito ao Suplicante foi Luiz Carlos Prestes adverti­

do pelo Comandante de Palreia Especial, - que seguia a palestra de ambos, na companhia do Chefe do dia -, que tal escrito só poderia ir ter às mãos do Supli­cante depois de previamente censurado pelo Sr. Chefe de Pol(cia.

Não se conformou, Luiz Carlos Prestes, como era natural, com esta d.ecisão. Tomando das mãos do Suplicante a r~ferida declaração, passou, então, a ler os tre­chos dela que reputava principais, alegando que ao menos o uso da palavra não lhe seria cassado.

Teve, assim, o Suplicante a oportunidade de ouvir Luiz Carlos Prestes afirmar, em resumo, que não se defendera, porque:

19 -desprezando dispositivo claro da Constituição, fora instituído pelo Poder Público nacional, um tribunal de exceção para julgá-lo;

29 - a atitude de. V. Exa.r.quando o foi qualificar, fizera·o firmar na con­vicção de que inútil seria qualquer defesa. Com efeito, como perguntasse a V. Exa. se a Constituição de 16 de julho de 1934 ainda estavi,i em vigor, V. Exa.lhe retru­cara imed.iatamente: "Está, apesar de terem·querido destruir ... ".

Esta resposta, dada a um acusado quando o processo mal se iniciava, e a voz da defesa ainda não se fizera ouvir, para rebater.a palavra injuriosa da acusa­ção, dera-lhe a impressão de que V. Exa.já firmara o seu ju(zo definitivo;

39 - os dispositivos daLeique instituiu o Tri~unal de Segurança Nacional, uma vez lidos por ele acusado, acabaram por mostrar a inutilidade de qualquer es­forço. Realmente, a supressão ,de toda e qualquer publicidade; o direito de afastar dos· atos da instrução criminal um ou todos os acusados; exigüidade manifesta do prazo concedido para a apresentação da defesa prévia a réus, que, como ele Luiz Carlos Prestes, foram mantidos dentro de incomunicabilidade a mais rigoro.sa; a proibição prática a ele Luiz Carlos Prestes de interrogar as testemunhas de acusa­ção e de arrolar testemunhas de defesa; o sigilo rigoroso, através da censura à im­prensa, em torno dos debates travados no seio do processo; tudo isto era de mol­de a convencê-lo de que não existia nenhuma franquia para a defesa, sendo-lhe, assim, impossível mostrar que o dinheiro utilizado nas suas campanhas pai {ticas . não veio do tesouro de nações estrangeiras, e que não havia, nos seus propósitos, nada que pudesse ser considerado como contrário aos verdadeiros interesses do

povo brasileiro. No ambiente de constrangimento em que era procedida tal leitura, no cur­

so da qual repontavam, aqui e ali, expressões causticantes contra as autoridades do País, foi, se a memória não lhe traiu, o que o Suplicante pôde reter.

Decorridos, assim, uns dez minutos·, no máximo, dessa leitura, o Coman­dante da Polfcia Especial declarou a Lui~ Carlos Prestes que não podia permitir que ele prosseguisse, e exigia-lhe que fizesse entrega daquele escrito, para efeito de

remessa ao Gabinete do Chefe de Polfcia.

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Retrucando, disse Luiz Carlos Prestes, - nisto secundado pelo Suplican~ te -, qUE:: aquilo era um documento seu, e, uma vez que ele o não podia ler nem mesmo ao seu advogado ex-officin assistia-lhe o direito de o destruir. Passando, imediatamente da palavra à ação, entrou a rasgar as tiras de papel que tinha nas

mãos. Sem a perda de um segundo, o Chefe do dia, - logo auxitiado por várias

praças da Pol(cia Especial que se achavam de guarda, no corr~dor que dá acesso ao Gabinete do Comando -, lançou-se sobre Luiz Carlos Prestes, para subjugá-lo, e arrancar-lhe das mãos crispadas todos aqueles pedaços de tiras dilaceradas.

Um minuto, se tanto, durou a luta desigual. Reduzido à impotência, Luiz Carlos Prestes viu-se lhe tirarem das mãos aquelas tiras que escrevera para o seu advogado, sendo conduzido, totalmente subjugado, para o isolamento do quarto, que lhe serve de prisão.

Enquanto aqueles pedaços de papAI eram colocados sobre a mesa do Co­mandante da Polícia Especial, que ordenava, no mesmo momento, fossem eles cui­dadosamente colados, e, em seguida, assim reconstituídos, encaminhados ao Gabi­nete do Chefe de Polícia, o Suplicante, com a tranqüilidade serena de quem está a cumprir dever indeclinável, fazia sentir ao Comandante da Polícia Especial a gravi­dade de semelhante cena; Naquele instante, cônscio das suas responsabilidades, cumpria-lhe declarar que tudo aquilo estava errado, profundamente errado, funes­tamente errado. Era uma sementeira de ódio que se espalharia, mais cedo ou mais tarde, por todo o país.

Tanto mais sombrio era semelhante ep'lsódio quanto ele só se tornara pos­sível em virtude do desrespeito sistemátiCo às ordens anteriores de V. Exa. Fosse livre o entendimento entre o acusado e seu defensor ~x-cfficio, como V. Exa.já determinara, e tal cena não teria tido a oportunidade de surgir ante o olhar estarre­cido da DEFESA, que o Suplicante simbolizava naquela' hora.

Porque semelhantes atitudes? O Suplicante exerceu, outl !)ra, e num mo­mento bem mais conturbado que o atual, as delicadas funções de Procurador Cri­minal da República. Promoveu processos políticos da mais alta repercussão. Fez sentar, também, no banco dos réus, pol(ticos de projeção nacional. Conhece, por­tanto, melhor do que ninguém, até onde podem ir as necessidades da repressão. Por maiores que elas sejam, entretanto, não são de molde a justificar o que vira e presenci~ra. Por isto, como Procurador Criminal da República, timbrou em tornar livre e independente a defesa dos acusados.

A todos, grandes e pequenos, ricos e pobres, poderosos e desprotegidOS, fez assegurar, em toda a sua plenitude, o direito da defesa ampla, livre, e soberana.

Se o Governo a que servia, com dedicação mas com independência, ousasse praticar contrq um acusado sujeito à jurisdição judicial o menor desrespeito aos direitos da defesa e quisesse conservá-lo em incomunicabilidade rigorosa idêntica

. à em que vem sendo mantido Luiz Carlos Prestes em face do processo que lhe está

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sendo movido, o Suplicante jogaria para longe de si o exercício das funções de Procurlidor Criminal da República, que não pediu. que não pleiteou, mas a que deu o melhor da sua inteligência, da sua cultura, dÇ) seu esforço, da sua indepen­dência, e da sua dignidade.

O Comandante da PolI'eia Especial ouviu, atento, estas palavras ditas em

tom cortês, calmo, e sereno. Em resposta declarou, entretanto, que era de seu dever ponderar que esta­

va cumprindo ordens, não podendo, todavia, tolerar que Luiz Carlos Prestes inju­riasse, como vinha fa~endo com aquela leitura, não só todas as autoridades do País, mas, de modo particular, a corporação a que ele comandava. De modo algum permitiria a quem quer que fosse, e muito menos a um preso, usar rela~ivamente aos membros da Pol(cia Especial as palavras que ele, Luiz Carlos Prestes, emprega­ra na própria presença do Suplicante.

Nesta altura, o Suplicante recordou, com a franqueza que Ih~ é habitual, ao Comandante da PolI'cia Especial, o tratamento desumano que verri sendo aplica­do a este acusado. Relembrou-Ihe o episódio ridículo da peregrinação, até agora inútil, do mesmo Suplicante pelos Tribunais e repartições da' República, que têm jurisdição sobre Luiz Carlos Prestes, para poder entregar-lhe camisas, cuecas, pija­

. mas, sabonetes, e outros objetos que tais, que a solicitude materna' de D. Leocá­dia Prestes enviara para acudir às necessidades físicas mais imediatas do seu filho.

Aí fica, M.M. Juiz, a exposição fidelíssima, mas resumida, do lamentável e triste acontecimento que o Suplicante, agoniado, teve de assistir de braços cruza­dos. Cumprindo o seu dever penoso dirigiu ao Sr. Comandante da Policia Espe­cialo protesto que vai junto, por cópia, para conhecimento de V. Exa.

Superior às disputas dos partidos, alheio aos interesses subalternos do Po~ der, e todo entregue ao só cumprimento austero da sua profissão de advogado, o Suplicante põe nas mãos de V. Exa.o destino da DEFESA livre e independente.

O que cabia ao Suplicante fazer está feito. A Justiça, anciada e inquieta, espera agora qqe V. Exa.saiba cumprir também aquilo que, como Juiz,.a consciên­cia lhe ditar que é de seu dever fazer nesta dura emergência.

Requerendo a junção da presente aos respectivos autos,

P. Deferimento.

Distrito Federal, 5 de maio de 1937.

a.) Heráclito Fontoura Sobral Pinto

Advogado ex-officio

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CARTA DE SOBRAL PINTO A LEOCÃDIA PRESTES

Rio de Janeiro, 8 de maio de 1937.

Exma. Sra. D. Leocddia Prestes.

Em nieu poder as suas cartas de 7, 10, 24, 28, e 30 de abril p_ findo. Parece-me desnecessário dizer-lhe que tomei todas as providências que me

solicitou. Tal como eu esperava, entretanto, nada obtive, nem mesmo a reunião aos autos, antes da sessão do julgamento, da carta que V. Exa. me enviou para que conseguisse fazê-Ia ler por ocasi1l0 da referida se .. 1Io.

As roupas que enviou continuam, Exma. Sra., no meu escritório. Não con­segui, ainda, licença para entregá-Ias.

Como V. Exa .. já terá sido informada, certamente, na madrugada de hoje foi conhecido o resultado do julgamento de. seu filho: condenação a 16 anos e8 meses de prisão. Não conheço, ainda, os termos do acórdão. É que não quis cam­parecer ao Tribunal senão depois de terminados OS trabalhos, e tâ'o só com o ob· jetivo de ser informado acerca das penas impostas. Medidas vexatórias e desaten­ciosas decretadas pelo Sr. Barros Barreto a respeito do ingresso dos advogados no edif(cio do Tribunal, por ocasião da sessão do julgamento, ·Ievaram-me a não coM­parecer a este ato a fim de me não submeter àquelas medidas.

Os jornais desta manhã nlo publicam, infelizmente, o teor da decisão, sendo-me, assim, imposs(vel dar a V. Exa. conhecimento de semelhante peça. Todavia, prometo que remeterei a V. Exa. pelo avião de quinta-feira próxima, a (ntegra da sentença que tanto deve de agoniar o seu coração materno.

Já obtive de seu filho a necessária autorIzação para interpor o recurso ca­brvel para o Supremo Tribunal Militar. Diante do que se vem passando nos últimos entendimentos meus com o seu filho, e que contrasta de maneira tão radical-e ab­sol uta com o que ocorrera nas nossas primeiras entrevistas, anteriores âs cartas de

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V. Exa., presumo que a atitude de Luiz Carlos Prestes foi determinada, - no que diz respeito d sua proibição de oferecer defesa -, pela falta de confiança no mo­desto advogado que o Conselho da Ordem indicara para seu patrono ex-officio.

Esperando poder ser mais minucioso no próximo correio aéreo, afirmo-lhe, Exma. Sra., continuar sempre .pronto a atender a tudo quanto for de seu agrado solicitar-me, e que esteja dentro das minhas possibilidades_

Com estima e alto apreço,

Sobral Pinto

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CARTA DE SOBRAL PINTO À LEOCÁDIA PRESTES.

Rio de Janeiro, 12 do maio de 1937;

Exma. Sra. D. Leocádia Prestes.

Obtive ontem, finalmente, autorização do Sr. Chefe. de Polícia para entre­gar a Seu filho os objetos que me remeteu para tal fim. Hoje, se Deus quiser, irei até à Polícia Especial, para, na presença do Comandante dessa Força, passar às mãos de Luiz Carlos Prestes as roupas e objetos de uso de que ele estava realmente necessitado.

Parece incrível que a supressão das liberdades tenha atingido, no Brasil, a tais extremos que um advogado precise fazer as peregrinações a que tive de me en­tregar para conseguir dar a um preso poll'tico algumas roupas que a sua velha mãe, também exilada, lhe mandara de longes terras.

Quando lanço a minha vista inquieta sobre o vasto panorama do mundo moderno, sinto que o coração me a"perta por ver a sementeira de ódio e de destrui· ção que o esp(rito de injustiça sistematizada vai estendendo sobre toda a vasta su­perfície da terra.

A própria melhoria da condição material dos trabalhadores não foi alcan· çada, no seio da sociedade atual, pela só força da razão atuando sobre a vontade dos governantes. Esta melhoria nâ'o é o produto do esf~rço dos homens de boa vontade. Não, ela foi obtida através de lutas fratricidas, que ensoparam de precio­síssimo sangue humano terras que deveriam Ser rega das apenas pelas águas vindas do Céu, e pelo suor dignificador do rosto do homem de trabalho.

Tudo, Exma. Sra., nos dias de hoje, é luta e luta inclemente. Ninguém mais se entende, pois vivemos numa verdadeira torre de Babel. Nem mesmo a uni­dade de doutrina, e a identidade da Fé são capazes de aproximar os corações, e desarmar o braço homicida. Na Rússia, os marxistas, que manejam o poder, fu­zilam os velhos companheiros de lutas que ousam divergir da orientação da pol(­tica oficial. Na Espanha, os católicos que colaboram com o governo matam os ir­mãos de Fé que se uniram aos rebeldes que guerreiam esse governo" E, assim,

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por toda a parte, a morte vai estendendo, implacavelmente inexorável, o império da sua obra malfazeja.

Não me admira, pois, que os SeuS clamores dirigidos aos Juízes do Tribunal de Segurança Nacional" não tenham sido sequer a~mitidos como dignos de entrar no ventre do processo. A sua carta de 24 de abril, endereçada a mim e aos Srs. Juízes do Tribunal de Segurança Nacional, foi por mim encaminhada ao aludido Tribunal, no dia 29 do mês- p.findo, nos termos da petição cuja cópia ora envio a V. Exa.

Pois bem, o Presidente Barros Barreto proferiu nessa petição o seguinte despacho: "Nada há que deferir, pois, já tendo expedido as instruções devidas, es­capa à competência deste Tribunal determinar providências relativas ao regime disciplinar do presídio".

Julguei, por isto inútil apresentar ao mesmo Tribunal a sua carta de 30 de abril. Não. permitindo o Regimento do Tribunal que a Defesa se fizesse ouvir na sessão de julgamento, ~u iria sujeitar a novo indeferimento o pedido, que V. Exa. me fazia, de efetuar a leitura dessa carta por ocasião da aludida sessão.

Para onde iremos, Exma. Sra.? Só Deus pode. descortinar o futuro e os destinos da raça humana. Apenas pressinto, através destes exemplos de maldade consciente, que teremos de atravessar horas bem amargas, iguais a estas que V. Exa. já está sofrendo, e continuará a sofrer ao ler o acórdão do Tribunal de Se­gurança Nacional, que remeto, com a presente. O "JORNAL DO COMÉRCIO"

_ publica, hoje, na (ntegra esta peça judiciária. Para que V. Exa. tome de tudo co­nhecimento, eu me permito enviar-lhe essa decisão tal qual este órgão carioca a estampou.

Aproveitando a oportunidade mando-lhe, também, Exma. Sra., uma carta do Dr. Eugênio Carvalho do Nascimento, advogado indicado pelo Conselho Militar para defender seú filho no processo de deserção, que lhe está sendo movido.

Poderá V. Exa. enviar diretamente ao Dr. Nascimento, para os endereços que ele indica, os elementos que solicita. Ou, se achar preferível remetê-los a mim, que me incumbirei de fazê-los chegar, imediatamente, às mãos deste meu colega.

Uma palavra, ainda. Vou interpor para o Supremo Tribunal Militar' ore· curso de apelação contra a decisão do Tribunal de Segurança Nacional. Entre ou­tras alegações, sustentarei que o" acórdão está errado quando ordenou a acumula­çá"o das penas impostas a Luiz Carlos Prestes.

Futuramente, pretendo enviar a V. Exa. cópia integral de todos os traba­lhos que, como advogado ex-officio tive a oportunidade de apresentar em favor de seu filho quer ãs autoridades judiciais, quer às administrativas do nosso paes.

Continuando, como sempre, ao Seu inteiro dispor, assino-me, re.speitosa­mente.

Sobral Pinto

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CARTA DE SOBRAL PINTO A MINNA EWERT.

Rio de Janeiro, 20 de maio de 1937.

Exma.Sra. D, Minna Ewert.

Respondo à sua carta de 14 do corrente, que recebi ontem. Envio-lhe,. por via aérea e por via mar(tima, a presente, acompanhada da

cópia da carta de 27 de abril. Peço-lhe, outrossim, que me informe se recebeu a carta que lhe dirigi, por

via aérea, no dia 12 do corrente, acompanhada do inteiro teor do acórdão do Tri­bunal de Segurança Nacional onde foi proferida a condenação de seu irmão éi pena de prisão de 13 anos e 4 meses.

Não tenho estado, ultimamente, com Arthur Ewert, ou Harry Berger, porque ele -passou a acolher as minhas visitas com gestos de profundo desprezo, e olhares inundados de ódio e de injúria. Acho que é de meu dever poupar-lhe mais este vexame, pois, não confiando na lealdade da minha assistência, ele me toma como um espião.

Para amparar-lhe os direitos, no que se refere éi melhoria do seu tratamento na prisão, não necessito de estar em contato com ele. Na minha qualidade de ad­vogado posso me apresentar perante os tribunais do pars e os órgãos da adminis­tração pública para pleitear tudo quanto tenho pleiteada para tirá·lo da situação humilhante de desconforto e de privações f(sicas em que se encontra presentemen· te. Assim, vou fazendo tudo o que posso em benef(cio do seu irmão, sem me ver na "necessidade de concorrer, com as minhas visitas que lhe são sempre desagradá­veis, para aumentar os seus inauditos sofrimentos morais.

Acharia conveniente" que a ·Sra. trotixe"sse, para apresentar ao seu irmão, uma carta autografada pela Sra. dele, única pessoa por quem ele se interessa viva e incessantemente.

A sua carta de 14 do corrente está mal traduzida. Nela há um per(odo que, em português, não há sentido. Vou transcrever tal perrodo: "Pode ser que um cura visitá-lo e r.emete a ele minhas saudades?".

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Receio, nestas condições, que as minhas cartas tenham sido, ar, vertidas com infidelidade ou para o inglês ou para o alemão. Para evitar semelhante~ in­convenientes seria bom que a Sra. se pusesse em contato com pessoa da colônia brasileira ou da colônia portuguesa a( de Londres, servindo·se dos préstimos de uma delas para as traduções. _

Com as minhas homenagens; sempre ao seu dispor.

Sobral Pinto

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PELO APELANTE, ARTHUR ERNEST EWERTou HARRY BERGER (em 24.5.37)

Acudindo ao apelo do Conselho da Ordem para defender Harry Berger pe· rante o Tribunal de Segurança Nacional, advertimos, inicialmente, que o que se instaurava ".ão era só o julgamento de um homem, mas também o da causa que ele simbolizava. Com a consciência de quem vem acompanhando, com espírito de verdade e justiça, o desenvolvimento desta causa no seio das nações cultas, mostra· mos, - escudados na autoridade dos competentes -, que era indispensável que as reivindicações justas e irrecusáveis, que deram origem ao movimento proletário contemporâneo, fossem levadas em conta pelos Srs. Juízes do Tribunal Especial quando tivessem de examinar a atuação de Harry Berger nos lutuosds aconteci­mentos ocorridos no país em novembro de 1935. Assim agindo, não incidiriamos Srs. Ju (zes no grave e funesto erro de considerar como mera ambição pessoal de um estrangeiro impertinente aquilo que, na realidade, tem muito de desinteresse pessoal e de superior dedicação aos direitos, sempre tão menosprezados, das clas­ses trabalhadoras.

Não fomos ouvidos. E, ao chegar agora ao termo deste processo, o dever nos obriga a altear, ainda mais, a nossa voz impotente, para dizer que nos engana­mos totalmente quando supunhamos que iríamos presenciar um julgamento. O que temos assistido, para deslustre da nossa civilização, tem sido tão só o esmaga­mento brutal, desuman~, e revoltante de uma criatura humana.

Não houve nada neste processo que se pareça, ainda que longinquamente, com o que, no seio das nações civilizadas, se chama o direito de defesa. Nestes quatro longos meses de lutas estéreis, fomos apenas o espectador manietado de crueldades indescritl'veis, que mareiam, para sempre, o renome da nossa Justiça.

Estão nos autos os nossos clamores. Nos autos estão,também, as provas da inércia dos que tinham a obrigação de tomar as mais enérgicas providências.

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Todo mundo, porém, cruzou os braços diante deste espetáculo tétrico, que ainda agora perdura. E, assim, enquanto as autoridades judiciárias e adminis­trativas ficam mudas e quedas, Harry Berger sofre, intrépido e corajoso, o seu mardrio sem fim. Sepultado vivo na escuridão de um socavão de escada, sem luz, sem ar. sem movimentos, caminha lentamente para a morte inevitável. Sem cama, sem cadeira, sem banco, sem roupa, este acusado vem sendo mantido, há mais de ano, na mais absoluta solidão. Não fala com ninguém, nem lhe deixam ler nada. E as poucas vezes em que pôde se defrontar com o seu advogado ex·officio; presente a estes entendimentos estava sempre um agente do Poder Público, incumbido de fiscalizar e censurar a conversa entre patrono f;! cliente.

E como se. todas estas torturas não parecessem ainda suficientes, resolve­ram fornecer a este preso infeliz apenas o café da manhã e a refeição a que damos

o nome de "almoço". Organizou a poll'cia, durante doze longos meses, o seu inquérito; ofereceu

o Ministério Público, logo a seguir, a sua denúncia; abriu-se, imediatamente após, o prazo da instrução criminal; veio, finalmente, a sentença de condenação. Durante·todo este tempo, isto é, dezoito meses, Harry Berger não viu uma peça do processo, não examinou um só documento, não se defrontou com uma só teste­munha, e não teve nem mesmo a oportunidade de conhecer quatro· dos seus cinco

Ju(zesl Horrorizados coni esta desumanidade sistematizada, dirigimos; em 29 de

abril p. findo, ao Dr. Juiz Preparador do processo mais uma petição solicitando imedi.atas providências capazes de porem cobro a estas torturas inexplicáveis e inúteis. Foi tudo em vão, como demonstra o original dessa petição, - com o seu despacho de indeferimento -, que instrUI, agora, as presentes Razões.

Para que semelhante procedimento? Os pioneiros do comunismo interna­cional não se deixam abater por estes exemplos de martírio cruciante. Fatos desta natureza só servem para gerar ódios cada vez mais irredutíveis. Longe de fazer re­cuar os adeptos do comunismo, uma repressão abusiva e ilegal como est~ de que ·vem sendo vítima Harry Berger, desperta neles o sentimento. incoerc(ve.1 da vingan­ça, que se lhes apresenta ao espírito como imperativo de um dever de justiça a

cumprir inexoravelmente. Porque, outrossim, enveredar o noSSO Poder Público por este caminho que

lhe amesquinha, ante os homens de coração bem formado, a autoridade moral?

Será porque Harry Berger é estrangeiro? Mas, por ser alguém estrangeirç perdeu o direito de ser considerado criatúra racional? Não inscrevemos nós na Constituição de 16 de julho de 1934 (art. 113,1 ), o postulado de que todos são iguais perante a lei não havendo privilégios, nem distinções, por motivo de nasci­mento, sexo, raca, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças

religiosas ou idéias po!(ticas?

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Ao proclamarmos este princ(pio não sofremos o influxo de um postulado romano. Sujeitamo-nos, ao contrário, às lições da experiência racional. Pois, no dizer de Ihering ( L'ESPRIT DE DROIT ROMAIN - trad. de O. de Meulenaere, vai. 19, pág. 6 ), " a vida dos povos não é uma coexistência de seres isolados: co­mo a dos indiv(duos no Estado, ela constitui uma comunidade; ela se traduz num sistema de contingência e de ação rec(proca, pac(fica e belicosa, de abandono e de apreensão, de empréstimo e de préstimo; numa palavra, ela constitui uma gigantes­ca troca, que abraça todas as faces da existência humana. A lei do mundo Hsico é também a do mundo intelectual; a vida se compõe da admissão das coisas ext~rio­res e de sua apropriação (ntima; recepção e assimilação são duas funções funda­mentais de que a presença e o equil(brio são condições de existência e de vitalida­de de todo organismo vivo. Por obstáculo à admissão das coisas exteriores, é ma­tar. A expansão de dentro para fora não começa senão com o cadáver".

Alargando, um pouco mais adiante, a sua visão panorâmica, o grande pen­sador germânico acresoenta ( Ibid., págs. 6/7 ): "Todo povo existe também para os outros, e todos os outros povos têm o di~eito de estar em relação com eles. A lei da divisão do trabalho regula também a vida das nações. Todo solo não produz tu­do, todo povo não pode tudo. É pelo auxnio e expansão rec(proca que se encon­tra equilibrada nos povos a imperfeição de cada um deles em particular. A perfei­ção não aparece senão no conjunto, na comunidade".

Após percorrer vários dom(nios da atividade do homem, para fixar esta lei fatal e inexorável da interdependência das nações, Ihering conclui ( Ibid., págs. 7/8 ): "0 comércio, ou numa ordem de idéias mais geral, a troca dos. bens mate­riais e intelectuais, não é somente uma questão de interesse que depende da livre vontade dos povos, é um direito e um dever. Recusar cumprir este dever, é insur­gir-se contra a ordem da natureza, é desobedecer at?s mandamentos da história. Uma nação que se isola, não somente comete um crime contra si mesma, pois que ela se priva dos meios de aperfeiçoar a sua educação, mas ela se torna culpada de uma injustiça para com os outras povos. O isolamento é o crime capital dos povos, pois a lei suprema da história é a comunidade. Um povo que repele a idéia do contato com uma civilização estrangeira, isto é, da educação pela história, tem, por este fato, perdidou direito de existir. O mundo tem direito à sua queda".

Quer queiramos, quer não, a influência dos estrangeiros há de se exercer sobre a formação dos nossos costumes, das nossas idéias, e das nossas instituições. Da mesma maneira, os povos, que n .... s são vizinhos, sofrem sem remédio o influxo da nossa atividade no seio da comunhão universal.

Se esta é a lei, que rege a vida das nações, porque tratar como animal hi­drófobo a um alemão, como Harry 8erger, que empolgado por uma ordem social nova, que os russos criaram no Oriente da Europa, se transportou para o nosso ter­ritório, para, com a sua experiência de revolucionário internacional, auxiliar os comunistas brasileiros na implantação aqui dessa mesma ordem social?

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Funesta e sombria é esta nova civilização, sobretudo pela negação de Jesus Cristo, que se viu totalmente repelido das bases fundamentais do noVo edif(cio so­

cial comunista? Tenhamos, então, a coragem de confessar que grande parte das atrocidades

que hoje se praticam, no seio das nações modernas, decorre da apostasia prática de Jesus Cristo pelos próprios povos q\Je sé dizem cristãos.

Na verdade, quem diz cristianismo diz, necessariamente , solidariedade humana tanto na ordem espiritual quanto na ordem material. Pela lei cristã, o fraco se torna forte, e.~ forte desce até à fraqueza do desprotegido. Ninguém fica ao desamparo. Todos têm o com que prover as suas necessidades espirituais e ma­teriais. A liberdade prótege a todos os membros da comunidade, e os menos favo· recidos pela fortuna dispõem de tudo quanto precisam não só para si, mas também

para a manutenção e educação da sua prole. Pois bem, este não é o panorama da vida social, nos tempos que correm.

Voz insuspeita, Jean Rivain ( UN PROGRAMME DE RESTAURATlON SOCIA~ LE, págs. 152/153 ) teve a coragem de proclamar: "A liberdade sem garantias do trabalho e da propriedade, o livre jogo da especul.ação, consagram o direito dos mais fortes. O proletário é um desapossado, o proletariadO é um res(duo social, e a sociedade trata de fabricar este resl'duo . Que vemos? A riqueza mobiliária cres­cendo incessantemente, acumula-se entre as mãos de um pequeno número de capi­talistas. Em face desta oligarquia financeira e parasitária, um povo sem ligações com o solo, e sem nenhuma profissão organizada, sem tradições e sem patrimônio, desenraizado, desclassificado, desapossado. Entre estes dois campos adversos, Um exército de pequenos proprietários que sobrevi eu à antiga ordem francesa, ma~ que tende a diminuir; esta classe tampão fornece agentes, intermediários ao capita­

lismo, e alvos ao povo para os seus jogos de massacre". Qual a conseqüência deste regime iníquo -e pecaminoso? O consagrado

sociólogo francês teve o mérito de enxergar, com objetividade, aquilo que está ao alcance de qualquer homem sereno 'e imparcial. Por isto, pôde dizer ( Ibid., pág. 153): " Destes fatos, que partem os laços de solidariedade na divisão do trabalho, nasce a luta de classes. Os interesses dos co·produtores,em vez de concorrerem pa­ra o mesma fim, se opõem: e o capitalista tratado como explorador é o primeiro adversário. A Internacional dos trabalhadores é um fato de solidariedade que a es­teS une na luta para a solução da questão operária. Privados em sua pátria de seus direitos econômicos mais essenciais, ,eles esperam reconquistá-los, por meio do so· cialismo internacional. Entre a solidariedade pol(tica, de que esqueceram oS bene­freios, e a solidariedade econômica de um proletariado desapossado, esta" lhes parece facilmente a mais premente. A culpa cabe ao regime que quebrou OS laços da unidade francesa; mas é um contra-senso condenar como anti patriotas pelo fa­

to de defenderem a sociedade que lhes abre () caminho.

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Para restituir as suas razões ao patriotismo, é preciso restabelecer um regi. me econômico social, que coordene os esforços em vez de os opor, que una os ar. tífices de uma mesma produção em lugar de fazê· los se baterem, e que dê aos mais pobres a parte de patrimônio que ·Ihes cabe".

Urge, assim, que o Poder Público brasileiro, pondo de lado, '" circunstância de ser estrangeiro Harry Berger, nele veja pelo menos a sua qualidade de ente ra. cional, merecedor, portanto, do tratamento próprio das criaturas humanas.

Postergando todos os -seus direitos, torturando a sua pessoa, suprimindo as prerrogativas da sua personalidade, as autoridades brasileiras não diminuem Harry Berger. Elas é que se diminuem, se amesquinham, e se barbarizam.

Não se iludam os nossos dirigentes. Harry Berger passará a ser, dentro em pouco, para o comunismo internacional, uma bandeira de combate. Não tardará muito em que, no domínio das letras universais, surja um novo S,tefan Priacel ( AU NOM DE LA LOII ... , pág. 13 ) para dizer dele o que este publicista afir­mou do torturado comunista alemão:- "Thaelmann tornou-se o símbolo de uma Alemanha que sofre e combate para que possam renascer um dia, nesse grande país, todas as liberdades conquistadas por séculos de luta: o direito de falar, de es. craver, de· pensar, o direito de reunião; liberdades aniquiladas pelo hitlerismo, di. reitos· suprimidos.

Romain Rolland, definindo a personalidade de Ernest Thaelmann exprime exatamente a emoção de_milhões de homens de bem, que, d'um extremo ao outro do mundo, pois pensam na sua vida anleaçada e trabalham-para a sua libertação.

Eu vos convido mu_i especialmente, diz Romain Rolland, a dirigir o nosso piedoso pensam;nto, a nossa saudação altiva e reconhecida ao mais ilustre destes combatentes encadeados, àquele sobre quem se abate, neste momento, toda. o apa. relho da justiça hitleriana, feita de violência e de mentira ... Nesta hora de união mundial contra a guerra e o fascismo, Thaelmann é mais do que o valente chefe da classe operária da Alemanha, da vanguarda do nosso exército; ele é o símbolo vi. vo da nossa causa, ele é a bandeira de todo o exército. Mais está ele ameaçado, mais nos é ele sagrado •.. ".

Nem poderá ser de outro modo. Há na revolução comunista um elemento que é universal, e que se aplica, assim, a todos os povos que já atingiram a um cer. to grau de desenvolvimento industriaL É que ela se propõe a resolver o problema da produção e o da distribuição da riqueza produzida. Onde quer que esteja, pois, o homem industrialmente aperfeiçoado aí estarão estes problemas fundamentais.

Pode·se dizer, portanto, da revolução comunista aquilo que Sorel ( L'EU. ROPE ET LA RÉVOLUTION FRANÇAISE, vol. 29, pág. 109 )disse da grande convulsão que abalou a Europa no fim do século XVIII:" A revolução de França tinha isto de particularmente temível: ela era compreensível para todos e imitável em cem lugares, a um tempo. Para compreendê·la não há mister senão de sentir os 'encargos do regime feudal; para a ela se associar não é necessário senão ter o ins.

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tinto da justiça e desejar ser livre; para fazê-Ia triunfar cumpre apenas querer o seu próprio bem, o seu próprio interesse, ou somente abandonar·se ao espírito de mu· dança, de turbulência, e de revolta que trabalha incessantemente os povos, sobre~ tudo quando eles não se sentem nem felizes, nem bem governados, nem for~emen· te contidos. Esta propaganda espontânea da Revolução Francesa se anuncia nesta época em que se esboçam os primeiros desígnios da Política Revolucionária; uma e outra vão caminhar de par, sustentando-se e excitando·se mutuamente",

Atentando nestes aspectos da. revolução social, que perturba, hoje em dia, a vida dos povos mais adiantados, é que se poderá restabelecer o equillbrio e a har· mania da sociedade, por que não se_ tardará em verificar que o edifício social ne· cessita de sofrer profl,mdas e radicais transformações.

No dia em .que os nossos dirigentes se orientarem no rumo de uma política de larga visão social, estarel1)os libertos de aberrações como as deste_ processo, on· de se pôs de lado tudo o que era cautela jurídica, precaução legal, e exigências de justiça.

Tão fora da realidade social se colou o Tribunal de Segurança Nacional que não pôde perceber o absurdo imenso que praticou considerando como "delic· tos autônomos" os que atribuiu a Harry Berger no seu acqrdão de 7 do corrente. Eis, a tal respeito, o que reza o julgado:"O Tribunal, na aplicação das penalidades impostas aos acusados Luiz Carlos Prestes e Arthur Ernest Ewert ou Harry Berger, considerou "condições elementares" do delito capitulado no art, 10 da Lei nO 38, os atos criminosos, de que cogita o art. 4Q da mesma Lei, desde que esses atos hajam sido cometidos pelos 'acusados até à deliberação do movimento sedicios~ de

-novembro de 1935, considerando-se, porém, "delitos autônomos", por estarem as· sim configurados na lei, quando a prática daqueles atos tiver ocorrido após a sufo· cação do referido movimento. Não julga o Tribunal trata~·se, no caso, de "crimes continuados", de vez que, como é assente em jurisprudência e doutrina, a figura jurídica do "delito continuado" só se verifica em direito quando, além da unidade da resolução criminosa, ocorre a infração, pelo mesmo agente, e por mais de uma vez, do "mesmo artigo de lei penal".

Não é exato que não podendo certos fatos serem considerados como integra· dos na figura do "crime continuado", devam eles ser tidos, necessariamente, como outros tantos" crimes autônomos".

Labora o ac6rdãá, ora recorrido, em evidente equ ívoco quando sustenta que os crimes são ou "autônomos" , ou "continuados", Esta afirmação supõe que estas duas categorias científicas abrangem, nos s,eus limitados quadros, todas as classes de crimes.

Ora, modernamente, nenhum criminalista de certa notoriedade deixa de in· dicar uma terceira categoria de crime da mais alta importância para os efeitos de uma repressão penal justa e eqüitativa. Esta terceira categoria, ninguém há que ig­nore, é constituída pelo "crime permanente", A este respeito, doutrina Manzini

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(TRATTATO DI DIRITTO PENALE, vol. 10, pág. 565) : "O crime permanente não se confunde com o crime continuado. A noção deste é fornecida pelo art. 81, preâmbulo, do Código Penal, -e a respectiva teoria será exposta no vaI. 20. Por agora basta notar que, enquanto o crime permanente pressupõe uma atividade ou uma inatividade separável que protrai no tempo o fato originário, o crime conti· nuado pressupõe várias violações da mesma disposição de lei, sucessivas ou con' temporâneas , e, por conseqüência, uma' atividade ou inatividade separável, unifi~ cada, por ficção jur(dica, pelo elemento psicológico do mesmo desfgnio crimino-so",

O que cabia, portanto, ao Tribunal de Segurança Nacional, no seu acórdão, era estender um pouco mais a sua análise sobre as atitudes de Harry Berger, para verificar se, não se enquadrando nas linhas definidoras do "crime continuado", deveriam, entretanto, ser definidas como constituindo um só "crime permanên~

te". Com efeito, "crimes permanentes, segundo a nossa noção, que foi integral~

mente acolhida pelo vigente Código Penal, são todos aqueles relativamente aos quais, com eliminação da atividade positiva ou negativa que 05 constitui, n.ão so~ brevive nenhum efeito positivo direto, enquanto presupõem ali admitem, por isto mesmo, a existência de um estado subjetivo e objetivo identicamente contrário ao Direito Penal em cada momento seu, iniciado por um fato (ação ou omissão), que por si só pode ser insuficiente ou suficiente para concretizar a noção de um crime, mas que em todo o caso deve ser tal que permita o protaimento voluntá~ rio ininterrupto d'aquela oposição jur(dica, que é prevista pela lei na hipótese tlpi· ca, e a possibilidade, por parte do sujeito, de fazê·la cessar por sua vontade de mo­do juridicamente eficaz". (Ibid., p6gs. 567/568).

Vê·se, portanto, que a característica por excelência do cdme permanente é a existência de um estado contrário ao Direito Penal,que se prolonga por um lon~ go período de tempo, mas sempre idêntico, na sua natureza, através da atuação ile~ gal de uma só vontade criminosa.

Disto decorre, relativamente à consumação dos crimes desta espécie, uma conseqüência da mais alta importância. Manzini não se esquece de focalizá~la, di~ zendo: "Dada a noção do crime permanente, bem se compreende como a consu~ mação dele se verifica, mas não se esgota, no momento em que se concretizam os elementos constitutivos do crime, e se realizam as condições de punibilidade do fa~ to, do mesmo modo que ela. se protrai até a cessação da atividade (positiva ou negativa) do delinqüente, isto é, até quando tenha cessado o estado considerado criminoso pela lei; pois que na permanência de tal estado, o crime ou a contraven~ ção se mantém sempre em via de consumação" ( Ibid., pág. 570 ).

