oFIM DO TRABALHO: CRISE OU NOVA CIVILIZAÇÃO, PARA A … · dutiva no capitalismo e redefioir um...

8
o FIM DO TRABALHO: CRISE OU NOVA CIVILIZAÇÃO, PERSPECTIVAS PARA A EDUCAÇÃO Luís Távora Furtado Ribeiro' RESUMO Relacionar o fenômeno mundial do desem- prego, relacionar as transformações no mundo do trabalho, crise do capitalismo, conjuntura geopo- litica mundial e educação é o objetivo desse traba- lho. Nesse contexto adverso apresentam-se as perspectivas sociais para as novas gerações tendo como centro a problemática educacional. A tese fundamental é que numa conjuntura mundial de crise social e de desemprego, concomi- tante ao advento das novas tecnologias, a educação ressurge como questão central para o desenvolvi- mento econômico e a democracia. Interesses con- traditórios entram em jogo os empresários e os governos apresentam suas propostas. Cabe refletir sobre as possibilidade de democratização da escolarização e dos seus objetivos. Temas como: tra- balho e novas tecnologias, especulação financeira, desemprego, problemática das cidades, conjuntura geopolitica, globalização X localismo, fundamen- talismo, e Educação são articulados num panorama geral introdutôrio da sociedade contemporânea. ABSTRACT The aim of this work is to establish relations among the global phenomena of employme~t t~e transformations in the working system, the crises m capitalism, international geopolitical con~ext and education. In this adverse situation the social goals I Professor do Departamento de Teoria e Prática d~ Ens~no da Universidade Federal do Ceará, doutorando em SOCIOlogia pela UFC. are presented to the new generations having as nuc/eus the problem of education. The fundamental thesis is that in a structural social world crisis and of unemployment, concomitant with the appareance of new technologies, the education Rise again as central question to economia development and democracy. Contradictory interests come to scene. The undertakears and the governments present their proposals. It is necessary to think about the possibities of democratization in school process and of its goals. Subjects as: work and new technologies, financial speculation, unemployment, the problems of the cities, geopolitical context, globalization X local economy, Religious fundamentalism and education are articulated in the general scenery introductory to contemporary society. Srs. pais, Não deixe seu filho aumen- tar a fila 'dos desempregados. Ligue ou visite agora mesmo, O Cur- so preparatório às escolas Militares. Nossa proposta é capacitar seu filho a ser um oficial... 2 INTRODUCÃO o eloqüente texto acima traz uma síntese da dramaticidade contemporânea do problema do desem- prego. Nele encontramos algumas das questões que parecem sintetizar o pensamento do homem comum a respeito do problema: 2 Trechos de um panfleto de propaganda, distribuído por ~m jo- vem desempregado, num sinal de tânsito em Fortaleza. Gnfos do original. Educação em Debate - Fortaleza - ANO 20 - N° 35 - J 998 - p. 37-44 137

Transcript of oFIM DO TRABALHO: CRISE OU NOVA CIVILIZAÇÃO, PARA A … · dutiva no capitalismo e redefioir um...

Page 1: oFIM DO TRABALHO: CRISE OU NOVA CIVILIZAÇÃO, PARA A … · dutiva no capitalismo e redefioir um novo modelo de exploração da classe trabalhadora. As atuais transformações no

o FIM DO TRABALHO: CRISE OU NOVA CIVILIZAÇÃO,PERSPECTIVAS PARA A EDUCAÇÃO

Luís Távora Furtado Ribeiro'

RESUMO

Relacionar o fenômeno mundial do desem-prego, relacionar as transformações no mundo dotrabalho, crise do capitalismo, conjuntura geopo-litica mundial e educação é o objetivo desse traba-lho. Nesse contexto adverso apresentam-se asperspectivas sociais para as novas gerações tendocomo centro a problemática educacional.

A tese fundamental é que numa conjunturamundial de crise social e de desemprego, concomi-tante ao advento das novas tecnologias, a educaçãoressurge como questão central para o desenvolvi-mento econômico e a democracia. Interesses con-traditórios entram em jogo os empresários e osgovernos apresentam suas propostas. Cabe refletirsobre as possibilidade de democratização daescolarização e dos seus objetivos. Temas como: tra-balho e novas tecnologias, especulação financeira,desemprego, problemática das cidades, conjunturageopolitica, globalização X localismo, fundamen-talismo, e Educação são articulados num panoramageral introdutôrio da sociedade contemporânea.

