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Coletnea de Manuais Tcnicos de Bombeiros

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OPERAES DE MERGULHO

COLETNEA DE MANUAIS TCNICOS DE BOMBEIROS

MOM

MANUAL DE OPERAES DE MERGULHO

As ilustraes, matrias e fundamentos contidos neste manual no podem substituir, a instruo e formao qualificada de um mergulhador profissional do Corpo de Bombeiros.

1 Edio 2006

Volume 27

Os direitos autorais da presente obra pertencem ao Corpo de Bombeiros da Polcia Militar do Estado de So Paulo. Permitida a reproduo parcial ou total desde que citada a fonte.

PMESPCCB

COMISSO Comandante do Corpo de Bombeiros Cel PM Antonio dos Santos Antonio Subcomandante do Corpo de Bombeiros Cel PM Manoel Antnio da Silva Arajo Chefe do Departamento de Operaes Ten Cel PM Marcos Monteiro de Farias Comisso coordenadora dos Manuais Tcnicos de Bombeiros Ten Cel Res PM Silvio Bento da Silva Ten Cel PM Marcos Monteiro de Farias Maj PM Omar Lima Leal Cap PM Jos Luiz Ferreira Borges 1 Ten PM Marco Antonio Basso Comisso de elaborao do Manual Cap PM Kerlis Ribeiro de Camargo Cap PM Luiz Cezar Freire Cap PM Ricardo Justino 1 Ten PM Marcos Tadeu Boldrin de Siqueira 1 Ten PM Rodrigo Thadeu de Arajo 1 Ten PM Alexandre de Castro Costa 1 Sgt PM Joo Carlos do Nascimento Ferreira 3 Sgt PM Luiz Edson de Souza Cb PM Antonio Carlos dos Santos Sd PM Alessandro Galli de Lima Dias Comisso de Reviso de Portugus 1 Ten PM Fauzi Salim Katibe 1 Sgt PM Nelson Nascimento Filho 2 Sgt PM Davi Cndido Borja e Silva Cb PM Fbio Roberto Bueno Cb PM Carlos Alberto Oliveira Sd PM Vitanei Jesus dos Santos

COLETNEA DE MANUAIS TCNICOS DE BOMBEIROS

PREFCIO - MTB

No incio do sculo XXI, adentrando por um novo milnio, o Corpo de Bombeiros da Polcia Militar do Estado de So Paulo vem confirmar sua vocao de bem servir, por meio da busca incessante do conhecimento e das tcnicas mais modernas e atualizadas empregadas nos servios de bombeiros nos vrios pases do mundo. As atividades de bombeiros sempre se notabilizaram por oferecer uma diversificada gama de variveis, tanto no que diz respeito natureza singular de cada uma das ocorrncias que desafiam diariamente a habilidade e competncia dos nossos profissionais, como relativamente aos avanos dos equipamentos e materiais especializados empregados nos atendimentos. Nosso Corpo de Bombeiros, bem por isso, jamais descuidou de contemplar a preocupao com um dos elementos bsicos e fundamentais para a existncia dos servios, qual seja: o homem preparado, instrudo e treinado. Objetivando consolidar os conhecimentos tcnicos de bombeiros, reunindo, dessa forma, um espectro bastante amplo de informaes que se encontravam esparsas, o Comando do Corpo de Bombeiros determinou ao Departamento de Operaes, a tarefa de gerenciar o desenvolvimento e a elaborao dos novos Manuais Tcnicos de Bombeiros. Assim, todos os antigos manuais foram atualizados, novos temas foram pesquisados e desenvolvidos. Mais de 400 Oficiais e Praas do Corpo de Bombeiros, distribudos e organizados em comisses, trabalharam na elaborao dos novos Manuais Tcnicos de Bombeiros - MTB e deram sua contribuio dentro das respectivas especialidades, o que resultou em 48 ttulos, todos ricos em informaes e com excelente qualidade de sistematizao das matrias abordadas. Na verdade, os Manuais Tcnicos de Bombeiros passaram a ser contemplados na continuao de outro exaustivo mister que foi a elaborao e compilao das Normas do Sistema Operacional de Bombeiros (NORSOB), num grande esforo no sentido de evitar a perpetuao da transmisso da cultura operacional apenas pela forma verbal, registrando e consolidando esse conhecimento em compndios atualizados, de fcil acesso e consulta, de forma a permitir e facilitar a padronizao e aperfeioamento dos procedimentos.

O Corpo de Bombeiros continua a escrever brilhantes linhas no livro de sua histria. Desta feita fica consignado mais uma vez o esprito de profissionalismo e dedicao causa pblica, manifesto no valor dos que de forma abnegada desenvolveram e contriburam para a concretizao de mais essa realizao de nossa Organizao. Os novos Manuais Tcnicos de Bombeiros - MTB so ferramentas importantssimas que vm juntar-se ao acervo de cada um dos Policiais Militares que servem no Corpo de Bombeiros. Estudados e aplicados aos treinamentos, podero proporcionar inestimvel

ganho de qualidade nos servios prestados populao, permitindo o emprego das melhores tcnicas, com menor risco para vtimas e para os prprios Bombeiros, alcanando a excelncia em todas as atividades desenvolvidas e o cumprimento da nossa misso de proteo vida, ao meio ambiente e ao patrimnio. Parabns ao Corpo de Bombeiros e a todos os seus integrantes pelos seus novos Manuais Tcnicos e, porque no dizer, populao de So Paulo, que poder continuar contando com seus Bombeiros cada vez mais especializados e preparados.

So Paulo, 02 de Julho de 2006.

Coronel PM ANTONIO DOS SANTOS ANTONIO Comandante do Corpo de Bombeiros da Polcia Militar do Estado de So Paulo

Sumrio Lista de abreviaturas.................................................................................................. Lista de tabelas.......................................................................................................... Lista de converses.................................................................................................... 10 12 14

INTRODUO ......................................................................................................... 16 CAPTULO 1 1. Histria e desenvolvimento do mergulho.................................................. 1.1 A aventura do mergulho............................................................................ 1.1.1 Os primrdios da civilizao..................................................................... 1.1.2 A atividade de mergulho nas idades moderna e contempornea............. 1.2 Histria do escafandro............................................................................... 1.3 Desenvolvimento do mergulho autnomo................................................ 1.4 A ltima fronteira do mergulho................................................................ 1.5 Os limites humanos.................................................................................. 1.6 Mergulho no Corpo de Bombeiros............................................................. CAPTULO 2 2 Fsica para o mergulho.............................................................................. 2.1 Princpios bsicos da fsica....................................................................... 2.2 O planeta em que vivemos........................................................................ 2.3 A atmosfera .............................................................................................. 2.3.1 Estrutura vertical da atmosfera................................................................. 2.3.2 Composio da atmosfera......................................................................... 2.3.3 Presso atmosfrica................................................................................... 2.4 Grandezas e unidades de medidas fsicas................................................. 2.4.1 Equivalncias fsicas................................................................................. 2.4.2 Presso hidrosttica e presso absoluta..................................................... 2.5 Flutuabilidade............................................................................................ 2.5.1 Massa especfica e densidade.................................................................... 2.5.2 gua doce e gua salgada......................................................................... 2.5.3 Empuxo..................................................................................................... 2.5.4 Princpio de arquimedes.......................................................................... 2.6 Teoria cintica dos gases.......................................................................... 2.6.1 Por que um gs exerce presso?............................................................... 2.6.2 As leis dos gases....................................................................................... 2.6.3 Leis de Boyle e Mariotte........................................................................... 2.6.4 Temperatura.............................................................................................. 2.6.5 Lei de Charles........................................................................................... 2.6.6 Equao geral dos gases........................................................................... 2.6.7 Lei de Dalton ou lei das misturas gasosas................................................ 2.6.8 Lei de Henry............................................................................................. CAPTULO 3 3 Medicina e fisiologia do mergulho.......................................................... 3.1 Condies do ambiente subaqutico....................................................... 3.2 Efeito da presso no organismo humano................................................ 3.3 Barotrauma............................................................................................... 3.3.1 Barotrauma do ouvido mdio................................................................... 3.3.2 Barotrauma de ouvido externo.................................................................. 3.3.3 Barotrauma dos seios da face.................................................................... 3.3.4 Barotrauma dos pulmes ou torcico........................................................Coletnea Manual Tcnico de Bombeiros Operaes de Mergulho

20 20 21 26 31 37 40 41 46 48 48 48 49 49 49 50 51 51 52 52 53 53 54 54 54 54 55 55 56 57 57 58 58 60 60 60 61 62 63 63 64

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Sumrio 3.3.5 3.3.6 3.3.7 3.3.8 3.3.9 3.4 3.5 3.6 3.7 3.8 3.9 3.10 3.11 3.12 3.13 Barotrauma total........................................................................................ Barotrauma facial ou de mscara.............................................................. Barotrauma de roupa................................................................................. Barotrauma dental..................................................................................... Bloqueio reverso....................................................................................... Embolia traumtica pelo ar.................................................................... Doena descompressiva........................................................................... Narcose pelo nitrognio............................................................................ Intoxicao pelo oxignio........................................................................ Intoxicao pelo gs carbnico............................................................... Intoxicao por outros gases..................................................................... Monxido de carbono (CO)...................................................................... Gs sulfdrico (H2S)................................................................................. Apagamento.............................................................................................. Hipoglicemia............................................................................................. 65 65 66 66 66 67 69 72 75 76 78 78 79 79 81 83 83 84 86 87 87 88 88 90 91 91 92 92 92 94 95 95 95 96 96 99 100 100 102 104 105 106 107 108 109 110 110

