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    A metodologia das Oficinas Inclusivas(Parte do Livro Quem cabe no seu TODOS? Cludia Werneck Ed. WVA)

    Diagrama conceitual

    pessoas com deficincia + pessoas sem deficincia

    impasses de comunicao

    reflexes sobre diversidade humana

    entendimento e vivncia de uma nova tica inspirada nadiversidade

    conceito de incluso

    incluso X integrao

    viso crtica de projetos pessoais, sociais e polticas pblicas que se dizem

    inclusivos

    adoo de medidas pr-inclusivas

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    Resumo metodolgico

    A metodologia e o formato das oficinas, com suas Dinmicas e Provocaes, so iguaispara todos os pblicos beneficirios, diferenciando-se apenas na forma de convocaodos participantes.

    1. Oficina para adolescentes e jovens em ambientes educacionais -As OficinasInclusivas para adolescentes e jovens tm por objetivo promover um encontroindito entre jovens da mesma gerao, com e sem deficincia, suprindo umalacuna deixada pela escola e pela vida em comunidade. A seleo dos alunos paraparticipar das oficinas no deve obedecer a qualquer critrio de escolha comoconvidar os melhores por nota ou bom comportamento. Do total de participantes- no mximo 25 - 15% devem ter algum tipo de deficincia (fsica, intelectual,

    visual, auditiva ou mltipla). O percentual de 15% de pessoas com deficincia compatvel com a estimativa da Organizao Mundial de Sade sobre esta

    populao para pases em desenvolvimento e com os dados do Censo 2000 doIBGE.

    Ateno: Critrio idntico deve ser adotado em universidades, mesmo que existamadultos na turma, e tambm em clubes, colnia de frias, grupos reunidos em funo deprojetos sociais, religio etc.

    2. Oficina para adultos em ambientes educacionais e profissionais NasOficinas Inclusivas para adultos, mais produtivo trabalhar com os grupos j

    constitudos nos seus ambientes de trabalho, ajudando-os a interagir com adiversidade do dia-a-dia, no sendo necessrio levar pessoas com deficincia, masforar o grupo a admitir suas prprias deficincias, em geral disfaradas, ousimplesmente, ignoradas como assunto-tabu. As oficinas devero ter at 25pessoas, sendo que 15% delas devem ser convocadas para a dinmica por seremas mais diferentes. O objetivo desta proposta aparentemente segregadora instigar os participantes, mesmo antes de a oficina comear, a se confrontaremcom suas dificuldades para conceituar diversidade, desigualdade etc. Cada umpensar nessas diferenas de acordo com seus prprios critrios: etnia, religio,classe social, aparncia fsica, gnero, cultura, regio do pas, entre outros. A partirdessa reflexo, se desenvolve a metodologia da oficina.

    Ateno: No caso de escolas, as oficinas para professores, funcionrios, gestores etc,devem seguir esta ltima organizao.

    Diferencial da metodologia

    Mais do que combater a discriminao de pessoas com deficincia pela sociedade, as

    Dinmicas e as Provocaes das Oficinas Inclusivas visam a identificar formas desegregao que s depois de reconhecidas podero ter soluo. Muitos tipos desegregao so sutis, principalmente os que se referem comunicao. Manifestam-se,

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    por exemplo, atravs da quase nenhuma preocupao em prever um intrprete da Libraspara comunicao com pessoas surdas em eventos, teatros, escolas, reuniescomunitrias, apesar de a Lei Federal n 10.098, de 2000, estabelecer critrios para apromoo da acessibilidade comunicacional de pessoas com deficincia ou commobilidade reduzida.

    Essas so as principais diferenas entre a metodologia das Oficinas Inclusivas e outrasmetodologias:

    Oficinas inclusivas Outras metodologias

    Proporcionam vivncias inclusivas Nem sempre h essa preocupaoBuscam acessibilidade total nacomunicao(Libras, braile, desenho e texto ampliados e

    tecnologias assistivas)

    Acessibilidade parcial de comunicao

    Pessoas com deficincia falam por si Pessoas com deficincia raramentepresentes

    Participantes mobilizados para se tornaremagentes da incluso

    Participantes valorizados apenas comoreceptores da incluso (aceitar ou no apessoa com deficincia)

    Exerccio da tica na diversidade com apresena da diversidade e da deficincia

    Exerccio da tica na diversidade sem apresena da diversidade e da deficincia

    Preocupao crescente em cumprir alegislao brasileira inclusiva

    Nem sempre h essa preocupao

    Valores e princpios que norteiam a metodologia

    Algumas idias iro se repetir vrias vezes no decorrer deste texto que descreve ametodologia das Oficinas Inclusivas. Isso natural, afinal so os valores e princpios queprecisam ser ancorados e muito bem assimilados por quem se dispuser a realizar umaOficina Inclusiva. So eles:

    Todas as pessoas so gente.

    A humanidade encontra infinitas formas de se manifestar.

    A incluso incondicional.

    A busca de solues para uma sociedade inclusiva passa, sempre, pela criatividadee pelo empreendedorismo dos jovens.

    Toda pessoa tem o direito de contribuir com seu talento para o bem comum.

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    Toda criana e todo jovem tm o direito de conhecer a humanidade como ela ,no como os adultos gostariam que fosse.

    O direito igualdade no pode ser desvinculado do reconhecimento dasdiferenas.

    Diretrizes da metodologia

    As Oficinas Inclusivas so um trabalho de construo coletiva, de co-responsabilidade eco-autoria. No podem, portanto, lembrar uma sala de aula comum, na qual muitas

    vezes se exige dos alunos as mesmas respostas, as mesmas dvidas, at os mesmossentimentos.

    A metodologia das Oficinas Inclusivas leva oficineiros e participantes a lidar melhor comseus prprios tempos; tempos psicolgicos, tempos sociais, tempos de expresso e deescuta do outro.Nas Oficinas Inclusivas, administrar o tempo responsabilidade de todos, oficineiros eparticipantes, que devem aprender a brincar com seus tempos, aceitando o desafio derev-los. Por exemplo: at quando eu devo esperar uma pessoa que gaga terminar afrase sem atropel-la, tentando presumir sem cerimnia o que ela vai dizer? Trabalharcom incluso entender que cada pessoa tem um tempo e um modo de falar, andar,tentar ver, tentar se mexer etc.

    As Oficinas Inclusivas baseiam-se em dinmicas simples que sero mais ou menos

    produtivas em funo da diversidade do grupo e do quanto o oficineiro conseguir lidarcom esta diversidade. O sucesso de cada Oficina Inclusiva depender principalmente dahabilidade do grupo para encontrar novas e inusitadas formas de se comunicar. Quantomais inovaes forem propostas, mais interessante ficar o trabalho nas oficinas.

    As tradicionais respostas prontas devero ser, sempre, substitudas por questionamentos. fundamental que os oficineiros no hesitem em apontar seus deslizes, preconceitos eequvocos na abordagem do tema deficincia para os participantes das oficinas. apartir dessas constataes que as dinmicas ficam mais interessantes. Os oficineiros,portanto, no devem se colocar como profissionais. So facilitadores para uma reflexoconjunta sobre incluso.

    O Oficineiro...

    Quem o oficineiro? O mais extrovertido? O menos tmido? O mais falante?

    Nada disso.

    O oficineiro deve ser algum com:

    muita capacidade de reflexo; disponibilidade para realizar atividades junto comunidade;

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    humildade para assumir seus deslizes em pblico e transform-los em oportunidadesde aprendizagem para si e para o grupo;

    persistncia para aprender e inovar; facilidade de comunicao, no sentido de expressar idias sob qualquer modo; bom humor; entusiasmo pelas descobertas que faz e que o outro faz; total interesse pelo conceito de incluso; aptido para conhecer pessoas;

    Roteiro de trabalho para realizar a Oficina Inclusiva

    Identificar os custos para a realizao de uma oficina Selecionar os parceiros que ajudaro na organizao da oficina Pesquisar o local no qual se realizar a oficina Verificar a acessibilidade do local escolhido Marcar data e hora Contratar intrprete de Libras pelo tempo de durao da oficina Preparar convites para os parceiros Preparar convites para os participantes Providenciar cpias do Teste seu TODOS, inclusive em braile, em desenho, em

    tinta com letras maiores para pessoas com baixa viso etc Esclarecer que no se admitir atraso na oficina

    Enviar convites para parceiros e participantes, sempre atento para que estesconvites contemplem, em sua forma, a acessibilidade para o maior nmeropossvel de condies humanas

    Conferir o recebimento dos convites Comprar papel, caneta, crachs, hidrocor, grampeador etc Providenciar lista de presena para o dia da oficina Comprar lanche para o intervalo Conferir limpeza do local no dia da oficina Chegar pelo menos meia hora antes da oficina comear Arrumar cadeiras em crculo Conferir com parceiros detalhes da oficina Definir os critrios que sero utilizados para avaliar o resultado das oficinas e

    preparar o material para uma auto avaliao do trabalho a ser realizado pelooficineiro (lembrar que este material tambm deve ser reproduzido mantendo apreocupao com a acessibilidade)

    Ferramentas de auto-avaliao das Oficinas Inclusivas

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    O processo de avaliao do projeto Quem cabe no seu TODOS? sistemtico e est emcurso. Novas avaliaes, com consultoria externa, esto previstas. Sugerimos que sejaacessado o site da Escola de Gente para conhecer os resultados j obtidos e osesperados.Neste captulo, daremos apenas algumas sugestes que podem ser usadas como

    ferramentas de auto-avaliao dos oficineiros. So elas:1) A LONGO PRAZO

    A melhor forma de avaliar o resultado de uma Oficina Inclusiva acompanhar osparticipantes no dia-a-dia, conhecendo suas aes e conversando com eles. No caso dosadolescentes e jovens, quando o ambiente educacional os estimula a participar e a seexpressar, naturalmente eles tm mais estmulo e melhores condies para colocar emprtica o conceito de incluso. A longo prazo, o efeito transformador das dinmicasdeve ser medido por meio de encontros pessoais e duradouros com quem participou dasoficinas. Melhor ainda quando possvel fazer um encontro com essas pessoas antes das

    oficinas e meses depois. Nessas oportunidades, o avaliador dever verificar se osresultados esperados e definidos antes da realizao das oficinas foram alcanados. Essasso algumas sugestes da Escola de Gente:

    Resultado esperado em oficinas para adolescentes e jovens em ambienteseducacionais

    Transformar cada estudante em um multiplicador do conceito e da prtica da sociedadeinclusiva em sua escola e comunidade, estimulando-o a trabalhar em parceria com seusprofessores, envolvendo, ainda, grmios, representantes de turma etc. Observe, por

    exemplo:

    o nmero de participantes das oficinas que realizaram alguma ao pr-inclusiva; o nmero de participantes que efetivamente se tornaram agentes da incluso,

    buscando solues para que a escola seja um espao social inclusivo; o nmero de eventos organizados para discusso e/ou reflexo sobre o conceito

    de incluso; a qualidade da acessibilidade nos locais onde ocorreram esses encontros; o que foi feito pela acessibilidade arquitetnica e de sinalizao da escola;

    a contribuio dos alunos para garantir que os eventos na escola tenham:acessibilidade na comunicao, intrprete de Libras nas salas de aula, jornal-muralem braile etc.