ABSTRACT

The aim of this work is to establish relationsamong the global phenomena of employme~t t~etransformations in the working system, the crises mcapitalism, international geopolitical con~ext andeducation. In this adverse situation the social goals

I Professor do Departamento de Teoria e Prática d~ Ens~no daUniversidade Federal do Ceará, doutorando em SOCIOlogia pelaUFC.

are presented to the new generations having asnuc/eus the problem of education. The fundamentalthesis is that in a structural social world crisis andof unemployment, concomitant with the appareanceof new technologies, the education Rise again ascentral question to economia development anddemocracy. Contradictory interests come to scene.The undertakears and the governments present theirproposals. It is necessary to think about thepossibities of democratization in school process andof its goals. Subjects as: work and new technologies,financial speculation, unemployment, the problemsof the cities, geopolitical context, globalization Xlocal economy, Religious fundamentalism andeducation are articulated in the general sceneryintroductory to contemporary society.

Srs. pais, Não deixe seu filho aumen-tar a fila 'dos desempregados.

Ligue ou visite agora mesmo, O Cur-so preparatório às escolas Militares.

Nossa proposta é capacitar seu filhoa ser um oficial... 2

INTRODUCÃO

o eloqüente texto acima traz uma síntese dadramaticidade contemporânea do problema do desem-prego. Nele encontramos algumas das questões queparecem sintetizar o pensamento do homem comum arespeito do problema:

2 Trechos de um panfleto de propaganda, distribuído por ~m jo-vem desempregado, num sinal de tânsito em Fortaleza. Gnfos dooriginal.

Educação em Debate - Fortaleza - ANO 20 - N° 35 - J 998 - p. 37-44 137

Page 2: oFIM DO TRABALHO: CRISE OU NOVA CIVILIZAÇÃO, PARA A … · dutiva no capitalismo e redefioir um novo modelo de exploração da classe trabalhadora. As atuais transformações no

I1i

• O desemprego é uma grande ameaça na soci-edade contemporânea; .

• Essa ameaça atinge a todos, especialmente asnovas gerações e suas famílias como um perigo iminente;

•A responsabilidade pelo desemprego futuro dosfilhos parece recair sobre os pais, ficando na dependên-cia de suas decisões, ações ou omissão;

• A educação dos filhos é apontada como únicasaída para as famílias, o que demonstra uma preferên-cia por soluções particulares, individuais;

• Observe-se que o termo educação é compre-endido de forma reducionista como "capacitação"; emoutras situações, encontramos termos cheios de signifi-cado como treinamento, qualificação ou reciclagem;

• Não se mencionam quaisquer análises do fe-nômeno socioeconômico estrutural mais amplo, numasuperficialidade teórica flagrante.

Nessa pesquisa abordaremos algumas dimen-sões da problemática do trabalho - ou do emprego, oudo desemprego- na sociedade atual, tomando como uni-verso teórico-metodológico dois aspectos fundamentais:

• Questões conjunturais básicas sobre a socie-dade atual, enfatizando as dimensões gerais das trans-formações que atingem o mundo do trabalho e doemprego na sociedade capitalista pós-industrial;

• Pesquisa empírica a partir da observação eentrevistas com trabalhadores desempregados que pro-curavam emprego na " fila dos desempregados" do Sis-tema Nacional do Emprego, SINE-CE, em Fortaleza.'

A pesquisa foi realizada no período de julho de1996 a julho de 1997. Não sendo exaustiva, nem minu-ciosa como desejaríamos, tem por finalidade contribuirpara o debate e a compreensão dos aspectos gerais queinteragem no problema do desemprego, enquanto criseconjuntural do capitalismo, drama pessoal e familiar queatinge de maneira indelével as biografias e histórias devida de incontáveis trabalhadores e suas famílias.

Compreendendo-se tradicionalmente o capital pe-las palavras de KARL MARX, como valor que se valori-za num processo continuo de acumulação de riquezas apartir da extração de mais-valia do trabalho, tivemos ummodelo conceitual adequado para explicar em linhas ge-rais o modelo ampliado de acumulação burguesa

Modelo utilizado para se traduzir a acumulaçãodo capital e para explicar o padrão de exploração capi-talista sob o modelo fordista-taylorista, necessita ser.•

3 Fila dos Desempregados, termo utilizado pelos próprios traba-lhadores. Esse texto constitui apenas a parte inicial do relatóriofinal da pesquisa.

3ãl Educação em Debate - Fortaleza - ANO 20 - W 35 - 1998 - p. 37-44

atualizado para explicitar teoricamente os dilemasatuais do mundo do trabalho, agora sob novas condi-ções históricas.