Se o acórdão, depois de se submeter aos imperativos destes postulados da ciência criminal contemporânea, se entregasse à tarefa tão fácil de olhar para o in~ terior da vontade de Harry Berger, não tardaria em descobrir isto que está patente

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aoS olhos de todos: o propósito que nunca a abandona de trabalhar, no seio da so~ ciedade moderna, pela implantação de um governo proletário revolucionário. Mar~ xista até o cerne da sua alma rebelde, Harry Berger se considera mero instrumento da " revolução proletariana, a revolução-órgão "( Ralea . L'IDÉE DE RÉVOLU· TION DANS LES DOCTRINES SOCIALlSTES, 1'6g. 319 l. que "monopolizou para ela todas as simpatias dos trabalhadores, e tornou impossível qualquer outra forma de revolução. Ela teve um êxito incontestado durante quase toda a segunda metade do século XI..X. Em torno dela se formou a internacional, e quase todas as organizações operárias" ( Ibid. ).

A ação, assim-,·de Harry Berger, a que alude o acórdão recorrido, é uma_só, embora .se tenha desenvolvido através de uma série inumerável de fatos distintos. Empolgado pelo seu ideal, unificava, através das suas contínuas solicitações, todos estes fatos, diversos e diferentes na ordem da sucessão do terr. po, mas. idênticos no fim, que visavam alcançar.

a erro do acórdão recorrido está em querer encarar como iguais e idênti-

caS a revolução burguesa e a revolução proletariana. Nada mais diferente, entretanto, do que estes dois fenomênos sociais. Procurando caracterizá·los com precisão, Staline ( LES QUESTIONS DU

LENINISME, págs. 17/18, ed.franc. do Sureau d'Éditions ) expõe:" O problema fundamental da revolução burguesa se reduz em se apoderar do poqer e em adap· tá~la à economia burguesa existente, enquanto que o-problema fundamental da re· volução proletariana consiste, após a tomada do poder, em-edificar uma nova eco­nomia socialista.

A revolução burguesa termina ordinariamente com a tomada do poder, en· quanto que a tomada do poder não é senão o começo da revolução proletariana, que utiliza este poder como alavanca para a transformação da velha economia e para a organização da nova.

A revolução burguesa se contenta em substituir no poder um grupo explo­rador por outro grupo explorador; eis porque, ela não tem necessidade de quebrar o antigo mecanismo estadual, enquanto que a revolução proletarlana arrebata o poder de todos os grupos exploradores e o transmite ao chefe de todos os traba~ Ihadores explorados, à classe dos proletários, e, em seguimento, ela é obrigada a quebrar a velha máquina do Estado para substituí-Ia por uma nova ".

Tudo quanto sobre o território brasileiro Harry Berger executou, enquanto gozou da sua liberdade, foi mera transposição para o domínio da ação prática da~ quilo que constitui o pensamento teórico da concepçãó pol(tica que esposou.

Todos os fatos, por conseqüênda, que lhe são atribuídos, são simples ema­nações da sua vontade permanentemente ant(~jurídica. Continuamente revoltado contra a ordem social vigente, Harry Berger, animado sempre de um só propósito, acha que deve identificar a sua vida com os postulados da revolução·órgão, úni­cos susceptíveis, no seu entender, de destruir a atual democracia burguesa, e de fa-

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zer surgir, em substituição a ela, a democracia proletariana. Uma atividade ~ue se orienta por diretrizes permanentemente tão contrá­

rias aos dispositivos da nossa lei penal, na parte em que-pune toda e qualquer ma­nifestação atentatória da nossa atual ordem pai (tica e social, tem de ser considera­da como constituindo um 56 "crime permanente", só podendo, por conseqüência,

ser objeto de uma só pena. Fiel ao seu superior destino de defensor, intransigenteda ordem jurídica do

país, nos domínios da sua especial atividade, este Supremo Tribunal Militar saberá elevar-se acima das paixões exaltadas das nossas facções políticas, para, ouvindo só os reclamos da consciência jurídica do país, justamente alarmada com a freqüente repetição de tantos abusos de poder, tratar com um pouco mais de humanidade a este estrangeiro já tão atrozmente martirizado, e que ora se limita a pedir, pela voz rigorosa do seu defensor até agora impotente, um pouco mais de

JUSTiÇA,

Distrito Federal, 24 de maio de 1937,

a,) Heráclito Fontoura Sobral'Pinto,

Advogado ex-officio.

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PELO APELANTE, LUIZ CARLOS PREStES, 24.5,37

"Amai a ju-stiça, vós os que julgais a terrà" (Liv. de-Sabed. - 1,1), ordena o Eterno aos que, no governo das nações, receberam em quinhão, a tarefa ~rdua de declarar inocentes ou culpados aqueles que sevêem apontados. pelos seus semelhan­tes como elementos de desagregação social, instrumentos que se fizeram do ódio, da cobiça, da inveja, e da concupiscência.

Este amor da justiça se manifesta, no juiz, pela serenidade da sua postura, e pela imparcialidade das suas decisões. Colocando·se em equidistância dos dois.ex­tre'mos da causa, isto é,· do acusador e do acusãdó,'dispõe-se o magistfado·a·ouvir, sucessivamente, as queixas de um e as explicações de outro, assegurando a ambos, em toda a sua plenitude, o direito de buscar e de exibir as provas que se tornarem capazes de confirmar, objetivamente, as suas respectivas asseverações, Confrontar.­do, em seguida, todos os elementos de convicção assim recolhidos; e pesando-os, . depois, um por um, na balança do seu saber, feito só de experiências e de verda­des, proferirá calmo, austero, reto, e independente o seu julgamento definitivo.

Os que amam a justiça, e se esforçcun por vê-Ia implantada soberanamente no seio da sociedade humana, assim procedem sem descontinuidade. A obra que realizam se multiplica em benefícios de paz social, porque é o resultado de uma vontade reta, e de uma inteligência esclarecida, empenhadas no trabalho, fecundo de defender os laços morais da solidariedade humana, em todos os domínios da sua atividade. No julgamento que se processa dentro destas garantias, nada de apaixonado e subalterno se intromete, revestindo-se a sentença, que dele resulta, de um cunho tal de seriedade reta que as próprias partes não ousam atribu(-Ia a inspirações alheias aos imperativos da só justiça.

Foi assim que se procedeu para com Luiz Carlos Prestes? Respondam, na. sua eloqüência muda, os próprios autos deste processo.'

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Preso em março de 1936, este acusado se viy logo reduzido à mais rigorosa incomunicabilidade, - mantida dia e noite através de sentinela à vista. Desde en­tão, não lançou mais a vista sobre qualquer jornal, não leu mais um só livro, não empunhou mais um só instrumento de escrita, ri.ão falou mais a nenhuma pessoa, nem pôde sequer corresponder-se com a sua própria Mãe! Sem cessar, porém, du­rante meses e meses, dois olhos atentos e alertas o perseguem implacavelmente dentro das quàtro paredes do seu cubículo solitário. Sem a menor interrupção, por outro lado, dois ouvidos, continuamente à espreita recolhem com açodamento, para transmiti-Ia ao Sr. Capitão·Chefe de Polícia, toda e qualquer palavra que o prisioneiro, - sujeito a esta vigilância alucinadora -, dirija aos seus guardas para pedir-lhes que lhe permitam satisfazer até as suas necessidades mais imediatas!

Paralelamente a esta segregação total de Luiz Carlos Prestes, empenhava-se a Polícia em organizar, dentro do mais absolyto sigilo, que os rigores do Estado de Guerra facilitavam, este vasto inq.uérito cqnstituído de relatórios, depoimentos, vis­torias e buscas e apreensões, que se sucedem numa barafunda louca e anárquica, que dá bem a exata medida da mentalidade pouco justiceira dos que orientaram estas diligências: Formigam ror tôda parte os impressos, as folhas mimeografadas, as cópias datilografadas, os folhetos, os manifestos, e os panfletos: tudo, porém, sem a menor autenticidade, nem a mais longínqua prova de identificação com a atividade de Luiz Carlos Prestes, sobre nada foi ouvido ou· perguntado. Coisa al­guma lhe deixaram ver. Nenhuma informação lhe ministraram sobre o que lhe atri­buíam. A sua incomunicabilidade se estendia, assi.m, também até às peças de acu­sação que contra ele preparavam.

Nesta absoluta ignorância de tudo quanto constava do inquérito permane­ceu Luiz Carlos Prestes até janeir9 do corrente, ano, quando recebeu das mãos do Juiz Dr. Raul Machado, que o fora qualificar no Quartel da Polícia Especial, a de­núncia do Sr .. Procurador do Tribunal de Segurança Nacional.

Impossível foi, nessa ocasião, a Luiz Carlos Prestes extirpar da sua imagina­ção, - apesar de exacerbada pelo tratamento desumano que lhe vinham dispen­sando -, um confronto significativo que a ela acudiu imediatamente: o do seu in­terrogatório, no dia em que fora preso, com o do em que se iniciava o processo ju­dicial contra ele promovido. Naquele, a sala, onde ele se verificará, era uma depen­dência da Polícia, que o prendera. Num dos lados do Delegado, que..Jhe dirigia per~ guntas, estava um senhor, que se dizia Procurador Criminal. No outro lado, estava um funcionário, que passava para o papel, na qualidade de escrevente, as respostas obtidas. Pois bem, neste segundo interrogatório, e que diziam ser o ato inicial de um processo judicial, a sala, onde ele ocorria, era também uma dependência da Po­I icia, que o vinha martirizando, sendo igualmente os mesmo tanto o Procurador quanto o escrevente! Nesta .segunda cena, - que em tudo o mais se mostrava idên­tica à primeira·- apenas se operara· uma mudança: o Delegado desaparecera, para que em lugar dele pudesse surgir o Or. Juiz Preparador.

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Tais métodos não são novos, nem nos é lícito reivindicar deles a primazia para as nossas atuais autoridades policiais. Há quase cem anos, a polícia prussiana os empregara contra os comunis.tas de Colônia, provocando de Engels ( Correspon­dance· trad. franco de J. Molitor, vol. 111, pág. 137 ) esta observação ferina:" a poll'cia ... quebra secretarias, presta falsos juramentos, faz depoimentos f~lsos, e reivindica, além di·sto, uma situação privilegiada em face dos comunistas, postos fora da sociedade! Isto, e o modo pelo qual a pól{cia, sob forma a mais matreira, usurpa todas as funções do ministério público, repele Saedt para o segundo plano, exibe, como provas;· escritos não autenticados, simples boatos, relatórios, zun­zuns, que eta se esforça em fazer passar por coisas juridicamente demonstradas, é positivamente demais ".

Era natural,· assim, que esta primeira audiência do processo criminal, rea1i~ zada no interior indevassável de uma repartição· polic.ial, longe das vistas do públi­co fiscalizador, e sem que fosse atenuada de um só grão a atmosfera de opressão ir­respirável em que o mergulharam, não deixassem no espírito revoltado de Luiz Carlos Prestes a mais longínqua ilusão sobre a condenação que já lhe fora reserva­da. Cresceu ainda de vulto esta sua persuasão quando obteve a informação de que o advogado, que lhe iam dar, disporia apenas de três dias para ler a denúncia, exa­minar todo aquele va~to processo, constituído por 50 volume.s, colher as provas que lhe fossem·favoráveis, e apresentar, no fim de tudo, ... a sua defesa prévia!·

Não há bom senso, que se não revolte· contra uma tão evidente denegação de justiça! Pois, então, leva a Polícia, - que dispõe de todos os elementos de in­vestigação -, doze. meses para organizar 6 seu inquérito, colher os seus elementos de acusação, e ao principal acusado neste inquérito, que é conservado preso, sob o regime da mais rigorosa incomunicabilidade, se concede apenas o prazo de três dias não só para organizar a sua defesa, mas também para apresentar aos seus juízes as provas em que ela se apóia! Seria ridículo se não fora antes dei tudo monstruoso! As autoridades policiais, que manej~m..a vontade vasto. e poderoso aparelho administrativo, que se movimentam livremente por todo o território na­cional, que manipulam a seu talante verbas vultosas! ninguém exigiu que fizessem com rapidez os seus trabalhos de investigação. Gastaram nesta tarefa o tempo que lhes aprouve, apesar dos apropriados e inesgotáveis meios de perquisição de que podiam rançar mão, dentro da lei e fora dela!

Com Luiz Carlos Prestes, entretanto,. tudo se faz diferentemente. Não obs­tante se achar preso numa situação de absoluta incomunicabilidade, não conhecer nada das acusações contra ele levantadas, ·não poder .se entender, livre ou restrita­mente, com parentes, amigos, ou partidários, e não d·i~por· sequer de um lápis, de uma caneta, ou de um pedaço de papel, para as mais ligeiras notas, o prazo que lhe concedem para imprimir rumo à sua defesa, "t~oGar idéias com o advogado que lhe dão ex·officio, e que ele nem sequer conhece, .é o de ... três diãs!

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A sua atitude, portanto, recusando-se a participar deste simulaci'o de defe­sa, que lhe ofereceram, precisa de ser encarado, sobretudo, como o grito justamen­te vingador de uma consciência humana, que se vê esmagada nas suas prerrogativas mais sagradas - não pelas sanções morais da justiça austera e reta, ser'enamente restauradora da ordem social violada -, mas pelos golpes brutais da força abusiva­mente organizada em Estado, que perdeu o verdadeiro sentido da sua superior missão de garantidor soberano de todas as liberdades públicas.

Nada espelha de maneira mais impressionante a deserção do Estado brasi­leiro a esta sua finalidade espiritual de representante temporal de um país cristão, do que os sucessivos e impunes atentados dos agentes do ~xecutivo ao exerc(cio do direito de defesa pelo patrono ex-officio de Luiz Carlos Prestes.

A documentação já existente nos autos, e a que ora se oferece, com as pre­sentes razões, mostram, de maneira a desafiar qualquer réplica honesta, que os guardas de Luiz Carlos Prestes timbraram em impedir que ele se entendesse livre­mente com o seu patrono. Começaram por só autorizar palestras entre acusado e advogado desde 'que dois ou mais agentes da PoHcia Especial acompanhassem to­do o desenrolar da conversação., Consentiam, todavia, que o defen.sor ex-officio entregasse ao· seu cliente as cartas que a Mãe deste lhe enviava de França, e as có­pias das petições que ele apresentava ao Juiz.Preparador para se desobrigar de al­gum dever humanitário imediatamente ligado ao processo.

t evidente, entretanto, que a Defesa não poderia se, conformar cOm este desrespeito às suas prer'rogativas fundamentais. Para fazê-Ias restaurar, dirigiu, em 5 de abril último, ao Dr. Juiz Preparador a petição de fls. 874 (49 vai - série A), onde denunciava a postergação do direito de defesa, pedindo. em seguida, providên­cias urgentes e apropriad?s.

Deferida essa petição, as autoridade policiais ao r.eceberem a comunicação do Juiz Dr. Raul Machado, dando-lhes conta da necessidade de assegurarem livre e isolado entendimento entre Luiz Carlos Prestes e o seu defensor ex-officio, ofere­ceram a seguinte resposta: "além da presença de uma praça da Polrcia Especial pa­ra acompanhar todo o desenrolar da conversa entre patrono e cliente, foi exigida a exibição de tod(!s as cópias que o Suplicante tinha em mãos,e relativas a petições e cartas ligadas aos interesses da defesa e da situação carcerária do referido acusa­do, para que fossem submetidas á prévia leitura do chefe do dia naquele quartel da Polreia Especial" (doc. junto sob n91 I.

Tais são os precisos termos da petição que a Defesa, em 28 do mês findo, apresentava ao Juiz, Dr. Raul Machado, para in.formá-Io de que novos e mais vexa­tórios impecilhos tinham sido criados à comunicação entre Luiz Carlós Prestes e o seu patrono.

Que providências resultaram deste novo apelo do advogado ora recorrente? Atentem os Srs. Ministros .para o despacho do então Dr . .juiz Preparador: "Algu_

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mas das sol icitações feitas pelo requerente já foram deferidas por este Ju ízo, que a isso se limitou dentro da sua estrita órbita judiciária. Outras dizem respeito à administração do presídio, não havendo, pois que deferi-Ias o Juiz".

Que fazer, nesta conjuntura, se i) próprio Dr. Juiz Preparador achava que não estava "dentro da sua_ estrita órbita judiciária" o fazer com que meros agentes policiais se submetessem às suas decisões? Se uma autoridade judiciária declara que os seus de!õpachos podem ser impunemente desacatados pelos agentes subalter­nos do Poder Executivo,' que providências poderia tomar, em face deste abuso, o impotente advogado de Luiz Carlos Prestes?

Mas, Srs. Ministros, não pararam aí os desacatos ostensivos e brutais aos direitos da defesa. No. regime de força em que nos mergulharam, só um argumento vale:- a violência; só uma vontade sabe impor-se: a dos agentes do Poder Executivo. Ora, neste processo ·de cunho e natureza nitidamente policiais, a Defesa parecia querer faz~r prevalecer outro argumento: o da razão, e outra vontade: a do direito. Urgia; pois, chamá-Ia à nossa triste realidade.

Não tardou muito que se oferecesse às autoridades policiais desta Capital a oportunidade de vencer, em luta inglória, os atrevimentos da Defesa ingenuamente confiante nas suas imunidades. Dirigindo-se ao Quartel da Pol(cia Especial para en­tregar ao respectivo Comandante, um requerimento onde pedia se lhe permitisse passar às mãos de Luiz Carlos Prestes peças de roupa que a Mãe dele lhe mandara de Paris, - visto não ter conseguido esta autorização do Dr. Juiz Preparador, con­siderado para tal fim única autoridade competente pela própria Polícia -,(doc. junto sob nQ 2) resolveu o defensor deste acusado também com ele se defrontar, aproveitando, assim, a sua 'ida àquele Quartel. Mal se viu na presença do seu advo­gado, Luiz Carlos Prestes entregou-lhe longo documento escrito,- que pôde redi­gir após medidas obtidas pela Defesa -, e cuja devolução, entretanto, logo solici­tou, ao ser advertido pelo Comandante da Polícia EspeCial que tal escrito deveria ser submetido à censura do Sr. Capitão-Chefe de Polícia. Passou, então o acusado a lê-lo em voz alta, sendo, porém, impedido de prosseguir na sua leitura, após uns dez minutos do seu início, por ordem do mesmo Comandante, que entrou a exi­gir-lhe que passasse às mãos dele o referido documento. Seguiu-se, como era natu­ral, a recusa peremptória de Luiz Carlos Prestes, nisto apoiado pelo seu defensor. Inutilmente rasgou este indiciado o seu escrito, pois os seus guardas, - na vista mesmo do patrono -, lançaram-se sobre o prisioneiro, e; após, pequena luta, onde não tardaram em subjugá-lo, arrebataram-lhe aquil.o que escrevera para o seu advo­gado! lavrando ali mesmo o seu protesto, renovado' mais tarde por escrito, em petição dirigida ao CO!llandante da Pai ícia Especial, a Defesa deu de tudo conhe­cimento ao Dr. Juiz Preparador (doc. junto sob n9 3).

Esta autoridade se limitou, como das vezes anteriores, a despachar, textual: mente:"Quanto ao relato feito no presente, do fato a que alude, não estão dentro da estrita órbita judiciária as providências' que no caso éouberem. Dirija-se a defe­sa, querendo, à autoridade competente".

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Para que prosseguir mais? Há enumerações que estão no conhecimento de todos. Há demonstrações que aborrecem tão evidente e palpável é aquilo que se quer demonstrar_ Assim, o com que nos defrontamos não foi uma ação judiciária, alheia às paixões ambientes foi um inquérito policial, que se procurou revestir, na sua fase final, das aparências de um processo judicial. Neste não se quis ouvir a voz dos acusados_ A preocupação, pelo contrário, foi abafá-Ia , para impedir que, sob os escombros dos lutuosos acontecimentos de novembro de 1Q35, aparecesse o mundo de anarquia mental e de des~gregação administrativa que enche de inquie­tação os que, nesta época de destruição de todos os valores morais, se interessam sobretudo pelos destinos do reinado da justiça_ Os clamores, pois, da Defesa alheia ao tumulto das facções em luta, não encontraram eco. Apenas o Conselho da Or­dem dos Advogados da Seção do Distrito Federal esboçou um gesto elegante. Diante dos apelos do defensor de Luiz Carlos Prestes ( docs_ juntos sob n9 4 e 5), oficiou ao Sr. Presidente do Tribunal de Segurança Naci0':1al ( doc. junto sob n9 6 ), encarecendo a necessidade urgentíssima de ser- assegurada a garantia da "co· municação entre o advogado e o cliente, sem interposição de pessoas, nem assis­tência de terceiros".

Logo 'lhe veio, porém, ao Conselho da Ordem o desengano. A autoridade judiciária, a. que recorrera, advertiu sem pestanejar: "Já havendo recomendada providências no sentido de ser assegurada aos respectivas advogados, na interesse da defesa, toda comunicabilidade com os presas recolhidos aos diversos estabeleci­mentos à disposição da Tribunal de Segurança Nacional - não pode esta presidên­cia tomar outras medidas, cabendo às autoridades competentes, de conformidade com as leis e regulamentos vigentes, as providências solicitadas ... " ( doc. junto sob n9 7 ).

Quando tão autorizados representantes da justiça cruzam, deste modo, os braços ante o inequívoco espezinhamento desta, o ânimo mesmo dos maiores li­dadores sente arrefecer os seus ímpetos de luta. Tal não se deu, porém, com o Conselho da Ordem. Varonil, foi bater, ainda que em vão, às portas do Sr. ~.1inis­tro da Justiça, para relembrar-lhe que, "grande advogado e emérito professor': seria o primeiro em reconhecer" a legitimidade das medidas postuladas e reconhecidas pelo Tribunal", entrando, por isto, a providenciar "para a sua efetivação" (doc. junto sob n9 8 ).

Não é poss{vel que o Supremo Tribunal Militar sancione, com a sua autori­dade, todas estas iniqüidades, que ora estão sendo focalizadas. Seria o afundamen­to total das nossas tradições de povo que sabe cultuar, com reverência respeitosa, os verdadeiros sentimentos de justiça. Uma sentença que, para ser proferida, esma­ga,_tranqüila e indiferente, o direito da defesa livre e independente, não pode pre­valecer, principalmente quando, afastando-se dos princípios, firmemente assenta­dos, da ciência penal, ousa erigir em "crimes autônomos" atos que são, pela natu­reza mesma da sua finalidade, meras participações de um só e mesmo "crime per­manente".

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Para o acórdão recorrida só -existem duas espécies de crime: os autônomos e os continüados Fora desta classificação nada mais existe, que mereça a atenção dos magistrados.

Nestas condições, provado que os atos atribuídos a Luiz Carlos Prestes não podem ser considerados como constituindo partes integrantes de um só "-crime continuada", cumpre encará~los como outros tantos "crimes autônomos", que precisam de ser punidos consoante a regra do art. 58 do Código Penal Militar, que diz: "Quando o criminoso for convencido de mais de um crime, impor-se-Ihe-ão as penas estabelecidas para cada um deles ... "

Contra este procedimento do acórdão, - motivado certamente pela só preocupação de impor uma pena de longuíssima duração que a sanção do art. 19 da _lei n938, de 4 de abril de 1935, não autorizava -, ergue-se, em protes­to veemente, tudo o que há de mais esclarecido nos domínios da ciência penal

contemporânea. As premissas do acórdão são infundadas. Não só a classificação por _ele

adaptada não corresponde à que hoje em dia é seguida por todos os que se dedi­cam ao estudo da ciência criminal, como também os atas atribuídos-a Luiz Carlos Prestes não podem ser desligados da unidade de ação, que, desde 1930, ele vem mantendo em face da realidade social bra·sileira. Estas duas circunstâncias, eviden­tes na sua objetividade, impedem que a conclusão do acórdão de condenação me­reça o apoio dos que, como Ju{zes de superior instância, terão de sobre ele se pro­

nunciar.-Ninguém ignora que todos"os penalistas· proclamam que existem "crimes

perm,mentes", que não se confundem com as que o acórdão denomina de "autô­nomos" e de- "continuãdos".

Com efeito, Poletti IRivista Italiana di Diritto Penal.· vaI. IV, p'g. 190) . esclarece:"A noção jurídica do crime permanente, que à primeira vista poderia pare­

cer evidenHssima, está, ao contrário, entre as mais incertas e confusas quer na dou­trina, quer na jurisprudência. Tal incerteza é devida, provavelmente.ao fato de que, por muito tempo, a figura do crime permanente estava compreendida na do crime continuado e com esta confundida: de fato, a distinção entre as duas figu· ras de crime se afirmou nitidamente só no século decorrido, sendo fixada, final­mente, a distinção entre a i'ileração de atos e a il1teração de fatos criminosos, ca­bendo a mérito principal disto primeiramente a Giuliani, e depois a Ortolan".

Aí têm os Srs. Ministros a moderna classificação, que considera "crime continuado" o que é constituído por atos criminosos de idêntica natureza, unifi· cados por uma só intenção delituosa; e que reputa, par outro lado, "crime perma· nente" b que é formada por fatos criminosos de diversas naturezas, unificados também por uma só intenção de atingir determinado fim ilegal.

Ocorre sempre, portanto, a verificação qe "crime permanente" quando existe, no dizer preciso do ilustre cientista já invocado: "19) uma vontade disposta a criar e a manter viva a violação da lei penal por Um certo período de tempo; 20) uma atitude· criminosa apta a realizar e a manter vivas, por certo tempo, as ex­tremas da própria violação jur(dica" Ilbid., pág. 198).

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Tudo isto mais aclarar-se-á desde que se atente nesta ponderação do aludi­do penalista (Ibid., págs. 200·201): "Como muitos autores observam justamente (por exemplo: Ortol_ao, Hélie, Glasser, Masucci, Campus, Manzi, etc. 1 , pode-se dizer que o crime, por todo o tempo em que dura a permanência, estã,-como diz o Relatório ministerial, em via de consumação, porque, por todo este tempo, per­manecem vivas as extremas que constituem o crime, segundo a definição da lei. Isto é, há no crime permanente não um momento, mas um período de consuma-. ção, em que podemos distinguir um momento inicial e um momento final".

Apliquem-se à ação de Luiz Carlos Prestes sobre a realidade social brasileira estes princípios jurídicos elementares, e logo ela se reflitirá como o resultado coe­rente, ao largo de seis longos anos, de um só propósito, e de uma só vontade perti­naz.

O que este acus~do, quis sempre, nestes últimos tempos, e ainda agora quer é realizar no Brasil a revolução social. Esta, na sua intenção de marxista con­victo, é o órgão necessário-e fatal da implantação da democracia proletária no nos~ so meio. Nela concentrou ele todos os seus ideais, e para ela convergem todos os seus pensamentos, todos os seus atos, e todas as suas energias.

Tudo isto é, nele, mero reflexo desta diretriz da Internacional Comunista {Programme de I'internationale Communiste, pág. 30 - Bureau d'Editions - Pa­ris}: "Entre a sociedade capitalista e a sociedade comunista sé estende um período de transformação revolucionária, a que corresponde um período de transição pol(­tica durante o qual o Estado não pode_deixar de ser uma ditadura revolucionária do proletariado. A transição da ditadura mundíal do imperialismo para a ditadura mundial do proletariado abraça um longo período de lutas, de revezes e.de·vitórias do proletariado, um período de crise contínua do sistema capitalista e de cresci­mento das revoluções socialistas, isto é, de guerras civis do proletariado contra a burguesia, período de guerras nacionais, e de sublevações coloniais, que, não sendo em si mesmo movimentos socialistas do proletariado revolucionário, tornam-se objetivamente, porque abalam a dominação imperialista -, partes integrantes da revolução proletariana mundial ... ".

Empenhada em realizar esta transformação radical do edifício social e eco­nômico da humanidade, adverte, ainda, a Internacional Comun,ista (lbid., pág.31): liA conquista do poder pelo proletariado é a condição preliminar do crescimento das forças socialistas da economia, e do surto cultural do proletariado, que, trans­formando-se, a si mesmo, conscientemente, torna-se o dirigente da sociedade em todos os domínios da vida, arrasta neste processo de refundição as outras classes, e cria, com- isto, um terreno favorável ao desaparecimento das classes".

Cumpre, entretanto, aos marxistas não esquecer nunca, - previne a Internacional ( Ibid., pág. 32 ) - que esta "conquista do poder pelo proletariado, é a abolição violenta do poder da burguesia, a destruição do aparelho do Estado

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capitalista (exército burguês, polrcia, hierarquia burocrática, tribunais, parlamen­tos, etc.) substituído pelos novos órgãos do poder proletariano ... ".

Examine-se, agora, a atividade de Luiz Carlos Prestes à luz destas orienta­ções ideológicas, e logo se verificará o cunho inconfundivelmente programático de que ela se revestia. O que ele fez, enquanto se conservou em liberdade, foi simples execução de um plano pré-estabelecido, que visava dar ao prolettlriado na~ional, com as adaptações e restrições que as. condições sociais brasileiras exigiriam, a fun­ção de classe dominadora. O seu plano era, como é ainda, um só: conquistar para a classe proletária o poder pai ítico da nação. Para isto o tempo era um fator deci­sivo, e a multiplicidade de fatos ilegais, definidós em lei como crimes, outra condi­ção indispensável de êxitq. Sem a persistência, assim, de sua vontade.consciente­mente disposta a infringir, durante anos seguidos, dispositivos categóricos da nos~ sa lei penal, não poderia Luiz Carlos Prestes realizar nunca aquilo que é, hoje em dia, todo 0_ sentido da sua vida de revolucionário: a implantação da ditadura do proletariado no seio da sua nacionalidade. Ideal funesto, - tem o seu defensor ex-officio o dever de proclamar bem alto nesta hora de extrema gravidade -, mas que, pela continuidade de suas manifestações, tem a indisfarçável força de unificar todos os fatos criminosos, .imputados ao referido -acusado, e que devem ser tidos, por isto, como simples execução parcelada, no tempo, de uma só intenção, que esse ideal simboliza e corporifica.

Tais fatos não constituiriam, pois, "crimes autônomos", como decidiu o acórdão ora recorrido, mas, pelo contrário, fases distintas de um só "crime perma~ nente", cuja pena, sendo a do art. 19 da lei n938, de 4 de abri! de 1935, não po­deria nunca ser aplicada no máximo a Luiz Carlos Prestes, pois, é de bradar aos céus que se não tenha reconhecido a este acusado sequer o seu exemplar compor­tamento anterior. A sua fé de" ofício, de raro brilho, e que está junta aos autos, exigia dos seus juízes_a consideração, ao menos, de alguns minutos de leitura. Pri­mei:-o da sua turma, e de irrepreensível conduta militar enquanto permaneceu nas fileiras do Exército Nacional, Luiz Carlos Prestes mereceu de seus chefes imediatos e de seus mais graduados superiores, elogios de excepcional relevo. r-.Jão podia, pois, o acórdão ora reco'rrido, permanecer silencioso, e sem a menor explicação, sobre tão excepcional circunstância, cujo reconhecimento tanto beneficiaria a este acusado.

Foi, Srs. Ministros, à custa deste menosprezo inconcebível que se conseguiu condenar Luiz Carlos Prestes à pena tão elevada. Não parecera ainda bastànte a supressão da garantia, que a nenhum réu se nega, de organizar·e recolher as suas provas; não fora, outrossim, suficiente a usurpação real e efetiva do direito da de­fesa livre e indapendente. E que, apesar de tudo, ficava restando ao acusado um elemento que o favorecia e amparava: a sua fé de ofício. Cumpria, pois, vencer mais este incômodo obstáculo! Como consegui-lo, porém? Era muito simples:

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bastaria deixar no olvido aquele tão honroso testemunho da vida militar de Luiz Carlos Prestes I

Por tudo isto, Srs. Ministros, a sentença, que em tamanhos pecados inci­diu, pode ter sido hábil ou corajosa, mas, agr~vou, sem cautela.e sem piedade, pa­ra perpétu0 deslustre seu, os sentimentos cristãos da alma justiceira de toda uma Nação.

Distrito Federal, 24 de maio de 1937.

a.) Heráclito Fontoura Sobral Pinto

Advogado ex-officio.

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CARTA DE SOBRAL PINTO A LEOCÁDIA PRESTES,

Rio, 28 de maio de 1937.

Exma. Sra. D. Leocádia Prestes.

Ja entreguei, pessoalmente, a seu filho, as roupas e objetos que estavam em meu poder, e a que fiz alusão nas cartas de 8 e 12 do corrente, cujos recebimentos V. Exa. me acusou na sua missiv<l de 19 último.

O Comandante da Polícia. Especial, auxiliado por três subordinados seus, submeteu terno, piiamas, cuecas, lenços, gravatas, tudo, enfim, a uma Qusca e revis­ta ~ão minuciosas que gastou nesta tarefa mais de meia hora. Os lenços, eram des­fraldados contra a luz, e o cós das cuecas dobrados de milímetro em "milímetro para que pudessem_esses policiais ter a certeza de que nenhum bJlhet.e, ou serrJnha de aço, estivessem sendo remetidos por V. Exa. a Luiz Carlos Prestes. O sabonete foi partido ao meio, e os paus de chocolate miudamente quebrados, pois o Sr. Ca­

. pitão-Chefe de Polícia ordenara, no seu despacho, - que autorizava a entrega das coisas constantes da relação por mim fornecida -. que houvesse o máximo rigor na revista a ser efetuada. Por isto, as gravatas foram viradas do avesso, e o forro do terno de casimira quase que foi descosido, ato este, entretanto, que não chegou a ser praticado, ã vista das minhas ponderações, logo secundadas pelo Secretário da Corporaç§'o, de que isto implicaria na inutilização daquele vestuário.

AI' tem V. 'Exa., através deste epis?>dio rid{culo, a mentalidade dos dirigen­tes da administração que orientam os negócios públicos do Brasil. A incompetên­cia tendo ascendido a postos que exigem, para o seu bom desempenho, dotes de superior descortínio, entra, à m{ngua destes mesmos dotes, a praticar medidas de precaução, que nada resguardando, por sua inutilidade, só serve'm para colocar mal as próprias autoridades, que as põem em prática.

Para conhecimento de V. Exa., envio, com esta, cópias da petição que diri· gi ao Dr. Raul Machado, nas vésperas do julgamento, e do protesto que apresentei aO Comandante da Polícia Especial. relativamente à cena deprimente de que fui um dos atores passivos. Nessa data de 4 do corrente, o cerceamento da defesa de

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seu filho, que já era intenso,atingiu às culminâncias da brutalidade agressiva e vio­lenta. Por essas cópias ficará V. Exa. devidamente informada do que-venho sofren­do no nosso país, porque, fiel discípulo de Jesus Cristo, procuro, por entre as falhas da minha vontade claudicante, cumprir os mandamentos da Igreja Eterna.

O Dr. ~aul Machado, indeferindo o meu requerimento referente à junção aos autos dessa petição que lhe apresentava, acrescentou no seu despacho: "Quan­to ao relato feito na presente, do fato a que alude, não estão dentro da estrita órbita judiciária as providências que no caso couberam. Dirija-se à defesa, queren­do, à autoridade competente".

Recorri, como era natural ao Conselho da Ordem, que oficiou, sem demo­ra, ao Presidente do Tribunal de Segurança Nacional, encarecendo a necessidade urgentíssima de ser assegurada a garantia da "comunicação entre o advogado e o cliente, sem interposição de pessoas, nem assistência de terceiros".

Pois bem, eis o que respon-deu o Sr. Barros o&rreto: "Já havendo recOmen­dado providências no sentido de ser assegurada aos respectivos advogados, no inte­resse da defesa, toda comunicabilidade com os presos recolhidos aos diversos esta­belecimentos à disposição do Tribunal de Segurança Nacional - não pode esta pre­sidência tomar outras medidas, cabendo às autorldades competentes, de confor­midade com as leis e regulamentos vigentes, as providências solicitadas .. .".

É COm o maior constrangimento que ponho V. Exa. a par _ deste episódio, por todos os títulos lamentável, pois receio que nele V. Exa. encontre motivos para novas e sombrias apreensões relativãmente aos sofrimentos de seu filho. O coração materno tem fibras bem mais sensíveis, e muito mais profundas ...

Mas, o pedido que Luiz Carlos Prestes me fez, em conseqüência deste cer­ceamento de defesa, me obriga a expor a V. Exa. tudo o que se está passando, pois condicionei a minha futura atitude, relativamente a este pedido, à decisão que V. Exa. quisesse tomar. Para habilitá-Ia a resolver o assunto parece-me necessário expor-lhe também as origens dele. Vamos, pois, ao que nos interessa.

Na última vez que estive com o-seu filho, ele me disse, em resumo: Estava imensamente grato a tudo quanto eu vinha fazendo em seu beneH­

cio, e, sobretudo. em benefício de V. Exa. Cons~ntira em aceitar os meus gestos, que, de certo modo, vinham suavi­

zando a sua prisão rigorosa, porque eu estava agindo como advogado indicado pelo Conselho da Ordem dos Advogados neste Distrito Federal.

Entretanto, era evidente que, como advogado, eu não poderia anuir nos desrespeitos tão ostensivos e contínuos às prerrogativas da minha profissão.

Se, apesar de tudo quanto vinha ocorrendo, eu insistia em procurá-lo, era porque, cama católico, eu me sentia ligado, em consciência, ao desempenho dos pequenos misteres a que estava a me entregar, repetidamente, sobretudo para cor­responder,-com certeza, a confiança m~ternal de v, Exa.

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Ora, dada a posição em que nos colocamos, perante o problema social, de adversários intransigentemente defensores de soluções contraditórias, constituirá para ele uma humilhação estar sendo amparado por mim, principalmente porque tudo quanto eu venho fazendo encontra base e fundamento sobretudo na caridade

cristã. Está certo de que eu não deixarei de perceber que não lhe fica bem, a ele

Luiz Carlos Prestes, estar a receber esmola de Um adversário. Ao me dizer tais coisas, que preferiria me comunicar por escrito, - acres­

·centou -, se as autoridades policiais lhe tivessem permitido escrever-me, não nu· tria a mais longínqua ·dúvida de que eu compreenderia quanto de penoso havia para ele neste gesto de dispensar as minha visitas, que, na sua solidão, eram o único oásis de intelectualidade e de solidariedade humana que ainda lhe restava.

Fazia, ainda, questão de acentuar 4ue lLesta resolução nada podia haver de caráter pessoal, po!s era evidente que nos dispensávamos mútua e recíproca simpa­tia. Neste seu gesto havia, isto sim, o propósito de poupar-me novos e penoso.s aborrecimentos, da natureza daquele a que alude a petição cuja cópia ofa vai

junta. Tais, Exma. Sra. foram, se,a memória me é fiel, os termos das palavras pro­

feridas por seu filho em tom calmo, cortês, e delicado, que mal escondia a emoção sincera, e o embaraço real que dele se apoderaram nessa ocasião, e que eu a cada instante ia sentindo através da dificuldade de expressões com que_ trt!duzia o seu

pensamento. Repliquei-lhe, imediatamente, com a maior firmeza e segurança, mais ou

menos na forma que se segue: Não era exàto que, como advogado, eu devesse suspender as minhas visitas,

porque os carcereiros dele impediam a nossa livre comunicação.