    Resultado esperado em oficinas para adultos em ambientes educacionaisOs resultados a serem medidos vo depender exclusivamente do ambiente no qual asOficinas Inclusivas para adultos se inserirem. Em ambientes educacionais, o maisprovvel que a demanda pelas oficinas venha atender o interesse dos professores emsaber o que uma escola inclusiva e como constru-la no dia-a-dia, a partir do momentoem que a instituio se abre para a diversidade humana. Observe, por exemplo:

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    o nmero de professores que aps participarem das oficinas realizaram algumaao inovadora e pr-incluso na escola

    o nmero de professores que multiplicaram as dinmicas aprendidas nas OficinasInclusivas com outros professores ou com outros alunos

    as decises pr-incluso que foram tomadas pelos professores para extingir as

    classes especiais da escola se foram feitos convnios com instituies de pessoas surdas para a presena deintrprete de Libras na escola

    que outras aes pr-incluso inditas foram desenvolvidas pelos professores emparceria com a comunidade escolar, especialmente os prprios alunos

    Resultado esperado em oficinas para adultos em ambientes profissionaisEm ambientes profissionais, o mais provvel que a demanda pelas oficinas venhaatender o interesse dos funcionrios em saber o que um ambiente de trabalho inclusivoe como constru-lo no dia-a-dia. Observe, por exemplo:

    o nmero de funcionrios que pleitearam pela realizao de mais OficinasInclusivas

    o nmero de funcionrios que multiplicaram as dinmicas das oficinas entre seuscolegas

    as decises pr-incluso tomadas pela empresa graas mobilizao dosfuncionrios que participaram das oficinas, tais como reviso de acessibilidadearquitetnica, do sistema de sinalizao interna e externa, das propostas depreveno de acidentes (CIPA), da acessibilidade na comunicao com o pblico

    e entre os funcionrios, na adoo de uma tecnologia de incluso digital quecontemple pessoas cegas, surdas, com mobilidade reduzida etc.

    os processos que as Oficinas Inclusivas desencadearam ou aceleraram, dentro dasorganizaes, provocando reflexes capazes de disseminar e manter uma culturainclusiva em constante evoluo

    2) A CURTO PRAZOSo as ferramentas de auto-avaliao utilizadas para medir o efeito transformador das

    oficinas em seus participantes logo aps o seu trmino. Sugerimos que o questionrio aseguir seja distribudo e respondido antes da oficina comear e redistribudo (uma novacpia em branco) logo aps o trmino da stima dinmica. Os participantes noprecisam assinar as duas avaliaes, que contm idnticas perguntas. Basta que asguardem consigo devolvendo-as juntas. Quem for peg-las, dever grampe-lasimediatamente.

    Sugesto de questionrio para auto-avaliao

    Este questionrio dever ser distribudo duas vezes: antes do incio das oficinas e antesda partilha dos sonhos.

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    QUESTIONRIO PARA AUTO-AVALIAO

    1) Voc acha que crianas com e sem deficincia devem estudar:

    a. ( ) na mesma sala de aula.b. ( ) na mesma escola, mas em salas separadas.c. ( ) em escolas separadas.d. ( ) as crianas com deficincia no devem estudar.

    2) Voc acha que jovens com e sem deficincia tm os mesmos direitos para estudar,para trabalhar e para se divertir?

    a. ( ) sim, pois com ou sem deficincia somos todos seres humanos.b. ( ) sim, pois com ou sem deficincia somos todos iguais.c. ( ) no, pois as pessoas com deficincia no so capazes de exercer os mesmosdireitos de pessoas sem deficincia.d. ( ) no, as pessoas com deficincia devem ter direitos diferentes.

    3) Quem responsvel pela incluso de pessoas com deficincia na sociedade?

    a. ( ) o governo.b. ( ) os pais das pessoas com deficincia.c. ( ) as prprias pessoas com deficincia.d. ( ) toda a sociedade.

    4) Voc convive (mora, estuda, trabalha, tem familiares, amigos) ou j conviveu compessoas com deficincia de sua idade?

    a. ( ) sim. Onde?b. ( ) no.

    5) Quando voc escuta a frase educao para todos, voc acha que este todosinclui pessoas com deficincia?

    a. ( ) sim.b. ( ) no.

    Caractersticas das Oficinas Inclusivas

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    Tempo de durao: de 3 a 3h e meia, com intervalo de 10 minutos aps a quartadinmica (3 horas o tempo mnimo, utilizado durante o projeto Quem cabe no seuTODOS?, mas este tempo pode ser prolongado para 4 ou 5 horas, com dois intervalosmais longos)

    Nmero de participantes: de 20 a 25, incluindo pessoas com e sem deficincia,lembrando que o tempo de 3h e meia o ideal para 25 participantes

    Espao fsico: amplo, arejado, no qual as pessoas possam estar em crculo, em p ousentadas, com conforto para se olharem e para se movimentarem dentro da roda. Podeser uma sala de aula, um jardim etc, mas nunca um local que impea ou dificulte osparticipantes de se observarem. Verifique se o local silencioso, para que as pessoaspossam se ouvir e a concentrao seja maior.

    Material de apoio: papel, caneta e hidrocor para trabalhos em diferentes formas decomunicao e expresso (portugus, braile, desenho, letras ampliadas para quem tembaixa viso, notebook e outras tecnologias assistivas para permitir a comunicao,dispositivos com letras e figuras utilizados por pessoas com dficit na coordenaomotora etc).

    Equipe: dois oficineiros e uma intrprete de Lngua de sinais brasileira.

    Situaes de risco

    A pessoa responsvel pela organizao das oficinas (no necessariamente o oficineiro)deve ficar atenta s situaes de risco, que podem comprometer o sucesso do trabalho, eencontrar meios prprios de super-las.

    Aqui enumeramos apenas algumas dessas situaes; outras surgiro dependendo dasparticularidades de cada comunidade.

    Situaes de risco mais comuns:

    1. No conseguir o percentual de 15% de jovens com deficincias diversas ou,ao contrrio, ter bem mais do que 15% de jovens com deficincias diversasnas oficinas

    Para diminuir este risco: explicar com detalhes e, se necessrio, at escrever, porque necessria a presena dos 15%. Quanto mais clara ficarem essas explicaes, menos riscose corre. Veja como explicar.Por que os 15%de participantes com deficincia so necessrios?Porque as Oficinas Inclusivas tm como meta reproduzir o percentual de pessoas comdeficincia que vivem na sociedade, de acordo com o Censo 2000 do IBGE. Dessa

    forma, estaremos atuando em um ambiente o mais prximo do real possvel.

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    2. Ter o percentual de 15% de jovens com deficincia sendo a maioria com amesma deficincia

    Para diminuir este risco: explicar com detalhes e, se necessrio, at escrever, qual aimportncia das deficincias serem diferentes. Veja como explicar.Por que as deficincias devem ser diferentes?

    Porque cada tipo de deficincia gera um impasse de comunicao diferente, umasituao e um desafio inusitados para o grupo. Quanto mais desafios, mais interessantefica a oficina. Em aproximadamente 25 pessoas, haver em mdia quatro jovens comdeficincia. O ideal que cada um tenha uma deficincia fsica, intelectual, visual ouauditiva.

    3. No conseguir ter um nmero mnimo de pessoas na hora da realizaodas oficinas

    Para diminuir o risco: enviar convite com antecedncia, pedindo que as pessoasenvolvidas na realizao da oficina, tanto parceiros quanto participantes, confirmem sua

    parceria ou a presena por meio de internet, fax, correio, ou telefone, assim que forpossvel e respeitando prazos, colocando a data para a realizao das oficinas e sedispondo a cumprir outros compromissos que o responsvel pela organizao e osoficineiros acharem necessrios. Este livro traz uma sugesto de convite.

    4. Sofrer presso para realizar a Oficina para grupos homogneos, porqualquer razo

    Para diminuir o risco: explicar que a metodologia das Oficinas Inclusivas se prope areproduzir um ambiente real sob a tica da diversidade humana.

    5. Descobrir que a convocao dos jovens para a oficina foi baseada emcritrios que no combinam com a metodologia, como reunir apenas osalunos com notas mais altas, ou os com notas mais baixas, ou os maisdesinibidos, ou os alunos considerados problema etc

    Para diminuir o risco: dizer que a oficina no um prmio ou um castigo, apenas umaoportunidade de reunir pessoas que acreditam na construo de um mundo que noadmite discriminao e querem encontrar meios de colaborar para a construo dessemundo.

    6. Ter participantes chegando atrasados oficina e pedindo para entrarPara diminuir o risco: colocar no convite que atrasos no sero permitidos pois, almde prejudicarem quem j est na oficina, atrapalham os prprios atrasados, que perdemalgumas Dinmicas e Provocaes, ficando perdidos por no terem acompanhado alinha principal de raciocnio desde o incio.Mas todo participante atrasado deve ficar de fora?Esta uma deciso sempre difcil. O ideal manter isso risca, mas em caso de dvida,pea ajuda ao grupo. s vezes, o participante que chega atrasado pea fundamentalpara a reflexo do grupo e isto acontece quando ele algum com deficincia. Mas

    devemos mudar o critrio nesse caso? Isso correto? Isso incluso? Como agir,principalmente quando outras pessoas que j chegaram atrasadas foram impedidas deentrar? Lembro que o oficineiro no tem todas as respostas e que o seu papel o de

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    aproveitar, ao mximo, as oportunidades que surgem para instigar o grupo. Foi o quefizemos em uma Oficina organizada pelo Grupo 25 (nossa ONG hospedeira em SoPaulo), em agosto de 2002, no Colgio Friburgo. O estagirio do projeto Quem cabe no seuTODOS?, Ivan Kasahara documentou o ocorrido, em seu relatrio, em seu relatrio:

    ... Mais de uma hora depois de iniciada a oficina, chegou um adulto com paralisia cerebral quehavia sido convidado com antecedncia de dias para participar. Coincidentemente, momentos antes,estvamos discutindo com o grupo de jovens sobre mudana de mentalidade, no caso, a mudana dementalidade exigida para a construo de uma sociedade inclusiva, e abordamos a questo doscritrios.Incluso no sinnimo de paternalismo ou condescendncia extrema para com as pessoas comdeficincia e, por isso, os critrios, depois de devidamente reformulados, tm que ser os mesmos paratodos. Claudia exemplificou com a seguinte pergunta: Se uma pessoa surda chegasse agora, ela

    poderia participar da oficina? (a regra das oficinas no admitir atrasos). Diante dessa situaohipottica, e na presena da intrprete de Libras, os jovens responderam convictamente que sim,

    porque a Oficina estava preparada para atender comunicao inerente aos surdos. Mas, parasurpresa do grupo, Claudia lhes disse que no, porque essa pessoa estaria atrasada mais de 15minutos, e o critrio ningum entra com mais de 10 minutos de atraso deve ser vlido para todos.Ironicamente, logo depois desse exemplo, chegou o jovem com paralisia cerebral e seuacompanhante. Um ar de dvida pairou no ar. O que fazer? Nas mentes dos participantesdeveriam estar passando pensamentos do tipo para ele mais difcil chegar aqui, coitado, j fezum sacrifcio to grande para chegar, a presena dele fundamental, nunca vi de perto algumassim etc, enfim, argumentos capazes de justificar mudanas no critrio apenas para ele ficar.Claudia props, ento, que ns analisssemos melhor a situao antes de definir se o convidado

    ficaria ou no, deixando que o grupo tomasse uma deciso. Perguntamos por que ele havia seatrasado e seu acompanhante disse que havia sido por causa do trnsito ruim e porque eles haviamsado tarde da USP, onde freqentam juntos o curso de Jornalismo, como ouvintes. O fato era quea presena de uma pessoa com paralisia cerebral no grupo despertara muita curiosidade entre os

    presentes, principalmente pelo fato de toda comunicao com ele se dar atravs de uma espcie detabuleiro com letras, nmeros e figuras, anexada sua cadeira de rodas, chamado Bliss, no qual a

    pessoa indica, com o dedo ou com o olhar, o que quer dizer. Depois de muita conversa, e devido aosargumentos apresentados pelo grupo, e ao provvel enriquecimento que a presena de uma pessoacom paralisia cerebral traria oficina, o grupo optou por sua permanncia.