CAPTULO 4. 4.1 Comando da equipe de mergulho............................................................... 4.2 Preparao da faina..................................................................................... 4.3 Comando no local........................................................................................ 4.4 Equipe de mergulho.................................................................................... 4.5 Exame mdico............................................................................................. 4.6 Habilidades natatrias................................................................................. 4.7 Preparando a equipe.................................................................................... 4.7.1 Verificao preliminar das condies fsicas................................. 4.7.2 Equipagem rpida.......................................................................... 4.8 Seqncia de Equipagem................................................................ 4.9 Conferncia do supervisor de MG................................................... 4.10 Conferncia do guia do MG (1)...................................................... 4.11 Conferncia do guia do MG (2) ..................................................... 4.12 1 Conferncia do guia e do MG juntos (3) ................................... 4.13 ltima conferncia do Guia do MG juntos (4) ............................... 4.14 Verificao antes de entrar na gua................................................ 4.15 Verificao na gua antes de submergir.......................................... 4.16 Equipe em terra ou embarcado........................................................ CAPTULO 5 5 Equipamentos.................................................................................. 5.1 Cilindro de ar comprimido................................................................ 5.1.1 Torneiras ou registros...................................................................... 5.2 Regulador......................................................................................... 5.2.1 1 Estgio......................................................................................... 5.2.2 2 Estgio......................................................................................... 5.3 Colete equilibrador........................................................................... 5.4 Cinto lastro...................................................................................... 5.4.1 Com roupa seca 5.5 Mscara............................................................................................ 5.6 Snorkel............................................................................................. 5.7 Nadadeiras....................................................................................... 5.8 Instrumentos de medio................................................................. 5.8.1 Relgio.............................................................................................Coletnea Manual Tcnico de Bombeiros Operaes de Mergulho

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Sumrio 5.8.2 5.8.3 5.8.4 5.8.5 5.9 5.10 5.11 5.12 5.13 5.14 5.15 5.16 5.17 5.18 5.19 Manmetro....................................................................................... Profundmetro................................................................................... Console.......................................................................................... Computadores de mergulho............................................................. Linha de vida.................................................................................... Suprimento de ar.............................................................................. Cilindros de emergncias................................................................ Ferramentas de corte...................................................................... Arns ou Boldri............................................................................... Lanterna Estrobo Bssola Carretilha Levantador de Peso Submerso-LPS Cuidados e Manuteno 111 112 112 113 114 115 116 116 118 118 119 119 120 121 122 124 124 124 125 126 127 127 128 129 129 130 130 131 132 134 134 135 135 136 136 137 137 140 141 142 143 144 145 146 147 148 149

CAPTULO 6 6 Proteo exposio...................................................................... 6.1 Roupas de mergulho........................................................................ 6.2 Efeitos da temperatura.................................................................... 6.3 Roupa mida................................................................................... 6.3.1 Equipando-se com a roupa mida................................................. 6.4 Capuz........................................................................................... 6.5 Luvas................................................................................................ 6.6 Botas................................................................................................ 6.7 Roupa seca...................................................................................... 6.7.1 Quando usar.................................................................................... 6.7.2 Quando uso a roupa seca estou totalmente protegido do meio externo?.. 6.7.3 Capuz e luvas secos......................................................................... 6.7.4 Quem pode usar ?............................................................................ 6.7.5 Equipando-se................................................................................... 6.7.5.1 Vestindo os Ps 6.7.5.2 Vestindo os Braos e Mos 6.7.5.3 Vestindo a Cabea 6.7.5.4 Fechando o Zper 6.7.5.5 Conectando a Mangueira de Inflagem 6.7.5.6 Liberando o Ar 6.7.6 Aps o Mergulho 6.7.6.1 Cuidados CAPTULO 7 7 Padres de busca............................................................................ 7.1 Busca em arco................................................................................. 7.2 Busca na tcnica de limpador de pra-brisas............................... 7.3 Busca caminhada pelo per............................................................. 7.4 Busca atravs de cabo de fundo...................................................... 7.5 Busca em crculo............................................................................. 7.6 Busca em linhas corridas............................................................... 7.7 Busca Direta .................................................................................... 7.8 Busca em Quadro............................................................................ 7.9 Busca Livre.......................................................................................Coletnea Manual Tcnico de Bombeiros Operaes de Mergulho

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Sumrio 7.10 7.11 7.12 Padres Combinados....................................................................... Busca com Mltiplos Mergulhadores em Linha................................ Busca Caminhando.......................................................................... 149 150 151 153 153 153 153 154 154 156 161 161 162 163 163 165 166 168 169 171 171 173 175 175 176 176 177 177 177 178 178 178 179 179 179 180 183 184 184 185 185 186 187

CAPTULO 8 8. Comunicao e Sinais.............................................................. 8.1 Fonia................................................................................................ 8.1.1 Comunicao atravs de cabo......................................................... 8.1.2. Comunicao atravs de ondas sonoras......................................... 8.2 Sinais de linhas................................................................................ 8.3 Sinais de linhas (guia-mergulhador)................................................ 8.4 Sinais manuais durante o mergulho e na superfcie 8.5 Comunicao atravs da escrita em prancheta......................... 8.6 Sinalizao com bandeiras 8.7 Sinalizao com lanterna CAPTULO 9 9.1 Operaes com bote........................................................................ 9.2 Escolhendo um bote........................................................................ 9.3 Equipando um barco de mergulho................................................... 9.4 Ancorando........................................................................................ 9.5 Buscas em reas extensas............................................................. 9.6 Mergulhando com barcos pequenos................................................ CAPTULO 10 10 gua contaminada........................................................................... 10.1 Determinando a contaminao........................................................ 10.2 Mergulhando em gua contaminada................................................ 10.3 Procedimentos de descontaminao............................................... 10.3.1 Descontaminando............................................................................ 10.3.2 Descontaminao da roupa de mergulho........................................ 10.4 Infeco nos ouvidos e ferimentos................................................... 10.5 Descontaminao de vtimas........................................................... 10.6 Treinamento..................................................................................... 10.7 Monitoramento................................................................................. CAPTULO 11 11 Mergulho emergencial....................................................................... 11.1 Quando atuar.................................................................................... 11.2 Limitaes do equipamento............................................................... 11.3 Necessidade de treinamento prvio ................................................. 11.4 Equipamentos necessrios............................................................... 11.4.1 Acessrios......................................................................................... 11.5 Procedimentos do bombeiro.............................................................. 11.6 Procedimentos aps o uso do EPR................................................... CAPTULO 12 12 Descompresso a ar..................................................................................... 12.1 Teoria da descompresso............................................................................. 12.2 Presso parcial............................................................................................. 12.3 Nomenclatura bsica.................................................................................... 12.4 O processo do mergulho repetitivo.............................................................. 12.5 Tabelas de mergulho.....................................................................................Coletnea Manual Tcnico de Bombeiros Operaes de Mergulho

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Sumrio 12.5.1 12.5.2 12.5.3 12.5.4 12.5.5 12.6 12.6.1 12.6.2 12.6.3 12.6.4 12.7 12.8 12.8.1 12.8.2 Tabela padro de descompresso a ar.......................................................... Tabela de limite sem descompresso............................................................ Tabela de tempo de nitrognio residual........................................................ Tabela de descompresso na superfcie usando oxignio............................ Tabela de descompresso na superfcie usando ar...................................... Procedimentos especiais.............................................................................. Atrasos a subida........................................................................................... Velocidade de subida maior que 18 m/min.................................................. Esforo excessivo ou frio exagerado............................................................ Descompresso omitida............................................................................... O mergulho em altitudes.............................................................................. O registro do mergulho................................................................................. Folha de registro de mergulho...................................................................... Livro de registro de mergulho - LRM.......................................................... 188 189 189 190 191 192 192 193 193 193 209 212 212 214 215 216 217 220 221

ANEXOS 1- Questionamento de testemunhas........................................................................... 2 Check List de material nutico............................................................................ 3 Centros de Controle de Intoxicao..................................................................... 4 Check List de primeiros socorros......................................................................... BIBLIOGRAFIA Referncias bibliogrficas..............................................................................

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Lista de Abreviaturas A.B.N.T. = Associao Brasileira de Normas ATA = Atmosfera Absoluta Tcnicas Atm = Atmosfera CF = Chegou ao fundo CT = Capacidade total CV = Capacidade vital DD = Doena descompressiva DS = Deixou a superfcie ft = Feet ou p GR = Grupo repetitivo IS = Intervalo de superfcie C = Consumo CO2 = Gs carbnico CS = Chegou superfcie D = Durao DF = Deixou o fundo ETA = Embolia traumtica pelo ar ft/sec = P por segundo HP = High Pressure ou alta presso Kgf/cm2 = Quilograma fora por centmetro quadrado LRM = Livro registro de mergulho l = Litro lpq = Libra por polegada quadrada lb/pol MG = Mergulhador ou mergulho min = Minutos tambm indicado por : (perfil de mergulho) Ex.: :05 (cinco minutos) mm/Hg = Milmetros de mercrio NGR = Novo grupo repetitivo P abs = Presso absoluta PPM = Partes por milho Pr = Presso da reserva LPM = Litro por minuto LP = Low pressure ou baixa presso m = Metros (profundidade ou distncia) N = Velocidade martima m/min = Metros por minuto

N2 = Nitrognio O2 = Oxignio Pc = Presso de carga Pp O2 = Presso parcial do oxignio Prof = Profundidade

psi = Pound per Square Inch (libras por SCUBA = Self Contained Underwater polegada quadrada) lb/pol Breathing Apparatus (equipamento

autnomo de respirao subaqutica) TD = Tempo de descompresso Seg = Segundo tambm indicado por :: (perfil de mergulho) Ex.: ::37 (trinta e sete segundos) TDSA = Tabela de descompresso na TPSO = Tabela de descompresso na superfcie usando ar superfcie usando oxignio

TLSD = Tabela de limite sem descompresso TNR = Tempo de nitrognio residual TPD = Tabela padro de descompresso TPP = Tempo at a primeira parada

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Lista de Abreviaturas TTD = Tempo total de descompreso TTF = Tempo total de fundo

TTNR = Tabela de tempo de nitrognio VC = Volume corrente residual Vd = Volume disponvel VMR = Volume minuto respiratrio Vh = Volume hidrosttico VR = Volume residual

: = representa minutos (no perfil de :: = representa segundos (no perfil demergulho) Ex.: :05 (cinco minutos) mergulho) Ex.: ::37 (trinta e sete segundos)

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Lista de converso de medidas