O advogado atua dentro de Um Ljuadro legal que reserva para as autoridades executivas ou judiciárias as soluções por ele pleiteadas em nome da lei. Justas ou injustas Úlis soluções, cabe-lhe o dever de a elas se submeter. Incumbe-lhe, apenas, dirigir-se à autoridade superior, para a qual possa recorrer, para, escudado na força só dos seus raciocínios, obter a reforma da anterior decisão. Se esta, entretanto, for confirmada, - embora com infração da lei -, deve o advogado fazer aquilo que tal decis~o lhe permite, mas não como quem está recebendo favor, mas como quem está exercendo um direito seu, decepado em parte.

Quanto à invocação, por mim feita, constantemente, aos preceitos da cari­dade cristã, ela não visava os meus adversários comunistas, - para os quais ela não pode constituir preceito de consciência -, e sim os elementos reacionários da bur­guesia, que não cessam de apontar à execração pública os nossos semelhantes, que, por motivos que não me cabia recordar naquele instante, tinham esposado a con­

cepção marxista.

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Por outro lado, a noção verdadeira da caridade cristã, tal como Jesus Cristo a define, e a Igreja propaga, pelos seus representantes autorizados, nada tem de hu· milhante ou de vexatória. Na realidade, caridade não é sinônimo de esmola no sen­tido burguês da palav'ra; é coisa muito mais sublime. O conceito que ela exprime é o da igualdade absoluta de todas as almas. Assim, em face de Deus Onipotente, a alma de Staline, a Oe Pio XI, e a do mais anônimo operário têm em si o mesmo valor, nada havendo na natureza delas que seja capaz de distingui·las na ordem -do merecimento. O que torna uma mais valiosa do que a outra é a qualidade dos atos de que cada uma se faz a autora consciente. Se esta abraça a verdade, com sinceri­dade, e multiplica-se em atos de benemerência para com as criaturas humanas; não por vanglória, vaidade, ou desejo de alcançar louvores e elogios alheios, mas porque nessas criaturas vê irmãos seus em Jesus Cristo, o seu merecimento será, evidente­mente, bastante maior do qu~ o daquela outra alma, que difunde imprudente ou conscientemente o erro, ou que trata os outros seres humanos ou com maldade, ou, então, com generosidade que busca apenas os aplausos da opinião pública, a, por isto, inteiramente divorciada da pessoa divina de Jesus Cristo.

E não é só. A verdadeira caridade nos proíbe de que nos julguemos melho· res, ou mais. prilegiados do que os nossos semelhantes. Criatura frágil e falível, o homem, por maior que seja a sua inteligência, a sua cultura, ou as suas virtudes, não está isento do erro, do pecado, e da infâmia. Ninguém, neste mundo de pro­vações, poderá afirmar: "Desta água não beberei".

É, ainda, a caridade cristã qu'e nos impede de nos orgulharmos da nossa in­teligência, e, mesmo, da nossa Fé. Não é inteligente quem quer, cama não é ca­tólico quem se dispõe a sê-lo. Como há de ser são de mente aquele que recebeu ao nasce.r uma razão débil? Como poderá ter 8" Fé católica aquele jovem que, nascendo no seio de uma tribo africana, nunca ouviu pronunciar o nome, para mim tão sublime na sua divindade, de Nosso Senhor Jesus Cristo?

Eu não via, por conseguinte, em que as minhas visitas pudessem humilha-lo a ele Luiz Carlos Prestes, pois, não lhe estavam, cOm isto, a fazer um favor, mas a cumprir apenas o meu dever, tão sagrado para mim, como o que ele pensou aten­der ao desencadear o movimento de novembro de 1935. Tanto mais isto não cons­titui nenhuma humilhação, qua-nto, quaisquer que venham a ser as Situações de luta implacável que as nossas respectivas concepções de vida, - tão fundamental­mente contraditórias -, possam nos lançar de futuro, a caridade cristã me vedará categoricamente fazer a mais leve referência a estes modestíssimos serviços que lhe estou prestando. Se as contingências da vida nos vierem a colocar-nos um em face do outro como adversários na vida pública, eu praticarei a mais infame das ações contra a caridade cristã se ousar aludir, ainda que indiretamente, a isto que tenho agora feito como advogado ex-officio de elementos comunistas.

É claro que, homem sujeito a todas as falhas, não estarei livre de amanhã praticar uma infâmia destas, que, se vier a ser cometida, deslustrará não a caridade

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de Jesus Cristo, que será eternamente imaculada, mas a pessoa deste seu pobre e mesquinho discípulo, que, nessa hora sombria, o estaria renegando com a mesma covardia com que o, então, presumido Pedro procedeu naquele episódio da Paixão, tão consolador para a frágil natureza humana.

Cumpria, -outrossim, não perder de vista que tais entendimentos na presen­ça de autoridades policiais não eram humilhantes só para ele Luiz Carlos Prestes. A humilhação antes de atingi-lo feria ~ seu desinteressado ~dvogado ex-officio.

Como quer que fosse, porém~ o que me animava, nos meus gestos e nas minhas, atitudes, era "0 propósito sincero e puro de socorrer, na medida da~ minhas energias, a alma irmã de uma criatura sofredora. De nenhum modo, eu me permiti­ria concorrer para o vexame e a humilhação de um semelhante meu, ainda que esse fosse o maior inimigo qaquilo que é para mim todo o sentido da minha vida: a minha até hoje inabalável Fé religiosa.

Estaria, pois; disposto a me submeter à vontade dele, Luiz Carlos Prestes, desde que V. Exa. anuisse, também, aos desejos .dele. É que neste episódio não estão envolvidos apenas o advogado católico e o revolucionário comunista. Há en­tre ambos, de permeio, um coração materno, que sofre, e que chora lágrimas de agonia indefinl'vel. Tudo quanto eu já fizera, estou fazendo; e me proponho a fa­'zer até o' fim, vem servindo para consolar, um pouco,.este seu peito de anciã já tão experimentado pela dor e pela desdita. Parecia·me justo que essa alma de mãe aflita tivesse, também, a oportunidade de se pronunciar, neste debate que tantl? interessa ao seu coração agoniado.

Venha, agora, de V. Exa: a palavra definitiva, que será por mim acatada com a mesma lealdade, o mesmo desassombro, e a mesma firrneza com que procu­ro respeitar sempre os ditames da minha consciência religiosa. Alheio aos interes­ses subalternos do mundo, quero apenas trabalhar, na medida das minhas energias, para honrar o nome de Jesus Cristo, meu Mestre e meu Senhor.

Antes de terminar esta carta tão longa, para a qual procurei traduzir, em palavras singelas, o mundo de emoções que tumultuam no meu coração tão con­turbado, nesta hora de extrema gravidade para a nossa nacionalidade, cabe-me par~ ticipar-Ihe que já interpus devidamente arrazoado, o recurso de apelação para o Supremo Tribunal Militar. Na próxima semana, se Deus me permitir, enviar-Ihe-ei cópia destas Razõe~.

Agradecendo, mais uma vez, as expressões generosas que se dignou dirigir­me na sua carta de 19 do corrente, peço a V. Exa. que aceite, com as suas filhas, as homenagens do meu sincero respeito.

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CARTA DE SOBRAL PINTO A JOSÉ CARLOS MACEDO SOARES, NOVO MINISTRO DA JUSTIÇA, DE 3.6.37. .

Exmo. Sr. José Carlos de Macedo Soares.

No dia eni que V. Exa. se investe nas altas funções de Ministro da Justiça cumpro, como advogado ex-officio de Harry Berger e Luiz Carlos Prestes, o dever penoso de comunicar a V. Exa. que a administração brasileira vem mantendo, até agora, estes' dois- presos políticos fora do amparo dos salutares princípios dessa mesma Justiça, cuja g~arda acaba de ser confiada às experimentadas mãos de V. Exa.

Harry Berger está reduzido à humilhante condição de animal hidrófobo. A prisão que lhe deram é o socavão de uma escada no Quartel da PolI'eia Especial. Privado de ar renovado, de luz, e de movimento! nada lê nem jornais, nem livros, nem revistas. Não o privaram só de·toda e qualquer convivência humana. Foram além. Não lhe dão nem sequer cama e roupas. E a alimentação que lhe ministram é o que, na linguagem presidiária, chamam "meia·ração" ..

Luiz Carlos Prestes se dispõe de um bom quarto, que lhe serve de presídio, e alimentação regular, sofre a tortura alucinante da sentinela à vista, dia e noite, vendo·se atingido, tal como Harry Berger, pelo mesmo isolamento rigoroso, apenas suavizado, recentemente, pela troca de correspondência com algumas pessoas de sua familia, após a minha intervenção junto ao Tribunal de Segurança Nacional, no sentido de obter para ele semelhante franquia.

Como se todas estas iniqüidades já não bastassem para marear os. propósi­tos, aparentemente justiceiros, da repressão intentada contra os comunistas, a Administração Pública Federal timbrou em espoliar os dois acusados supra-indica­dos dos seus direitos de defesa livre e independente_ Nunca me foi facultado en­tender-me a sós com estes meus clientes ex-officio. As nossas conversações foram sempre seguidas, fiscalizadas, e censuradas por agentes do Poder Público, que che­garam ao extremo de subjugarem-, na minha presença, a pessoa de Luiz Carlos Pres­tes, para que pudessem alcançar a vitória inglória de lhe arrancarem das mãos-uma

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carta que me dirigira, na qualidade de seu advogado, e que hoje repousa, abusiva e criminosamente, numa das gavetas qa secretaria do Sr. Capitão-Chefe de Pai (cia.

I núteis foram até este instante os meus esforços no sentido de alterar esta situação, que diminui e amesquinha, antes dê tudo, a autoridade moral da nOSSa Administração.

O Tribunal de Segurança Nacional cruzou os braços. Depois de ter ordena­do a transferência de Harry Berger para um presídio onde lhe fosse restituída a sua qualidade de criatura.,racional, e após ter·me assegurado a livre comunicação-com os meus clientes ex-officio, não se animou a fazer cumprir as suas decisões, apesar das reclamações do CO'nselho da Ordem da Seção deste Distrito Federal, para o qual eu dirigi apelos reiterados.

O ilustre an.tecessor de V. Exa. fechou, por sua vez, os ouvidos aos meus insistentes clamores.' Não obstante' ter exposto a S. Exa. tudo o que se passava, providência alguma se dignou tomar.

Fiado na Fé religiosa que ilumina o coração católico de V. Exa., venho na dupla qualidade de advogado e de católico, reclamar apenas Justiça. Não é possível que V. Exa. consinta em sancionar, com uma atitude de inércia, as monstruosida­des que vêm sendo praticadas à sombra do Estado de Guerra. A obra que até agora se realizou não foi de punição_ O que eu tenho presenciado só me é lícito classifi· car como perseguição.

Não sou político, e as lutas que se processam em torno do poder não me interessam. Indiferente às competições administrativas, só uma coisa me preocupa: o reinado da Justiça.

Tudo tenho feito, dentro das minhas energias e da minha limitada capaci­dade, para obter que as autoridades brasileiras tratem a Harry Berger e Luiz Carlos Prestes como membros da espécie humana. Pouco me importa o comunismo deles. Almas resgatadas por Nosso Senhor Jesus Cristo, de Quem somos, V. Exa. e eu, humildes disdpulos, têm direito a serem tratados com humanidade e com Justiça.

Não me impressiona outrossim, Exmo. Sr., a objeção agora tão freqüente­mente recordada de que, em novembro de 1935, Harry Berger e Luiz Carlos Pres­tes fizeram brotar, na nossa vida social e militar, um rubro filete de sangue.

Este filete de sangue tem origens mu ito mais remotas. Desde Caim que ele percorre a terra, ensopando de ódio e de tristeza a história das nações. Não foram os comunistas que inauguraram, no Brasil, as lutas sangrentas, e o assassínio de companheiros dentro dos quartéis, por motivos pai (ticos.

E quando, esquecidos do nosso próprio passádo, quiséssemos atribuir a Harry Berger e a Luiz Carlos Prestes a inauguração, nq nosso meio, destes métodos de violência sangrenta, não assiste às autoridades brasileiras o direito de negar-lhes justiça, como se vêm fazendo.

Ponha tenho, Exmo. Sr., a esta obra de iniqüidade que, ainda neste instan­te, se está praticando contra ds meus clientes ex-officio. Proceda desta man~ira,

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para que possam todos os brásileiros afirmar, verdadeiros e sem lisonja, que a Jus­tiça encontrou afinal o seu Ministro.

Com as minhas homenagens, sempre ao dispor de V. Exil.,

Sobral Pinto

Rio, 3 de junho, 1937.

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CARTA DE SOBRAL PINTO A MINNA EWERT,

R ia, 11 de junho de 1937,

Exma. Sra. D. Minna Ewert.

Nada tem que me agradecer pela carta que lhe dirigi em 20 de maio p. fin­do. Venho cumprindo, apenas, o meu dever. E pode ficar certa, minha Sra., de que enquanto Deus me der forças' tudo farei, dentro dos meus recursos intelectuais, pa­ra amparar e socorrer o seu irmão.

Não sei se conseguirei obter da administração brasileira a necessária autori­zação para que a sua cunhada venha para a companhia de seu irmão, no presídio a que este tiver de ser recolhido. É verdade que o art. 14 da Lei n9 244, de 11 de setembro de 1936, que regula a matéria relativa às prisões poll'ticas diz textual­mente: "Ficam criadas cinco colônias agrícolas e penais, que o Poder Executivo localizará-convenientemente.

Parágrafo único. As pessoas internadas nas colônias agrícolas e penais PODERÃO SER ACOMPANHADAS PELA FAM(LlA".

Antes de tudo, cumpre-me indagar se o seu irmão uniu-se à sua cunhada pelos laços jurídicos estabelecidos pela lei alemã, ou se a união dele decorreu tão só da vontade firme de ambos, sem intervenção das autoridades competentes para celebrarem casamentos.

Uma simples união voluntária, desacompanhada das formalidades legais referentes ao casamento, não é de molde a me autorizar sustentar, em face da nossa justiça penal, que a sua cunhada pertence, realmente, à família de seu irmão.

Peço-lhe, assim, que me esclareça a respeito da circunstancia acima focali­zada; e, na hipótese de ter seu irmão realmente contraído núpcias legais, queira en­viar-me a respectiva certidão, devidamente autenticada pelo Cônsul brasile_iro com­petente do pafs onde o casamento se realizou.

Como quer que seja, esta hipótese s6 poderá ser examinada quando o seu irmão tiver de ser transferido para uma das colônias agrícolas a que alude o art. 14 acima indicado.

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É de meu dever, entretanto, ponderar que não será fácil, mesmO no caso de ser o seu irmão casado perante a lei com a sua cunhada, conseguir a volta pesta ao Brasil.

A razão é esta: ela foi expulsa do nosso País, mediante a instauração de um processo administrativo, estabelecido na nossa legislação. Para que lhe seja, assim, permitido tornar a entrar no Brasil é indispensável pleitear, junto ao Presi­dente da República, a revogação do seu decreto anterior de expulsão.

Bem compreenderá a Sra. que não será tarefa fácil o conseguir um ato desta natureza.

Tenho para mim- como muito mais viável esta solução, que ora lhe apre­sento, baseado no art, 21 da lei n9 136, de 14 de dezembro de 1935, que deter­mina, "FICA SUJEITO À EXPULSÃO IMEDIATA O ESTRANGEIRO, mesmo proprietário de imóveis, que praticar qualquer dos crimes definidos nesta ou na Lei n9 38 ... ".

Na conformidade deste dispositivo, desde que seja confi.rmada, pelo Su­premo· Tribunal Militar, a condenação do seu irmão, estarei em situação de pleite­ar, até mesmo perante o Poder Judiciário, que o seu irmão seja expulso do País.

Surge, aqui, um problema, e que_ vem a ser o seguinte: as autoridades bra­sileiras só poderão expulsá-lo para a Alemanha, que é a pátria de origem de Arthur Ernest Ewert,

Entretanto, o advogado inglês P. R. Kimber, que· me escreveu em março do corrente ano, em nome da Sra., me declarou, na carta que tenho em meu poder, que os governos da França, ou dos Estados Unidos da Américado Norte estariam dispostos a acolher, nos seus respectivos territórios, a pessoa de seu ir­mão, a quem dariam asilo.

Para que, pois, eu fique em condições de solicitar às autoridades brasileiras a imediata expulsão de seu irmão do território nacional, urge que um desses dois governos dê instruções ao seu Embaixador aqui no sentido de comunicar ele ao nosso Ministro das Relações Exteriores de que estará disposto a visar o passaporte que for expedido em favor de Arthur Ernest Ewert para permitir o seu ingresso ou na França ou nos Estados Unidos da América do Norte.

Se a Sra., e os seus amigos de Londres, -a que alude na sua carta de 1 do corrente; não derem tais providências, a expulsão de seu irmão terá efeitos con­traproducentes, pois determinará a sua ida imediata para a Alemanha.

Cabe-me, finalmente, dar-lhe, uma boa notícia: temos, no Brasil, um novo Ministro da Justiça. É homem bem mais generoso do que os seus antecessores. Dirigi, por isto, a S. Exa. uma carta onde expus, com a minha habitual franqueza, os sofrimentos de seu irmão, e a necessidade, imediata, de-ser melhorada a sua si­tuação. O Ministro mandou-me chamar, e, de viva voz, narrei todo o longo calvá­rio de Harry Berger. O novo titular prometeu-me_tomar urgentes providências. E no "Correio da Manhã" de hoje saiu a notícia que vai junta, pela qual a Sra.

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ficará" habilitada a verificar que as autoridades brasileiras resolveram, afinal, a­tender aos meus clamores.

Pode ficar, portanto, mais tranqüila. Daqui por diante os sofrimentos físicos, decorrentes da má instalação de seu irmão vão cessar completan:aente; e as torturas morais, resultantes do seu isolamento, vão ser muito atenuadas. O Dr. Macedo Soares é católico praticante, e dotado de real espírito de justiça. Assegurou-me, assim, que não consentirá que os presos pol(ticos sofram cercea­mentos não autorizados pela legislação penal do País, e que não encontrem jus­tificativas racionais em face da segurança do regime.

Pretendo procurar logo à tarde o Sr. Ministro da Justiça para saber de S. Exa. quais as me.didas que deliberou tomar em face da situação em que en­controu, no quartel da Polícia Especial, o seu irmão.

Na próxima carta, comunicar-Ihe-ei tudo quanto tiver ocorrido entre a data de hoje e a em que lhe for escrever.

Acreditando ter-lhe ministrado todas as -informações que mais devem in­teressar o seu coração fraterno, ponho-l!Ie, Como sempre, ao seu inteiro dispor.

Com estima e apreço,

Sobral Pinto

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CARTA DE SOBRAL PINTO A LEOCÃDIAPRESTES

Rio de Janeiro, 12 de junho de 1937.

Exma. Sra. D. Leocádia Prestes.

Desde a semana passada que seu filho está de posse da madeixa dos cabelos da sua netinha, Anita Leocádia, que V. Exa. me remeteu com a carta de 29 do mês passado.

Comunico, igualmente, a V. Exa., que já está em meu poder a sua carta de 5 do' corrente, em resposta à que dirigi a V. Exa. naquela mesma data de 29 de maio findo.

Pretendo dirigir-me, logo à tarde, ao Quartel da Polícia Especial, para en­tender-me com Luiz Carlos Prestes.

É com o coração em festa que participo a V. Exa. a profunda alteração que já sofreu o regime carcerário de" seu filho, e de seu companheiro Harry Berger. A investidura do Sr. José Carlos de Macedo Soares na pasta da Justiça teve a vir. tude de alterar, para melhor, a orientação das autoridades brasileiras, no que se refere à repressão dos fatos ocorridos no país em novembro de 1935.

No desempenho da minha função de advogado ex-officío de Luiz Carlos Prestes e Harry Berger escrevi, em 3 do corrente, ao Sr. Macedo Soares a carta, cuja cópia ora remeto a V. Exa. Quatro ou cinco dias após a entrega desta mis­siva o Sr. Ministro da. Justiça fez·me chamar, por intermédio de um amigo comum, a fim de melhor se esclarecer sobre a matéria por mim focalizada na carta em ques­tão.

Dessa conferência, que tivemos, resultou a visita pessoal do Sr. Macedo Soares ao aludido Quartel, e que foi noticiada no uDiárío de NotIcias", de hoje, nos termos do tópico, que passo, também, às mãos de V. Exa.

Ontem, à noite l o mesmo amigo comum supra mencionado , e que outro não é senão o Sr. Tristão de Athayde (Alceu de Amoroso Lima), me participou, da parte do Sr. Ministro da Justiça, que Luiz Carlos Prestes será transferido, ama­nhã ou segunda-feira, para a Casa de Correção, dessa Capital, onde lhe serão dadas

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franquias como estas: leitura de um jornal como o -"Jornal do Comércio", e de livros de caráter científico e histórico; entendimento livre com o seu advogado; correspondência regular com as pessoas de sua fam{\ja;' passeios diários ao ar livre.

Informou·me, ainda, o Sr. lristão de Athayde que Harry Berger.permane· ceria, por mais alguns dias, na Polícia Especial, mas no quarto em que se encontra atualmente o seu filho, sendo-lhe, também, concedidas idênticas franquias.

Para melhor esclarecimento de V. Exa. relativamente a tais assuntos~ junto ã presente um tópico do "Correio da Manhã" de hoje.

Em face destes 'resultados, penso, Exma. Sra., que não foram de todo inú­teis os meus modestos esforços. Diz·me a consciência que tudo quanto estava ao meu alcance fazer ~m benefício dos meus. clientesex·officioeu fiz, destemeroso e verdadeiro. Obstáculo nenhum foi capaz.de deter a minha atuação profissional. E, agora, quando anuncio a V. Exa. todos estes resultados, eu sinto quão maravi­lhosa e incoercível é a força da Fé religiosa nas virtudes infinitas de N. S. Jesus Cristo. Foi nos Seus exemplos de renúncia que eu, por entre as misérias dos meus pecadosl fui buscar o modelo das minhas atitudes, pálidas na minha imitação, mas brilhantes nas origens de que elas promanam.

Pode estar certa, Exma. Sra., de que a vitória que alcançamos, eu e V. Exa., ~ que tanto almejávamos, inspirando-nos apenas nos salutares princípios da Justiça, si3rá, para mim, um alento para novas energias, para novos esforços, para novo~ clamores, a fim de que possamos o.bter êxitos mais'brilhantes daqui por diante.

Desobrigando-me do compromisso que assumi na última carta que dirigi a V. Exa., mando, com esta, cópia das minhas Razões de Apelação

Chegou, neste instante, a minha vez de merecer um favor' de V. Exa., e que vem a ser: peço que me inform.e o qué o Sr. David Levinson declarou a alguns jor­nais de Paris. Se não for muito penoso para V. Exa., ousaria solicitar que me r.eme· tesse o texto integrai dessas notícias. É que os jornais daqui têm feito alusões a estas comunicações do ,Sr. David Levinson, fazendo resumos que dão a entender que o Sr. David Levinson, dizendo-se homem de excepcional corag"em, foi conside· rado pelo Governo Brasileiro como advogado capaz de criar às autoridades brasi· leiras sérias dificuldades. Da( pode-se deduzir que os advogados brasileiros, nesta hora sombria que tivemos de atravessar, não se animaram a cumprir a sl.!a missão de nobreza destemerosâ.

Como não me animo a fazer' ju (zos temerários, nem a praticar injustiças, gostaria de conhecer, com fidelidade e exatidão, as declarações do Sr. David Levinson, para, na hipótese de constituirem elas ofe'nsa â verdade, dirigir-me, em termos adequados, a este meu colega de Filadélfia.

Continuando, como sempre, à inteira disposição de V. Exa., aguardo as novas determinações de V. Exa. Respeitosamente,' Sobral Pinto

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CARTA DE SOBRAL PINTO AO CARDEAL DOM SEBASTIÃO LEME, DE 3.7.37.

Eminência.

Apesar de saber quanto seria grato ao seu coração de Pastor intervir jun­to às autoridades J)rasileiras para que fizessem cessar, incontinenti, as maldades e as torturas indesáitíveis que vêm sendo aplicadas, deliberada e sistematicamente, contra o comunista Harry Berger, confiado ao meu patroc{nio ex-officio, não quis nunca, até agora, recorrer ao'auxmo eficaz de V. Eminência. t. que confiava no vi­gor das minhas reclamações, e na força, incoercível, da minha argumentação cerra· da.

a entendimento que ontem tive com o Sr. Ministro da Justiça, convenceu· me, entretanto, de que não me restará outro caminho senão ir bater às portas do Judiciário, a fim de que seja cessada, uma vez por todas, esta obra de crueldade. É que a boa vontade e o espírito de justiça do Sr. José Carlos de Macedo Soares es­tão esbarrando na dureza irredutível do Sr. Capitão-Chefe de Polícia, que, auxilia­do pelas autoridades militares, se dispõe a levar avante a sua sinistra empreitada de não deixar que Harry Berger saia das suas garras senão morto.

Não quero e não devo, Eminência, criar a menor dificuldade aos poderes públicos do meu país no que diz respeito à sua superior missão de vigiar e resguar­dar a ordem pública. Não me assiste, assim, o direito de desvendar aos olhos da Nação, num debate judiciário público, as monstruosidades diabólicas que o Poder Público brasileiro, nas horas sombrias do Estado de Guerra, praticou impunemente contra uma criatura humana que se viu reduzida a uma tal condição de indignida­de ede humilhação que encheria de revolta a qualquer coração bem formado que pr~~enciasse a sua aplicação até mesmo a um cão hidrófobo. No dia, Eminência, em que eu for bater âs portas do Juçticiário para narrar, com a minha autoridade mo­ral,as infâmias levadas a efeito contra Harry Berger, posso asseverar a V. Eminência que será o primeiro golpe fundo contra a moralidade da nossa administração. Olhando para o futuro do Brasil, que me cabe, como a todos e a cada um dos bra·

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sileiros, resguardar, com entranhado patriotismo, é que me tenho detido nesta em~ preitada, que se me vem apresentando, dia mais dia, como iminente.

Mas, Eminência, o. cumprimento do dever impõe obrigações a que em cons­ciência não nos podemos furtar. E, nestas noites frias de junho e de julho, quando me vejo, e aos filhos, no aconchego reconfortante dos nossos leitos, protegidos contra a temperatura baixa pelos cobertores que nos envolvem, o meu pensamento, agoniado e opresso, voa para junto de Harry Berger que eu sei, de ciência própria,

que está sobre o lagedo, sem roupa fi sem coberta. Bem pode imaginar V. Eminência, a tristeza que me invadiu quando ouvi

do Sr. Ministro da Justiça a declaração de que não tinha forças para fazer retirar, imediatamente, Harry Berger das mãos implacáveis dos seus algozes. Talvez ... d'aqui a uns vinte dias fosse possrvel aS. Exa. providenciar esta transferência.

Não, Eminência, não e não. Eu não me conformo com esta demora. Seria uma deserção, sobretudo quando o Sr. Ministro da Justiça me declarou que a transferência de Luiz Carlos Prestes iria ser efetuada amanhã, à noite. Tremo de pavor,Emiriência, ao pensar que Harry Berger, já quase morto, como o Sr.- Minis­tro da Justiça teve ocasião de verificar pessoalmente, vai ficar entregue à sanha dos seus algozes, sem a fiscalização do seu companheiro.

Exatamente para impedir semelhante ameaça para os restos de vida de Harry Berger foi que dirigi, em 17 do mês p. findo, ao Sr. José Carlos de Macedo Soares a carta de que envio, neste instante, a V. Eminência, cópia integral.

Nada justifica, Eminência, esta permanência de Harry Berger no Quartel da Polrcia Especial. Na Casa de Correção já estão prontas as instalãções para ambos os presos confiados ao meu patrocrnio ex-offieio.

Nesta grave conjuntura, venhó apelar, como último recurso, para V. Emi­nência. Representante de Jesus Cristo, nesta Arquidioeese, V. Eminência, melhor do que ninguém, poderá, no exercício do seu munus pastoral, chamar à razão os nossos governantes, fazendo-lhes ver que ódio nada constrói, e que a maldade traz sempre, no seu bojo, o gérmen da morte e da destruição. Use, Eminência, - eu su­plico como advogado cristão -, de todo o seu prestrgio junto ao Exmo. Sr. Presi­dente da República, para, como Pastor de almas, m9strar ao primeiro magistl'ado do nosso país, que, à sombra de sua autoridade, os agentes do Poder Público nes­ta Capital estão matando, aos poucos, num suplício alucinante, a uma desprotegi­

da criatura humana. Aí fica, Eminência, o meu último e derradeiro apelo. Por Deus, não me repila. Autorizando V. Eminência a fazer desta o uso que lhe parecer necessário,

beija-lhe, filial e respeitoso, as mãos sagradas, o sempre seu.

Sobral Pinto

Rio, 3/ Julho/ 937.

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CARTA DE SOBRAL PINTO AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA, GETÚLIO DORNELLES VARGAS, DE 8.7.37.

Exmo. Sr. Presidente da República.

Advogado ex-officio de Luiz Carlos Prestes e Harry Berger por nomeação do Juiz Dr. Raul Machado e indicação anterior do Conselho da Ordem dos Advo­gados da Seção deste Distrito Federal, venho, como último recurso administrativo, antes de bater às portas do Judiciário, pleitear perante o Primeiro Magistrado de meu país que as sanções até agora exercidas contra os meus clientes ex-officio per­cam o seu aspecto de perseguição odienta, para se revestirem do caráter de uma obra de justiça serena.

Antes de vir à presença de·V. Exa. envidei todos os esforços ao alcance da

minha modesta capacidade profissional, a fim de convencer às autoridades policiais desta Capital, que tin.ham sob a sua guarda Luiz Carlos Prestes e Harry Berger, de que deviam fazer cessar, imedi.atamente, as torturas morais que vinham aplicando contra estes dois presos polftícos, e os suplfcios físicos indescritíveis, que estavam

a infligir a Harry Berger, que se vira reduzido à humilhante condição de animal hi­drófobo.

Como, em fins de janei;o do corrente ano, o Juiz Dr. Raul Machado me in­

deferisse a petição em que solicitava a remoção de Harry Berger para outro local apropriado à sua rigorosa reclusão, voltei a insistir no mesmo pedido, junto a esse Juiz, alegando, além dos princfpios de justiça que invocava, mais os seguintes mo·

tivos: li • • " num país que se rege por uma tal legislação, que os Magistrados tim­bram em aplicar, para, deste modo, resguardarem os próprios animais' irracionais do.s maus tratos até de seus donos, não é poss(vel que Harry Berger permaneça, co~

mo até agora, meses e meses a fio, com a· anuência do Tribunal de Segurança Na­cional, dentro de um socavão de escada, privado de ar, de luz e de espaço, envolto,

além do mais, em andrajos, que pela sua imundfcie, os próprios mendigos recusa­riam a vestir.

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~--~-~~--------~-----\1 Estes fatos, que o Suplicante está trazendo, por escrito, ao conhecimento

de V. Exa., assumem, neste momento, aspecto de particular gravidade, porque são de molde a prejudicar o valor e a credibilidade da própria palavra oficial.

Com efeito, o Exmo. Sr. Presidente da República, dirigindo-se ao Con­gresso Nacional, em maio de 1936, dizia: "Como Se conduziram as autoridades na dif(cil emergência - a moderação que não exclue a energia, a prudência que não diminue o zelo - está no esp(rjto de todos e na memória da população. Ape­sar da insólita brutali.dade dos atentados praticados contra a unidade nacional, da felonia e perversa indiferença que revelaram os amotinados, não houve qualquer­excesso por parte do Poder Público que não utilizou sequer, em toda a sua pleni­tude, as franquias ~ncedidas pelo Poder Legislativo, procurando, apenas, deter e punir os responsáveis, declarados e reconhecidos.

O Poder Executivo, deixando mesmo de atender ã justa indignação das classes conservadoras, manteve-se sempre sereno, não impondo castigos nem procurando servir-se do momento para aniquilar os vencidos" (Publicação número 3 do Departamento Nacional de Propaganda, pág. 13).

Tempos após, S. Exa., voltando a tratar do assunto, asseverava no discurso que, ao regressar de Petrópolis, proferiu, em Benfica: "Como procedeu o Governo, para salvaguardar as instituições, está no conhecimento e na memória de todos:­com rigor sem desumanidade, firme, sem excessos" (Publicação número 4 do De· partamento Nacional de Propaganda, pág. 6).

E para que nenhuma dúvida pudesse pairar no espírito de todos os cida­dãos, sobre a serenidade dos órgãos do Poder Executivo, o Primeiro Magistrado da Nação, com o peso de sua incontestada e incontestável autoridade, acrescentou: (lbid., pág. 10): "Posso afirmar-vos que, até agora, todos os detidos são tratados com benignidade·, atitude esta contrastante com os processos de violência que eles apregoam e sistematicamente praticam. Esse procedimento magnânimo não traduz fraqueza. Pelo contrário, é próprio dos fortes que nunca se amesquinham na luta e sabem manter, com igual inteireza, o deste mor e o sentimento de justiça huma­na",

Ora, Sr. Juiz, o Tribunal de Segurança Nacional, mais do que qualquer ou­tra instituição do país, deve honrar a palavra do Exmo. Sr. Presidente da Repúbli­ca, que, em circunstâncias tão solenes, - como já foi acentuado -, assegurou, rei­teradamente, ~ toda a Nação, que nenhum preso político seria tratado com desu· manidade".

Tomando conhecimento deste novo pedido meu, o Juiz Dr. Raul Machado acabou, afinal, por deferi-lo, dando ordens, logo a seguir, ao Sr. Capitão-Chefe de Polícia, para que fizesse transferir para a Casa de Detenção o meu cliente ex-of­ficio Harry Berger.

Pois bem, Excelência, até esta data, o Sr. Capitão-Chefe de Polícia timbrou em desacatar, ostensiva e arrogantemente, esta ordem do Juiz Dr. Raul Machado,

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que, apesar das minhas constantes e repetidas reclamações, não se animou a afron­tar a resistência ilegal do executor do.Estado de Guerra nesta capital.

Inutilmente me dirigi ao Conselho da Ordem e ao Sr. Ministro da Justiça de então. Tudo permaneceu na mesma. E, deste modo, o Sr. Capitão-Chefe de Po­I(cia, esquecido de que tirava é repressão do comunismo toda a sua justificação legal, era o primeiro a dar ao pafs o exemplo do desrespeito ã lei e do desacato à própria Justiça Especial, pois, como V. Exa. não ignora, o art_ 212 da Gonsolida­ção das Leis Penais, aprovada eadotada pelo decreto número 22.213, de 14 de dezembro de 1932, não tolera que a execução de uma ordem judicial seja retar· dada por aquele que recebe a incumbência de fazê-Ia cumprir.

Não desanimando na tarefa de chamar à razão as nossas autoridades po­lici~is, dirigi-me ao ·atual. Sr. Ministro da Justiça no dia da sua posse, para, em traços pálidos, descrever os maus tratos físicos e morais de que vêm sendo as vítimas inermes, nas mãos dos seus carcereiros implacáveis, Harry Berger e Luiz Carlos Prestes. Em carta que escrevi a S. Exa., mostrei que Harry Berger está metido, desde abril do ano passado, no socavão de uma escada, sem luz, sem ar renovado, e sem a menor possibilidade de se locomover. Aí permanece dia e noi­te, privado de cama, de cadeira, de banco, de mesa, de roupas e de higiene. Nada lhe dão, nem mesmo a alimentação indispensável. Por isto, Excelência, de robusto que era, Harry Berger, - reduzido a pele e osso -, se transformou numa sombra de homem.

Não satisfeitos com estes supl(cios físicos, aplicados, fria e conscientemen­te, a ·Harry Berger, os agentes de pai (cia do Governo de V. Exa., infligem torturas morais alucinantes aos meus clientes ex-officio mantendo-os dentro da mais ab­soluta e rigorosa incomunicabilidade, hoje suavizada apenas relativamente a Luiz Carlos Prestes pela correspondência que a este é permitido ter com·a sua mãe e a Sua mulher, que se acham, atualmente, em Paris e em Berlim, respectivamente. Exclu(do o meu entendimento pessoal, - e sempre na presença de um agente do Poder Público -, Luiz Carlos Prestes e Harry Berger são conservados, permanen­temente, fora de todo e qualquer convívio humano, e dentro de um tal isolamento que não sei como ainda não enlouqueceram; Nada lêem: nem jornais, nem revistas, nem livros. De nada sabem, porque há proibição absoluta de os informar sobre qualquer coisa do mundo exterior. Não vêem, nessa prisão rigorosa, senão os seus habituais carcereiros.

ASSIm, Exmo. Sr. Presidente da República, enquanto que V. Exa. empe­nhava solenemente, até em atos oficiais, a palavra austera do Primeiro Magistrado da Nação de que o Poder Público não impusera castigos, nem procurara aniquilar os vencidos, os executores do Estado de Guerra, opondo fqrmal desmentido âs asseverações de V. Exa, reduziam os meus clientes ex-officia à situação que acabô de descrever.

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o atual Sr. Ministro da Justiça teve ocasião de verificar, pessoalmente, tu­do quanto estou a informar, agora, a V. Exa .. Disposto a ser, na realidade, verda­deiro Ministro da Justiça, S. Exa. mandou preparar na Casa de Correção desta Ca­pital instalações, seguras e higiênicas, para servirem de prisão.a Luiz Carlos Prestes e Harry Berger , que se sentiriam, deste modo, restitUl'dos à sua condição de cria­turas racionais.

Estas instalações, ExcelênCia, estão prontas desde 26 do mês passado, co· mo tive a oportunidade de verificar em pessoa.

Entretanto, apesar da boa vontade do Sr. Ministro da Justiça, a transfe-rência de Luiz Carlos Prestes e de Harry Berger não se efetuou. .

Na esperança de que V. Exa. não consentirá que a palavra autorizada do Chefe da Nação continue, como até agora, a ser desprestigiada e desvalorizada pela ação ilegal e abusiva dos agentes subalternos do Poder Público, aqui fica o meu apelo em favor de Luiz Carlos Prestes e de Harry Berger, que têm direito a serem tratados como membros da famma humana.

Como homem, como cristão, como brasileiro, e como advogado venho a­firmar na presença do Exmo. Sr. Presidente da República do meu país que Luiz Carlos Prestes e Harry Berger não se viram, até este instante, a braços com l:lma obra de justiça. As sanções brutais e desumanas que lhes têm· sido· aplicadas nada têm que se pareça com uma obra desta natureza. O que fizeram e estão fazendo contra eles foi e está sendo empreitada sinistra de aniquilamento físico e moral.