    Antes que a deciso fosse tomada, no entanto, Claudia fomentou a reflexo do grupo perguntandose a partir daquela hora, caso uma outra pessoa chegasse atrasada, ns permitiramos que ficasseconosco. A questo colocada era: para representantes de que diversidade mudaramos nosso critriode avaliao? Como o Colgio Friburgo um colgio particular, Claudia perguntou: E se chegasseagora um menino em situao de rua e um outro desse mesmo colgio, juntos, ns permitiramos a

    permanncia destes? Ou s de um?.Eu realmente acho que nossa deciso foi correta. No por t-lo deixado participar, mas sim portermos discutido a situao e reavaliado nossos conceitos. Isto algo que deve ser feitoconstantemente e um dos grandes obstculos para a sociedade inclusiva justamente o fato demuitas pessoas permanecerem estticas e inertes em suas vises de mundo. Como Claudia diz, a

    sociedade para TODOS h de ser construda, remodelada e melhorada a cada dia. Contudo, se ojovem que chegou atrasado no tivesse deficincia alguma, ns estaramos to dispostos a refletir?Ser que sequer lhe daramos a chance de justificar seu atraso?

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    Como se no bastasse isso tudo, nossa reflexo se acirrou mais ainda quando o jovem comparalisia cerebral, alm de chegar atrasado e apenas uma hora depois de provocar tantas questesno grupo para decidir se ele ficaria ou no, disse que ia sair naquela hora, uns 60 minutos antesdo final da oficina, por ter outro compromisso.

    Mesmo assim, durante o pequeno tempo em que ficou conosco, o grupo pde perceber e comentar

    como muitas vezes o acompanhante do jovem com paralisia cerebral falava pelo mesmo, no lhedando a oportunidade de se expressar e de apontar sozinho as letras e os smbolos que desejava para se comunicar. Mesmo quando comeava a formar palavras usando os smbolos Bliss, oacompanhante se antecipava a ele, tentando adivinhar o que apontaria.

    7. Ter participantes querendo sair antes do trmino da oficinaPara diminuir o risco: colocar no convite que para participar da oficina indispensvelpoder ficar at o fim. Quem no puder ficar melhor no entrar. Isto deve ficar claro, sepossvel, no convite. Garantir que as oficinas tenham o tempo estipulado pelo oficineiro(3 horas de durao, no mnimo) prioritrio. Qualquer diminuio de tempo previsto

    implicar no sub-aproveitamento do trabalho.

    8. Receber pedidos de pais e/ou professores de adolescentes com e semdeficincia para acompanhar as oficinas

    Para diminuir o risco: deixar bem claro, ao organizar as oficinas e convidar osparticipantes, que no ser permitida a presena de acompanhantes, pois isso, na maioriadas vezes, inibe o grupo e impede que as dinmicas transcorram com qualidade.

    As Oficinas quase impossveis

    Apontamos as situao de risco e importante ressaltar especialmente uma, a de nmero4: Sofrer presso para realizar a oficina para grupos homogneos, por qualquerrazo.Para explicar melhor o porqu desta preocupao, relato uma conversa minha com umempresrio, h alguns anos:

    Aps termos participado juntos de uma mesa temtica sobre incluso e responsabilidade social emum congresso, o empresrio me disse que apoiava financeiramente vrias escolas e projetoseducacionais nas comunidades ao redor de sua fbrica e por ter muita vontade de investir tambmem instituies s de crianas com deficincia, havia ido visitar uma escola especial. Mas, lchegando, sentiu-se muito mal, um mal-estar real, fsico, ao ver tantas pessoas com deficinciamental juntas, to parecidas entre si nos seus comprometimentos. Ele ento havia chegado concluso de que lhe seria impossvel conviver com naturalidade em um ambiente assim. Eu lhe deirazo. E perguntei se ele tambm no se sentia mal quando entrava em um ambiente onde notinha ningum com deficincia (como provavelmente eram as salas de aulas das escolas regulares aoredor de sua fbrica). Ele me disse: No. Eu respondi: Que pena, eu tambm no, mas asituao igualmente anmala. Deveramos nos sentir mal.Se eu no passo mal quando entro em um local onde s haja pessoas sem deficincia como cinemas,

    praas, bancos, festas porque, assim como o empresrio com quem conversava, tambm j mehabituei a achar que o saudvel e o desejvel encontrar juntas pessoas que tm dois olhos, as partes visveis do corpo funcionando razoavelmente bem, um intelecto que nos parea em bom

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    estado. Acho natural porque fui educada para achar isso natural. Assim como fui educada paraachar anti-natural, pouco saudvel e desejvel um ambiente s de pessoas com deficincia.

    No deveramos ficar vontade em nenhuma das duas situaes, porque elas so extremas econtrariam a forma como as condies humanas se apresentam na face da Terra, totalmentemisturadas. As duas situaes reproduzem uma farsa, a nica diferena que j nos habituamos

    a uma dessas farsas. outra, no. Nascemos embaralhados, sem qualquer ordem ou critrio. Bebs de todos os tipos, totalmentediferentes entre si, alternam-se chegando ao mundo na mais aleatria das probabilidades. Portanto,seria lgico nos sentirmos profundamente constrangidos e violentados sempre que nos deparssemoscom situaes nas quais a humanidade estivesse reproduzida de forma anmala, ou seja,organizada por algum propsito ou critrio.

    Juntar na primeira fila do cinema pessoas com dedo mindinho quebrado, j imaginaram? Ou criaruma agncia de empregos especializada em colocar ndios no mercado de trabalho? Filas desupermercado divididas nas categorias obeso, ano, homossexual, filhos adotivos, loiras... Casoconsegussemos nos sentir fisicamente mal diante de situaes grotescas como essas, daramos um

    salto qualitativo em nossas reflexes e aes. Mas isso raramente acontece.A verdade que apenas em duas das 89 Oficinas Inclusivas que realizamos pelo Brasil, tivemosdificuldade de ir adiante. Uma foi em Belo Horizonte. A outra em Curitiba. E os jovens dessasduas oficinas estavam agrupados, na minha opinio, segundo critrios anti-naturais, embora

    gerados por pessoas bem intencionadas.

    Na primeira dessas oficinas, em Belo Horizonte, apesar da nossa orientao para a escola noselecionar os adolescentes e jovens participantes por qualquer critrio como bom ou mau desempenhoescolar, bom ou mau comportamento etc, os alunos que estavam conosco eram os alunos-

    problema, organizados por problemas, os mais diferentes problemas. No deu certo. Ns sequerramos ouvidos e eles tambm no se ouviam, nem por um minuto. Tivemos que interromper otrabalho no meio.Eu me senti muito frustrada por isso. Tentando entender o que acontecera, chegamos conclusode que aquela turma fora oferecida com muito carinho para ns, pela escola, talvez em funo daidia equivocada que as pessoas tm do que seja uma sala de aula inclusiva, uma turma inclusiva.O objetivo da incluso no inserir os deficientes, os doentes e os alunos-problema juntos, nomesmo ambiente, porque nesse caso estaramos contrariando a realidade composta pelas diferenas.

    Na segunda oficina, em Curitiba, trabalhamos com uma turma de acelerao de aprendizagem, naqual os alunos eram agrupados por sua dificuldade em dar conta do contedo da escola. A faixaetria variava de 12 a 17 anos. Apesar de ser um grupo pequeno, de apenas 19 alunos, osestudantes eram muito agitados. Em vrios momentos foi preciso pedir que prestassem ateno.Participaram desta oficina dois jovens com surdez e a intrprete de Libras, levada por ns, pois,segundo a diretoria da escola, os dois jovens faziam leitura labial e no havia necessidade de semanter intrpretes de Libras para atuar junto a eles.Um dos momentos mais impactantes da oficina foi quase no final, quando um dos meninos semdeficincia se referiu a um dos jovens surdos como mudinho. Ns j havamos explicado, nodecorrer das oficinas, que no correto falar que uma pessoa surda tambm muda, porque todas

    as formas de expresso humana so legtimas, mas o menino logo se defendeu dizendo: Ele noliga de ser chamado de mudinho, no. Os outros alunos tambm afirmaram estar acostumados atratar o colega surdo por mudinho, garantindo que ele no se importava. Pontuamos com o grupo

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    se alguma vez eles j haviam perguntado para o prprio colega surdo se ele gostava ou no desseapelido. Os alunos disseram que no. Solicitamos, ento, intrprete, que fizesse esta pergunta aomenino. Para surpresa da garotada, ele enfaticamente disse que no gostava de ser chamado demudinho.Foi muito difcil realizar essa Oficina, e eu credito isso homogeneidade do grupo, formado por

    aqueles que no acompanham a turma ou no passam de ano. Ao final da oficina, quandofomos tirar nossa foto oficial, mais da metade da turma saiu. Fiquei decepcionada e nessa hora pensei nos professores e nas professoras do Brasil, no quanto precisam ser criativos, attransgressores, para driblar as situaes pouco naturais impostas pelo sistema educacionalbrasileiro.Por tudo isso, repito: ao realizar Oficinas Inclusivas, busque e privilegie a diversidade. Lembre-sede como os bebs nascem, misturados entre si.

    Sugesto de convite

    Este convite pode ser mais formal ou menos formal, conter mais informaes ou menosinformaes. Aqui, damos apenas uma sugesto.

    Convite individual para OficinaO que ?Um encontro com adolescentes e jovens para discutir o conceito de incluso.

    Conceito de sociedade inclusiva uma proposta da Organizao das Naes Unidas (ONU) que defende a construode um mundo para TODOS at o ano de 2010.

    Sua participaoQueremos que nas trs horas de durao da oficina voc assuma o compromisso de nosajudar a buscar e a disseminar solues para a construo de um mundo inclusivo.Centenas de adolescentes de vrias regies do Brasil j participaram dessas oficinas,

    Venha dar sua contribuio.

    Data:Horrio:Local:

    Ateno: S ser permitida a entrada com no mximo 10 minutos de atraso.

