off de outros espaços ou tempos interferindo no...

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126 Quando começamos a falar do som, dizíamos que ele era o elemento menor, mas mesmo assim observamos como suas potencialidades são utilizadas. Entretanto, algumas utilizações do som que analisamos nas falas não foram observadas em nenhuma das duas telenovelas. Não há sons-off que interliguem cenas diferentes, prolongando alguns segundos os sons da cena anterior sobre a seguinte ou colocando os sons da seguinte na cena anterior. Também não observamos sons-off de outros espaços ou tempos interferindo no espaço-tempo presente na imagem. Procura-se, talvez, não confundir o receptor com sons que não tenham sua ocorrência definida com relação a sua fonte e/ou a sua função audiovisual. 5.3 As músicas na telenovela Toda telenovela possui uma trilha musical. Esta característica musical é uma herança legada de antepassados como o cinema, as radionovelas e, também, de antepassados mais seculares como o teatro, o melodrama e a ópera. As primeiras musicalizações das telenovelas eram realizadas pelos sonoplastas, escolhendo músicas pré-existentes de todo gênero. Tudo isto foi modificando-se tanto pelo aprimoramento da qualidade das telenovelas como por interesses comerciais na divulgação e venda de músicas criadas ou utilizadas em novelas. Salathiel Coelho foi o sonoplasta de renome na primeira fase das telenovelas no Brasil. Ismael Fernandes refere-se a ele como "o sonoplasta de ouro dos primódios da telenovela" (Fernandes, 1987:26). Salathiel Coelho não só foi um grande sonorizador de teledramas, mas também foi sob seu nome que se lançou, em 1965, ao mercado do disco o primeiro LP com músicas de telenovela. Neste

Transcript of off de outros espaços ou tempos interferindo no...

126

Quando começamos a falar do som, dizíamos que ele era o elemento menor,

mas mesmo assim observamos como suas potencialidades são utilizadas.

Entretanto, algumas utilizações do som que analisamos nas falas não foram

observadas em nenhuma das duas telenovelas. Não há sons-off que interliguem

cenas diferentes, prolongando alguns segundos os sons da cena anterior sobre a

seguinte ou colocando os sons da seguinte na cena anterior. Também não

observamos sons-off de outros espaços ou tempos interferindo no espaço-tempo

presente na imagem. Procura-se, talvez, não confundir o receptor com sons que

não tenham sua ocorrência definida com relação a sua fonte e/ou a sua função

audiovisual.

5.3 As músicas na telenovela

Toda telenovela possui uma trilha musical. Esta característica musical é uma

herança legada de antepassados como o cinema, as radionovelas e, também, de

antepassados mais seculares como o teatro, o melodrama e a ópera. As primeiras

musicalizações das telenovelas eram realizadas pelos sonoplastas, escolhendo

músicas pré-existentes de todo gênero. Tudo isto foi modificando-se tanto pelo

aprimoramento da qualidade das telenovelas como por interesses comerciais na

divulgação e venda de músicas criadas ou utilizadas em novelas.

Salathiel Coelho foi o sonoplasta de renome na primeira fase das telenovelas

no Brasil. Ismael Fernandes refere-se a ele como "o sonoplasta de ouro dos

primódios da telenovela" (Fernandes, 1987:26). Salathiel Coelho não só foi um

grande sonorizador de teledramas, mas também foi sob seu nome que se lançou,

em 1965, ao mercado do disco o primeiro LP com músicas de telenovela. Neste

127

LP, chamado Salatiel Coelho Apresenta Temas de Novela, encontram-se onze

temas de novelas da TV Tupi. A este "sonoplasta de ouro" são atribuídas ainda

muitas inovações na utilização de músicas em novelas, como, por exemplo, o

emprego de temas populares nas vinhetas de aberturas e o uso de temas

específicos para alguns personagens principais.

A primeira trilha sonora originalmente composta para telenovela foi

inaugurada com a novela Véu de Noiva (1969-70), de Janete Clair. A idéia surgiu

ao prever na novela um meio de divulgação de músicas. A trilha sonora de Véu de

Noiva foi assim lançada ao mercado em LPs que em pouco tempo venderam mais

de cem mil cópias: "sucesso sem precedentes no marketing de trilhas sonoras do

então pobre e amadorístico mercado musical brasileiro" (Motta, O Globo:

12/10/1975). Este sucesso da indústria cultural havia sido realizado através de um

contrato entre a Rede Globo TV e a gravadora Philips. Quando o contrato

terminou, as organizações Globo fundaram a SIGLA (Sistema Globo de

Gravações Audiovisuais) a qual passou a utilizar o selo SomLivre para a gravação

e comercialização das trilhas sonoras que eram criadas para as novelas da TV

Globo. As músicas da telenovela O Cafona (1971), de Bráulio Pedroso,

conformaram a primeira trilha sonora gravada pela SIGLA e lançada sob o selo

SOMLIVRE.

A partir de 1971 começam a ser criadas trilhas sonoras para todas as

telenovelas da TV Globo, sendo, via de regra, lançadas ao mercado duas trilhas

sonoras para a mesma novela: uma "Trilha Nacional", com as músicas brasileiras,

e outra, "Trilha Internacional", composta de uma seleção de temas internacionais

(algumas telenovelas de cunho regional lançam duas trilhas nacionais). Desde

128

então as trilhas sonoras são um sucesso de vendas, "...já em 1976 se torna líder do

mercado fonográfico. E em 1982 detém 25% de seu faturamento" (Ortiz, 1988:

128).