O modelo taylorista-fordista de produção e or-ganização industrial, possuía algumas característicasbásicas que possibilitaram, durante aproximadamente umséculo, o desenvolvimento do capital e a constituição daclasse operária. Dentre elas:

• Utilização de grande número de trabalhadorespor unidades de produção;

• Execução de tarefas pré-defmidas e repetitivas,caracterizadas pela especialização das atividades e peloestabelecimento de rotinas nas fábricas;

• Existência de enorme contingente de traba-lhadores, o exército industrial de reserva, aptos à subs-tituição imediata dos operários em atividade pelos maisdiferentes motivos, da incompetência à insubmissão;

• Alta rotati idade de mão-de-obra;• Baixos níveis de escolaridade e educação for-

mal entre os trabalhadores'• Tensões sociais constantes devido a fatores

como os baixos salários o desemprego, a pobreza, aviolência e a moradia, a ida precária nos subúrbios dascidades;

• Combate à exploração patronal através da or-ganização dos trabalhadores em sindicatos e mobilizaçãocaracterística através das gre es:

• Produção em série nas linhas de montagemdestinada ao consumo de massa

No início dos anos 70 ocorrem mudanças fun-damentais que vão defmir toda uma reestruturação pro-dutiva no capitalismo e redefioir um novo modelo deexploração da classe trabalhadora.

As atuais transformações no mundo do traba-lho vêm, aproximadamente, dos anos 70, e são caracte-rizadas por uma ampla combinação de fatores. Dentreeles podemos destacar:

• Eclosão da revolução tecnológica, especial-mente nos setores de microeletrônica, informática eautomação (robótica);

• Utilização de novas formas de gestão e toma-da de decisões, introduzindo mecanismos de descentra-lização que trariam como objetivo dar maior agilidade àtomada de decisões nas fábricas e nas empresas;

• Necessidade de um trabalhador melhor quali-ficado e mais escolarizado que tivesse como caracte-tísticas de atuação, liderança, capacidade de trabalharem equipe, motivação e criatividade na resolução deproblemas;

Page 3: oFIM DO TRABALHO: CRISE OU NOVA CIVILIZAÇÃO, PARA A … · dutiva no capitalismo e redefioir um novo modelo de exploração da classe trabalhadora. As atuais transformações no

• Liberação de enormes contingentes de mão-de-obra e utilização nas fábricas e nas empresas de tra-balhadores divididos basicamente em dois níveis: umpequeno grupo de trabalhadores qualificados, bem pa-gos e motivados, e um outro grupo mais numeroso detrabalhadores, caracterizados por serem consideradossubstituíveis, mal-remunerados, executores de tarefasque podem ser realizadas por terceiros, submetidos acondições de exploração anteriores às formas de explo-ração capitalista;

• Introdução progressiva do trabalho tercei-rizado, caracterizado pela utilização de serviços porempresas contratadas para realizar tarefas específicas,geralmente temporárias. Essas atividades têm crescidonos setores de manutenção de equipamentos, seguran-ça e limpeza, transportes, alimentação e entretenimen-to, dentre outros;

• A ampliação do setor de serviços reduz o nú-mero de trabalhadores diretamente utilizados no setorprodutivo. Ressalte-se que o crescimento dos serviçosnão absorveu a enorme quantidade de trabalhadores li-berados pelo setor produtivo, o que eleva o desempregoa níveis alarmantes;'

O aumento do desemprego é agravado pelautilização pelos governos de políticas de valorizaçãodas moedas baseadas no endividamento. Tudo se com-bina através do aumento dos juros - para conter oconsumo -, e pela abertura indiscriminada das importa-ções, para segurar os preços pela concorrência dos pro-dutos externos.

O endividamento e a queda nas exportações seriacompensado pela venda de empresas - privatizações - epelos cortes nos gastos sociais através de reformas naprevidência social e na administração pública.

Combinam-se nesse momento, mudanças nomundo do trabalho, políticas governamentais e crise so-cial, numa complexa rede de relações cujas conseqüên-cias a médio prazo são imprevisíveis.

Modelo produtivo aparentemente triunfante coma derrocada dos regimes socialistas no final dos anos 80,o capitalismo patrocina uma revolução tecnológica semprecedentes, ao lado de uma concorrência intercapitalistaacirrada. Uma conseqüência são as megafusões empre-sariais que geram grupos econômicos gigantescos, maispoderosos que os governos nacionais.

4 Dados do Departamento Intersindical de Estudos Estatísticos,DIEESE, afirmam que o desemprego na cidade de São Paulo emsetembro de 1997 atingiu um percentual de 15,9"10 do total dostrabalhadores. O número de desempregados chega a 1.300.000trabalhadores.