COMPRIMENTOcm1 centmetro (cm) 1 metro (m) 1 quilmetro (km) 1 polegada (in) 1 p (ft) 1 milha terrestre (mi) millha natica 1 100 100000 2,54 30,48 160900 185325

m0,01 1 1000 0,0254 0,3048 1609 1853,25

km0,00001 0,001 1 0,0000254 3,048 1,609 1,85325

in0,3937 39,3 39370 1 12 63360 72962,4

ft0,0328 3,281 3281 0,08333 1 5280 6080,4

mi0,000006214 0,0006214 0,6214 0,00001578 0,0001894 1 1,1515

millha natica185325 1853,25 1,85325 72962,4 6080,4 1,1515 1

REAm1 metro quadrado (m) 1 centmetro quadrado (cm) 1 p quadrado (ft) 1 polegada quadrada (in) 1 0,0001 0,0929 0,0006452

cm10000 1 929 6,452

ft10,76 0,001076 1 0,006944

in1550 0,155 144 1

VOLUMEm1 metro cbico (m) 1 centmetro cbico (cm) 1 litro (l) 1 p cbico (ft) 1 polegada cbica (in) 1 0,000001 0,001 0,02832 0,00001639

cm1000000 1 1000 28320 16,39

L1000 0,001 1 28,32 0,01639

ft35,31 0,00003531 0,03531 1 0,0005787

in61020 0,06102 61,02 1728 1

VELOCIDADEm/sm/s km/h n mil/h ft/seg(p/seg) 1 3,6 1,94 2,23 3,28

km/h0,28 1 0,54 0,62 0,91

n0,51 1,85 1 1,15 1,69

Mil/h0,45 1,60 0,86 1 1,46

ft/seg (p/seg)0,30 1,09 0,59 0,68 1

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Lista de converso de medidas

PRESSOatmatm PSI(lbf/in) Kgf/cm Bar mm Hg m H 2O in. Hg Pascal (Pa) 1 0,068 0,96778 0,9869 0.001315789 0,09678 0,03342 9,869E-06 PSI(lbf/in) 14,6959 1 14,2234 14,5 0.01933677 1,42234 0,49119 0,000145038

Kgf/cm1,033 0,07031 1 1,02 0.00135951 0,1 0,03453 0 ,0000102

Bar1,01325 0,06895 0,98 1 0.001333224 0,0980872 33900 0,00001

mmHg(Torricelli) 760 51,71 735,514 750,061 1 73,5514 25,4 0,007500617

m H 2O10,33 0,70307 10 10,195 0,0136 1 0,34534 0,000102

in. Hg29,92 2,04 28,9572 29,53 0,03937 2,89572 1 0,0002952

Pascal (Pa)101325 6894,8 98066,5 10000 133,3224 9803,1176 3386,5 1

MASSAg1 grama (g) 1quilograma (Kg) 1 ona 1 libra (lb) 1 ton (tonelada) 1 1000 28,35 453,6 907200

Kg0,001 1 0,02835 0,4536 907,2

ona0,03527 35,27 1 16 32000

lb0,002205 2,205 0,0625 1 2000

ton0,000001102 0,001102 0,00003125 0,0005 1

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Introduo

A prtica do mergulho comea com a adaptao do corpo a gua. O homem vive imerso numa redoma de ar, onde cada molcula do corpo humano est comprimida sob esse imenso oceano gasoso. Respirar um alvio. Os msculos peitorais se expandem e o diafragma movimenta-se permitindo a expanso dos pulmes e a suave entrada de ar, ao relaxar-se o ar exalado, e o ciclo mgico continua perpetuamente, sem que tenhamos conta de sua importncia. A perfeita sincronia de um simples respirar muda drasticamente quando o ser humano est na gua. O nadador tem muita intimidade com a gua, gosta de sua temperatura, e busca a ausncia de atrito, em cada braada vigorosa, no anseio de conquistar a maior velocidade possvel. A respirao o ponto chave, e deve ser cadenciada, ritmando o corpo e oxigenando os msculos, traando uma reta imaginria, at ao alcance da melhor performance. Independente de qualquer instrumento pode-se assim deslocar-se pela superfcie liquida, sem nenhum aparato especial, desde que seja suprida a poro vital de ar. E antes de tudo deve ter preparo tcnico, psicolgico e profissional. Ao imergir, o mergulhador certamente coloca em risco sua integridade fsica, alterando seu metabolismo de forma brusca, mas com inteligncia supera cada obstculo, at alcanar o objetivo, que atingir nveis mais profundos. Flutuar apenas uma questo de empuxo. Nesse mundo novo, os aparatos chegam a ser muito incmodo na superfcie, mas no meio lquido resulta numa sensao de leveza, equilibrando-se hidrostaticamente, graas a ajuda de pesos e coletes equilibradores, que podem inflar na medida certa e proporcionar conforto e segurana. At agora nada de novo. Ao tema mergulho, alm da aventura e adrenalina pitoresca, deve enfatizar com muita propriedade, a elevao do padro de segurana nessa perigosa atividade. Segurana em todos os aspectos, quer na preparao, na execuo e no ps-mergulho, em prol da sade no que couber minimizar as conseqncias nocivas ao organismo, sob efeito da presso e descompresso, de forma contnua.

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Introduo

Antes do mergulho, cada ao deve ser cuidadosamente calculada, avaliando a formao da equipe adequada, o preparo tcnico individual, o grau de treinamento, as condies psicolgicas e orgnicas, requisitos

indispensveis para o incio dos trabalhos subaquticos. O mais experiente deve coordenar as aes. Avaliar a equipe o primeiro passo para o sucesso da misso. Os homens devem ser o foco da ateno, o equipamento, no menos importante, deve ser cuidadosamente preparado, pois o acidente acontece onde a preveno falha. Definida a equipe e preparado o material, a avaliao seguinte ser as condies do ambiente. Profundidade a se atingir, tempo de fundo, visibilidade, composio do fundo e trabalho a executar. As condies desfavorveis devem ser avaliadas, como pedras, obstculos, cercas, restries, enroscos, tubulaes, que podem tornar-se armadilhas para o mergulhador, bem como outros fatores de risco como, poluio da gua, correnteza, temperatura baixa e escurido. sempre importante ter em mente que imprevistos acontecem, normalmente fruto da distrao ou mesmo da imprevisibilidade, como mudana repentina das condies climticas, um equipamento mal ajustado ou defeituoso, objetos soltos, cordas que se prendem por formao de ns e laos, dificultando a equipe de apoio, normalmente atenta, mas isolada no barco ou superfcie. Trabalhar em equipe no uma garantia, mas quando um depende do outro, cria-se um vnculo slido de companheirismo e de cooperao. O revezamento nas funes salutar e gera um menor desgaste fsico, beneficiando o desempenho do mergulhador, que em todo o tempo estar atento quanto a sua segurana pessoal. O cansao pode se tornar um fator de risco acentuado, na medida que predispe a diminuio de reflexos, e de um pensamento claro. Dentro da gua, pensar com clareza fundamental, mas exige treinamento e experincia, sendo, a princpio, bastante difcil. Um dado importante a ressaltar a mdia de profundidade em que se dar o mergulho. Quanto mais profundo, mais problemtico. O consumo de ar aumenta, o tempo de fundo diminui, e h possibilidade de saturao pelo nitrognio, o que deve ser contornado com o uso adequado de tabelas,

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Introduo

programando-se paradas durante a subida, possibilitando ao organismo eliminar o excesso dissolvido na corrente sangnea. Nas guas interiores verificou-se que a maioria dos trabalhos ocorreram em torno dos 30 metros. Nessa profundidade possvel utilizar-se apenas de ar comprimido. Este poder ser armazenado em cilindros acoplados as costas do mergulhador, sendo o principal suprimento de ar. Outra possibilidade o mergulho dependente, havendo o fornecimento do ar atravs de um compressor ou suprimento de superfcie alcanando o mergulhador por intermdio de uma mangueira e regulador. Junto com a mangueira h uma corda que conectada ao arns do mergulhador, e conhecida como linha de vida, e esse nome bem apropriado. A excelncia do mergulho baseia-se na capacidade do homem, o quanto est treinado e preparado, aliado ao cabedal de situaes experimentadas na prtica, conferindo um autodomnio e autoconfiana para safar-se das situaes inesperadas da maneira mais tranqila possvel, pois exatamente dessa calma depende o controle da situao e uma subida disciplinada para o porto seguro a superfcie. Os equipamentos devem, preferencialmente, ser individuais, ajustados de acordo com as condies fsicas pessoais. Equipamento de uso coletivo tende a sofrer um desgaste precoce. O ideal para o mergulhador possuir todos os equipamentos bsicos. A afinidade com o material deve ser tal como uma segunda pele, no pode incomodar, tem que vestir perfeito e confortavelmente, ficando fcil visualizar o surgimento de defeitos ou de outras anomalias. Conhecer as normas outro fator de primordial importncia. Nunca as desrespeita conduzir as atividades para um mergulho seguro. A atividade subaqutica intrinsecamente um fator de risco, no sendo recomendveis peripcias que agravem a situao. O planejamento deve ser obedecido sem variaes ou improvisaes. Os limites (tempo de fundo, profundidade, e velocidade de subida) que as normas impem so preceitos bsicos para o desenvolvimento seguro do mergulho. Treinamento chave do sucesso. O preparo do mergulhador depende de um constante aperfeioamento. Cada mergulho deve vir acompanhado doColetnea de Manuais Tcnicos de Bombeiros Operaes de Mergulho 18

Introduo

respectivo registro, em caderneta prpria, adicionando horas preciosas ao curriculum vitae, comprovando com eficcia que o homem encontra-se em franca atividade, como um piloto experiente que soma suas horas de vo, merecendo, sem dvida, um maior respeito. Enfim, aos heris desbravadores do desconhecido, nenhum escapou inclume, havendo no curso da histria bravos que transcenderam dessa vida para outra, vitimados por acidentes, quer por descuido ou por ignorncia, mas deixando lies preciosas das quais no podemos negligenciar. O exemplo edifica. O trabalho debaixo dgua no somente um esforo fsico e perigoso, mas, tambm um trabalho mental, at mesmo quando os esforos so bem sucedidos. A viso geral aqui apresentada busca informar e criar alternativas viveis que aperfeioem o trato nas questes relacionadas a atividade de mergulho no Corpo de Bombeiros do Estado de So Paulo.