A TV Globo normalmente utiliza durante a primeira metade de uma novela

as músicas que correspondem à "Trilha Nacional". A partir da metade, começa a

empregar os temas internacionais, os quais vão sendo intercalados com os temas

nacionais. Esta técnica de uso das músicas responde também à estratégia de

mercado para o lançamento do LP com as músicas nacionais no início da

telenovela, e para o lançamento do LP com os temas internacionais a partir da

metade da telenovela. As duas telenovelas aqui estudadas configuram-se como

exceção da regra, já que pelo caráter regional das duas histórias, foram lançadas

duas trilhas nacionais para cada uma, sendo que uma música de cada telenovela é

internacional, e duas músicas de cada são versões cantadas por intérpretes

brasileiros (como veremos adiante).

"Música de novela vende - e como vende! Tanto nacional como

internacional vende bem. Normalmente são homens, camioneiros, por

encomenda da mulher, da filha; e pra eles, já preferem mais música

sertaneja".

Sonia, 34, Canas.

"A música de fundo que eles escolheram...Tocou, tocou bastante na época,

mesmo em programas de auditório... nossa tocava direto essa música! AM,

FM, tudo quanto era rádio, estava tocando"

129

Cláudia, 16, São Paulo.

Então, em uma telenovela, as músicas são utilizadas de um modo específico

no qual sua articulação com uma personagem, com um casal ou com uma situação

dramática vai gerando um sentido na narrativa. Para estudar o uso dessas músicas

tomaremos como base algumas classificações do papel da música no cinema e,

por extensão, nos audiovisuais, sendo que partiremos dos questionamentos e

respostas do maestro Lauro Machado Coelho: "Qual é a melhor música para

cinema? Por que processos deverá ela ser construída? A única resposta que se

pode dar a essas questões é, naturalmente, da mais peregrina obviedade: a de que

a presença da música no filme não se justifica por regra alguma. A de que cada

filme é, em si mesmo, um universo sonoro e visual tão individual, e cada cineasta

tem, em princípio, concepções tão pessoais das relações imagem/som (...) que não

ha princípios muito abrangentes que possam ser formulados, ou regras que não

possam ser infringidas." (Coelho, 1985: 8).

5.3.1 Músicas e o domínio do extradiegético

Nas falas encontramos o domínio do diegético; nos sons verificamos um

equilíbrio significativo entre diegéticos e extradiegéticos, e nas músicas o âmbito

vive sob o domínio do extradiegético. Se não fosse por algumas ocorrências de

músicas diegéticas em PP, diríamos que no espaço-tempo das telenovelas não

existe música. Em PP a primeira música com fonte na diégese ouve-se ao voltar

ao passado, nas comemorações da vitória eleitoral de Murilo, em que uma

pequena banda acompanha a multidão festiva. Depois ouve-se ainda no passado a

música que vem do interior do "Otéo de Marlene" (sic), casa de tolerância onde

130

Murilo e seus amigos realizam a despedida de solteiro. Na entrada de Pilar na

igreja, toca-se a "Marcha nupcial" de Mendelssohn, porém, não há nenhuma

referência de que esta música seja diegética. Dois espaços da história são

marcados pela presença de música diegética: 1) o Grêmio, que sempre em seus

momentos de funcionamento ou tinha música tocada na vitrola ou música

interpretada por um pequeno conjunto (caps. 2, 3, 113 e 114); 2) o acampamento

dos ciganos também possui uma música durante as festas interpretada por um

conjunto de ciganos (caps. 5, 6, 113 e 179). As outras ocorrências diegéticas

registradas foram quando alguma personagem cantava, como no capítulo 5,

quando Lola consola seu irmão Sérgio, entoando uma cantiga de ninar; no

capítulo 110, Alva canta o refrão principal da música "Cabecinha no ombro"; no

capítulo 179, Gioconda, internada no hospício, entoa algumas notas de "Madana

Mohana Murari". Na semana de FF não registramos nenhuma ocorrência de

música diegética.

A música, enfim, limita-se a ocorrer em espaços e em momentos em que sua

presença é obviamente circunstancial (um grêmio onde as pessoas dançam e um

acampamento onde os ciganos fazem festas), ou ocorre esporadicamente quando

uma personagem canta. Em toda FF, as músicas diegéticas apareceram durante a

festa de aniversário de Camila e em alguns merchandising de equipamentos de

som, nos quais personagens escutavam alguma música para demonstrar as

qualidades técnicas do aparelho. O único lugar da telenovela que justificaria uma

presença mais efetiva da música seria o bar de Remédios, porém nunca houve

música nesse espaço. O privilégio das músicas extradiegéticas, por um lado,

aponta a utilização das trilhas musicais com fins mercadológicos de promoção dos

discos da "trilha sonora" e, por outro, aponta um cuidado com as possíveis

131

interferências que músicas diegéticas possam provocar no som como um todo e

nas falas em particular.

5.3.2. Música e sua contribuição no audiovisual

Neste item limitar-nos-emos a citar o que três autores definem como

princípios, papéis e tipologia da música no cinema (e nos audiovisuais). No

entanto, antes de observar estas classificações, comecemos pelos oito objetivos

que o Instituto Oficial de Radiodifusión y Televisión de Madrid atribui à música

para televisão: "(...) como fator de ambientação de uma época, de uma localização

específica etc.; como elemento de caracterização de personagens e seqüências;

como fixador do ritmo interno da narração; como definição psicológica de

seqüências - humorísticas, tristes, épicas etc. -; como narração do tempo do relato;

como antecedente ou rubrica de situações; como sutura, encadeamento e

transição; como elemento protagonista por si mesmo, em primeiro plano, quando

a ação assim o requer" (Aparici, 1922: 180).

5.3.2.1 Max Steiner: princípios de composição, mixagem e edição

O compositor de músicas para cinema americano dos anos 40, Max Steiner,

define os seguintes sete princípios de composição, mixagem e edição para a

música de filmes:

"I) Invisibilidade: o aparato técnico da música não-diegética não deve ser

visível.