O capitalismo em sua história tem se caracteri-zado por uma dupla contradição: produção de riquezase acumulação de capital. Nunca na história da humani-dade foram produzidos tantos bens e a vida cotidiana foitão facilitada, especialmente pelo desenvolvimento dosmeios de transporte e comunicação. Ao mesmo tempo,jamais se viu tão grave crescimento dos níveis de po-breza e separação social entre pobres e ricos.'

Emerge desse processo uma outra contradiçãofundamental: ao mesmo tempo em que revoluciona aprodução o capitalismo institui como sistema mundial aespeculação financeira. O dinheiro adquire status de ri-queza desvinculado do processo de produção social demercadorias. Transformado numa espécie de gigantes-co cassino, o mercado financeiro mundial transformadinheiro em mais dinheiro, num processo global dedolarização que varreu da economia o padrão de rique-zas baseado em ouro e que obriga todas as economiasdos países a utilizarem a moeda norte-americana comopadrão de referência.

Nesse contexto, a riqueza monetária supera ariqueza patrimonial. Terra, rebanhos, imóveis e merca-dorias tornam-se riqueza secundária, submetidas aosditames da especulação financeira. Transformados emfinanciamentos, títulos da dívida, juros e hipotecas, osbens patrimoniais perdem autonomia, destronando seto-res de antigas frações de classe social dominante comolatifundiários, especuladores com imóveis e grandescomerciantes.

Essa autonomia dos mercados financeiros seorigina também nos anos 70 por uma combinação defatores como o financiamento da guerra do Vietnã e doarmamentismo na guerra fria e pelos constantes deficitscomerciais norte-americanos frente à Europa e o Japão.

Endividado, o governo americano recorria aofinanciamento público através da elevação da taxa dejuros que atraía capitais transnacionais, especialmenteos petrodólares. Também merece destaque o financia-mento da industrialização dos países do terceiro mundoa juros baixos, o que vai gerar a crise da dívida externados países em desenvolvimento quando a dívida foi co-brada, uma década mais tarde, sob condições de jurosdesfavoráveis.

Essa combinação de papéis no mercado finan-ceiro internacional gerou a autonomização das moedas

5 Segundo a revista americana Forbes de setembro de 97, os ho-mens mais ricos do mundo têm sua riqueza calculada em bilhõesde dólares. Ao mesmo tempo, segundo dados do UNPD-95, 33%da população dos paises em desenvolvimento vivem com menosde 1 dólar por dia. Ver OLIVEIRA ( 1996, p.67).

Educação em Debate- Fortaleza -ANO 20 - N° 35 - 1998 - p. 37-44 1"39

Page 4: oFIM DO TRABALHO: CRISE OU NOVA CIVILIZAÇÃO, PARA A … · dutiva no capitalismo e redefioir um novo modelo de exploração da classe trabalhadora. As atuais transformações no

frente ao ouro e a eclosão internacional da transaçõesmonetárias com papéis da dívida norte-americana, dadívida externa dos países, títulos de ações das empresasnas bolsas de valores, gerando um gigantesco mercadomundial da dívida mobiliária.

Trata-se, portanto, de uma crescente e desen-freada autonomização da esfera monetária sobre a eco-nomia real. Ressalte-se que uma crise de confiançamundial ou localizada pode fazer ruir todo esse aparen-temente sólido castelo de cartas, gerando crises mone-tárias gigantescas, combatidas, até agora com"endividamento internacional", - endividamento ao FMI,Banco Mundial e países ricos- como na crise do Méxi-co em 1994 e na crise das economias asiáticas em mea-dos de 1997.

O capital globalizado acirra a concorrência en-tre as empresas que se tomam, cada vez mais gigantes-cas e impessoais, comandadas por executivos, cujatomada de decisões sobre investimentos, prioridades emaximização dos lucros são realizadas por grupos res-tritos de acionistas majoritários, conectados pelos maisavançados meios de comunicação a partir de cidadescomo Nova Iorque, Londres, Berlim e Tóquio.

Devido à concorrência mundial, os grupos rea-lizam megafusões empresariais, tornando-se ainda maispoderosos, com os objetivos de monopolizar setores oudiversificar investimentos em diferentes áreas. Ao exe-cutarem suas políticas de atuação tomam-se mais po-derosos que os governos dos países, obrigando-os arealizar políticas de incentivo aos investimentos paraimplantação ou ampliação de fábricas, sob a caracterís-tica marcante da renúncia fiscal.

A conseqüência para os estados é a queda naarrecadação de impostos, agravadas pelas despesascom a infra-estrutura necessária para o funcionamen-to das empresas. Impotentes diante do grande capital,os estados nacionais entram em crise, e são levados auma política de criação de grupos de países unidos atra-vés de mercados comuns. Mais uma vez a queda defronteiras tributárias e alfandegárias enfraquece os es-tados, favorecendo ainda mais a livre circulação decapitais.

