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Rua Boa Vista, 103 – 1º andar – São Paulo/SP – CEP: 01014-000 – Tel: (11) 3101-0155 – Opção1 [email protected] São Paulo, 30 de outubro de 2019 Ofício NUDDIR n.º 381/2019 Ref.: PA NUDDIR nº 12152/2019 Assunto: Nota técnica de apoio ao Projeto de Lei Estadual que institui o Programa Estadual Transcidadania e dá outras Providências À Excelentíssima Senhora Deputada Estadual Erica Malunguinho Cumprimentando-a cordialmente, este Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial (NUDDIR) da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, nos termos do artigo 162, IV, da Lei Complementar Estadual nº 988/06, por meio dos Defensores subscritores, vem por meio deste, apresentar parecer a respeito do Projeto de Lei Estadual n. 491/2019. A Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPESP) é uma instituição permanente, cuja função é assegurar, gratuitamente, a cidadãos e cidadãs necessitados (as), a promoção dos direitos humanos, por meio de assistência jurídica e de defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos. O Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e Igualdade Racial (NUDDIR) é um órgão que compõe a estrutura da DPESP, cuja missão é adotar medidas para o enfrentamento de todas as formas de violência, discriminação e opressão que atingem a população negra e LGBTQIA+, bem como desempenhar ações que promovam o respeito à cidadania desses grupos. Para tanto, possui a competência para ingressar com ações judiciais, apresentar denúncias de discriminação LGBTfóbica, racial ou contra portadores do vírus HIV/AIDS para apuração administrativa perante a SJDC (Leis Estaduais nº 14.187/2010, 10.948/2001 e 11.199/2002), realizar atividades de formação em direitos humanos, prestar orientação jurídica e participar da

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São Paulo, 30 de outubro de 2019

Ofício NUDDIR n.º 381/2019

Ref.: PA NUDDIR nº 12152/2019

Assunto: Nota técnica de apoio ao Projeto de Lei Estadual que institui o Programa

Estadual Transcidadania e dá outras Providências

À Excelentíssima Senhora Deputada Estadual Erica Malunguinho

Cumprimentando-a cordialmente, este Núcleo Especializado de

Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial (NUDDIR) da Defensoria Pública do

Estado de São Paulo, nos termos do artigo 162, IV, da Lei Complementar Estadual nº

988/06, por meio dos Defensores subscritores, vem por meio deste, apresentar parecer

a respeito do Projeto de Lei Estadual n. 491/2019.

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPESP) é uma

instituição permanente, cuja função é assegurar, gratuitamente, a cidadãos e cidadãs

necessitados (as), a promoção dos direitos humanos, por meio de assistência jurídica e

de defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos.

O Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e Igualdade Racial

(NUDDIR) é um órgão que compõe a estrutura da DPESP, cuja missão é adotar

medidas para o enfrentamento de todas as formas de violência, discriminação e

opressão que atingem a população negra e LGBTQIA+, bem como desempenhar ações

que promovam o respeito à cidadania desses grupos. Para tanto, possui a competência

para ingressar com ações judiciais, apresentar denúncias de discriminação LGBTfóbica,

racial ou contra portadores do vírus HIV/AIDS para apuração administrativa perante a

SJDC (Leis Estaduais nº 14.187/2010, 10.948/2001 e 11.199/2002), realizar atividades

de formação em direitos humanos, prestar orientação jurídica e participar da

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implementação e monitoramento de políticas públicas universais e específicas que

afetem o gozo dos direitos fundamentais por esses grupos.

Faz parte do cotidiano desse órgão o atendimento jurídico e

psicossocial a pessoas da comunidade LGBT que nos procuram buscando a realização

dos seus direitos nas mais diversas áreas: educação, trabalho, moradia, segurança

pública etc., sendo-nos possível constatar com proximidade as mazelas enfrentadas

sobretudo pela população transexual e travesti, que costuma sofrer com os mais altos

níveis de vulnerabilidade social, encontrando-se, frequentemente, em situação de rua e

totalmente alijada do mercado de trabalho formal.

Considerando as atribuições legais desse Núcleo e o possível impacto

do projeto de lei nº 491/2019, da autoria de V. Exa, posto que voltado à garantia da vida

e à promoção da cidadania de pessoas “transgêneros, transexuais e travestis em

situação de vulnerabilidade social”, as quais representam parcela expressiva dos

usuários dos nossos serviços, emerge o interesse deste órgão na apresentação de

parecer técnico a respeito da referida proposta legislativa, cuja minuta segue em anexo.