132

II) Inaudibilidade: a música não precisa ser ouvida conscientemente. A

música deve ser subordinada a diálogos e imagens, isto é, aos veículos

primários da narrativa.

III) Significador de emoção: a música da trilha sonora pode atribuir

diferentes estados de ânimo e enfatizar emoções específicas sugeridas na

narrativa (cf. IV), mas primeiro e principalmente a música deve ser um

significador de emoções por si própria.

IV) Sugestão narrativa:

- Narrativa referencial: a música proporciona o referencial e a idéia da

narrativa, por exemplo, indicando o ponto de vista, trazendo marcações

formais e estabelecendo o local e as personagens;

- Conotativa: a música "interpreta" e "ilustra" os acontecimentos da

narrativa.

V) Continuidade: a música proporciona uma continuidade rítmica e formal

entre filmagens, em transições e entre cenas, preenchendo os vazios.

VI) Unidade: através da repetição e variação do material musical e da

instrumentação, a música auxilia na construção da unidade formal e

narrativa.

133

VII) Determinada trilha de filme pode violar qualquer um dos princípios

acima, oferecer esta violação é estar a serviço de outros princípios."

(Gorbman, 1987: 73).

5.3.2.2. Marcel Martin: os vários papéis

Segundo Marcel Martin, a música de filmes pode desempenhar vários

papéis:

"A) Papel rítmico:

- Substituição de um ruído real (...) ou virtual (...);

- Sublimação de um ruído ou de um grito: refiro-me a um ruído ou grito que

se transforma pouco a pouco em música (...);

- Realce de um movimento ou de um ritmo visual ou sonoro: pode ser o caso

de um simples movimento material (...) ou de um ritmo (...);

134

- B) Papel dramático (...):

Ao criar a ambientação e sublinhar os episódios, a música é capaz de

sustentar uma ação - ou duas ações paralelas, dando a cada qual uma

coloração particular (...) Ela também pode enfatizar a dominante

psicológica, desempenhando um papel metafórico: uma música de valsa

acompanha os gestos de um guarda de trânsito (...) Enfim, a música pode

intervir sob a forma de um leitmotiv simbólico que evoca a presença, num

personagem, de uma idéia fixa, uma obsessão. (...) E o leitmotiv pode

desempenhar um papel obsessivo por sua repetição.(...)

C) Papel lírico:

A música pode finalmente contribuir para reforçar a importância e a

densidade dramática de um momento ou de um ato, dando-lhe uma

dimensão lírica como só ela é capaz de engendrar " (Martin, 1990: 124-6).

5.3.2.3 J. L. Tellez: tipologia para as músicas extradiegéticas

No relacionamento entre segmentos fílmicos e segmentos musicais, José

Luis Tellez oferece a seguinte tipologia para as músicas extradiegéticas:

"a) Motivos: O leitmotiv, o que comumente se denomina 'tema', que se

apresenta associado com núcleos narrativos relevantes reaparecendo com

variações oportunas. Trata-se de idéias fechadas, pouco discursivas, cuja

135

característica musical é a reconhecibilidade imediata facilitada por uma

geral preeminência do elemento melódico (...);

b) Discursos: fragmentos estruturados em forma de desenvolvimento que

cobram seqüências completas, sendo, portanto, de duração maior e emprego

menos nuclear que os motivos (...) Enquanto o motivo se encontra sobretudo

no período da exposição do conflito dramático e suas transformações

abundam no desenvolvimento os discursos informam preponderantemente os

períodos de desenlace, ou os desenlaces dos núcleos parciais (...);

c) Fundos: segmentos especificamente pouco ou dificilmente reconhecíveis,

discursivos e não-memorizáveis. Sua longitude pode ser variável e, quanto

ao carecer de princípios (e menos freqüentemente de final) definidos, não

costumam tampouco coincidir com os princípios ou finais das seqüências

(...);

d) Formantes: (...) denominamos assim certo tipo de blocos geralmente

muito breves que permitem determinar ou antecipar o caráter dramático do

segmento fílmico sobre o qual se aplicam. (...);

e) Pontuações: (...) Trata-se de blocos constituídos por um acorde, uma

escala, uma sonoridade qualquer, extremamente breves - raramente excedem

os dois ou três segundos - permitem ressaltar uma mudança de seqüência,

um movimento brusco, uma batida...;

136

f) Ambientes: são os segmentos de estrutura mais freqüentemente temática,

pois não pretendem articular-se com a ação nem associar-se a personagens,

mas sim dar notícia paralelamente de situações geográficas ou topológicas

(...);

g) Citações: ou músicas históricas pré-existentes, reproduzidas ou

parafraseadas. (...);

3) Overtures e poslúdios: os créditos são sonorizados geralmente mediante

música. É uma retórica herdada da ópera, onde, antes do começo da ação,

ouve-se um prelúdio que, de forma um tanto 'caprichosa' ou rapsódica,

recapitula os principais temas para que o espectador vá degustando e se

facilite o posterior reconhecimento." (Tellez, 1980: 149-54).

5.3.3. Músicas e as citações literais dos CDs

A partir das classificações acima relacionadas, podemos analisar o papel das

músicas na telenovela. Nosso ponto de partida serão as músicas que são

simultaneamente integrantes da emissão da telenovela são lançadas ao mercado

fonográfico em discos, fitas e CDs. Para análise tomaremos como referência os

quatro CDs correspondentes às duas telenovelas (v. anexo reprodução das capas,

títulos e ficha técnica dos CDs).