    Aceito o convite,_____________________________________________________Nome legvel

    Por favor, devolver este convite no dia da oficina

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    Para quem vai fazer sua primeira Oficina Inclusiva

    1. Leia a metodologia com ateno, anotando suas dvidas.2. Entre no site www.escoladegente.org.br para obter mais informaes sobre as

    Oficinas Inclusivas. Caso tenha dvidas, faa sua pergunta atravs do site.Ateno: s sero respondidas as questes que no estejam abordadas neste livro.3.Tambm no site www.escoladegente.org.br tire suas dvidas sobre o conceito de

    incluso, lendo textos e leis sobre o assunto na ntegra.4. Procure ler a bibliografia sugerida neste livro.5. Releia a metodologia at que no lhe reste qualquer ponto obscuro nela e as cenas

    descritas nas Dinmicas e nas Provocaes lhe paream totalmente familiares, aponto de voc conseguir imagin-las em detalhes.

    6. Exercite as Dinmicas e as Provocaes com parceiros e amigos.7. Esteja consciente da responsabilidade que organizar e dirigir uma Oficina

    Inclusiva, instigando o pensamento e o sentimento das pessoas em relao a umassunto complexo.

    8. Defina seus critrios de avaliao das Oficinas Inclusivas em funo dosresultados que deseja alcanar.

    Para organizar as Oficinas Inclusivas

    Certifique-se de que:

    1. O local escolhido tem acessibilidade para pessoas em cadeira de rodas.2. O horrio do recreio no coincida com o tempo de durao da oficina, caso a

    mesma seja realizada no ptio da escola.3. Haja um nmero mnimo de 15 e mximo de 25 participantes.4.A confirmao da presena de cada participante das Oficinas Inclusivas tenha sido

    dada por escrito.5. A presena de um intrprete de Libras esteja confirmada, mesmo que a

    possibilidade de uma pessoa surda no-oralizada participar da oficina seja remotaou inexistente.

    6. Tenha sido providenciado o material em braile, em desenho ou em figuras, emtinta com letras ampliadas, alm de notebook e outras tecnologias assistivas parapermitir a comunicao.

    7. Haver uma lista de presena na entrada para os participantes das oficinasassinarem seu nome e endereo completos, a instituio que representam e outrasinformaes importantes. Essa lista fundamental para quando se deseja fazeruma avaliao nos meses posteriores sobre o impacto das Oficinas.

    8. Se os participantes forem receber certificados, estes devero estar prontos eassinados para serem entregues ao final das oficinas.

    9. As pessoas de qualquer idade mobilizadas para participar das oficinas sabemexatamente qual o objetivo da proposta.

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    10. J foram providenciadas as cpias para os questionrios de avaliao que seroutilizados nas oficinas, caso este seja o modelo de avaliao adotado pelooficineiro.

    Antes de comear cada Oficina InclusivaCertifique-se de que:

    1. J est definido qual dos dois oficineiros ir guiar a oficina. Este ficar com aresponsabilidade de tomar as principais decises relativas ao tempo dedicado cada dinmica, por exemplo. O primeiro e o segundo oficineiros podem tambmcombinar e alternar a direo das dinmicas. No aconselhvel fazer umaOficina Inclusiva sozinho.

    2. Os participantes esto sentados em crculo de modo que cada um seja visto com

    facilidade e conforto pelo outro (no comece a oficina sem arrumar a roda).3. Todos os participantes esto usando um crach com seu nome legvel, de

    preferncia em letra de frma.4. O material de apoio solicitado est disponvel: hidrocor, lpis de cor, caneta, papel

    A4 ou ofcio, papel pardo etc.5. H material que permita acessibilidade de comunicao: em braile, em desenho ou

    em figuras, em tinta com letras ampliadas etc.6. Os dois oficineiros esto acomodados em posies estratgicas, ou seja, um de

    frente para o outro, ambos sentados na roda. Eles precisam estar visveis para

    todos os participantes (no comece a oficina sem ter certeza disso).7. Caso voc v gravar as falas das pessoas ou film-las, elas precisam saber qual oobjetivo dessa iniciativa. apenas para documentao? Para um trabalho? Paraser utilizada em um programa de televiso?

    8. H um clima de tranqilidade e de compromisso com o que ser vivenciado nasprximas trs horas de oficina.

    9. No h responsveis nem professores dos adolescentes acompanhando asoficinas, porque, em geral, este um fator inibidor dos jovens. Mesmo no caso departicipantes com deficincia, resista a acompanhantes. Se for impossvel cumpriresta sugesto, pea para o acompanhante ficar sentado fora da roda.

    10.O intrprete de Libras est sentado de modo a ser visto pelas pessoas surdas dogrupo. Caso nenhum participante da oficina seja surdo, no chame a atenosobre o fato. Combine com o intrprete, antes do crculo ser formado, para eletambm se sentar na roda, em qualquer lugar, como um participante comum ecomear a fazer a traduo do portugus para a Libras to logo os oficineiroscomecem a falar. O intrprete dever agir, portanto, com naturalidade, como seestivesse diante de algum surdo, isso at quando os oficineiros determinarem, oque vai depender do desenrolar das dinmicas. Nesta hora, o grupo serconsultado se o intrprete dever ou no continuar a fazer a traduo (esta uma

    das provocaes que compe a dinmica das Oficinas Inclusivas).11.E o mais importante: no tenha qualquer receio de assumir suas falhas, pois aincluso nos traz uma reflexo nova e muito natural que nos equivoquemos com

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    freqncia. A cada uma das 89 Oficinas Inclusivas do projeto Quem cabe no seuTODOS? pelo Brasil nos flagramos deixando de tomar alguma providncia quedeveramos ter tomado em relao s pessoas com deficincia. E, em funo decada um desses aprendizados, reformulamos nossas aes. Na primeira semana derodada de oficinas, de 5 a 10 de agosto de 2001, em Salvador, ramos oficineiros

    inexperientes. Beatriz Botafogo, estagiria do projeto, e eu ficamos perplexas aoperceber que no havamos levado material em braile para os jovens cegos,mesmo sabendo que eles estariam l, e que essa era uma condio nossa para arealizao das oficinas. Fomos denunciadas, durante a oficina para estudantesdo ncleo de web design do Estdio Cip Multimeios, pelos 24 participantes,incluindo duas jovens cegas e dois jovens com deficincia intelectual, sendo umdeles com sndrome de Down. As duas meninas cegas no puderam participaradequadamente da oficina porque no tnhamos o Teste seu TODOStranscrito embraile. A soluo encontrada para que as jovens pudessem marcar suas respostasfoi a leitura em voz alta do teste. No consideramos que esta tenha sido uma

    soluo inclusiva, apenas um remendo para a nossa falha.

    Ao comear a oficina:

    1. Cumprimente o grupo e agradea a presena de todos e todas.2. Comente que no ser mais permitida a entrada de participantes a partir daquele

    instante para que o trabalho no seja prejudicado.3. Explique que durante a oficina, o grupo ir, junto, descobrir o que realmente

    significa a expresso sociedade para TODOS, sinnimo de sociedade inclusiva,um conceito documentado pela Organizao das Naes Unidas (ONU) emdezembro de 1990, atravs da Resoluo 45/91. Esta Resoluo, assinada duranteuma Assemblia Geral dos pases que compe a ONU, entre eles o Brasil, solicitaaos habitantes do planeta que at o ano de 2010 ns sejamos capazes de construirum mundo no qual caibam TODOS.

    4. Distribua o questionrio de avaliao e pea que cada um preencha e guarde oseu, sem assinatura (caso este tenha sido o modelo de avaliao escolhido).

    5. Pea que cada pessoa da roda diga seu nome em voz alta, e tambm d outrasinformaes que julgar importante para aquela oficina em particular. Isso varia degrupo para grupo. Quando os participantes so adolescentes e jovens, pode serinteressante saber idade, em que srie esto, nome do colgio ou projeto ao qualpertencem, se trabalham e no que trabalham etc.

    Dinmicas e Provocaes

    As Oficinas Inclusivas so compostas por oito Dinmicas e oito Provocaes.

    Essas dinmicas so o fio condutor da metodologia. Juntas, formam uma espcie de jogo

    divertido e instigante, desses nos quais quanto mais se avana mais se quer avanar.

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    As dinmicas das Oficinas Inclusivas tm o objetivo de despertar a reflexo e ossentimentos das pessoas, ajudando-as a entender como podem participar na construode um mundo para TODOS, o mundo inclusivo que no deixa ningum ficar de fora,sob qualquer alegao. So dinmicas simples e fceis de serem executadas. O que as fazganhar sentido e importncia - ou no - justamente a atitude e os comentrios dos

    oficineiros durante as dinmicas. O mesmo vale para as provocaes, que se misturam sdinmicas naturalmente, como ser fcil perceber.

    Com a prtica, em funo do comentrio de um participante ou de uma situaoqualquer, o oficineiro que dirige os jogos at se sentir vontade para trocar a ordem dasdinmicas e das provocaes. Mas s deve fazer isso quando tiver experincia nametodologia.

    Cada dinmica tem um objetivo especfico e comea a partir de uma pergunta-chave oude um pedido-chave.

    Dinmica 1: O que incluso?

    O objetivo fazer uma sondagem inicial com o grupo para ver o que cada um entendepor incluso. No dicionrio, os verbos incluir e integrar tm um significado muitoparecido: ser inserido, incorporar-se ou fazer parte.Entretanto, quando representam movimentos internacionais, incluso e integrao sopalavras que representam crenas totalmente distintas, embora encerrem a mesma idia,

    ou seja, a insero de pessoas com deficincia na sociedade. So inmeros os mal-entendidos no uso dos dois termos. A maioria das pessoas usa incluso, mas defendemesmo o conceito de integrao.Para fazer esta dinmica, ser preciso entender a diferena entre incluso e integrao.Leia o quadro abaixo antes de saber mais sobre a Dinmica 1:

    Principais diferenas

    INCLUSO INTEGRAOInsero total e incondicional (crianas

    com deficincia no precisam se prepararpara ir escola regular)

    Insero parcial e condicional (crianas se

    preparam em escolas ou classes especiaispara poderem freqentar escolas ou classesregulares)

    Exige rupturas nos sistemas Pede concesses aos sistemasMudanas que beneficiam toda e qualquerpessoa (no se sabe quem ganha mais,

    TODAS ganham)

    Mudanas visando prioritariamente apessoas com deficincia (consolida a idiade que elas ganham mais)

    Exige transformaes profundas Contenta-se com transformaessuperficiais

    Sociedade se adapta para atender snecessidades das pessoas com deficincia e,com isso, se torna mais atenta s

    Pessoas com deficincia se adaptams realidades dos modelos que j existem nasociedade, que faz apenas ajustes

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    necessidades de TODOSDefende o direito de TODAS as pessoas,com e sem deficincia

    Defende o direito de pessoas comdeficincia

    Traz para dentro dos sistemas os grupos deexcludos e, paralelamente, transforma

    esses sistemas para que se tornem dequalidade para TODOS

    Insere nos sistemas os grupos deexcludos que provarem estar aptos (sob

    este aspecto, as cotas podem serquestionadas como promotoras daincluso)

    O adjetivo inclusivo usado quando sebusca qualidade para TODAS as pessoascom e sem deficincia (escola inclusiva,trabalho inclusivo, lazer inclusivo etc.)

