off de outros espaços ou tempos interferindo no...
Transcript of off de outros espaços ou tempos interferindo no...
126
Quando começamos a falar do som, dizíamos que ele era o elemento menor,
mas mesmo assim observamos como suas potencialidades são utilizadas.
Entretanto, algumas utilizações do som que analisamos nas falas não foram
observadas em nenhuma das duas telenovelas. Não há sons-off que interliguem
cenas diferentes, prolongando alguns segundos os sons da cena anterior sobre a
seguinte ou colocando os sons da seguinte na cena anterior. Também não
observamos sons-off de outros espaços ou tempos interferindo no espaço-tempo
presente na imagem. Procura-se, talvez, não confundir o receptor com sons que
não tenham sua ocorrência definida com relação a sua fonte e/ou a sua função
audiovisual.
5.3 As músicas na telenovela
Toda telenovela possui uma trilha musical. Esta característica musical é uma
herança legada de antepassados como o cinema, as radionovelas e, também, de
antepassados mais seculares como o teatro, o melodrama e a ópera. As primeiras
musicalizações das telenovelas eram realizadas pelos sonoplastas, escolhendo
músicas pré-existentes de todo gênero. Tudo isto foi modificando-se tanto pelo
aprimoramento da qualidade das telenovelas como por interesses comerciais na
divulgação e venda de músicas criadas ou utilizadas em novelas.
Salathiel Coelho foi o sonoplasta de renome na primeira fase das telenovelas
no Brasil. Ismael Fernandes refere-se a ele como "o sonoplasta de ouro dos
primódios da telenovela" (Fernandes, 1987:26). Salathiel Coelho não só foi um
grande sonorizador de teledramas, mas também foi sob seu nome que se lançou,
em 1965, ao mercado do disco o primeiro LP com músicas de telenovela. Neste
127
LP, chamado Salatiel Coelho Apresenta Temas de Novela, encontram-se onze
temas de novelas da TV Tupi. A este "sonoplasta de ouro" são atribuídas ainda
muitas inovações na utilização de músicas em novelas, como, por exemplo, o
emprego de temas populares nas vinhetas de aberturas e o uso de temas
específicos para alguns personagens principais.
A primeira trilha sonora originalmente composta para telenovela foi
inaugurada com a novela Véu de Noiva (1969-70), de Janete Clair. A idéia surgiu
ao prever na novela um meio de divulgação de músicas. A trilha sonora de Véu de
Noiva foi assim lançada ao mercado em LPs que em pouco tempo venderam mais
de cem mil cópias: "sucesso sem precedentes no marketing de trilhas sonoras do
então pobre e amadorístico mercado musical brasileiro" (Motta, O Globo:
12/10/1975). Este sucesso da indústria cultural havia sido realizado através de um
contrato entre a Rede Globo TV e a gravadora Philips. Quando o contrato
terminou, as organizações Globo fundaram a SIGLA (Sistema Globo de
Gravações Audiovisuais) a qual passou a utilizar o selo SomLivre para a gravação
e comercialização das trilhas sonoras que eram criadas para as novelas da TV
Globo. As músicas da telenovela O Cafona (1971), de Bráulio Pedroso,
conformaram a primeira trilha sonora gravada pela SIGLA e lançada sob o selo
SOMLIVRE.
A partir de 1971 começam a ser criadas trilhas sonoras para todas as
telenovelas da TV Globo, sendo, via de regra, lançadas ao mercado duas trilhas
sonoras para a mesma novela: uma "Trilha Nacional", com as músicas brasileiras,
e outra, "Trilha Internacional", composta de uma seleção de temas internacionais
(algumas telenovelas de cunho regional lançam duas trilhas nacionais). Desde
128
então as trilhas sonoras são um sucesso de vendas, "...já em 1976 se torna líder do
mercado fonográfico. E em 1982 detém 25% de seu faturamento" (Ortiz, 1988:
128).
A TV Globo normalmente utiliza durante a primeira metade de uma novela
as músicas que correspondem à "Trilha Nacional". A partir da metade, começa a
empregar os temas internacionais, os quais vão sendo intercalados com os temas
nacionais. Esta técnica de uso das músicas responde também à estratégia de
mercado para o lançamento do LP com as músicas nacionais no início da
telenovela, e para o lançamento do LP com os temas internacionais a partir da
metade da telenovela. As duas telenovelas aqui estudadas configuram-se como
exceção da regra, já que pelo caráter regional das duas histórias, foram lançadas
duas trilhas nacionais para cada uma, sendo que uma música de cada telenovela é
internacional, e duas músicas de cada são versões cantadas por intérpretes
brasileiros (como veremos adiante).
"Música de novela vende - e como vende! Tanto nacional como
internacional vende bem. Normalmente são homens, camioneiros, por
encomenda da mulher, da filha; e pra eles, já preferem mais música
sertaneja".
Sonia, 34, Canas.
"A música de fundo que eles escolheram...Tocou, tocou bastante na época,
mesmo em programas de auditório... nossa tocava direto essa música! AM,
FM, tudo quanto era rádio, estava tocando"
129
Cláudia, 16, São Paulo.