O primeiro CD tanto de PP como de FF contêm 14 faixas, sendo que 12

correspondem a canções e duas são instrumentais. No segundo CD, encontra-se

12 faixas; no CD de PP temos oito canções e quatro instrumentais, e no de FF,

137

nove canções e três instrumentais. É importante ressaltar que com o surgimento

dos CDs, existe uma diferença mínima entre o número de faixas dos discos de

acetato e fitas em relação aos CDs. A diferença reside em que nos CDs há uma

ou duas faixas a mais (de música instrumental) já que em um CD é possível

gravar 74 minutos de música, contra 40 minutos de um disco de acetato.

Considera-se essa diferença mínima, pois os tempos de música gravada nos quatro

CDs eram de apenas 41, 45, 50 e 51 minutos, respectivamente.

Ocorrências de fragmentos das músicas dos CDs são a primeira forma de

músicas na telenovela. Estes fragmentos correspondem exatamente à música

gravada nos CDs, isto é, são verdadeiras citações literais e uma forma de

promoção explícita dos intérpretes e dos discos da SOMLIVRE. Mas para este

tipo de ocorrências podemos apontar as seguintes funções:

5.3.3. 1 O uso nas vinhetas

Os temas utilizados nas vinhetas de apresentação da telenovela configuram-

se no próprio carimbo sonoro, criam a relação música e história total. Tellez as

descreve como overtures e poslúdios. Via de regra, trata-se de uma canção que,

por seu estilo e letra, já ilustram o núcleo central da história. Em PP, o tema

"Pedras que cantam", interpretado por Fagner, é um baião que resume os

principais elementos narrativos da trama: na primeira estrofe faz uma crítica às

diferenças entre pobres e ricos, a necessidade de protesto contra a situação da

pobreza e o desperdício das pessoas com poder social, político e econômico,

representados em PP pelos Pontes, Batistas e Cândido Alegria: "Quem é rico

138

mora na praia, / mas quem trabalha nem tem onde morar. / Quem não chora dorme

com fome, / mas quem tem nome joga a prata no ar " ("Pedras que cantam").

Por sua vez, a música da vinheta de FF empresta seu nome para a telenovela.

Esta canção é uma regravação na voz de Maria Bethânia de uma balada dos anos

60 de Roberto Carlos e Erasmo Carlos. A letra corresponde à vida e aos

sentimentos da personagem Raimundo Flamel, em especial aos motivos pelos

quais ele teve que fugir com os pais quando era criança: "Acabei com tudo /

escapei, com vida / tive as roupas e os sonhos / rasgados na minha saída..." ("Fera

Ferida").

Fragmentos destas músicas são empregados também nas vinhetas que

emolduram os intervalos comerciais, sendo que PP era apresentada com quatro

intervalos e FF com cinco. Na segunda telenovela, observa-se uma fragmentação

de mais um bloco, permitindo a inserção de mais um conjunto de comerciais

mantendo a mesma média de uma hora de duração total por capítulo.

De PP para FF vemos uma mudança na utilização da música de vinhetas. Em

PP o tema é utilizado também na vinheta de encerramento dos capítulos; já em FF

é uma outra música dos CDs que ilustra esta vinheta final. A diferença consiste

em que em PP eram apresentadas cenas dos próximos capítulos antes da vinheta.

Durante estas cenas tocava-se em um sistema de rodízio de duas em duas semanas

uma música dos CDs, posteriormente tinha-se a vinheta. Em FF não há cenas dos

próximos capítulos, a vinheta entra imediatamente após o final da última cena do

capítulo tocando uma música no mesmo sistema de rodízio. Durante a primeira

semana de PP, ouvimos o tema "Entre a serpente e a estrela", durante a

139

intermediária tocou "Pergunte pro seu coração" e, na final, ouve-se "O homem

que amei". Na semana de FF é tocado na vinheta final o tema "Sensual". Esta

configura-se em uma outra estratégia de marketing musical das trilhas sonoras de

telenovela.

5.3.3.2 A associação com personagens

A principal função das canções dos CDs é sua associação direta com uma

personagem ou com casais de personagens. Estas músicas ganham assim um

amplo espectro dentro das classificações acima citadas. Se, por um lado, elas

remarcam "sugestões narrativas", por outro, enfatizam a "dominante psicológica"

e também se encaixam no âmbito dos "motivos". Devemos lembrar que estamos

fazendo referência a fragmentos musicais "extraídos" das gravações dos CDs, e

ainda não a seus diversos arranjos musicais. Estas músicas traduzem em suas

letras um ponto chave da caracterização da personagem.

O tema "Fera Ferida" foi um exemplo já exposto acima com relação a

Flamel. De maneira semelhante, podemos ouvir no fragmento nº 2 a primeira

estrofe de "Entre a serpente e a estrela" que denuncia as dificuldades de Murilo

para rever seu indecifrável amor do passado: "Há um brilho de faca onde o amor

vier / e ninguém tem o mapa da alma da mulher / ninguém sai com o coração sem

sangrar / ao tentar revê-la / um ser maravilhoso entre a serpente e a estrela"

("Entre a serpente e a estrela").

Por sua vez, "Cabecinha no ombro" resume a atitude de Jorge Tadeu para

com as mulheres casadas de Resplendor: "Encosta a tua cabecinha / no meu

140

ombro e chora / e conta logo tua mágoa / toda para mim / quem chora no meu

ombro, / eu juro, / que não vai embora" .

"Todo artista na novela tem uma música, sempre toca. O retratista tem uma

música, esta musica já era dele... para quem não tinha marido, era carente,

esta música "Encosta sua cabecinha", ficou certinho pra ele".

Rita, 20, Canas.

"O cara é meio conquistador, né, então ele conquistou todas as mulheres da

cidade, então "Encosta a cabecinha no meu ombro e chora", eu acho que é

mais ou menos uma música de conquista."