    O adjetivo integrador usado quando sebusca qualidade nas estruturas que atendemapenas s pessoas com deficinciaconsideradas aptas (escola integradora,empresa integradora)

    Valoriza a individualidade das pessoas comdeficincia (pessoas com deficincia podemou no ser bons funcionrios; podem ouno ser carinhosos etc.)

    Como reflexo de um pensamentointegrador citar a tendncia a tratar pessoascom deficincia como um blocohomogneo (ex: surdos se concentrammelhor; cegos so bons massagistas)

    No quer disfarar as limitaes, porqueelas so reais

    Tende a disfarar as limitaes paraaumentar as chances de insero

    No se caracteriza apenas pela presena depessoas com e sem deficincia em ummesmo ambiente

    A simples presena fsica de pessoas com esem deficincia em um mesmo ambientetende a ser o suficiente para o uso doadjetivo integrador

    A partir da certeza de que TODOS somosdiferentes no existem os especiais, osnormais, os excepcionais, o que existeso pessoas com deficincia

    Incentiva pessoas com deficincia a seguirmodelos, no valorizando, por exemplo,outras formas de comunicao como aLibras. Seramos um bloco majoritrio ehomogneo de pessoas sem deficinciarodeadas pelas que apresentam diferenas

    Caractersticas da Dinmica 1

    Pergunta-chave - O que incluir para vocs?

    Introduo pergunta-chave - Uma sociedade inclusiva aquela que s existe napresena de TODOS. Se algum fica de fora, por qualquer razo, mesmo que seja umapessoinha bem pequena, que acabou de nascer, prematura, mnima, ou que est prestes amorrer, por fome ou porque idosa ou est muito doente, se algum fica de fora, repito,aquela sociedade deixa de ser inclusiva. como o conjunto Flores do planeta Terra; basta que uma fique de fora sob a alegaode que est feia, velha, sem cor e beleza, praticamente sem ptalas, que aquele deixa de

    ser o conjunto Flores do planeta Terra. Por ser radical e incondicional, s vezes ficadifcil entender o conceito de incluso, um conceito que no admite desculpas para

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    deixar algum de fora. Agora fica mais fcil entender por que a sociedade inclusivatambm chamada de sociedade para TODOS, mas para TODOS mesmo, um TODOSque tudo, um tudo sem excees. Ento, como vocs definiriam o que incluso? Oque incluir para vocs?

    Como a pergunta-chave deve ser feita - A todos os participantes, masindividualmente, seguindo a ordem da roda.

    Respostas mais comuns dos participantes Incluir colocar para dentro osexcludos; botar para dentro da roda ou da sociedade quem est de fora; transformar os excludos em includos; entender que somos todos iguais; o contrriode excluir etc.

    Comentrios do oficineiro (esses comentrios devem ser feitos no final, quandotodos os participantes j falaram, ou comear a serem feitos j no tero final da

    roda, para no influenciar as respostas)H uma enorme diferena entre incluir como palavra no sentido que ela tem nodicionrio e incluir como conceito internacional. Incluir, como conceito, no significaapenas colocar para dentro quem est fora (incluir os excludos), porque neste casoacreditaramos que a excluso uma situao esttica, que uma vez excludo, sempreexcludo. E, pior, estaramos certos de que o dentro da sociedade no precisa serrevolucionado a cada dia. Isso significa concordarmos que o mundo no qual vivemos vaimuito bem, obrigada.

    Isso verdade? Quem acha que a sociedade brasileira est bem e que todo o nossoproblema se resume em trazer para dentro quem est fora? Colocar todas as crianas eos adolescentes na escola garante que o ensino seja de qualidade? Garantir que todas asmulheres tenham direito a colocar seus filhos em uma creche pblica significa que ascrianas desta creche sejam bem cuidadas, com higiene e carinho? Criar cotas para queafro-descendentes e alunos de escolas pblicas entrem nas universidades transformanecessariamente os cursos, os currculos e os professores das instituies em exemplosde bons profissionais? isso que o conceito de incluso pretende provar: a qualidadedos ambientes escolares, profissionais, familiares, sociais etc s existir se cada pessoapuder realmente fazer parte dele. E fazer parte dele no simplesmente estar sentado emuma cadeira na sala de aula, poder se matricular em um curso de direito ou comprar ottulo de um clube, ou estar ali, naquele exato momento, participando da oficina.

    Sob muitos aspectos, a situao dos excludos melhor que a dos includos. Osexcludos pelo menos sabem que so excludos, mas os includos nem ao menospercebem as situaes de discriminao que enfrentam no dia-a-dia, desde crianas, amaioria delas na escola.

    Por isso, o conceito de sociedade inclusiva no dirigido simplesmente a quem

    minoria, mas sim a quem est em minoria. E cada pessoa estar em minoria vrias vezes no decorrer da vida sob o risco de ser, ento, discriminada. Assim, por suaabrangncia, a expresso sociedade inclusiva tambm se tornou sinnimo de sociedade

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    para TODOS, como j dissemos, um TODOS sem exceo. Incluso, como conceitointernacional, significa uma insero imediata.

    fcil perceber o quanto tambm os adolescentes e jovens, graas ao exemplo dosadultos, acreditam ter o direito de excluir, sem qualquer cerimnia, algumas pessoas de

    sua vida e de seus projetos para o futuro.O projetoQuem cabe no seu TODOS?realizou duas oficinas em Santos, So Paulo, no dia7 de maro de 2002, ambas em colgios particulares, no Stella Maris e no PequenoPrncipe. Organizadas pela Up,Down! e pelo Grupo 25, foram boas oportunidades parapensarmos sobre o quanto nos habituamos a achar natural deixar algum de fora.

    Conosco estavam dois jovens com paralisia cerebral, um com sndrome de Down e umajovem cega. A chegada deles nas escolas causou, para muitos adolescentes, um susto,como eles mesmos descreveram nos depoimentos que nos enviaram. A maioria deles

    tambm escreveu que aquela foi a primeira vez que interagiram com pessoas comdeficincia. O fato de um dos rapazes com paralisia cerebral s se comunicar atravs deum lbum seriado foi a grande novidade das oficinas. Quando perguntamos a essesmeninos e meninas sobre como desempenhariam suas profisses no futuro, notamos como sempre acontece que seus projetos profissionais no incluam a existncia depessoas com deficincia. Um dos alunos da Escola Pequeno Prncipe depois nosescreveu:

    ... a Claudia, na brincadeira, perguntou as profisses e quando chegou na minha vez de

    falar respondi engenheiro e ela perguntou: - Voc j pensou em fazer um prdio comcondies para deficientes de qualquer tipo? Nunca pensei em fazer um prdio comcondies para deficientes. Quando cheguei em casa imaginei como fazer e cheguei concluso: para os cegos eu ia colocar faixas de alto relevo nas paredes e no cho. Paraquem tem dificuldade de andar eu ia colocar barras nas paredes e nos elevadores.

    Ateno redobrada: Os oficineiros devem ter muita ateno na argumentao do grupode que todos somos iguais. Este , sem dvida, o discurso da mdia e dos educadores,incluindo aqui profissionais de diversas reas. E tambm o discurso habitual doterceiro setor. Ser fcil observar, tanto entre adolescentes, jovens e adultos, o quanto ogrupo acredita ser isto o que os oficineiros desejam ouvir, porque dizer que somos todosiguais o politicamente correto, o esperado, s que incluso no o politicamentecorreto ou com o senso comum.

    Provocao 1 -Quem nunca se sentiu excludo na vida mesmo estando, aos olhosdos outros, includo?

    Por exemplo: uma criana est na escola, tem uniforme, seus pais a amam, ela tem o que

    comer quando chega em casa, faz os deveres com conforto, tem uma bela e confortvelcasa, parece que est tudo bem com ela. Podemos afirmar que esteja includa na escola?No. Podemos afirmar apenas que est integrada, mas para garantir que ela esteja

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    includa, precisamos saber se seus desejos, suas necessidades, suas aptides, seu tempoesto sendo levados em considerao a cada deciso dos professores, a cada atividade,porque incluso sinnimo de qualidade de atendimento, de escuta, de aes em proldaquela pessoa.Suponhamos que essa criana no consiga aprender matemtica com a mesma

    velocidade que a maioria de seus colegas ou que no seja gil nos jogos, na aula deeducao fsica, ou que desafine na aula de msica, no tenha ritmo, e que os professoresfiquem impacientes, deixando-a para o fim, sempre, em uma tentativa sutil de exclu-ladas aulas que atrapalha. Em geral, so formas de excluso bem delicadas, aceitas atpor seus pais. Que formas de discriminao seriam essas que transformam crianasaparentemente includas em crianas disfaradamente excludas? Adolescentesincludos em adolescentes excludos, sem que isso possa ser denunciado, seja umescndalo, vire notcia em jornal e televiso?Muitas vezes, a excluso e a discriminao so disfaradas sob o ganho de um prmio.Imaginemos uma jovem que adore cantar e queira fazer parte do coro da igreja ou da

    escola, embora seja muito desafinada. O aconselhvel seria dizer a verdade a ela, pormais desagradvel que isso fosse, tentando simultaneamente ajud-la a superar suasdificuldades ao cantar ou, quem sabe, encontrando outras formas dela participar do coro.Mas vamos supor que as pessoas, os adultos volta dessa jovem preferissem no ser tosinceros e adotassem outras estratgias para resolver o que consideravam um problema:a menina desafinada.Neste caso, optariam por dar a ela o ttulo de monitora do coro, ou de responsvel pelocoro, e a jovem teria tantas atribuies, mas tantas atribuies, que no lhe sobraria maistempo para cantar. E a? Como desconfiar desse prmio? No estariam todos da famlia

    orgulhosos com o ttulo oferecido menina? Com a confiana nela depositada? Apergunta : essa jovem estaria feliz, realmente feliz, j que no lhe sobrava mais tempopara cantar? J que no tinha mais opes?

    Existem outras formas de discriminao muito aceitas e valorizadas. Uma delas freqente no mbito dos projetos sociais e das escolas. Trata-se de s permitir que umadolescente participe do grupo de dana, de arte, de capoeira, da banda etc, se obtiverbom desempenho escolar. Levando em conta que existem vrias e possivelmenteinfinitas formas de inteligncia (a maioria delas no avaliada nem manifestada na escola),que as atividades citadas acima so de extrema importncia para a formao de qualquercidado (desde que ele queira desenvolv-las) e que o bom desempenho escolar de umadolescente algo que independe dele pela dificuldade que a maioria das instituies tmde darem conta da qualidade de ensino almejada, o critrio da nota como condio paraparticipar de um projeto injusto, discriminatrio e deveria ser banido.

    A escola e o significado dela para os adolescentes so sempre um bom tema a serabordado nas oficinas. Muitas vezes, foi s a partir de uma reflexo sobre sua escola, suasala de aula e seus professores que os adolescentes foram captando melhor o quesignificava estar excludo mesmo se considerando includo.