Toda a problemática social decorrente dessenovo arranjo internacional se expressa e manifesta nascidades, instituídas como centros de produção - traba-lho -, e consumo de produtos. De modo progressivo,numerosos grupos sociais deixam o campo para vivernas cidades, onde a perspectiva de facilidades com aindustrialização, comunicação, transportes, saúde e edu-cação, atraíram milhões de pessoas, especialmente nametade final desse século.

40 I Educação em Debate - Fortaleza -mo 20 - N° 35 - '998 - p. 37-44

Cidades médias promissoras nos anos 50, toma-ram-se megalópoles nas décadas de 70 e 80, caracteriza-das pela concentração dos mais diferentes problemassociais, do desemprego à violência, da massificação àdegradação do meio ambiente, da corrupção política àslimitações do acesso à saúde e à educação.

Esse problema se agrava especialmente nas ci-dades do terceiro mundo. Cidades como São Paulo,Xangai, Pequim, Cidade do México, Nova Delhi,Bangladesh, Medellin, Cidade do Cabo, Argel, Rio deJaneiro, Teerã e Manila, aparentemente, e efetivamen-te tão díspares, têm em comum problemas sociais inso-lúveis a médio prazo, particularmente nos setores dehabitação, lazer, segurança, educação, meio ambiente esaúde pública, sem mencionarmos as questões relacio-nadas ao trabalho e ao desemprego.

De modo especialmente dramático para os jo-vens, vemos crescer em níveis mundiais o tráfico e oconsumo de drogas. Seu combate através de medidasmeramente repressivas, não consegue atingir as origensdo problema, que parece intimamente ligado à dramati-cidade da vida moderna, especialmente nas cidades.

Tudo parece apontar na direção de novo mo-delo de desenvolvimento que privilegie a vida urbanaem pequenas e médias cidades, numa nova ótica derelação com o meio ambiente e novas relações deconvivialidade que privilegiem espaços públicos deconvivência e lazer, em detrimento da atual sociabili-dade baseada, quase que exclusivamente, nas dimen-sões do trabalho e do consumo.

Lembremos que os problemas sociais e suamanifestação no urbano não são privilégio dos paísesem desenvolvimento. As cidades européias têm na agen-da do dia, questões políticas e socioculturais ligadas àcrescente imigração nos países do terceiro mundo.

Nos EUA, aos tradicionais problemas de discri-minação relacionadas às minorias étnicas e sociais, -negros, índios, pobres e mulheres -, soma-se o crescen-te problema dos hispânicos, como são genericamenteclassificados os imigrantes ilegais da América Latina.

Na Europa, os problemas relacionam-se aos re-fugiados políticos e aos imigrantes de regiões mais pró-ximas da Ásia e da Àfrica, em especial de sua regiãonorte. Refugiados sérvios, bósnios, curdos, marroquinos,argelinos e albaneses constituem-se atualmente ques-tão política insolúvel a curto prazo especialmente empaíses como a Alemanha, a França e a Itália.

Entre os europeus do ocidente em vias de uni-ficação política e econômica no Mercado Comum Eu-ropeu, são também problemáticas as migraçõesoriginárias dos países do leste europeu, conduzidos pela

Page 5: oFIM DO TRABALHO: CRISE OU NOVA CIVILIZAÇÃO, PARA A … · dutiva no capitalismo e redefioir um novo modelo de exploração da classe trabalhadora. As atuais transformações no

falência do modelo soviético, pelo desemprego e pelosbaixos salários.

Não apenas nas grandes cidades se percebeo problema social. Em povoados e regiões campone-sas da Ásia e, especialmente da África, a miséria e aestagnação econômica caminham passo a passo, dei-xando aquelas regiões dependentes, quase que ex-clusivamente, da ajuda humanitária dos países ricose de organismos multilaterais como o Banco MundialeoFMI.

O que poderíamos chamar de "exclusão macro-social continental" agrava-se ainda mais pelas conse-qüências da fome como em Biafra, na Etiópia e naSomália nas últimas décadas do século XX, e guerrascivis intermináveis motivadas muitas vezes por motivosétnicos e tribais. Sua conseqüência imediata é a morteindiscriminada de milhões de civis.

O mundo assistiu estarrecido aos massacres emRuanda e no Burundi, as guerras civis em Angola, naLibéria e no Zaire, - agora República do Congo -, quedemonstram e ampliam a estagnação e a falta de pers-pectivas atuais do continente africano.

Mesmo a Europa não está imune a guerras ci-vis. A guerra na ex-Iugoslávia apresentou, sem reto-ques, a crueldade de massacres e a destruição entre asetnias dos sérvios, croatas e bósnios.