Luiz, 49, Canas.

"'Ai, amor, eu quero seu carinho, porque, vivo tão sozinho' é porque ele tem

muita solidão, então cai bem pra ele porque ele quer fotografar todas as

mulheres da cidade ele é o galã de tudo."

Mário, 16, São Paulo.

Nestas músicas é traduzido o ponto de vista de uma personagem com relação

à história ou a outra personagem. Normalmente as personagens principais ganham

uma ou duas músicas durante a história. Em PP, Marina Batista e Leonardo

Pontes possuem na primeira parte, as músicas "Herdeira da noite" e "Esse amor",

respectivamente. Na segunda fase da história (e no segundo CD) encontramos

141

"Outono" para Marina e "Faz de mim" para Leonardo. Como exemplo da

mudança de uma música para outra, podemos sentir que em "Herdeira da noite"

descreve-se o ponto de vista de Marina com relação ao iniciante amor por

Leonardo. Mostra um amor difícil e proibido devido à briga herdada das duas

famílias. Em uma citação explícita da peça Romeu e Julieta, de William

Shakespeare, algumas frases da letra rezam: "Brinca o meu amor/ de se esconder

de mim / e o meu coração sofre assim (...) Muito tempo atrás / me destinaram a

ser / herdeira de um mal que não fiz" ("Herdeira da noite"). A segunda música,

"Outono", já nos fala do amor realizado: "...Uma boca que eu sei / não porque me

fala lindo / e sim, beija bem ".

"Elas divulgam o trabalho da pessoa e ela serve prá... ela te marca um

personagem; então, sempre que você ouve aquela música, você lembra ou de

personagem de tal novela, né? Ela serve para marcar um personagem, para

marcar determinadas cenas, determinados acontecimentos dentro de uma

novela".

Cláudia, 16, São Paulo.

As músicas também podem estar relacionadas ao amor de um casal mesmo

mantendo o ponto de vista de um dos dois amantes. Em FF, o tema "Pessoal"

(segundo CD) está ligado ao relacionamento entre Fabrício e Isoldinha, do ponto

de vista desta última. A primeira ocorrência desta música aconteceu no capítulo

58, da semana analisada, quando em meio a uma discussão, Fabrício rouba um

beijo de Isoldinha, e a letra nesse instante introduz: "Olhar / você / e não saber /

que você é a pessoa mais linda do mundo / eu queria alguém lá no fundo / do

142

coração / Ganhar / você/ e não ...". O tema evidencia o amor que Isoldinha nega,

pois Fabrício é um pobre varredor de rua e ela almeja a riqueza. Nesta mesma

linha vale destacar outro tema de FF, "Linda" é uma música do casal principal

Linda Inês e Flamel, que também aparece no segundo momento da história,

quando ambos vivem uma relação mais tranqüila, já que na primeira parte da

história estas duas personagens vivem um misto de rivalidade e sedução e suas

músicas são individualizadas em "Fera Ferida" para Flamel e "Sangue latino" para

Linda Inês.

"Acho que a música dá vida aos personagens. Por isso que devem ser bem

escolhidas, e o tema da novela vai ter uma música, mas é pra dar vida ao

personagem. Você vai lembrar da novela e do personagem através da

música."

Helena, 43, São Paulo.

5.3.3.3 Associação com personagens e situações

Segundo a linha descrita anteriormente, há músicas que estão relacionadas

simultaneamente a duas ou mais personagens e a determinadas situações. Em PP,

o tema instrumental "Resplendor" serve para pontuar o Delegado Queiroz e

Ivonaldo Pontes, duas personagens caricatas, delineadas como subservientes dos

mandos de Francisquinha (a esposa) e Gioconda (a mãe), respectivamente. Mas o

tema também é utilizado como dicurso (Tellez) em seqüências completas de

caráter irônico ou humorístico. No fragmento nº 7, a Delegada Francisquinha

interrompe sua conversa para ir atrás de Jorge Tadeu, pois ela suspeita das

143

intenções ocultas do retratista. Quando ela vai atrás do fotógrafo, o tema

"Resplendor" toca, proporcionando um caráter jocoso à diligência de

Francisquinha. Neste fragmento devemos ressaltar a utilização dessa música

como efeito sonoro, no momento em que Sérgio Cabeleira sofre um "leve

desmaio" a música desacelera-se até parar, metaforizando a sensação de queda e

perda de consciência.

"Na hora em que Francisquinha vê o Jorge Tadeu, a música é mais

safadinha... Na vertigem, música de suspense também, dá para perceber, a

música dá uma caidinha.".

Rita, 20, Canas.

"Só a música que começou bonitinha e de repente teve uma caída. Acho que

por causa da reação daquele careca, não sei como ele chama... Depois, não

sei porque, virava a música tipo um suspense, parece um assobio."

Julio, 30, Canas.

144

"Ah, a música é ... nem muito triste, nem muito alegre. Pela situação ali, sei

lá, se ele ia ter um desmaio, qualquer coisa... Falando de lua cheia, né... Não

tem nada de alegre na música não, o próprio som dela ... A gente ouvindo

qualquer música, a gente já sente alguma coisa, se é triste, é alegre, é

romântica ou não é."

Ana, 36, Canas.

Em FF, a música também instrumental, que cumpre este papel é "Corrupião"

que ocorre quando personagens como o Major Bentes, o prefeito Demóstenes,

Maxwell Antenor e outros estão realizando alguma de suas pequenas maldades.

No capítulo 57, escutamos sua ocorrência quando o Major está realizando um

jogo de sedução com Isoldinha, que é tratada, por exemplo, de "borboletinha" e,

na cena, "Corrupião" dá o toque de ironia do açanhamento de um homem já de

certa idade para com uma mocinha.