Ponha, Excelência, paradeiro definitivo a esta empreitada de ódio. Por amor às nossas tradições de povo cristão, faça V. Exa. que seja respeitada ao me­nos a determinação da própria Justiça Especial, que, por intermédio do Juiz Dr. Raul Machado, já proferiu, neste episódio lamentável, a sua decisão definitiva.

Autorizando V. Exa. a fazer desta o uso que melhor convier ao seu Gover­no, rendo a V. Exa. as homenagens do meu respeito e da minha consideração.

Sobral Pinto Advogado ex-afficia

Rio de Janeiro, 08 de julho de 1937.

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CARTA DE SOBRAL PINTO A LEOcADIA PRESTES. Rio, 10 de julho de 1937.

Exma. Sra. D. Leocádia Prestes

Meus parabéns. Desde anteontem que o seu filho se encontra na Casa de Correção, recolhido no local que o Sr. Ministro da Justiça- mandou_ preparar para ele e para f!arry Berger. Com ,ele estive horas após a sua transferência. Mostrava-se satisfeito com o fato, ... se é que é possível a seu filho ter alguma satJsfação no meio de tantos reveses. Em todo o caso disse-me que considerava a sua remoção para a Casa de Correção mais do que um grande alívio físico e moral, porque nela. havia uma grande vitória.

Para' dar C) V. Exa. uma impressão de co mó essa transferência se efetuou, envio a publicação feita a respeito pelo "Diário de Notícias""de ontem. Com pe­quenas adulterações, próprias de todo e qualquer noticiário jornalfstico, foi isto narrado no recorte junto o que se passou, mais ou menos.

Na SUa nova prisão Luiz Carlos Prestes sente-se restituído à sua dignidade humana. A administração do presídio mostra-se à altura dos seus deveres penosos. Trata-o com o respeito e a consideração que um preso político deve de merecer sempre das autoridades administrativas. Para dar a V. Exa. uma idéia da mudança radical do regime carcerário basta-me comunicar a V. Exa. que, desde o seu ingres­so na Casa de Correção, que o seu filho está lendo quase todos os jornais que se editam nesta Capital.

Logo à tarde irei novamente ã Casa de Correção, não só para fazer a mi­nha habitual visita semanal a seu filho, como também para combinar com o Dire­tor do presídio, Dr. Carlos Lassance~ uma série de providências capazes de suavi· zarem os rigores da prisão do meu cliente ex-officio. Na ligeira palestra que manti­vemos anteontem, o Dr. Lassance e eu, combinamos tratar da questão dos livros a ler. e do fornecimento de dinheiro e objetos indispensáveis ao uso diário .de seu filho, por ocasião da minha ida hoje à Casa de Correção.

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Pelo correio aéreo de quinta-feira porei V. -Exa. inteiramente a par de todas as providências que houver firmado com o Dr. Lassance para beneficiar o seu filho.

D'aqui por diante espero firmemente em Deus que tudo irá melhorando, de modo que V. Exa., além dos sofrimentos produzidos pela separação e pela"prisão em si de seu filho, não terá mais motivos para inquietações quanto ao tratamento carcerário de Luiz Carlos Prestes. Continuando, como sempre, às suas ordens,

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CARTA DE SOBRAL PINTO A LEOCÃDIA PRESTES.

Rio. 17 de julho de 1937.

Exma. Sra. O. Leocádia Prestes.

Por que me pedir desculpas pela demora com que V. Exa. respondeu as minhas cartas de 12 e 19 de junho p. findo? Quando insisto junto de V. Exa.para que acuse o recebimento da minha correspondência é porque ela leva sempre a V. Exa. alguma noHeia que interessa ao seu coração materno. Não devo, assim, permi· tir que, de. minha parte, venha a .se interromper a continuidade das informações que V. Exa.,como D. Minna Ewert, precisam de receber a respeito de tudo quanto acontece, entre nós, relativamente à vida carcerária de Luiz Carlos Prestes edeHar. ry Berger, bem como ao· processo crime em que foram envolvidos.

Aquiete-se, pois, V. Exa. O atraso com que V. Exa.me respondeu não me trouxe quaisquer prejuízos ou contrariedades, não merecendo. por isto, nenhuma lamentação de sua parte. A carta de V. Exa.,datada de 10 do corrente, veio no mo­mento opoytuno, porque já preparara todos os documentos e recortes de jornais. que tinham acompanhado as minhas cartas de 12 e 19 de junho p. tindo. para fa­

zê.los seguir pelo correio aéreo de hoje. Cabe· me, outrossim, comunicar a V. Exa.que, juntamente com os cabelos

da sua neta Anita Leocádia, entreguei a seu filho a carta que a sua nora, Olga Pres­

tes, a ele dirigiu em 15 de maio do corrente ano. A situação carcerária de seu filho melhorou de maneira considerável, como

V. Exa,já foi informada pelas notícias que lhe mandamos seu filho e eu, em cartas que escrevemos, pelo avião de 10 deste mês. Neste sentido tive até a oportunidade de dirigir ao "0 IMPARCIAL", desta Capital. a carta de qUe dá notícia o recor·te junto, que destaquei desse órgão de publicidade, na sua edição de 13 do corrente.

Animado com este sopro·de justiça, que ora areja o ambiente político do País, dirigi ao Sr. Ministro da Justiça a petição de que ora envio a V. Exa.a respec­tiva cópia, para requerer que fosse entregue ao Diretor c;Ja Casa de Correção, à dis· posição de seu filho, que a aplicaria aos fins permitidos pela lei carcerária. a quan-

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tia que a Polícia desta Capital apreendeu em poder dele, por ocasião da sua prisão. Julgo que pelo próximo correio aéreo estarei em condições de informar a V. Exa. sobre o despacho que tal requerimento mereceu do Ex·mo. Sr. José Carlos de Ma­cedo Soares.

Tenho a dizer, igualmente, a V. Exa.que encaminhei ao Sr. Ministro Rela­tor da apelação crime n94.899, que contém o recurso que interpus para o Supre­rT).o Tribunal Militar da sentença qu~ condenou seu filho, a petição em que pedi a junção aos autos das"cartas que V. Exa.dirigiu aos Ju(zes do Tribunal de Seguran­ça Nacional, e aos Ministros do referido Supremo Tribunal Militar. Para conheci­mento de V. Exa.,envio, com esta, uma cópia da mencionada petição.

Como vê V. Exa.,tudo venho fazendo, nos momentos oportunos, para sua· vizar a situação penosa de seu filho. Se mais não·tenho feito é porque ou não dis­ponho de elementos capazes de me ajúdarem, ou as deficiências da minha modesta capacidade não me perinitem apreender ,por entre a comple.xidade da sua átuação, o verdadeiro sentido do pensamento e dos .propósitos exatos de ~uiz Carlos Pres· teso O'aí os equívocos de que fala V. Exa., na carta a que respondo, sobre a natureza real dos acontecimentos·de 27 de novembro de 1935, ne,sta Capital.

Como V. Exa. naõ ignora, Luiz Carlos Prestes proibiu, terminante e catego· ri~amente, que eu apresentasse, em seu/avor, qualquer defesa. E na carta que a V. Exa. dirigiu o Or. Eugênio Carvalho do Nascimento dizia ele em 10 de maio do cor· rente ano: "Como sabe, Prestes não vem se defendendo e nem pretende defender­se do crime político, pelo qual foi condenado no Tribunal de Segurança". Fiquei entregue, assim, às minhas próprias forças, obrigado ou a cruzar os braços, silen· cioso, ou, então, a explicar ao País, e sob a só responsabilidade da minha perso­nalidade, os motivos que levavam o meu cliente ex-officio a não se defender da acusação que lhe estava sendo movida. Nesta alternativa, a comodidade me indica­va o primeiro caminho, que eu poderia trilhar e retrilhar com seguran.ça tanto ma.ior quanto as regras profissionais não o desautorizam, nem condenam.

Repugnava, porém, ao meu espírito justiceiro tomar o rumo desta inércia, quando eu via o seu· filho entregue à sanha dê seus implacáveis perseguidores, nos quais eu percebia uma inspiração subalterna· de esmagamento do adversário venci­do, e não o anseio superior de uma obra de justiça a ser levada a efeito com ener· gia, mas, também, com dignidade e com serenidade.

Certo, penoso e árduo seria o segundo caminho. Seguindo-o eu ter!a de tra· balhar intensa·mente. A cada passo iria tropeçar em aborrecimentos pessoais e pro­fissionais de todo o gênero;

Deliberei, entretanto, afrontar todos os riscos, para só dar ouvidos aos dita­mes da minha consciência de advogado católico. Entregue ao meu patrocínio ex--officio estava u~ semelhante meu, que fora espoliada· dos seus direitos mais elementares. Cumpria acudi-lo com os· recursos da minba minguada capacidade profissional. Foi o que fiz, indiferente às censuras de uns, e surdo às mofas de ou·

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tros, que chegaram a me classificar de intrometido pelo fato de estar a reivindicar para Luiz Carlo,s Prestes, e contra a sua expressa vontade, garantias que ele não estava a reclamar.

Não me arrependi, não me arrependo, e espero em Deus que não me arre­penderei da atitude que assumi, até agora, e que continuarei a manter até o fi'm da jornada, relativamente à minha intervenção COmO advogado neste processo instau­rado contra aqueles que, justa ou injusta'!1ente, foram declarados cabeças ou co­réus do movimento de 27 de novembro de 1935. Ê que agi norteado pelo nobre ideal cristão de ajudar, na medida das minhas poucas forças, os meus semelhantes que estavam sofrendo, e que ou apelaram para mim, como aconteceu com o Barre­to Leite Filho, o Roberto Sisson, e outros, ou que foram entregues ao meu patroc(nio ex-officio. como Luiz Carlos Prestes, Harry Berger, e outros.

Atravessei, Exma. Srê:., horas amargas e penosas. Deus que lê nos corações sabe o que sofri, e.o que estou sofrendo. De tudo me dou, porém, por bem pago, porque nada mais fiz do que cumprir, com firmeza, os deveres que a consciência me apontava. E, para coroar o meu contentamento interior, sei que V. ·Exa.e os seus exp~rii'nentaram, com a.minha atuação, a consolação de poderem se entender com Luiz Carlos Prestes, que viram, afinal, restitufdo à sua dignidade de pessoa humana, por isto que o sabem hoje bem tratado.

Hão de me perdoar, por isto, os equfvocos de que me fiz o autor incons­ciente nas minhas Razões de apelação sobre o "caráter da luta" que Luiz Carlos Prestes vem chefiando entre nós.

Até recentemente seu filho e eu nunca abordamos este assunto. Sempre achei, desde o nosso primeiro encontro, que não me assistia o direito de provocar manifestações de Luiz Carlos Prestes sobre a {ndole e o caráter das suas iniciativas, no nosso meio, em" prol da revolução social. Por força da proibição que me fizera de defendê-lo no processo instaurado perante o Tribunal de Segurança Nacional, minha atuação teria de se restringir às reivindicações que todo o homem deve fa­zer como membro da espécie humana. E, na qualidade de advogado, achando-me diante de uma condenação que,a meu ver, desrespeita dispositivos claros da nossa legislação penal. incumbia-me mostrar, à luz de documentos comunistas de auten­ticidade indiscutida, e da nossa o.rganização jur(dica, que todos os atos atribufdos a Luiz Cartas Prestes, na sentença de condenação, são meros reflexos da sua ideolo· jia revolucíonária. Não há como distingui-los, classificando a uns como executa­dos, constituindo, por isto, o crime do art. 1? da lei n? 38, de 4 de Abril de 1935; e a outros como mera preparação de nova revolução, e, como tais, passfveis d'as sanções do art. 49 da mesma lei.

Acha V. Exa, - que é nisto também secundada por seu filho -, que detur­pei a natureza 'da luta poll'tica levada a efeito pelo meu cliente eXaofficio.

É possfvel que assista razão a V. Exa, e a seu filho. Não tendo jamais com este conversado sobre esta matéria, antes de apresentar as referidas Razões de ape-

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lação, deixei-me conduzir tão só por explanações teóricas feitas, oficialmente, no VII Congresso da Internacional Comunista. Como V. Exafnão ignora, no folheto intitulado "Deux Discours", Maurice Thorez figura, à fI. 42, dizendo: "Nós, co~ munistas, lutamos pelo poder dos soviets, pela ditadura do proletariado. Sabemos que é o único meio de acabar para sempre com a crise, a miséria, o fascismo, e a guerra. Mas, sabemos também que, para o momento, uma minoria somente da classe operária, e, sobretudo, uma minoria somente do povo de França, partilha da nossa convicção, e. se bate com a firme vontade de estabelecer o poder dos so­viets. Eis porque o poder dos soviets não pode constituir o fim imediato da nossa luta atual. Mas, sendo a minoria, podemos e devemos dirigir a maioria do pa(s que está resolvida a evita.r, por qualquer preço, o estabelecimento de uma ditadura fas­cista, podemos e devemos convencer às massas, na luta e na base da sua própria ex­periêncía, da necessidade de chegar ~ república dos soviets".

Assim, Exma. Sra. a luta pela democracia e pela libertação nacional de que me fala na sua carta de 10 de julho era apenas uma fase da revolução social no Brasil. Alcançada a vitória, no momento de novembro de 1935, na base de uma frente única, Como fator polftico, Luiz Carlos Prestes não ficaria satisfeito coni a aplicação dos postulados preconizados pela sua campanhademo"crática de liberta­ção nacional,.de que se fizera, entre nós, a pregoeira leg(tima a Aliança Nacional Libertadora. Empunhando nas mãos o poder pof(tico, Luiz Carlos Prestes esforçar~ se-ia para atingir a segunda' fase da revolução social. e, uma vez transposto este se­gundo marco, marcharia resolutamente até alcançar a meta final, isto é, a ditadura do proletariado. Não sou eu quem o diz, mas· Van Min, na sua fala ao já menciona­do VII Congresso Mundial da Internacional Comunista. Ar ( Le Front Unique dans les pays coloniaux, pág. 39) diz o vigoroso comunista: "Nas condições de um pars tal qual o Brasil, onde uma aliança de libertação nacional já está criada, conti­nuando-se a aplicar de maneira justa e ousada a tática da frente popular anti-impe­rialista, facilita-se ao Partido Comunista a sua lúta e a vitória da revolução quanto à fase da frente nacional, prepara-se o terreno para o desenvolvimento ulterior da revolução na fase seguinte, mais elevada, isto é, facilita-se a luta do Partido Comu­nista que via dar ao povo brasileiro uma perspectiva da instauração do poder sovié­tico".

Foram estas, Exma. Sra., as orientações que eu segui para mostrar que to­dos os atos de Luiz Carlos Prestes estavam unificados pelo seu ideal de pregoeiro, convicto, da revolução social de tipo comunista no nosso amado Brasil.

Como jurista, que sou, e me honro de ser, cabia-me mostrar ao Supremo rribunal Militar que não há que separar, na atividade de Luiz Carlos Prestes, os atos anteriores a 27 de Novembro de 1935 dos atos que são posteriores a essa da­ta. Tódos são meras expressões de um objetivo final a atingir. Se crime há nesses atos, tal crime é um só. e não vários como afirmou o acórdão de que apelei.

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Tudo isto, Exma. Sra., eu disse sobre a só responsabilidade do meu nome, timbrando em não empenhar nessas afirmações a responsabilidade de seu filho, a quem procurei, desde o começo, resguardar de todas maneiras, para que não viesse de futuro a ser prejudicado pela atuação impertinente do seu advogado ex-off(cio. Quero ser, no seio da sociedade brasileira, e na esfera modesta e limitada da minha atuação, um elemento_ de aproximação dos corações, e nunca um fator de maiores divisões do que aquelas que já noS infelicitam.

Ao escrever a V. Exa.a respeito da campanha de descrédito !lO Brasil, de que se fizeram autores. pelo menos alguns elementos comunistas, não quiz dizer

que aqui não se maltratavam os presos poll'ticos, envolvidos nos acontecimentos de novembro de 1935. V. Exa. s'abe que fui dos mais severos críticos da política

governamental' quanto a este capítulo. Quis, apenas, dar a V. Exa. as razões pelas quais o Exmo. Sr. José earlos de Macedo Soares-ainda 'não tinha conseguido levar a efeito a transferência de Luiz Carlos Prestes e de Harry Berger para uma prisão mais digna e mais humana.

Sabemos todos que é impossível fazer, no interior ou no estrangeiro, uma campanha, em prol dos presos pai íticos, que não descambe para o descrédito do povo no seio do qual este mau tratamento é praticado. Nem há que esperar, nes­sas manifestações de protesto, qualquer espírito sincero de justiça. É que aqueles mesmo que são oS mais exaltados em E!xigir dos governos autoritários tratamento humano para os seus partidários, quando se vêem no poder incidem nas mesmas faltas, que tanto censuram nos outros.

Nada disto me causa estranheza, nem é de molde a arrefecer o meu esfor­ço em prol dos perseguidos. Cristão, acredito, firme e serenamente, no dogmã da queda. Por isto, onde quer que est.á o homem aí estará, necessariamente, a fraque­za, a tibieza, a contradição e a cegueira.

Continuando, com'o sempre, à inteira disposição de V. Exa.,aguardo, res­peitoso e solicito, as suas novas ordens.

Sobral Pinto

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CARTA DE SOBRAL PINTO A LEOcADIA PRESTES. Rio, 24 de julho'de 1937.

~xma. Sra. D. Leocádia Prestes.

Aquiete-se V.Exa. As reticências da minha carta de 10 do corrente não têm a significação que V.Exa. lhes emprestou. Com elas eu quis apenas atenuar o efeito da palavra "satisfeito", por mim empregada ao falar da sensação do seu filho quando se viu transferido de presídio. Pareceu·me usar de uma expressão desta pa­ra traduzir o sentim~nto interior de um homem que se acha preso não era muito justo, pois, bastava a só circunstância de se ver Luiz Carlos Prestes separado de sua mulher e de sua filha, que nem sequer pôde ainda conhecer, para que não se sinta nunca ele "satisfeito". As reticências, assim, de que me servi deveriam levar V. Exa. a compreender que a satisfação que o seu filho experimentava era tão somente a que decorria da mudança de prisão.

E assiste inteira razão a Luiz Carlos Prestes quando se mostra satisfeito com a sua situação na Casa de Correção. t: que aI' tem ele a liberdade de se correspon­der livremente com a sua fam(lja; de receber livros, jornais, roupa,- alimentos, e de dinheiro; de fazer passeios num pequeno pátio, bem batido pelosol. e para o qual se abre o seu cubrculo; e de se entender a sós, com o seu advogado ex-officio.

Para que V. Exa. tenha exata noção de como tudo se alterou para melhor, relativamente ao tratamento de seu filho, envio a V. Exa. cópia da minha corres· pondência com o Sr. Ministro da Justiça, com o Presidente da Ordem dos Advo. gados, com o Diretor da Cada de Correção, e mesmo com o Comandante da Pai í­cia Especial. Por estes documentos verificará V. Exa. que nada está faltando, atual­mente ao conforto de Luiz Carlos Prestes no presídio a que está recolhido.

. Ouanto à maneira pela qual foi feita a tranferência de seu filho do Quartel da Polrcia Especial para a Casa de Correção, a narrativa feita pelo "Diário de Notr­cias" não é, de certo modo, fiel, e para isto eu chamei a atenção de V. Exa.,com dizer que nela havia adulterações. Tendo ontp-m mostrado a Luiz Carlos Prestes a carta que V. Exa. me dirigiu em 17 do corrente, pediu·me que descrevesse a V.

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Exa., com minúcias, o que se passou, na realidade, e que foi o que se segue: na tar­de do dia 8 do corrente, o Comandante Queiroz foi ao quarto de seu filho para dizer-lhe que se preparasse para, naquela noite, ser removido, para a Casa de Corre­ção. Não acreditou ele nesta comunicação, pois, já por duas vezes anteriores ela fo­ra feita sem que os os atos seguissem às palavras. Às 24 horas, mais ou menos, des­se dia 8, foi o seu filho acordado pelo Comandante Queiroz, em pessoa, que justi· ficou aquele seu despertar com a necessidade de transportá-lo, a ele Luiz Carlos Prestes, para o novo pres(dio; Vestindo-se, seu filho saiu do quarto em companhia do Comandante Queiroz, que não o deixou carregar a. sua mala, que, por ordem do mesmo Comandante Queiroz, foi conduzido por uma das praças da Polícia Espe­cial. Ao chegarem ao portão que se abre para a rua, ali viu Luiz Carlos Prestes um carro-forte da Palreia, próprio para o transporte de presos, e, atrás dele, uma "li­mousine". Enquanto a mala era colocada dentro do carro-forte,- Luiz Carlos Prestes entrava na "limousine", na companhia do Comandante Queiroz e de mais três praças da Polícia Especial, todas devidamente armadas. Nessà ocasião, outra praça da Pol(eia Especial, munida de um fuzil-metralhadora, foi colocada no carro­forte. Nenhuma algema foi aplicada, nessa ocasião, aos pulsos de seu filho, que não teve, também, ocasião de ver qualquer força armada acompanhar nem o carro­forte, que ia' na frente, nem a "limousine", que àquele 'seguia. Dado o adiantado da hora, a cidade estava quase deserta, decorrendo a viage'm sem o menor inciden­te. Chegando na Casa de Correção, Luiz Carlos Prestes foi-levado, imediatamente, para o pequeno apartamento, que ali prepararam para ele e para Harry Berger sem que tivesse, igualmente oportunidade de -ver o menor aparato de força.

Aí tem V. Exa., com absoluta fidelidade, a descrição da maneira pela qual _foi feita a transferência de presídio, e, como vê, nada houve de deprimente, nem de humilhante para o seu filho.

Pela exposição que acabo de fazer, tem agora V. Exa. a certeza de que to­das as reivindicações que formulou na carta que V. Exa. escreveu em 14 de maio último aO Supremo Tribunal Militar foram atendidas, com exceção das três se­guintes: transferência de Luiz Carlos Prestes para uma Casa de Saúde, disposição livre da quantia que se encontra depositada na Tesouraria da Polícia, e recebimen­to de visitas de parentes e amigos'.

Relativamente â transferência para uma Casa de Saúde, seu filho incumbiu­me de escrever a V. Exa. de que não vê nisto a menor necessidade. Quanto és visi­tas, o regulamento do prédio dispõe que os presos poderão ser visitados tão so~ mente pelos pais, pela mulher, e pelos filhos, irmãos e parentes próximos. Tais visitas serão aos sábados, das duas ás- quatro-horas da tarde,.e não deverão durar mais de 1/4 de hora. Durante a visita o preso será vigiado por um guarda, que assistirá á conversação, e não consentirá que se lhe entreguem objetos de qualquer qualidade que seja.

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Nestas condições, ser-me~á I{cito pleitear, junto á administração da Casa. que o seu filho possa receber a visita dos parentes que aqui tem, e que são, ao que eu saiba, os primos cujos nomes se seguem: Dr. Armando Prestes de Menezes, Sr. Antônio Jacinto Prestes de Menezes e D. Maria Eugênia Guimarães, irmã de ambos, e atualmente casada com o Sr. Hugo Pereira Guimarães, filho do 'Almi­rante Protógenes Pereira Guimarães, atual Governador do Estado do Rio.

Estes primos de Luiz Carlqs Prestes são filhos do Dr. Eugênio Ferreira de Menezes e de D. _. Gertrudes Antonieta Prestes, - Nenena para os íntimos. Esta, - que já faleceu como também o seu marido -, era irmã do_ marido de V. Exa., Dr. Antônio Prestes.

Vim a saber da existência, aqui, destes sobrinhos de V. Exa., porque o Sr. Antônio Jacinto Prestes de Menezes, que reside em Niterói, à Praia de Icarai, 499, telefone 1.929, me procurou, há dias, no escritório, para me dizer que ele e o irmão dele estavam à minha disposição para me auxiliar no que fosse necessário para suavizar a prisão de Luiz Carlos Prestes. Deu-me, por ocasião desta visita, o Sr. Antonio Jacinto algumas fotografias de famnia, onde se vêemV. Exa., o Dr. Antônio Prestes, e três filhos de V. Exa., ainda em tenra idade. Levei, anteontem, todas estas fotografias a seu filho, que com elas ficou, pois, segundO me disse, estava para escrever à Exma. D. Ermelínda de Almeida Felizardo para lhe solicitar se dignasse a ele remeter um retrato de V. Exa. e do Dr. Antônio Prestes.

O seu filho, no que diz respeito às visitas, declarou-me que se tem direito 'a se entender com estes parentes, gostaria de recebê· los. Recusaria, entretanto, a ver estes primos se esta franquia for concedida em caráter de favor. Adversário intransigente dos governantes que dirigem, neste instante, os negócios públicos do Pa(s, não quer, não deve, e não pode merecer deles nenhuma concessão, que não se revista de um caráter pura e estritamente legal. Só pretende obter fran­quias que a lei, explícita e formalmente, lhe confira como um direito.

Finalmente, quanto à livre disposição da importância atualmente deposi­tada na Tesouraria da Polícia, na carta que escrevei em 17 do corrente, já pus V. Exa. a par do que estou fazendo.

Tais são, Exma. Sra. os informes que me incumbe ministrar a V. Exa. para a sua necessária tranqüilidade. Pode ficar sossegada. Tudo quanto estiver ao meu alcance eu farei para acudir âs necessidades de seu filho. Esta é a minha norma invariável para com todos os meus clientes. A advocacia é o meu sacerdócio cristão. Procuro estabelecer entre ela e os preceitos teóricos da moral evangélica uma equação perfeita, até onde isto me é permitido pelas fraquezas da minha von­tade de cristão imperfeito, e pelas deficiências do mOeu entendimento de criatura fal ível. Boa vontade, em todo o caso, não me falta. É esta que me tem levado a emprestar, nestes últimos dias, a seu filho, alguns livros capazes de o distraírem, com eficiência, na sua prisão penosa.

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Uma palavra, para terminar. Não recebi, até agora, as roupas de lã, aliás desnecessárias, neste momento, pois o tempo aqui tem estado mais para quente do que para frio. Logo que as receba, leva'las-ei, sem demora, sem que corra o ris­co de aborrecimentos iguais aos que tive com a entrega dos objetos que V. Exa. para aqui remeteu com a ·sua carta de 7 de abril.

Com as minhas homenagens, sempre ao seu dispor.

Sobral Pinto

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CARTA DE SOBRAL PINTO A CARLOS LASSANCE, DIRETOR DA CASA DE CORREÇÃO. Rio,12deagostode 1937.

Lassance,

Com uma carta, escrita de Paris em 4 do corrente, recebi de D. Leocádia Prestes, um cheque no valor de 1 :200$000 emitido contra o Bank of London &. South America.

Na segunda-feira última fui a este estabelecimento bancário onde me foi paga a import§ncia em questão.

De conformidade com o que determinava D. Leocádia Prestes nessa carta de 4 do corrente, descontei todas 'as quantias despendidas por mim em fa­vor de seu filho Luiz Carlos Prestes, e que são as seguintes: 150$000 aos escre­ventes do Cartório do Tribunal de Segurança Nacional pelas cópias.,que, a meu pedido, tiraram de num.erasas peças dos autos; 26$000 à minha datilógrafa por outras cópias que incumbi de tirar de peças que interessavam a Luiz Carlos Pres­tes; e 25$000 de duas certidões que me foram fornecidas pelo Escrivão do Tri· bunal de Segurança Nacional, Sr. Anôr Margarido. A esta import§ncia de 201 $000 cumpre acrescentar mais as seguintes, que fiz em favor de Harry Ber­ger, e consoante determinação expressa de .Luiz Carlos Prestes: 99$200 cor­respondentes à aquisição de roupas; 29$000 relativos ao fornecimento de frutas; e 20$600 referentes à compra de fumo. Temos, deste modo, um total de 349$800 gastos por mim. Ficam restando, assim, para Luiz Carlos Prestes, 850$200.

Acontece, porém, que tenno ~m meu poder, e' pertencente a este meu cliente ex-officiã a quóntia de 100$000, que ele me entregou para que eu passasse às mãos de D. Júlia Santos, dona da casa da rua Honório, 279, no iVleyer, onde Luiz Carlos Prestes se havia refugiado, em fins de 1935 oU começo de 1936, quando a Polícia passou a procurá·lo para prendê·lo.

Foi-me, entretanto, de todo impossível encontrar D. Júlia Santos, apesar de todos os meus esforços para avi.stá-Ia. Só me resta, assim, o dever de restituir

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a Luiz Carlos Prestes essa quantia de 100$000, que, juntada li anterior, perfaz o total de 950$200, que ora passo às suas mãos, para o efeito de ser levado para o poder do meu cliente ex-officiQ.

Continuando, como sempre,. ao seu inteiro dispor, envio-lhe o meu cor­dial abraço.

Sobral Pinto

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REQUERIMENTO AO RELATOR DA APELAÇÃO CRIME f>t'? 4.899 DE 28.7.37.

Exmo. Sr. Ministro Relator da Apelação-Crime n94.899.

HERÁCLITO FONTOURA SOBRAL PINTO, advogado ex·officio de Har­ry Berget, vem expor e requerer a V. Exa:

No estudo que está fazendo dos autos desta Apelação-Crime n9 4.899 já de­parou V. Exa., certamente, com inúmeras petições do Suplicante reclamando, com veemência, um tratamento humano para Harry Berger, que se encontrava recolhi­do no socavão de uma escada, sem cama, sem roupa, sem banco e onde não lhe era dado sequer gozar nem de luz, natural ou artificial, nem de ar renovado.

Bate,u o Suplicante a todas as portas. Dirigiu-se ao Juiz Sumariante. ~pelou para' o Presidente do Tribunal de Segurança Nacional. Invocou o auxílio do Conse­lho da Ordem dos Advogados. Escreveu aO Sr. Ministro da Justiça, antecessor do atual. Recorreu para o Exmo. Sr. Presidente da República. Tudo foi em vão.

No instante, porém, em que se investiu o Sr. José Carlos Macedo Soares na pasta da Justiça, o Suplicante se dirigiu a S. Exa. solicitando uma providência enérgica e imediata capaz de fazer cessar a~ humilhações c os vexames indescri­trve;s, que vinham sendo sistematicamente infligidos ao meu cliente ex-officio.

Chamando a si, nobremente, um encargo que era sobretudo das autorida­des judiciárias, - uma vez que trata-se de réu condenado por sentença cujos efei­tos não são s~spensos pelo recurso interposto -, o Sr. Ministro da Justiça fez trans­ferir Harry Berger para um quarto bom e arejado, onde dispõe de cama, de cober­tas, de cadeira, e de mesa.

A isto, e tão soment~ a isto se limitaram, até agora, as meqidas r:',oncedidas ao meu cliente ex-officio. Continuam, entretanto, todas as demais restrições, pois não lhe permitem qualquer leitura, seja de livros, revistas, ou jornais. Não lhe mi­nistraram, outrossim, até agora, nem ao mesmo a roupa de uso comum.

Reduzido, por outro lado, a uma desnutrição orgânica alarmante, como já foi verificada pelo Dr. Miguel Salles, no exame médico a que o submeteu, Harry

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Berger necessita de alimentação adequada, único meio, - segundo o Dr. Miguel Salles declarou pessoalmente ao próprio Suplicante -, de levantar as energias, já grave e seriamente comprometidas, deste .torturado preso poh'tico.

Não é possível, Sr. Ministro, que'V. Exa.possa cruzar os braços diante des~ ta obra de inqüidade contra um preso que tem, agora, o seu Recurso~Crime nas r;nãos de V. Exa. Urge uma providência firme e oportuna da parte do Relator desta Apelação·Crime n94.899.

Tendo bem nítida a noção dos meus deveres e confiando plenamente na serenidade justiceira de V. Exa.,o Suplicante vem requerer que se digne de oficiar, imediatamente, ao Sr. Ministro da Justiça determinando que se sirva de expedir as ordens necessárias ao Sr. Comandante da Polícia Especial, onde se encontra, atual~ mente, Harry Berger, que a este facilite:

1? - a leitura de livros e de um matutino, que, tendo sido indicados e esco~ Ihidos pelo preso, não tragam risco nenhum para a disciplina do quartel;

21? - o uso da alimentação que for prescrita, nas condições já referidas, pelo Dr. Miguel Salles, médico.legista da Polícia Civil desta capital;

39 -'0 recebimento' de roupas indispensáveis como paletó, calça, camisa, cueca, lenços e meias;

49 - o fornecimento do fumo que for do seu agrado.

Tudo isto devia ser fornecido pela administração policial desta Capital, que, ao prender Harry Berger, procedeu a uma rigorosa busca na sua residência, de on· de retirou tudo: "roupa, móveis, utens(lios, livros e dinheiro. Natural e normal se· ria/pois, que as autoridades policiais fossem restituindo, agora, a Harry Berger tu~ do aquilo que pudesse ser de sua utiÜdade imediata no presídio.

Dada, porém, a urgência das providências ora solicitadas, o Suplicante se prontifica a fornecer todos estes elementos indispensáv~is ao bom tratamento de Harry Berger, visto achar-se em correspondência com D. Minna Ewert, irmã do seu cliente ex~officio, e que se dispõe a enviar, até por via telegráfica, de Londres onde se acha, o numerário necessário para esta.obra de simples humanidade.

Formulando veemente e ardoroso apelo à consciência de homem e de magis~ trado, que são os melhores títulos de V. Exa.,o Suplicante espera que V.Exa. não se retirará, hoje, deste recinto onde s6 se administra justiça, sem ter antes cumpri~ do, com firmeza e serenidade, o seu dever incoercível.

Nestes termos,

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Distrito Federal, 28 de julho de 1937.

a) Heráclito Fontoura Sobral Pinto Advogado ex-offício

P. Deferimento.

CARTA DE SOBRAL PINTO A LEOCÃDIA PRESTES. Rio de Janeiro, 14 de agosto de 1937.

Exma. Sra, D. Leocádia Prestes.

Todas as determinações da carta que V. Exa. me dirigiu em 4 -do corrente, foram por mim executadas, sem demora da minha parte. Como o correio só me entregou a carta de V. Exa., com o cheque, no valor de 1 :200$000, contra o Bank of London &South America, depois das 13 horas, só me foi possível efetuar o re­cebimento desta importânCia na segunda~feira, dia 6.

Se não pude entregar a D. Júlia Santos a importância de duzentos mil réis (200$000), a que faz alus«o na referida carta de 4 de agosto, a culpa não foi mio nha.

Para exato conhecimento de V. Exa., a respeito da aplicação do dinheiro que me enviou, e destinado a seu filho, envio a V. Exa., cópia da carta que, an~ teontem, mandei ao Dr. Carlos Lassance, di-retor da Casa de Correção. Do mesmo modo, junto à presente cópia do cartão que o Dr. Eugênio Carvalho do Nasci­mento me dirigiú em resposta à carta que eu lhe havia escrito, e de que mandei cópia à sua filha Lygia.

Fiz, ontem, uma visita rápida a Luiz Carlos Prestes. Tenho~me visto asso­berbado de trabalho. Atacado, por outro lado, de uma tremenda nevralgia facial, que me inutiliza~ âs vezes, horas seguidas, por força das dores cruciantes que me assaltam, não tenho podido olhar, com a solicitude e a urgência necessárias, o caso de sua nora Olga, e de sua neta Anita Leocádia. Precisamos, entretanto, e para atender ao que me pediu o filho de V_Exa., examinar com particular atenção este aspecto da vida íntima de Luiz Carlos Prestes. Estimaria, assim, que V_ Exa. me pusesse a par de tudo quanto aí tem feito, e das exigênCias das autoridades alemãs no que se refere â libertação de sua nora Olga, e à entrega da sua neta Anita Leo~ cádia. Deste modo, poderei tentar, aqui, junto das autorida~es administrativas ou judiciárias, um procedimento que habilite V. Exa. a atuar junto das aut.oridades alemãs. Se os meus serviços puderem ser úteis a V. Exa. ou ao seu filho, estou

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inteiramente às ordens. Se preferirem, porém, recorrer a qualquer outro colega, não se acanhem, nem receiem que eu me melindre. Nestes assuntos profissionais só uma coisa me preocupa: o interesse dos meus clientes, voluntário~ oU ex~of~ ficio. Como já fiz sentir, mais de uma vez, a V.Exa., a advocacia é, para um cató­lico, mero apostolado.- Por entre as minhas falhas e os meus pecados procuro, na medida das minhas forças, permanecer fiel a este imperativo da religião de Jesus Cristo. Assim, se V. Exa., ou Luiz Carlos Prestes encontrarem dificuldades para se entenderem com outro colega que melhor con'esponda às suas expectativas. n«o há porque deixar de agir em matéria de tamanha magnitude para a vida afetiva de ambos. Os meus pequenos conhecimentos, a minha modesta capaci~ dade profissional, e o meu habitual destemor continuam, como até aqui, à disposi­

ção de V. Exa. e de seu filho. Deixo de enviár a· V. Exa. o endereço, na Europa, dÇl Sr. Orlando Leite

Ribeiro, por uma razão muito simples:· é que e:ste diplomata se encçmtra, pre­sentemente, nesta Capital, onde reside· à rua Duvivier, 43, telefone 27~8114. O posto onde está servindo é o próprio Ministério das Relações Exteriores.

Se V. Exa. quiser algum serviço dele, e não desejar a ele se dirigir, dire­tamente, pode se utilizar de mim para veículo dos seus desejos.

Finalmente, cabe-me transmitir a V. Exa. uma .sugestão de seu filho. Talvez fosse mais conveniente escrever V. ·Exa. a ele por meu intermédio. As cartas demorariam menos a chegar ao seu destino. Julgo que poderei combinar com o. Dr. Carlos Lassanc'e um processo menos demorado para as cens.uras das cartas, e, assim, teria Luiz Carlos Prestes notícias sempre recentíssimas. de V. Exa., e de todas as pessoas que tão de perto interessam ao afeto dele.

Com as minhas homenagens, receba, Exma. Sra., o testemunho do meu

mais alto apreço.

Sobral Pinto

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CARTA DE SOBRAL PINTO ti. JOSÉ CARLOS DE MACEDO SOA· RES, MINISTRO DA JUSTIÇA, DE 19.8.37.

Exmo. Sr. Ministro da Justiça.

Honrando. o apelo angustioso que D. Leocádia Prestes me dirige do seu pe­noso exílio, passo às mãos de V. Exa. a carta que.ela, aflita e esperançada, escreveu ao Sr. Ministro da Justiça do Brasil.

Católico e patriota, eu me honro com o desempenho desta missão de que me vi investido pela veneranda Mãe de Luiz Çarlos Prestes. Tudo farei, na medida ,das minhas energias' morais e da minha capacidade profissional, para evitar que o Governo bárbaro e odiento de Hitler pratique a monstruosa iniqüidade de tirar das mãos de sua mãe uma tenra criança de 10 meses.