Merece especial destaque o conflito árabe-is-raelense que prossegue e se renova. Ele se alimentapelas mortes em operações militares recentes como adenominada "As Vinhas da Ira", realizadas pelo gover-no de Israel no Líbano, e os atentados suicidas de gru-pos de radicais árabes em lugares públicos de Jerusaléme Tel Aviv. Ressalte-se o esforço de paz de grupos mo-derados de ambos os lados e a perspectiva da açãosocial e da crença no futuro, mesmo em condições ad-versas.

Também merece destaque a Guerra do Golfoem 1991, que expôs para o mundo as contradições e aviolência das decisões estratégicas de uma sociedadecuja energia ainda é, predominantemente, extraída dopetróleo. Não se pode esquecer o espetáculo macabrodos bombardeios espetaculares, - sob o eufemísticoslogan, "tempestade no deserto" -, transmitidos ao vivopela TV. Esse espetáculo apresentou ao mundo a cria-ção tecnológica da "guerra cirúrgica": combinação inu-sitada de táticas militares não convencionais, altatecnologia e sofisticada propaganda.

Fica patente para todos que ainda são consumi-dos gigantescos esforços e recursos para financiar aindústria da guerra. Recursos que serviriam para finspacíficos e sociais são destinados a vultosas pesquisas

que consomem recursos humanos e materiais com oobjetivo não declarado de destruição da vida humana.

Como se vê, o poder no mundo parece conti-nuar a favor dos países que reúnem o poder econômico,a ciência, a técnica e o poder militar.

AS DIMENSÕES DA EDUCAÇÃOE DA CULTURA: PARA NÃODIZER QUE NÃO FALEI DASFLORES

Essa é a nova dança do desempregado.Se ainda não dançou, tá na hora de aprender.Essa é a nova dança do desempregado.Amanhã o dançarino pode ser você. 6

Percebe-se nesse contexto mundial de desem-prego e exclusão social uma dupla dimensão constituin-te da atual conjuntura mundial: a tendência crescente eirreversível à globalízação, ao lado de manifestações debusca de afirmação de identidades nacionais, regionaisou locais, de matriz étnica ou religiosa.

De acordo com HALL C1997: 101) é caracte-rística atual entre as nações o crescimento do naciona-lismo e do fundamentalismo religioso. Essa seria umareação das sociedades tradicionais ao modelo de mo-dernização ocidental e a tentativa de se manterem e sereconstituírem identidades culturais. Esses movimentosprovocam o acirramento do radicalismo, do isolacionismoe da violência, trazendo consigo o perigo do fechamentodiante das mudanças e da diversidade.

Ainda segundo HALL Copocit. p. 102 e 103),tratar-se-ía da construção de estados nacionais unifica-dos a partir de "identidades culturais homogêneas", tan-to de caráter étnico quanto religioso.

Como se vê, a tendência mundial à "homoge-neização global" traz como reação a "hornogeneizaçãolocal" através da etnia, da religião e de vinculos cultu-rais baseados na tradição.

No mundo árabe, de religião islãmica, essa rea-ção tem um marco com a revolução dos Aiatolás do Irãem 1979, contra o regime do Xá Reza Pahlevi, favorá-vel aos EUA. Na Líbia e na Argélia, essa tendência émuito clara com o acirramento da violência e do terro-rismo. Os grupos rebeldes argelinos atribuem sua revol-

6 Canção popular em ritmo de samba do compositor de rap, GabrielO Pensador.

Educação em Debate- Fortaleza -ANO 20 - N° 35 - 1998 - p. 37-44 141

I .•.

Page 6: oFIM DO TRABALHO: CRISE OU NOVA CIVILIZAÇÃO, PARA A … · dutiva no capitalismo e redefioir um novo modelo de exploração da classe trabalhadora. As atuais transformações no

ta, ao golpe militar de 1991 que impediu que o partidoislâmico assumisse o poder após vencer as eleições.Acusados dos massacres de milhares de civis, acusamos militares pró-ocidentais de toda a violência.

No universo religioso da América Latina é rele-vante o crescimento de outra forma de fundamentalismo,agora cristão, de caráter pentecostal. Esse movimentotem seduzido as massas de origens sociais diversas desdeos setores populares, atingindo de maneira marcante am-plos setores das classes médias.

Esse modelo parece uma reação à massificaçãoe à burocratização crescente das estruturas de poder namodernidade. Na falta de canais de expressão e participa-ção as massas aderem ao culto religioso onde se estabele-ce uma comunicação direta com o sagrado, sem mediações.