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CAPTULO 1

1 1.1

HISTRIA E DESENVOLVIMENTO DO MERGULHO A aventura do mergulho O esprito de aventura do ser humano sempre o levou a exercer atividades

perigosas e inusitadas, em alguns casos devido a necessidade de sobrevivncia e em outros por diverso ou superao de seus limites. O mar sempre foi considerado uma fronteira do planeta e desde os primrdios da humanidade desafiou o homem a conquistlo. A maior parte do ambiente aqutico jamais foi vista pelo homem e h muito tempo fascina aventureiros e exploradores. A fascinao que o misterioso mundo submarino despertou e o desejo de explorar suas riquezas, potencializaram o interesse pela atividade subaqutica e fez com que o homem passasse a mergulhar. Fica difcil determinar, com exatido, o momento da histria da humanidade em que o homem realizou suas primeiras experincias subaquticas. Todavia, existem razes que nos fazem pensar sobre o motivo que justifique a tendncia do homem, de forma instintiva, a procurar, uma vez ou outra, atravs dos sculos, a conquista do imenso mundo das guas marinhas. Talvez esta razo tenha uma justificada relao com as modernas opinies sobre as origens da vida em nosso planeta, segundo as quais o homem portador de uma herana recebida de anteriores e remotas formas de vida marinha, o que conduziria inconsciente busca ou retorno ao ambiente do qual procede. O homem, em razo de seu parentesco direto com as diferentes formas de vida que povoaram os oceanos, durante milhes de anos, portador de uma remota origem marinha, como se atesta pela semelhana que existe entre a composio qumica do sangue e da gua do mar, onde os componentes majoritrios (sdio, clcio e potssio) encontram-se em quantidades muito similares. Este largo processo evolutivo que o homem atravessou acarretou uma clara conscincia do que significa para si esse imenso mundo subaqutico, que sempre admirou com respeito e com uma grande curiosidade, s vezes idealizando esse mundo desconhecido como moradia de divindades, monstros e mitos marinhos. Partiu, ento, para a conquista dos limites entre seu ambiente terrestre e o mundo submarino. Nessa conquista foram verificados alguns dissabores que, apenas com a fora de sua determinao, motiva o homem para superar todas as dificuldades, foram vencidos,

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conduzindo ao merecido triunfo e fazendo com que a humanidade possa contemplar, aproveitar e usufruir com respeito e amor, o mundo silencioso, a imensido azul das guas.

1.1.1 Os primrdios da civilizao No transcorrer dos tempos, chegamos em pocas relativamente recentes, se considerarmos os milhes de anos que o homem habita a face do planeta, algumas regies que, por ser o bero de civilizaes, contm uma maior fonte de informaes: a sia Menor e o Egito. Escavaes realizadas encontraram ornamentos de madreprolas, com datas de 4500 a 1500 a.C.; tambm na Babilnia e Tebas se encontraram jias com incrustaes de prolas procedentes de pocas similares, o que demonstra que o homem submergiu para a extrao e coleta de ostras perolferas. Outro dado muito significativo se refere uma descoberta dentro das runas do palcio do rei persa Assurbanipal II, de um desenho em baixo relevo procedente do ano de 880 a.C., no qual se constata perfeitamente a figura de um guerreiro provido de um odre1, abaixo de seu peito, como se fosse um saco respirador, em posio de natao. Parece que representa o prprio rei cruzando um rio frente de seu exrcito. Na cidade de Tiro (Fencia), onde o comrcio da prpura era muito prspero, encontram-se abundantes restos deste molusco, cuja coleta s era possvel com submerso ao mundo aqutico. Uma informao mais completa da atividade subaqutica do homem em Creta, cuja poca de mximo esplendor se remonta aos anos 3.000 a 1.400 a.C., anos em que aquela localidade era considerada a primeira potncia martima do mundo. Nas escavaes realizadas encontraram se abundantes restos arqueolgicos que permitiram reconstruir parte do interessante passado do povo, destacando-se as informaes relativas s atividades do homem no fundo do mar. Tambm a mitologia da poca nos d um relato expressivo relacionado com o mergulho: a famosa histria de Teseu, o heri ateniense que segue a Creta para matar o terrvel Minotauro do palcio de Cnosos, e a que desafiou o legendrio Rei Minos a recuperar um anel de ouro do fundo do mar, ao que Teseu1

Saco feito de pele e destinado ao transporte de lquidos; pele.

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terminou com xito, se mostrando um grande mergulhador. Mas se em Creta parece que se iniciou a atividade subaqutica, sem dvida na Grcia o pas onde esta atividade alcanou maior auge; dali chegam narraes realmente interessantes a respeito. A primeira delas se refere ao mito de Glauco, controvertido personagem que se apresenta como um simples pescador da Becia e, outros lhe relacionam como tripulante da lendria nau Argo, em busca do manto de ouro. Em qualquer caso, sua histria curiosa. Um dia, quando regressava de sua atividade de pesca, colocou os peixes sobre umas ervas que cresciam na orla do mar e o contato com estas ervas os fez reviver. Diante deste acontecimento extraordinrio, Glauco no pode evitar a tentao de verificar o porqu daquele fenmeno e, assim, colocou na boca um punhado daquelas ervas, observando que lhe causava enormes desejos de submergir e comprovando que podia permanecer debaixo da gua quanto tempo desejasse. Dizem que a partir daquele momento, ganhou a confiana das divindades do mar, tendo o rei Posseidon lhe elevado condio de divindade. Suas largas permanncias abaixo dgua lhe deram um aspecto entre homem e peixe, com seus cabelos e barbas tomando uma cor verde, similar as das algas marinhas. Existem outros fatos em que a realidade se mistura com o mito, como no caso de Glauco, e que so bastante surpreendentes. Um deles teria acontecido no ano 484 a.C., durante a batalha do Cabo de Artemisa entre Gregos e Persas. Os protagonistas foram dois personagens, pois eram os excelentes mergulhadores da poca: Escilias de Escin e sua filha Ciana: ambos submergiram protegidos pela escurido da noite e debaixo de uma forte tormenta, conseguindo chegar sem serem avistados at onde estavam ancorados os barcos persas, cujas amarras cortaram, causando um verdadeiro desastre que valeu a vitria dos Gregos. A faanha foi de tamanha importncia que, para imortaliz-la, foram erigidas esttuas de ouro em Delfos. Hoje conhecida como Vnus de Esquilo, no nada mais nada menos que a bela mergulhadora Ciana. Outro testemunho do conhecimento que os gregos tinham da natao e do mar em geral era o fato de que, durante a batalha de Salamina contra os persas, estes ltimos, que em sua maior parte desconheciam a natao, quando caiam ao mar, durante a luta, logo se afogavam, enquanto os gregos, muito mais espertos, retornavam batalha com mais mpeto, condio que valeu a vitria grega. Esta aptido dos gregos para a luta no mar justifica o fato de que na Grcia se rendia um grande culto natao, at o extremo de que chamavam de analfabetos aqueles que a desconheciam.

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Naquela poca, se utilizava na Grcia, um aparato para submergir e permanecer debaixo dgua, que denominavam de Lebeta, que era um primitivo sino de mergulho. Aristteles havia mencionado em seus escritos sobre a Lebeta, da seguinte forma: Trata-se de uma espcie de sino cheio de ar, colocado em posio invertida, de forma cnica, em cujo interior, uma vez submergida, coloca-se a cabea e a parte superior do corpo do mergulhador. Nos relatos sobre a conquista de Tiro pelas tropas de Alexandre Magno, constam que os gregos levavam mergulhadores a bordo de suas embarcaes, os quais lograram destruir as defesas submarinas dos fencios. Outro historiador, Quinto Quercio (41 a 45 a.C.), diz tambm, sobre os mesmo fatos, que os fencios cercados pelas tropas de Alexandre, o Grande, receberam ajuda de vveres e armas por meio de mergulhadores e que, graas a isto, conseguiram resistir ao ataque durante sete meses. Os mergulhadores gregos se distinguiam por umas incises que se fazia no nariz e nas orelhas; sobre estes cortes, apesar das vrias conjecturas sobre o motivo, nunca se chegou a encontram uma razo que as justificasse. Resta pensar, apenas, que representavam uma espcie de distintivo entre os demais homens do mar, para aqueles mergulhadores que na Grcia se rendia um tributo de admirao.

Figura 1-1 Alexandre o Grande, v o fundo do mar.

Por mais estranho que possa parecer o comentrio anterior, no menos estranho o costume que tinham os homens de introduzir na boca e nos ouvidos pedaos de esponjas embebidas em azeite, cuja utilidade tampouco se conhece a razo correta. Utilizavam para melhorar a viso submarina. A tcnica era a seguinte: uma vez submergidos mordiam o pedao de esponja, fazendo sair gotas de azeita, os quais faziam deslizar at os olhos; uma vez ali, permaneciam por certo tempo na rbita ocular, reduzindo os erros de refrao da gua. Este procedimento, que pode parecer absurdo e ineficaz, no tanto, visto que, quem realizou a prova logrou resultados bastante satisfatrios. Que no se pode averiguarColetnea Manual Tcnico de Bombeiros 23

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a razo dos pedaos de esponja nos ouvidos, pois todos sabemos que tapar o conduto auditivo externo durante o mergulho prejudicial, pois impede a normal adaptao da membrana timpnica s variaes de presses. Para esta interrogao s cabe uma resposta possvel, uma vez que a suavidade da esponja se adapta presso exterior, liberando o azeite e, este, em contato com a membrana timpnica, faz a sua lubrificao, favorecendo sua elasticidade. Por certo que Aristteles se ocupou, em sua parte cientfica, com os problemas que se apresentavam aos mergulhadores durante a imerso, tal como sangrar pelo nariz, a ruptura do tmpano ou a surdez, acidentes muito freqentes nos mergulhadores de apnia, principalmente nos coletores de esponjas e coral. Em uma de suas obras faz aluso a algo que tem relao com um tubo respirador, pois disse assim: Os mergulhadores da poca estavam dotados para permanecer longo tempo debaixo da gua, respirando atravs de um tubo que os faz parecer com os elefantes.