    Houve uma oficina, na manh do dia 8 de agosto de 2001, em Salvador, que o assuntoescola ganhou fora e impacto extras. O grupo de 24 jovens se constitua de estudantes

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    do ncleo de histrias em quadrinhos do Estdio Cip de Multimeios, da Cip, nossaONG hospedeira na Bahia, mais dois jovens com sndrome de Down representando aSer Down Associao Baiana de Sndrome de Down, dois jovens com deficinciaintelectual, da Associao para o Desenvolvimento da Educao Especial e dois jovenscegos do Centro de Apoio Pedaggico ao Deficiente Visual.

    Quando, durante as dinmicas, perguntei a um jovem com deficincia intelectual porqueele estava em uma instituio s para pessoas com comprometimento intelectual, elerespondeu: porque no sou bom em portugus e matemtica. O grupo se indignoumanifestando-se: ns tambm no somos! Por que ele tem que estar l?! Por que nopode estar conosco?. Nesse momento, sentimos na pele e na prtica a necessidade e aurgncia de uma escola inclusiva.Idntica urgncia foi sentida no Espao Criana Esperana, no dia 16 de agosto de 2002,pela manh, na oficina realizada para 21 jovens. O Espao Criana Esperana ficalocalizado no bairro de Jardim ngela, um dos mais violentos da cidade de So Paulo.Com o apoio do Unicef e das Organizaes Globo, o ECE, como chamado, atende

    jovens que vivem, em sua maioria, em situao de risco, oferecendo-lhes atividadesextra-curriculares, alimentao e outras formas de apoio.Esta oficina teve a participao de Carla Bernardi, do Grupo 25, e de uma intrprete deLibras. Estavam tambm presentes um jovem com autismo e um jovem com deficinciamental, convidados. Durante a oficina, este ltimo se destacou ao relatar que estuda emuma escola especial. Segundo contou para o grupo, foi para l porque no conseguiajuntar as letras direito. Seu depoimento demonstrou que sua deficincia e a conseqentedificuldade para escrever so reais, assim como sua interessante maneira de raciocinar.Ele fazia colocaes realmente pertinentes e lcidas, como quando disse que foi a

    diretora do meu antigo colgio que me mandou para a escola especial. Ela agia como se aescola fosse s dela. Ela acha isso, mas no sabe que, na verdade, a escola dos alunos.

    Tambm os adultos tm dificuldade em refletir sobre incluso e excluso, principalmentequando no falamos de excludos clssicos, que so os excludos aos quais j nosacostumamos a reconhecer como excludos. Vivenciamos isso em uma oficina paraprofessores em Braslia, no Centro de Ensino Fundamental 2 no Riacho Fundo, namanh do dia 14 de junho de 2002.

    Ao final da Oficina, um professor de matemtica se aproximou e disse no entenderbem o que o conceito de incluso, to filosfico e abstrato, segundo disse, tinha emcomum com sua aula. Eu preciso de nmeros para entender seu raciocnio, solicitou.

    Aps j termos feito mais de 60 oficinas pelo Brasil, Thas Arajo - a estagiria que meacompanhava - e eu tnhamos um bom nmero para ele.Explicamos, ento, que em um levantamento realizado durante as Oficinas Inclusivas,observamos que mais da metade dos jovens com quem havamos trabalhado em quasetodas as regies do Brasil afirmaram que o momento no qual se sentem mais excludosdentro da escola durante as aulas de matemtica. , acho que agora eu entendi o que

    voc quer dizer, ele concluiu.O professor, Thas e eu ainda conversamos um pouco, j fora da escola, sobre o quanto

    a matemtica, a fsica, a qumica, as chamadas cincias exatas, no podem continuarservindo como instrumento de poder para manter a disciplina e a presena nas aulas.

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    Essas matrias tm seu valor e importncia, indo alm de serem meros instrumentos deavaliao, de censura, de discriminao e, conseqentemente, de humilhao.

    Dinmica 2: Talentos e limitaes

    O objetivo desta dinmica provar que cada ser humano um conjunto de talentos e delimitaes que se manifestam, mais ou menos intensamente - ou at no se manifestam -em funo das oportunidades que temos desde a vida intra-uterina.Essas oportunidades esto diretamente relacionadas ao ambiente que nos cerca,incluindo a acessibilidade arquitetnica, atitudinal, comunicacional etc. Quando falamosde ambiente, referimo-nos tambm a pessoas que nos rodeiam (ou nos rodearam) e adecises tomadas por essas pessoas, no passado ou no presente.

    Um jovem cadeirante, por exemplo, se tornar mais deficiente se, perto dele, a seudispor, no existir um banheiro que possa usar sozinho em funo de sua necessidade.Esse mesmo jovem ser menos deficiente se estiver em um local com banheiros segurose adaptados para lhe dar autonomia e independncia. Assim, a qualidade de vida daspessoas com deficincia est diretamente ligada inclusividade dos ambientes familiar,social ou profissional.

    Com esta viso, est para ser implementada em todo o mundo a CIF - ClassificaoInternacional de Funcionalidade, da Organizao Mundial de Sade (2001). Antes, asituao de uma pessoa em processo de reabilitao era avaliada pelo Cdigo

    Internacional de Doenas (CID), que apontava simplesmente o lado da doena ou daseqela, ou pela Classificao Internacional de Impedimentos, Deficincias eIncapacidades (Organizao Mundial de Sade, 1980), que no foi bem aceita pelasorganizaes mundiais de pessoas com deficincia. Surgiu, ento, a CIF, que focaliza ograu de apoios e adequaes da sociedade como determinante do nvel de funcionalidadedas pessoas com deficincia e que dever servir de base para novas polticas pblicas. Aocontrrio da classificao de 1980, esta foi feita com a participao das prprias pessoascom deficincia e no apenas de profissionais de sade.

    A partir da Dinmica 2, durante as Oficinas Inclusivas, o grupo dever refletir por quetemos tanta dificuldade em reconhecer talentos em pessoas que no enxergam, nofalam pela boca e sim por meio da Libras ou que tm um intelecto de alguma forma maiscomprometido em certas funes. O conceito de sociedade inclusiva nos garante que

    TODA pessoa tem o direito de contribuir com seus talentos para o bem comum. Cabe atodos ns, incluindo as prprias pessoas com deficincia, enxergar esses talentos.

    Alguns relatos ajudam muito na reflexo do quanto cada um de ns faz o outromanifestar mais talentos ou mais limitaes, lembrando que esse outro pode ser o aluno,o professor, o namorado, o amigo, o empregador, o empregado, o vizinho etc.

    Na manh do dia 25 de setembro de 2001, quando o projeto Quem cabe no seu TODOS?esteve em Pernambuco, trabalhando em parceria com a Auuba, nossa ONG hospedeira

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    em Pernambuco, e com a Save the Children da Gr-Bretanha, vivenciamos uma oficinana qual um jovem de 21 anos, com sndrome de Down, revolucionou mentalidades.Esta oficina era para integrantes da Escola de Vdeo do Programa Canal Auuba, aotodo 10 jovens, de 16a22 anos.Cristiane Flix e Ana Flvia Ferraz, coordenadora daEscola de Vdeo, participaram do trabalho. Mais do que questionamentos sobre incluso,

    o jovem com sndrome de Down, baterista, propiciou platia um super show.Primeiro, as msicas ensaiadas. Depois, os improvisos. Ele e sua professora tocaram violo, bateria e tambm cantaram. O som esplndido mobilizou toda a equipe do Auuba. Aos poucos, jovens e educadores que estavam em outras atividades foramassistir e participar do show. Terminaram fazendo um karaok ao som da bateria, ondecantaram e se expressaram na msica.Foi tambm esse jovem que, ao perguntar como a mdia poderia praticar a incluso emseu dia-a-dia, nos deu a oportunidade de exemplificar melhor o que chamamos de mdiainclusiva, ou seja, aquela que se empenha para que o tema incluso permeie todas aspautas e no seja apenas abordado em matrias sobre deficincia.

    Demos o exemplo de um temporal. Quando o jornalista vai s ruas cobrir umacatstrofe, por exemplo, pega o depoimento de vrias pessoas atingidas pela forte chuva,mas e se passar por ele algum com sndrome de Down? Ele o entrevistar sobre otemporal? Raramente, pois considera que pessoas nascidas com essa sndrome genticano tm capacidade para dar este tipo de informao, embora possam dar depoimentos,em uma matria, sobre sua condio. Ao excluir a opinio de uma pessoa com sndromede Down sobre a chuva, o reprter adota uma atitude inadequada e excludente quedevemos nos unir para combater. No que o reprter seja obrigado a entrevistar todas aspessoas, mas sabemos que, neste caso, nem passa por sua cabea associar sndrome de

    Down a chuva ou a matrias sobre economia domstica, leitura de livros, relao afetivaentre homens e mulheres etc.

    Agora, retornando questo do quanto a deficincia resultante da relao entre aspessoas e o ambiente, veja os exemplos abaixo. Eles sero teis para que o oficineirodemonstre para os participantes da oficina sua posio.

    Exemplo 1: Pergunte ao grupo o seguinte: se eu sou cega e fulano no cego, quem temmais risco de tropear e cair quando as luzes esto acesas? Quem cego, naturalmente.E se eu apago as luzes? A situao no se inverte?

    Exemplo 2: Voc j deve ter percebido, essa altura da oficina, algum que fale muitobaixo, que voc tenha pedido para falar mais alto. Ali, no grupo, o fato dele falar baixopode estar sendo visto como uma limitao, certo? Mas se ele estivesse namorando, a

    voz baixa e sussurrante imediatamente se transformaria em super talento.

    Exemplo 3: Se um pedreiro est colocando cimento em uma calada e est na hora doalmoo, o que em geral ele faz para as pessoas no pisarem no cimento? Possivelmente,uma placa com os dizeres: Cuidado, cimento fresco. Para uma pessoa analfabeta, isso

    no quer dizer nada e o cuidado do operrio s acentuou uma limitao que poderiaestar passando despercebida. A situao ainda mais limitadora para uma pessoa cega,pois a placa se torna um perigo extra, j que bem pior tropear na placa e ficar grudada

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    no cimento do que simplesmente ficar grudada no cimento. E o que o operrio deveriafazer, ento, levando em conta que ele agiu com o mximo de suas boas intenes? Pois justamente este tipo de reflexo que as Oficinas Inclusivas desejam provocar.

    A Dinmica 2 se interliga Dinmica 1 quando pensamos que se incluir transformar a

    sociedade para que ela se torne de qualidade para TODOS, temos que ter, sempre, apreocupao de fazer com que os talentos de TODOS se manifestem mais do que suaslimitaes, para que a construo de uma sociedade inclusiva brasileira e mundial avancemais rapidamente.

    Caractersticas da Dinmica 2

    Pedido-chave - Cada um vai revelar para o grupo um talento seu (ou o melhor talentoseu) e uma limitao sua (ou a maior limitao sua), em qualquer rea.

    Introduo ao pedido-chave - Vamos nos olhar com ateno, olhar para o corpo todode quem partilha conosco esta roda (d alguns minutos para isso; esse tempo, em geral,associado ao que foi solicitado, gera um certo constrangimento). Pelo que estamosobservando agora, vocs acham que a maioria de ns mais capaz ou menos capaz defazer coisas como falar, andar, pensar, colaborar, aprender uma profisso, tocar uminstrumento, namorar, escrever ou pegar um nibus?