Músicas e orações de libertação - e certas ex-periências de exorcismo -, tratam de libertar o corpo e oespírito possuído pelo "mal". Os demônios exorcizadossão, na verdade, o stress, a massificação, a solidão e odesespero da vida moderna, dentre muitos outros. Ocontacto direto com Deus tenta suprir, inconscientemente,a distância dos poderes públicos e seus serviços cadavez mais inacessíveis às massas.

A superação de dramas sociais como a saúde,o desemprego e o alcoolismo, saem da esfera do estadoinacessível, sendo tratados diretamente com a divinda-de, numa opção que provoca uma perigosa despolitizaçãocrescente das massas, muito favorável à manutençãodas atuais estruturas de poder. Esse contexto, se porum lado amortece as tensões sociais, por outro,potencializa a violência por reprimir e apenas adiar de-mandas sociais nunca atendidas.

No contexto educacional também ocorremmudanças significativas. Durante todo esse século, otrabalho se constituiu como principal instância produti-va. No atual contexto, a ciência e a tecnologia assu-mem o papel de instância produtiva fundamental, abrindoespaço para uma nova organização centralizada agorano trabalho intelectual.

Com a globalização da economia e as novastecnologias, assistimos à necessidade de qualificação dasmassas trabalhadoras através do que poderemos cha-mar de "Mundializaão da Educação Básica". Seu mar-co internacional se dá na Conferência Mundial deEducação para Todos, em 1990, na cidade de Jontiem,na Tailândia.

Patrocinado pelo UNICEF, esse encontro apre-sentou os objetivos gerais para a educação no terceiro equarto mundos. Aos estudantes dos países signatáriosforam definidas como prioridade mundial as Necessida-des Básicas de Aprendizagem, NEBAS.

42 I Educação em Debate- Fortaleza -ANO 20 - N° 35 - 1998 - p. 37-44

Elas se resumem a quatro habilidades funda-mentais: Ler, Escrever, Contar e Resolver Problemas.

A proposta se assemelha em todos os pontoscom as demandas empresariais para a educação. Numdocumento de 19927, após uma análise da conjunturasocioeconômica, eles apontam para a necessidade deoferecer a toda população brasileira pelo menos de 8 a10 anos de escolaridade mínima:

[. ..} nenhum país pode entrar emcompetição internacional sem antes ha-ver estabelecido um sistema de educa-ção onde a totalidade da populaçãotivesse atingido um mínimo de 8 a 10séries de educação de boa qualidade.

Para que isso ocorra propõem mecanismos aoGoverno Federal que ataque dois pontos críticos:

• O estabelecimen o de mecanismos de finan-ciamento da escola pública;

• E o estabelecimen o de mecanismos de con-trole da qualidade das escolas'

Utilizando a mesma linguagem tecnocrática afir-ma ainda o documento:

[ ..} o saber tornou-se o insumo es-sencial para a competitividade entre asnações. Daí a importância de se repen-sar o mecanismo que gera esse saber,ou seja, o sistema educacional.

Citando os exemplos da Europa e do Japão odocumento prossegue:

... definir com clareza o tipo de es-cola que estavam dispostos a proporci-onar a toda a população, através doestabelecimento de padrões mínimos deinsumos e de um montante asseguradode recursos para o seu funcionamento.De outro, estabelecem os padrões dedesempenho e os mecanismos de con-trole da qualidade.

Por esse caminho, a educação escolar deveriaatender a padrões rígidos de controle externo numa es-pécie de rígida e indisfarçada fiscalização. Proliferamdesde então nos países pobres, dispendiosos programasde avaliação escolar, geralmente de acordo o modelõnorte-americano.

7 Educação e Cornpetitividade Empresarial, Fundação Herbert Levye Fundação Bradesco, 1992.

Page 7: oFIM DO TRABALHO: CRISE OU NOVA CIVILIZAÇÃO, PARA A … · dutiva no capitalismo e redefioir um novo modelo de exploração da classe trabalhadora. As atuais transformações no

Essas avaliações são criticadas por não atingi-rem a riqueza cultural plural dos diferentes grupos sociais,e pelo perigo de privilegiarem um conhecimento elitizado.Desconsiderando o saber das comunidades locais, po-bres, negras, indígenas e das mulheres, não levam emconsideração os saberes do cotidiano de setores sociaisrelevantes como o dos camponeses e dos moradoresdas periferias urbanas.

A educação que se toma cada vez mais funda-mental, não pode continuar a ser elaborada portecnocratas, reduzida ao ensino profissional, ou limitadaao reducionismo das NEBAS.