Ao longo do tempo, n.o seio da consciência livre de todas as nações civifiza~ das, reboa até hoje, e reboará, por certo, até à consumação dos séculos, a voz da história, contando às novas gerações que surgem pata a vida, este episódio narrado, com a simplicidade tétrica, por Edmond et Jules de Goncourt (HISTOIRE DE MARIE ANTOINETTE • pág. 354 ): "Todas as dores da Rainha iam ser coroadas por uma dor suprema. Neste coração, onde tudo é chaga, a República encontrou espaço para ur:na ferida nova, e mais profunda de que todas.

No dia 3 de julho, às 10 horas da noite, os Municipais entram na prisão da Rainha. A Rainha, a Princesa Elizabeth, a Princesa Real levantaram~se ao barulho dos postigos. O Delfim se despertou. Os Municipais vêm comunicar à Rainha a de· cisão da Comissão de Salvação Pública sancionada pela Convençâo:

"A Comissão de Salvação Pública decide que o filho de Capeto seja separa· do de sua Mãe".

A Rainha correu para o leito de seu filho, que grita e se refugia nos seus braços. Ela o cobre, ela o defende com todo o seu corpo: ela se ergue contra as mãos que avançam, e os Municipais vêem que esta Mãe não quer entregar o seu fi­Ihol Eles a ameaçam com o emprego da força, e de fazer subir a guarda .•. "Ma­tai~me, então, antesl" diz a Rainha.

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Uma hora, uma hora I durou este debate entre as lágrimas e as ameaças, en­tre a cólera e a defesa, entre estes homens que assaltavam a esta Mãe, e esta Mãe que os desafiava de lhe arrancarem o filhol Por fim, os Municipais, cansados da sua torpeza, ameaçam a Rainha de lhe matar o filho: a esta palavra, o leito fica li­vre. A Princesa Elizabeth e a Princesa Real vestem a criança: à Rainha não resta­vam mais as forças suficientes para isto! Depois, inundado com as lágrimas e os beijos de sua Mãe, de sua tia, e de sua irmâ, a pobre criança, desfeita em lágrimas, segue os Municipais: ele vai de sua Mãe para Simãol".

É esta cena, cuja lembrança ainda hoje nos enche de horror e de indigna­ção, que, dentro em pouco, se vai renovar, covarde e trágica, no interior de uma prisão polftica da Alemanha.

Não ignoro, Excelência, que o ódio polftico,- que não se desarma diante de nenhuma iniqüidade -, procurará, na exaltação dos seus desvarios, dizer que Maria Antonieta era Rainha e que Olga Prestes é uma mulher do povo.

Aos que a polftica tornou, assim, cegos e coléricos responderei que a ma­ternidade não conhece distinções sacia i-s. Em face dela, nobres e plebeus, ricos e pobres, livres e escravos sofrem o peso mcoercfvel das mesmas leis da natureza. O coração materno pulsa com igual ritmo tanto nos altos cumes da sociedade como na mais bidixa esfera das camadas sociais.

Por isto, o coração de uma Rainha, não merece, na voz da História, maior proteção do que o de uma plebéia. A realeza e o trono aqui se nivelam com a hu­mildade e a sujeição.

"Se me dirijo, agora, a V. Exa. na qualidade de advogado ex-officio de Luiz Carlos Prestes, é porque não posso aliJar da minha convicção a certeza de que cabe ao Governo brasileiro a maior responsabilidade neste crime contra os direitos da maternidade, que ora se prepara, fria e cruelmente, no recinto dramático de uma prisão da outrora gloriosa Germânia.

V. Exa. poderá encontrar, em qualquer momento, nos arquivos deste Minis­tério, a cópia do ofício que em 14 de maio de 1936 o Delegado Eurico Bellens Porto dirigia ao Sr. Capitão -Chefe de Polícia desta Capital no qual dizia: "Ao en­cerrar o inquérito a que procedo sobre os acontecimentos desenrolados nesta capi­tal em novembro do ano próximo passado, cumpre-me levar ao conhecimento de V. Exa. que nos autos respectivos NÃO ENCONTRO ELEMENTOS BASTANTES QUE PERMITAM INCLUIR COMO INDICIADAS com atuação definida as estran­geiras Elisa Ewert ou Machla Lenczyeki, Carmen Alfaya de Chioldi e Maria Berg­~er Prestes que também usava os nomes de Yvonne, Olga e Maria Villar.

Trata-se evidentemente de elem~ntos indesejáveis, cuja permanência no ter­rítório nacional não é aconselhada. Por estas razões, data venia. lembro a Vossa Excelência a conveniência de contra elas serem instaurados os competentes proces­sos de expulsão, na forma da legislação em vigor."

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Se não encontraram as nossas autoridades no procedimento de Diga Sená­rio Prestes nada capaz de fazê~la sentar no banco dos réus dos nossos Tribunais, porque afastá-Ia, definitivamente, do brasileiro a quem ligara a sua vida, e a quem, dentro em 'breve, iria tornar pai, dando à luz a uma menina que dele concebera? Não foi o, então, 10 Delegado Auxiliar da Polícia desta Capital, Dr. Demócrito de Almeida, quem informou ao Sr. Capitão-Chefe de PolI·cia, em ofício dê 12 de junho de 1936, que Olga Benário Prestes "foi detida na residência de Luiz Car­los Prestes~ de quetrJ. se declara esposa"?

Como admitir, assim, justificativa para o ato do Governo Brasileiro, que entregou, consciente"e deliberadamente Olga Benário Prestes à vingança do racis­mo odiento e per~eguidor de Hitler? Cruzar as autoridades brasileiras os braços ante a iniqüidade que ora se projeta levar avante contra um coração materno, num dos pres(díos pol"fticos da Alemanha, é procedimento que se não compreende, e que a consciência cristã profliga.

Certo de que V. Exa. a quem já tanto deve a Justiça, levará em considera. ção o pedido formulado por D. Leocádia Prestes, na carta que a esta acompanha, assino-me,- respeitoso,

Sobral Pinto

Rio, 19/ agosto/1937 ..

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CARTA DE SOBRAL PINTO A LEOCÃDIA PRESTES.

Rio, 18 de setembro de 1937.

Exma. Sra. D. Leocádia Prestes.-

Não é por- descaso que não tenho escrito a V. Exa. - é por absoluta falta material- de tempo. Para conseguir aumentar os meus rendimentos de trabalho, ve­nho sacrifi~ando, diariamel)te, nestas. últimas semanas,.du~s horas do tempo qúe reservo, ordinariamente, para o sono E para agoniar, ainda mais, a minha vida já tão sobrecarregada, fiquei hoje sem datilógrafa.

Perdemos, DOr. Lassance e eu o dia todo de ontem no esforço, até agora vão, de levar um tabelião ao presldio onde está o filho de V. Exa., a fim de lavrar uma escritura pública de reconhecimento, por parte de Luiz Carlos Prestes, de sua filha Anita Leocádia. Só encontramos má vontade e medo. Todos temem sofrer a campanha, que já está sendo feita contra mim, de serem proclamados delegados do Comintern, a soldo de Stálin Certamente V. Exa. já se acha informada de mais esta perfídia inventada contra o modesto advogado, que, fiel disdpulo de Jesus Cristo, tem sabido, até este instante, colocar os deveres da sua consciência religiosa acima das suas conveniências pessoais.

Na impossibilidade de enviar a V. Exa. pelo avião de amanhã, a escritura supramencionada, e que espero fazer pelo avião de quinta-feira, mando hoje os

. documentos oficiais que atestam nada ter ficado apurado aqui contra Diga Benário Prestes. Fiz traduzir tais documentos, e legalizá-los no Consulado Alemão.

Transmito, outrossim, a V. Exa. outra notícia triste: nada consegui no Supremo Tribunal Militar, que confirmou a sentença de 1~ Instância. Vou rrn­preender novo esforço, interpondo o recurso de embargos. Seremos, desta vez, mais felizes?

Alguns partidários do filho de V. Exa. não se mostram satisfeitos com a minha atuação no processo. Querem me dar um ou mais assessores, que seriam constitu(dos por Luiz Carlos Prestes. Na próxima carta, e-quando dispuser nova· mente de minha datilógrafa, exporei minuciosamente a V. Exa. mais este ep.isódio,

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que tanta mágoa me causou. Consolo-me, porém, com as declarações do filho de V. Exa. feitas de público, de que "estando cercado, na Pol íeia Especial, só de vermes, apareceu-lhe, afinal, Um homem". Este homem fui eu. Mais adiante, na sua defesa oral, acrescentou: "O Sr. Sobral Pinto exerce a advocacia como um sa. cerdócio". Que mais pOderei eu ambicionar nesta causa, da parte deste meu cliente ex-officio? Da parte dos juízes, e da administração quero muito mais, ainda, pois, até agora, nâ'o me atenderam no que venho pleiteando:Justiça.

Não podendo prosseguir I por falta de tempo, envio a V. Exa. os protestos de meu mais alto apreço.

Sobral Pinto

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CARTA DE SOBRAL PINTO A LEOCADIA PRESTES.

R ia, 25 de setembro de 1937.

Exma.Sra. D. Leocádia Prestes.

Atendendo aO pedido do filho de V. EXij. remeto, com esta a cópia da car­ta que ele me entregou em 11 do corrente. Pretendo, logo que possa dispor de algumas horas de folga, dar resposta a esta carta, mantendo, porém, em tudo e por tudo, o tom·cordial, sincero, verdadeiro, e justo que pus sempre nas minhas rela­ções com o filho de V. Exa. Quando tiver encaminhado essa resposta mandarei a V. Exa. cópia integral dela.

Nesta data envio, diretamente, à Gestapo uma certidão com a respectiva versão alemã .. da escritura de reconhecimento da menor Anita Leocádia, cujo traslado seguiu com a carta que dirigi, em 22 do corrente, a V _ Exa.

Julgo que, com estas providências, não· me mostrei infiel aos compromis­sos que assumi para com V .. Exa., no sentido de regularizar à sombra dos recursos que o direito nos faculta, a situação, ainda tão penosa, da nora e da neta de V. Exa. Estou, por outro lado, a colher novos materiais jurídicos para ajudar a V. Exa. e ao meu cliente ex~officio nesta pugna que, alheia à espera subalterna das competições po\(ticas, interessa tão só os sentimentos afetivos de todos os mem­bros da famnia de V. Exa., tão rudemente experimentados por sucessivos e inin­terruptos reveses. Nada farei, entretanto, sem consultar previamente ao filho de V. Exa. Daqui por diante adaptarei, invariavelmente, esta norma, mesmo quando tiver de agir sob a só responsabilidade do meu nome. Quero estar a cavaleiro das crfticas dos amigos do filho de V. Exa., e de que tratei em cartas anteriores, mas apenas para dar disto conhecimento a V. Exa., reservando-me para relatar minu­ciosamente o assunto nesta carta de hoje.

Logo após o julgamento, pelo Supremo Tribunal Militar, do recurso de apelação interposto, pelos acusados, contra a sentença do Tribunal de Segurança Nacional, fui procurado por um partidário do filho de V. Exa., que me disse, mais ou menos, o seguinte: - Em face das declarações de Luiz Carlos Prestes perante o

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Supremo Tribunal Militar, um grupo de amigos de Prestes, e dos quais eu sou o emissário autorizado, achou conveniente a constituição, imediata, por parte do chefe, de três advogados. Um seria o $r., cujo afastamento do posto de defesa se nos apresenta. impossfvel; outro seria um advogado de mentalidade nacionaHiber­tadora, capaz de apreender o verdadeiro pensamento de Prestes no atual momento político brasileiro; e o terceiro um advogado de grande projeção e prestl'gio políti­co, em condições, portanto, de se encarregar da criação de um ambiente político necessário a um julgamento mais simpático da causa, por parte dos ju{zes. Nada disto será feito, porém, sem o assentimento expressivo do Sr.

Respondi, imedratamente, com a minha habitual franqueza e serenidade:­Já declarei, mais de l;Iina vez, àqueles a quem devo satisfação pelo desempenho do patroc(nio da causa de Luiz Carlos Prestes, que não pedi, nem pleiteei o mandato de que me vi investido. Uma vez, porém, que ele me foi outorgado, não vacilei Um instante sequer para aceitá-lo. Recebendo a comunicação da sua outorga respondi incontinenti que iria desempenhá-lo COm o meu ardor costumeiro, pondo. no exer­deio dele o zelo, a lealdade e o destemor com que, habitualmente, me desobrigo dos meus deveres profissionais. Longe de estar, cOm isto, a fazer"um favor, o que eu passaria a desempenhar seria apenas uma tarefa de estrito e indeclinável dever profissional. Colocava a questão neste pé, para que ninguém se visse na contingên­cia de se manifestar grato às minhas atitudes de defensor ex-officio, caso elas pudessem traz~r, no decurso do processo, algum lenitivo quer para o meu cliente ex-officio, quer para as pessoas a ele diretamente ligadas pelo afeto, ou pela co­

·munidade de ideais filosóficos ou polfticos. Se a maneira pela qual vinha agindo ti­nha causado algumas surpresas, era porque na minha pessoa se casavam as qualida­des do advogado e do católico, circunstância esta que fazia refletir no exerdcio da profissão o dever de consciência religiosa que o católico tem sempre presente nos atos da sua vida cotidiana. Assim, de um lado eu procurava ser fiel aos deveres da minha profissão, e de outro, eu me esforçava em não criar dificuldades à consciên­cia filosófica e polftica do r.,eu cliente ex-officio.

Na hora em que eu sentisse que, involuntariamente, estava sendo um trope­ço para os ideais de Luiz Carlos Prestes, declinaria, com serenidade, do meu man­dato, a fim de facilitar ao meu cliente ex-officio seguir o rumo que melhor aten­desse às suas aspirações pai (ticas.

A advocacia foi institu(da para ajudar os homens a harmonizarem os seus justos interesses no seio da~ coletividades em que eles atuam. No exercfcio dela o profissional, em hip6tese alguma, pode fazer prevalecer os seus melindres, as suas vaidades e os seus interesses pessoais em detrimento dos direitos do cliente, ou dos superiores interesses gerais da sociedade. Quando um conflito deste surge no pa­trocfnio de uma causa s6 uma solução é posslvel para o advogado que queira se manter fiel à sua missão: retirar-se da liça, desinteressadamente, para que o seu cliente readquira a Sua indispensável liberdade de movimentos.

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Desde que, portanto, a minha atúação, como defensor ex-officio de Luiz Carlos Prestes, não estava à altura das necessidades da causa, eu me prontificava, depois de ouvidos V. Exa. e Luiz Carlos Prestes, a restituir ao Conseiho da Ordem o mandato'que me fora outorgado por ele, explicapdo, sem ressentimento, e sem revolta, aos meus mandantes, a causa do meu gesto.

O que se me ap~esent~va, desde logo, como impossível, era a minha trans­formação de advogado ex-officio em advogado constitUl'do por Luiz Carlos Preso teso A luta em que eu me acho empenhado é áspera e bravia. Nela os tropeços surgem a cada momento, graves, perigosos, e quase invencíveis. Para enfrentá· los necessito mais do que a simples força da minha só autoridade moral. Preciso de estar escudado, também, no prestígio de um mandato impessoal. Hei mister, nesta dif(cil conjuntura, de ser a própria encarnação do instituto da DEFESA.

Ora, se eu, d'ora em diante, passasse a figurar como represehtante OIreto de Luiz Carlos Prestes, a minha força moral estaria muito diminu(da para pleitear aquilo que venho pleiteando. Por conseqüência, as vantagens que os amigos de Luiz Carlos Prestes pensavam obter com a mudança da natureza do meu mandato, longe de aumentarem iriam ficar vultosamente diminuidas.

Mas, desde que eu só poder.ia continuar a patrocinar â· defesa de Luiz Carlos Prestes como-advogado ex-officio, era evidente que não haveria meios, nem modos de tornar poss(vel a constituição, por parte deste meu cliente, de mais dois outros advogados, porque este último ato impUcaria na cassação automática do

meu mandato. Ante tal exposição, o partidário do filho de V. Exa. pediu· me que nada

dissesse a ni'nguém do que acabava de se passar, pois precisava de comunicar aos seus companheiros a impraticabilidade de ser levado avante o propósito da consti· tuição de mais advogados para Luiz Carlos Prestes, uma vez que, em hipótese alguma, eles concordariam com o meu afastamento do patroc(nio da causa do filho de V. Exa. .

Dali há dois dias, entretanto, outro partidário de Luiz Carlos Prestes me procurou para insistir na conveniencia de serem nomeados mais dois advogados, não para aumentar a eficiência da defesa da causa de Luiz Carlos Prestes, MAS PARA DAR·LHE MAIOR POMPA.

Renovéi, então, a este novo emissário a exposição anterior, dele ouvindo, nessa ocasião, a declaração de que, dada a minha intransigência, ficava sem efeito a sua proposta, em torno da qual se deveria fazer pefinitivo e perpétuo silêncio.

Informei, contudo, a este segundo emissário que ia dar conhecimento do que se passara ao filho de V. Exa. - coisa que já fiz -, e, em seguida, a V. Exa., coisa que estou fazendo.

Quero ser, Exma. Sra., neste transe tão cheio de apreensões para o coraçao materno de V. Exa., e de tantos e tamanhos reveses para o filho de V. Exa., a mão amiga de um modesto e impotente "próximo daquele que caiu em poder dos" (S.

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-Lucas, Capo X, V. 36) seus inimigos de classe. À mingua de outras virtudes, esfor­ço-me em imitar aquele Samaritano qUé, passando por cima dos ódios de raça, socorreu o israelita que, na estrada que vai de Jerusalém a Jericó, caiu em poder dos ladrões. Se outros advogados puderem encontrar que melhor corresponda às aspirações de V. Exa. e de seu filho, não se embarecem; estou pronto a prestar a ambos mais este serviço da minha demissão.

Com as minhas homenagens,. sempre às ordens de V. Exa.,

Sobral Pinto

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CARTA DE SOBRAL PINTO A LEOcADIA PRESTES.

Rio. 4 de dezembro de 1937.

-Exma. Sra. D. Leocádia Prestes"

Confirmaram-se, em parte, as minhas expectativas. Fui chamado à Polícia apenas para cuidar de interesses do filho de V. Exa. Como vê, Exma. Sra., eu é que estava com a razão, quando afirmava aos meu amigos, inquietos, que ainda não tínhamos' atingido o grau de deliqüescência que eles sustentavam fosse o da atual opressão.

O governo alemão solicitou ao do Brasil que indagasse do filho_ de V. Exa. onde, em que pats, e em que data Luiz Carlos Prestes se teria casado com Olga 8enário Prestes. Das respostas do filho de V. Exa. é que irá depender a situa~ ção da menina Anita Leocádia. Comparecendo ontem um delegado de Polícia à Casa de Correção para efetuar o interrogatório do filho de V. Exa., este se recusou a prestar decla~ações sem antes ouvir a minha opinião, fazendo, outrossim, ques­tão de que eu estive~se presente ao ato do seu interrogatório.

Nesta conformidade, a autoridade policial sol icitou a minha presença na Delegacia de Ordem Pol (tica e Social, a fim de que a acompanhasse até à presen­ça do filho de V. Exa., que se recusou a darquaisqueresclarecimentos antes do governo alemão declarar, oficialmente, qual a relação que possa existir entre os esclarecimentos solicitados e a situação da menina Anita Leocádia. Acrescentou Luiz Carlos Prestes que receiava que o governo alemão quissesse obter as informa~ ções indicadas para, com apoio nelas, prejudicar, ainda mais, a situação de Diga Benário Prestes.

Aproveitei a oportunidade para, com o assentimento expresso do atual Diretor da Casa de Correção. indagar do filho de V. Exa. se ele tinha recebido caro tas de V. Exa. Respondeu-me que pelo atual Diretor lhe foram entregues as cartas de 13 e de 17 do mês pr6ximo findo, faltando receber, entretanto, as cinco cartas anteriores.

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Do mesmo modo dele recebi a informação de que entregou hoje ao Diretor da Casa de Correção uma carta para V. Exa. Tal carta deve seguir pelo avião de quinta-feira próxima.

O'ora em diante as cartas para o filho de V. Exa.. devem ser endereçadas a ele para a Casa de Correção. Foi o próprio Diretor quem me solicitou que comuni· casse isto a V. Exa.

Com as minhas homenage~s, sempre à disposição de V. Exa.,

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CARTA DE SOBRAL PINTO A FRANCISCO CAMPOS, MINISTRO DA JUSTiÇA.

R ia, 4 de janeiro de 1938.

Campos,

Você sabe o desprezo que me merece o amor à irresponsabilidade, e o hor­ror que tenho ao regime da indecisão. Gosto das definições claras. e das atitudes va­ronis.

Como advogado ex-officio do Prestes e do Btnger, tenho me dirigido, ofi­cialmente, a. você, na qualidade de Ministro da .Justiça, para lhe solicitar providên­cias urgentes e necessárias no sentido de assegurar q meu entendimento, no exercí­cio do mandato que me foi confiado pela Ordem, com esses dois clientes, bem co­mo um outro, Azar Galvão de Souza, que também se encontra na Casa de Corre­ção, - estabelecimento diretamente subordinado e dependente da sua autoridade.

Você, inexplicavelmente, entregou a solução deste caso ao Negrão de Lima, que, em atitude ainda mais inexplicável, nada resolve, é, quando interpelado por mim, emprega os processos em uso nas rodas e nos meio~ pai (ticos: muitos abraços, muitos elogios pessoais, ... mas nada de uma palavra positiva, clara, e decisiva quanto ao que interessa.

Você há de convir, meu caro Campos, que um profissional da minha lealda· de, franqueza e desassombro deve de ser tratado de modo bem diferente.

Venho, por isto, apelar para você, reservando-me o direito de, logo mais, ou amanhã, vir buscar pessoalmente com você a solução deste caso.

Para habilitá·lo a tomar uma decisão justa e humana, quer por diante dos seus olhos alguns episódios desta minha luta áspera com a Polfcia desta Capital, que nunca cessou de se esforçar por esmagar brutalmente os meus clientes ex-of­ficio Prestes e Berger.

Você não ignora que durante um ano Prestes e Bergér, em virtude de or­dens diretas do Capitão Felinto .Müller, estiveram segregados de todo e qualquer conv(vio humano, e proibidos de ler o que quer que fosse, sendo de notar que o último vinha sendo mantido dentro de um socavão de escada, sem luz, sem ar reno-

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vado, sem roupas e sem cama. Tão rigoroso era o isolamento destes dois homens que nem mesmo a correspondência epistolar com as suas respectivas famnias lhes era fraqueada.

Depois de uma luta gigantesca, consegui dominar a maldade do Capitão Fe· linta Müller, num dos setores em que ela era mais intransigente: o da correspondên­cia dos meus clientes ex-officio, supra mencionados e com as suas respectivas famí­lias. Com pertinácia humana e cristã.foi-me possível obter do Juiz Raul Machado providência oportuna, rio sentido de, - por meu intermédio, e sob a fiscalização não só do Comandante da Polfcia Especial como também daquele Juiz -, se corres· ponderem Prestes com asua Mãe, irmã, e esposa, e Berger com a sua irmã e esposa.

Mais áspero foi o embate relativamente à restituição de Berger à sua condi­ção de criatura humana. Apesar de haver obtido do Juiz Raul Machado ordem ao Capitão Felinto Müller para a transferência, imediata, deste meu cliente ex-officio para a Casa de Detenção, essa transferência não se realizou porque o Capitão Felin­to Müller desacatou a ordem do Juiz, e este não se animou a:fazê-Ia cumprir, mui: to embora repetidas fossem as minhas reclamações.

Com a entrada do Macedo Soares para o Ministério da Justiça, porém, tudo se modificou. Tendo-lhe exposto por escrito, e verbalmente, tudo quanto se passa­va, consegui tirar os meus clientes ex-afficia Prestes e Berger das mãos vingativas do Capitão Felinto Müller. Assim, esses dois condenados pai (ticos foram transferi­dos para a Casa de Correção, .onde o Poder Público permitiu a estes dois homens apenas ó seguinte: a comunicação livre com o seu advogado ex-officio; a leitura de livros e jornais; e a correspondência epistolar semanal com algumas das pessoas de suas fam(ljas, residentes na Europa. Era muito menos do que' se permite aos presos

condenados por crime comum. Nunca o Capitão Felinto Müller se conformou com estes atos ligeiramente

humanitários do Macedo Soares. Concentrou os maiores esforços no sentido de re­tomar a posse destes dois condenados políticos. Seria necessário escrever um livro para expor-lhe, meu caro Campos, tudo quanto se forgicou de mentiras, de falsida­des, de imputações aleivosas contra o Diretor da Casa de Correção, e contra mim, para que se criasse um ambiente prop(cio à volta dos meus clientes ex"Officio para o domfnio esmagador do Capitão Felinto Müller, Basta·me recordar·lhe que se che· gou ao cúmulo de inventar a calúnia de que eu me fizera elemento de ligação entre Prestes e os comunistas que ainda permaneciam em liberdade.

Com o advento disto que a( está, o Capitão Felinto Müller conseguiU ex­pulsar da Casa de Correção o Dr. Carlos Lassance, - que não consentira em se transformar em joquete nas mãos dele -, e fazê-lo substituir pelo Tenente Canepa, que é pessoa a ele totalmente submissa. Num encontro que tive com esse homem dele ouvi a declaração expressa e formal de que era um simples carcereiro, executor Ii­

. teral de ordens rigorosas que lhe fossem dadas pelo Chefe de Palfciaou pelo Dr. Israel Souto. Acrescentou, nessa. ocasião, que, para ele, Prestes e Berger eram con-

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de nados iguais aos demais que se encontravam naquele presCdio, estando sujeitos, por isto às- mesmas sanções e punições dos presos comuns.

Não quero ser importuno, pelo que deixo de lhe rel~tar todo o teor da pa­lestra, quiçá discussão, que mantive com o Tenente Canepa. Limitar-me-ei a dizer­lhe, meu caro Campos, que afirmei, então, a este carcereiro, que como advogado ex~fficio, ficaria muito satisf~ito se os meus clientes conseguissem, para si, trata­mento igual ao que era dispensado aos presos comuns.

Dentro- em dias, vai-se abrir o prazo, no Supremo Tribunal Militar I para a apresentação dos embargos ao acórdão que condenou Luiz Carlos Prestes e Harry Berger às penas de 16 anos e 8 meses, e de 13 anos e 4 meses respectivamente. Ne­cessito de me comunicar livremente com eles, para cuidar da sua defesa nesta últi­ma fase do processo deles. A mesma necessidade experimento relativamente a Azar Galvão de Souza, cuja apelação vai ser julgada dentro de semanas. -

A fim de tomar o rumo que o dev~r profissional me impuser, venho bater às suas portas. E, logo à tarde, ou amanhã, conforme as h.ora~ de que puder dispor, aqui voltarei para falar pessoalmente a você sobre este assunto, a fim de obter da sua lealdade uma decisão por es~rito sobre tão importante matéria.

Aytorizando você a fazer desta o uso que melhor convier à sua administra­ção , envio-lhe o meu abraço cordial.

Sobral Pintá

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CARTA DE SOBRAL PINTO A FRANCISCO CAMPOS, MINISTRO DA JUSTIÇA_

Rio, 10 de janeiro de 1938,

Campos,

Nos regimes livres, que sabem respeitar, como pedra fundamental da estru­tura social, a dignidade pessoal do cidadão, a oposição desempenha um papel de alto relevo na boa administração da coisa pública. O oposicionista, nesses países que não se esforçam em escravizar os membros da comunhão pai ítica, é um ho­mem que, não querendo e não podendo aceitar do Governo qualquer vantagem pessoal, - pelos imperativos da sua consciênci~ doutrinária, e pelo respeito que deve a si próprio -, procura, entretanto, estimulado pelas exigências do bem pú­blico, ora criticar os atos injustos e maléficos dos governantes, ora fazer aos diri­gentes do seu país sugestões desinteressadas, mas, oportunas, que postas em prá­tica, melhorem as condições da vida espiritual, material, política, e administrativa dos seus concidadãos.

Neste regime de senzala, que o Getúlio, com sua colaboração, instituiu para o Brasil, sinto, meu caro Campos, que a Provid€ncia me reservou o papel que, nas sociedades civilizadas, exercem os homens da oposição. Preciso ser, em face do idealismo filosófico de você, do militarismo presunçoso do Góes Monteiro, e do caudilhismo branco do Getúlio, o homem disposto a dizer a verdade, à custa de qualquer risco, sem preocupações de agradar ou de desagradar àqueles aos quais ela enaltece, ou incomoda, prontificando-me, outrossim, a proporcionar ao Go­verno absolutista que aí está a oportunidade de realizar alguns empreendimentos, que só servirão para preparar para o no~so Brasil um futuro menos sombrio, e quiçá, mais feliz e mais próspero.

Varrida a tribuna política do cenário da vida pública brasileira e garroteada a imprensa livre pelos caprichos governamentais, os dirigentes já não têm, entre nós, quem lhes recrimine os abusos do Poder, ou lhes aponte, neste ou naquele domínio particular da administração a adoção de certas medidas suscetíveis de melhor atender ao interesse público. Proponho-me meu caro Campos, a suprir, na

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medida das minhas possibilidades, e dos limites estreitos de témpo, de que posso lançar mão, esta dupla função patriótica.

Se assim pretendo proceder, é porque não me alisto no número daqueles cujo lema oposicionista é simplesmente este: "quanto pior, melhor". Amo em de~ masia a terra que foi o berço e é, agora, o túmulo dos meus antepassados. Tenho, por outro lado, um carinho demasiadamente entranhado no meu coração pela Igreja que Nosso Senhor Jesus Cristo fez depositária das verdades eternas, que pre~ gou no decurso do seu apostolado terreno. Não me assiste, assim, o direito de, por ódio à escravidão pai ítica que ora domina em terras do Brasil, e pelo desprezo que me merece a ambição medíocre do PodeJ, que envenena a alma do GetúHo, deixar que a coisa pública se deprave e se desmoralize mais do que atualmente, para que com_isto se rejubilem os adversários políticos seus e do Getúlio.

Assim, tudo quanto estiver ao meu alcance para levar o Poder Público nacional e melhorar as condições da vida pública e particular de todos os brasilei~ ros, eu não deixarei de fazer com minha costumeira franqueza e lealdade, sem temer parecer importuná a você- e aos seus companheiros de Governo, e_ confor­mista aos que timbram em declarar· usurpador, - e a meu ver com justiça -, o· atual Gover~o que nos domina.

Qando execução a este meu programa, começo, meu caro Campos, por chamar a sua atenção sobre a atual campanha de rep~essão da Polícia desta Capital contra os elementos tidos como comunistas, membros da 4;;t Internacional, f(Jnd-a~ da e dirigida por Trotsky. Segundo informações que me foram trazidas por üm homem respeitável, estão presas, há mais de uma- semana, as seguintes pessoas: D. Mary Huston Pedresa, esposa de Mário pédrosa; a sogra deste último, D. Arlin~a Huston; o genro desta, Dr. Nelson Velloso Borges, e sua mulher D. Celina Velloso Borges.

O meu informante esclarece que a prisão de D. Mary Huston Pedresa, e de D. Arlinda Huston se fez com requintes especiais de leviandade e maldade, pois os investigadores que efetuaram a detenção destas duas senhoras, ao levarem~nas para a Polícia Central, deixaram em casa, inteiramente sós, 4 crianças, das quais a mais moça tinha 2 anos e mais velha 15 anos de idade. Admitindo que estas dua.s senho~ ras fossem inequivocamente comunistas, e partidárias decididas de Trotsky, não se compreende que agentes da autoridade não vejam o que há de perigoso e de som· brio deixarem 4 crianças ao desamparo numa casa inteiramente deserta! É por um ato destes que o comunismo se infiltra muitas vezes em toda uma vasta região.

Vamos, agora, a outro ponto: o meu informa'1te, que é um ancião de rara dignidade, assevera que o Dr. Nelson Velloso Borges ê homem trabalhador, dono de uma fábrica num dos subúrbios desta Capital, totalmente alheio das idéias e da propaganda marxista. A vida toda dele se divide entre as exigências do seu traba~ lho industrial, os imperativos da sua saúde, permanentemente em perigo, e a solici~ tude dos que dependem da sua economia particular. Do mesmo modo, D. Mary

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Huston Pedresa, vem dedicando, nestes últimos tempos, todo o seu esforço em prol qa criação de uma sua filha de dois anos, e da manutenção de Mário Pedrosa, seu marido, que, por alimentar idéias marxistas, puramente teóricas, se viu forçado a se esconder das autoridades policiais, continuamente à sua procura, ficando, des~ te modo, impossibilitado de trabalhar.

Não me acho habilitado a lhe dizer quais são as idéia! da D. Arlinda Hus~ ton, e de D. Celina Velloso Borges, pois o meu informante não mantám relações de' intimidade éom estas senhoras. A impressão que ele tem, porém, é de que são pessoas quiçá exaltad~s, mas sem quaisquer ligações sóliqas com revolucionários capazes de perturbarem ,a ordem pública, sendo destituídas de qualquer eficiência quanto à organização, orientação, e deflagração de um movimento revolucionário entre nós.

Lance, pois, ·as suas vistas sobre este caso, que estou a focalizar perante a sua atenção. Mais experimentado do que você, nestes assuntos, não só pela minha qualiçtade de advogado militante, como também porque, durante quatro anos, nos períodos governamentais do Dr.8ernardese doDr. Washington Luiz, tive o encargo de orientar 'e dirigir toda a re'pressão legal contra os _conspiradores e revolucioná~ rios daquelá época, afirmo~lhe que as prisões polfticas efetuadas pela Polícia não trazem, em cerca de 80% dos casos, a menor vantagem para a ordem pública, criando, pelo contrário, em torno do Governo um ambiente de malquerença ger)e· ralizada, outrossim, as autoridades militares e' poiiciais sentem~se animadas a prati~ car as maiores arbitrariedades, porque têm a consciência de. que são irresponsáveis quer perante a opinião pública, que não chega nunca a tomar conhecimento dessas arbitrariedades, ql,lér perante os supremos dirigentes do Paes, que nunca se mos~ tram dispostos·a'coibir os abusos dos seus subordinados, sObretudo porque são os primeiros a se sentirem culpados pela formação desta mentalidade totalmente divorciada da prudência e da serenidade que preside sempre, nos Estados civiliza~ dos, a situação dos dirigentes que têm a consciência de fazer parte de um governo de poderes limitados.

Esperando que você tome as providências que o presente caso reclama, per­mito~me assinar amigo e oposicionista, sempre disposto a servir a Jesus Cristo e ao Brasil.

Sobral Pinto

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CARTA DE SOBRAL PINTO AO CAPITÃO LUIZ CARLOS PRESTES.

Rio, 15 de janeiro de 1938.

Sr. Capitão Luiz Carlos Prestes.

Somente ontem à tarde me chegou ao escritório, entregue pelo Correio, a sua carta de 12 do corrente. Dela tivera, entretanto, notícia, horas antes, pelo próprio Diretor da Casa de Correção, a quem fui procurar, para que me facilitasse a comunicação com o Sr. e outros clientes recolhidos a este prcsrdio É que o Dr .. Negrão de Lima, chefe de gabinete do Sr. Ministro da Justiça, me informara que já havia expedido oHcio àquele Diretor, comunicando o despacho proferido pelo Sr. Ministro da Justiça no último dos meus requerimentos, formulado por mim a respeito do restabelecimento dos meüs entendimentos profissionais com todos os acusados confiados ao meu modesto, mas dedicado patrocínio.

Desde meados de novembro do ano passado que os livros, mencionados na sua carta, chegaram ao meu escritório. Não fui, entretanto, informado nem por carta de sua veneranda progenitora, que não me escreve desde 27 daquele mês, nem por qualquer outro meio de comunicação, que'tais livros se destinavam ao Sr. Achei, assim, que era de meu dever guardá-los até que pudesse saber qual a pessoa que os havia remetido para mim. Tanto mais razoâvel me parecia este pro" cedimento quanto, como é fácil ao Sr. compreender, recebo freqüentemente, quer de outros pontos do território nacional, como de pa(ses estrangeiros, ora enviados por livrarias, ora por amigos, residentes ou de passagem em. outras nações, re­vistas, livros, e jornais que pensam, na sua generosidade, que possam interessar ã minha insaciável curiosidade.

Peço-lhe, por isto, mil desculpas de não ter providenciado, imediatamente, para que chegassem às suas mãos os 4 volumes, que relaciona na sua carta, e que faço, agora, acompanharem a presente.

Quanto aos incômodos que pensa que me estão a causar o Sr. e a sua Mãe urge que deix~ de falar nisto: é sempre com o maior prazer que vejo chegar as oportunidades de servir aos meus semelhantes, sobretudo quando eles ·são atingi-

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dos pelos reveses ou pelas desgraças. Tenho como dever indeclinável da minha consciência cristã amparar, na medida das minhas possibilidades, e dentro dos recursos das minhas energias físicas e morais, todos aqueles que, como o Sr. encontram milhcSes de vozes sempre dispostas a acusá-lo, a fim de atrair sobre a sua cabeça as iras de toda uma vasta população. Aprendi, Sr. Capitão, no regaço de minha santa Mâ'e, a respeitar a desgraça dos vencidos, e a estender t dentro dos limites da honestidsQe, a minha-mão caridosa a todos os que sofrem.

Os de quem. me desinteresso, Sr. Capitão, são os vencedores. Se algum dia a Providência Divina, nos desígnios insondáveis da sua sabedoria, vier a transformar o Sr. dê" vencido em vencedor, e eu ainda estiver neste vale de lágrimas, não lhe faltará a oportunidade d.e verificar o que estou a lhe dizer.

Assim, se em alguma coisa o Sr., e a sua velha progenitora julgarem que eu lhes posso ser úti" continuarei, como até agora, ã inteira disposição de ambos.

O Sr. sabe que, indigno mas convicto discípulo· de Nosso Senhor Jesus Cristo, venho me esforçando, sobretudo nestes últimos anos, a por em prátita estes divinos ensinamentos dos Santos Evangelhos: "Bem-aventurados os que padecem perseguição por amor da justiça; porque deles é· o reino do Céu"-.

Bem-aventurados pois, quando vos injuria~em, e vos perseguirem, e caluniosamente disserem todo mal contra vós, por meu respeito.

Alegrai-vos e exultai, porque alto galardão é o vosso nos Céus; pois também assim· foram perseguidos os profetas, que existiram antes de vós.

Vós sois o sal da terra. E, se o sal perder a sua virtude, com que outra coisa se· há de salgar? Para nada mais fica servindo senão para se lançar fora, e ser pi.sado pelos homens.

Vós sois a luz do mundo. Nâ'o pode esconder-se uma cidade, que está situa­da sobre o monte;

Nem os que acendem uma luzerna e metem debaixo do alqueire, mas põem-na sobre o candeeiro, para alumiar a todos os que estão na casa.

Luza também assim a vossa luz diante dos homens; para que eles vejam as vossas boas obras, e glorifiquem a vosso Pai, que está nos Céus", (5. Matells -capo V. vv. 10, 16).