Então, em uma telenovela, as músicas são utilizadas de um modo específico
no qual sua articulação com uma personagem, com um casal ou com uma situação
dramática vai gerando um sentido na narrativa. Para estudar o uso dessas músicas
tomaremos como base algumas classificações do papel da música no cinema e,
por extensão, nos audiovisuais, sendo que partiremos dos questionamentos e
respostas do maestro Lauro Machado Coelho: "Qual é a melhor música para
cinema? Por que processos deverá ela ser construída? A única resposta que se
pode dar a essas questões é, naturalmente, da mais peregrina obviedade: a de que
a presença da música no filme não se justifica por regra alguma. A de que cada
filme é, em si mesmo, um universo sonoro e visual tão individual, e cada cineasta
tem, em princípio, concepções tão pessoais das relações imagem/som (...) que não
ha princípios muito abrangentes que possam ser formulados, ou regras que não
possam ser infringidas." (Coelho, 1985: 8).
5.3.1 Músicas e o domínio do extradiegético
Nas falas encontramos o domínio do diegético; nos sons verificamos um
equilíbrio significativo entre diegéticos e extradiegéticos, e nas músicas o âmbito
vive sob o domínio do extradiegético. Se não fosse por algumas ocorrências de
músicas diegéticas em PP, diríamos que no espaço-tempo das telenovelas não
existe música. Em PP a primeira música com fonte na diégese ouve-se ao voltar
ao passado, nas comemorações da vitória eleitoral de Murilo, em que uma
pequena banda acompanha a multidão festiva. Depois ouve-se ainda no passado a
música que vem do interior do "Otéo de Marlene" (sic), casa de tolerância onde
130
Murilo e seus amigos realizam a despedida de solteiro. Na entrada de Pilar na
igreja, toca-se a "Marcha nupcial" de Mendelssohn, porém, não há nenhuma
referência de que esta música seja diegética. Dois espaços da história são
marcados pela presença de música diegética: 1) o Grêmio, que sempre em seus
momentos de funcionamento ou tinha música tocada na vitrola ou música
interpretada por um pequeno conjunto (caps. 2, 3, 113 e 114); 2) o acampamento
dos ciganos também possui uma música durante as festas interpretada por um
conjunto de ciganos (caps. 5, 6, 113 e 179). As outras ocorrências diegéticas
registradas foram quando alguma personagem cantava, como no capítulo 5,
quando Lola consola seu irmão Sérgio, entoando uma cantiga de ninar; no
capítulo 110, Alva canta o refrão principal da música "Cabecinha no ombro"; no
capítulo 179, Gioconda, internada no hospício, entoa algumas notas de "Madana
Mohana Murari". Na semana de FF não registramos nenhuma ocorrência de
música diegética.
A música, enfim, limita-se a ocorrer em espaços e em momentos em que sua
presença é obviamente circunstancial (um grêmio onde as pessoas dançam e um
acampamento onde os ciganos fazem festas), ou ocorre esporadicamente quando
uma personagem canta. Em toda FF, as músicas diegéticas apareceram durante a
festa de aniversário de Camila e em alguns merchandising de equipamentos de
som, nos quais personagens escutavam alguma música para demonstrar as
qualidades técnicas do aparelho. O único lugar da telenovela que justificaria uma
presença mais efetiva da música seria o bar de Remédios, porém nunca houve
música nesse espaço. O privilégio das músicas extradiegéticas, por um lado,
aponta a utilização das trilhas musicais com fins mercadológicos de promoção dos
discos da "trilha sonora" e, por outro, aponta um cuidado com as possíveis
131
interferências que músicas diegéticas possam provocar no som como um todo e
nas falas em particular.
5.3.2. Música e sua contribuição no audiovisual
Neste item limitar-nos-emos a citar o que três autores definem como
princípios, papéis e tipologia da música no cinema (e nos audiovisuais). No
entanto, antes de observar estas classificações, comecemos pelos oito objetivos
que o Instituto Oficial de Radiodifusión y Televisión de Madrid atribui à música
para televisão: "(...) como fator de ambientação de uma época, de uma localização
específica etc.; como elemento de caracterização de personagens e seqüências;
como fixador do ritmo interno da narração; como definição psicológica de
seqüências - humorísticas, tristes, épicas etc. -; como narração do tempo do relato;
como antecedente ou rubrica de situações; como sutura, encadeamento e
transição; como elemento protagonista por si mesmo, em primeiro plano, quando
a ação assim o requer" (Aparici, 1922: 180).
5.3.2.1 Max Steiner: princípios de composição, mixagem e edição
O compositor de músicas para cinema americano dos anos 40, Max Steiner,
define os seguintes sete princípios de composição, mixagem e edição para a
música de filmes:
"I) Invisibilidade: o aparato técnico da música não-diegética não deve ser
visível.
132
II) Inaudibilidade: a música não precisa ser ouvida conscientemente. A
música deve ser subordinada a diálogos e imagens, isto é, aos veículos
primários da narrativa.
III) Significador de emoção: a música da trilha sonora pode atribuir
diferentes estados de ânimo e enfatizar emoções específicas sugeridas na
narrativa (cf. IV), mas primeiro e principalmente a música deve ser um
significador de emoções por si própria.
IV) Sugestão narrativa:
- Narrativa referencial: a música proporciona o referencial e a idéia da
narrativa, por exemplo, indicando o ponto de vista, trazendo marcações
formais e estabelecendo o local e as personagens;
- Conotativa: a música "interpreta" e "ilustra" os acontecimentos da
narrativa.
V) Continuidade: a música proporciona uma continuidade rítmica e formal
entre filmagens, em transições e entre cenas, preenchendo os vazios.
VI) Unidade: através da repetição e variação do material musical e da
instrumentação, a música auxilia na construção da unidade formal e
narrativa.