5.3.3.4 Músicas de ambientação e mudanças temporais

Algumas músicas não estão relacionadas com personagens ou situações

específicas. O tema "Pedras que cantam", da vinheta de PP, também é utilizado

nas mudanças temporais como por exemplo as passagens de um dia para o

seguinte. Normalmente são pequenos fragmentos de músicas, em que as imagens

mostram a Chapada Diamantina ao amanhecer e logo a praça de Resplendor. No

segundo capítulo de PP, temos a primeira ocorrência desta característica: após

mostrar o retratista urinando na arvorezinha no meio da praça, sendo observado

pelo prefeito Kléber, temos a passagem até o dia seguinte com este tema ao

145

fundo. Na imagem seguinte, o prefeito Kléber corta com fúria a machadadas o

arbusto. Na segunda parte da história, o tema "Tomara" (segundo CD) passa a

cumprir esta função transitiva. A ambientação se dá na medida em que os dois

temas utilizam-se de ritmos e estilos musicais nordestinos, evidenciando a

diégese na Bahia. Em FF, o tema que cumpre o mesmo papel é "Rio de Janeiro"

que, por suas características musicais, amplia a diégese para todo o Brasil.

Estas músicas de ambientação e transição possuem um valor de identificação

geral da telenovela, similar ao da música das vinhetas; mostra disso é a última

cena de PP quando nos é mostrado todo o elenco e a equipe técnica da telenovela,

ao lado da estátua de pedra de Cândido Alegria, o tema musical é "Tomara", tema

que se apresenta como uma reza de esperança: "Tomara meu Deus tomara / que

tudo que nos separa / não frutifique, não valha / Tomara, meu Deus...(...)/ Uma

Nação solidária / sem preconceitos, tomara / uma Nação como nós ...".

5.3.3.5 Músicas discursivas e de fundo

Outras músicas instrumentais que completam os CDs servem nas telenovelas

como músicas discursivas para preencher determinados fragmentos de tensão ou

ação. O tema instrumental "Medo" é nosso melhor exemplo: utilizado em PP no

capítulo 4, quando os homens a cavalo liderados por Murilo dirigem-se à gruta

para resgatar Marina. O estilo deste tema é de música de filmes de bang-bang,

com um ar de intriga e tensão. Talvez com o mesmo intuito, encontramos no

segundo CD de PP, no tema "Ritmo do coração", porém ao longo da telenovela (e

como receptores comuns) não conseguimos localizar sua utilização. Também não

localizamos na telenovela FF o tema "Um dia, uma música", do primeiro CD.

146

Quiçá, estes temas tenham tido ocorrências, mas, no âmbito da recepção, algumas

vezes naufraga-se no vasto oceano de músicas mais de 180 capítulos.

5.3.3.6 As citações

Todas as trilhas apresentam músicas criadas especialmente para a telenovela,

como "Pedras que cantam" da vinheta de PP. Entretanto, são utilizadas ainda

músicas já consagradas popularmente, como é o caso de "Fera Ferida", da vinheta

de FF. Nestes CDs, temos algumas citações que vale a pena destacar. Os temas

"Entre a serpente e a estrela", "O homem que amei" de PP, e "Eu só penso em

você", "Corpo e luz" e "Minueto" de FF, são versões. As três primeiras são

canções norte-americanas e as outras são uma versão de um tema da ópera

Tristão e Isolda, de Wagner, e "Minueto" é uma adaptação de um tema de Bach.

O tema "Al di la" originalmente utilizado no filme Candelabro italiano, já fez

parte da trilha da novela Estúpido cupido, de Mário Prata, em 1976. Devemos

anotar ainda que todas as músicas internacionais são citações, já que nenhuma

delas foi composta originalmente para as telenovelas. Em sua maioria, sua escolha

deve-se à sua atualidade mercadológica. No caso de "Al di la" e "Tristão e Isolda"

trata-se, porém, de citações que ganham novo vigor, e ampliam o contexto

atingido pelas personagens a que se direcionam as músicas. Um dos temas

nacionais mais populares é "Cabecinha no ombro", composta em 1961 por Paulo

Borges, durante os últimos anos teve mais de 15 gravações diferentes, voltando a

ser popular nesta nova versão de PP.

Para finalizar, devemos destacar a utilização do "Noturno em mi bemol,

Opus 9, nº 2", de Chopin, que acompanhava a solidão e a ternura da personagem

147

Hilda em PP e, em contraste com a música erudita, em FF encontra-se a citação

do tema "Na cadência do samba", trilha sonora do popular noticiário

cinematográfico Canal 100, onde eram exibidas imagens de diversos jogos do

futebol brasileiro dos anos 60 e 70 e que enquadra no personagem Ataliba, ex-

craque de futebol.

5.3.4 Músicas, para além dos CDs

Ao afastar-nos do âmbito das citações literais dos CDs, encontramos uma

ampla utilização da música na telenovela. Contudo, é uma amplitude limitada a

três fatores:

1) músicas ligadas diretamente aos temas dos CDs em forma de arranjos;

2) novos temas ligados a personagens, e

3) músicas que se deixam analisar na tipologia de J. L. Tellez.