    A resposta a essa pergunta costuma ser que somos mais talentosos do que limitados, oumais capazes do que incapazes no dia-a-dia. a dica para o oficineiro pedir que cada umrevele um talento e uma limitao sua. Acontece com freqncia do grupo no entender

    o que est sendo pedido, e isto perfeitamente compreensvel. Temos muita dificuldadeem falar sobre nossas limitaes, associando-as a defeitos, falhas, erros, fracassos. Apropsito, no permita que o grupo confunda a palavra limitao com as citadas acima,corrija-o na hora.O oficineiro deve pedir que as pessoas imaginem, ento, como se sentem as pessoas comdeficincia nas quais, na maioria das vezes, s nos chama a ateno a limitao que tm. muito importante, nessa dinmica, reforar que todos temos talentos e limitaes,sendo que falar de ambos com naturalidade dar um grande passo para entender o que incluso. Ser preciso reforar, com o grupo, a idia de que incluir, com certeza, no negar limitaes, que todos temos, mas enxergar talentos atravs delas.

    Cuidado: caso o grupo insista para que o oficineiro comece falando de seu prpriotalento e sua prpria limitao, no ceda, pois a tendncia ser copiarem o talento e alimitao do oficineiro, informao que pode ser dada depois que todos na roda tiveremse manifestado.

    Como o pedido-chave deve ser feito - A todos os participantes da roda,individualmente, seguindo a ordem. Os oficineiros respondem no final.

    Respostas mais comuns ao pedido-chave - No consigo falar de uma limitao,nunca pensei nelas; no tenho talentos etc.

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    Comentrios do oficineiro (esses comentrios devem ser feitos no final, quandotodos os participantes j falaram, ou comear a serem feitos j no tero final daroda, para no influenciar as respostas).Como j dissemos, cada pessoa um pacote de talentos e de limitaes que semanifestam aleatoriamente. O fato de algum ter dificuldades para pensar tanto em suas

    habilidades quanto em suas limitaes significa que ele supervaloriza um aspecto ououtro do conjunto de suas caractersticas individuais; talvez seja muito tmido oubastante pretensioso. O que quase sempre observamos o quanto as pessoas seconhecem pouco, ou pensam pouco sobre si sob a tica do ser humano. Uma idia perguntar se algum do grupo a conhea e pode falar por ela, com seu consentimento, claro. Essa ttica poderajud-las no reconhecimento de suas prprias diferenas.Em geral, as respostas do grupo a esse pedido-chave costumam surpreender bastante.Os adultos acabam falando por alguns minutos, bem mais sobre si do que serianecessrio. Os jovens tendem a ser mais diretos e a repetir o que os jovens anterioresfalaram.

    H excees. Na oficina feita na Escola Caminho Aberto, organizada pelo Grupo 25 e aCidade Escola Aprendiz, em So Paulo, na manh do dia 27 de junho de 2002, todos osalunos eram da 6 e 7 sries. Havia uma jovem com sndrome de Down convidada paraa oficina que, nessa hora, deu um depoimento no qual disse como ser tratada como adiferente.

    A jovem explicou que as pessoas com quem convive na famlia e na escola no a deixamfalar, no consideram sua opinio. Quando algum conversa com ela, sente-seemocionada, pois isto muito raro. Disse que tem medo das pessoas e de suas reaes

    quando a vem e que, por causa disso, muito tmida, principalmente com homens.

    Percebemos que essa jovem tinha a sensao de nunca ter realmente participado de suacomunidade, simplesmente porque no a deixavam. Enquanto falava para o grupo, elaparecia aproveitar cada segundo, pois sabia que no era todo dia que havia pessoasprontas a ouvi-la.

    Em uma oficina realizada com meninos e meninas da Associao Beneficente SoMartinho que trabalham na Petrobras, em 5 de julho de 2002, no Rio de Janeiro,obtivemos de um outro jovem com sndrome de Down, convidado para esse grupo, umadas mais complexas respostas recebidas nesta dinmica. Perguntamos qual era sua maiorlimitao. Como ele no entendeu, perguntei o que ele fazia pior. Ele nos disse que suamaior limitao era sofrer. Seu talento? Nadar.

    O oficineiro perceber tambm que muitas vezes o que uma pessoa cita como limitao,outra cita como talento. importante aproveitar para pontuar o fato, relacionando asrespostas. Esta medida dar, aos participantes, a compreenso do quanto impossvelmedir talentos e limitaes, comparar pessoas, rotul-las ou por um aspecto ou pelooutro. Jamais poderemos saber se algum mais talentoso ou limitado, tudo depende do

    ambiente que o cerca, das demandas desse ambiente, de cada momento em particular.

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    Vivemos uma experincia interessante na oficina realizada no Centro de Ensino Mdio417, em Santa Maria, no Distrito Federal, na manh do dia 13 de junho de 2002, para umtotal de 30 adolescentes. Interessante porque provou, mais uma vez, o quanto aquele quese considera includo agora pode ser o excludo do segundo seguinte.Nessa oficina, alm de uma intrprete de Libras, havia jovens com deficincia

    representando a Creche Cruz de Malta, na qual trabalhavam. Eram pessoas comsndrome de Down e com outras deficincias intelectuais. Havia tambm um jovem comdeficincia fsica e uma jovem surda.Como aconteceu em outras oficinas, esta jovem surda aproveitou a presena daintrprete de Libras para denunciar o quanto entendia pouco do que se passava na salade aula e na escola, ficando nesses ambientes limitada apenas leitura labial. Estvamosnessa conversa quando comeou a tocar a composio Bolero, de Ravel, muito alta, paraanunciar que era hora do recreio na escola. Imediatamente, os alunos das outras turmassaram das salas e correram para o ptio. Juntando o barulho das falas com a msica,ficou impossvel ouvir o que cada um do grupo falava na nossa oficina. Entretanto, a

    comunicao da jovem surda com a intrprete, por ser em Libras, no ficou prejudicada. Aproveitamos para chamar a ateno dos jovens: Vocs esto vendo como aslimitaes so construdas ou aumentadas pelo ambiente? At agora, ns nos ouvamosmuito bem e ela era a nica surda. De repente, os surdos somos ns.

    A presena de pessoas com deficincia, mais uma vez, decisiva para o sucesso dessadinmica pois, apesar de a maioria dos participantes acharem que elas citaro comolimitao sua deficincia, isso no acontece. Em inmeras oportunidades, jovensbastante comprometidos fisicamente, por exemplo, citaram que sua limitao era comer

    chocolate demais ou no saber falar ingls. O restante do grupo costuma se surpreendercom o fato da deficincia no ser citada como uma limitao.

    Provocao 2 Que profisso vocs querem ter (no caso de adolescentes ejovens)?

    Perguntando a cada um da roda que profisso querem seguir ser interessante notar oquanto o grupo, ou alguns de seus integrantes, costumam se surpreender com os planosde futuro das pessoas com deficincia.Lembro-me de uma oficina feita em So Paulo, em 23 de outubro de 2001, para alunosda 8 srie da Escola Municipal Olavo Pezzotti, no bairro de Vila Madalena. Eram 31alunos de 14 a 17 anos, alm de duas adolescentes de 14 e 19 anos do InstitutoLaramara, ambas com baixa viso, e duas jovens de 22 e 24 anos, com sndrome deDown, representando o Carpe Diem. Esta oficina concorrida, foi organizada pelo Grupo25 em parceria com a Cidade Escola Aprendiz.Os participantes estavam atentos e participativos. Quando fiz a Provocao 1, no inciodas oficinas, perguntando se algum ali j havia enfrentado algum tipo de preconceito,um adolescente e uma adolescente se colocaram claramente na posio de excludos. Ojovem de 16 anos, filho de classe mdia e, portanto, minoria entre os alunos da Olavo

    Pezzotti, disse ser incompreendido pela famlia, conservadora, por ser punk. Comentoutambm ter dificuldades em participar das aulas (minha maior preocupao nomomento conseguir passar de ano). J a adolescente alegou sentir-se excluda da

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    sociedade, citando casa e escola, por vrias razes, entre elas, o desejo de se dedicar moda como profisso.

    Vrias situaes interessantes surgiram geradas pela presena dos jovens com deficinciavisual e mental. Em determinado momento, pedi a cada um do grupo que me falasse

    sobre que profisses pretendiam seguir no futuro. Quando uma das adolescentes comdeficincia visual disse que gostaria de ser guia turstica, ou advogada, um alunoargumentou imediatamente que sua limitao visual prejudicaria seu desempenhoprofissional. Ela o contestou com tranqilidade dizendo que um cego pode fazer tudo.

    Aproveitei para instig-los ainda mais sobre a questo dos talentos e das limitaes,perguntando: "Por que nos achamos capazes de adivinhar at onde algum pode ou nopode ir? E ser que agimos assim em relao a todas as pessoas? Ou apenas em relaoquelas por ns consideradas limitadas, no detentoras de talentos suficientes paravencer na vida? Por que vocs no questionaram a meta profissional da maioria dogrupo? Por que apenas o sonho de uma das pessoas do grupo que tem baixa viso foi

    questionado? Ser que todos vocs aqui tm os talentos necessrios para alcanar seusobjetivos?".Esta oficina ainda foi pontuada pela espirituosidade de uma jovem com sndrome deDown que mereceu aplausos de toda a turma ao fazer um comentrio muito srio sobreo namoro e a dificuldade dos apaixonados lidarem com suas prprias diferenas, assuntoque ser abordado a partir da Dinmica 4.

    Uma outra oficina marcante foi a realizada no dia 24 de outubro de 2001, para 12adolescentes grafiteiros do Projeto 100 muros da Cidade Escola Aprendiz, em So

    Paulo. A sintonia com o grupo foi imediata, embora tenha sido difcil mant-lo atentoporque no havia a presena de adolescentes e jovens com deficincia na oficina. Comoj foi comentado, quanto mais diversidade, mais a metodologia das Oficinas Inclusivasse enriquece. Mesmo assim, obtivemos sucesso. O professor da turma, comentou queesta era a primeira vez que eles se reuniam para conversar e no para se manifestaratravs da principal forma de expresso do grupo: a arte. Ele mesmo estava curioso para

    ver como os adolescentes, todos homens, se comportariam.Por eles serem muito rpidos em suas respostas, algumas vezes precisei de um tempoextra para ser suficientemente criativa e dar conta desta oficina. No que se referia imagem das pessoas com deficincia, entretanto, aqueles jovens to interessantestambm haviam nutrido, no decorrer de suas vidas, uma idia ultrapassada. Isso ficountido quando perguntei ao grupo se um cego poderia ser grafiteiro. Inicialmente,disseram que no. Perguntei se eles j haviam pensado nesta possibilidade ou convividocom algum cego na escola ou em famlia. Responderam que no. Pedi que pensassemmelhor no assunto.Os meninos foram conversando sobre essa hiptese entre eles, aos poucos novosargumentos surgiram, e assim chegaram concluso de que estavam enganados. Umcego pode grafitar, sim. Sugeriram que ele trabalhasse com o abstrato ou com relevo.