133
VII) Determinada trilha de filme pode violar qualquer um dos princípios
acima, oferecer esta violação é estar a serviço de outros princípios."
(Gorbman, 1987: 73).
5.3.2.2. Marcel Martin: os vários papéis
Segundo Marcel Martin, a música de filmes pode desempenhar vários
papéis:
"A) Papel rítmico:
- Substituição de um ruído real (...) ou virtual (...);
- Sublimação de um ruído ou de um grito: refiro-me a um ruído ou grito que
se transforma pouco a pouco em música (...);
- Realce de um movimento ou de um ritmo visual ou sonoro: pode ser o caso
de um simples movimento material (...) ou de um ritmo (...);
134
- B) Papel dramático (...):
Ao criar a ambientação e sublinhar os episódios, a música é capaz de
sustentar uma ação - ou duas ações paralelas, dando a cada qual uma
coloração particular (...) Ela também pode enfatizar a dominante
psicológica, desempenhando um papel metafórico: uma música de valsa
acompanha os gestos de um guarda de trânsito (...) Enfim, a música pode
intervir sob a forma de um leitmotiv simbólico que evoca a presença, num
personagem, de uma idéia fixa, uma obsessão. (...) E o leitmotiv pode
desempenhar um papel obsessivo por sua repetição.(...)
C) Papel lírico:
A música pode finalmente contribuir para reforçar a importância e a
densidade dramática de um momento ou de um ato, dando-lhe uma
dimensão lírica como só ela é capaz de engendrar " (Martin, 1990: 124-6).
5.3.2.3 J. L. Tellez: tipologia para as músicas extradiegéticas
No relacionamento entre segmentos fílmicos e segmentos musicais, José
Luis Tellez oferece a seguinte tipologia para as músicas extradiegéticas:
"a) Motivos: O leitmotiv, o que comumente se denomina 'tema', que se
apresenta associado com núcleos narrativos relevantes reaparecendo com
variações oportunas. Trata-se de idéias fechadas, pouco discursivas, cuja
135
característica musical é a reconhecibilidade imediata facilitada por uma
geral preeminência do elemento melódico (...);
b) Discursos: fragmentos estruturados em forma de desenvolvimento que
cobram seqüências completas, sendo, portanto, de duração maior e emprego
menos nuclear que os motivos (...) Enquanto o motivo se encontra sobretudo
no período da exposição do conflito dramático e suas transformações
abundam no desenvolvimento os discursos informam preponderantemente os
períodos de desenlace, ou os desenlaces dos núcleos parciais (...);
c) Fundos: segmentos especificamente pouco ou dificilmente reconhecíveis,
discursivos e não-memorizáveis. Sua longitude pode ser variável e, quanto
ao carecer de princípios (e menos freqüentemente de final) definidos, não
costumam tampouco coincidir com os princípios ou finais das seqüências
(...);
d) Formantes: (...) denominamos assim certo tipo de blocos geralmente
muito breves que permitem determinar ou antecipar o caráter dramático do
segmento fílmico sobre o qual se aplicam. (...);
e) Pontuações: (...) Trata-se de blocos constituídos por um acorde, uma
escala, uma sonoridade qualquer, extremamente breves - raramente excedem
os dois ou três segundos - permitem ressaltar uma mudança de seqüência,
um movimento brusco, uma batida...;
136
f) Ambientes: são os segmentos de estrutura mais freqüentemente temática,
pois não pretendem articular-se com a ação nem associar-se a personagens,
mas sim dar notícia paralelamente de situações geográficas ou topológicas
(...);
g) Citações: ou músicas históricas pré-existentes, reproduzidas ou
parafraseadas. (...);
3) Overtures e poslúdios: os créditos são sonorizados geralmente mediante
música. É uma retórica herdada da ópera, onde, antes do começo da ação,
ouve-se um prelúdio que, de forma um tanto 'caprichosa' ou rapsódica,
recapitula os principais temas para que o espectador vá degustando e se
facilite o posterior reconhecimento." (Tellez, 1980: 149-54).
5.3.3. Músicas e as citações literais dos CDs
A partir das classificações acima relacionadas, podemos analisar o papel das
músicas na telenovela. Nosso ponto de partida serão as músicas que são
simultaneamente integrantes da emissão da telenovela são lançadas ao mercado
fonográfico em discos, fitas e CDs. Para análise tomaremos como referência os
quatro CDs correspondentes às duas telenovelas (v. anexo reprodução das capas,
títulos e ficha técnica dos CDs).
O primeiro CD tanto de PP como de FF contêm 14 faixas, sendo que 12
correspondem a canções e duas são instrumentais. No segundo CD, encontra-se
12 faixas; no CD de PP temos oito canções e quatro instrumentais, e no de FF,
137
nove canções e três instrumentais. É importante ressaltar que com o surgimento
dos CDs, existe uma diferença mínima entre o número de faixas dos discos de
acetato e fitas em relação aos CDs. A diferença reside em que nos CDs há uma
ou duas faixas a mais (de música instrumental) já que em um CD é possível
gravar 74 minutos de música, contra 40 minutos de um disco de acetato.
Considera-se essa diferença mínima, pois os tempos de música gravada nos quatro
CDs eram de apenas 41, 45, 50 e 51 minutos, respectivamente.