Como vê, Sr. Capitão, a minha atitude, para com o Sr. e todos os que se acham entregues ao meu patrocínio, é o mero reflexo da minha consciência re" ligiosa. Nada têm que me agradecer, portanto.

Do seu patrono ex~fficio sempre grato e obrigado.

Sobral Pinto

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CARTA DE SOBRAL PINTO AO TENENTE CANEPA, NOVO DIRETOR DA CASA DE CORREÇAo. Rio, 15 de janeiro de 1938.

Sr. Tenente Canepa.

Saudações. Envio-lhe, para serem entregues ao meu cliente ex--officio Luiz Carlos Pres­

tes os livros por ele reclamados na sua carta de 12 do corrente a mim dirigida, e, bem assim; uma carta que a ele escrevi. Os livros são os seguintes: Wells - "Abrégé de I'Histoire du Monde"; Charles Adam . "Descartes, sa vie et- 50n oeuvre"; Georges Hardy . "Le partage de la terre aux XI X~ et XX~ siécles"; "Le Mois" . N981, du 20 Octobre 1937.

Cabe-me, ainda, explicar-lhe que mando fechada a carta que enderecei ao meu cliente ex-officio suprariomeado, porque, em todos os países civilizados, o princípio que rege o entendimento entre patrono e acusado é este que Payen e Duveau fixam (LES REGLES DE LA PROFESSION D'AVOCAT, pág. 211): "A correspondência também permanece secreta. A Administração não abre as cartas que o preso recebe de seu advogado. É mister, compreende-se, que. a assi­natura e o título deste figurem no envelope".

Sendo de meu dever defender as prerrogativas da minha profissão, não posso, não devo, e não quero concorrer, com o meu assentimento, para que os meus entendimentos, MERA E EXCLUSIVAMENTE PROFISSIONAIS, fiquem sujeitos à censura de quem quer que seja.

Com estima e apreço, sempre ao seu dispor,

Sobral Pinto

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CARTA DE SOBRAL PINTO PARA FRANCISCO NEGRÃO DE LIMA, CHEFE DO GABINETE DO MINISTRO DA JUSTiÇA.

Rio, 19 de feVereiro de 1938.

Negrão,

Envio-lhe, como combinamos, os nomes de alguns presos pai íticas, com as indicáções que me foram ministradas por amigos ou parentes deles, a fim de que ,!ocê dê início ao serviço de apuração, por meios meramente administrativos, da justiça ou injustiça das prisões contra as quais forem apresentadas a você as competentes reclamações.

Ao tempo em que eu era Procurador Criminal da República,chamei amim, de acordo com o Presidente da República e o Ministro da_Justiça de então, o en­cargo de examinar, eu mesmo, através de interrogatórios, efetuados nas próprias prisões, e das diligências que me parecessem oportunas ou necessárias, o bom ou o mau fundamento das detenções levadas a efeito tanto pela Polícia quanto pe­las autoridades militares. O meu parecer, apresentado direta e pessoalmente, ao

Presidente da República, era por este acatado invariavelmente, pelas características

de serenidade e impar~ialidade de que se revestiam não só as diligências por' mim

efetuadas, como também as conclusões a que eu chegava.

Desde que a minha fiscalização, prestigiada incondicionalmente pelo Pre­sidente da República e pelo Ministro da Justiça, passou a ser exercida, pessoal­mente, sobre todas as prisões efetuadas nesta Capital, "os revolucionáriOS perigo~ sos", - como então se dizia -, desapareceram como que por encanto.

Faça você a mesma coisa, e verá, meu caro Negrão, como o número dos "comunistas", - expressão que veio substituir "os revolucionários perigosos" de outrora -, diminuirão de maneira impressionante.

Quero preveni-lo, entretanto, de uma coisa: se você se dispuser, realmente, a exercer sobre a Polícia desta Capital a fiscalização-que a moralidade adminis­trativa e os_ deveres de justiça impõem ao Ministro da Justiça, por si ou pelos seus auxiliares de mais imediata confiança, prepare-se para afrontar as investidas odjent~s daqueles que se habituaram ao regime do arbítrio o mais absoluto. I n-

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trigas, mentiras, calúnias serão empregadas c6ntra você, a fim de que o desânimo o vença, ou, então, se tOrne insustentável a sua situação de chefe de gabinete do Ministro da Justiça.

Tenho, a este respeito, larga e dolorosa experiência. Vi-me a princrpio hostilizado desabridamente. Todos os processos em que é fertil a perfídia humana foram utilizados contra mim.

Mas, aqui vai agora, o reverso desta exper!ência: quando perceberam que eu me sabia afirmar, e conhecia a arte da contra-ofensiva desassombrada, todos se arrojaram a meus pés, temerosos de que eu lhes fizesse pagar caro os des~ervi­ços que estavam a prestar ao Governo da República, e â tranqüilidade pública.

Não sei, meu caro Negrão, se, nesta desmoralização generalizada em que carmos, e nesta ausência sistemática das mais elementares noções de responsabili­dade, que reina no seio da administração do· país, ainda será possível a você fazer alguma coisa que não represente esta marcha, contínua e fatal, para o. caos e a anarquia, que todos estamos a divisar no horizonte da nossa vida política, social e administrativa. Dia por dia, os problemas vão se complicando num crescendo assustador, sem que os responsáveis pelos destinos do país consigam deter a de­sagregação ,de todos os valores morais e sociais intimamente ligados à solução de tais problemas.

Em todo o caso, como sou constantemente procurado por pessoas que pensam que eu pqsso fazer alguma coisa em benefício de presos políticos, -suposição esta que não é de todo infundada -, acho que é de meu dever man­dar-lhe as notas juntas, para que você tome as providências que, na sua consciên­cia de governante, pensar que o bem público esteja a reclamar.

Cordialmente, o sempre seu.

Sobral Pinto

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CARTA DE SOBRAL PINTO A FRANCISCO NEGRÃO DE LIMA.

Rio, 14 de março de 1938.

Negrão,

Gostei de ver o tom do seu ca,rtão. Aquele "Dr. Heráclito Sobral Pinto", F. Negrão de Lima, Chefe do Gabinete do Ministro da Justiça, cumprimenta", é de um sabor austero que condiz muito bem com os propósitos severos, do Estado Novo, de que você é, entre nós, um dos mais sólidos baluartes.

, I nfelizmente, meu Caro Negrão, as fichas 'que acompanharam esse' cartão me convenceram, mais do que nun.ca, de que não existem atualmente' meios, nem modos de vencer o arbítrio policial, que campeia soberano contra as liberdades públicas. Ao escrever-lhe a carta de 19 do mês p. findo, visei obter de você a cria­ção de um órgão que tivesse autoridade suficiente para atuar sobre os agentes subalternos da Pol(cia, impedindo-os de conservar presos, meses e meses a fio, inú­meros cidadãos brasíleirós contra os quais tais agentes de Polícia não conseguiram coligir prova nenhuma de sua atividade subversiv~ contra a ordem política e social da Nação.

Meu objetivo, Negrão, não era o de óbter de você o simples encaminha­menta à Delegacia Especial de Segurança Pol(ticó e Social das notas sobre a prisão desta ou daquela pessoa, a fim de que esse órgão da nossa Pol(cia Civil desse a você as informações vagas.e imprecisas, qüe constam das fictias ql,Je você acaba de me mandar. Para consegufr tão minguado resultado não valeria a pena ir bater a tão al­ta porta. Qualquer investigador meu conhecido, a quem me dirigisse, me daria as informações que você me transmitiu.

O porqU~V"!,lmente me interesso, meu caro Negrão, é por uma obra de justiça. Esta é a fli .. ilidade que eu quero alcançar. Este regulamento de feitoria que o Getúlio decretou para o Bràsil, em 10 de', n.óvembro do ano passado, diz no s~u art. 170; "Durante o estado de emergência i)"u o Estado de Guerra, dos atos prati­cados em virtude deies não poderão conhecer os juízes'e tribunais". Reduzido isto a troco miúdo, este texto significa que a Polícia .pode prender quem bem lhe

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aprouver sem que a autoridade judiciária possa pôr termo aos abusos e arbitrarie­dades dos agentes do Poder Executivo.

Horrorizado com esta perspectiva foi que me d-irigi a você para solicitar-lhe que se erigisse você em instância revisora dos atos policiais, quando eles se ,reves­tem das aparências de mera perseguição, como está a acontecer com os casos de Cirio Estrella Dias e D. Mary Huston Pedrosa.

Basta lançar a vista, com algum- espírito crítico, sobre as informações que a Delegacia Especial acaba de prestar relativamente a estas duas pessoas, para que se veja, desde logo, e sem possibilidade de contestação, que nada, absoluta· mente nada, conseguiu a Poh'cia desta Capital apurar- contra elas, e que seja de molde a justificar a prisão que arT!bas estão a sofrer atualmente.

Estamos, meu caro Negrão, em 1938. Pois bem, ao ser interpelada por vo­cê, a Delegacia Especial informa que esse homem, a quem não conheço, fez parte do Bloco Operário Camponês, que já deixou de existir não sei há_ quanto tempo,' tendo dirigido uma greve de metalúrgicos ... em- 1935. Vemos, assim, que Cirio Estrella Dias é preso em 1938, ... porque em 1935 dirigiu uma greve de metal6r­gicos! A mesma co!sa pode-se dizer da outra pessoa, D. Mary Huston Pedrosa, que foi presa! em janeiro deste ano, - diz a Polícia -, em virtude de praticar delitos atentatórios ao regime social vigente, como provam os documentos arrecadados em seu poder.

Mas, que delitos foram esses? Que espécie de documentos foram arrecada­dos em poder dela? Nàda informa a Delegacia Especial a este respeito, " ... e isto pela razão mui~o simples de que tais delitos não passam de mera fantasia dos agen­tes subalternos da Polícia atual.

Se as coisas continuarem neste pé, não será de estranhar que, amanhã, eu me- veja recolhido a um dos xadrezes da Casa de Detenção como um dos comunis­tas mais perigosos do país, por ser o representante autorizado, entre nós, do fami­gerado Comintern. Para obter semelhante resultado bastará que se considere como prova séria e robusta as-afirmações odientas e insensatas de um jornal como "A PÁTRIA".

Você não sabe, meu caro Negrão, o que é a Poh'cia política, quando aque· les que a dirigem sabem que não têm que prestar contas de "cada um de seus atos a uma autoridade superior, que seja serena, sagaz, firme e experimentada. Atrás de serviços realmente inestimáveis, em defesa da ordem pol ítica e social, pratica a Pa­I ícia poll'tica abusos, violências, e arbitrariedades de tal gravidade que assumem as­pectos de verdadeiros suplícios chineses. Para se atingir a semelhante degradação nada mais será preciso do que a certeza, por parte dos agentes subalternos, de que ninguém os punirá ou repreenderá pejos crimes perpetrados.

Estou a lhe falar como cidadão desinteressada, que vive a pugnar, dentro das suas modestas possibilidades, pela dignificação da vida pública do seu pa(s. Você sabe que não sou político. Você não ignora que tenho recusa,do sistematica-

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mente aceitar qualquer posto na nossa administração pública, animado do só intui­to de dar demonstração inequ(voca de que nada quero ou pleiteio para mim.

O meu único programa, dentro ou fora da administração pública, vem sen­do um só: a defesa intransigente do direito e d~ justica, que, na exigüic;iade dos meus recursos intelectuais, reputo valores eternos, inaces~~;(veis às arremetidas ca­ducas dos homens que depositam toda a sua confiança nos ímp'etos da força e da violência.

Dentro deste ponto de vista, - que assume, diante dos meus olhos, o as­pecto de imperativo intransponível de um dever religioso, que a minha consciência católica me aconselha a respeitar-, permito-me insistir junto de você, a todo o meu poder, para que consinta em examinar, com propósitos de crítico. sereno mas autoritário, todos os atos da Polfcia desta Capital. Revista-se, meu caro Negrão, para esta empreitada superior I do mesmo esp(r'ito de justiça com que de 1924 a 1928 eu, como Pro_curador Criminal da República, agi desassombradamente nos governos do' Dr. Bernardes e do Dr. Washington Luis.

Tenha pena de centenas e centenas de pessoas que a estas horas, segregadas do convívio dos seus parentes e amigos, estão a passar as maiores privações nas' pri­. sões de Estado, sem que tenham sequer a capacidade de se tornarem perigosas à estabilidade do regime. Volte, pois, a examinar, novamente o caso de Círio Estrella Dias e D. Mary Huston Pedrosa, e estenda, além do mais, a sua ação benfazeja so­bre estes dqis casos que ora ponho diante das suas vistas.

Abraços cordiais do sempre seu,

Sobral Pinto

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CARTA DE SOBRAL PINTO A LEOCÁDIA PRESTES

Rio, 7 de maio de 1938.

Exma. Sra. D. Leocádia Prestes.

Somente anteontem me veio às mãos a carta que V. Exa.me escreveu-em 27 de abril último Empenhado em atender, imediatamente ao seu pedido, dirigi· me, ontem, à Casa de Correção, a fim de ver se me seda possível falar pessoalmen­te ao filho de V. Exa.,ao qual entregaria cópia da carta que V. Exa.me dirigira.

Após ter esperado mais de uma hora, o Tenente Canepa mandou-me di· zer, por um contínuo, que, estanqo muito ocupado, não me poderia receber. Man- . dei entregar-lhe, então, pelo m_esmo portador, cópia da carta que eu acabara de re· ceber de V. Exa.

Vou me dirigir, novamente,_ ao Sr. Ministro da Justiça, a fim de expor aS. Exa. o que se passou, pedindo,outrossim, a esse titular que tome as providências necessárias à cessação desta incomunicabilidade em que se encontra o filho de V. Exa.relativamente à pessoa do seu advogado ex-officio.

Já chegara aos meus ouvidos que algo de anormal se passara com o filho de V. Exa. A versão que me foi fornecida é,porém, um pouco diferente: narraram· me que fora chamado um médico para examinar Harrv Berger. Esse médico, cuja identIdade não souberam me indicar, teria destratado Harry Berger por ocasião do exame. O filho de V. Exa.,que está num cub(culo próximo, teria protestado con­tra o procedimento do médico indelicado. Este, irritado, levou o fato ao conheci· menta do Tenente Canepa, que ordenou fossem aplicadas ao filho de V. Ex-a.as segumtes sanções: enclausuramento no cubículo, com privação do banho de sol. por 30 dias consecutivos e piivação de toda e qualquer leitura.

Como sinal de protesto, o filho de V. Exa. teria, iniciado uma greve de fo-me.

Eis, Exma. Sra., o que me foi contado por pessoa que se dizia bem infor­mada, a qual, entretanto, não me falou em agressão física, e muito menos em agressão pelo próprio Diretor.

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Para conhecimento· de V. Exa.,envio. cópia das duas cartas que escrevi em 4 de dezembro do ano passado, e que não chegaram às mãos de V. Exa. Mantenho, neste momento, o mesmo esp(rito firmemente cristão de batalhar o bom combate da justiça e do direito. Superior às ins(dias, procuro não me afastar dos ensina­mentos do meu único mestre e senhor: Jesus Cristo. Seguindo as lições_do glorioso Pontifice, atualmente reinante, permito-me repetir a V. Exa.as maravilhosas e co­rajosas palavras do Cardeal Faulhab~r, Arcebispo deMunique,pronunciadasna sua Catedral em 12 de f~vereiro último: "Na mensagem do CardealVerdier, também, o Santo Padre disse aos comunistas: "As vossas doutrinas não são as nossas doutri­nas. Os nossos mártires- (alusão à Espanha) morreram para defender as nossas dou­trinas". Mas, em seguida, o Santo Padre continuou: "Queremos ajudar os operários e defender os seus direitos. Quere~os preparar para amanhã a pacificação de todos os homens na justiça e no amor". O Santo Padre oferece a mão aos operários. Com o comunismo, nem conciliação nem colaboração são possíveis. Mas, com os operá­-rios comunistas transviados uma conciliação é possível. É preciso distinguir entre o erro e o transviado, entre a coisa e a pessoa. Ama-se o doente, mas não se ama a doença. Estende-se a mão ao transviado, mas não se aceita o seu erro".

Um pouco mais adiante, este gigante da Ação. Católica na Alemanha mo­derna, totalmente escravizada ao paganismo, continua a sua lição memorável: tiO reino de Deus sobre a terra, no cume do qual se encontra o Pctpa, e os reinos deste mundo falam línguas diferentes, e têm princípios de governo diferentes. Os reinos do mundo dizem: ~ preciso infligir ao inimigo, neste caso ao bolchevismo, feridas as mais profundas possíveis; é preciso extirpá-lo pelo ferro e o fogÇJ. O reino de Deus, que não é deste mundo, diz: é preciso curar as feridas com o amor do bom Samaritano, é preciso procurar os homens individuais com o amor do Bom Pas­tor" ( LA DOCUMENTATION CATHOLlQUE, vol. 39, cols.397/398 l.

I nspirando-me nestes ensinamentos salutares é que irei bater, de novo, às portas do Supremo Tribunal Militar, quando tiver de opor embargos ao acórdão que condenou a 16 anos e 8 meses de reclusão o filho de V. Exa. Acredito que o meu cliente ex.-officio não esteja mais disposto a me fornecer os dados e elementos indispensáveis a esta derradeira defesa. Os últimos acontecimentos ocorridos no País, e as dificuldades de todo o gênero que estão sendo criadas ao meu entendi­mento livre com ele, talvez, haja,m levado ao seu espírito a convicção da inanida· de de qualquer esforço do seu modesto advogado, que, apesar de tudo, não, per­deu a sua -fé na força incoercível dos grandes princípios morais, que regem o mun­do. Sou dos que não acreditam na regeneração do homem e da vida social pela atuação da força e dos decretos governamentais. O saneamento dos povos e das nações só se faz com -a valorização da natureza moral da criatura humana.

Aliás, o caso da sua netinha é bem uma demonstração do que vale a força moral. Não fora a eficácia desta e V. Exa. não teria, neste ocaso doloroso da sua existência, a imensa consolação de poder debruçar-se, maternalmente meiga, so-

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bre esta criaturazinha que é sangue de seu sangue. Uma palavra ainda: se qut5er utilizar-se de meu nome para remeter dinheiro para o filho de V. Exa.; poderá

fazê·lo. Queira receber, Exma. Sra. as homenagens respeitosas de

Sobral Pi nto

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CARTA DE SOBRAL PINTO AO CARDEAL DOM SEBASTIAo LEME,

EM 9.6.38.

Eminência.

Devo a V. Eminência, como meu Pastor, uma explicação sobre os aconte­cimentos da Casa de Correção, ocorridos em 19 do corrente, e dos quais resultou a minha 'prisão, abusiva e ilegal, pela prática dos crimes de desacato e ferimentos leves, que falsamente me atribuiram.

Membro da Ação Católica_desta Arquidiocese, e, além do mais, Utn dos seus dirigentes, por extrema generosidade de V. Eminência, eu me esforço, dentro da fraqueza da minha vontade, em me aproximar daquele modelo de que fala Pio X (Actes de S.S. Pie X . ed. das "Questions Actuelles", vol. 29 , pá9. 951 "Todos os' que são chamados a dirigir, ou que se consagram a promover o movimento ca­tólico, devem ser católicos à toda prova, convencidos da sua F é, solidamente ins­tru{dos das coisas da religião, sinceramente submetidos ã Igreja, e, em particular, a esta suprema Cadeira Apostólica e ao Vigário de- Jesus Cristo sobre a terra; eles devem ser homens d'um~ piedade verdadeira, de virtudes másculas, de costum'es puros, e de uma vida de tal modo sem mácula que eles sirvam a todos de exemplo eficaz" .

Ora, se eu tivesse, realmente, praticado os crimes que me imputam, eu esta­ria, sem a menor dúvida, faltando aos meus deveres de membro da Ação Católica, porquanto, no dizer de Tertuliano (Apologeticum . XXXVI, 21: "Querer mal, fa· zer mal a quem quer que seja, dizer mal, pensar mal de quem quer que seja, nos é também proibido".

Os fatos não se passaram como o fez crer a versão oficial. Mas, impedido, naturalmente, pela censura governamental, de explicar aos meus concidadãos a violência de que fui vítima,- inédita nos anais' da advocacia brasileira -, venho cumprir o dever, para mim religioso, de fornecer a V. Eminência a versão real do que se passou.

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No documento que dirigi ao Presidente da Conselho da Ordem dos Advogados, na Seção deste Distrito Federal, que ora remeto por cópia a V. Emi­nência, encontrará o meu querido Pastor a narrativa, resumida mas fiel, de tudo quanto ocorreu comigo no interior da Casa de Correção. Nessa exposição serena e objetiva retratei com minúcias alguns episódios, e descrevi em traços largos outras cenas, inspirandq-me, nessa tarefa do só propósito de fazer prevalecer a verdade dos fatos. Só num ponto, Eminência, deixei de ser totalmente exato. Foi naquele em que relato a minha última resposta ao Diretor da Casa de Correção, e que V. Eminência poderá ler na página 3, linhas 47,48 e 49. A frase que a( reproduzo, deve de ser acrescentadas estas palavras que, no ardor da discussão, eu também proferi: "Mentiroso é você".

Ao prestar as minhas declarações nesse flagr$lnte de uma falsidade re~ol­tante que estava sendo, lavrado contra mim, eu julguei prudente, para efeitos da minha defesa futura, em Juízo, omitir este revide, que, apesar de perfeitamente justificável em face das leis da moral, poderia fornecer ao Ministério Público, que tiver de funcionar no processo, argumentos contra a minha inocência em face da lei. Estamos numa época de proscrição total da altivez, da dignidade, da probi­dade, e do b!lm senso mais elementar. A Justiça, triste e humilhada, se vê escorra­çada por governantes e governados, os quais entraram a depositar todas as suas esperanças de um futuro melhor no só emprego irracional da força material agressiva. A Magistratura deixou de ser o exercício da arte divina de julgar, para se ver transformada em simples meio de vida fácil e socialmente honroso. A"justi­ça, encarnada no Poder Judiciário, já não é mais a garantia da dignidade e respei­tabilidade da pessoa humana, no seio da sociedade, mas, pelo contrário, se viu rebaixada ã humilhante condição de mero instrumento de governo dos que mane­jam a extensa e possante máquina do Estado. Bem vê V. Eminência que, reduzido por abuso de poder, à situação injusta de criminoso, pareceu~me que' não havia mal em que, no meu longo relato, eu omitisse uma simples frase que proferi, numa justa atitude de revide, mas que, se fosse por mim confessada, poderia me trazer, no futuro; os maiores aborrecimentos. Aliás, mesmo sem esta razão, já de si valio­sa, era-me Ircito, em face da moral cristã, negar tudo o que me pudesse prejudicar, como ensina Salsmans, S. J. (Droit et Morale . Déontologie Juridique, págs. 201/ 202): "O acusado, por mais culpado que seja, pode negar decididamente· o que se lhe imputa. Esta negação não é uma mentira. É mister o mesmo dizer das outras uexplicações", inventadas pelo culpado, ou sugeridas pelo seu advogado, para provar que ele "não pode ser o autor do crime"; para estabelecer um Alibi, etc. -Nos hOssos dias, com efeito, é universalmente aceito que um acusado não deva confessar a sua falta perante a justiça, nem dizer literalmente a verdade",

A não ser, neste ponto, tudo o mai~, Eminência, é a expressão rigorosa da verdade. Estou falando, num impulso de afeto e submissao, ao meu Pastor, que é, nesta Arquidiocese. o símbolo da paz, da proteçgo, da unidade e do governo da

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Igreja, para usar as expressões do Canon da santa Missa. Não me animaria, em hora tão austera, a induzir em erro aquele que, aos meus olhos iluminados pela Fé, prolonga, na gloriosa cidade de São Sebastião, a missão regeneradora das almas, que Nosso Senhor Jesus Cristo confiou aos seus santos Apóstolos. Pois bem, Emi­nência, é neste instante de verdadeira unção religiosa que venho afirmar haver feito no documento, cuja cópia estou remetendo a V. Eminência, tão só a des­crição da verdade.

Se os fatos tão .. deprim~ntes, que busquei relatar COm ânimo sereno, se refletissem apenas sobre a minha apagada individualidade, é bem possível, Emi. nência, que eu tivesse me imposto, como tantas e tantas outras vezes, um silên­cio tumular, procurando neles enxergar a merecida punição de Deus ao meu orgulho e ã minha vaidade. Mas, o que eles põem em jogo, em vez disto, é o prestigio, a dignidade "e a liberdade lícita d~ atuaç§'o de. uma profissão, que, nesta hora crepuscular da nacionalidade, está servindo de único amparo ã pessoa do ci­dadão brasileiro. Urgia, em tais condições, agir COm rapidez, firmeza, e desassom­bro, num supremo esforço de afirmação,para que os governantes arbitrários da atualidade" soubessem que encontrariam disposto a todas as renúncias, inclusive até a sua própria vida, o modesto e insignificante advogado que eles tinham esco­lhido, no seu mandonismo ilimitado, como homem sobre o qual iriam experimen­tar até onde poderia chegar a força da sua arrogância ilegal e abusiva.

Não posso, assim, ser homem de desordem" mas de ordem; de revolução, mas de autoridade; de indisciplina, mas de obediência. Não seria capaz, portanto, de penetrar num pres(dio para desacatar o seu Diretor, dando um funesto exemplo aos· meus concidadãos de insubordinação contra as leis justas do meu Pat's. Muito menos, EmJnência, iria praticar a inútil loucura de expor a minha vida sem ne­nhuma finalidade superior, e só pelo prazer de poder dizer, mais tarde, caso conse. guisse sobreviver desta agressão, que era um homem de coragem. A Casa de Corre­ção tem presentemente reforçado o seu destacamento policial-militar, provido,­é bom que se saiba -, das mais modernas armas automáticas, e dispõe, além disto, excepcionalmente, de um vasto corpo de investigadores, escolhidos a dedo entre homens de má catadura que se habituaram a não ter o menor respeito para com a vida do seu semelhante; achando·se tina Im ente, sob a direção de um Diretor, que, sendo homem de rara estatura e fortaleza física, é cultor, assíduo, de vários es­portes. Como admitir, em tais condições, que eu, em presença de toda esta vasta força material, fosse me aventurar a apelar para a violência física, como instru­mento de decisão, quando, pelas razões' supra-expostas, ela só serviria para me esmagar?

Pelo que aí está, Eminência, não escapará, por certo, <l perspicácia· de V. Eminência que se, neste deplorável incidente, eu consegui sair engrandecido e respeitado, - sem um arranhão sequer na minha epiderme, sem que nem ao menos um botão da minha. roupa fosse arrancado, e a gravata. do meu colarinho desloca-

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da mesmo de um milímetro -, foi porque, tendo a meu lado a verdade e a jUs­tiça, só empreguei, comO instrumento de vitória, a inquebrantável força moral da minha austeridade, e a respeitabilidade inegável da minha pessoa, que nada teme

a não ser a justiça definitiva de Deus Nosso Senhor. Animando-me a pedir a V. Eminência uma pequenina prece diária, por

ocasião da Santa Missa, em intenção da minha imunidade profissional, enquanto me mostrar fiel aos santos preceitos evangélicos, aqui fico, meu querido Pastor,

sempre e sempre, à sua inteira disposição. Sobral Pinto

Rio,9 de junho de 1938.

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CARTA DE SOBRAL PINTO À FRANCISCO CAMPOS MINISTRO DA JUSTlÇA_ Rio, 17 de junho de 1938.

Campos.

Fui ontem informado pelo Cardim que um funcionário da censura policial estivera na redação do "Jornal do Comércio" para comunicar à direção deste matutino, - e a propósito da "varia" de Domingo que transcrevera o ofício do Conselho da Ordem a mim dirigido sobre o incidente com o Diretor da Casa de Correção -, que d'ora ehl diante ficava expressa e formalmente proibida qualquer notícia que envolvesse louvor à minha pessoa, ou pudesse significar uma homena­gem à minha vida pública ou particular.

Invoco seu testemunho autorizado de que nunca fui político, nem parw ticipei jamais, de 1930 para cá, de quaisquer manifestações de caráter partidáw rio. Advogado e publicista, - medíocre e pequenino, é certo -, tenho apenas buscado, na medida das minhas energias frsicas e morais, me mostrar fiel aos im­perativos da minha vocação. Sobrecarregado de encargos familiares, paupérrimo, como você sabe, vivendo até numa casa hipotecada, que a generosidade do Dr. Afonso Penna Júnior me permitiu adquirir, nas condições supra-referidas, venho afrontando, de um lado, a pobreza árdua e du(a, e, de outro, a prepotência de au­toridades desumanas, e totalmente alheias aos superiores deveres das suas funções. Para cumprir o meu dever austero, a tudo tenho renunciado. A minha vida é um labutar constante, pois que, agora, nem mesmo tenho à minha disposição as poucas horas em que posso ficar-na minha própria casa. Dou a todos os meus con­cidadãos o exemplo de uma vida laboriosa, que se desdobra, dia e noite, em vi­gílias em prol da estabilidade do Direito e da respeitabilidade da Justiça. A minha banca, normalmente avara de causas remuneradas, está, agora mais do que nunca, transformada numa vasta policlínica jurídica para a qual acorrem, implorando am­paro, centenas e centenas de compatriotas nossos, que me pedem patrocinar, gra­tuitamente, 05 direitos dos seus amigos e parentes:

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Como prêmio de todo este esforço gigantesco,que venho dispendendo pela imperativo, sobretudo, da minha consciência religiosa, o governo de que você faz parte envida todas as suas energias para me apontar ao País como um inimigo da Pátria, e como um individuo indigno de, receber o aplauso de quem quer que seja. Ontem era a calúnia torpe do meu comunismo, não se enverg<?nhando certas auto· ridades de me atribuirem a função abjeta de agente de ligaçã0 entre os comu­nistas presos e os que ainda se encontravam em liberdade. Esmagada, logo no nas­cedouro, esta imbecil mentira, prepararam as autoridades arbitrárias novo plano de envolvimento desmoralizante da minha modesta mas_destemerosa individualidade. Urgia enredar-me num cipoal de mentiras deslavadas, que, apresentando-me aos olhos de todos como um desrespeitador das I~is vigentes, justlficasse o ato prepo­tente do Poder púbU.co de cerceamento integral da minha liberdade. Foi assim, meu caro Campos, que surgiu este episódio deprimente da Casa de Correção, que as autoridades policiais, com a colaboração do Tenente Canepa, acreditaram, na sua ingenuidade idiota, que seria o túmulo do _meu apostolado desinteressado e corajoso em favor da implantação, entre nós, do reinado superior do Direito e da Justiça. A Providência, contudo, nos seus desígnios insondáveis, transformou em eievação e honra aquilo que a Polícia supunha que seria a minha de-sonra defini­tiva.

O ódio, porém, não se desarma tão facilmente. Por isto, prepara ele, agora, a sua terceira investida contra a niinha reputação. Qual o seu plano, e quais os meios de que pensa lançar mão? É evidente que, não possuindo. o dom de ad­vinhar, estou na mais completa ignorância tanto. deste plano quanto dos meios de sua execução. Isto, todavia, pouco me importa. Estou preparado para tudo. Desde que, diante de Deus, eu sinta limpa a minha consch3:ncia, tudo o mais me é indiferente. Advogado por vocação, e n.ão por interesse, não esmorecerei na minha luta, nem desertarei do juramento da minha colação cle grau. Bem sei que, criatura frágil, estou sujeito, como São Pedro, ao perjuro na hora solene. Mas, humilde discípulo de Nosso Senhor Jesus Crist.o, imploro, a cada instante, a este meu Mes­tre o Senhor que me dê forças e energias para me mostrar sempre digno nos mo­mentos decisivos da minha vida profissional. Se por mim mesmo eu nada valho, contudo, pelos merecimentos infinitC'ls de Jesus Cristo, eu sei que serei invencível, como os primeiros cristãos ante o poderio material dos Césares romanos. Homem de Fé viva e ardente, tenho sempre presente ao meu espírito esta promessa do Filho de Deus: "Bem-aventuradoSlos que padeçem perseguição por amor da jl,lstiça, porque deles é o reino dos Céus" (São Mateus, Capo V, v. 10).

Sendo você, nesta hora atribulada Ministro da Justiça do Brasil, venho preveni·lo do que se está passando, a fim de que você tome as providências que se impõem, não na defesa da minha pessoa, que não está em jogo, mas em defe~a da profissão nobre e altiva, que sinto encarnar neste momento, no que eia repre-

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~enta de essencial para a garantia do cidadão brasileiro. Autorizando-o a fazer desta o uso que julgar oportuno e necessário, abraça-o, COm o carinho de sempre, o todo seu,

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CARTA DE SOBRAL PINTO A FRANCISCO NEGRÃO DE LIMA. Rio, 5 de agosto de 1938.

Negrão.

Fiquei .estarrecido ao ler o ofício que você enviou ao Canepa a propósito dos meus entendimentos com Luiz Carlos Prestes, Harry Berger e Azar Galvão de Souza, meus clientes, atualmente recolhidos à Casa de Correção. Conf.esso-Ihe, com a minha habitual franqueza, que não O supunha capaz de querer diminuir-me, como o fez, neste ofício de rara infelicidade na sua redação. O tal Estado Novo que vocês inventaram só produz destes resultados: a inversão de todos 05 valores. É preciso ter perdido a noção da nossa realidade moral para se admitir a hipótese de que um advogado da minha estirpe possa ser posto "sob a fiscalização" de um selvagem como é o atual diretor da Correção, homem sem nenhuma das qualidades intelectuais e morais necessárias para o exercício de funções tão" delicadas. Causa pasmo que, após a desautoração pública deste amansador de cavalos quer pelo Ministério Público quer pela Magistratura desta Capital! representados pelo Premo- . tor e pela Juiz da H Vara Criminal da Justiça do Distrito Federal, você se permi­ta tentar humilhar·me, atribuindo a esse Canepa a para ele excelsa e honrosíssima incumbência de fiscalizar a maneira pela qual eu exerço os meus deveres profissio­nais. Não, não e não. Urge que você saiba que não estou a mendigar favores. Es· tou a reclamar um direito, que pode ser negado, parque este é um país de escra· vos, mas que reivindico, com toda a energia, porque ao menos tenho a consciên­cia de que sou um homem livre. Não sei como não arrebento de dor, de tristeza, e de vergonha. Foi preciso que fossem para o Ministério da Justiça um dos meus maiores amigos, o Campos, e um Outro a quem sempre dispensei a maior consi­deração e o· maior respeito, para que eu me visse arrastado na sargeta da rua por funcionários subalternos deste meSmo Ministério, sem que conseguisse nem do Campos, nem de você a reparação a que tenho direito. O que eu consigo são ofl'­cios como este que humilham e amesquinham. Se o amesquinhamento e a humi­lhação não me têm atingido é porque, sozinho, corajoso e enérgico tenho revi·

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dado a todas as tentativas dirigidas contra a minha profissão, e contra a minha própria pessoa.

O que falta ver destruído nesta infeliz·e grande Pátria? A honradez, o desinteresse, a dignidade, e a fidelidade ao dever passaram a ser, para os gover. nantes atuais, crimes contra a Nação, passíveis de cadeia ou de desprestígio so. cial. Os heróis, os beneméritos, os salvadores da nacionalidade são os Tenentes Bezerra, os Juízes B.arros· Barreto, os Governadores Benedito. Estes, sim, é que estão em equação cqm os nossos infelizes tempos, e esta nossa degradante época.

De minha parte, e sobretLido no desempenho do mandato que me foi Outorgado por indicação do Conselho da Ordem dos Advogados, hei de reagir,

como tenho reagido até agora, contra este conformismo geral, que tudo nivela.

Até hoje não recuei Um passo, nem mesmo diante da prisão ·abusiva, ilegal, e estúpida. Espero em Deus que _d'Ele merecerei a graça inestimável de· poder con. tinuar com a mesma dura intransigênci.a a defender os princípios jurídicos e mo­rais ·por cuja preponderância no seio da nossa sociedade tenho, nestes -últimos anos, trabalhado sem cessar tanto na minha vida p~blica quanto na minha vida privada . .-

Eu não posso, assim, me conformar Com os termos do seu ofício ao Diretor da Casa de Correção. Se é verdade que tenho o dever de .ir falar com os meus clientes a que faz alusão o seu ofício, não é menos certo que este enten­dimen'to precisa de obedecer a normas de altivez e dignidade que o mencionado ofício afasta de maneira positiva e inequ{voca. Procuro, - às vezes sabe Deus com que esforço -, não revidar a certas impertinências claras e patentes, mas con. tra as quais não encontro, nem nas leis nem nas convenções sociais, pontos de apoio na ordem jurídica, e na ordem moral. Prefiro conter-me a ofender direitos e prerrogativas dos meus semelhantes. Quando, porém, o direito e a moral me apóiam vou até às últimas conseqüências, indiferente a tudo e a todos, pois só uma preocupação me absorve: a de cumprir COm firmeza, sem vacilação, o meu dever austero. Eis porque, Negrão, eu me dirijo, nesta mesma data ao Ministro da Justiça, e ao meu amigo particular, transitoriamente titular desta pasta.

Do sempre seu,

Sobral Pinto

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PELOS EMBARGANTES LUIZ CARLOS PRESTES, ARTHUR ERNEST EWERT OU HARRV BERGER E AGILDO DA GAMA BARATA RIBEIRO.

Rio, 03 de outubro de 1938.

Falando ao seu rei, nUm sermão sobre a Justiça, proclamou o príncipe da

oratória sacra da gloriosa França: "É de se notar que se não se caminha com um passo igual na senda da Jus­

tiça, aquilo mesmo que se faz j~stamente torna-se odioso", advertindo; em seguida:

É em vão que "um" magistrado se vangloria, algumas vezes, de ter bem jul­gado; a desigualdade do seu procedimento faz com que a justiça não reconheça como seu aquilo mesmo que ele Taz segundo as leis: ela se envergonha de não lhe servir senâo de pretexto; e até que ele se torne igual para todos, sem acepção de pessoa, a justiça que ele recusa a, um convence de manifesta parcialidade aquela que ele se glorifica-de fazer a outro" (BOSSUET - Oeuvres choisis - vaI. 59 ,ed. Hachette. pág. 455).

Estes admiráveis conceitos ajustam-se, como um? luva, ao procedimento dos Embargantes Luiz Carlos Prestes, Arthur Ernest Ewert ou Harry Berger e Agildo da Gama Barata Ribeiro. É que consta do ac6rdão da Primeira Instância, confirmado pelo ac6i'dão embargado. que todos eles foram condenados "por tentar diretamente e por fato mudar por meios violentos a Constituição da Repú­blica"(Juiz Relator Dr. Raul MachaDO - RE LA TÓRIO E ACÓRDÃO, pág.6).