5.3.4.1 As possibilidades dos arranjos

Um dos campos mais férteis em variações possíveis da música na telenovela

encontra-se nos arranjos instrumentais. Tomando como base as músicas dos CDs,

são realizados vários arranjos para cada música, que variam em número de acordo

com a personagem e as necessidades da história. Sabe-se que em música, o

elemento de mais rápida memorização é a melodia, mesmo por pessoas não-

iniciadas. Para realizar os arranjos, existe a necessidade de que as músicas dos

CDs possuam uma melodia de simples memorização, mantendo para o receptor o

fácil reconhecimento e associação dos temas originais. "A codificação emotiva

do formante característico é prévia à narrativa fílmica e descansa sobre critérios

148

de convenção histórica" (Tellez, 1980: 147). Qualquer pessoa é capaz de definir

as músicas como alegres, tristes, nervosas, românticas, de medo, de tensão pelo

aprendizado cotidiano e cultural dessas convenções históricas. Assim, em PP,

"Cabecinha no ombro" ganha arranjos românticos nos momentos delicados da

sedução de Jorge Tadeu ou arranjos jocosos e irônicos quando a sedução falha,

como pode ser conferido no fragmento nº 6.

"É mais uma música romântica, ele não estava fotografando, porque a

intenção dele ali era outra; ele estava querendo é puxar a roupa das meninas

...E a música era uma coisa mais romântica, pra levar a mulher a delirar por

causa dele. Eu acho que marcou muito a presença dele na novela. Quando

tocava essa música alguém já estava pensando nele".

Sonia, 34, Canas.

"Toca ela solada, depois toca num timbre mais grosso, parece que só duas

vezes ou três, porque dá um clima diferente. Se tem uma cena triste, coloca

uma música triste, se for uma coisa alegre, não pode colocar uma coisa

morta, mata a cena"

Mário, 16, São Paulo.

Porém, a personagem Jorge Tadeu exigia vários arranjos, dadas as suas

diversas interferências na história: podemos apontar um arranjo alegre e circense

que tocava quando ele urinava no meio da praça, ou quando se encontrava com

personagens cômicas como Rosemary e Francisquinha; outro com ares de música

149

portuguesa para os amores com Ximena; e um místico indu, similar a "Madana

Mohana Murari", para os encontros com Úrsula Pontes, seu verdadeiro e

definitivo amor. Até o capítulo 6, quando acontece a primeira citação literal,

"Cabecinha no ombro" tem 12 ocorrências, com sete arranjos diferentes. Neste

caso, os arranjos instrumentais apresentam a melodia gerando uma expectativa

pela letra que só virá no capítulo 6.

O efeito contrário é oferecido pelo tema de Murilo "Entre a serpente e a

estrela". Na primeira cena de PP (v. fragmento nº 2), a expectativa da música só

dura 45 segundos entre os primeiros toques inconclusos da melodia e a primeira

ocorrência de citação literal do tema. A expectativa não está na música, que já

revela o núcleo de conflito de amor com uma mulher, e sim na imagem que não

deixa ver o rústico cavaleiro. No primeiro capítulo há mais uma ocorrência de

citação literal, porém, outras seis ocorrências com um arranjo leve e amoroso que

evidenciam os momentos felizes do amor no passado. Nos fragmentos nºs 3 e 4

encontram-se outras duas ocorrências deste tema com arranjos diferentes; no nº 3,

escuta-se um arranjo único para uma situação especial, Murilo toma consciência

de que vai ter um neto e o tema é tocado com um xilofone com ar infantil. Já no nº

4, a melodia é tocada por uma gaita e em um andamento mais lento acentuando o

tom de ternura e melancolia da cena, onde Murilo e Pilar declaram seu amor

impossível.

"É a mesma música só que foi tocada mais suave pela notícia de que ele ia

ser avô. Aquele instrumento que tem uns ferrinhos... tem mais jeito de

criança mesmo."

150

Rita, 20, Canas.

"Porque era um momento bem calmo, pra pensar em deixar as brigas de lado

e ver agora o problema dos filhos, pra ter mais calma e pensar melhor."

Sonia, 34, Canas.

Podemos afirmar neste ponto que na tipologia de Tellez, as citações literais

das músicas dos CDs configuram-se como motivos. São canções com

predominância da melodia associadas tanto às personagens como ao núcleo

narrativo que orienta suas ações. Por outro lado, seus arranjos classificam-se nos

tipos de discursos e formantes. No fragmento nº 4, o tema de Murilo assume o

papel discursivo, cobrindo por inteiro o diálogo das duas personagens,

acompanhando o desenvolvimento e desfecho de sua relação. Já no fragmento nº

3 o mesmo tema adquire uma função próxima a um formante, é um pequeno

bloco musical que determina o caráter dramático do momento específico da cena:

"um neto". Da mesma forma, o breve arranjo irônico de "Cabecinha no ombro" do

fragmento nº 6, que com seu andamento lento e notas graves interpretadas por um

instrumento de sopro (trombone), sublinham o ar de decepção de Jorge Tadeu na

conquista perdida. Finalmente, no fragmento nº 11, ouve-se com idêntica

intenção de formante duas ocorrências de um arranjo romântico do tema "Fera

Ferida" e uma de um arranjo de "Sangue latino". As primeiras conotam o amor de

Flamel e a segunda aponta para a personalidade agressiva de Linda Inês.

"É mais para mostrar o que eles estavam pensando, o sentimento deles. Por

exemplo, uma cena romântica, uma música lenta, uma música romântica,

151

uma música para gozar, uma música com fundo mais alegre. Agora, se for

uma perseguição, uma música mais com som de aventura."

André, 16, São Paulo.

5.3.4.2 Novos temas de personagens

Com o mesmo intuito das músicas dos CDs, encontramos em PP quatro

temas musicais ligados a personagens que, por sua utilização na telenovela e por

sua unidade musical, poderiam fazer parte dos CDs (lembrando que em cada CD

ainda há pelo menos 15 minutos de espaço para ser gravado). Durante a semana

intermediária, teve destaque a história paralela da personagem Nice, que dá um

tiro em seu ex-marido e é presa pelo seu amante, o delegado Queiroz, vindo à tona

a verdadeira identidade do pai de seu filho, o delegado, e Francisquinha descobre

que fora traída nos últimos 18 anos. Nas cenas na cela em que Nice tem diálogos

reveladores com seu filho e com Queiroz, um tema doce e melancólico sempre

têm ocorrência. Seu caráter é discursivo, pois preenche seqüências completas, mas

também adquire um caráter de motivo ao marcar o núcleo narrativo de Nice.