Ocorrências de fragmentos das músicas dos CDs são a primeira forma de
músicas na telenovela. Estes fragmentos correspondem exatamente à música
gravada nos CDs, isto é, são verdadeiras citações literais e uma forma de
promoção explícita dos intérpretes e dos discos da SOMLIVRE. Mas para este
tipo de ocorrências podemos apontar as seguintes funções:
5.3.3. 1 O uso nas vinhetas
Os temas utilizados nas vinhetas de apresentação da telenovela configuram-
se no próprio carimbo sonoro, criam a relação música e história total. Tellez as
descreve como overtures e poslúdios. Via de regra, trata-se de uma canção que,
por seu estilo e letra, já ilustram o núcleo central da história. Em PP, o tema
"Pedras que cantam", interpretado por Fagner, é um baião que resume os
principais elementos narrativos da trama: na primeira estrofe faz uma crítica às
diferenças entre pobres e ricos, a necessidade de protesto contra a situação da
pobreza e o desperdício das pessoas com poder social, político e econômico,
representados em PP pelos Pontes, Batistas e Cândido Alegria: "Quem é rico
138
mora na praia, / mas quem trabalha nem tem onde morar. / Quem não chora dorme
com fome, / mas quem tem nome joga a prata no ar " ("Pedras que cantam").
Por sua vez, a música da vinheta de FF empresta seu nome para a telenovela.
Esta canção é uma regravação na voz de Maria Bethânia de uma balada dos anos
60 de Roberto Carlos e Erasmo Carlos. A letra corresponde à vida e aos
sentimentos da personagem Raimundo Flamel, em especial aos motivos pelos
quais ele teve que fugir com os pais quando era criança: "Acabei com tudo /
escapei, com vida / tive as roupas e os sonhos / rasgados na minha saída..." ("Fera
Ferida").
Fragmentos destas músicas são empregados também nas vinhetas que
emolduram os intervalos comerciais, sendo que PP era apresentada com quatro
intervalos e FF com cinco. Na segunda telenovela, observa-se uma fragmentação
de mais um bloco, permitindo a inserção de mais um conjunto de comerciais
mantendo a mesma média de uma hora de duração total por capítulo.
De PP para FF vemos uma mudança na utilização da música de vinhetas. Em
PP o tema é utilizado também na vinheta de encerramento dos capítulos; já em FF
é uma outra música dos CDs que ilustra esta vinheta final. A diferença consiste
em que em PP eram apresentadas cenas dos próximos capítulos antes da vinheta.
Durante estas cenas tocava-se em um sistema de rodízio de duas em duas semanas
uma música dos CDs, posteriormente tinha-se a vinheta. Em FF não há cenas dos
próximos capítulos, a vinheta entra imediatamente após o final da última cena do
capítulo tocando uma música no mesmo sistema de rodízio. Durante a primeira
semana de PP, ouvimos o tema "Entre a serpente e a estrela", durante a
139
intermediária tocou "Pergunte pro seu coração" e, na final, ouve-se "O homem
que amei". Na semana de FF é tocado na vinheta final o tema "Sensual". Esta
configura-se em uma outra estratégia de marketing musical das trilhas sonoras de
telenovela.
5.3.3.2 A associação com personagens
A principal função das canções dos CDs é sua associação direta com uma
personagem ou com casais de personagens. Estas músicas ganham assim um
amplo espectro dentro das classificações acima citadas. Se, por um lado, elas
remarcam "sugestões narrativas", por outro, enfatizam a "dominante psicológica"
e também se encaixam no âmbito dos "motivos". Devemos lembrar que estamos
fazendo referência a fragmentos musicais "extraídos" das gravações dos CDs, e
ainda não a seus diversos arranjos musicais. Estas músicas traduzem em suas
letras um ponto chave da caracterização da personagem.
O tema "Fera Ferida" foi um exemplo já exposto acima com relação a
Flamel. De maneira semelhante, podemos ouvir no fragmento nº 2 a primeira
estrofe de "Entre a serpente e a estrela" que denuncia as dificuldades de Murilo
para rever seu indecifrável amor do passado: "Há um brilho de faca onde o amor
vier / e ninguém tem o mapa da alma da mulher / ninguém sai com o coração sem
sangrar / ao tentar revê-la / um ser maravilhoso entre a serpente e a estrela"
("Entre a serpente e a estrela").
Por sua vez, "Cabecinha no ombro" resume a atitude de Jorge Tadeu para
com as mulheres casadas de Resplendor: "Encosta a tua cabecinha / no meu
140
ombro e chora / e conta logo tua mágoa / toda para mim / quem chora no meu
ombro, / eu juro, / que não vai embora" .
"Todo artista na novela tem uma música, sempre toca. O retratista tem uma
música, esta musica já era dele... para quem não tinha marido, era carente,
esta música "Encosta sua cabecinha", ficou certinho pra ele".
Rita, 20, Canas.
"O cara é meio conquistador, né, então ele conquistou todas as mulheres da
cidade, então "Encosta a cabecinha no meu ombro e chora", eu acho que é
mais ou menos uma música de conquista."
Luiz, 49, Canas.
"'Ai, amor, eu quero seu carinho, porque, vivo tão sozinho' é porque ele tem
muita solidão, então cai bem pra ele porque ele quer fotografar todas as
mulheres da cidade ele é o galã de tudo."
Mário, 16, São Paulo.