Figura 1-2 Equipamento para respirao subaqutica. NOAA National Oceanic & Atmospheric Administration EUA

Apesar de toda atividade e tradio subaqutica dos gregos, foi no Imprio Romano que um povo, sem nenhuma tradio marinha, chegou a criar as primeiras unidades organizadas de mergulhadores de combate: os urinatores2. Estas unidades estavam formadas por jovens atletas que dominavam com perfeio a natao e o mergulho, e entre suas misses mais importantes destacavam-se: atacar as defesas dos portos inimigos, afundar os barcos fundeados e transferir seus estoques de armas, alimentos e mensagens s guarnies sitiadas. Estas unidades chegaram a alcanar um grau de operatividade to alto que contra elas foram concebidos os engenhos mais diablicos, desde a simples rede cheia de campainhas que denunciavam sua presena, at2

Primeiras unidades organizadas de mergulhadores de combate.24

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mquinas infernais providas de rodas com afiadas machadinhas que funcionavam na entrada dos portos e arsenais e que mutilavam horrivelmente os aguerridos mergulhadores. Diz-se tambm que os guardies daquelas instalaes estavam providos com largos tridentes que espetavam os mergulhadores. Os urinatores tiveram sua primeira atuao nas guerras de Csar contra Pompeo, no porto de Orique, no Mar Adritico; segundo narra Don Casius, no ano de 49 a.C., estando sitiadas as tropas de Csar pela esquadra de Pompeo, seus mergulhadores nadaram submergidos durante a noite at os barcos inimigos; enganchando potentes garfos e cortando as amarras, os rebocaram sigilosamente at a terra, onde foram atacados e vencidos pela guarnio sitiada. A partir deste momento, suas aes se sucederam uma atrs da outra, at ao ano 200 de nossa era, quando constam as ltimas informaes de suas operaes, as quais tiveram lugar durante o cerco de Bizancio pelo general Severo. Com a queda do Imprio Romano se perde, em parte, a continuidade das atividades subaquticas, no campo militar, por parte dos famosos urinatores e, ainda quando seguem existindo ao tempo medieval, sua atividade perde a condio guerreira, at que se dedicaram a atividades de recuperao de barcos afundados, trabalhos em portos e arsenais, correio entre ilhas, etc., atividades que deram lugar apario dos primeiros mergulhadores profissionais da histria. A respeito dos correios entre ilhas, o jesuta Atanasio Kircher (1601/1680) falou em seus escritos da existncia de certo personagem que se dedicava a passar mensagens de um lugar para outro no estreito de Mesina, um tal de Nicolao, que todo mundo conhecia como O Peixe; menciona faanhas incrveis, entre elas que percorria at quinze milhas marinhas (1800m cada uma) e que nesses percursos abordava as naus para facilitar a seus tripulantes informaes daquelas costas martimas e, em troca, lhe davam comida e bebida. Diz-se, tambm, que se dedicava a recuperar barcos e objetos afundados e que, uma vez foi solicitado pelo Rei da Siclia para que recuperasse uma taa de ouro que havia cado no mar, em um lugar de bastante profundidade e fortes correntes, operao que terminou com xito. Joviano Pontanus disse que ele havia abandonado de tal forma os costumes dos homens que chegou a perder sua aparncia humana, pois seu rosto era escamoso e horrvel. Consta que o poeta alemo Friedrich Schiller se inspirou na vida deste personagem para compor a sua balada O Mergulhador. Na poca medieval se perdeu todo interesse pelas coisas do mar, de onde as pessoas somente viam monstros horrveis em suas profundidades, e daquela antigaColetnea Manual Tcnico de Bombeiros 25

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pujana marinha e subaqutica somente os romano-bizantinos mantiveram alguma atividade, ainda que sem apontar nada de novo. Tambm nas regies de grande desenvolvimento desta atividade, como a Grcia e a Siclia, havia alguns mergulhadores que se dedicavam coleta de esponjas e corais. Como visto, os mergulhadores gregos sempre tiveram fama em todo o mundo.

1.1.2 Atividade de mergulho nas idades moderna e contempornea O Renascimento trouxe entre outras coisas boas para a humanidade, o despertar do interesse pelas coisas do mar, culminando com uma das principais aventuras humanas, representadas pelas grandes conquistas martimas. Foram ultrapassados os limites do to temido mar tenebroso e os horizontes do homem europeu se ampliaram at nveis antes impensados. Com este impulso dado pelos homens da cincia da poca e o interesse por estes temas e pela conquista das profundidades martimas, nasceu a Ars urinatoria, como ento foram chamados os artistas e cientistas, dos quais Leonardo da Vinci foi um representante. Da Vinci, dentre outros inventos mais ou menos fantsticos, desenhou umas luvas palmeadas e uns ps de pato (nadadeiras), mas a sua mais original criao subaqutica foi um capuz de couro que cobria a cabea e o pescoo do mergulhador e colocou, na altura da boca, uma sada de um tubo respirador. Ademais, o capuz era coberto por agudos espinhos que, segundo Da Vinci, serviam para defender-se dos peixes. Curiosamente, a longitude do tubo no era superior a dos atuais; Leonardo, deve ter intudo ou, qui, comprovado, ainda que desconhecendo os princpios da hidrosttica, que um tubo com tamanho maior no era utilizvel, e no caiu nos exagerados desenhos de Vegetius. Na mesma poca o historiador militar Flavius Renatus Vegetius descreveu o equipamento dos urinatores, e inclusive o ilustra com gravuras mais ou menos pitorescas. E j se sabia que estes mergulhadores levavam como nico equipamento um machado, braceletes de chumbo onde se gravavam as mensagens e um tubo respirador, que, segundo alguns acreditam, no deviam ter muitos a ver com a figura dos livros de Vegetius e que assim descrevia:

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Portavam capuzes de couro com um tubo na parte superior, que aflorava superfcie, e saco cheio de ar para sustentar sua flutuao, construdos com a pele do estmago dos cordeiros. Seu quase contemporneo Diego Ufano introduziu algumas modificaes nos desenhos de Vegetius, tais como colocar pesos nos ps do mergulhador e abrir orifcios no capuz na altura dos olhos, acoplando umas lentes de haste muito delgadas, fixadas com arandelas. No cabe dvida de que isto demonstrava o interesse daqueles povos em melhorar o equipamento dos mergulhadores. A vista do desenho de Vegetius se v facilmente que um tubo respirador daquela longitude no era utilizvel. Alguns outros engenhos tambm surgiram, como demonstra o desenho de Pedro Ledesma, a respeito de um equipamento concebido no ano de 1623. Fora os tmidos projetos de Leonardo, Vegetius e Diego Ufano, no se tem notcias de que outros desenhos ou invenes. O sino de mergulho (lebeta) ainda era utilizado, com as limitaes conhecidas, pois ainda no se havia obtido a renovao do ar em seu interior, nem conhecidas as causas de sua escassez, da qual os sbios da poca diziam: resolvia- se em maus e fortes humores. Conscientes do mal que atacava implacavelmente os mergulhadores dos sinos trataram de resolver o problema suprindo ar desde a superfcie por meio de um tubo, operao irrealizvel sem poder dispor de um compressor de ar, por cuja razo o projeto teve que ser desenhado, pois escapava mais ar do que penetrava no interior. Esta situao se manteve at o ano de 1648, quando o famoso fsico francs Blas Pascal deu lugar ao seu conhecido teorema, que seria o princpio fundamental da hidrosttica. Descobrindo que unindo o realizado na mesma poca pelo fsico italiano Evangelista Torricelli, com o que se pode medir a presso atmosfrica, aclararam se grande parte dos muitos problemas que at ento atormentavam os cientistas. Com alguns conceitos cientficos mais claros, mas ainda limitados quanto aos meios materiais que na poca eram disponveis para a construo de seus inventos apenas materiais como o ferro, a madeira e o couro, os fsicos franceses, alemes e italianos trabalharam em excesso para desenhar aparatos mais ou menos fantsticos, alguns distanciados do clssico sino e, dentre outros, cabe destacar por sua originalidade para a poca o do fsico italiano Giovanni Alfonso Borelli, no ano de 1652. O invento consistia

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em um suposto equipamento de mergulho composto por um depsito de ar, em que o mergulhador enfiava a cabea. Era constitudo de um saco de couro de grande tamanho, que em sua parte dianteira levava acoplada uma vigia (abertura) para facilitar a viso. O ar que se aspirava pelo nariz era expulso pela boca atravs de um tubo de aproximadamente oitenta centmetros de distncia, havia um pequeno saco, por onde, segundo o autor, eram retidos os vapores quentes; o corpo do mergulhador era protegido por um traje de couro, curiosamente, o equipou com um par de nadadeiras que lembravam as garras de um felino ligeiramente espalmado. O mais curioso neste equipamento era o cilindro que, a pretexto de estabilizador hidrosttico, levava preso na cintura; ao que parece, o ar comprimido manualmente no cilindro deixava espao livre em seu interior na gua, o qual aumentava seu peso; em sentido contrrio, ao dilatar-se o ar expulsava a gua e o cilindro flutuava. Pelo menos na teoria, assim assegurava seu inventor, j que este aparato, ao que parece, no passou de simples projeto, pois nem sequer foi provada sua eficincia, uma tanto duvidosa. Na obstante todos estes projetos, o sino de mergulho continuava sendo utilizado, pois no havia sido obtido nada que o substitusse, pelo que, durante vrios anos, os cientistas se limitaram a aperfeioar a campana. Em 1665, o escocs Jean Barr desenhou um sino no qual introduziu um tamborete para o descanso em seu interior; na mesma poca, o veneziano Boniauto Lorini incorporou pela primeira vez uma janela que permitia observar o exterior, que declarou: til para a recuperao de canhes afundados ou de qualquer outro objeto que tivera sido afundado e para a pesca de coral .

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Com efeito, o que daria uma nova concepo ao sino de mergulho, seria o astrnomo e cientista ingls Edward Halley (1656/1742), o qual, talvez um tanto cansado de tanto olhar o cu, dirigiu sua ateno para uma nova dimenso, que se apresentava como incipiente conquista dos fundos marinhos pelo homem. Baseando-se em modelos conhecidos, todos de reduzidas dimenses, desenhou um sino de grandes dimenses, com capacidade para quatro pessoas, adicionando um banco circular, no qual se podia permanecer sentado em seu interior. Porm o mais engenhoso era a forma pelo qual se fornecia o ar, que chegava ao lado em barris e se transportava para o interior do sino por meio de tubos, dotando de uma grande autonomia. Sem dvida, no terminou aqui a capacidade inventiva de Halley, pois quis facilitar aos mergulhadores uma autonomia independente do sino, adotando um mini sino de uso pessoal, recebendo ar deste o sino principal.