Isto, Srs. Ministros, era dito e afirmado em 7 de maio de 1937, numa épo­ca em que vigorava no País a Constituição de 16 de julho de 1934, votada e pro· mulgada pela Assembléia Nacional Constituinte, eleita e escolhida pelo povo brasilelro, mediante voto direto e secreto, especialmente para este fim.

Porque tentaram mudar, com o emprego da força armada, a Constituição da República que os legítimos representantes da Nação organizaram, no exercício do mandato que lhes foi outorgado, Luiz Carlos Prestes, Arthur Ernest Ewert ou Harry Berger, e Agildo da Gama Barata Ribeiro estão curtindo, em dura e rigorosa prisão, as conseqüências do seu gesto ousa.do.

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Entretanto, Srs. Ministros, em 10 de novembro de 1937, o Sr. Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil, que fazia proceSSar os Embargantes, com a autoridade que lhe advinha da ordem constituional então reinante no País, pelo fato de quererem eles modificar a Constituição de 16 de julho de 1934, abolia, por ato unilateral da sua vontade, essa mesma Constituição de 16 de julho de 1934, dissolvendo, com o auxílio da Força Armanda, os Poderes Legislativos Federais e Est.aduais, e restringindo, de maneira alarmante para as liberdades pú. blicas, as atribuições do Poder Judiciário da União. Foi desta maneira que surgiu

no País, da noite para o dia, e Sem possibilidades de qualquer reação, a Carta Constitucional.de 10 de novembro de 1937.

E, assim, Srs. Ministros, o que foi considerado crime em 27 de novembro de 1935, isto é, a tentativa de modificaçã~ da Constituição de 16 de julho de 1934, passou a ser; em 10 de novembro de 1937, ato do excepcional mereci­

mento.

Há mais ainda, Srs. Ministros: como, sustentar, com serenidade, que pode um Tribunal Judiciário continuar a considerar crime, atos que visavam modificar uma lei que, neste instante, já nã·o mais existe, por isto que foi totalmente revo· gada? Os Embargantes o que pretendiam, no dizer inequívoco do acórdão embar, gado, era modificar a Constituição da República. Mas, qual Constituição? A de 16 de julho de 19347 Esta, porém, deixou de ter qualquer existência legal. Desa­pareceu por completo. É, hoje em dia, mera reminiscência histórica, como a Cons· tituição de 24 de fevereiro de 1891, e como a Constituição Imperial óe 25 de mar­ço de 1824, e o Ato Adicional de 12 de agosto de 1834. Quem ousaria, sem levan­tar ondas de ridículo contra si, punir alguém, neste momento, porque- em 3 de outubro de 1930 tentou modificar a Constituição de 24 de-fevereiro de 1891? Que suprema irrisão não seria, também, o propósito daqueleque quisesse enxergar crime nas atitudes de pessoas que, habitandO territ6rio brasileiro, se dispusessem a modificar a Constituição Imperial de 25 de março de 1824 ou o Ato Adicional de 12 de agosto de 1834? É que todas estas Constituições foram proclamadas, pe· lo Poder Público que as revogou, construções caducas e anacrônicas, que não po­diam mais servir de normas de conduta para quem quer que habitasse o território

nacional. Como, em tais condições, ousar o Supremo Tribunal Militar punir al­guém em nome de Uma Constituição, como a d~ 16 de julho de 1934, que não resguarda sequer o direito de um só cidadão brasileiro, por isto que já deixou de ser, desde novembro de 1937, lei normativa· do País?

Mais monstruoso, todavia, será o prop6sito de querer punir Luiz Carlos Prestes, Arthur Ernest Ewert ou Harry Berger, e Agildo da Gama Barata Hibeiro porque tentaram modificar a Constituição da República que foi promulgada em 10 de novembro de 1937. Aqui o absurdo assumiria as proporções de uma insensa,

tez, porquanto estando sendo processados por atos que teriam praticado em

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novembro e 1935 não lhes seria possível, de modo algum, querer modificar uma lei que não existia nem ao menos em projeto, ou esboço.

Aí têm os Srs. Ministros o dilema que este processo, neste momento, faz brotar em todas as consciências retas, que se empenham tão só em obter do Supremo Tribunal Militar urna obra de justiça que seja igual para todos.

S,em sabemos que não faltarão justificações para este procedimento de considerar execrável a tentativa de modificação da Constituição em novembro de 1935 e altamente benemérita a liquidação total da mesma Constituição em no· vembro de 1937. Há quase cem anos, Carlyle já vergastara, em termos eloqüentes, a tenacidade maliciosa da inteligência humana, dizendo:

"Há urna grande diferença entre as nossas duas espécies de guerras civis, entre a guerra moderna lingual ou parlamentar, que tem como arma a lógica, e a guerra antiga ou manual, regida pelo aço, e de nenhum modo vantajoso para a primeira. No conflito manual, quando· enfrentais o inimigo, de sabre na mão, um golpe bem desferido é definitivo; pois, fisicamente falando, quando se faz saltar o cerebelo, o homem morre honestamente e não vos perturba mais. Mas, que di­ferença quando se combate ~om argul'nentos. Aqui, nenhuma vitória definitiva pode ser considerada como final. Derrubai o inimigo com a invectiva parlamentar, até a extinção de sentimento; cortai-o em dois, colocando uma metade do seu argumento sobre a primeira ponta do dilema, e a outra metade sobre a segunda; arrancai-lhe, por um instante, o cerebelo ou a faculdade pensante: isto pouco im­porta; ele se levanta e renasce no dia seguinte, e no dia seguinte recomeça o seu fogo" (HISTOIRE DE LA REVOLUTION FRANÇAISE . trad. fr. de Jules Rache· vaI. 29 pág.21).

Por isto, estamos certos de que surgirão pessoas para dizer que a .modifica­ção da Constituição de 16 de julho de 1934, tentada em novembro de 1935, vi­sava implantar no País o regime comunista; ao' passo que·a liqüidação dessa mesma Constituição, em nóvembro de 1937, teve em- mira libertar o País dos perigos da infiltração comunista.

Não rios cabe discutir, aqui, intenções e propósitos. Este não é o lugar, porque não estamos a fazer obra de pol ítica, mas estamos tão só empenhados em executar uma tarefa de Justiça. O que é de nosso dever acentuar, nesta conjuntura, é que, com semelhante justificação, pede-se aos Tribunais Judiciários do pa{s que punam os acusados que perante eles comparecem, não de acordo com a sistemáti­ca jurídica do direito cristão, que só vê crimes n.os atos que infringem uma lei pe­nai preexistente, mas, pelo contrário, de acordo com a finalidade dos atos pra­ticados por estes mesmos acusados.

Ora, nada há de mais caracteristicamente comunista do que esta orientação de só se levar em conta, em matéria criminal, a finalidade que o agente tinha em mira atingir Com o seu ato. Poderíamos, a este respeito, reproduzir aqui centenas

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e centenas de lições de mestres consagrados, tanto do Direito Soviético, quanto do Direito Ocidental. Limitar-nas-emas, todavia, a invocar apenas a lição de Horácio de Castro (PRINC(PIOS DE DERECHO SOVIÉTICO· 1934· I? ed., pág. 264):

"Reputa-se perigosa toda ação ou omissão dirigida contra a estrutura do Estado soviético ou que perturbe.a ordem jurídica criada pelo governo de operá­rios e camponeses durante a época de transição para a organização social comu­nista.

A primeira noção penal que se destaca é o positivismo e a perigosidadeda ação, ao mesmo tempo que a destruição do princípio nullum crimen, nulla poena, sine legis poenali anteriori, já que adverte que não são somente crimes as infrações punidas no Código, mas, também, qualquer ação ou omissão dirigida contra a es­trutura do Estado sc;)Viético que perturbe a ordem jurídica do mesmo.

O clássico princípio da catalogação das penas, nascido das entranhas de uma grande revolução, perece nas mãos de outro formidável movimento_social. Os esforç9s dos enciClopedistas criaram a tábua dos delitos, suprimindo o arbítrio dos juízes, preconizado pelos juristas dos reis nos últimos anos do século XVIII, e foram a alma penal da Revolução Franc~sa. Hoje, pelas ironias da História, é outra Revolução, herdeira daque.la, que implanta de novo o arbítrio judicial, fazendo subsistir os tipos do artic:ulado COm meros exemplos.

O critério do arbítrio judicial nasce na união dos sovietes como lógico pos­tulado de um conceito defensivo do Direito Penal, e estE;! critério se manifesta em artigos, como o 13, que diz: "Não se aplicarão medidas de defesa social contra as pessoas que hajam executado fatos previstos na Lei Penal quando o tribunal reco­nheça que foram executados em estado de legítima defesa contra ataques dirigidos à organização soviética, contra a própria pessoa.do que se defende, ou contra um terceiro, se não excedem os limites da legítima defesa". Este preceito é de caráter francamente positivista, porém nada mais é do que um lógico desenvolvimento do critério que preside o Direito Penal".

Se o Supremo Tribunal Militar mantiver a condenação dos Embargantes, que estão sendo acusados de terem tentado modificar a Constituição de 16 de jUlho de 1934, terá, agora conscientemente, contribuído com uma enorme parcela para que os princípios soviéticos do Direito Penal se instalem, petulantes e agres­sivos, no seio da civilização cristã que formou e moldou a nacionalidade brasileira.

Mas, Srs. Ministros, se na vossa alta sabedoria, recusardes a ouvir os nossos clamores, erguidos tão só em nome d~ nossa insaciável sede de Justiça, e insistir­des em manter esta condenação que se não justifica mais, em face dos princípios jurídicos que constituem, apesar de tudo, o cerne vigoroso da nossa vida social, procurai, ao menos, por esta decisão definitiva em equação com outras que já foram proferidas por este Supremo Tribu~al Militar em casos idênticos.

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Não é possível, assim, que seja mantida a condenação imposta a Luiz Car­los Prestes e Arthur Ernest Ewert ou Harry Berger como autores do crime previsto no art. 49 combinado com o art. 19 da Lein9 38, de 4 de abril de 1935.

Nas nossas Razões de Apelação, que não mereceram sequer uma contradita desenvolvida e argumentada no acórdão recorrido, demonstramos, de maneira de­cisiva, que na hipótese de ser verdadeira a acusação levantada contra Luiz Carlos Prestes e Arthur Emest Ewert ou Harry Berger de que, após 27 de novembro de 1935, tinh~m tentado articular um novo movimento armado contra a Constitui­ção do País, não se tratava de um novo crime, mas de meros atoS de continuidade e permanência do crime anterior. Urgia, em tais condições, puni-los não por dois crimes, isto é, o do -art.. 19 da lei número 38, de 4 de abril de 1935, e o do art. 49 combinado com o art. 19 da mesma lei

Aliás, este· Supremo Tribunal Militar, em relação a acusados em outros processos já admitiu, em hipótese idêntica, não o crime contínuo ou permanente, como é do direito e de justiça, mas, em todo o caso, o crime continuado.

Por que, pois, não aplicar a .Luiz Carlos Prestes e Arthur Emest Ewert ou Harry Berger o mesmo critério; que já foi utilizado para minorar a p.ena impos· ta a outros criminosos da mesma categoria? Aliás, o acórdão embargado, que in­siste em negar,' contra a evidência, a continuidade ou permanência da intenção cri­minosa de LuizCarlos Prestes e Arthur Emest Ewert ou Harry Berger, quando se trata de punir estes dois acusados por um.só crime, não vacila, num ilogismo inex­plicável

l em invocar a persistência de uma intenção rebelde, durante 13 anos, para

recusar a Luiz Carlos Prestes a.aplicação da atenuante do exemplar comportamen­to anterior. Ainda aqui não é feliz a decisão recorrida porque o Decreto 19.3951 de 8 de novembro de 1935, baixado pelo então Chefe do Governo Provisório da Re­pública, concedeu ampla e incondicional anistia a todos os civis e militares, que l

direta ou indiretamente, se envolveram nos movimentos. revolucionários ocorridos no País, devendo ficar l conforme preceitua o § 29 do art. 19 deste Decreto, em perpétuo silêncio

l como se nunca tivessem existido, os processos e sentenças rela­

tivas a estes mesmos fatos. Com que direito, portanto l o Supremo Tribunal Militar apela para estes

fatos que uma lei do País manda que fiquem em perpétuo silêncio? Finalmente, e quanto a Agildo da G.ama Barata Ribeiro cumpre focalizar

que não há, nos autos I senão a prova de que, pondo em execução ordens do seu chefe rebelde, comandou, na madrugada de 27 de novembro de 1935, o levante do 39 Regimento de' Infantaria. Não deliberou, excitou ou dirigiu o movimento de. 27 de novembro de 1935. Comandou apenas, na hora da luta, uma pequena força que se pôs sob o seu comando. Executou, assim, uma tarefa revolucionária que era uma gota no oceano imenso da revolução em preparo. Tivesse esta explo­dido em toda a extensão dos planos organizados pelos chefes revolucionários res­ponsáveis, e os acontecimentos do 39 Regimento de Infantaria se teriam perdido

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na vastidão enorme das execuções parciais rea1,izadas. Como, porém, apenas dois ou três focos revolucionários passaram da conspiração para a execução, deixando de atuar dezenas e dezenas de outros focos com que contavam os chefes revolu­cionários, os atos ocorridos no 39 Re.Qimento assumiram as proporções de uma importância, que, na realidade, não tinha, e nem podiam ter. A prova dos autos é farta e abundante não só no que diz respeito à vastidão dos planos a serem execu­tados, como também no que se refere à atuação de Agildo da Gama Barata R ibei­ro somente naquela madrugada, e isto mesmo comosimples comandante de um foco de rebeldia. Emprestar-lhe, por conseqüência, o papel de cabeça do movi­mento de novembro de 1.935 é, manifestamente, contrariar a prova dos autos.

O fato de ter ele recebido, diretamente de Luiz Carlos Prestes l a incumbên­cia de comandar o movimento no seio do 39 Regimento de I nfantaria não tem a força de erigi-Io em· cabeça da revolução geral. Incumbência idêntica foi dada a Trifino Correa, o qual l apesar disto, foi absolvido por este Supremo Tribunal Mi­litar, sob a alegação, aliás verdadeira, de que ele não recebeu a ordem de Luiz Carlos Prestes, visto ter si<;fo esta interceptada no caminho.

Se o Supremo Tribunal Militar, entretanto, assim agiu foi porque achou, e muito bem, que uma ordem dessa natureza transformava aquele que a recebia em mero instrumento daquele que a dava.

Mas, se aquele que a não recebia, e, po"r isto, a não executava, ficava livre de culpa e pena, aquele que a rece.bia e a executava teria de ser considerado apenas como um executante de propósitos alheios.

Oral esta última situacão não se harmoniza, de modo algum com a cçmdi­ção de cabeça de movimento, a qual pressupõe uma atitude de iniciativa originária que o simples executante não tem, nem apresenta.

Por todo o exposto, que está conforme a prova dos autos, espera-se que o Supremo Tribunal Militar, melhor refletindo sobre os fatos da causa, se disporá a fazer, nos termos ora sustentados, obra de serena e imparcial

Distrito Federal, 28 de novembro de 1938.

a.) Heráclito Fontoura Sobral Pinto Advogado.

JUSTiÇA.

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Por embargos de nulidade e infringentes de julgado; dizem

LUIZ CARLOS PRESTES, HARRY BERGER, ou ARTHUR ERNEST EWERT, e AGI LOO DA GAMA BARATA RIBEIRO o seguinte:

19

P.P. - que o acórdão que negou provimento ao recurso de apelação não pode pre­valecer, devendo, pelo contrário, ser reformado;

realmente, 29

P.P. - que não é possível, relativamente aos dois primeiros Embargantes, manter a condenação que lhes foi imposta, cpm fundamento no art. 49 da Lei n9 38, de 4 de abril de 1935, por isto que não praticaram, nem poderiam pra­ticar, o delito, configurado neste artigo, e que lhes foi imputado;

igualmente,

39 P.P. _ que, ainda em relação aos dois primeiros Embargantes, que não poderá

subs.istir o grau máximo da pena do art. 19 da referida Lei, e que lhes foi aplicado, desde que milita. em favor do primeiro Embargante a circunstân­cia atenuante do seu exemplar comportamento anterior, e ocorre, quanto ao segundo Embargante o fato de não existir prova nos autos de qualquer circunstância agravante ou atenuante na prática do crime;

outrossim,

49 P.P. _ que o acórdão exibe alteração na parte em que condenou o terceiro Em­

bargante, porque, de um lado, ele não foi cabeça do movimento insurrecio­nal de 28 de novembro de 1935, e, de outro, ria concorrência de circuns­tâncias atenuantes com uma só agravante, a pena deve de ser inferior àque­la que foi mandada aplicar, pelo acórdão oi-a embargado.

Pelo exposto, espera-se que os presentes embargos serâo recebidos, e, após devidamente sustentados, nos termos do art 308 do Código da Justiça Militar, julgados provados, para o fim de ser diminuída a pena que foi imposta a cada um

dos Embargantes, como é de inteira JUSTiÇA.

Protesta-se por todo o gênero de provas admitidas em direito, e pela Lei.

Distrito Federal, 3 de outubro de 1938.

a.) Heráclito Fontoura Sobral Pinto Advogado ex • officic

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REQUERIMENTO DE SOBRÀL PINTO AO MINISTRO PRESI DENTE DO TRIBUNAL DE SEGURANÇA NACIONAL DE 30.4.42.

Exmo. Sr. Ministro Presidente do Tribunal de Segurança Nacional.

LUIZ CAR LOS PRESTES, brasileiro, casado, ex-Capitão do Exército Na­cional, atualmente recolhido à Penitenciária Central do Distrito Federal, vem, no Processo n91, série A, expor e requerer a V. Exa. o que se segue:

Por acórdão de 7 de maio de 1937 deste Tribunal de Segurança Nacional, que transitou em julgado, proferido neste processo, foi o Suplicante condenado.à pena de 10 anos de rec:lusão, grau máximo do art. lC?, combinado cÇ)m o art. 49 da Lei n9 38, de 4 de abril de 1935, acumulada com a pena de 6 anos e 8 meses, tam­bém, de reclusão, grau máximo do art. 4C? , combinado com os arts. 1 Çl e 49C? da mesma lei n938, de 4 de abril de 1935, reconhecida, na ausência de atenuantes, a circustância agravante do art. 50, da citada .lei nQ 38, em ambos os casos, devendo se observar, nos termos da sentença, quanto ao cumprimento das penas, a regra do art. 58, preâmbulo, do Código Penal Militar, e que é a seguinte:

"Quando o criminoso foi convencido de mais de um crime, impor-se-Ihe-ão as penas estabelecidas para cada um deles; começando a cumprir a mais grave delas em relação à sua intensidade, ou a maior, se forem da mesma natureza",

Sendo da mesma natureza ambas estas penas impostas ao Suplicante, acha­se ele presentemente, a cumprir, na Penitenciária Centtal do Distrito Federal, si­tuada na rua Frei Caneca, nesta Capital, a pena de reclusão de 10 anos.

Muito mais tarde, e noutro processo, porém, o Juiz Coronel Augusto May­nard ·Gomes, por sentença de 7 de novémbro de 1940, que, igualmente, transitou em julgado,inflingiu ao Suplicante nova. pena; esta, entretanto, de 30 anos de pri­são celular, grau máximo do art. 17,Parágrafo único da Lein938, de 4 de abril de 1935, combinado com c a"rt. 249, § 1C?, da Consolidação das Leis Pen.ais, por dizer que ocorriam, na espécie, as agravantes dos §§ 29, 51?, 7C?e 13?do art. 39 da refe­rida Consolidação, e não existirem quaisquer atenuantes.

Em meado·s do ano de 1937, e quando ainda não tinha transitado em julga­do a condenação imposta, em 7 de maio daqu.ele mesmo ano, por este Tribunal de

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Segurança Nacional, foi o Suplicante transferido, após reiteradas, veementes e fun­dadas reivindicações de sua parte, para a, então, Casa de Correção, desta Capital.

Como a prisão do Suplicante, nessa época, decorresse da mencionada sen­tença de 7 de maio de '1937, que não transitara"ainda, em julgado, não foi o mes­mo Suplicante sujeito a nenhum regime carcerário, mas, por foça de suas reclama­ções justas e irrespondl'veisr foi-lhe, ao menos, reconhecido um certo número de dI­reitos que são inseparáveis da própria natureza humana, tais como a correspondên­cia com a sua Mãe, o entendimento livre e permanente com o seu advogado, e a leitura de livros e jornais de sua preferência.

Sobrevindo, todavia, o golpe de 10 de novembro de 1937, todas estas fran­quias foram suprimidas imediatamente, restaurando-se, mais tarde, mas apenas com o caráter de favor, as que permitiam ao Suplicante escrever à sua velha Mãe, atualmente no México, e ler livros e um jornaf. Por isto, de vez em quando, a ad­ministração da, então, Casa de Correção se outorgava a si própria o direito sooera­no e irrecorrível de, interromper aquela correspondência ou de vedar e~ta leitura, desde que, no entender da referida administração. o Suplicante se tornasse merece­dor de alguma "punição" (I),

Foi I}esta situação de total e absoluto isolamento que o veio encontrar a decisão do Supremo Tribunal Militar de 7 de julho de 1939 pela qual transitou em julgado o acórdão de 7 de maio d'e 1937, deste Tribunal de Segurança Nacional. Incomunicável estava, incomunicável continuou. Isolado estava, isolado continuou. Escrevendo à sua Mãe por favor estava,. escrevendo por.favor a sua Mãe continuou. Impedidode falar com o seu advogado estava, impedido de falar com o seu advoga­do continuou. Proibido de trabalhar tlstava, proibido de trabalhar continuou. Pri­vado de quaisquer distrações estava, privado de quaisquer distrações continuou. E, assim, entregue, dia e noite, ao seu próprio pensamento, vive o Suplicante cercado por quatro paredes frias, mudas, e imóveis. Conceber-se-á prisão mais dura, maif, penosa e mais desumana? Dir-se-ia, Sr. Ministro Presidente, que ninguém se preo­cupa com os destinos da saúde mental do Suplicante, circunstância esta que não é de se admitir porque foi um isolamento desta espécie que levou Harry Berger a se mergulhar para sempre, e sem remédio, nas trevas sombrias e trágicás de sua de­mência definitiva.

Este estado de coisas precisa acabar. O Suplicante é membro da família hu­mana, e o que pretende obter da magistratura do seu País é tão simplesmente que ela faça cumprir, com serenidade e imparcialidad.e, os direitos inerentes aos mem­bros desta Família, e que se acham consagrados, aliás, nas leis positivas do nosso País.

Não se compreende, Sr. Ministro Presidente, que o Suplicante seja mantido durante o cumprimento de sua pena neste regime da mais absoluta e rigorosa inco­municabilidade, que dura há mais de seis anos; não se compreende, Sr. Ministro Presidente, que ponham ü Suplicante, praticamente, comá está acontecendo, sob a

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fiscalização direta de uma sentinela à vista; não se compreende, Sr. Ministro Presi­dente, que não se dê, sistematicamente, ao Suplicante a possibilidade sequer de se entender com uma pessoa que possa levar às autoridades administrativas superiores da República, ou aos Jul'zes executores da sua pena, a sua reclamação contra os re­petidos e sucessivos atos de arb ítrio com que se vê ferido na prisão em que Cje en­contra.

Para obter dos Jul'zes, incumbidos da execução da sua pena, que façam cessar este estado de coisas, que a nossa legislação não permite, é que oSuplicante se dirige, agora,' a V. 'Exa. Com efeito, conseguindo, recentemente, e após 10 me­ses do último entendimento, falar ao seu advogado, o Suplicante lhe reiterou, ver­balmente, aquilo que, dia!= antes, lhe mandara dizer numa carta que a censur~ do presídio consentiu, âfinal, em fazer chegar às mãos do seu patrono, e que é o se­guinte:

"Como V. Exa. deve saber, depois de mais de seis anos de prisão, continua sem qualquer modificação sensível minha situação de incomunicabilidade e rigoro­so isolamento. Nestas condições, penso agora, ao terminarem as férias forenses, di­rigir-me aos Juízes de nossa terra para pedir-lhes simplesmente que me façam Jus­tiça" .

O que o Suplicante, assim, vem pleitear junto de V. Exa. é simplesmente Justiça. E o meio de que se serve é este que lhe está assegurado no art. 43 da Leiln9 38, de 4 de abril de 1935, no domínio do qual foi imposta a pena de reclusão de 10 anos, constante da sentença de 7 de maio de 1937, e que é a que o mesmo Suo. plicante está a cumprir, presentemente. Eis que o que determina este art.43 supra­invocado:

"No interesse da ordem pública, ou a requerimento do condenado, poderá o Juiz executor da sentença ordenar seja a pena cumprida fora· do lugar do delito. Poderá, igualmente, em qualquer tempo, determinar a mudança do lugar de cum­primento da pena.

§ lI? O lugar de cumprimento de pena, salvo requerimento do interessado, não poderá ser situado a mais de mil quilômetros dp lugar do delito, asseguradas sempre boas condições de salubridade e de higiene.

§ 2~ Das decisões sobre O MODO e lugar DE CUMPRIMENTO DA PENA ca.be recurso para a Instância Superior, com o processo dos recursos criminais.".

Vê-se, pois que pela Lein938, de 4 de abril de 1935, - que é a que rege o cumprimento da pena s0b cuja ação o Suplicante se acha -, cabe ao Juiz da con­denação ESTABELECER O MODO do cumprimento da pena aplicada, e, bem as­sim, determinar o lugar em que se deve realizar o referido cumprimento da pena.

Ora, o Juiz que impôs ao Suplicante a primeira pena de 10 anos de reclu­são, em cujo cumprimento ele se encontra presentem.ente, foi o Tribunal de Segu­rança Nacional t criado pela lem9244, de 11 de setembro de 1936. Para assim agir, este Tribunal de Segurança Nacíonal invocou o art. 13 da referid","-"e\ que diz:

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"O Tribunal aplicará as penas cominadas pelas leis ns. 38 de 4 de abril, e 136, de 14 de dezembro de 1935, podendo determinar que sejam cumpridas em

colônias agrícolas e penais". Em face destes dispositivos, que são aplicáveis ao caso do Suplicante, vem

ele pedir que este Tribunal de Segurança Nacional, como Juiz de execução da· pena que lhe foi imposta pelo acórdão de 7 de maio de 1937, determine O MODO DE CUMPRI MENTO DESTA PENA, na forma da legislação reguladora da matéria.

Aliás, o Supremo Tribunal Militar, por acórdão de 19 de abril de 1940 (fls. 26/27 do 9? volume deste Processo n91, série AI, tomando conhecimento de uma reclamação do Suplicante, decidiu caber a este Tribunal de Segurança Nacio­nal, como Corte de 1~ I nstância, proferir julgas sobre a maneira de executar as pe­

nas impostas ao Suplicante. No desempenho destas suas atribuições de Juiz executor da pena que está

o Suplicante a cumprir atualmente, é mister que este Tribunal de Segurança Nacio­nal não perca de vista que a pena que o mesmo Suplicante está cumprindo é a de 10 anos de reclusão, porque o acórdão de 7 de maio de 1937 mandou que fosse observada a regra do art. 5? , preâmbulo, do Código Penal Militar, a qual estabele-

ce que: "Quando o criminoso ·fái convencido de mais de um crime,impor-se-Ihe-ão

as penas estabelecidas para cada um deles, começando a cumprir a mais grave delas em relação à sua intensidade, ou a maior se forem da mesma natureza".

Neste acórdão de 7 de maio de 1937, este Tribunal de Segurança Nacional atribuiu ao Suplicante a prática de dois crimes: o do art_ 1? da Lein9 38, de 4 de abril de 1935, e do art. 49da mesma Lei. Pelo primeiro crime impôs uma pena de reclusão de 10 anos; pelo segundo impôs outra pena, também de reclusão, de 6 anos e oito meses. Por ser, pois, mais grave a pena de 10 anos de reclusão, é por ela

que deverá começar o cumprimento das duas penas impostas. Conseqüentemente, o Suplicante está, neste momento, a cumprir a pena de

reclusão de 10 anos, pela prática do crime previsto no art. 19da Lein938, de 4 de

abril de 1935. Pois bem, pelo art. 47 da Consolidação das Leis Penais, que estava em vi-

gor na data em que o Suplicante foi condenado, "a pena de reclusão será cumprida em fortalezas, praças de guerra, ou esta-

belecimentos militares". O que havia, portanto, a fazer com o Suplicante, nessa época da sua conde-

nação definitiva, era enviá-lo para uma fortalezá, praça de guerra, ou, então, esta­belecimento militar. Isto não foi feito, entretanto, ,como o exigiam a lei, o direito,

e a justiça. Mas~ não é o cumprimento deste art. 47 que o Suplicante vem pleitear,

neste momento, dos Juízes de execução desta sua pena de 10 anos de reclusão. O que lhe interessa, agora, é coisa muito importante, porque diz respeito com as suas

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prerrogativas de criatura racional, e de membro integrante da vasta família humana. O que o Suplicante vem, assim, reivindicar perante os Juízes da sua terra são aqueles direitos que nenhum Poder tem autoridade para tirar da criatura humana, porque eles estão intimamente tímidos à própria natureza dela e independem de quaisquer condições de raça, de religião, e de concepções políticas.

Por isto, o Suplicante deliberou pleitear, mesmo do presídio onde o reco­lheram, e por todos os meios I (citas ao seu alcance, que lhe sejam reconhecidos es­ses direitos inerentes à sua qualidade" de homem, e que, além do mais, lhe são asse­gurados pela legislação aplicável à sua pessoa, na qualidade de condenado.

Antes de tudo, 9 Suplicante quer ficar isento do regime de arbítrio a que se acha sujeito presentemente. Para ele, na Penitenciária Central do Distrito Fede­ral, não há regras fixas, não há regulamento permanente, não há tratamento cons­tante. Nunca lhe de~am a conhecer as condições, regras, e preceitos que deve se se" guir, normalmente dentro da prisão. Jamais lhe reconheceram qualquer franquia co­mo um direito seu inalienável. Não conversa com ninguém. Não recebe visitas, nem sequer as de seu advogado. Não pode distrair-se com qualquer trabalho. O seu destino, duro e cruel, é viver no isolamento, guardado dia e noite por funcionário do presídio, que durante as suas horas de ronda tem ordens severas de se manter em face do Suplicante dentro do-mais absoluto silêncio.

Inteiramente diferente, e incomparavelmente muito mais suave é o regime a que estão sujeitos, na mesma Penitenciária, os réus de crimes comuns_ Eles traba­Iha'rn durante o dia_ Eles se divenem, com a prática de jogos e a audição de rádio_ Eles recebem, todas as semanas, em dias e horas fixados pela administração, os seus parentes e amigos. Lêem jornaiS e livros de sua escolha. Vivem, outrossim, em comum uma grande parte do dia. E tudo isto lhes é outorgado não por mero favor da administração, mas como conseqüência direta de regulamentos baixados pelo Poder Público, e que obrigam, também, os membros da administração do presídio.

Entretanto, Sr. Ministro Presidente, quando alei n938, de 4 de abril de 1935, estabeleceu para os condenados por infração ao art. l?dela, a pena de re­clusão, o que esta lei visou foi colocar, precisamente, os condenados políticos nu­ma situação de privilégio em face dos condenados de crimes comuns. O Suplicante não divaga, nem inventa. Reproduz lição elementar da doutrina penal. Realmente, Galdino Siqueira (DIREITO PENAL BRASILEIRO, Parte Geral, ed. 1921, n9 424, págs. 590/591), ensina:

"No art. 47 declara o Código que "a pena de reclusão será cumprida em fortalezas, praças de guerra ou estabelecimentos militares". Esta pena é aplicável somente às espécies de crimes pal/ticas; ... "Não se prescreve regime especial, pe·

lo que deve vigorar o imperante nos lugar~s onde a pena deve ser cumprida. Assim, como o efeito especial dessa pena, diz João Vieira, parece ser que o condenado não está sujeito a trabalho algum, não só porque tal obrigação não se infere de nenhuma pásição do Código Penal, como porque os lugares Ç>nde é cumprida

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por sua mesma natureza sujeitos aos regulamentos militares impediriam a organi­zação de trabalho penitenciário nas condições do art. 53 , isto é, mais ou menos adaPta~o ao estado dos reclusos."

Tão digna de respeito é, assim para o legislador, a pessoa do condenado po­lítico, que ele a manda colocar em estabelecimentos militares, para que fique su­jeita apenas ao regulamento comum de tais estabelecimentos, e não ousando, por­·tanto, impor-lhe, como obrigação, nem mesmo a prática dó trabalho. Buscando defender a sua própria estabilidade, o Estado não quer, todavia, nem desonrar o criminoso político, e nem submetê-lo a um regime carcerário rigoroso, ao contrá­rio do que faz em relação aos condenados por crimes comuns. É o que adverte. com precisão e clareza, a ciência penal, nesta outra lição de Galdino Siqueira (lbid., pág. 591).

"Sujeitando todos os crimes pai íticos a mesma pena, com o nome de pri­são de Estado, \lemos o código húngaro, arts. 20. n93 e 35. A diversidade de trata-o menta penal entre o delinqüente, comum e o delinqüente político advém DA 01-VERSIDI-\DE DO MÓVEL da ação delituosa, bem como da categoria dos agentes.

E ~esde que o motivo do crime, como rndice em regra da personalidade, deve determinar a qualidade de pena, e regime correspondente, bem avisado anda­:-ia o legislador criando a·s penas paralelas, a exemplo dos códs. italiano, húngaro, holandês e outros, isto é, penas que podendo ser iguais em duração distinguem-se, quanto à sua natureza e regime, uma sem caráter desonroso, SOB REGI ME BRAN­DO (custódia honesta, detenção ou seqüestração) para os delinqüentes que agiram sob motivo social ou sem peniersidade, como os delinqüentes polrticos, ou passio~ nais, ou culposos, outra com caráter desonroso, SOB REGIME RIGOROSO, para os delinqüentes que cederam a motivos ignóbeis, egoísticos, distinção que devia sej·relacionada com as circunstâncias materiais da ex.ecução do crime, e destarte fazendo, pela -diversidade de pena, a distinção que a opinião pública faz entre os delinqüttntes".

Com o Suplicante, entretanto, e por exceção singularíssima, se vem fazen­do precisamente o contrário disto que se acha determinado_ expressa e formalmen­te, pela legislação penal do País. Realmente, comparando-se o regime carcerário dos réus de crimes comuns da Penitenciária Central do Distrito Federal com o regi­me carcerário que na mesma Penitenciária. está sendo aplicado ao Suplicante, veri­fica-se, sem som.bra de dúvida, que os réus de crimes comuns tém um regime brando e o Suplicante, pelo contrário, tem um regime que já ultrapassou todos os rigores, porque é, em tudo, antes de tudo, e sobretudo, particularmente alu(;inante. Só a fibra de um habituado a afrontar todos os riscos, só a têmpera de um lutador que não se dobra diante de todas as ameaças, só o caráter de um com­batente destemeroso, é que seriam capazes de dois ou três meses, em 1937 -, a um regime tão duro, tão implacável e tão cruel.

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t evidente, Sr. Ministro Presidente, que esta situação ilegal não pode per­durar por mais tempo. Urge por-lhe termo definitivo. Eis por que, valendo.sedo que preceitua o § 2? do art. 43 da Lei n9 38, de 4 de abril de 1935, o Suplicante vem requerer, por intermédio desta, ao Tribunal de Segurança Nacional que fixe, na qualidade de executor da pena imposta, o modo de cumprimento da mencionada pena.

O Suplicante eritra, assim, e em seguida, a reivindicar, neste momento, es. tes direitos fundamentàis:

1? - manter, em caráter permanente, correspondência epistolar semanal com a sua Mãe, atualmente no México.

Sob nenhum pretexto, esta correspondência poderá ser interrompida. O Suplicante, no intuito de não fornecer motivos para a suspensão desta correspon_ dência, nunca a utilizou senão para dar expansão aos seus sentimentos puramente filiais. Quando, portanto, quiser a administração carcerária vedaro seguimento de qualquer carta deverá apresentá·la ao Sr. Ministro da Justiça, e, se necessário ao Juiz da execução da pena, que é este Tribunal de Segurança Nacional;

2? - receber, semanalmente, ao menos a visita do seu advogado. As fun. ções deste não cessaram com a condenação definitiva do Suplicante. Conforme ensinaram os mestres que têm tratado do assunto,

"a missão da defesa não é somente advogar perante o júri e discutir a ques­tão de,culpabilidade; após a leitura da sentença, questões graves e decisivas podem, ainda, apresentar·se no interesse do acusado, quer sobre o alcance legal desta seno tença, quer sobre os meios de nulidade que importa fazer apurar, QUER, TAM. B~M, SOBRE A APlICAÇAo DA PENA" (Cresson _ USAGES ET REGLES DE LA PROFESSION D'AVOCAT, vol. 1?, pág.366).

No mesmo sentido é esta outra lição:

"O advogado deve, em n·ome da Justiça e do seu cliente, assistir a este últi­mo durante todo o tempo dos debates, e não o deve deixar senão depois da fixa­ção definitiva da Sua sorte. Em matéria criminal, a sentença do juri não o libertaria da sua obrigação; poderão, ainda, existif observações que devam ser apresentadas A RESPEITO DA APLICAÇÃO DA PENA" (Saillard _ LE RÔLE DE L'AVOCAT EN MATII~RE CRIMINELLE. pág. 142).

Ora, esta é eXdtamente a situação do Suplicante. Conde.nado a duas penas de reclusão, uma de 10 anos de duração e outra de 6 anos e 8 meses, e, Posterior­mente, a uma prisão celular de 30 anos, não· conseguiu sair do regime puramente policial, que é aplicado, nas Delegacias do Palrcia, àqueles que são acusados de te. rem praticado algum crime, e que são conservados, por isto, dentro da mais abso­lUta e rigorosa incomunicabilidade. A única diferença que existe entre estes aCUsa. dos e o Suplicante é esta: a incomunicabilidade deles dura apenas alguns dias, ou, no máximo, algumas semanas, ao passo que a do Suplicante dura já-6 longos anos.

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Nesta matéria de visitas, o Suplicante se encontra numa situação realmente singular. A sua Mãe, esposa, filha e irm§'s não se acham presentemente no Brasil.lm­possível será, assim, ao Suplicante, receber as suas visitas. Os outros parentes, e mesmo alguns amigos dedicados e solícitos que desejassem visitá-lo, ver-se-iam Io­ga envoltos numa atmosfera de perigosa suspeição. Graves aborrecimentos lhes po­deriam advir se teimassem em ver e visitar o Suplicante.

Assim, uma só pessoa existe no País que está isenta, pela própria natureza das suas funções, de toda e qualquer supeição: é a pessoa do advogado do Supli­cante, o qual, como V. Exa. não ignora, foi constituído defensor do mesmo Supli­cante por indicação do Conselho da Ordem dos Advogados nesta Seção do Distri­to Federal, e conseqüente nomeação do Juiz deste Tribunal, Dr. Raul Campelo Machado,

Por esta circunstância, o advogado do Suplicante acha que têm inteiro ca­bimento aqui estas graves e austeras palavras de Saillard:

"A primeira obrigação do advogado é ir ver o seu cliente; ele preencherá, assim, o voto da lei, fazendo isto desde o começo, e reiterando as suas visitas tão freqüentemente quanto o interesse da defesa o exija.