Nestas músicas é traduzido o ponto de vista de uma personagem com relação
à história ou a outra personagem. Normalmente as personagens principais ganham
uma ou duas músicas durante a história. Em PP, Marina Batista e Leonardo
Pontes possuem na primeira parte, as músicas "Herdeira da noite" e "Esse amor",
respectivamente. Na segunda fase da história (e no segundo CD) encontramos
141
"Outono" para Marina e "Faz de mim" para Leonardo. Como exemplo da
mudança de uma música para outra, podemos sentir que em "Herdeira da noite"
descreve-se o ponto de vista de Marina com relação ao iniciante amor por
Leonardo. Mostra um amor difícil e proibido devido à briga herdada das duas
famílias. Em uma citação explícita da peça Romeu e Julieta, de William
Shakespeare, algumas frases da letra rezam: "Brinca o meu amor/ de se esconder
de mim / e o meu coração sofre assim (...) Muito tempo atrás / me destinaram a
ser / herdeira de um mal que não fiz" ("Herdeira da noite"). A segunda música,
"Outono", já nos fala do amor realizado: "...Uma boca que eu sei / não porque me
fala lindo / e sim, beija bem ".
"Elas divulgam o trabalho da pessoa e ela serve prá... ela te marca um
personagem; então, sempre que você ouve aquela música, você lembra ou de
personagem de tal novela, né? Ela serve para marcar um personagem, para
marcar determinadas cenas, determinados acontecimentos dentro de uma
novela".
Cláudia, 16, São Paulo.
As músicas também podem estar relacionadas ao amor de um casal mesmo
mantendo o ponto de vista de um dos dois amantes. Em FF, o tema "Pessoal"
(segundo CD) está ligado ao relacionamento entre Fabrício e Isoldinha, do ponto
de vista desta última. A primeira ocorrência desta música aconteceu no capítulo
58, da semana analisada, quando em meio a uma discussão, Fabrício rouba um
beijo de Isoldinha, e a letra nesse instante introduz: "Olhar / você / e não saber /
que você é a pessoa mais linda do mundo / eu queria alguém lá no fundo / do
142
coração / Ganhar / você/ e não ...". O tema evidencia o amor que Isoldinha nega,
pois Fabrício é um pobre varredor de rua e ela almeja a riqueza. Nesta mesma
linha vale destacar outro tema de FF, "Linda" é uma música do casal principal
Linda Inês e Flamel, que também aparece no segundo momento da história,
quando ambos vivem uma relação mais tranqüila, já que na primeira parte da
história estas duas personagens vivem um misto de rivalidade e sedução e suas
músicas são individualizadas em "Fera Ferida" para Flamel e "Sangue latino" para
Linda Inês.
"Acho que a música dá vida aos personagens. Por isso que devem ser bem
escolhidas, e o tema da novela vai ter uma música, mas é pra dar vida ao
personagem. Você vai lembrar da novela e do personagem através da
música."
Helena, 43, São Paulo.
5.3.3.3 Associação com personagens e situações
Segundo a linha descrita anteriormente, há músicas que estão relacionadas
simultaneamente a duas ou mais personagens e a determinadas situações. Em PP,
o tema instrumental "Resplendor" serve para pontuar o Delegado Queiroz e
Ivonaldo Pontes, duas personagens caricatas, delineadas como subservientes dos
mandos de Francisquinha (a esposa) e Gioconda (a mãe), respectivamente. Mas o
tema também é utilizado como dicurso (Tellez) em seqüências completas de
caráter irônico ou humorístico. No fragmento nº 7, a Delegada Francisquinha
interrompe sua conversa para ir atrás de Jorge Tadeu, pois ela suspeita das
143
intenções ocultas do retratista. Quando ela vai atrás do fotógrafo, o tema
"Resplendor" toca, proporcionando um caráter jocoso à diligência de
Francisquinha. Neste fragmento devemos ressaltar a utilização dessa música
como efeito sonoro, no momento em que Sérgio Cabeleira sofre um "leve
desmaio" a música desacelera-se até parar, metaforizando a sensação de queda e
perda de consciência.
"Na hora em que Francisquinha vê o Jorge Tadeu, a música é mais
safadinha... Na vertigem, música de suspense também, dá para perceber, a
música dá uma caidinha.".
Rita, 20, Canas.
"Só a música que começou bonitinha e de repente teve uma caída. Acho que
por causa da reação daquele careca, não sei como ele chama... Depois, não
sei porque, virava a música tipo um suspense, parece um assobio."
Julio, 30, Canas.
144
"Ah, a música é ... nem muito triste, nem muito alegre. Pela situação ali, sei
lá, se ele ia ter um desmaio, qualquer coisa... Falando de lua cheia, né... Não
tem nada de alegre na música não, o próprio som dela ... A gente ouvindo
qualquer música, a gente já sente alguma coisa, se é triste, é alegre, é
romântica ou não é."
Ana, 36, Canas.
Em FF, a música também instrumental, que cumpre este papel é "Corrupião"
que ocorre quando personagens como o Major Bentes, o prefeito Demóstenes,
Maxwell Antenor e outros estão realizando alguma de suas pequenas maldades.
No capítulo 57, escutamos sua ocorrência quando o Major está realizando um
jogo de sedução com Isoldinha, que é tratada, por exemplo, de "borboletinha" e,
na cena, "Corrupião" dá o toque de ironia do açanhamento de um homem já de
certa idade para com uma mocinha.