Figura 1-3 Representao do uso do Sino de Halley

A prova de gua o sino de Halley foI construdo no ano de 1690; alguns autores creditam a paternidade deste invento ao fsico francs Denis Papin. O irlands Sparling introduziu a novidade de que os tripulantes poderiam movimentar o sino vontade, mas, quem realmente aperfeioou o sino com fundamentos modernos foi o engenheiro ingls John Smeaton (1724/1792), que idealizou um sistema de renovao do ar em seu interior, por meio de uma bomba pneumtica. A incorporao deste mtodo deu lugar criao de novos desenhos de equipamentos de mergulho prximos do que mais tarde seria o clssico escafandro de mergulho. Um dos primeiros equipamentos conhecidos foi idealizado pelo ingls John Lethebridge, que inventou em 1716 um aparato que consistia numa espcie de tonel construdo de madeira reforada com aros de ferro, no qual se introduzia o mergulhador at abaixo da cintura. Dispunha de orifcios revestidos de couro para os braos e o ar era fornecido atravs de tubos colocados na altura da boca. O ar expirado saa pela parte inferior do tonel. Na realidade, era uma adaptao do clssico sino de uso individual.

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Figura 1-4 Traje de Lethebridge NOAA National Oceanic & Atmospheric Administration EUA

Na poca o conhecimento das tcnicas da imerso tinha sido melhorado sensivelmente, e juntando-se com os demais certos avanos da cincia, proporcionou a criao de novos modelos. Os franceses Freinemem (1772) e Forfait (1783) tambm colaboraram de forma significativa para o aperfeioamento de equipamentos individuais de mergulho, mas foi o alemo Klingert que quatorze anos mais tarde, aproveitando todas as experincias anteriores, construiu um novo aparato, de concepo mais avanada, constitudo por um casco unido parte central, confeccionado em couro e protegido por arandelas de ferro. Os braos saiam da estrutura de forma similar ao modelo de Letherbridge e na parte inferior levava uma espcie de cala, tambm de couro, at a panturrilha. Todo o conjunto se comunicava com um depsito de ar de forma cilndrica ligado parte central do corpo, o qual poderia servir como estabilizador e permitia ao mergulhador ascender ou descer a vontade. Para manter o equilbrio hidrosttico, era dotado de pesos de chumbo colocados na cintura, que serviam de lastro.

Figura 1-5 Modelo do traje de mergulho alemo Klingert Historical Diving Society - EUA

A partir do ano de 1800, novos modelos de aparato de mergulho se sucederam. Franceses, ingleses e tambm alemes se dedicaram a obter equipamentos que permitissem o mergulho autnomo e liberassem definitivamente o homem do conceito do sino, abrindo-lhes definitivamente as portas do mundo submarino.

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Em 1819, o engenheiro alemo August Siebe, idealizou um casco metlico de forma semi-esfrica a que denominou de escafandro.

Figura 1-6 e 1-7 Representao do traje rgido modelo August Siebe, e Traje rgido e escafandros juntos NOAA-National Oceanic & Atmospheric Administration EUA

Tal equipamento dispunha de uma vigia dianteira e sua parte inferior se apoiava sobre os ombros do mergulhador; o ar era bombeado da superfcie e recebido atravs de uma vlvula anti-retrocesso, inventada por ele, enquanto o ar expelido era liberado de forma natural, pela parte inferior. Com isso dotava o mergulhador de um aceitvel equilbrio de presso e uma respirao bastante cmoda. Este equipamento tinha o inconveniente de obrigar o mergulhador a manter-se em posio ereta, pois qualquer inclinao do casco no permitia a sada do ar que correspondia entrada de gua em seu interior, limitando a liberdade de movimentos.

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1.2

A Histria do escafandro Em 1837, August Siebe, como resultado de sua experincia anterior, criou o

primeiro traje de mergulho completo e batizado com o nome de diving-suit (traje de mergulho). O novo equipamento era composto da unio de traje e casco. O traje era confeccionado com lona cauchutada3 de grande resistncia e o casco era feito de cobre, com trs vigias circulares (uma dianteira e duas laterais), que permitiam ao mergulhador um amplo campo de viso. O ar penetrava pela parte superior, de forma similar aos modelos anteriores.

Figura1-8 Roupa de lona e do escafandro modelo August Siebe Historical Diving Society - EUA

A retirada do ar expirado se realizava por meio de uma vlvula localizada ao lado do casco. O ajuste do equipamento era feito por meio de uma arandela situada na parte superior do traje, prximo ao pescoo do mergulhador, que ao unir-se base do casco por um sistema de meia volta a presso, transformava em uma nica pea. O escafandro de Siebe foi um sucesso, sendo adotado pelas marinhas militares de muitos pases, assim como pelos mergulhadores profissionais da poca. Entre tantos dados histricos, merece fazer meno dos acontecimentos que, mesmo no guardando relao direta com o invento de novos equipamentos de mergulhos, entraram diretamente na histria da navegao submarina. Trata-se dos inventos dos espanhis Narciso Monturiol e Issac Peral e Caballero. O primeiro inventou um submarino que batizou como Ictneo O Barco Peixe, criado em 1859 e posteriormente melhorado em 1864. Sua utilizao no mar deu excelentes resultados, mas, devido ao desinteresse das autoridades da poca, acabou sendo abandonado. Tambm acabou sendo

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Constituir a banda de rodagem de (o pneumtico), aplicando-lhe uma camada de borracha.32

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abandonado o submarino de Issac Peral e Caballero, apesar de ter melhorado notavelmente o modelo de seu compatriota Montouriol, incorporando um indito sistema de propulso eltrica durante a imerso, o que lhe permitiu uma maior capacidade de tonelagem e um melhor desenho. Aps a inveno do escafandro fechado por August Siebe em 1837, a explorao do fundo do mar ganhou, literalmente, flego. Por mais de 100 anos o escafandro tradicional sofreu pouqussimas modificaes e foi a principal ferramenta de trabalho dos mergulhadores. O escafandro provavelmente a imagem mais fcil de ser associada explorao submarina e pode ainda ser encontrado em uso at os dias de hoje.

Figuras 1-9 e 1-10 Modelo de escafandro MARK V Historical Diving Society - EUA

Apesar do peso, da pouca mobilidade (devido ao umbilical que fornecia ar a partir da superfcie) e da visibilidade limitada, o uso do escafandro permitiu a realizao de faanhas simplesmente inacreditveis ao longo dos tempos. Em 1885, por exemplo, o mergulhador Alexander Lambert resgatou sozinho meio milho de dlares em moedas de ouro de uma sala forte do naufrgio do Alfonso XII a 50

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m, embora isto tenha custado a Lambert uma aposentadoria precoce graas a doena descompressiva. Em 1890, arquitetos descobriram que a Abadia de Westerminster (Inglaterra) estava preste a ruir devido a infiltrao de gua em suas fundaes. Construda no sculo VII, a catedral era um monumento histrico e era inaceitvel perd-la. A nica sada era utilizar mergulhadores para instalar apoios nas fundaes, um trabalho gigantesco para a poca. O surpreendente que a tarefa foi realizada por um nico homem, William Walker, entre 1906 e 1911. Durante seis anos Walker mergulhou com seu escafandro 6 horas por dia em visibilidade zero para escavar 235 poos e instalar os reforos a 8 m de profundidade. No incio do sculo acidentes com mergulhadores se tornavam cada vez mais graves e freqentes devido a um mal que poucos compreendiam: a doena descompressiva. Em 1906 o almirantado ingls decidiu criar um comit para investigar o problema, nomeando o professor John Scott Haldane como seu lder. Haldane atacou os problemas do mergulho de forma cientfica e introduziu diversos novos equipamentos, como cmaras de descompresso e compressores mais eficientes. Mas ele lembrado at hoje por ter criado o conceito de descompresso em estgios e as tabelas de descompresso. As tabelas sofreram diversas modificaes durante este sculo, mas suas teorias so utilizadas at hoje, inclusive nos modernos computadores de mergulho, na Inglaterra comum a expresso "Modelo Haldaniano" para designar tais tabelas. O grande pblico comeou a ter contato com o mundo submarino em 1916, quando estreou nos EUA o filme 20.000 Lguas submarinas. A maioria das pessoas que assistiram ao clssico de 1954, produzidos pelos estdios Disney, nem imaginavam que aquela a segunda verso para o cinema da obra de Jlio Verne. Quase 40 anos antes os irmos Williamson utilizaram escafandros para produzir a primeira verso, mostrando cenas submarinas nunca antes vistas. Como as caixas estanques ainda no haviam sido inventadas, os Williamson criaram a fotosfera, uma esfera submersa para abrigar a cmara, ligada por um longo tubo superfcie que permitia ao operador subir e descer. Apesar do grande interesse do pblico, quando o transatlntico Laurentic afundou durante a primeira guerra mundial carregando mais de 25 milhes de dlares em barras de

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ouro, a marinha inglesa foi obrigada a iniciar uma operao altamente secreta para no chamar a ateno dos alemes. Entre 1917 e 1924 os mergulhadores da Royal Navy recuperaram praticamente toda carga do interior do naufrgio a 36 m de profundidade. Os mergulhadores utilizavam o escafandro para executar trabalhos no mar, em pontes, portos, rios, naufrgios e em qualquer outro lugar onde houvesse gua, mas apesar da evoluo, a profundidade mxima ainda era limitada. Alguns mergulhadores chegaram a descer mais de 100 m com este tipo de equipamento e respirando ar, mas a narcose pelo nitrognio praticamente impedia a execuo de trabalhos mais complexos em profundidades alm dos 30m.