Na oportunidade, colocamo-nos à disposição para quaisquer

esclarecimentos, apresentando votos de elevada estima e distinta consideração.

ISADORA BRANDÃO ARAUJO DA SILVA

Defensora Pública Coordenadora do

Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial da Defensoria

Pública do Estado de São Paulo (NUDDIR)

À Deputada Estadual Erica Malunguinho

Av. Pedro álvares Cabral, 201, São Paulo, CEP 04097-900 – pabx 3886-6000

[email protected]

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PARECER TÉCNICO

PA NUDDIR nº 12152/2019

Assunto: Projeto de Lei que institui o Programa Estadual Transcidadania e dá

outras Providências

1. Trata-se de Projeto de Lei (PL nº 491 de 2019) apresentado à

Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo por iniciativa da

Deputada Estadual Erica Malunguinho em 15/04/2019.

2. Busca-se, através do projeto, promover os direitos humanos, os

direitos fundamentais, o direito à vida digna, o acesso à cidadania, à

qualificação e humanização do atendimento prestado a pessoas

transgêneros, travestis e transexuais em situação de vulnerabilidade

social.

3. Fundamenta-se na necessidade de ações permanentes destinadas à

garantia dos direitos dessa população como forma de: a) proteger a

vida desses corpos historicamente marginalizados em função de sua

orientação sexual e/ou identidade de gênero e de: b) promover a sua

inclusão social.

4. De acordo com Luis Mott (2006), citado no “Relatório “Violência

LGBTFóbica no Brasil: dados da violência” produzido pelo Ministério

de Direitos Humanos: “violências contra a população LGBT estão

presentes nos diferentes grupos de convivência social e formação de

identidades. As ramificações se fazem notar no meio familiar, nas

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escolas, na igreja, na rua, no posto de saúde, na mídia, nos ambientes

de trabalho, nas forças armadas, na justiça, na polícia, em diversas

esferas do poder público e na falta de políticas públicas afirmativas que

contemplem a comunidade LGBTT”. 1

5. Essa violência estrutural está calcada no nojo, ira, desconforto,

desprezo, horror e descaso socialmente deferidos às pessoas que não

atendem às demandas rígidas da heteronormatividade e do

binarismo de gênero, e impede que as pessoas da comunidade

LGBTI+(lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, intersexos e

demais orientações sexuais e identidades de gênero não

contempladas, incluindo as não-binárias) se manifestem

sexualmente de forma livre, bem como acessem e usufruam,

livremente, direitos fundamentais.

6. De acordo com dados constantes do Relatório “Pessoas LGBT mortas

no Brasil”, de 2017, produzido pela ONG Grupo Gay da Bahia (GGB),

que atua no mapeamento de homicídios contra a população LGBT há

38 anos, no ano de 2017, morreram 445 LGBT no Brasil (incluindo-

se três nacionais mortos no exterior) vítimas da

lesbohomotransfobia: 387 assassinatos e 58 suicídios. Ainda de

acordo com a pesquisa, no ano de 2017, a cada 19 horas um LGBT foi

assassinado ou se suicidou em razão da “LGBTfobia”, tornando o

Brasil campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais. O

Relatório sublinha dados de agências internacionais de direitos

humanos, que indicam que o Brasil mata mais homossexuais que os

13 países do Oriente e da África nos quais há previsão de pena de

morte contra pessoas LGBT. Não bastasse, o estudo demonstra que

1 https://www.mdh.gov.br/biblioteca/consultorias/violencia-lgbtfobicas-no-brasil-dados-da-violencia

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esses números vêm crescendo assustadoramente, pois se em 2000

foram contabilizados 130 homicídios, em 2010 foram 260,

culminando no total de 445 em 2017.2

7. Nada obstante, a Constituição Federal Brasileira (1988) está

comprometida com a construção de uma sociedade pluralista e

sem preconceitos, motivo pelo qual, em seu art. 3º, inciso IV,

estabelece como objetivo fundamental da República a promoção

do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,

idade e quaisquer outras formas de discriminação. Resta

evidente que ao repudiar todas as formas de discriminação baseadas

no sexo e quaisquer outras formas de discriminação, a Constituição

também rechaça o tratamento diferenciado baseado na repulsa às

orientações sexuais e identidades de gênero dissonantes do padrão

heterocisnormativo.