5.3.3.4 Músicas de ambientação e mudanças temporais
Algumas músicas não estão relacionadas com personagens ou situações
específicas. O tema "Pedras que cantam", da vinheta de PP, também é utilizado
nas mudanças temporais como por exemplo as passagens de um dia para o
seguinte. Normalmente são pequenos fragmentos de músicas, em que as imagens
mostram a Chapada Diamantina ao amanhecer e logo a praça de Resplendor. No
segundo capítulo de PP, temos a primeira ocorrência desta característica: após
mostrar o retratista urinando na arvorezinha no meio da praça, sendo observado
pelo prefeito Kléber, temos a passagem até o dia seguinte com este tema ao
145
fundo. Na imagem seguinte, o prefeito Kléber corta com fúria a machadadas o
arbusto. Na segunda parte da história, o tema "Tomara" (segundo CD) passa a
cumprir esta função transitiva. A ambientação se dá na medida em que os dois
temas utilizam-se de ritmos e estilos musicais nordestinos, evidenciando a
diégese na Bahia. Em FF, o tema que cumpre o mesmo papel é "Rio de Janeiro"
que, por suas características musicais, amplia a diégese para todo o Brasil.
Estas músicas de ambientação e transição possuem um valor de identificação
geral da telenovela, similar ao da música das vinhetas; mostra disso é a última
cena de PP quando nos é mostrado todo o elenco e a equipe técnica da telenovela,
ao lado da estátua de pedra de Cândido Alegria, o tema musical é "Tomara", tema
que se apresenta como uma reza de esperança: "Tomara meu Deus tomara / que
tudo que nos separa / não frutifique, não valha / Tomara, meu Deus...(...)/ Uma
Nação solidária / sem preconceitos, tomara / uma Nação como nós ...".
5.3.3.5 Músicas discursivas e de fundo
Outras músicas instrumentais que completam os CDs servem nas telenovelas
como músicas discursivas para preencher determinados fragmentos de tensão ou
ação. O tema instrumental "Medo" é nosso melhor exemplo: utilizado em PP no
capítulo 4, quando os homens a cavalo liderados por Murilo dirigem-se à gruta
para resgatar Marina. O estilo deste tema é de música de filmes de bang-bang,
com um ar de intriga e tensão. Talvez com o mesmo intuito, encontramos no
segundo CD de PP, no tema "Ritmo do coração", porém ao longo da telenovela (e
como receptores comuns) não conseguimos localizar sua utilização. Também não
localizamos na telenovela FF o tema "Um dia, uma música", do primeiro CD.
146
Quiçá, estes temas tenham tido ocorrências, mas, no âmbito da recepção, algumas
vezes naufraga-se no vasto oceano de músicas mais de 180 capítulos.
5.3.3.6 As citações
Todas as trilhas apresentam músicas criadas especialmente para a telenovela,
como "Pedras que cantam" da vinheta de PP. Entretanto, são utilizadas ainda
músicas já consagradas popularmente, como é o caso de "Fera Ferida", da vinheta
de FF. Nestes CDs, temos algumas citações que vale a pena destacar. Os temas
"Entre a serpente e a estrela", "O homem que amei" de PP, e "Eu só penso em
você", "Corpo e luz" e "Minueto" de FF, são versões. As três primeiras são
canções norte-americanas e as outras são uma versão de um tema da ópera
Tristão e Isolda, de Wagner, e "Minueto" é uma adaptação de um tema de Bach.
O tema "Al di la" originalmente utilizado no filme Candelabro italiano, já fez
parte da trilha da novela Estúpido cupido, de Mário Prata, em 1976. Devemos
anotar ainda que todas as músicas internacionais são citações, já que nenhuma
delas foi composta originalmente para as telenovelas. Em sua maioria, sua escolha
deve-se à sua atualidade mercadológica. No caso de "Al di la" e "Tristão e Isolda"
trata-se, porém, de citações que ganham novo vigor, e ampliam o contexto
atingido pelas personagens a que se direcionam as músicas. Um dos temas
nacionais mais populares é "Cabecinha no ombro", composta em 1961 por Paulo
Borges, durante os últimos anos teve mais de 15 gravações diferentes, voltando a
ser popular nesta nova versão de PP.
Para finalizar, devemos destacar a utilização do "Noturno em mi bemol,
Opus 9, nº 2", de Chopin, que acompanhava a solidão e a ternura da personagem
147
Hilda em PP e, em contraste com a música erudita, em FF encontra-se a citação
do tema "Na cadência do samba", trilha sonora do popular noticiário
cinematográfico Canal 100, onde eram exibidas imagens de diversos jogos do
futebol brasileiro dos anos 60 e 70 e que enquadra no personagem Ataliba, ex-
craque de futebol.
5.3.4 Músicas, para além dos CDs
Ao afastar-nos do âmbito das citações literais dos CDs, encontramos uma
ampla utilização da música na telenovela. Contudo, é uma amplitude limitada a
três fatores:
1) músicas ligadas diretamente aos temas dos CDs em forma de arranjos;
2) novos temas ligados a personagens, e
3) músicas que se deixam analisar na tipologia de J. L. Tellez.
5.3.4.1 As possibilidades dos arranjos
Um dos campos mais férteis em variações possíveis da música na telenovela
encontra-se nos arranjos instrumentais. Tomando como base as músicas dos CDs,
são realizados vários arranjos para cada música, que variam em número de acordo
com a personagem e as necessidades da história. Sabe-se que em música, o
elemento de mais rápida memorização é a melodia, mesmo por pessoas não-
iniciadas. Para realizar os arranjos, existe a necessidade de que as músicas dos
CDs possuam uma melodia de simples memorização, mantendo para o receptor o
fácil reconhecimento e associação dos temas originais. "A codificação emotiva
do formante característico é prévia à narrativa fílmica e descansa sobre critérios
148
de convenção histórica" (Tellez, 1980: 147). Qualquer pessoa é capaz de definir
as músicas como alegres, tristes, nervosas, românticas, de medo, de tensão pelo
aprendizado cotidiano e cultural dessas convenções históricas. Assim, em PP,
"Cabecinha no ombro" ganha arranjos românticos nos momentos delicados da
sedução de Jorge Tadeu ou arranjos jocosos e irônicos quando a sedução falha,
como pode ser conferido no fragmento nº 6.