Figura 1-11 Trabalho com Escafandro Historical Diving Society - EUA

Vrias idias surgiram nas primeiras dcadas do sculo XX para romper esta barreira e uma das mais interessantes era a roupa blindada. A princpio a idia era simples: construir uma roupa que mantivesse o mergulhador a presso atmosfrica (evitando a narcose e a descompresso) e permitisse sua movimentao atravs de juntas flexveis (como um micro-submarino com braos e pernas). Em 1913 j existia um modelo operacional, denominado roupa de Neufeldt-Khunke, que chegou a ser utilizada com sucesso em alguns resgates. Infelizmente estas roupas apresentavam problemas, pois devido ao aumento da profundidade, a presso "travava" as juntas e impedia que o mergulhador se mexesse. O impulso que faltava para o desenvolvimento do mergulho profundo veio da marinha dos Estados Unidos da Amrica aps a perda do submarino S-4 e toda a sua tripulao a 31 m. A revolta da opinio pblica ao saber que a equipe de salvamento era capaz de se comunicar com os sobreviventes a bordo do submarino, mas no tinha como resgat-los foi tanta que a marinha decidiu formar um grupo de especialistas com o

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objetivo de aumentar a profundidade mxima de trabalho das equipes de resgate. Entre outros projetos, o grupo comeou a trabalhar na utilizao de hlio nas misturas respiratrias para diminuir o efeito da narcose. Praticamente ao mesmo tempo, o Dr. Edgar End investigava o mesmo assunto com o auxlio de dois amigos, Max Gene Nohl e John D. Craig. Aps diversos testes em cmara e o cancelamento de uma expedio ao naufrgio do Lusitania (95 m), em 1937 eles se sentiam prontos para tentar superar os recordes de profundidade da poca. Utilizando um escafandro desenhado por ele mesmo e que parecia mais um farol que um equipamento de mergulho, Nohl atingiu a marca de 128 m. O escafandro funcionava de modo autnomo com dois cilindros de mistura respiratria e s era ligado superfcie por um cabo guia e pela linha de comunicao. Mas a prova final de que o hlio era uma alternativa vivel para o problema da narcose s veio em 1939 com o afundamento de outro submarino americano. O Squalus submergiu sem fechar uma vlvula e, com a gua invadindo o submarino, os tripulantes no tiveram tempo de escapar e foram obrigados a refugiar-se nos compartimentos no alagados. Dos 59 tripulantes, 33 sobreviveram e ficaram presos a 75 m de profundidade. O Squalus foi localizado rapidamente e em poucas horas um navio de resgate estava em posio. A idia era utilizar um novo sino de mergulho que podia se acoplar em uma das escotilhas do submarino, funcionando como um elevador para trazer os tripulantes de volta superfcie. No entanto, era preciso fixar um cabo guia ao submarino. Os mergulhadores tentaram fixar o cabo diversas vezes, mas a narcose e o frio impediam que eles completassem a misso. Com o tempo se esgotando, a equipe tomou uma deciso: enviar um homem ao fundo utilizando um equipamento experimental e uma mistura base de hlio. Em poucos minutos o mergulhador prendeu o cabo e aps 12 viagens do sino, os 33 sobreviventes foram resgatados. Nas semanas seguintes, a marinha realizou mais de 100 mergulhos utilizando hlio para trazer o Squalus de volta tona na operao de salvatagem mais profunda at ento. A "embriaguez das profundezas" no era mais uma barreira para a explorao do fundo do mar. Durante a segunda guerra o escafandro clssico continuou a ser utilizado, mas a necessidade de equipamentos mais simples e com mais mobilidade obrigou os beligerantes a aprimorar sua tecnologia. Os alemes desenvolveram o rebreather, que era um equipamento que reciclava parcial ou totalmente o gs exalado pelos

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mergulhadores, aproveitando esse mesmo gs nas prximas inspiraes. Embora a tecnologia do Rebreather no fosse nova, pois em 1680 Giovanni Borelli4 j mencionava um equipamento de circuito fechado, e em 1726 houvesse registros de tais equipamentos sendo utilizados para o salvamento de trabalhadores de minas na Itlia5, foi durante a segunda guerra que seu uso foi aperfeioado para operaes militares anfbias, tanto por alemes quanto por ingleses, japoneses e italianos. Os rebreathers eram equipamentos mais complexos que os de circuito aberto e empregados quase que exclusivamente nas operaes de salvamento e combate militar, pois no foram considerados seguros para uso em mergulhos recreativos, bem como os efeitos da toxidade pelo oxignio em profundidades maiores que 10 m limitava a aplicao deste tipo de equipamento.

Figura 1-12 Modelo inicial de rebreather

Era preciso encontrar uma forma de libertar os mergulhadores e, embora diversos pioneiros tenham demonstrado solues para o problema durante a dcada de 30, foi preciso esperar at 1943 para que dois franceses, Jacques-Yves Cousteau e Emile Gagnan cortassem de forma definitiva os umbilicais, criando o Aqualung e dando incio a um novo captulo da histria do mergulho.

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Giovanni Borelli Il merguglio in mare di Trento. Corriere de La Sera.37

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1.3

O Desenvolvimento do Mergulho Autnomo As tentativas de dotar o homem de maior autonomia debaixo da gua se sucederam

e alcanaram cada vez maiores profundidades, quando comearam a surgir os problemas provocados pelas variaes de presso as quais eram submetidos os mergulhadores. Os males causados pela exposio a presses elevadas eram verdadeiros pesadelos para o mergulho de ento. Tentando encontrar uma soluo para estes problemas, as investigaes se orientaram para um aparelho que facilitasse a regulagem automtica do suprimento de ar e que ao mesmo tempo pudesse liberar o mergulhador do cordo umbilical da superfcie. Aqueles cientistas que tinham conscincia dos problemas que atormentavam o mergulhador continuavam sem levar em conta que o homem se movia na gua em um meio 800 vezes mais denso que o ar e insistiam em fazer o mergulhador caminhar ereto, arrastando sapatos de chumbo. Por fim, o to esperado acontecimento se produziu por obra de um oficial da marinha francesa e um engenheiro: Auguste Denayrouse e Benoit Rouquayrol, ambos em colaborao, conceberam um aparelho que deram o nome de aerfago (portador de ar) que pela primeira vez regulava automaticamente o suprimento de ar e liberava o mergulhador da dependncia da superfcie. O aparato era simples e propiciou o surgimento do moderno regulador de presso. Sem dvida, este invento foi de extrema importncia na poca e por suas conseqncias posteriores, possibilitou a utilizao do princpio da membrana equilibradora, representando assim o primeiro passo para o regulador automtico de presses. Tal aparelho foi pouco utilizado, j que sua autonomia era muito limitada e por no dispor de visor adequado. O mergulhador, uma vez submerso ficava praticamente sem viso. Em 1925, outro inventor francs, marinheiro de profisso e apelidado Le Prieur, desenhou um novo aparato, baseado no equipamento de Denayrouse y Rouquayrol, que melhorou sensivelmente o modelo. Este aparelho era dotado, pela primeira vez, de uma garrafa de ao carregada a aproximadamente 22,05 PSI, mas sua capacidade era muito limitada pois no passava de 6,5 litros.

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O regulador era acoplado sobre a garrafa e tinha duas cmaras: uma de presso ambiente pela qual penetrava a gua e outra de baixa presso; entre ambas as cmaras eram ajustada uma membrana que fazia o papel de equilibrador de presso, da qual saia o tubo de suprimento de ar. O aparelho tinha um manmetro que facilitava ao mergulhador um suprimento de ar adicional, quando o regulador no enviava o suficiente. Para solucionar a falta de um visor, pela primeira vez se utilizou um sistema de viso submarina por meio de uma grande mscara facial, por cuja borda inferior era expelido o ar expirado. Porm, este aparelho no chegou a satisfazer todas as esperanas que se haviam depositado, pois o fato de no dispor de um controle do consumo de ar, presumia um desperdcio que limitava de grande maneira sua autonomia, reduzida a aproximadamente quinze minutos, a profundidades no superiores a 15 m. Nas provas de profundidades maiores, entretanto, realizadas com este aparelho, foi atingido satisfatoriamente os 50 m de profundidade. Indubitavelmente foi dado um importante passo, com a liberao do mergulhador do cordo umbilical da superfcie, livrando-o da claustrofbica sensao dos escafandros clssicos, at ento utilizados. Tal avano propiciou tambm o conhecimento de alguns itens de mergulho. Apenas um pequeno, mas importante detalhe no fora ainda satisfeito: melhorar o deslocamento do mergulhador embaixo dgua, liberando-o da posio ereta e dos pesados e incmodos sapatos de chumbo. Oito anos depois do invento de Le Prieur, um outro compatriota, marinheiro de profisso, apresentou ao alto comando da Marinha Militar Francesa, um par de nadadeiras de borracha e, mesmo que aquela demonstrao no tenha causado nenhuma sensao, no transcorrer dos anos, foi reconhecido o valor do invento de Luis de Corlieu. Em 1937, na costa francesa do Mediterrneo, foi testado um dos primeiros cilindros de ar comprimido, no qual o mergulhador regulava manualmente o fornecimento do ar, abrindo e fechando uma vlvula. Em 1943, outro francs chamado George Commheines realizou a primeira prova de um equipamento de sua inveno que melhorava sensivelmente o aparato de Le Prieur.Coletnea Manual Tcnico de Bombeiros 39

segurana que anos mais tarde

seriam consagrados para as atividades de

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Foi testado nas guas de Marselha e obteve xito ao alcanar os 35 m de profundidade. Paralelamente aos trabalhos de Commheines, no mesmo ano de 1943, foi constatado um feito histrico na evoluo do mergulho: uma equipe, tambm composta por um marinheiro e um engenheiro deu os ltimos toques e se disps a submeter a prova o aparato que era considerado a soluo dos problemas sofridos por vrias geraes de exploradores subaquticos. A equipe era composta pelo engenheiro Emile Gagnam, e pelo marinheiro Jacques Ives Cousteau, alm de um voluntrio que provaria o aparato, o jovem desportista Frderic Dumas. O acontecimento teve lugar numa manh do ms de julho de 1943, na Costa Azul francesa. De uma forma discreta, aparentemente sem importncia, Dumas conseguiu alcanar os 63 m de profundidade, coroando de xito a experincia.

Figura 1-13 Modelo de Aqualung

O equipamento Cousteau-Gagnam foi denominado Aqualung, baseava-se nos predecessores de Denayrouse e Rouquayrol e Le Prieur, e continha um sistema da membrana equilibradora de presso, melhorando sensivelmente seu conceito. Todo o processo e regulao de presses realizava-se em um corpo nico de regulador, composto por trs cmaras: de alta, baixa e presso ambiente. Apresentava, ainda, uma grande novidade, pois o circuito respiratrio se desenvolvia praticamente todo atravs do regulador. O regulador tinha incorporado dois tubos traqueais: um de admisso e outro de expulso de ar que ia desde o bocal at a cmara de presso ambiente, de onde saia o ar para o exterior. Tal sistema facilitava a respirao tornando-a bastante cmoda atColetnea Manual Tcnico de Bombeiros 40

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profundidades aceitveis, que no eram atingidas at ento. Outra vantagem do novo aparelho era a autonomia proporcionada pelos trs cilindros de ao. O "aqualung", tambm conhecido como scuba (self-contained underwater breathing apparatus), se tornou disponvel comercialmente em 1946.