    Argumentei que eles estavam sendo muito rgidos, querendo direcionar a arte dos

    grafiteiros cegos.A verdade que ningum tem o direito de dizer at onde o outro, qualquer outro, podechegar. Ficou claro, mais uma vez, para mim, que algumas das situaes inclusivas que

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    defendemos so difceis de serem aceitas apenas porque nunca as exercitamos, nemhipoteticamente. Vale registrar, para nossas reflexes, o quanto um grupo deadolescentes que vive no dia-a-dia uma situao de excluso, por no serem vistos pelamaioria da populao como artistas, como eles so e se consideram, mas sim comodestruidores do patrimnio alheio, reproduzem o mesmo processo de discriminao

    em relao a outras minorias.

    Dinmica 3: Vocs so gente?

    Essa uma dinmica instigante. Pode ser considerada o ponto alto das OficinasInclusivas, embora, como as demais dinmicas, seja muito simples; e a pergunta-chave,bvia: vocs so gente?O objetivo da Dinmica 3 apontar a tranqilidade com que hierarquizamos condieshumanas, classificando seres da espcie Homo sapiens, qual pertencemos, em seres maishumanos ou menos humanos. Tal hbito apenas fica mais contundente quando oanalisamos sob a tica da deficincia. O maior benefcio que o tema deficincia nos traz,quando inserido nas reflexes comuns, escancarar nossas piores prticas, aguarconflitos, desmistificar o que conseguimos esconder de ns mesmos.Freqentemente, observamos na mdia o vocbulo incluso e suas derivaes, comoescola inclusiva, designando experincias em instituies de ensino que nada tm deinclusivas. So instituies que decidem, com muita tranqilidade, combinar crianascom e sem deficincia na mesma sala de aula para ver se d certo.Nenhuma escola pode testar combinaes de crianas, escolher e devolver alunos

    em funo de uma caracterstica humana qualquer. Isso porque as escolas devem ser oexemplo maior do encontro universal de pessoas da mesma gerao, que juntas seroresponsveis pelas transformaes sociais que almejamos em cada comunidade e no pas.Caso uma criana no tenha oportunidade de se exercitar eticamente na escola,aprendendo, inclusive, que incorreto ir tirando sem cerimnia do caminho quematrapalha por qualquer razo o coro, o jogo de futebol, o jogo de queimado, a aula dequmica, em que momento de sua vida cidad poder ter tais ensinamentos?Ensinamentos indispensveis para uma sociedade que diz clamar por justia social edeseja combater a corrupo e a impunidade.Existe uma grande dificuldade no entendimento do conceito de incluso porque, para amaioria das pessoas, de qualquer classe social, formao profissional e grau de instruo,as reflexes que tm status levam em conta aspectos do social, do poltico, doeconmico, do cultural, do religioso, do lingstico, do regional etc, enquanto a inclusoleva em conta o humano, que a base de todos os outros enfoques acima citados.Pensar sobre incluso tentar abstrair o ser social, o DNA social que nos conjuga antesmesmo de nossa concepo. Pensar sobre incluso pensar sobre o humano, sobre adiversidade humana que nos caracteriza como espcie.Fundamental, nesta dinmica, provar para o grupo o quanto estamos equivocados nonosso conceito de ser humano. hora de assumir quem consideramos como gente e

    quem no consideramos como gente. O tema central dessa reflexo a expressocondio humana. De que condies humanas falamos quando nos referimos incluso? De TODAS, obviamente.

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    Caractersticas da Dinmica 3

    Pergunta-chave Vocs so gente?

    Introduo pergunta-chave - interessante aproveitar essa dinmica para fazer umteatrinho com o grupo. Ao terminar as Dinmicas 1 e 2, os oficineiros j devem terobservado algumas reaes dos participantes e separado algo que possa ser usado paradar incio Dinmica 3, como uma frase engraada ou equivocada, sempre mantendo ocuidado de no magoar ou discriminar as pessoas.Caso os oficineiros no se sintam seguros para isso, possvel apenas olhar para o grupofixamente e falar, seriamente, que est sendo difcil fazer aquela oficina, que algo estinadequado e que j foi possvel entender a causa dessa inadequao. Dizer para o grupo,ento, que a falha foi dos prprios oficineiros, que se esqueceram de uma perguntaimportantssima desde o incio da oficina. No caso, alm do oficineiro principal ter se

    esquecido de faz-la, no foi lembrado pelo outro (pode at haver, nessa hora, umaespcie de discusso leve entre os dois, como se v em algumas peas de teatro quando opblico fica sem entender se aquilo combinado ou no). Mas, continua o oficineiro,ainda h tempo de reverter a situao e torcer para que finalmente a oficina caminhecomo deve ser.Nessa hora, o oficineiro fica srio, muito srio, explica que a indagao que vir a seguircostuma gerar constrangimentos, pois toca em um tema de foro ntimo e que, portanto, compreensvel que algum decida sair da oficina por se sentir invadido ou agredidopela pergunta. Compenetrado e olhando fixamente a roda, de preferncia de um em um,

    o oficineiro faz as perguntas: Vocs so gente? Quem daqui gente?

    Como deve ser feita - A todos os participantes da roda, indistintamente, esperandopara ver quem responde primeiro. O ideal que vrias pessoas respondam.

    Respostas mais comuns pergunta-chave - Sei que sou gente porque tenhosentimentos e me comunico; sou gente porque tenho inteligncia; eu sou genteporque tento fazer com que as pessoas tenham seus direitos garantidos etc.

    Comentrios do oficineiro (esses comentrios devem ser feitos aps cada fala dosparticipantes)

    A tendncia que as pessoas comecem a dificultar a resposta pergunta-chave, ousofistic-la. Certamente todos ali so gente, mas ser interessante notar os olhares deperplexidade diante dessa indagao. Olhares que surgem quando esta pergunta feita apessoas de qualquer formao profissional, idade, classe social etc. O oficineiro deve irdesconstruindo cada uma dessas respostas at encontrar a correta. Diante da indecisodo grupo, ser necessrio ajud-lo, e isso pode ser falado claramente. O oficineiro, ento,diz que est disposto a colaborar porque percebe que h muita dvida no ar. E imaginaralgumas situaes solicitando ao grupo refletir sobre elas.

    Primeira pergunta: Um assassino cruel que mata a me, a corta em pedacinhos e acome com farofa gente?

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    Segunda pergunta: Uma pessoa que fique em coma durante anos deixa de ser gente?

    Terceira pergunta: Uma criana que nasce sem crebro gente?

    Quarta pergunta: Algum que j morreu, como um bisav, lembrado como gente?Ou como um jacar? Ou um hipoptamo?

    Os participantes chegaro concluso de que todos esses so exemplos de gente. horado oficineiro perguntar: Por que fcil para vocs afirmar que esses exemplos extremosso de gente e, ao mesmo tempo, hesitar tanto em assumir que vocs so gente?.Nessa hora, a reao da turma costuma ser a risada.E cabe ao oficineiro afirmar: Fico feliz, eu no tenho nenhuma dvida de que vocs sogente.

    A seguir, o oficineiro dever perguntar ao grupo como eles chegaram concluso de que

    so gente e dirigir as respostas para que todos cheguem ao seguinte acordo: Somosgente porque nascemos de gente ou somos gente porque somos seres humanos.

    Diante dessa certeza, vem a ltima questo proposta pela Dinmica 3: O que que, seeu tirar de vocs, faz com que deixem de ser gente?.O oficineiro deve se preparar, muitas sero as dvidas. Uma das respostas mais comuns o direito, ou a dignidade. Ser preciso mostrar que milhes de pessoas no Brasil

    vivem sem dignidade e sem direitos e continuam sendo gente.Em resumo, deve-se avanar at que algum do grupo diga o que nos caracteriza como

    seres humanos: a diferena ou a diversidade.

    Provocao 3 Pessoas surdas devem ter como objetivo aprender a falar oportugus para serem includas na sociedade?

    A tendncia que eles respondam que sim. E cabe ao oficineiro provar que no. ADinmica 3 particularmente til para explicarmos que a Lngua de sinais brasileira tohumana quanto o portugus falado e escrito e que, portanto, a vantagem de um jovemsurdo aprender a falar o portugus a mesma que tem qualquer pessoa quando fala maisde uma lngua. bom falar portugus e ingls? . Ento tambm bom falar oportugus e a Libras. Ser bilnge facilita nosso processo de insero social? Sim. Quetimo! Vale para o portugus e a Libras tambm. Essa postura bem diferente de outrasque exigem das pessoas surdas serem oralizadas.

    Muitas so as situaes de impasse na comunicao geradas com a presena de pessoassurdas nas Oficinas Inclusivas. Aconteceu no Centro de Ensino Mdio 01, em Parano,no Distrito Federal, na tarde do dia 10 de junho de 2002. Eram 26 adolescentes, entreeles um jovem surdo, dois com sndrome de Down, e mais dois adolescentes ditos comotendo, ambos, deficincia intelectual. Observando-os durante essa oficina, fiquei commuitas dvidas se eles eram pessoas com deficincia intelectual ou com doena mental

    (ver Provocao 6). Nessa oficina, como aconteceu com freqncia no Distrito Federal eno Paran, os jovens surdos aproveitavam o fato de o projeto Quem cabe no seu TODOS?levar um intrprete de Libras para denunciar o descaso com que se sentiam tratados em

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    grupo: "Eu me sinto muito mais seguro no mar do que no meio das pessoas, que noesto acostumadas a conviver com cegos". Silncio. Para a maioria daqueles jovens e dasdezenas de outros que participaram das demais oficinas, estar em um nico ambienteinteragindo e refletindo junto a pessoas de sua gerao com deficincia era umaexperincia indita em suas vidas.

    Provocao 5 - Pessoas com deficincia devem ser chamadas de os diferentes,os especiais, os excepcionais, ditos-normais ou anormais?

    A resposta no. Novamente, vamos retornar quela reflexo sobre o conceito dehumanidade. No nascemos embaralhados, misturados e totalmente diferentes entre si?No chegamos ao acordo de que ningum mais ou menos humano? Mais ou menosgente? Concluso: no existem modelos de gente. Sendo assim, como dizer que umapessoa especial? Ou excepcional? Ou anormal? especial em relao a que modelo degente? anormal em relao a que concepo de normalidade?Utilizamos essas expresses em relao s pessoas com deficincia com o objetivo de

    valoriz-las ou, no mnimo, de no desvaloriz-las mas, na verdade, estamos fazendo ocontrrio, estamos qualificando-as como menos gente e, lgico, disfarando isso atravsde expresses elogiosas. Quanto mais especial um assunto ou uma pessoa, maistemos a sensao de necessitar de conhecimentos e de condies especiais para lidarcom ela, uma fase de preparo que no tem fim. Essa situao afasta pessoas comdeficincia de pessoas sem deficincia.

    Aceitando existirem os especiais, os diferentes, os excepcionais, voltamos a raciocinarcom base na tica da igualdade, concordando com a existncia de padres de gente enegando a diversidade humana. Como j vimos, as deficincias so uma manifestao

    inserida no contexto da diversid