"É mais uma música romântica, ele não estava fotografando, porque a
intenção dele ali era outra; ele estava querendo é puxar a roupa das meninas
...E a música era uma coisa mais romântica, pra levar a mulher a delirar por
causa dele. Eu acho que marcou muito a presença dele na novela. Quando
tocava essa música alguém já estava pensando nele".
Sonia, 34, Canas.
"Toca ela solada, depois toca num timbre mais grosso, parece que só duas
vezes ou três, porque dá um clima diferente. Se tem uma cena triste, coloca
uma música triste, se for uma coisa alegre, não pode colocar uma coisa
morta, mata a cena"
Mário, 16, São Paulo.
Porém, a personagem Jorge Tadeu exigia vários arranjos, dadas as suas
diversas interferências na história: podemos apontar um arranjo alegre e circense
que tocava quando ele urinava no meio da praça, ou quando se encontrava com
personagens cômicas como Rosemary e Francisquinha; outro com ares de música
149
portuguesa para os amores com Ximena; e um místico indu, similar a "Madana
Mohana Murari", para os encontros com Úrsula Pontes, seu verdadeiro e
definitivo amor. Até o capítulo 6, quando acontece a primeira citação literal,
"Cabecinha no ombro" tem 12 ocorrências, com sete arranjos diferentes. Neste
caso, os arranjos instrumentais apresentam a melodia gerando uma expectativa
pela letra que só virá no capítulo 6.
O efeito contrário é oferecido pelo tema de Murilo "Entre a serpente e a
estrela". Na primeira cena de PP (v. fragmento nº 2), a expectativa da música só
dura 45 segundos entre os primeiros toques inconclusos da melodia e a primeira
ocorrência de citação literal do tema. A expectativa não está na música, que já
revela o núcleo de conflito de amor com uma mulher, e sim na imagem que não
deixa ver o rústico cavaleiro. No primeiro capítulo há mais uma ocorrência de
citação literal, porém, outras seis ocorrências com um arranjo leve e amoroso que
evidenciam os momentos felizes do amor no passado. Nos fragmentos nºs 3 e 4
encontram-se outras duas ocorrências deste tema com arranjos diferentes; no nº 3,
escuta-se um arranjo único para uma situação especial, Murilo toma consciência
de que vai ter um neto e o tema é tocado com um xilofone com ar infantil. Já no nº
4, a melodia é tocada por uma gaita e em um andamento mais lento acentuando o
tom de ternura e melancolia da cena, onde Murilo e Pilar declaram seu amor
impossível.
"É a mesma música só que foi tocada mais suave pela notícia de que ele ia
ser avô. Aquele instrumento que tem uns ferrinhos... tem mais jeito de
criança mesmo."
150
Rita, 20, Canas.
"Porque era um momento bem calmo, pra pensar em deixar as brigas de lado
e ver agora o problema dos filhos, pra ter mais calma e pensar melhor."
Sonia, 34, Canas.
Podemos afirmar neste ponto que na tipologia de Tellez, as citações literais
das músicas dos CDs configuram-se como motivos. São canções com
predominância da melodia associadas tanto às personagens como ao núcleo
narrativo que orienta suas ações. Por outro lado, seus arranjos classificam-se nos
tipos de discursos e formantes. No fragmento nº 4, o tema de Murilo assume o
papel discursivo, cobrindo por inteiro o diálogo das duas personagens,
acompanhando o desenvolvimento e desfecho de sua relação. Já no fragmento nº
3 o mesmo tema adquire uma função próxima a um formante, é um pequeno
bloco musical que determina o caráter dramático do momento específico da cena:
"um neto". Da mesma forma, o breve arranjo irônico de "Cabecinha no ombro" do
fragmento nº 6, que com seu andamento lento e notas graves interpretadas por um
instrumento de sopro (trombone), sublinham o ar de decepção de Jorge Tadeu na
conquista perdida. Finalmente, no fragmento nº 11, ouve-se com idêntica
intenção de formante duas ocorrências de um arranjo romântico do tema "Fera
Ferida" e uma de um arranjo de "Sangue latino". As primeiras conotam o amor de
Flamel e a segunda aponta para a personalidade agressiva de Linda Inês.
"É mais para mostrar o que eles estavam pensando, o sentimento deles. Por
exemplo, uma cena romântica, uma música lenta, uma música romântica,
151
uma música para gozar, uma música com fundo mais alegre. Agora, se for
uma perseguição, uma música mais com som de aventura."
André, 16, São Paulo.
5.3.4.2 Novos temas de personagens
Com o mesmo intuito das músicas dos CDs, encontramos em PP quatro
temas musicais ligados a personagens que, por sua utilização na telenovela e por
sua unidade musical, poderiam fazer parte dos CDs (lembrando que em cada CD
ainda há pelo menos 15 minutos de espaço para ser gravado). Durante a semana
intermediária, teve destaque a história paralela da personagem Nice, que dá um
tiro em seu ex-marido e é presa pelo seu amante, o delegado Queiroz, vindo à tona
a verdadeira identidade do pai de seu filho, o delegado, e Francisquinha descobre
que fora traída nos últimos 18 anos. Nas cenas na cela em que Nice tem diálogos
reveladores com seu filho e com Queiroz, um tema doce e melancólico sempre
têm ocorrência. Seu caráter é discursivo, pois preenche seqüências completas, mas
também adquire um caráter de motivo ao marcar o núcleo narrativo de Nice.