8. Tanto é assim que a proibição de discriminação por orientação sexual

e/ou identidade de gênero consta das Constituições Estaduais de

Mato Grosso, Sergipe e Pará; há legislação infraconstitucional nesse

sentido no Rio de Janeiro, Santa Catarina, Minas Gerais, São Paulo (Lei

10.948/2001, que institui penalidades administrativas) Rio Grande

do Sul e no Distrito Federal e mais de oitenta municípios brasileiros

têm algum tipo de lei que contempla a proteção dos direitos humanos

de pessoas LGBTI e o combate à discriminação em razão de

orientação sexual e/ou identidade de gênero.3

9. Outrossim, não se pode olvidar que a Declaração Universal dos

Direitos Humanos estabelece que todos os seres humanos nascem

2 https://homofobiamata.files.wordpress.com/2017/12/relatorio-2081.pdf 3 http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/brasil_sem_homofobia.pdf

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livres e iguais em dignidade e direitos. Nesse diapasão, especialistas

reunidos em Yogyakarta (Indonésia), entre 6 e 9 de novembro de

2006, preocupados com a violência, assédio, discriminação, exclusão,

estigmatização e preconceito dirigidos contra pessoas em todas as

partes do mundo por causa de sua orientação sexual ou identidade de

gênero, aprovaram a “Os princípios de Yogyakarta”.

10. “Os princípios de Yogyakarta” afirmam normas jurídicas

internacionais vinculantes, que devem ser cumpridas por todos os

Estados.

11. A primeira delas enuncia o “Direito ao gozo universal dos direitos

humanos”, do qual decorre que “os seres humanos de todas as

orientações sexuais e identidades de gênero têm o direito de desfrutar

plenamente de todos os direitos humanos”. Para consecução desse

objetivo, os Estados são exortados a incorporar os princípios da

universalidade, inter-relacionalidade, interdependência e

indivisibilidade de todos os direitos humanos nas suas constituições

nacionais ou em outras legislações apropriadas.

12. O segundo princípio se refere ao Direito à Igualdade e a não –

discriminação, segundo o qual os Estados devem “Tomar as medidas

adequadas para assegurar o desenvolvimento das pessoas de

orientações sexuais e identidades de gênero diversas, para garantir

que esses grupos ou indivíduos desfrutem ou exerçam igualmente

seus direitos humanos. Estas medidas não podem ser

consideradas como discriminatórias”.

13. Sendo assim, resta indubitável o dever do Estado Brasileiro de adotar

medidas legais e políticas públicas específicas para assegurar o

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desenvolvimento das pessoas de orientações sexuais e identidades

de gênero diversas, sem que essas medidas possam ser consideradas

discriminatórias, isto é, sem que seja possível sustentar que tais

prestações positivas ofendem o princípio da igualdade, até porque

caminham no sentido de concretizar a igualdade material. Nesse

sentido, a diretriz prevista pelo art. 3º, inciso I, da proposta legislativa

em questão encontra total amparo jurídico.

1. Também encontra respaldo nos princípios de Yogiakarta o disposto

no art. 3º, inciso III, da proposta legislativa ora analisada, na medida

em que está consignado, por meio do segundo princípio, o dever dos

Estados-partes de “implementar todas as ações apropriadas,

inclusive programas de educação e treinamento, com a perspectiva

de eliminar atitudes ou comportamentos preconceituosos ou

discriminatórios, relacionados à ideia de inferioridade ou

superioridade de qualquer orientação sexual, identidade de gênero

ou expressão de gênero”

2. As políticas públicas são prestações estatais positivas que

desempenham um importante papel, seja na manutenção, seja na

superação das opressões baseadas na identidade de gênero e/ou

orientação sexual. Quando formuladas em termos meramente

universais, negligenciando as demandas específicas de determinados

grupos sociais, as políticas públicas podem reforçar desigualdades já

existentes. Por outro lado, podem contribuir para a redução e/ou

correção de tais disparidades por meio da formulação e

implementação de ações focais e programas específicos.

1. A promoção de políticas públicas específicas para pessoas

transgênero, transexuais e travestis em situação de vulnerabilidade

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social está em acordo com “Os princípios de Yogiakarta” e com os

objetivos da República.