Ele poderá, portanto, EVITAR OS EFEITOS FUNESTOS E AUMENTAR OS BONS RESULTADOS QUE O ISOLAMENTO PRODUZ sobre aqueles que,­inocentes ou culpados -, não adquiriram, ainda, o triste hábito da prisão. "Aí, diz o Sr. Trarieux, ele poderá exercer o seu ministério de doçura, bondade, bene· volência e prodigalizar encorajamentos que tornarão menos sombria e áspera, e previnirão qualquer ato de desespero".

Sente·se, aqui, o grande papel moral de consolação e de regeneração social, que é confiado ao advogado: o inculpado, deprimido pelo regime de sua dete;lção, escutará boamente os conselhos discretos daq!Jele em quem ele terá posto a sua confiança. O ÚNICO DO QUAL, EM TODO O CASO, ELE ESTÁ CERTO DE QUE NÃO TERÁ NUNCA QUE DESCONFIAR, E AO QUAL ELE PODE TUDO DIZER SEM TEMOR. Não está ele seguro de que nada sairá da sua boca, que não possa ser útil aos seus próprios interesses? A célula se presta maravilhosamente pa­ra esta influência direta do homem sobre o homem." (lbid" pág, 98),

Segregado de tudo e de todos, poderá ao menos o Suplicante ouvir, todas as semanas, a palavra leal, solícita-, e austera do seu advogado:

3'? - executar quaisquer trabalhos condizentes com a sua condição de con­denado político, em recinto distinto do do seu cubículo, se possível;

4~ - tomar banhos de sol, e fazer alguns exercícios f(sicos em lugares apropriados, de modo a resguardar e garantir o bom funcionamento de todos os seus membros e órgãos;

5'? - ler livros e jornais de SU!3 preferência, à semelhança, aliás, do que é permitido,-pela administração carcerária, a todos os condenados de crimes comuns.

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São estas, Sr. Ministro Presidente, as reivindicações que o Suplicante vem pleitear perante os Juízes incumbidos de fiscalizarem o cumprimento da pena qúe lhe foi imposta. Após seis anos de torturas morais indescriHveis, espera o Suplican­te que ao menos estas franquias lhe serão asseguradas, em toda a plenitude, como o estão a eXigir os mais elementares princípios de justiça.

Requerendo a junção da presente aos autos do respectivo processo, a fim de que sejam tomadas pelo Tribunal de Segurança Nacional as medidas aqui plei­teadas,

P. e E. Deferimento.

Distrito Federal, 30 de abril de 1942.

(a.) Heráclito Fontoura Sobral Pinto,

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RAZOES DE APELAÇÃO DE EURICO NATAL

o grande e quase genial historiador brasileiro CAPISTRANO DE ABREU, observador exato e pesquisador penetrante dos costumes, hábitos e normas da vida da gente brasileira, tais como os registram a história, não cessava de proclamar, por força de seus estudos e de suas observações, que o Brasil só progrediria com firme­za e só se tornaria um País civilizado no dia em que fosse promulgada a seguinte lei: "Art. 19-5upram·se todas as leis existentes. Art. 2Q-Revogam-se todas as dis­posições em contrário:'

Esta afirmação de CAPISTRANO DE ABREU era o resultado da verifica· ção, que vinha fazendo, desde muito, a respeito da não aplicação constante e inin­terrupta de numerosas leis votada: pelo Poder Legislativo do País.

Os chamados processos de subversão, atualmente da competência da Justiça Militar, comprovam, de maneira Impressionante, a exata· e indiscut(vel observação de CAPISTRANO DE ABREU.

Com efeito, um passeio tranqüilo e despreocupado através dos artigos do Código de Processo Penal Militar revela a existência de alguns preceitos legais, que não são sistematicamente cumpridos pelos órgãos competentes da Justiça Militar.

Assim, por exemplo, o art. 99 do referido Código de Processo Penal Militar preceitua:

"O inquérito policial militar é a apuração sumária de fato, que, nos termos legais, configure crime militar, e de sua autoria. Tem o caráter de instrução provi­sória, cuja finalidade precípua é a de ministrar elementos necessários ã propositura da ação penal.

Parágrafo único. São, porém, efetivamente instrutórios da ação. penal os exames, pen'cias e avaliações: realizados regularmente no curso do inquérito, por pel'itos idôneos e com obediência às formalidades previstas neste Código".

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tJ Código estabelece, portanto, distinção entre os atos que integram a figu­ra do inquérito policial militar: aqueles que se manifestam através de vestígios materiais ou de pessoas vinculadas ao fato criminoso são susceptíveis de ser tidos como provas, mas aqueles que não pertencem a essa categoria, tais como testemu­nhas, confissões, acariações e reconhecimento i~e pessoas não podem ser tidos como prova, dpvendo ser considerados apenas como elementos destinâdos a habili­tar o Ministério Público a instaurar a respectiva ação penal.

A lei processual determina, portanto, de forma categórica, que, com exe­ção das perícias e dos exames, levados a efeito no inquérito policial, toáos os outros elementos nele ··recolhidos devem ser considerados pelo Juiz do. processo como inexistentes após o oferecimento da denúncla.

Essa distinção entre os elementos colhidos no inquérito iustifica~se plena­mente, Basta ler o àrt. 314 do Código de Processo Penal Militar para que se apure, desde logo, a legitimidade da distinção,

Realmente, determina este artigo: liA perícia pode ter por objeto os· vestígios materiais deixados pelo crime

ou as pessoas e coisas, que, por sua ligação com o crime, podem servir-Ihedepro­va."

As perícias e os exames recaem, como acima se declara, sobre coisas que existem realmente e sobre pessoas de identidade absoiutamente conhecida. Aque· las e estas não podem ser inventadas nem forjadas, elas sãõ porque são, sendo a verificação delas e as suas relações com· o crime, que a justiça precisa de punir, estabelecidas com total certeza, mesmo na fase do inquérito.

Coisa idêntica, entretanto, já não acontece cem os demais elementos reco­lhidos no inquérito, porque a violência das-autoridades policiais pode perfeitamen-· te fabricá-los, sem nenhuma correspondência com a realidade dos fatos. T estemu­nhas e indiciados podem, sob a pressão de torturas as mais diversas, dizer que viram o que não viram e fizeram o que não flzeram, A coação física e moall exer· cida sobre pessoas, ainda que enérgicas e varonis, é de molde a arrancar dos indi· ciados confissões falsas e de testemunhas depoimentos fantásticos. Porque isto é perfeitamente possível, é que o legislador deu aos elementos desta natureza apenas o caráter de simples informação para instauração da respectiva ação penal.

Este parágrafo único acima transcrito é completado pelo art. 314 do aludi­do Código de Processo Penal Militar que diz:

"A perícia pode ter por objeto os vestígios materiais deixados pelo crime ou as pessoas e coisas, que, por sua ligação com o crime, passar serlfir-Ihe de próva".

Do inquérito policial militar, assim, só se salvará, na hora do julgamento, a prova material que, através de exames e de perícias, tiver sido nele recolhida. Tudo o mais, tais como depoimentos de testemunhas, confissões, acariações, não poderão servir de elementos para a condenação de qualquei indiciado. Tais·ele­mentos só serão válidos, no momento do julgamento, se tiverem sidos ratificados

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em juizo. É isto o que ordena a lei, cujo texto acaba de ser reproduzido nestas Razões de Apelação.

A conclusão supra-indicada é confirmada, em termos expressos, pelo art. 297 do já citado Código de Processo Penal Militar, que ordena, categoricamente:

"O juiz formará. convicção pela livre apreciação do conjunto das provas colhidas em juíza. Na consideração de cada prova, o juiz deverá confrontá·la com as demais, verificando se entre elas há compatibilidade e concordância".

A segunda parte do artigo acima reproduzido está, evidentemente, subor­dinada ao preceito imposto na primeira parte, a saber, aquela que declara que só têm valor para o julgamento as provas colhidas em jUl'zo.

Não pairam nas normas até aqui transcritas as providências do Código de Processo Penal Militar no sentido de permitir a condenação de alguém só mediante as provas colhidas em ,juízo. Realmente, o artigo 309 desse Código estabelece:

"A CONFISSÃO É RETRATÁ VEL e divisível, sem prejuízo do livre con­vencimento do juiz, FUNDADO NO EXAME DAS PROVAS EM CONJUNTO".

Deste modo, a confissão, feita no inquérito policial, mas que é retratada em juízo, na hora própria, não pode servir de prova para condenar a quem quer que seja.

Quando o texto .acima transcrito auto~iza que o juiz, por livre convenci­mento se utilize da confissão que foi retratada, estabelece, entretanto, uma condi- . ção legal, que é a do "EXAME DAS PROVAS EM CONJUNTO".

Da aproximação do membro de frase "EXAME DAS PROVAS EM CON­JUNTO". constante do art. 309, do outro membro de frase "CONJUNTO DAS PROVAS COLHIDAS EM JUIZO", integrante do art. 297, ambos do Código de Processo Penal Militar, apura-se que a expressão usada pelo art. 309 e referente à confissão, só é admissível para as provas colhidas em juízo ou para as provas mate­ríais' colhidas n"o inquérito, nos termos do parágrafo único do art. 99, combinado com os termos do art. 314, ambos do Código de Processo Penal Militar.

Não é lícito ao juiz comparar ou aproximar uma confissão, obtida no in· quérito policial militar, com outra confissão, recebida no mesmo inquérito policial militar, para, através desta comparação ou aproximação, proclamar que, sendo elas compatíveis, constituem prova contra os dois acusados. E não é lícito porque ambas as confissões foram feitas no inquérito policial militar, o que lhes tira toda e qualquer credibilidade.

A confissão, feita no inquérito policial militar, só é aceitável como prova quando ela pode ser comparada ou aproximada de uma prova material que pesa sobre o autor da confissão. Se esta prova material, nos termos do parágrafo único do art. 99, combinado. com os termos do art. 314 do mesmo Código, não existe relativamente ao autor de uma confissão feita no inquérito policial militar, tal con­fissão não autoriza, nos termos da lei, condenar o autor dela, se, em ju ízo, ele a retistou.

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PQis bem, Srs. Ministros, estes textos legais foram postos de lado, como se não existissem, pela Sentença que condenou EUR ICO NATAL à pena de dois anos de reclusão, como incurso no art. 43 do Decreto-Lei n9 898, de 29 de setem bro de 1969.

Contra o ora Apelante EURICO NATAL não foi colhida em ju(zo prova nenhuma, quer testemunhal quer material. A Sentença o reconhece em termos ex­pl(citos, como, a seguir se demonstrará.

Quanto à prova testemunhal, eis os seus termos: "As testemunhas arroladas pela Procuradoria às folhas 1414, 1417,1419,

1421, 1493, 1495, apenas testemunharam, respectivamente, os depoimentos de ANTONIO GONÇALVES EGLER, JANETE OLIVEIRA CARVALHO, EURICO NATAL, DALTON GODINHO PIRES e as duas últimas, de UBAJARA SILVEI­RA ROR IS. Estas testemunhas se limitaram a reconhecer os acusados e a declarar que os depoimentos foram prestados sem qualquer eiva de violência ou coação."

As testemunhas, assim, não puderam informar coisa alguma sobre as supos­tas atividades criminosas de EURICO NA TAL. O que dizem é que o mesmo pres­tou as suas declarações livremente e sem a menor coação.

Estas testemunhas não estão mentindo, porque o que lhes foi dado assistir foi o ato final de uma violência.e de uma coação que vinha durando meses, no cur­so dos quais o ora Apelante sofreu toda a espécie de torturas, dum isolamento to· tal, mantido em rigorosa e pertinaz incomunicabilidade, com ofehsa clara, perma­nente" e manifesta à lei.

Realmente, o Decreto-Lei n9 898, de 29de setembro de 1969, dispõe, no §19 do art. 59:

"0 Encarregado do Inquérito poderá manter incomunicável o indiciado até dez dias desde que a medida se torne necessária às averiguações policiais milita-res".

Por seu turno, a Lei n9 4.215, de 27 de abril de 1963, determina, no ítem III do art. 89:

"São direitos do advogado: comunicar-se, pessoal e reservadamente, com os seu clientes, ainda quando

estes se achem presos ou detidos em estabelecimento civil ou militar, mesmo inco­municáveis".

A prisão incomunicável em que EURICO NA TAL foi mantido, duante me­ses, sem que ninguém, inclusive a sua própria família, soubesse em que prisão ele fora colocado, e os motivos que a determinaram, foi, portanto, flagrantemente ile­gal, em face dos termos da lei acima reproduzidos, na sua integridade.

É claro que, após ter sido seviciado, coagido e ameaçado, recebeu a reco­mendação de afirmar, calma e tranqüilamente, tudo aquilo que lhe fora sugerido no período das torturas, sob pena de, não o fa~endo, voltar novamente para câ­mara das torturas. Sem a menor possibilidade de resistir nem de recorrer à prote-

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ç,ão de sua família e do advogado de sua escolha, a solução era capitular ante a vontade abusiva de seus algozes. Repetiram, por isto, a lição mentirosa anterior· mente recebida. Desta forma, uma confissão feita no inquérito policial, sem que nesse inquérito haja qualquer prova material que a confirme, foi considerada pelos ju(zes militares como prova da culpabilidade do ora Apelante EURICO NA TAL, quando a lei, que regula.o assunto, preceitua, em termos precisos e inconfundíveis, que uma tal confissão tem de ser tida como inexistente, uma vez que foi retratada na hora própria, perante os juízes que, no momento do julgamento, deliberaram elevá.la à categoria de prova, apesar da manifesta proibição da lei.

Estranha e surpreendente é a coerência e a lógica da Sentença, como o de­

monstra o seguinte trecho desse documento: ei-Io: "Fala-se, no autos, sobre um julgamento que havia ocorrido, de um s.u bver-

sivo de nome GERALDO DAMASCENO e, acusam-se alguns réus de terem sido os autores. Ora, sobre o fato nada foi apurado. Nada resultou provado sobre o fato."

Aqui, como o trecho supratranscrito o demonstra, a Sentença resolveu, e o

fez acertadamente,não levar em consideração as confissões dos indiciados, porque não foi recolhida nos autos, mesmo na fase do inquérito, prova nenhuma da mor­te, por execução, do companheiro de subversão. Tal procedimento da Sentença foi correto, sensato e lagal, por isto que a prova da morte, e morte por execução, não

foi apresentada nos autos. Entretanto, nos outras pontos da confissão, naqueles em que há referên­

cias a aliciamento de n'ovos membros para o Partido Comunista do Brasil, conver­sas nas esquinas das ruas, reuniões nas casas de -uns e dos outros dos membros des­te Partido, a Sentença, num ilogismo flagrante contrário à lei, deixou de aplicar o mesmo critério, considerando a confissão, em tais pontos, como prova suficiente

para condenar o ora Apelante EURICO NATAL_ Este i1ogismo merece maior censura, porque ·a Sentença desrespeitou a lei,

sabendo que o fazia, consoante certifica o trecho que se segue: liA lei entende que a simples confissão de inquérito e as declarações de co-

réus não são suficientes como prova". A conclusão 16gica, serena e imparcial desta afirmação certa e legal da Sen­

tença, seria a da absolvição daqueles indiciados que figuram no processo sem que nos autos respectivos surja prova material, seja de que natureza for, que confirme as declarações prestadas no inquérito, naquela fase em que eles permaneceram in­comunicáveis durante meses, sem que as suas próprias fammas soubessem o desti­no deles. ~ óbvio que esta incomunicabilidade e esta detenção desconhecida estão a atestar que os indiciados sofriam, nesse período, toda a espécie de coação, com a finalidade de forçá-los a dizer e a proclamar aquilo, que na verdade, eles não

tinhàm feito nem praticado. Ê de salientar, agora, que, depois de reconhecer que a lei não dá o menor

valor às confissões feitas no inquérito policial, que estejam desacompanhadas de

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prov.as materiais que as confirme, a Sentença prossegue nestes termos: "Mister, entretanto, se faz entender que uma simples declaração seja insufi­

ciente, mas, vários co-réus fazendo as mesmas acusações ou se referindo a um fa­to, esta prova já vem tomando corpo, embora, de inquérito o podem conduzir os julgadores a uma convicção de que esta ou aquela acusação tem cabimento. É o que acontece nestes autos".

É de pasmar o ilogismo e a ilegalidade da Sentença, desde que o que é ile­gal uma vez, tem de ser ilegal dez ou cem vezes. Quando a lei determina que as confissões feitas no inquérito não têm o valor de prova é porque, no inquérito, as confissões não são feitas dentro das condições e das garantias impostas pelo art. 307 do Código de Processo Penal Militar, condições e garantias que são as seguintes:

"Para que tEmha valor de prova, a confissão deve: a) - ser feita perante autoridade competente; . b) - ser livre, espontânea e expressa; c) - versar sobre o fato principal; d) - ser v-erossímil;

so". e) - ter compatibilidade e concordância com as demais provas do praces-

Ora, a confissão atribu(da a EURICO NATAL não foi feita perante a auto­ridade competente, a saber, o encarregado do inquérito; não foi livre, espontânea e expressa, mas, pelo contrário, foi coagida, obrigada e imposta; e, finalmente, não é compatfvel nem concordante com as demais provas do processo, uma vez que não foi recolhida nos autos prova de espécie alguma que confirme as declarações do inquérito ~ ele atribul'das.

Numa incoerência, que a lei condena, a Sentença chama prova aquilo que, a seguir, ela declara:

"Alguns acusados prestaram depoimentos convergentes para estabelecer responsabilidade de outros e esses depoimentos foram depois confirmados em su­mário, não pelos réus, é verdade, mas por testemunhas que, no inquérito, presen­ciaram suas declarações e, em Ju ízo, vêm e declaram que o fizeram de livre e es­pontânea vontade, sem qualquer coação."

As testemunhas convocadas, agora, pela Sentença para -dar credibilidade às confissões dos indiciados, não estiveram ao lado e na presença dos mesmos in· diciados durante todo o peiíodo em que eles permaneceram detidos e incomunicá­veis em prisões do exército,. sofrendo toda a espécie de torturas para que anuíssem em dizer aquilo que as autoridades militares queriam que eles dissessem. Estas tes­temunhas s6 estiveram presentes ao ato final, que era o resultado de toda a coa­ção que durava meses. Este aspecto já foi focalizado anteriormente nestas mesmas Razões de Apelação. Assim, o que a Sentença considera prova é uma série de con­fissões feitas com infração e desrespeito total ao que .figura preceituado no art.

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307 do Código de Processo Penal Militar, já anteriormente citado. 100 confissões nulas, quando reunidas, não se transformam numa confissão verdadeira, isto é, não podem ser elevadas à categoria de prova. A validade de uma confissão não é uma questão de número, mas uma questão de qualidade. Aquilo que não- presta nem va· le nada porque não se reveste das condições exigidas pela lei, pode se repetir dez, cem ou mil vezes que continua a não prestar e a não valer nada.

É de uma ingenuidade, incompreens(vel em homens experimentados, como aqueles que proferiram a Sentença que condenou EURICO NA TAL que conside­rem eles verdadeiras as confissões, feitas no inquérito, por serem l/convergentes pô­ra estabelecer responsabilidade de outros".

Esta convergência é o que há de mais explicável: os indiciados estiveram meses a fio nas mãos dos interrogadores. Obtida a declaração de um, mediante o emprego da tortura, torna-se fácil, através dos mesmos métodos de coação, obter dos demais indiciados declarações idênticas.

A convergência, a que alude a Sentença, obtida no decurso do inquérito que se arrasta por meses, com os indiciados incomunicáveis, longe ae ser prova de culpabilid~de deles, revela, pelo contrário, o abuso das autoridades que presidiram tal inquérito.

O ponto mais lamentável, porém, da Sentença é aquele em que declara que, embora se arriscando a condenar inocentes, entende que as confissões mani­festamente ilegais, feitas· sem as condições e garantias impostas pelo art. 307 do Código de Processo Penal Militar, devem ser aceitas como prova, pela incapacida­de das autoridades repressoras de conseguir as provas exigidas pela lei. Torture-se, coaja-se,·sevicie-se, desrespeite-se a dignidade da pessoa humana, mas arranquem-se confissõ~, ainda que falsas, para garantir o regime que a( está. Aqui vão estas "in­",Ivei, palavras da Sentença:

lias métodos empregados para a propaganda do regime comunista e suas dis~id"ências já por si só tornam-se dific(limos de serem provados, porque feita atra­vés de ~liciamentos, leituras, sobretudo de imprensa clandestina, conversas aopé. do~ouvido, tudo no maior segredo, subrepticiamente, nos subterrâneos da subver­são, cada vez mais vigorosa. Há nos autos referências a dinheiros vindos do exte­rior, donde se conclui, auxflio externo para sustentação dos partidos fora-da-Iei. A não aceitar-se esse tipo de provas que, embora de co-réus, venham acompanha­das de confissÇ)es, seria deixar à larga a atuação do insidioso inimigo da Pátria. t verdade que se faz necessária uma interpretação rigorosa de um tal tipo de prova, pois, injustiças podem ocorrer, sobretudo quanto a inimizades partidárias ou um elemento mal avisado queira deixar as fileiras da subversão, que são citados pelos membros ativistas. Conclui-se assim, que a lei não é tão liberal como se alega."

O que é singular em toda esta exposição da Sentença é que ela se atreve a denominar prova aquilo que, pela lei, não tem nem pode ter semelhante valor.

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A confissão desacompanhada de qualquer prova materiElI é nula, não podendo ser admitida como prova por qualquer juiz militar.

Mais singular, ainda, é a afirmação de que a lei não é tão liberal como se apreg"oa. Onde, na lei e na doutrina, os textos, as razões e as declarações que au­torizam a fazer afirmação tão grave. A lei é o que é. Contra ela não podem"preva­lecer argumentos nem quaisquer considerações de ordem pai (tica. A nossa lei não é nem rigorosa nem frouxa. Ela é a lei e tem de ser obedecida.

Finalmente, o mais espantoso é que a Sentença reconhece que não fo"i co­lhida no processo prova nenhuma a respeito das supostas atividades ilegais de EURICO NA TAL, porque ninguém assistiu aos aliciamentos que lhe são atribuf­dos, ninguém ouviu as suas conversas com os supostos correligionários comunistas, ninguém presenciou a sua leitura de jornais comunistas clandestinos. Como tudo isto é muito difídl de ser apurado pelas autoridades repressoras do comunismo, conclui-se que a e!as"é I(cito torturar os trabalhadores humildes, a fim de arrancar deles. pela coação insuportável, a confissão falsa de todas estas atividades.

Quando os jUl'zes, sentinelas da lei, tornam nulos os seus preceitos, sob o fundamento de que eles protegem supostos inimigos do regime, estão preparando, sem que o percebam; para a Pátria, um futuro sombrio e funesto. Os fatos sociai"s não provocam, no seio da comunidade onde eles surgem, conseqüências rápidas ou imediatas. Eles vão solapando aos poucos as normas que presidem ao desenvolvi­mento social de tais comunidades.

O desrespeito consciente e sistemático das leis de um Pa(s pertencem a esta categoria de fatos sociais. Os efeitos desagregadores que dele decorrem não apare­cem logo. Levam anos para revelar a sua obra de destruição. Ele acarreta, necessa· riamente, o desprestfgio da Justiça e a confiança que nela depositam os cidadãos da Pátria, cujo despertar é quase sempre desastroso e doloroso.

A Sentença reconhece que não existe nos autos prova alguma contra"o ora Apelante EURICO NA TAL; Nem no inquérito, nem no sumário entrou nestes auto, prova alguma apontando o ora Apelante EURICO NA TAL como comunista e como comunista em atividade. A condenação dele, pela Sentença, decorreu tão somente da sua confissão, feita no inquérito, e de outros indiciados, também fei­

ta no inquérito. Pouco importa que a lei não admita sejam tidas como prova semelhantes

confissões. O que é preciso é condenar, conforme a própria Sentença confessa nestes termos:

"Ora, não admitir-se acusações desta natureza, seria deixar aos inimigos do regime, uma situação muito cômoda para defender-se a continuar livremente com o apanágio da Justiça, sua propaganda desagregadora e nefasta ao regime constitu(do. Não fora assim o único culpado' neste inquérito seria DALT9N GO­DINHO PIRES que teve apreendido em sua residência material subversivo _ .. "

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Não pode o ora Apelante EURICO NA TAL deixar de acentuar que' há, nestes autos, prova idônea de torturas cruéis aplicada aos indiciados na fase do in­quérito. A Dra. GRACIELA MEINBERG FADUL. segundo diz a própria Seno tença.

"Alegou que o depoimento prestado, no inquérit.o, não representa a verda­de, porque obtido à base de violência e coaçã:o moral, frsica e psic9Ióglca".

Mais adiante, continua a Sentença: "às folhas 1.611, uma informação do Hospital Central do EXÉRCITO dá

noticia de que a Dra. GRACIELA MEINBERG FADUL fora apresentada àquela entidade, com um prolapso hemorroidário e ali operada. Isto ocorreu no decurso de sua prisão".

Esta indiciada foi absolvida, e o foi acertadamente, uma vez que a sua con­fissão, falsa, decorreu das torturas tão cruéis que lhe inflingirarn até o ponto de ser necessária a sua internação no Hospital Central do Exército, onde fói operada.

A conclusão lógica, legal e justa da argumentação até aqui desenvolvida é uma só, no que diz respeito ao ora Apelante EURICO NA TAL, a sua absolvição, à semelhança do que ocorreu com a Dra. GRACIELA MEINBERG FADUL.

Mas, admitindo-se, para argumentar, que o ora Apelante devesse ser con­denado, com_ fundamento nas confi.ssões , extorquidas pela violência, recolhidas nestes autos, não poderá ele ser condenado a dois anos de reclusão, como incurso no art. 14 do Decreto·Lei n9 898 de 29 de setembro de 1969. A Sentença deciara, no que lhe diz respeito:

"Condenar EURICO NATAL, unanimemente, e por maioria de votos, como incurso no art. 43, a dois anos de reclusão".

O art. 14 do referido Decreto-Lei, preceitua: "Formar, filiar-se ou manter associação de qualquer título, comitê, entida­

de de classe ou agrupamento que, sob a orientação ou cqm o auxflio de governo estrangeiro ou organização internacional, exerça atividades prejudiciais ou perigo­sas à Segurança Nacional.

Pena: reclusão, de 2 a 5 anos, para os organizadores ou mantenedores, e de 6 meses a 2 anos, para os demais_"

Apura-se, pelo texto acima transcrito, que a pena de 2 anos de· reclusão é, num caso, pena m(nima; e, noutro caso, pena máxima.

É pena mínima quando se trata de organizadores e mantenedores; e é de pena máxima, para os demais.

No caso do ora Apelante EURICO NA TAL, a sua confissão, falsa, não o coloca na posição de organizador e mantenedor do Partido Comunista. Consi­derada como prova, embora ilegalmente, ela o colocaria na situação de apenas filiado do Partido Comunista.

Neste hipótese, sendo ele primário, a pena a lhe ser imposta teria de ser de 6 meses, e nunca de 2 anos.

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Se o Superior Tribunal Militar entender, apesar da argumentação cerra­da aqui desenvolvida, de condenar o ora Apelante EURICO NATAL, deverá, em tal caso, receber o presente recurso para, modificando a Sentença de li! Ins­tância, condená-lo a 6 meses de reclusão.

Em face de tudo quanto foi exposto, debatido e argumentado, com ba­se na lei reguladora do assunto, confia o ora Apelante EURICO NA TAL seja absolvido e, na pior das espécies, condenado a pena de reclusão de 6 meses. Urge, porém, proclamar, com veemência, que a solução legal do seu caso é a absolvição, como estão a exigir os preceitos da serena e imparcial

JUSTiÇA

Rio de Janeiro, 12 de janeiro de 1976.

Heráclito Fontoura Sobral Pinto.

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SUMARiO

Carta de Sobral Pinto a Ary Quintella, de 7.3.79.

Carta de Juscelino Kubitschek de Oliveira a Sobral Pinto, de 9.2.72.

Discurso do Deputado Federal Álvaro Valle, em 13.3.79, sobre à

concessão do PrDmio Juca Pato ao jurista Sobral Pinto.

Porque Defendo os Comunistas- introdução de Ary Quíntella.

Auto de Declarações prestadas pelo Capitão Luiz Carlos Prestes, em 9.3.36.

Carta de Sobral Pinto à sua irmã Natalina, de 11.1.37, a respeito de seu patrocínio de Luiz Carlos Prestes.

Carta de Sobral Pinto a Targino Ribeiro, Presidente do Conselho da OAB, de 12.1.37, aceitando a defesa de- Luiz Carlos Prestes e Harry Berger.

Carta de Sobral Pinto a Dom Sebastião Leme, Cardeal do Rio de Janeiro, de 14.1.37.

Requerimento de Sobral Pinto a Raul Machado, Juiz do Tribunal

de Segurança Nacional, de 15.1.37, solicitando lhe seja permitido entrar na célula de Luiz Carlos Prestes.

Requerimento de Sobral Pinto a Raul Machado, de 15.1.37, solicitando seja dispensado tratamento condigno a Harry Berger.

Resposta de Euzébio de Queiroz Filho, Comandante da Polícia Especial, ao Juiz Raul Machado, em 25.1.37, confirmando denúncia de Sobral Pinto relativa ãs condições de encarceramento de Harry Serger.

Defesa Prévia de Harry Serger, de 29.1.37.

Exposição de Sobral Pinto a Raul Machado, de 29.1.37, expli­cando porque ainda não fizera a Defesa Prévia de Luiz Carlos Prestes.

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Carta de Diga Benário Prestes, esposa de Luiz Carlos Prestes, de 31.1.37, à sua sogra, Leocádia Prestes.

Tradução da carta de Diga Benário Prestes.

Requerimento de Sobral Pinta a Raul Machado, de 11.2.37, a respeito da impossibilidade de David Levinson, advogado norte­americano, ser patrono de Harry Berger no Brasil.

Carta de Sobral Pinto a Agamennon Magalhães, Ministro da Justiça, de 13.2.37.

Requerimento de Sobral Pinto a Raul Machado, de 2.3.37, falando das péssimas condições de encarceramento de Harry Berger e sólicitando seja aplicada ao prisioneiro a lei de Proteção

aos Animais.

Notícia de A Noite, anexada ao requerimento de 2.3.37.

Carta de leocádia Prestes a Luiz Carlos Prestes, de 6.3.37, co­

municando o nascimento da filha dele.

Carta de Lygia a seu irmão Luiz Carlos Prestes, falando de Anita Leocádia, filha dele, sem data.

Ofício de Raul Machado ao Chefe da Polícia do Distrito Federal, de 9.3.37, referente às péssimas condições de encarceramento de Harry Berger.

Requerimento de Sobral Pinto a Raul Machado, de 11.3.37, solicitando seja entregue a Luiz Carlos Prestes correspondência a ele dirigida.

Carta de Sobral Pinto a Leocádia Prestes, de 12.3.37, em que fala de sua posição como advogado de Luiz Carlos Prestes e Harry

Berger.

Requerimento de Sobral Pinto a Raul Machado, de 5.4.37, solicitando lhe seja assegurada a livre comunicação com Luiz

Carlos Prestes.

Requerimento de Sobral Pinto a Raul Machado, de 6.4.37, r~iterando seu pedido de remoção de Harry Berger para outro cárcere.

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Ofício de Raul Machado a Euzébio de Queiroz ~ilho, Coman­dante da Polícia Especial, de 9.4.37, referente ao relacionamento de Sobral Pinto com Luiz Carlos Prestes, e outra matéria:

Carta de Sobral Pinto a Leocádia Prestes, de 10.4.37, a respeito da correspondência dela com Luiz Carlos Prestes .

Exposição de Sobral Pinto a Raul Machado, de 14.4.37, sobre as razõ.es de não haver ainda apresentado as Alegações Finais em favor de Harry Berger.

çarta de Sobral Pinto a Minna Ewert, irmã de Harry Berger, de 27.4.37, a respeito de David Levinson.

Requerimento de Sobral Pinto a Raul Machado, de 5.5.37, reiterando lhe seja permitido falar a sós com Luiz Carlos Prestes.

Protesto de Sobral Pinto ao Comandante da Polícia Especial, de 5.5.37, referente a pressões exercidas por aquela autoridade contra Luiz Carlos Prestes.

Carta de Sobral Pinto a Leocádia Prestes, de 8.5.37, comunicando a condenação de Luiz Carlos Prestes a 16 anos e 8 meses de

prisão.

Carta de Sobral Pinto a Leocádia Prestes, de 12.5.37. comuni­cando a entrega dos objetos remetidos ao filho.

Carta de Sobral Pinto a Minna Ewert, de 20.5.37, comunicando a condenação de Harry Berger a 13 anos e 4 meses de prisão.

Pelo Apelante Arthur Ernest Ewert ou Harry Berger, em 24.5.37.

Pelo Apeiante Luiz Carlos Prestes, em 24.5.37.

Carta de Sobral Pinto a leocádia Prestes, de 28.5.37, descrevendo a revista de objetos pessoais que ele entregara a Luiz Carlos

Prestes.

Carta de Sobral Pintu a J.osé Carlos de Macedo Soares, novo Ministro da Justiça, de 3.6.37, descrevendo as péssimas condições de encarceramento de Harry Berger, "reduzido à humilhante condição de animal hidrófobo", e de. Luiz Carlos Prestes, que "sofre a tortura alucinante da sentinela à vista, dia e noite".

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Carta de Sobral Pinto a Minna Ewert, de 11.6.37, a respeito da possibilidade da cunhada dela - Sabo - retornar ao Brasil~ de onde fora expulsa.

Carta de Sobral Pinto a Leocádia Prestes, de 12.6.37, referente 11 possível transferência de cárcere de Luiz Carlos Prestes e Harry Berger.

Carta de Sobral Pinto ao cardeal Dom Sebastião Leme, de 3.7.37, solicitando a Sua Eminênç:ia "chamar à razão os nossos governan. tes" para que Harry Berger não morra na Polícia Especial.

Carta de Sobral Pinto ao Presidente da República, Getúlio Dor­nelles Vargas, de 8.7.37, a respeito das "torturas morais" que Luiz Carlos Prestes e Harry Berger vinham sofrendo, bem como "os supll'cios ffsicos indescritíveis, que estavam a inflingir a Harry Berger" .

Carta de Sobral Pinto a Leocádia Prestes, de 10.7.37, sobre a transferência de prisão de Luiz Carlos Prestes e Harry Berger.

Carta de Sobral Pinto a Leocádia Prestes, de 17.7.37, sobre a defesa de Luiz Carlos Prestes e Harry Berger.

Carta de Sobral Pinto a Leocádia Prestes, de 24.7.37, a respeito das condições de transferência de Luiz Carlos Prestes para a Casa de Correção.

Carta de Sobral Pinto a Carlos Lassance, Diretor da Casa de Correção, de 12.8.37, prestando contas da quantia remetida por Leocád ia Prestes.

Requerimento ao Relator da Apelação Crime nÇ> 4.899. de 28.7.37, solicitando medidas urgentes a fim lide levantar as energias, já grave e seriamente comprometidas, desse torturado preso político - Harry Berger."

Carta de Sobral Pinto a Leocádia Prestes, de 14.8.37, a respeito da possível libertação de Diga Benário Prestes.

Carta de Sobral Pinto a José Carlos de Macedo Soares, Ministro da Justiça, de 19.8.37, em que afirma tudo fazer "para evitar que o .

Governo bárbaro e odiento de Hitler pratique a monstruosa iniqüidade de tirar das mãos de sua Mãe uma tenra criança de 10 meses" .

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Carta de Sobral Pinto a Leocádia Prestes, de 18.9.37, a respeito do "reconhecimento, por parte de Luiz Carlos Prestes, de sua filha Anita Leocádia".

Carta de Sobral Pinto a Leocádia Prestes, de 25.9.37, comuni· cando a remessa à Gestapo de certidão de escritura de reconhe­cimento de Anita.Leocádia.

Carta de -Sobral Pinto a Leocádia Prestes, de 4.12.37, ainda a espeito de Anita Leocádia.

qarta de Sobral Pinto a Francisco Campos, Ministro da Justiça, de 4.1".38, solicitando providências para assegurar o seu entendi­mento com Luiz Carlos Prestes e Harry Berger, na Casa de Cer­reção, e mencionando o procedimento de Filinto Müller, Chefe de Polícia.

Carta de Sobral Pinto a Francisco Campos, Minisvo da Justiça, de 10.1.38, mencionando "Neste regime de senzala que o Getúlio, com a sua colaboração . .. "

Carta de Sobral Pinto ao Capitão Luiz Carlos Prestes, de 15.1.38, em que declara: "Os de quem me desinteresso, Sr. Capitão, são os vencedores".

Carta de Sobral Pinto a9 Tenente Canepa, novo Diretor da Casa de Correção, de 15.1.38, remetendo livros para Luiz Carlos Pres­tes.

Carta de Sobral Pinto para Francisco Negrão de Lima, Chefe do Gabinete do Ministro da Justiça, de 19).38 remetendo "os no· mes de alguns presos políticos . . , "3 fim de que você dê inicio ao serviço de apuração ... da justiça ou injustiça das prisc5es . , . "

Carta de Sobral Pinto a Francisco f'l<>9'''' <lo Lima, de 14.3.38, assim iniciada: "Gostei de ver o tom de seu cartão. Aquele "Dr. Heráclito Sobral Pinto, F. Negrão de Lima, Chefe do gabinete do Ministro da Justiça, cumprimenta" é de 11m sabor austero' que condiz muito bem ... "

Carta de Sobral Pinto a Leocádia Prestes, de 7.5.38, mencionando greve de fome iniciada por Luiz Carlos Prestes.

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Carta de Sobral Pinto ao Cardeal Dom Sebastião Leme, de 9.6.38, relatando a sua prisão, dentro da Casa de Correção.

Carta de Sobral Pinto a Francisco Campos, Ministro da Justiça, de 17.6.38, a respeito dos acontecimento;; na Casa de Correção.

Carta de Sobral Pinto a Francisco Negrão de Lima, de 5.8.38, em que diz: "O tal Estado Novo que vocês inventaram só produz destes resultados: a inversão de todos os valores".

Pelos Embargantes Luiz Carlos Prestes, Arthur Emest Ewert ou Harry Berger e Agildo da Gama Barata Ribeiro, em 3.10.38.

Requerimento de Sobral Pinto ao Ministro Presidente do Tribunal

de 30.4.42, fazendo certas reivindicações para Luiz Carlos Prestes.

Razãeside Apelação de Eurico Natal, de 12.1.76.

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