"Eu acho que é para não se tornar monótona a novela. Quando o personagem
anda pra lá, anda pra cá, então aparece a música para não ficar monótona.
Quando aparece um personagem assim, pra chamar atenção, aquela música
já marca aquele personagem."
Ricardo, 52, São Paulo.
152
Nessa mesma semana, pôde-se ouvir também durante a primeira missa, uma
música de coral de caráter religioso. Este tema está ligado ao padre Otoniel, desde
sua chegada até sua última aparição no batismo do filho de Marina e Leonardo.
Sempre que o padre estava realizando algum ato religioso, estes coros pontuavam
sua presença, acentuando sua religiosidade. O único rival do padre era Gioconda,
que o considerava um "filho do capeta" pelo único motivo de ser negro, e é
justamente Gioconda a terceira personagem a possuir uma música tema que não
está nos CDs. Seu tema começa com o toque de sinos e também tem um ar
religioso, mas diferente ao coral que marca o tema do padre, a fé não é sublinhada
e sim ridicularizada, pois o tema é jocoso e irônico.
O último tema ligado a uma personagem limita-se a uma marcha militar que
acontece durante algumas das ações da delegada Francisquinha. Em sua primeira
aparição no capítulo 1 já temos esta ocorrência no momento em que ela caminha
de um lado para outro preparando a estratégia para proteger a cidade das possíveis
conseqüências do encontro de Pilar e Murilo. Nos capítulos intermediários esta
marcha militar sofre um arranjo triste e melancólico, quando ela vive seus
momentos de dor pelos 18 anos perdidos cuidando um marido supostamente
doente que só a traía.
5.3.4.3 Temas de tensão
Utilizados como fundos e formantes, as telenovelas apresentam uma série de
temas de tensão, na forma de segmentos musicais não-melódicos de difícil
reconhecimento e memorização. São verdadeiros clichês sonoros que indicam
para o receptor a característica de suspense, medo, apreensão etc. da cena. Às
153
vezes cobrem seqüências inteiras ou aparecem brevemente para dar um toque
tenso e aliviar o clima novamente. No fragmento nº 11, quando Flamel cai nas
tintas, os andaimes que sustentam as telas caem sobre ele, e durante poucos
instantes e de maneira quase inaudível, no meio dos outros barulhos, ocorre um
desses temas de tensão. Sua utilização é tão contínua que no primeiro capítulo de
PP encontram-se 17 ocorrências e no capítulo 57 de FF, mesmo sem apresentar
cenas de tensão, ouvem-se três dessas ocorrências.
5.3.4.4 Formantes conclusivos e pontuações
Outras formas musicais de freqüente ocorrência nas telenovelas são breves
toques configurados por caráter conclusivo e/ou pontual. Os formantes
conclusivos ouvem-se ao final das cenas realizando comentários. "Neste caso ela
(sonoplastia) tem uma função crítica, opinativa; serve para comentar
indiretamente a cena. Entra como uma espécie de aparte ou de conclusão,
expressando um ponto de vista, uma opinião" (Camargo, 1986: 47). Destacam-se
duas formas conclusivas: uma que chamaremos "dramática", na qual a música
realça alguma dúvida surgida numa tensão que fica na expectativa das próximas
cenas; a outra corresponde aos "comentários humorísticos" que enfatizam o
momento em que uma personagem superou outra de forma irônica. Às vezes,
estes temas abrem mão das melodias das canções dos CDs, como no fragmento nº
6, quando Susana sobe ao quarto e Jorge Tadeu fica sozinho na sala, o arranjo
humorado de "Cabecinha no ombro" conclui e comenta o fim da cena.
"Uma é diferente da outra: uma na hora da fotografia, uma música calma,
tranqüila; a hora que ela sobe as escadas, uma música meio de deboche
154
porque ele tinha deixado escapar; e a outra seria a hora que ela estava
começando a falar, seria uma música tranqüila."
Adriana, 37, São Paulo.
As pontuações são brevíssimos acordes ou escalas que chamam a atenção
sobre algo que foi dito ou algo que aconteceu. No fragmento nº 7 e nº 11,
encontramos pontuações. No nº 7, são duas ocorrências, na primeira, toques
graves acentuam a ironia na resposta de Francisquinha ao prefeito:
(Kléber): Ah, eu me sinto mal por não ter ido com eles. Mas o deputado Murilo Pontes
achou por bem que eu, como prefeito, como autoridade máxima da cidade, ficasse
aqui para cobrir a retaguarda de Resplendor.
(Francisquinha): Só se for a sua (toques), que da retaguarda de Resplendor, dessa cuido
eu!
A seguir Francisquinha vira-se e vê Jorge Tadeu cruzando a praça, ouve-se
um "pling"e ela diz que tem coisas mais importantes para fazer, e sai atrás do
retratista. Um toque agudo e breve marca a reação da delegada que lembra, e
lembra também ao receptor, da diligência sobre os verdadeiros motivos que
trouxeram o forasteiro à cidade. Na seqüência nº 11 também temos uma
pontuação: no momento em que Flamel e Linda Inês estão prestes a se beijar,
Demóstenes os surpreende, e a reação de susto do casal é marcada com toques
irônicos e conclusivos.