"Eu acho que é para não se tornar monótona a novela. Quando o personagem

anda pra lá, anda pra cá, então aparece a música para não ficar monótona.

Quando aparece um personagem assim, pra chamar atenção, aquela música

já marca aquele personagem."

Ricardo, 52, São Paulo.

152

Nessa mesma semana, pôde-se ouvir também durante a primeira missa, uma

música de coral de caráter religioso. Este tema está ligado ao padre Otoniel, desde

sua chegada até sua última aparição no batismo do filho de Marina e Leonardo.

Sempre que o padre estava realizando algum ato religioso, estes coros pontuavam

sua presença, acentuando sua religiosidade. O único rival do padre era Gioconda,

que o considerava um "filho do capeta" pelo único motivo de ser negro, e é

justamente Gioconda a terceira personagem a possuir uma música tema que não

está nos CDs. Seu tema começa com o toque de sinos e também tem um ar

religioso, mas diferente ao coral que marca o tema do padre, a fé não é sublinhada

e sim ridicularizada, pois o tema é jocoso e irônico.

O último tema ligado a uma personagem limita-se a uma marcha militar que

acontece durante algumas das ações da delegada Francisquinha. Em sua primeira

aparição no capítulo 1 já temos esta ocorrência no momento em que ela caminha

de um lado para outro preparando a estratégia para proteger a cidade das possíveis

conseqüências do encontro de Pilar e Murilo. Nos capítulos intermediários esta

marcha militar sofre um arranjo triste e melancólico, quando ela vive seus

momentos de dor pelos 18 anos perdidos cuidando um marido supostamente

doente que só a traía.

5.3.4.3 Temas de tensão

Utilizados como fundos e formantes, as telenovelas apresentam uma série de

temas de tensão, na forma de segmentos musicais não-melódicos de difícil

reconhecimento e memorização. São verdadeiros clichês sonoros que indicam

para o receptor a característica de suspense, medo, apreensão etc. da cena. Às

153

vezes cobrem seqüências inteiras ou aparecem brevemente para dar um toque

tenso e aliviar o clima novamente. No fragmento nº 11, quando Flamel cai nas

tintas, os andaimes que sustentam as telas caem sobre ele, e durante poucos

instantes e de maneira quase inaudível, no meio dos outros barulhos, ocorre um

desses temas de tensão. Sua utilização é tão contínua que no primeiro capítulo de

PP encontram-se 17 ocorrências e no capítulo 57 de FF, mesmo sem apresentar

cenas de tensão, ouvem-se três dessas ocorrências.

5.3.4.4 Formantes conclusivos e pontuações

Outras formas musicais de freqüente ocorrência nas telenovelas são breves

toques configurados por caráter conclusivo e/ou pontual. Os formantes

conclusivos ouvem-se ao final das cenas realizando comentários. "Neste caso ela

(sonoplastia) tem uma função crítica, opinativa; serve para comentar

indiretamente a cena. Entra como uma espécie de aparte ou de conclusão,

expressando um ponto de vista, uma opinião" (Camargo, 1986: 47). Destacam-se

duas formas conclusivas: uma que chamaremos "dramática", na qual a música

realça alguma dúvida surgida numa tensão que fica na expectativa das próximas

cenas; a outra corresponde aos "comentários humorísticos" que enfatizam o

momento em que uma personagem superou outra de forma irônica. Às vezes,

estes temas abrem mão das melodias das canções dos CDs, como no fragmento nº

6, quando Susana sobe ao quarto e Jorge Tadeu fica sozinho na sala, o arranjo

humorado de "Cabecinha no ombro" conclui e comenta o fim da cena.

"Uma é diferente da outra: uma na hora da fotografia, uma música calma,

tranqüila; a hora que ela sobe as escadas, uma música meio de deboche

154

porque ele tinha deixado escapar; e a outra seria a hora que ela estava

começando a falar, seria uma música tranqüila."

Adriana, 37, São Paulo.

As pontuações são brevíssimos acordes ou escalas que chamam a atenção

sobre algo que foi dito ou algo que aconteceu. No fragmento nº 7 e nº 11,

encontramos pontuações. No nº 7, são duas ocorrências, na primeira, toques

graves acentuam a ironia na resposta de Francisquinha ao prefeito:

(Kléber): Ah, eu me sinto mal por não ter ido com eles. Mas o deputado Murilo Pontes

achou por bem que eu, como prefeito, como autoridade máxima da cidade, ficasse

aqui para cobrir a retaguarda de Resplendor.

(Francisquinha): Só se for a sua (toques), que da retaguarda de Resplendor, dessa cuido

eu!

A seguir Francisquinha vira-se e vê Jorge Tadeu cruzando a praça, ouve-se

um "pling"e ela diz que tem coisas mais importantes para fazer, e sai atrás do

retratista. Um toque agudo e breve marca a reação da delegada que lembra, e

lembra também ao receptor, da diligência sobre os verdadeiros motivos que

trouxeram o forasteiro à cidade. Na seqüência nº 11 também temos uma

pontuação: no momento em que Flamel e Linda Inês estão prestes a se beijar,

Demóstenes os surpreende, e a reação de susto do casal é marcada com toques

irônicos e conclusivos.

155

"Se tivesse uma música suave mudava o clima, já pensou se a cena fosse

sem música, ficava esquisito, quebrava o clima."

Mário, 16, São Paulo