2. No mais, cumpre destacar, especificamente no que tange ao art. 8º do

Projeto de Lei nº 491 de 2019, que a previsão ali constante - no

sentido de que as despesas dele decorrentes correrão por conta de

dotações orçamentárias próprias, a serem suplementadas, se

necessário -, não configura usurpação da competência privativa do

chefe do Poder Executivo.

3. Assim, não há que se falar de inconstitucionalidade por violação ao

art. 61 da Carta da República, haja vista que a proposta legislativa,

embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua

estrutura ou da atribuição de seus órgãos, tampouco do regime

jurídico de servidores públicos.

4. Cumpre relembrar que semelhante entendimento restou firmado

pelo Supremo Tribunal Federal no bojo do ARE 878.911, no qual foi

reconhecida repercussão geral, quando da análise de uma lei

municipal do Rio de Janeiro, de iniciativa do Legislativo, que obrigava

a instalação de câmeras de segurança em escolas públicas municipais

e cercanias.

5. Não há que se falar, portanto, em vício de iniciativa no processo

legislativo, pois o PL em questão observa as restrições

constitucionais à iniciativa parlamentar taxativamente previstas pelo

art. 61 da CF, que trata da reserva de iniciativa de lei do chefe do

poder Executivo.

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6. Acrescente-se que o artigo 24, §2º, da Constituição do Estado de São

Paulo estabelece que: “compete, exclusivamente, ao Governador do

Estado a iniciativa das leis que disponham sobre: 1 - criação e

extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração

direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração; 2

- criação das Secretarias de Estado; 3 - organização da Procuradoria

Geral do Estado e da Defensoria Pública do Estado, observadas as

normas gerais da União;

4 - servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de

cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, reforma e transferência

de militares para a inatividade; 5 - fixação ou alteração do efetivo da

Polícia Militar; 6 - criação, alteração ou supressão de cartórios

notariais e de registros públicos.”

7. Ocorre que o PL nº 491 de 2019, ora sob análise, não se encaixa em

nenhuma das hipóteses elencadas pelo art. 24, § 2º da Constituição

Estadual, que enumera de forma exaustiva, o rol de leis cuja iniciativa

é reservada ao Chefe do Executivo.

8. Por derradeiro, insta salientar que no ano de 2016, 60% dos

estudantes LGBT do Brasil se sentiam inseguros na sua própria escola

devido a sua sexualidade, segundo a Pesquisa Nacional sobre o

Ambiente Educacional. Ainda de acordo com a pesquisa, 73% foram

agredidos verbalmente devido a sua orientação sexual e 52% em

razão do seu gênero/identidade de gênero; 26% sofreu agressão

física em razão da orientação e 16% em razão do gênero/identidade

de gênero.4 Tais dados ilustram o motivo de a LGBTfobia ser uma das

causas preponderantes de evasão escolar, o que produz um déficit na

4 http://static.congressoemfoco.uol.com.br/2016/08/IAE-Brasil-Web-3-1.pdf

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formação profissional e, consequentemente, prejudica o ingresso de

pessoas LGBT’s no mercado de trabalho, situando-as nos postos mais

precarizados e vulneráveis. 5

9. De acordo com dados levantados pela ANTRA (Associação Nacional

de Travestis e Transexuais), 90% da população de Travestis e

Transexuais utiliza a prostituição como fonte de renda e

possibilidade de subsistência, justamente em razão da dificuldade de

inserção no mercado formal de trabalho e da deficiência na

qualificação profissional causada pela exclusão não apenas escolar,

como acima apontado, mas também social e familiar.

10. Nesse sentido, estudo feito pela entidade estima em 13 anos a idade

média em que se opera a expulsão de Travestis e Transexuais de casa

pelos próprios pais. Ademais, apenas 0,02% de travestis e

transexuais estão na universidade, 72% não possuem o ensino médio

e 56% sequer o ensino fundamental6

11. Tais dados demonstram que o projeto em análise é pertinente ao

prever a adoção de ações no âmbito da educação e do trabalho, eis

que contempla, entre suas diretrizes, a elevação da escolaridade e a

qualificação profissional e intermediação de mão de obra de pessoas

transgênero, transexuais e travestis.

12. No mais, cabe mencionar que o projeto em tela nada mais é que uma

proposta de ampliar a extensão do projeto Transcidadania, já

desenvolvido em âmbito municipal.