1.4

A ltima fronteira do mergulho Anos depois Jacques Cousteau, junto com Dumas e Philippe Tellez, criaram o

Groupe

de

Recherches

Sous-marines,

que

posteriormente

se

denominaria

GroupedEtudes de Recherches Sous-marines (GERS), e a bordo de um caa-minas ingls da poca da 2 guerra, pesando 360 toneladas, com 42 m de cumprimento, batizado de Calypso e convertido em barco oceanogrfico percorreram todos os mares do globo, apontando inmeros descobrimentos cientficos e recuperando grande quantidade de stios arqueolgicos. A grande aventura dos descobrimentos submarinos havia ganhado um significativo impulso e depois, tudo seria uma sucesso de fatos e descobrimentos. Homens da cincia passaram a se interessar pelas grandes profundidades. O primeiro deles foi o professor Auguste Piccard, cientista suo que como Halley se cansou de procurar a aventura nas grandes escaladas, preferindo conquistar as inspitas profundidades. Em 1948, Piccard junto com o fsico belga Max-Cossyns, construiu a primeira nave de investigao abissal, a qual denominaram Batiscafo (ou nave das profundidades) e cujas siglas eram FRNS-2, que correspondiam fundao belga patrocinadora. Sua primeira imerso se realizou nas guas das ilhas Cabo Verde, chegando aos 1800 m. Ainda que a profundidade alcanada fosse importante para aquela poca, a nave acusou certas deficincias de construes que depois foram corrigidas no modelo seguinte. Graas a colaborao de Jacques Cousteau e de Tilliez, a nova nave, denominada FNRS-3, desceu em 1953, nas guas de Marselha, a uma profundidade de 1550 m, cota que seria ultrapassada dias depois, alcanado os 2.100 m. A mesma nave chegaria aos 4.050 m trs anos depois, em guas de Dakar. Mas no terminaram a as tentativas do inquieto professor Piccard, pois imediatamente se colocou a trabalhar no projeto de uma nova nave submersvel cujas primeiras provas realizou em agosto de 1953, com resultados plenamente satisfatrios; noColetnea Manual Tcnico de Bombeiros 41

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ms seguinte, tripulado por seu filho Jacques, alcanaria os 1800 m e trs dias depois, pai e filho desceram aos 3150 m; a imerso se realizou nas guas do mar Adritico, em um ponto situado a 80 km da ilha de Ponza. Enquanto isso, a equipe de Cousteau trabalhava no projeto de um submergvel, mesmo que menos ambiciosa da realizada pelo Prof. Piccard, no por isso era menos til; naquele momento somente estavam interessados na explorao da plataforma continental. Em seu projeto tambm participaria um velho colaborador de Cousteau, o engenheiro Emile Gagnan, enquanto a construo seria dirigida pelo engenheiro francs do CFRS, Jean Mollard. A primeira prova desta pequena e, como depois se mostraria, utilssima nave submergvel, realizou se em 1957 nas guas do Mediterrneo, mas, por causa de uma falha em um dos cabos de amarrao, ao ser colocada na gua se soltou, caindo ao fundo de 1.000 m, e, ainda que no tenha sido projetada pela tal profundidade, com grande surpresa para seus construtores, ao ser recuperada, pode se observar que apenas havia sofrido danos em sua estrutura principal; isso serviu para que continuassem com o projeto e construo de uma segunda nave submarina, que seria denominada de La soucoupe plongeante (disco mergulhador) D S-2, tendo sido batizada com o nome de Denise; dispunha de uma autonomia de 24 horas e a lotao era de dois homens. Sua primeira prova se realizou em guas da plataforma continental de Porto Rico, em 1959, sendo tripulada por Albert Falc e Jean Mollard, operao que resultou em pleno xito. Meses depois, na baia de Ajaccio (ilha da Crsega), tambm tripulada por Falc e Cousteau, alcanariam os 300 m de profundidade mxima para que havia sido construda. Posteriormente, este aparelho seria utilizado numa infinidade de ocasies durante as jornadas do Calypso.

1.5

Os limites humanos A medida em que os cientistas continuavam a trabalhar e construir submergveis

capazes de alcanar maiores profundidades, o interesse pelos recordes de profundidade seja em apnia (pulmo livre), seja por escafandro autnomo, comea a ter mais adeptos. No que diz respeito ao mergulho livre (apnia) e sem que se tenha a remontar aos antigos pescadores de esponjas e corais, se dispe de dados mais recentes, ainda que um pouco contraditrios. Das imerses dos mergulhadores gregos, alguns autores mencionam apenas um deles (Scotti Geris) a 60,95 m em 1913, outros escritores referem apenas ao seu

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compatriota Starki Hasikel em 1918, que descendo para liberar uma ncora engatada aos 80 m de profundidade, para cuja tarefa se serviu de uma simples pedra como contrapeso. Ambas as faanhas, se considerarmos a forma em que foram realizadas, so dignas de meno, mas, sem dvida, a ltima a que se pode qualificar de marca no superada, pois enquanto atualmente j tenha ultrapassado os 130 m em apnia, devemos considerar que aquele mergulhador carecia dos meios e conhecimentos disponveis aos mergulhadores de hoje, os quais, ainda que possuindo os meios e conhecimentos atuais, demoraram mais de vinte anos para poder superar a marca de Hasikel. Foi a partir do ano de 1949, que comearam as primeiras tentativas de recordes em apnia, quando o italiano Raimondo Bucher, alcanou os 30 m, batendo aos 39 m trs anos mais tarde; o tambm italiano Alberto Novelli, em 1953, obteve a marca dos 41 m, que outro italiano, Anerio Santarelli, superaria em 1960, atingindo os 60 m. Tambm os mergulhadores autnomos desejavam conhecer o limite de suas possibilidades e a equipe de Cousteau inicia, em 1946, uma srie de provas, sendo que, em uma delas, na profundidade de 120 m, pereceria um dos membros de sua equipe, o contramestre M. Farques. Dois anos mais tarde, Frderic Dumas desceu aos 93 m, deixando esta cota como limite para o mergulho autnomo; todavia, seria um espanhol, o catalo Eduardo Admetlla, que no ano de 1957, equipado com um equipamento autnomo Nemrod e com carga de ar comprimido, alcanaria as guas de Cartagena aos 100 m de profundidade, recorde jamais superado com esta classe de equipamento. Ainda que dois anos mais tarde a equipe formada pelos italianos Falc, Novelli e Olgiani obtivesse a marca de 130 m, fizeram em condies tcnicas superiores ao espanhol Admetlla, j que para esta prova utilizaram um regulador desenhado por Novelli, de caractersticas muito melhores que o do tipo standard utilizado por Admetlla. Os xitos de Piccard e Cousteau serviram de incentivo para que os tcnicos e cientistas de outros pases tambm se interessassem pela conquista das profundidades. Os norte-americanos, sempre abertos a qualquer novidade, captaram o professor Piccard e, em colaborao com a U.S. Navy, este comeou uma srie de experincias com o batiscafo Triestre, que em 1960, tripulado pelo filho do professor e um tenente da marinha americana, submergiram na Fossa das Marianas, alcanando a impressionante profundidade de 10.916 metros.

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Apesar de todo o avano cientfico, sobretudo quando se desenvolve em um ambiente que no habitual ao homem, algumas conseqncias decorrentes da adaptao ao meio foram constatadas, problemas que no eram novos, j que comearam a aparecer nos primeiros tempos do mergulho com ar comprimido; o considervel aumento da autonomia dos equipamentos e o desejo de ampliar cada vez, fizeram com que alguns cientistas dedicassem seus estudos a busca de solues queles problemas. Entre eles, cabe destacar o ento jovem professor suo Hans Keller, que, junto com o Dr. Albert Bhlmann, utilizando uma mistura de gases que haviam concebido, desceram vrias vezes, durante os anos de 1959 e 1960, a profundidades de 120 m em diversos lagos suos, inclusive atingindo, em uma ocasio, os 155 m, com a utilizao de equipamento de mergulho autnomo. Com misturas similares, Keller submeteu-se a uma presso equivalente a 25 atmosferas (250 m) em uma cmara hiperbrica da marinha francesa em Tulon. Os problemas do nitrognio, principal inimigo do mergulhador, comearam a ser investigados com tcnicas mais avanadas, tais como reduzir a concentrao de oxignio em benefcio do nitrognio ou substituir o nitrognio por hlio ou por hidrognio. Todavia, apesar de todas as imerses com equipamento autnomo, inclusive com alguma dessas misturas gasosas, no superaram os 70 m naqueles tempos, ainda que considerada a marca de 130 m atingida, em 1945, pelo mergulhador sueco Zatterstrm, utilizando uma mistura de oxignio, nitrognio e hidrognio, uma vez que, lamentavelmente, perdeu a vida nesta tentativa. O Prof. Keller continuou suas experincias e, em 1962, desceu nas guas da Califrnia a 300 m, tripulando uma cpsula submergvel, da qual efetuou uma sada e procedeu algumas evolues em seu redor durante vrios minutos, utilizando uma mistura de gases de sua inveno, baseadas em suas experincias anteriores. No mesmo ano de 1962, a equipe de Cousteau pe em marcha a operao Precontinente I, dedicada a estudar o comportamento do homem alojado em uma casa submarina situada a 10 m de profundidade. Esta experincia que resultou em xito, foi protagonizada por Albert Falc e Claude Wesley, os quais permaneciam submersos ininterruptamente durante uma semana, realizando freqentes sadas s cotas mais profundas. O resultado desta operao animaria Cousteau a por em prtica, no ano seguinte, outra de maior alcance, a Precontinente II, elegendo para esta experincia as guas do mar Vermelho. A operao consistiu em criar uma pequena colnia submarina, composta de trs habitaes submarinas. A primeira unidade, fundeada a 10 m, era o