Deve-se buscar a educação baseada emparâmetros mais complexos como:

• A pesquisa para a produção do conhecimentonas diferentes áreas;

• A produção e a difusão da arte e da culturacomo momento fundamental do desenvolvimento dacriatividade;

• O cultivo e incentivo ao pensamento comoinstância crítica e constitutiva da autonomia humana;

Em todo esse contexto, os jovens e suasfamílias são atingidos de modo muito especial e degrande dramaticidade. Num momento histórico de ta-manha perplexidade, lembramos as palavras de umamãe de um filho adolescente, após um curso sobre arealidade atual do mundo do trabalho: -" Tenho pas-sado noites sem dormir, preocupada com o futuro domeu filho."

Nessa situação até compreensível, percebe-mos como se agrava em nossos dias a problemáticado individualismo e da preocupação das massas comsoluções restritas ao mundo privado de nossas rela-ções familiares.

Uma reflexão indispensável nesse momento,é que não existem soluções individuais. A complexi-dade dos problemas atuais é a de que a dimensão dasquestões sociais atinge contornos mundiais. E não hásuperação possível, no contexto de uma sociedadecentrada no materialismo de uma vida baseada numaética do trabalho e do consumo.

Para os jovens, ante a ameaça do desempre-go, o ensino funcionaria como uma espécie de últimachance. Nas palavras de FORRESTER (1997:76-78):

É essa noção de última chance quesublinha sua miséria e o perigo queos ameaça, suscita, tanto nos profes-sores quanto nos alunos, uma angús-tia insidiosa que exaspera as tensões ...São propostas como as que se ofere-

cia a Alice, no seu país das maravi-lhas maléficas, pratos suculentos masfugazes, retirados antes que ela pu-desse se servir. Essa é a promessafingida de algo que jamais se degus-tará ...

A essa visão de um pessimismo realista a auto-ra acrescenta:

Já que o caminho dos empregos se fe-cha, o ensino poderia pelo menos ado-tar como meta oferecer a esses geraçõesmarginais uma cultura que desse senti-do à sua presença no mundo, à simplespresença humana, permitindo-lhes ad-quirir uma visão geral das possibilida-des reservadas aos seres humanos, umaabertura sobre o campo de seus conhe-cimentos. E, a partir daí, razões de vi-ver, caminhos a abrir, um sentido paraseu dinamismo imanente.

CONCLUSÃO

Se a educação escolar é uma necessidade pre-mente das empresas ante as novas tecnologias, reto-ma seu espaço como esperança das novas geraçõesna produção e difusão da arte e da cultura. Seudesafio, como um trabalho de Hércules, é possibilitaro pensamento numa sociedade de massas sociais dis-formes.

Numa sociedade burocrática e nada partici-pativa, caracterizada pelo Estado quase inacessível epela mídia que molda consciências, cabe à escola ocu-par seu espaço dentre as carências humanas mais fun-damentais desse fim de milênio: recriar-se como espaçopúblico de comunicação, participação, criatividade ecriticidade.

Talvez seja o caso de virar os os projetos capi-talistas de pernas para o ar. E cantar com Raul Seixas:

Enquanto você se esforça prá ser,Um sujeito normal.Eu, do meu lado,Aprendendo a ser louco.Um maluco total.Controlando a minha maluquez,Misturada com minha lucidez.

Educação em Debate- Fortaleza -,ANO 20 - N° 35 - 1998 - p. 3744 f43

Page 8: oFIM DO TRABALHO: CRISE OU NOVA CIVILIZAÇÃO, PARA A … · dutiva no capitalismo e redefioir um novo modelo de exploração da classe trabalhadora. As atuais transformações no

BIBLIOGRAFIA

EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL E COMPETI-TIVIDADE EMPRESARIAL, FundaçãoHerbert Levy e Fundação Bradesco, São Pau-lo, 1992.

FERNANDES, Maria Estrêla Araújo. Geografia daViolência, Fortaleza, 1997.

FORRESTER, Viviane. O horror econômico. São Pau-lo: Unesp, 1997.

~I

441 Educação em Debate - Fortaleza -/\NO 20 - N° 35 - 1998 - p. 37-44

OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. A Globalização e aProblemática do Terceiro Mundo. Revista de Edu-cação da AEC, n. 100, Brasília, 1996.

RIBEIRO, Luís Távora Furtado. Sociedade contempo-rânea: Crise e Perda de Identidade, Grupo de Estu-dos Ambientais. Fortaleza: GEAlUFC, 1997.

TOMMASI, Lívia de, WARDE, Miriam Jorge eHADDAD, Sérgio, O Banco Mundial e as políti-cas educacionais, São Paulo: Cortezl PUC-SP, 1996.

HALL, Stuart, Identidades culturais na pós-modemidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1997.