5 http://static.congressoemfoco.uol.com.br/2016/08/IAE-Brasil-Web-3-1.pdf 6 https://antrabrasil.files.wordpress.com/2018/02/relatc3b3rio-mapa-dos-assassinatos-2017-antra.pdf

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13. De acordo com Larrat (2017): o Transcidadania [municipal], por

meio de suas equipes, capacitou escolas de EJA, tanto de ensino

regular quanto de Centros Integrados de EJA do município de São

Paulo, desde funcionárias/os e alunas/os até seus professoras/es e

direção para um atendimento humanizado. Além das escolas,

inúmeros equipamentos públicos também passaram por

capacitações, rodas de conversas, oficinas e intervenções da equipe

do Programa, que se tornou referência para diálogo no que concerne

ao atendimento a travestis e transexuais. Através de argumentos e

dados, foi indicada a necessidade da criação de um centro de acolhida

específico para travestis e mulheres trans, na cidade de São Paulo,

devido à dificuldade de serem inseridas em espaços mistos e mesmo

em espaços femininos (Centro de Acolhida Florescer). Também

dentro do Transcidadania se originou todo um fluxo da

hormonioterapia implementada no município e que se tornou

referência, sendo a primeira cidade do Brasil a fazer a

hormonioterapia para pessoas trans em Unidades Básicas de Saúde.

O Programa trouxe à academia o debate sobre TTs no mercado de

trabalho e incentivou inúmeras pesquisas em diversas áreas da

ciência sobre travestis e transexuais. Para ela, “[...] o potencial do

Programa é incomensurável”.7

14. Durante o processo da 3ª Conferência Nacional de Políticas Públicas

de Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e

Transexuais - LGBT, verificou-se que em todos os estados e

7 LARRAT, Symmy. Da esquina à escola: O Transcidadania e seus impactos nas vidas e na política. In:

CONCILIO, Isabela Leite; AMARAL, Marcos; SILVEIRA, Paula Morena (Organizadoras).

Transcidadania, Práticas e Trajetórias de um Programa Transformador. Disponível em:

https://koinonia.org.br/wp-content/uploads/2017/05/koinonia.org.brtranscidadania-praticas-e-trajetorias-

de-um-programa-transformador-2-

online_transcidadania_praticas_e_trajetorias_de_um_programa_transformador-1.pdf

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municípios onde ocorreram conferências LGBT o Transcidadania

tornou-se proposta do movimento social local. Larrat segue

afirmando que “[...] isso demonstrou o êxito do Programa e a

necessidade da implementação de programas como este, nas mais

diversas localidades do país” 8

15. Isto posto, seja porque está em consonância com “Os princípios de

Yogiakarta”, seja porque em conformidade com o princípio da

igualdade e de não-discriminação constantes da Constituição Federal,

dos quais decorrem a necessidade de promoção de políticas públicas

específicas para grupos vitimados por processos históricos de

marginalização social – cujo impacto positivo restou, inclusive,

evidenciado por meio da repercussão alcançada pelo Programa

Transcidadania desenvolvido em âmbito municipal-, o Núcleo

Especializado de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial

apresenta moção de APOIO ao Projeto de Lei nº 491 de 2019.

São Paulo, 29 de outubro de 2019

ISADORA BRANDÃO ARAUJO DA SILVA

8 LARRAT, Symmy. Da esquina à escola: O Transcidadania e seus impactos nas vidas e na política. In:

CONCILIO, Isabela Leite; AMARAL, Marcos; SILVEIRA, Paula Morena (Organizadoras).

Transcidadania, Práticas e Trajetórias de um Programa Transformador. Disponível em:

https://koinonia.org.br/wp-content/uploads/2017/05/koinonia.org.brtranscidadania-praticas-e-trajetorias-

de-um-programa-transformador-2-

online_transcidadania_praticas_e_trajetorias_de_um_programa_transformador-1.pdf (2017, p. 120).

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Defensora Pública Coordenadora do Núcleo Especializado de Defesa da

Diversidade e da Igualdade Racial

VINÍCIUS CONCEIÇÃO SILVA SILVA

Defensor Público Coordenador do Núcleo Especializado de Defesa da Diversidade e

da Igualdade Racial

ANA LUIZA PATRIARCA MINEO Psicóloga - CRP SP 106660

Agente de Defensoria

ELISABETE GAIDEI ARABAGE

Assistente social – CRESS SP 42.785

Agente de Defensoria

À Deputada Estadual Erica Malunguinho

Av. Pedro álvares Cabral, 201, São Paulo, CEP 04097-900 – pabx 3886-6000

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